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Estudos sobre o Caso TRT

2014

para copiar partilhar ler pensar A Coleção Acadêmica Livre publica obras de livre acesso em formato digital. Nossos livros abordam o universo jurídico e temas transversais por meio das mais diversas abordagens. Podem ser copiados, compartilhados, citados e divulgados livremente para fins não comerciais. A coleção é uma iniciativa da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP) e está aberta a novos parceiros interessados em dar acesso livre a seus conteúdos. Esta obra foi avaliada e aprovada pelos membros de seu Conselho Editorial. Conselho Editorial Flavia Portella Püschel (FGV DIREITO SP) Gustavo Ferreira Santos (UFPE) Marcos Severino Nobre (Unicamp) Marcus Faro de Castro (UnB) Violeta Refkalefsky Loureiro (UFPA) A pesquisa apresentada nesta obra foi realizada com o apoio financeiro de: Os livros da Coleção Acadêmica Livre podem ser copiados e compartilhados por meios eletrônicos; podem ser citados em outras obras, aulas, sites, apresentações, blogues, redes sociais etc, desde que mencionadas a fonte e a autoria. Podem ser reproduzidos em meio físico, no todo ou em parte, desde que para fins não comerciais. Conceito da coleção: José Rodrigo Rodriguez Editor José Rodrigo Rodriguez Assistente editorial Bruno Bortoli Brigatto Capa, projeto gráfico e editoração Ultravioleta Design Preparação de texto Lucas de Souza C. Vieira Revisão Camilla Bazzoni de Medeiros Imagem da capa Romulo Fialdini Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Karl A. Boedecker da Fundação Getulio Vargas – SP Estudos sobre o Caso TRT / organizadoras Maíra Rocha Machado, Luisa Moraes Abreu Ferreira; autores André Janjácomo Rosilho ... [et al.]. – São Paulo : Direito GV, 2014. 380 p. ISBN 978-85-64678-11-8 1. Brasil. Tribunal Regional do Trabalho (SP). 2. Corrupção administrativa - Brasil. 3. Fraude Brasil. 4. Crime contra a administração pública. I. Machado, Maíra Rocha. II. Ferreira, Luisa Moraes Abreu. III. Rosilho, André Janjácomo. IV. Título. CDU 343.35(81) FGV DIREITO SP Coordenadoria de Publicações Rua Rocha, 233, 11º andar Bela Vista – São Paulo – SP CEP: 01330-000 Tel.: (11) 3799-2172 E-mail: publicacoesdireitogv@fgv.br sumário Introdução 11 Maíra Rocha Machado 1. A nArrAtIvA do CAso trt 25 Maíra Rocha Machado e Luisa Moraes Abreu Ferreira 1.1 | o IníCIo dA hIstórIA (1992-1998): MAIS UMA FRAUDE EM LICITAçãO DE OBRA PúBLICA 26 1.1.1 | O edital de concorrência e o contrato 27 1.1.2 | Identificação de irregularidades: a primeira fase da atuação do TCU 29 1.1.3 | O Ministério Público entra em cena 30 1.2 | todAs As ArmAs (1999-2002): PROCESSOS E RECURSOS 32 1.2.1 | O divisor de águas: a CPI do Judiciário no Senado Federal 33 1.2.2 | Suíços iniciam a primeira investigação e mantêm bloqueio por 14 anos 36 1.2.3 | A segunda fase da atuação do TCU 37 1.2.4 | No Brasil, condenações criminais ainda aguardam trânsito em julgado 40 1.2.5 | Constructive trust: apartamento de Miami acionado e leiloado em meses 43 Ikal entra em falência e Grupo OK tem a personalidade jurídica desconsiderada 1.2.6 | 44 1.2.7 | Do “nada vai acontecer comigo” à marchinha de carnaval 46 1.2.8 | Enfim, as sentenças nas ações de improbidade 47 1.3 | hIstórIA sem fIm 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: ARGUMENTOS DOGMáTICOS NAS DECISõES DO TCU E DO STF ENVOLVENDO O CASO TRT 48 61 André Rodrigues Corrêa Introdução 61 2.1 | A rAIz de todo mAl: AS DISCUSSõES ACERCA DO PROCEDIMENTO CONVOCATóRIO E DO CONTRATO NOS PROCESSOS INSTALADOS JUNTO AO TCU ANTES DA CRIAçãO DA CPI DO JUDICIáRIO 64 2.1.1 | O Acórdão 231/96 do Tribunal de Contas da União 64 2.1.2 | O Acórdão 45/1999 do Tribunal de Contas da União 84 2.2 | ArrAnCAr o mAl PelA rAIz: NOS PROCESSOS INSTALADOS JUNTO AS DISCUSSõES SOBRE NULIDADE E RESCISãO DO CONTRATO AO TCU E AO STF APóS A CRIAçãO DA CPI DO JUDICIáRIO 2.2.1 | O Acórdão 23560/DF do Supremo Tribunal Federal 2.2.2 | O Acórdão 298/2000 do Tribunal de Contas da União 2.3 | A CurA PArA todo mAl? CONSIDERADOS PELOS TCU E OS ARGUMENTOS PELO STF 94 95 100 INSUFICIENTEMENTE 104 2.3.1 | A adequação dos instrumentos: edital e contrato 105 2.3.2 | O equilíbrio contratual: aditivos contratuais, rescisão e declaração de nulidade 112 ConClusão 116 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: DESCONSIDERAçãO DA PERSONALIDADE JURíDICA E FALêNCIA NO CASO TRT 135 Gisela Ferreira Mation Introdução 3.1 | defInIção 135 dos InstItutos jurídICos: DESCONSIDERAçãO DA PERSONALIDADE JURíDICA E FALêNCIA 3.2 | A deCretAção dA fAlênCIA dA ConstrutorA IkAl 137 142 3.2.1 | Arrecadação e desvio de bens 144 3.2.2 | Desconsideração da personalidade jurídica: pedidos e recursos 145 3.2.3 | Decisão sobre a desconsideração da personalidade jurídica 151 ConsIderAções fInAIs 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: EqUILIBRANDO A INTERDEPENDêNCIA DE JURISDIçõES COM A UTILIzAçãO DE DIFERENTES ESTRATéGIAS JURíDICAS Rochelle Pastana Ribeiro 152 163 Introdução: ALTERNATIVAS JURíDICAS DISPONíVEIS PARA A RECUPERAçãO DE ATIVOS NO ExTERIOR 4.1 | o ProCesso de reCuPerAção de AtIvos no 4.2 | o legAdo do CAso trt: CAso trt-sP COORDENANDO AS ESTRATéGIAS DE RECUPERAçãO DE ATIVOS 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto 163 168 174 189 Carolina Cutrupi Ferreira Introdução 5.1 | A 5.2 | PrIsão 5.2.1 | 5.3 | 189 191 fugA e A rendIção esPeCIAl nA PolíCIA federAl e CondenAções nA justIçA federAl Manutenção da prisão após condenação o IníCIo do ProCesso de exeCução ProvIsórIA ConsIderAções 195 198 199 206 fInAIs 6. o CAso trt nA mídIA: SISTEMA DE DIREITO CRIMINAL E OPINIãO PúBLICA 229 José Roberto Franco Xavier Introdução 229 6.1 | umA 232 6.2 | A resIstênCIA do sIstemA de dIreIto CrImInAl à Pressão externA 6.3 | A mídIA e A oPInIão PúblICA no CAso notAs ConsIderAção PrelImInAr: A DIFICULDADE DE MANIPULAR UM SISTEMA COMPLExO nIColAu fInAIs 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: REFLExõES A PARTIR DO CASO TRT Paulo Eduardo Alves da Silva Susana Henriques da Costa 236 242 245 251 Introdução 7.1 | A 251 demorA do ProCesso e seus resultAdos: PROVIMENTOS DE URGêNCIA, RECURSOS E COISA JULGADA 7.2 | A multIPlICIdAde de órgãos de Controle e suA InfluênCIA nA formAção do Conjunto ProbAtórIo 7.3 | 252 os sujeItos do ProCesso: esColhAs PolítICAs que se refletem nA téCnICA ConsIderAções 264 271 277 fInAIs 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt 287 Luisa Moraes Abreu Ferreira Introdução 8.1 | evolução 287 normAtIvA dAs regrAs de foro esPeCIAl 288 8.1.1 | Desde 1923... 288 8.1.2 | “Parece-me, porém, que é chegada a hora de uma revisão do tema” 288 8.1.3 | A reação legislativa: alteração do CPP 290 8.1.4 | Novo tipo de populismo? A questão volta para o STF 292 8.1.5 | O julgamento das ADIs pelo STF 294 8.1.6 | E, finalmente, o julgamento da Reclamação pelo STF 295 8.1.7 | Discussões intermináveis 296 8.2 | o foro Por PrerrogAtIvA de função no CAso trt 298 8.2.1 | As ações de improbidade 299 8.2.2 | Inquéritos criminais 302 8.2.3 | Ações penais 302 8.2.4 | Processo de corrupção: apelação criminal e recursos 303 8.2.5 | Processo de lavagem: apelação e (mais) recursos 306 8.3 | vAle A PenA? 9. leI nº 8.666/93: UMA RESPOSTA à CORRUPçãO NAS CONTRATAçõES PúBLICAS? André Janjácomo Rosilho 308 321 Introdução 9.1 | A 321 leI gerAl reformA dA 9.2 |Por que reformAr o 9.2.1 | de lICItAções deCreto-leI nº 324 2.300/86? 327 A tramitação do PL nº 1.491/91 9.3 |quAl foI A resPostA normAtIvA dA Ao dIAgnóstICo do Congresso leI nACIonAl? 329 nº 8.666/93 331 9.4 |A leI nº 8.666/93 PArA Além do dIsCurso normAtIvo: COMBATE à CORRUPçãO? 9.5 |A leI nº 8.666/93 CrIou boAs soluções PArA 332 os ProblemAs no sIstemA de ContrAtAções PúblICAs? 339 ConClusão 340 10. PArA ConCluIr: UMA AGENDA DE PESqUISA EM DIREITO A PARTIR DO CASO TRT 353 Maíra Rocha Machado 10.1 |A sImultAneIdAde de ProCedImentos PArA sAnCIonAr os mesmos fAtos 355 10.2 |o trânsIto em julgAdo e o Ponto fInAl no mundo jurídICo 357 10.3 |ImPunIdAde? 360 Como AvAlIAr os resultAdos do CAso trt? Anexos ANExO 1 – ProCessos e reCursos ANExO 2 – CoberturA jornAlístICA: ACERVO DIGITAL DA ANExO 3 – quAdro sobre os Autores de sAnções (1998-2013) 368 FOLhA DE SãO PAULO (1998-2013) 371 372 377 ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Introdução Maíra Rocha Machado O ano de 1992 é frequentemente lembrado pela aprovação da Lei de Improbidade Administrativa e, meses depois, pelo impeachment do Presidente que a sancionou, Fernando Collor de Mello. É lembrado ainda pelo Massacre do Carandiru e, no dia seguinte, pela vitória expressiva do “rouba, mas faz” de Paulo Maluf nas eleições paulistas. Mas foi também em 1992 que a publicação do edital para construção de novo edifício para o Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo deu início a um dos mais emblemáticos casos de corrupção do país. A importância registrada aqui decorre menos do montante desviado dos cofres públicos – se comparado a outros casos da época – mas sim do ineditismo de alguns fatores: além de ter sido protagonizado por um magistrado e um senador, o desvio de verbas na construção do TRT-SP foi o primeiro caso de corrupção a envolver bloqueio e repatriamento de bens e valores no exterior e a manter um dos réus preso por vários anos. Mais de 20 anos depois, o sistema de justiça brasileiro ainda se movimenta para apurar responsabilidades e reparar o dano ao erário público, calculado atualmente em R$ 991 milhões.1 Em julho de 2013,2 quando este livro foi concluído, havia procedimentos relacionados ao caso tramitando em mais de uma dezena de órgãos do sistema de justiça brasileiro, que geraram mais de uma centena de recursos e milhares de páginas.3 Os principais envolvidos no caso recorrem de decisões penais condenatórias em liberdade, com exceção de Nicolau dos Santos Neto. Em prisão domiciliar desde 2007, o ex-juiz, com 84 anos, foi transferido em março de 2013 para a Penitenciária de Tremembé, em São Paulo. E ali permaneceu até junho de 2014, quando teve reconhecida a extinção de sua pena em razão de indulto coletivo. As ações civis públicas que permitiram o bloqueio inicial das contas bancárias dos envolvidos foram sentenciadas em outubro de 2011, após mais de dez anos de tramitação. As apelações foram julgadas em outubro de 2013 e as condenações foram mantidas. Os recursos contra essas decisões não haviam sido julgados em agosto de 2014, tampouco realizada a liquidação das sentenças. A construtora que ganhou a licitação teve a falência 11 [sumário] Introdução decretada – e os sócios desta e outras empresas envolvidas estão com os bens bloqueados desde o início da ação civil pública em 1998. Quatro procedimentos foram concluídos desde então. O primeiro diz respeito à ação interposta pelo Estado brasileiro em Miami reivindicando a propriedade de apartamento avaliado em R$ 1 milhão que teria sido comprado por Nicolau dos Santos Neto com dinheiro oriundo das obras do Tribunal. A ação foi julgada, o apartamento leiloado e o dinheiro depositado em conta do tesouro nacional em menos de um ano. O segundo procedimento refere-se ao processo disciplinar iniciado no Senado Federal contra Luiz Estevão a partir dos fatos apurados na CPI do Judiciário e que culminou com a primeira cassação de um Senador da República. Mais de uma década depois, em agosto de 2012, a Advocacia-Geral da União celebrou acordo com o Grupo OK, de Luiz Estevão, para garantir o retorno imediato aos cofres públicos de pouco menos da metade do montante total desviado, conforme a decisão condenatória do Tribunal de Contas da União. Até julho de 2014, R$ 168 milhões já haviam sido depositados na conta do tesouro nacional. Por fim, em abril de 2013, o primeiro processo criminal transitou em julgado. Nicolau dos Santos Neto foi condenado definitivamente pelo crime de lavagem de dinheiro. A pena aplicada foi de 9 anos de prisão e multa de R$ 600 mil. Os demais processos permanecem tramitando, como se verá no decorrer do primeiro capítulo que narra o percurso do Caso TRT pelo sistema de justiça brasileiro e internacional.4 Desde que o caso veio a público, com a CPI do Judiciário em 1999, o arranjo normativo e institucional para lidar com a corrupção no país alterou-se substancialmente. Várias instituições foram criadas ou remodeladas para atuar especificamente no enfrentamento da corrupção. É possível dizer que o sistema de justiça destinado a lidar com a corrupção no país é outro depois da criação da Controladoria Geral da União, do Conselho Nacional de Justiça, do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do Ministério da Justiça, e de divisões especializadas na Advocacia-Geral da União, na Polícia Federal e no Ministério Público, tanto em âmbito federal quanto em diversos estados. O novo panorama institucional já foi objeto de análise e reflexão por diversos pesquisadores, especialmente no campo da ciência política que há décadas debruça-se sobre o tema. 12 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Com a publicação de Corruption and Democracy in Brazil (POWER e TAYLOR, 2011), o debate sobre os mecanismos de enfrentamento à corrupção mudou de patamar. Os coordenadores, juntamente com oito outros pesquisadores que participam da coletânea, apresentam uma rica descrição do funcionamento das instituições brasileiras e oferecem um diagnóstico muito estimulante sobre o enfrentamento à corrupção no país. Além de escrutinar as principais instituições que integram a “rede de accountability” (Tribunais de Contas, Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, entre outros), a coletânea coloca em questão o papel da mídia antes e depois do início das investigações, pontua as implicações de nosso presidencialismo de coalizão no favorecimento da corrupção e, de modo muito original, revela um forte desequilíbrio entre as práticas e as formas de controle da corrupção nas esferas federal, de um lado, e estadual e municipal, de outro. No capítulo conclusivo, Power e Taylor (2011, p. 251) discutem os motivos pelos quais o enfrentamento da corrupção no país ainda não se dá de maneira efetiva, apesar da proeminência do tema no debate público. Para os autores, este cenário é o resultado de uma série de falhas nas instituições, bem como da relação de interdependência que se estabelece entre elas. É neste nível de análise que os autores apontam vários tipos de falhas institucionais (institutional weakness): restrições orçamentárias, graus de autonomia em relação a pressões externas, politização e, até mesmo, suscetibilidade à corrupção (2011, p. 252-254). Além de problemas institucionais de vários tipos, os autores reconhecem também que grande parte do marco normativo proposto internacionalmente para enfrentar a corrupção “já existe no Brasil” (2011, p. 259). Em face desta constatação considerada “encorajadora”, os autores afirmam: “the issue is less one of creating new institutions from whole cloth than one of tinkering with the existant institutions and streamlining both their individual performance and their interactions with others”. E finalizam: “the devil, however, will be in the details”.5 O texto então retorna para a dimensão institucional, mas desperta o leitor para a existência de um conjunto de fatores – diferentes das falhas institucionais e da necessidade de criar novas leis – que exercem papel-chave no diagnóstico da ausência de efetividade do enfrentamento da corrupção. De 13 [sumário] Introdução fato, as características da legislação e das instituições não são capazes de explicar, sozinhas, os desafios atualmente colocados para o enfrentamento da corrupção no Brasil. Falta observar o modo como essas instituições operam: fluxos procedimentais, dogmática jurídica e processos decisórios – alguns dos “detalhes” do qual depende a simplificação e o aprimoramento das performances individuais das instituições do sistema de justiça. Este livro foi organizado justamente para tematizar essa outra camada, digamos assim, que muito raramente integra a reflexão acadêmica e o debate público. Desse modo, os ensaios que compõem esse livro aprofundam e sistematizam pontos cruciais do percurso do Caso TRT pelo sistema de justiça a partir do direito civil, do direito societário, do direito processual, do direito penal e do direito internacional. E, a partir desses arcabouços normativos, debruçam-se sobre vários nós jurídicos que impactam diretamente o saldo do Caso TRT após quase 15 anos tramitando no sistema de justiça. Pensar nos resultados, isto é, no que se obteve e não se obteve por intermédio da atuação do sistema de justiça convida o pesquisador a deslocar seu foco de atenção das áreas jurídicas específicas para o que coletivamente alcançaram. Como a Narrativa do Caso (Capítulo 1) revela, as áreas do direito e os órgãos a elas relacionados em algumas ocasiões trocaram informações e provas, enviaram de um lado a outro procedimentos inteiros e, em outras, ignoraram-se mutuamente e duplicaram esforços. Essa teia de interações processuais e decisórias que se forma entre várias áreas do direito tem passado desapercebida dos juristas – fruto sobretudo do fenômeno da “departamentalização do conhecimento jurídico”.6 Ao recortar uma determinada operação econômica e, a partir dela, identificar seus desdobramentos no sistema de justiça, este tipo de estudo de caso convida os pesquisadores em direito a observar o sistema de justiça sem as barreiras impostas pelas áreas jurídicas, a atentar às interações processuais e às suas implicações ao desfecho do caso. Para além dos ganhos internos à pesquisa em direito, estudos de caso deste tipo podem adicionar novos capítulos à construção da memória sobre a atuação concreta das instituições jurídicas brasileiras nos grandes casos de corrupção. Este esforço tem sido realizado sobretudo por jornalistas e cientistas sociais.7 Estes trabalhos, no entanto, tendem a captar a dinâmica 14 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT política do caso e suas implicações, mas normalmente não entram nos tais “detalhes”. Sob quais fundamentos o STF absolveu Collor? Os desvios de verbas públicas atribuídos ao ex-prefeito Celso Pitta retornaram ao Brasil? Mediante qual mecanismo de cooperação internacional? Como os Estados Unidos da América conseguiram colocar Paulo Maluf na lista de procurados da Interpol? E por que a ausência de condenações definitivas no Brasil não constituiu um óbice? Não existem estudos que nos ajudem a responder essas questões. É claro que inúmeros trabalhos publicados no Brasil sobre o tema da corrupção fazem referência aos grandes escândalos para ilustrar suas formulações sobre o papel desempenhado pelas instituições jurídicas. Frequentemente, contudo, apoiam-se em informações veiculadas pela mídia e não acessam a documentação produzida pelas próprias instituições (denúncias, sentenças, acórdãos, decisões, relatórios finais e etc.). Outras vezes as menções aos casos concretos têm como base as experiências profissionais de seus autores: advogados, promotores, procuradores, juízes, desembargadores, ministros, secretários de estado entre outros profissionais das carreiras jurídicas são autores de grande parte dos textos produzidos sobre o enfrentamento à corrupção no país. Quando há interesse em abordar aspectos propriamente jurídicos do fenômeno da corrupção, a principal fonte de informação utilizada é a legislação. Mesmo quando o objetivo é tratar de uma instituição, como os Tribunais de Contas ou as Comissões Parlamentares de Inquérito, por exemplo, inúmeros trabalhos limitam-se à descrição das normas que as criam, organizam e definem seu modo de atuação. E desse modo nada revelam sobre o que as instituições fazem: limitam-se a narrar o que a legislação determina que elas façam. É possível encontrar também trabalhos que se apoiam unicamente na doutrina jurídica, isto é, no que outros autores disseram sobre institutos semelhantes aos estudados – muitas vezes em outros países e contextos históricos. O protagonismo da legislação e da doutrina nos trabalhos jurídicos não é, obviamente, característica da temática da corrupção. E a cada dia encontramos mais exceções a este quadro.8 Enfim, este livro busca fazer uma contribuição à construção coletiva de um diagnóstico mais denso juridicamente sobre a atuação do sistema de 15 [sumário] Introdução justiça brasileiro no enfrentamento da corrupção. Dessa forma, tanto a Narrativa do Caso quanto os textos que integram esse livro foram elaborados com a preocupação de ampliar e intensificar o diálogo do campo jurídico com as ciências sociais ao redor tanto do diagnóstico dos problemas enfrentados quanto das possibilidades de reforma dos institutos e das instituições jurídicas.9 Busca-se também evitar o que Margarida Garcia denominou “diálogo sem troca” entre juristas e cientistas sociais, tradicionalmente pautado por “desconfiança, indiferença, ceticismo ou incompreensão”.10 E, desse modo, favorecer um espaço de debate que permita a ambos os lados refletir e reformular suas posições em função das descobertas e aportes de outros campos. O primeiro passo, que se buscou dar aqui, para enfrentar os desafios de um diálogo deste tipo diz respeito à própria linguagem utilizada na descrição do caso e nas análises. Sem simplificar e descaracterizar os institutos e os arranjos jurídicos, os textos buscam fornecer explicações e contextualizações que facilitem a compreensão dos leitores. Buscou-se eliminar o “juridiquês” sem trair a especificidade da linguagem jurídica. Com estes objetivos em mente, o primeiro capítulo narra o percurso do Caso TRT, desde a publicação do edital de licitação em 1992 até a conclusão deste livro em julho de 2013. A pesquisa que serviu de base à elaboração do estudo de caso foi financiada pela agência de pesquisa canadense IDRC (International Development Research Centre) no âmbito do projeto de pesquisa “Transnational Anti-corruption Law in action: evidences from Brazil and Argentina” coordenado por Kevin Davis (New York University), Guillermo Jorge (Universidad San Andres) e Maira Rocha Machado (FGV DIREITO SP).11 Em seguida, André Correa debruça-se sobre o debate jurídico que se travou no Tribunal de Contas da União e no Supremo Tribunal Federal sobre o contrato celebrado entre o TRT e a Incal. O objetivo central do texto foi esmiuçar o modo como distinções dogmáticas – “contrato público vs. contrato privado” e “nulidade contratual vs. inadimplemento contratual” – foram utilizadas e quais as implicações deste uso para as soluções jurídicas dadas ao caso. A partir da análise do conteúdo dos acórdãos proferidos pelo TCU e pelo STF, André Correa identifica uma peculiar combinação de 16 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT excessiva atenção e inadequada compreensão de sentido e alcance dessas distinções dogmáticas. Ao percorrer os argumentos utilizados pelos diversos atores que participaram da construção dessas decisões – magistrados, peritos e advogados –, o texto permite observar o modo como diferentes arranjos normativos – de direito público e de direito privado – são mobilizados de maneira distinta na construção dos argumentos jurídicos, bem como o elevado impacto que a escolha de um outro arranjo pode ter – tanto para o desfecho do caso quanto para a jurisprudência que se forma a partir dele (Capítulo 2). Como mostra a Narrativa do Caso, este debate sobre a licitude ou ilicitude do contrato celebrado entre o TRT e a construtora teve início nas primeiras intervenções do TCU e se prolongou por anos no Judiciário. Enquanto esse debate ocorria, o Ministério Público obteve a indisponibilidade dos bens da construtora na ação civil pública por improbidade administrativa e, pouco tempo depois, em 25 de fevereiro de 1999, uma empresa requereu a falência da construtora em virtude do não pagamento de duplicatas. A partir das interações ainda pouco exploradas entre o enfrentamento da corrupção e os institutos do direito privado, Gisela Mation apresenta em detalhes os procedimentos voltados a promover a desconsideração da personalidade jurídica e a falência das construtoras envolvidas no Caso TRT. Em seu texto, a autora argumenta que tais institutos podem desempenhar um papel relevante tanto na prevenção da corrupção, na medida em que servem como instrumentos de dissuasão, como na responsabilização por atos de corrupção. A partir da documentação que integra os autos desses processos, o capítulo de Gisela Mation investiga as dificuldades práticas e dogmáticas envolvidas na aplicação desses institutos, destacando, em especial, a forma como a fragmentação do ordenamento e do sistema de justiça podem dificultar sua plena utilização (Capítulo 3). E se parte do patrimônio das pessoas físicas e jurídicas envolvidas tiver sido transferida para o exterior? No capítulo seguinte, Rochelle Pastana Ribeiro apresenta um detalhado panorama das estratégias jurídicas disponíveis para a repatriação de ativos enviados ilicitamente para o exterior: a recuperação por meio de cooperação jurídica internacional e a 17 [sumário] Introdução recuperação direta. No decorrer do texto, a autora discute as vantagens e as desvantagens dessas estratégias, ilustrando, sempre que possível, com casos emblemáticos de recuperação de ativos da corrupção. A autora analisa também as estratégias adotadas pelo Estado brasileiro para a repatriar os ativos do Caso TRT que haviam sido enviados para os Estados Unidos e Suíça. Neste ponto, o principal objetivo do texto é verificar como estratégias de naturezas diferentes puderam ser coordenadas e auxiliaram a mitigar a interdependência entre a ação penal em curso no Brasil e a investigação conduzida na Suíça, permitindo o êxito na repatriação antecipada dos recursos públicos desviados (Capítulo 4). Mas além da dimensão econômica que desempenha papel central nos mecanismos de enfrentamento à corrupção, o Caso TRT envolveu também um longo e tortuoso percurso de privação de liberdade de um dos réus, Nicolau dos Santos Neto. Como mostra Carolina Cutrupi Ferreira, no decorrer desses 14 anos desde que sua prisão preventiva foi decretada, a gestão da prisão de Nicolau dos Santos Neto mobilizou, além da mídia, vários atores do Ministério da Justiça, Polícia Federal, Ministério Público e Justiça Federal. A partir de reportagens jornalísticas coletadas no acervo do jornal Folha de S. Paulo e de ações e recursos impetrados em tribunais superiores (Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), o texto descreve o percurso da prisão preventiva de Nicolau, o início do cumprimento da pena em execução provisória e os fundamentos para manutenção da prisão. O relato de Carolina Ferreira problematiza a atuação de diferentes órgãos do sistema de justiça, especialmente no tocante à reclusão de um réu com direito à prisão especial e com a saúde debilitada, aos altos custos desse tipo de medida e, enfim, ao déficit substancial de justificação de uma prisão preventiva mantida por mais de dez anos (Capítulo 5). Como indica a Narrativa do Caso, a prisão de Nicolau dos Santos Neto e, muito particularmente, o período em que esteve foragido da polícia, foi o tema que, de longe, mais atraiu a atenção da imprensa. A forte midiatização dos denominados “escândalos de corrupção” vem sendo estudada a partir de diferentes perspectivas. Neste volume, José Roberto Francisco Xavier debruça-se sobre essa questão com vistas a compreender a suscetibilidade 18 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT de juízes e promotores a resistir ou sucumbir às pressões da opinião pública. O texto apresenta um panorama do quadro teórico e alguns resultados da pesquisa de doutorado do autor sobre a temática e, a partir de decisões do Caso TRT, busca elucidar o tipo de reação que um caso de grande repercussão pode causar no processo penal e mostrar que uma pressão punitiva pode causar o resultado contrário ao pretendido (Capítulo 6). Os dois capítulos seguintes discutem de que o modo as características do sistema recursal brasileiro e de nossas regras de foro especial impactam o Caso TRT e, de maneira mais ampla, colocam sérios desafios à qualidade da prestação jurisdicional em nosso país. Paulo Silva e Susana Costa propõem uma reflexão sobre o modelo processual brasileiro a partir de aspectos da tramitação dos processos judiciais no Caso TRT e oferecem esclarecimentos sobre o funcionamento e as justificativas das regras processuais aplicadas no caso. No decorrer da análise, os autores apoiamse em dados quantitativos obtidos em pesquisa, por eles coordenada, sobre acórdãos proferidos em ações de improbidade administrativa entre 2005 e 2010. A questão central que permeia todo o texto diz respeito aos pontos de “estrangulamento” e de “eficiência procedimental” que o caso revela. Para tanto, os autores percorrem o sistema recursal, o sistema cautelar, a multiplicidade de órgãos de controle e seu papel na formação do conjunto probatório (Capítulo 7). Para aprofundar a discussão sobre a mecânica de funcionamento dos tribunais brasileiros, especialmente no âmbito do enfrentamento da corrupção e da improbidade administrativa, Luisa Moraes Abreu Ferreira dedica-se à questão do foro especial. Com o objetivo de identificar o impacto das normas sobre foro especial nas ações penais e de improbidade do Caso TRT, a autora organiza e descreve as mudanças ocorridas nas hipóteses de cabimento do foro especial por intermédio de alterações promovidas tanto pelo legislativo quanto pelo judiciário. Desse modo, o texto fornece um quadro de leitura para os pedidos, ações e recursos discutindo competência para processar e julgar as ações de improbidade e criminais do Caso TRT. Nos processos estudados, a discussão sobre competência em razão do foro especial gerou pelo menos vinte e cinco recursos e ações, deslocou os autos de órgão quatro vezes, interrompeu os processos por um total de quase 19 [sumário] Introdução quatro anos e é objeto de recursos que contribuem para retardar o trânsito em julgado da apelação criminal (Capítulo 8). O caos processual retratado por Luisa Ferreira não é atribuído à especificidade do Caso TRT. A autora, ao contrário, indica explicitamente a necessidade de alteração legislativa: o problema, diz a autora, está “na obscuridade da regra”. Trabalhando também no campo da produção legislativa, André Rosilho debruça-se sobre as correlações entre a reforma do sistema brasileiro de licitações e contratos, que resultou na edição da Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93), e episódios de corrupção nas contratações públicas. O autor conclui que a Lei n. 8.666/93, apesar de ter sido fruto de um ambiente político cuja tônica era o combate à corrupção, acabou sendo cooptada por grupos de interesses que foram capazes de criar procedimentos licitatórios benéficos a seus interesses, trazendo consequências negativas à gestão pública. De acordo com as conclusões da pesquisa de André Rosilho, apesar de alguns avanços, a Lei de Licitações ainda amarra a Administração Pública a rígidas regras processuais que, em vez de favorecer, colocam obstáculos ao enfrentamento da corrupção (Capítulo 9). Diante deste diagnóstico da capacidade da Lei de Licitações “gerar boas contratações públicas”, como diz André Rosilho, a aposta na performance dos sistemas de controle, tanto administrativos quanto judiciais, tende a aumentar ainda mais. O último capítulo focaliza justamente certos aspectos dessa performance que emergiram como especialmente problemáticos e urgentes no decorrer dos textos que integram este livro (Capítulo 10). Aspectos que contribuem à construção de uma agenda de pesquisa em direito para o enfrentamento da corrupção no Brasil. 20 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT notAs Trata-se do valor atualizado em 2012 pela Advocacia-Geral da União no âmbito do acordo celebrado com o Grupo OK para suspender parcialmente o processo de execução da condenação proferida pelo Tribunal de Contas da União. 1 Atualizações pontuais foram incorporadas em agosto de 2014, no decorrer do processo de edição deste livro. 2 Considerando somente os processos judiciais mencionados no decorrer da Narrativa do Caso em relação aos quais foi possível obter o número de volumes que compõem os respectivos autos, contabilizamos 226 volumes. Estimando uma média de 200 folhas em cada volume, alcançamos mais de 45 mil páginas. Para uma lista dos recursos envolvendo Nicolau dos Santos Neto, ver Anexo 1. 3 O Anexo 3 apresenta de modo sistemático as sanções impostas nos principais processos envolvendo cada um dos réus, bem como oferece outros dados sobre os quatro procedimentos já concluídos. Para informações mais detalhadas sobre todos os procedimentos, ver a Narrativa do Caso (Capítulo 1). 4 Uma tradução livre seria “a questão é menos criar novas instituições e mais mexer nas existentes de modo a simplificar e aprimorar tanto a performance individual quanto a interação elas (o diabo, contudo, estará nos detalhes)” (MATTHEW e TAYLOR, 2011, p. 259). 5 6 Sobre essa questão, ver Machado (2013). Ver, por exemplo, entre os jornalistas, os trabalhos de Conti (1999), Jordão (2000) e Nassif (2003). Entre os cientistas sociais, além de Power e Taylor (2011), vale citar os livros de Bezerra (1995) e Schilling (1999). 7 Apenas como ilustração, veja-se por exemplo o uso intenso de fontes jurisprudenciais nos trabalhos de Fazzio (2002) e Marques (2010); ou a utilização de relatórios produzidos pela Administração Pública e pela sociedade civil em Liguori (2011); ou ainda o recurso à literatura e às obras de historiadores em Costa (2013). 8 Para os pesquisadores que se dedicam a temática da corrupção, o convite ao trabalho coletivo já foi formulado faz tempo. Bruno Speck (2000, p. 42), ao se debruçar sobre as pesquisas já produzidas e sobre o que ainda havia por fazer, conclui seu texto afirmando 9 21 [sumário] Introdução que da “área de pesquisa, onde o direito, a ciência política e a administração de encontram, devem sair as propostas para se corrigir as distorções no funcionamento” das instituições do sistema de justiça brasileiro que se dedicam ao enfrentamento da corrupção. Garcia (2011, p. 423). Importante destacar que esta postura pode ser identificada em ambos os lados, gerando longos debates de acusações mútuas, como mostra Margarida Garcia. No entanto, enfatiza a autora, os dois lados “aceitam um a priori altamente discutível [...] que pressupõe que a qualidade da observação está ligada diretamente ao campo disciplinar do observador e não ao tipo de observações por ele realizada, as quais são independentes das qualidades do observador (jurista ou cientista social).” (GARCIA, 2011, p. 424). 10 11 22 Os resultados desta pesquisa estão publicados em Davis, Jorge e Machado (2014). [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT referênCIAs : : : : : : : : : : : : : : 23 BEZERRA, Marcos Otávio. Corrupção. Um estudo sobre poder público e relações pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. CONTI, Mario Sergio. Notícias do Planalto. A imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. COSTA, Helena Regina. “Corrupção na História do Brasil: reflexões sobre suas origens no período colonial”. Temas de Corrupção & Compliance. São Paulo: Elsevier, 2013, p. 1-20. DAVIS, Kevin, Guillermo Jorge e Maira Machado. “Transnational Anti-Corruption Law in Action: Cases from Argentina and Brazil”. Law and Social Inquiry, 2014 (no prelo). FAZZIO JR, Waldo. Corrupção no Poder Público. São Paulo: Atlas, 2002. GARCIA, Margarida. “Des nouveaux horizons épistémologiques pour la recherche empirique en droit: décentrer le sujet, interviewer le système et ‘désubstantialiser’ les catégories juridiques”. Les Cahiers de droit, vol. 52, n. 3-4, 2011, p. 417-459. JORDÃO, Rogério Pacheco. Crime (quase) perfeito. Corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000. LIGUORI, Carla. As multinacionais de capital privado e o combate à corrupção internacional. Curitiba: Juruá Editora, 2011. MACHADO, Maíra. “Contra a departamentalização do saber jurídico: a contribuição dos estudos de caso para o campo direito e desenvolvimento”. Direito e Desenvolvimento no Século XXI. Brasília: IPEA/Conpedi, 2013 (no prelo). NASSIF, Luis. O jornalismo dos anos 90. São Paulo: Futura, 2003. MARQUES, Karla Padilha Rebelo. Corrupção, dinheiro público e sigilo bancário. Porto Alegre: Nuria Fabris Editora, 2010. POWER, Timothy; TAYLOR, Mathew (ed.). Corruption and Democracy in Brazil. The struggle for accountability. Indiana: University of Notre Dame, 2011 SCHILLING, Flávia. Corrupção: ilegalidade intolerável? Comissões Parlamentares de Inquérito e a Luta contra a corrupção no Brasil (1980-1992). São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 1999. SPECK, Bruno. “Mensurando a corrupção: uma revisão de dados provenientes de pesquisas empíricas”. Cadernos Adenauer n. 10 - Os custos da corrupção, 2000, p. 07-42. [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 1. A nArrAtIvA do CAso trt1 Maíra Rocha Machado e Luisa Moraes Abreu Ferreira Esta narrativa foi organizada em três partes. A primeira aborda os seis primeiros anos da história (1992-1998) do Caso TRT, período em que era apenas mais um caso de fraude na licitação de obras públicas. Descrevemos aqui o processo de licitação e o contrato firmado entre o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP) e a construtora, bem como a primeira fase da atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público Federal (MPF). Identificando a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Judiciário como um divisor de águas na tramitação do caso pelo sistema de justiça, a segunda parte descreve o arsenal de procedimentos civis, penais e administrativos no Brasil e no exterior que tiveram início a partir de 1999, relacionados aos fatos descritos na primeira parte da narrativa. Na terceira parte, enfim, apresentamos o “saldo” dessas múltiplas respostas do sistema de justiça brasileiro e internacional (Suíça e Estados Unidos da América), catorze anos após o início da tramitação do caso. O material coletado no decorrer desta pesquisa menciona mais de quinze pessoas físicas e jurídicas: engenheiros responsáveis pela supervisão das obras, empreiteiros, a esposa de Nicolau dos Santos Neto, o juiz que assumiu a presidência do TRT quando Nicolau se aposentou, advogados, entre outros. Para os propósitos da análise dos procedimentos relacionados à construção do prédio do TRT, este estudo de caso define quatro protagonistas da história. O primeiro é o próprio Nicolau dos Santos Neto, juiz que presidiu o Tribunal até setembro de 1992, quando se afastou do cargo para assumir a Presidência da Comissão de obras do TRT.2 Nicolau permaneceu nessa posição até julho de 1998, quando completou 70 anos e aposentou-se. O segundo é Luiz Estevão de Oliveira Neto, empresário e ex-Senador da República, cassado em 1999 em virtude do envolvimento de uma de suas empresas no caso, o Grupo OK. Os dois outros protagonistas, Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz, são os sócios proprietários de várias 25 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt empresas que participaram da licitação e construção do prédio (Ikal, Incal e Monteiro de Barros). Este estudo de caso baseia-se em entrevistas e documentos públicos. As ações penais e as ações civis públicas correm em segredo de justiça, mas várias de suas peças integram os recursos interpostos aos tribunais superiores que, por sua vez, são digitalizados e disponibilizados na íntegra nos respectivos sites. Tendo em vista o número de réus elencados nos processos de primeira instância, bem como a existência de outros casos semelhantes envolvendo alguns deles, limitamos nossa busca nos tribunais (TRFs, STJ e STF) aos recursos nos quais Nicolau dos Santos Neto figura como recorrente ou recorrido. Os resultados quantitativos gerais estão apresentados no Anexo 1 do livro. Além dos documentos judiciais e administrativos, esta narrativa utiliza também o acervo documental de dois veículos de comunicação disponibilizados na íntegra na Internet: a revista Veja e o jornal Folha de S. Paulo. O acervo deste último veículo foi estudado de maneira sistemática, conforme pode ser visto no Anexo 2, o que permitiu extrair as informações quantitativas e qualitativas apresentadas no decorrer da narrativa. Por fim, em 2010 e 2011 foram realizadas 12 entrevistas em São Paulo, Brasília, Washington e Paris, além de uma série de conversas informais que, por diferentes razões, não puderam ser submetidas à formalização que essa técnica de coleta de dados exige. As entrevistas são anônimas e, quando citadas no decorrer do capítulo, indicarão somente a numeração atribuída a cada um dos entrevistados. 1.1 | o IníCIo dA hIstórIA (1992-1998): MAIS UMA FRAUDE EM LICITAçãO DE OBRA PúBLICA O Caso TRT teve início em um ano marcante na história do país. Em 1992, uma Comissão Parlamentar de Inquérito culminou no impeachment do primeiro Presidente da República que o país elegia em três décadas. Várias outras CPIs se seguiram, culminando, às vezes, em cassações, afastamentos e renúncias, e sempre com intensa cobertura da mídia (PEDONE, 2002). No livro O jornalismo dos anos 90, Luís Nassif descreve o período como “a era da denúncia” (NASSIF, 2003). É possível dizer que no início dos anos 1990 era sobretudo a cobertura jornalística de fraudes e esquemas 26 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT envolvendo dinheiro público que alimentava os primeiros estudos buscando traçar um panorama da questão da corrupção no país. A partir de matérias publicadas em jornais de grande circulação, Nahat conclui ser o setor de licitações em obras públicas o mais vulnerável à corrupção e malversação de dinheiro público (NAHAT, 1991, p. 19). Essa percepção foi confirmada 10 anos depois por Claudio Abramo (2002, p. 105), e é exatamente assim que se inicia nossa história: com um edital de licitação para construção do Tribunal Regional de Trabalho em São Paulo.3 O edital de concorrência e o contrato O processo licitatório realizado pelo TRT da 2ª Região, por intermédio do edital de concorrência n. 01/92, indicava como objeto 1.1.1 | [...] a aquisição de imóvel, adequado para instalação de no mínimo 79 Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo, permitindo a ampliação para instalação posterior de no mínimo mais 32 Juntas de Conciliação e Julgamento. Previa quatro modalidades de propostas, referentes (i) a imóvel construído, pronto, novo ou usado; (ii) a imóvel em construção, independentemente do estágio da obra; (iii) a terreno com projeto aprovado que deverá acompanhar projeto de adaptação que atenda às necessidades das Juntas e, enfim, (iv) a terreno com projeto elaborado especificamente para a instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento.4 De acordo com a decisão do Tribunal de Contas da União sobre a inspeção ordinária realizada sobre esse processo licitatório, 29 empresas retiraram o edital, mas apenas três formalizaram propostas.5 Foram elas: Empreendimentos Patrimoniais Santa Gisele Ltda., Consórcio OK/Augusto Velloso e a Incal Indústria e Comércio de Alumínio Ltda. A primeira foi “desqualificada” e não chegou a participar efetivamente do processo licitatório.6 Conforme a ficha cadastral da Junta Comercial do Estado de São Paulo, o Consórcio OK/Augusto Velloso foi constituído em 21 de fevereiro de 1992, tendo na situação de empresa líder o Grupo OK Construções e Incorporações S.A., cujo representante, assinando pela empresa, era Luiz Estevão de 27 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt Oliveira Neto.7 Enfim, a terceira empresa, Incal Indústria e Comércio de Alumínio Ltda., constituída em 1973, apresentava como sócios João Julio Cesar Valentini e Maria Paula de Freitas.8 Em 31 de março de 1992 foi publicado o resultado da licitação. A comissão licitante adjudicou a concorrência a uma quarta empresa, a Incal Incorporações S.A. Constituída em 21 de fevereiro de 1992, a empresa tinha como sócios, no momento da constituição, Fabio Monteiro de Barros Filho e João Julio Cesar Valentini. De acordo com a ficha cadastral arquivada na Jucesp, José Eduardo Correa Teixeira Ferraz foi eleito para o cargo de diretor, assinando pela empresa, alguns meses após a sua constituição em 25 de março de 1992.9 No relatório da CPI do Judiciário, a Incal Incorporações S.A. foi descrita como resultado da associação do Grupo Monteiro de Barros com a Incal Alumínios.10 É então com a Incal Incorporações S.A. que o TRT-SP celebra “compromisso de compra e venda” com a finalidade de dar cumprimento ao objeto da concorrência n. 01/92 na modalidade “terreno com projeto”, na forma indicada no item iv, citado anteriormente.11 Conforme Instrumento de Compra e Venda de Ações e Mandato trazido pelo Ministério Público Federal em um dos processos criminais, em 21 de fevereiro de 1992 a Monteiro de Barros Investimentos S/A transferiu 90% de suas cotas de participação da Incal Incorporações ao Grupo OK Construções e Incorporações S/A, pertencentes a Luiz Estevão de Oliveira Neto.12 A primeira ordem bancária do TRT em favor da Incal Incorporações S.A. é realizada em 13 de abril com base em “instrumento particular de recibo de sinal e princípio de pagamento e garantia dos diretos e obrigações” assinado três dias antes. O registro da escritura de compra e venda só foi feito em 19 de agosto daquele ano. O contrato foi celebrado a preço fixo a ser pago em uma entrada e sete parcelas semestrais. A última parcela estava prevista para 1996, quando a obra deveria ser entregue. Nos anos seguintes, três aditivos contratuais foram celebrados para, entre outras coisas, postergar a data da conclusão da obra. Uma das ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal menciona a celebração de três aditivos contratuais. Em 25 de setembro de 1996 foi celebrado o Segundo Termo aditivo CC-01/92, por meio do qual o TRT foi colocado em mora perante a empresa Incal, sob a alegação de 28 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT atraso na liberação das verbas. O prazo de entrega da obra foi prorrogado para dezembro de 1997. Em seguida, foi celebrado o Terceiro Termo Aditivo CC-01/92 em 19 de dezembro de 1997, por meio do qual o prazo para a entrega foi prorrogado para dezembro de 1998, sob os argumentos de atraso na liberação de recursos e necessidade de adequação do projeto original. Por fim, em 15 e 17 de junho de 1998, Délvio Buffulin e a Incal celebraram duas escrituras de “retificação e ratificação”, lavradas perante o 14° Tabelionato de Notas de São Paulo, majorando o valor da contratação original em R$ 36.931.901,10 sob o argumento de “desequilíbrio econômico-financeiro do contrato” e estabelecendo o prazo para a entrega do empreendimento para abril de 1999. De acordo com o Relatório da CPI (2000, 71), o engenheiro nomeado pelo TRT para acompanhar a obra e verificar a adequação do projeto ao cronograma de pagamentos, desembolso e execução emitiu pareceres indicando adequado desenvolvimento da obra. A quebra de sigilo bancário obtida pela CPI revelou que o engenheiro recebeu vários cheques do Grupo Monteiro de Barros em 1993 e 1994, totalizando US$ 42 mil. Identificação de irregularidades: a primeira fase da atuação do TCU Pouco tempo depois da celebração do contrato, entre 26 de outubro e 13 de novembro de 1992, o Tribunal de Contas da União promove “inspeção ordinária setorial” no Tribunal Regional do Trabalho. A inspeção é constituída por servidores do próprio TCU lotados na IRCE-SP (atual SECEX-SP). No documento, a equipe listou 17 irregularidades no processo licitatório e no contrato celebrado entre o TRT e a empresa Incal, apontando para cada uma delas a violação de um ou mais dispositivos do Decreto-lei n. 2.300/86, que à época regulava as licitações no país. O relatório propõe, enfim, uma série medidas saneadoras. Entre elas estão a “suspensão imediata de pagamento à Incal Incorporações S.A., empresa que não participou da concorrência n. 01/92 e que no entanto foi contratada pelo órgão para a construção do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo com a aquisição do terreno incluso”; a “anulação da concorrência n. 01/92 e da escritura de Compromisso de Venda e Compra”; e a “devolução ao Tesouro Nacional pelos 1.1.2 | 29 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt responsáveis dos valores indevidamente pagos anteriormente à assinatura do contrato” (TCU, Processo TC-700.731/92-0, Decisão n. 231/96). O relatório da equipe de inspeção foi analisado pelo plenário do TCU quase quatro anos depois, em maio de 1996. No decorrer desse período, vários pareceres técnicos e jurídicos foram incorporados ao processo, motivando novos pronunciamentos tanto do Ministério Público quanto dos analistas da equipe de inspeção. Além dos advogados de defesa, a Incal juntou ao procedimento pareceres de quatro juristas reforçando a tese de que o objeto da concorrência foi uma simples “aquisição de imóvel” e que não havia irregularidade no procedimento licitatório. O Tribunal solicitou também pareceres técnicos da Caixa Econômica Federal e da Secretaria de Auditoria e Inspeções do TCU (Saudi) que, além de reafirmarem as irregularidades identificadas pela equipe de inspeção, reconheceram no caso “indícios de superfaturamento das obras” (TCU, Processo TC-700.731/92-0, Decisão 231/96, p. 7 e 20). Os Ministros, ao final, decidiram, entre outras coisas, [...] aceitar, preliminarmente, os procedimentos adotados até a presente data, pelo TRT-SP, tendo em vista a fase conclusiva em que se encontram as obras do edifício sede das Juntas de Conciliação e Julgamento da cidade de São Paulo [e também] determinar ao Presidente do TRT-2ª Região a adoção de providências urgentes no sentido de transferir, imediatamente, as obras de construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, incluindo o respectivo terreno, para o seu nome, bem como a efetivação de medidas com vistas ao prosseguimento da respectiva obra em obediência rigorosa às normas e preceitos contidos no atual Estatuto de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/93) (TCU, Processo TC-700.731/92-0, Decisão 231/96). Pelo que foi possível apurar, não houve recurso contra essa decisão. O Ministério Público entra em cena Em face dessa decisão, os pagamentos do Tesouro à Incal continuaram até julho de 1998, quando o Ministério Público Federal obteve uma cautelar 1.1.3 | 30 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT determinando que as parcelas remanescentes deveriam ser depositadas em juízo. Em abril de 1992, quando o Tesouro realizou o primeiro pagamento, até aquele momento a empresa Incal Incorporações tinha recebido 80 transferências bancárias que totalizaram R$ 226 milhões de reais. Conforme o relatório preparado pelos técnicos do TCU, apenas R$ 63 milhões haviam sido utilizados na construção do prédio.13 De acordo com esse cálculo, R$ 169 milhões de reais haviam sido desviados dos cofres públicos. A decisão impedindo que o tesouro nacional continuasse realizando pagamentos à Incal foi obtida nos autos da Ação Cautelar Inominada14 ajuizada pelo Ministério Público Federal em julho de 1998 contra Nicolau dos Santos Neto, Luiz Estevão, Fábio de Barros, José Eduardo Ferraz e as respectivas empresas envolvidas na construção do prédio. A ação foi proposta com base nos elementos de prova colhidos no decorrer do Inquérito Civil Público (n. 07/97), iniciado em maio de 1997. O inquérito, por sua vez, tem origem em uma representação do Deputado Federal Giovanni Queiroz, à época membro da comissão de orçamento do Congresso Nacional.15 A representação ao MPF externava preocupação com o estágio das obras e com a decisão do TCU aceitando as irregularidades (CPI 2000, 73). Em 26 de agosto de 1998, o MPF ajuíza a Ação Civil Pública16 n. 98.0036590-7.17 Em 1º de junho de 1999, o MPF instaurou novo inquérito civil público, que deu origem à Ação Civil Pública n. 2000.61.00.012554-5 contra o Grupo OK Construções e Incorporações, Grupo OK Empreendimentos Imobiliários Ltda., Saenco Saneamento e Construções Ltda., OK Óleos Vegetais Indústria e Comércio Ltda., Ok Benfica Companhia Nacional de Pneus, Construtora e Incorporadora Moradia Ltda. – Cim, Itália Brasília Veículos Ltda., Banco OK de Investimentos S/A, Agropecuária Santo Estevão S/A, Luiz Estevão de Oliveira Neto, Cleucy Meireles de Oliveira, Jail Machado Silveira, e Lino Martins Pinto e Maria Nazareth Martins Pinto. Com o início das ações civis públicas, várias contas bancárias foram congeladas no Brasil, e assim permanecem desde então. Os processos ainda não foram sentenciados em primeira instância e dezenas de recursos foram interpostos no decorrer desses 13 anos de tramitação. Nossas entrevistas 31 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt sugerem não ser surpreendente que o Judiciário Federal leve tanto tempo para decidir ações civis públicas, especialmente quando envolvem improbidade administrativa. Em 18 de fevereiro de 1998, o TCU recebe ofício da Procuradora-Chefe da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, informando que [...] decorridos dois anos da Decisão n. 231/96 – Plenário, tendo sido ultrapassados os prazos contratuais avençados entre o TRT-SP e a empresa Incal Incorporações S.A., vencedora da licitação, e já tendo sido pago pelo Tesouro Nacional praticamente o preço total do empreendimento [...], muito ainda falta para a entrega da obra, de relevantíssima importância para esta Capital. Solicitou que fosse informada sobre as medidas a serem adotadas, com vistas ao esclarecimento dos fatos e apuração das responsabilidades, bem como aquelas porventura já existentes. O expediente foi autuado no TCU como um processo autônomo (TC-001.025/98-8). 1.2 | todAs As ArmAs (1999-2002): PROCESSOS E RECURSOS Tramitavam as ações civis públicas sem qualquer repercussão na mídia quando, em 25 de março de 1999, se inicia uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal para apurar denúncias relacionadas à atuação do Poder Judiciário.18 Em 20 de abril de 1999, a revista Veja publica a primeira matéria sobre o caso,19 à qual seguem várias matérias da Folha de S. Paulo. A primeira delas, com chamada na capa, destaca a decretação da quebra de sigilo bancário de Nicolau dos Santos Neto. O principal informante nas matérias daquela semana foi o genro de Nicolau dos Santos Neto, Marco Aurélio Gil de Oliveira. Ele havia sido entrevistado pela Veja alguns dias após sua oitiva na CPI do Judiciário. De acordo com a história narrada pela Veja, no decorrer do divórcio entre Marco Aurélio e a filha de Nicolau, este não havia permitido que Marco Aurélio ficasse com a metade do valor da casa em que morava com sua filha. Em função disso, Marco Aurélio ameaçou Nicolau de tornar pública a existência de contas 32 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT bancárias no exterior, propriedades de luxo, joias e carros que haviam sido comprados desde o início das obras do TRT. Nicolau duvidou, e a frase de Marco Aurélio citada pela Veja colocou a percepção de Nicolau sobre o possível desfecho das denúncias nos seguintes termos: “você pode me denunciar, mas nada vai acontecer comigo. Eu sou um juiz respeitado e tenho amigos poderosos”.20 Nicolau também foi entrevistado na ocasião e negou qualquer irregularidade na construção do prédio do TRT. Em sua defesa, negou a propriedade de alguns dos bens (carros, casas e apartamentos) e indicou a herança de seu pai como a origem dos demais bens mencionados. Naquele momento, o Caso TRT não ocupou mais de duas páginas da revista Veja. A edição de 28 de abril de 1999, que pela primeira vez noticiou o caso, tinha outro escândalo na capa – e uma matéria de mais de oito páginas em seu interior, envolvendo um ex-presidente do Banco Central e contas-correntes no exterior.21 A partir da conclusão dos trabalhos da CPI, como se verá no decorrer deste capítulo, várias instituições se movimentam para apurar responsabilidades, sancionar os envolvidos e promover a reparação dos danos. O Senado cassa o mandato de Luiz Estevão. O TCU modifica entendimento anterior e reconhece o desvio de verbas públicas. Inicia-se na Suíça a primeira investigação criminal sobre o caso, e aqui no Brasil os envolvidos são denunciados e condenados criminalmente. É decretada a falência da construtora Ikal, e várias outras empresas a ela relacionadas são adicionadas ao polo passivo na ação de falência. Enfim, o Brasil obtém em Miami o primeiro repatriamento de valores relacionados ao caso. O divisor de águas: a CPI do Judiciário no Senado Federal Em oito meses de trabalho, a CPI do Judiciário colocou o Caso TRT-SP no centro das atenções da opinião pública. De acordo com o relatório final das atividades, a Comissão selecionou nove casos entre as mais de quatro mil denúncias recebidas pelo Senado Federal (CPI 2000, 59 e 541). No mesmo documento, a Comissão agradeceu enfaticamente o apoio do Presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães – “que foi o grande iniciador desta CPI e colocou à disposição de nossas atividades 1.2.1 | 33 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt toda a estrutura indispensável ao correto desempenho das tarefas [...]” (CPI 2000, 619). Entre os casos selecionados para apuração, o Caso TRT-SP foi descrito como “o mais gritante” (CPI 2000, 61).22 O relatório final preparado pela Comissão, com 360 páginas, baseou-se na quebra de sigilo bancário das pessoas e empresas envolvidas no caso, bem como na oitiva de quinze pessoas. A investigação realizada pela CPI nos documentos bancários da Incal identificou pagamentos regulares ao Grupo OK, de Luiz Estevão, por intermédio de transferências realizadas ao Grupo Monteiro de Barros (CPI 2000, 114). Ademais, no decorrer de suas atividades, a CPI decretou a indisponibilidade dos bens de Nicolau dos Santos Neto, que impetrou mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal pedindo a anulação de ato da CPI e alegando, entre outras coisas, bis in idem (dupla condenação pelos mesmos fatos), pois seus bens já estavam indisponíveis por decisão da 12ª Vara Cível Federal nos autos da ação civil pública. A liminar foi deferida, e o mandado, concedido. Na ocasião, o STF entendeu que a CPI tem poderes de investigação e não poderes de decretação de medidas assecuratórias patrimoniais.23 Entre as diversas informações financeiras obtidas e produzidas pela CPI, duas delas resultaram em procedimentos de repatriamento de ativos. Na Suíça, duas contas bancárias receberam quinze transferências entre 10 de abril de 1992 e 28 de março de 1994, totalizando US$ 6 milhões.24 A outra transação diz respeito à transferência de U$ 720 mil de uma das contas de Nicolau dos Santos Neto na Suíça favorecendo a empresa Hillside Trading S.A., para a compra de um apartamento em Miami (CPI 2000, 91). De acordo com o Relatório da CPI e entrevistas, a quebra de sigilo bancário e outros documentos obtidos no decorrer das investigações indicavam o envio dos valores pagos pelo tesouro nacional para contas-correntes em bancos sediados nas Ilhas Cayman, nas Bahamas e no Panamá (CPI 2000, 97 e 79; entrevistas 2, 3 e 9). No entanto, como se verá a seguir, apenas as contas bloqueadas na Suíça e o apartamento adquirido em Miami foram objeto de procedimentos jurídicos específicos objetivando o repatriamento dos valores. Ao final, o relatório apresenta 21 recomendações, entre as quais destacamos as seguintes: (i) “instituir o controle externo do Judiciário”; (ii) “agilizar a aprovação do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal, celebrado 34 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT com os Estados Unidos da América em outubro de 1997, e a Convenção sobre o Combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros, concluída em Paris em dezembro de 1997”; (iii) “reexaminar os dispositivos constitucionais que tratam de cartas rogatórias [...] para permitir que acordos internacionais possibilitem mais ágil colaboração entre os países”; (iv) “recomendar à Comissão de Relações Exteriores do Senado o exame acerca dos acordos bilaterais e multilaterais de cooperação judiciária internacional, já celebrados, para diligenciar o que for necessário para a sua efetiva implementação” (CPI 2000, 615 e 616). Algumas semanas após a aprovação do relatório referente ao Caso TRT-SP pela CPI, em 8 de dezembro de 1999, vários partidos apresentaram ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal uma representação contra o Senador Luiz Estevão em função dos episódios apurados pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Judiciário. De acordo com a representação, as ilicitudes narradas pela CPI caracterizariam quebra do decoro parlamentar e, portanto, seriam passíveis de aplicação da pena de perda do mandato com inabilitação para o exercício de cargo ou função pública. A representação narra, entre vários outros fatos, que [...] imediatamente após a revelação dos primeiros repasses de recursos oriundos da obra do TRT-SP para as empresas do Representado, este afirmou que tais repasses justificavam-se por se tratar da devolução de empréstimos feitos pelo Banco OK de Investimentos às empresas do Grupo MB. Todavia, com o decorrer das investigações – quando se descobriu que tais repasses ocorriam para outras empresas do Grupo OK e não para o banco, e que o total de repasses totalizava aproximadamente US$ 46 milhões, enquanto que o total dos empréstimos representava apenas US$ 2,7 milhões – o Senador Luiz Estevão teria abandonado esta tese que justificava os créditos que suas empresas recebiam das empresas do Grupo Monteiro de Barros.25 Luiz Estevão apresentou defesa e negou as acusações, mas, em 28 de junho de 2000, o Plenário do Senado aprovou, por maioria, a cassação de Luiz Estevão, em sessão extraordinária.26 35 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt A essa votação liga-se outro episódio relevante à compreensão da atuação do Senado Federal no Caso TRT. Em fevereiro de 2001, a revista Isto É publica matéria sobre possível violação do painel eletrônico do Senado na votação da cassação de Luiz Estevão. Criado para garantir o sigilo das votações, a violação do painel gera denúncia no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado. A perícia comprova a violação, e as apurações indicam que a lista com os votos da cassação de Luiz Estevão haviam sido solicitadas pelo próprio Presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães.27 Alguns dias após a abertura do processo de cassação, os senadores envolvidos, inclusive o Presidente da casa, renunciaram ao cargo.28 Suíços iniciam a primeira investigação e mantêm bloqueio por 14 anos As matérias jornalísticas publicadas em abril de 1999 chamaram a atenção das autoridades suíças. O procurador-geral de Genebra deu início a investigações preliminares por lavagem de dinheiro envolvendo Nicolau dos Santos Neto e, em 4 de maio de 1999, decretou a produção de documentos bancários e o bloqueio dos valores depositados em duas contas correntes29 do Banco Santander, totalizando um pouco mais de US$ 6,8 milhões (CPI 2000, 96). No início do ano 2000, a primeira vara da Justiça Federal de São Paulo enviou uma carta rogatória a Genebra explicitando a investigação sobre corrupção e desvio de dinheiro público contra Nicolau dos Santos Neto e solicitando o sequestro e repatriamento dos ativos bloqueados na Suíça. O juiz suíço concede o pedido, Nicolau recorre, e a chambre d’accusation mantém o bloqueio, mas indica ser necessária uma decisão definitiva e executória do judiciário brasileiro para que os ativos pudessem ser repatriados. Além disso, a chambre d’accusation chamou atenção para a existência de um procedimento nacional – o P/5132/99 – que também poderia ensejar o confisco dos ativos em território suíço.30 Nova tentativa de repatriamento desses valores é feita em 2004, dessa vez, diretamente pelos advogados contratados pela Advocacia-Geral da União em Genebra para representar os interesses do Estado brasileiro. Mais uma vez o juiz de instrução acolheu o pedido, Nicolau recorreu e a chambre d’accusation acatou o recurso. Dessa vez, a 1.2.2 | 36 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT razão principal de anulação da decisão do juiz de instrução foi um erro processual no pedido brasileiro e, subsidiariamente, a ausência de uma decisão de confisco definitiva e executória do judiciário brasileiro. Por fim, em 2007, Nicolau requisita ao juiz de instrução a revogação da decisão de bloqueio de suas contas. O juiz nega, e Nicolau recorre ao tribunal penal federal alegando transcurso de mais de oito anos e ausência de conexão entre as contas bancárias na Suíça e os fatos apurados no Brasil. O recurso é rejeitado em 27 de novembro de 2007.31 Em 2009, o procedimento na Suíça (P/5132/99) foi concluído com decisão de repatriamento dos valores bloqueados dez anos antes. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Police de Genève em 2010 e tornou-se definitiva em agosto de 2012 com uma decisão do Tribunal Federal.32 Além do repatriamento dos valores, o tribunal também determinou a compensação (créance compensatrice) de US$ 2.153.628 em razão dos valores que foram transferidos para instituições financeiras.33 Finalmente, em 22 de julho de 2013, o montante de US$ 4,7 milhões é transferido para a conta do tesouro nacional. A segunda fase da atuação do TCU Em 5 de maio de 1999 é publicado o Acórdão 45/99 (TC-001.025/98-8) acerca de auditoria realizada após recebimento de ofício da Procuradora-Chefe em fevereiro de 1998. Nessa ocasião, os Ministros decidem aplicar a Délvio Buffulin e Nicolau dos Santos Neto multa no valor de R$ 17.560,20 e converter os autos em Tomada de Contas Especial para ordenar a citação solidária da empresa Incal Incorporações S. A. e de Délvio Buffulin, Nicolau dos Santos Neto e Antônio Carlos da Gama e Silva (engenheiro) a fim de que apresentem alegações de defesa ou comprovem o recolhimento da quantia de R$ 57.374.209,84 aos cofres do Tesouro Nacional. O acórdão menciona expressamente a investigação da CPI – “tendo em vista a superveniência de fatos novos decorrentes da investigação da CPI do Judiciário, até então indisponíveis em função do sigilo fiscal e bancário, fatos esses que têm apontado para danos superiores aos apurados por esta Corte” – e determina “a realização de nova inspeção junto ao TRT 2ª Região, a fim de que seja apurado se efetivamente ocorreram danos decorrentes da construção do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo”. 1.2.3 | 37 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt Em agosto do ano seguinte, o TCU decide citar solidariamente a empresa Incal Incorporações S.A., do Grupo OK Construções e Incorporações S.A., na pessoa de Luiz Estevão de Oliveira Neto, além de Nicolau dos Santos Neto, Délvio Buffulin e Antônio Carlos Gama da Silva, pelo valor de R$ 169.491.951,15, em relação à diferença entre as quantias pagas pelo TRT 2ª Região à conta das obras de construção do Fórum Trabalhista de São Paulo (R$ 231.953.176,75) e o valor efetivo do empreendimento nas condições em que se encontram (R$ 62.461.225,60), todos em valores de abril de 1999, sendo que desse débito total a parcela de R$ 13.207.054,28 é de responsabilidade solidária também do Sr. Gilberto Morand Paixão (engenheiro).34 Somente em 31 de janeiro de 2001 o Plenário do TCU decide [...] decretar, cautelarmente, pelo prazo de 01 (um) ano, a indisponibilidade de bens dos responsáveis, cuja citação foi determinada pela Decisão n.º 591/2000-Plenário, tantos quantos bastantes para garantir o ressarcimento do débito, Srs. Nicolau dos Santos Neto, Antônio Carlos da Gama e Silva, Délvio Buffulin, Gilberto Morand Paixão, Fábio Monteiro de Barros Filho, José Eduardo Corrêa Teixeira Ferraz e Luiz Estevão de Oliveira Neto, bem como da Incal Incorporações S/A e do Grupo OK Construções e Incorporações S/A.35 Por fim, em 11 de julho de 2001, em processo de tomada de contas especial, o TCU julga irregulares as contas de: Délvio Buffulin; Nicolau dos Santos Neto; empresa Incal Incorporações S.A., em nome de seus representantes legais, Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Corrêa Teixeira; Grupo OK Construções e Incorporações S.A., em nome de Luiz Estevão de Oliveira Neto, bem como as contas do Sr. Antônio Carlos da Gama e Silva, condenando-os solidariamente ao pagamento de R$ 169.491.951,15. Decide também aplicar às empresas e pessoas, individualmente, multas de R$ 10 milhões – para a Incal Incorporações, o Grupo OK e Nicolau dos Santos Neto. A Délvio Buffulin e a Antonio Carlos Gama e Silva foram aplicadas multas individuais no valor de R$ 1 milhão e R$ 17.560, respectivamente.36 38 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Foram interpostos recursos de reconsideração por todos os condenados ao pagamento no Acórdão 163/2001. A decisão foi mantida em 5 de dezembro de 2001, com exceção do recurso de Délvio Buffulin, ao qual foi dado parcial provimento para limitar o valor do débito solidário e reduzir a multa aplicada.37 Em seguida, foram opostos sucessivos Embargos de Declaração contra a decisão que manteve a condenação, e em 8 de maio de 2002, ao julgar parte dos recursos, o plenário do TCU declarou que a “presente alegação não atende aos pressupostos de embargabilidade, revelando, ao contrário, o intento de postergar o trânsito em julgado”, determinando que “a reiteração, pelos recorrentes, de Embargos Declaratórios contra a presente deliberação não suspenderá a consumação do trânsito em julgado do Acórdão condenatório”.38 Uma vez definitivas, as decisões do TCU ainda precisam ser executadas, ou seja, é necessário que outra instituição, representando o Estado brasileiro, dê início a uma nova ação para cobrar dos réus os valores referentes às multas e à reparação do dano. No Caso TRT, a Advocacia-Geral da União promoveu essas ações – denominadas sob o rótulo ação de execução de título extrajudicial – para cobrar os valores impostos na condenação.39 Em 14 de julho de 2011, a Advocacia-Geral da União divulga em seu site a decisão da Justiça Federal de Brasília (Ação de Execução n. 2002.34.00.016926-3) que ordena a transferência de quase 55 milhões de reais em créditos do Grupo OK para as contas do tesouro nacional. E comemora: “este é o maior recolhimento para os cofres da União já registrado, referente à recuperação de verbas desviadas em caso de corrupção”.40 A nota informa também que o dinheiro “já havia sido bloqueado pela Justiça em razão de ações movidas pela AGU para que seja cumprida condenação imposta pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao Grupo OK no caso do TRT de São Paulo.” Luiz Estevão, em entrevista concedida ao jornal O Globo, faz pouco caso: [...] não temos interesse de recorrer. É uma decisão até vantajosa para a gente. Ela evita um prejuízo. Mas em relação ao processo como um todo, estamos recorrendo do mérito e se a gente ganhar a União será obrigada a nos devolver [tudo] de novo.41 39 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt Justamente para evitar que essa decisão se reunisse a várias outras (mencionadas no decorrer deste capítulo), as quais ainda percorrerão um longo caminho até se tornarem definitivas, a Advocacia-Geral da União propôs ao Grupo OK a celebração de um acordo. Após um período de negociações, em agosto de 2012 o acordo foi celebrado e parte das ações de execução contra o Grupo foram suspensas. O valor total do acordo é de R$ 468 milhões (metade do valor atualizado da condenação pelo TCU). O Grupo OK concordou em pagar R$ 61 milhões referentes a parte do débito total e aproximadamente R$ 19 milhões de multa. Segundo o acordo, homologado em setembro de 2012 pela justiça federal, o Grupo OK deveria pagar o restante em 96 parcelas de aproximadamente 4 milhões, mensais e sucessivas, atualizadas mês a mês, em um total de R$ 388 milhões. De acordo com a tabela de acompanhamento dos pagamentos, disponível no site da Advocacia-Geral da União, até junho de 2014 todas as parcelas vencidas haviam sido pagas, totalizando R$ 168 milhões.42 No Brasil, condenações criminais ainda aguardam trânsito em julgado No início de 1999, o Ministério Público Federal dá início a um segundo conjunto de ações relacionadas ao Caso TRT, especificamente na esfera penal. O primeiro inquérito criminal sobre o caso é autuado na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em maio.43 Em 16 de fevereiro de 2000, diante da revogação da Súmula 394 do STF,44 a Corte Especial do STJ, por unanimidade, declina a competência e determina a remessa desse inquérito à 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo.45 Depois da instauração do Inquérito n. 258 no STJ, mas antes da remessa para a primeira instância, é instaurado inquérito no STF para apurar os fatos relacionados à CPI, cujo investigado era Luiz Estevão de Oliveira Neto (STF, Inq. 1595). Mas, como em 28 de junho de 2000 Luiz Estevão teve seu mandato cassado pelo Senado Federal, foi determinada a remessa do Inquérito 1595 à Justiça Federal de 1º grau em São Paulo, pois o inquérito passou a alcançar “cidadão comum”.46 Assim, os autos também são encaminhados para a 1ª Vara da Justiça Federal em São Paulo. 1.2.4 | 40 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT No início de 2000, são oferecidas duas denúncias: a primeira dará origem ao processo principal, sobre corrupção e outros crimes.47 Em seguida, o MPF oferece denúncia contra Nicolau dos Santos Neto, por lavagem de dinheiro.48 Em razão da organização interna do MPF, a elaboração de uma denúncia para dar início à ação penal ficou a cargo de procuradores diferentes daqueles que haviam formulado a ação civil pública. As ações penais em que Nicolau dos Santos Neto figura como réu estão todas sob sigilo, e dessa forma não é possível ter acesso sequer ao andamento do caso por intermédio do sistema informático da Justiça Federal. De todo modo, por intermédio da mídia e dos recursos apresentados nos tribunais superiores, é possível obter informações sobre as principais decisões e o estágio atual do processo. No decorrer do ano 2000, a denúncia no processo principal, versando sobre corrupção, entre vários outros crimes, foi aditada algumas vezes para acrescentar réus – Luiz Estevão não havia sido denunciado inicialmente – e modificar alguns termos da acusação. No decorrer daquele ano, Nicolau dos Santos Neto, Fábio e José Eduardo tiveram suas prisões preventivas decretadas, mas apenas Nicolau chegou a cumpri-la. A análise midiática permite reconstituir alguns dos fatos envolvendo a prisão preventiva de Nicolau. Conforme se vê no Anexo 2, o ano 2000 foi de longe aquele em que a cobertura midiática do caso foi mais intensa: 274 matérias e 17 chamadas na capa da Folha de S. Paulo. A decretação da prisão ocorreu em abril de 2000, e Nicolau foi preso em dezembro, aparecendo ao público somente no início de janeiro. Esse período em que Nicolau era visto como um “fugitivo da justiça” – do início de abril de 2000 até o final de janeiro de 2001 – responde por 56% de todas as matérias publicadas no decorrer de mais de dez anos e quase 61% das chamadas em capa.49 As sentenças de primeira instância vieram em junho de 2002. Nicolau foi condenado a oito anos de prisão pela prática de lavagem de dinheiro e tráfico de influência, em concurso material.50 Todos os demais foram absolvidos. Essa sentença foi proferida pelo juiz Casem Mazlum, que alguns anos depois foi investigado na operação Anaconda, articulada pela polícia federal para apurar a venda de sentenças. Em face disso, Mazlum perdeu o cargo em dezembro de 2004, mas no decorrer da operação não 41 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt foram identificados indícios de que a sentença proferida no Caso TRT havia sido “vendida”.51 As sentenças foram publicadas no dia 26 de junho de 2002, uma sexta-feira, no final da tarde. A Folha de S. Paulo deu a notícia na segunda-feira: “Nicolau é condenado, Estevão é absolvido”. A notícia seguinte aparece quase 15 dias depois. Um de nossos entrevistados forneceu uma explicação para o silêncio da mídia: a sentença foi publicada na antevéspera da final da copa do mundo em que o Brasil levou o pentacampeonato.52 De todo modo, o caso já não era mais notícia: 274 matérias foram publicadas em 2000; 103, em 2001; e somente 24 em 2002. O Ministério Público recorreu das decisões, e em 2006 o Tribunal Regional Federal profere uma nova sentença no processo principal (corrupção),53 condenando os quatro protagonistas a penas que variam entre 26 e 31 anos de prisão.54 A condenação impôs também penas de multa que variaram de R$ 900 mil a R$ 3 milhões.55 A pena de Nicolau dos Santos Neto no processo sobre lavagem de dinheiro foi aumentada para 14 anos de reclusão (lavagem de dinheiro e evasão de divisas).56 Os réus apelaram para o Superior Tribunal de Justiça em 2007.57 Apenas a Nicolau dos Santos Neto foi negado o direito de aguardar o trânsito em julgado da decisão em liberdade. Em virtude de sua saúde, foi-lhe autorizada transferência para prisão domiciliar.58 Em 2013, no entanto, Nicolau foi reconduzido à prisão. De acordo com a decisão que determinou seu retorno ao presídio, Nicolau, então com 84 anos, estaria em “condições estáveis” de saúde que não mais justificariam a prisão domiciliar.59 Em junho de 2014, a pena de Nicolau foi extinta por indulto coletivo60 concedido a todos condenados a pena privativa de liberdade superior a oito anos que, até 25 de dezembro de 2012, tivessem completado sessenta anos de idade e cumprido um terço da pena61. Os demais protagonistas – Luiz Estevão, Fábio de Barros e José Eduardo Ferraz – aguardam decisões do STJ em liberdade. No decorrer do processo, eles foram presos preventivamente por poucos dias apenas. Uma das explicações para essa diferença de tratamento entre os réus reside no fato de Nicolau ter sido o único a permanecer meses com a prisão decretada sem apresentar-se à justiça.62 42 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Em abril de 2013, após 14 anos da instauração do inquérito criminal, a ação penal por lavagem de dinheiro transitou em julgado. Ao mesmo tempo em que reconheceu a prescrição da condenação de evasão de divisas – extinguindo o processo em relação a esse crime –, o STF confirmou a condenação por lavagem e determinou o início da execução da pena por esse crime.63 A pena aplicada foi de nove anos de prisão e multa de R$ 600 mil. Constructive trust: apartamento de Miami acionado e leiloado em meses No dia 1º de setembro de 2000, advogados contratados pelo Estado brasileiro nos EUA apresentaram um pedido cautelar (Motion for Temporary Injunction) à 11º Judicial Circuit Court de Miami. O objetivo do pedido era constituir um constructive trust e transferir a propriedade do luxuoso apartamento de Nicolau em Miami para o Estado brasileiro. O imóvel havia se tornado um ícone do Caso TRT desde a matéria de Caco Barcellos para o programa de televisão Fantástico, que foi ao ar no início de agosto de 2000. Naquela mesma semana, o rosto de Nicolau ocupava a capa da Veja, com os dizeres “anatomia de um crime: os bastidores do mais escandaloso golpe já aplicado no Brasil”. A matéria de 10 páginas traz fotos do prédio, bem como do interior do apartamento de Nicolau.64 É também no mês de agosto de 2000 que o Ministério da Justiça cria uma “força-tarefa” para organizar os esforços de diferentes órgãos que estavam lidando com o caso. A contratação de um escritório de advocacia em Washington – que já havia representado os interesses brasileiros nos EUA na negociação da dívida externa junto ao FMI e no caso Georgina de Freitas – surge nesse contexto. Naquele momento, o acordo bilateral de cooperação internacional negociado entre os dois países – assinado em outubro de 1997 – aguardava a aprovação do Congresso Nacional, o que ocorreu apenas em 18 de dezembro de 2000, aproximadamente um ano após as expressas recomendações da CPI para acelerar a tramitação. Nesse contexto, a ação movida pelo Estado brasileiro pareceu aos advogados uma estratégia com maiores chances de sucesso que a tramitação de um pedido de cooperação internacional com base em reciprocidade.65 1.2.5 | 43 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt O pedido à corte de Miami foi formulado contra Nicolau dos Santos Neto e duas pessoas jurídicas com sede na Flórida: a Biarritz Properties Corporation (de acordo com o mesmo documento, anteriormente conhecida como Hillside Trading Limited) e a Stedman Properties Incorporation. O constructive trust é um remédio jurídico bastante comum no direito americano, que se destina a promover judicialmente a restituição de bens específicos aos legítimos proprietários. Trata-se, portanto, de um mecanismo flexível que permite ao judiciário transferir títulos de propriedade quando há comprovação de que a aquisição de um determinado bem gera enriquecimento ilícito para aquele que detém o título de propriedade.66 Nessa ação, o Estado brasileiro logrou demonstrar que o apartamento havia sido adquirido com recursos provenientes da conta de Nicolau na Suíça e que esta, por sua vez, havia recebido uma série de transferências, consecutivas aos pagamentos que o tesouro fazia à Incal. No final de agosto de 2001, o juiz defere o pedido e constitui um constructive trust em nome do Estado brasileiro.67 O apartamento foi leiloado, e foram depositados US$ 690.113,81 na conta do tesouro nacional em novembro de 2002. Ikal entra em falência e Grupo OK tem a personalidade jurídica desconsiderada Em dezembro de 2000, o juiz da 8ª Vara Cível decreta a falência da Construtora Ikal ao julgar procedente a ação interposta em fevereiro de 1999 pela empresa Trox do Brasil. De acordo com o pedido, a Construtora Ikal deixou de pagar duplicatas protestadas, no valor total de R$ 69.778,16. Em janeiro de 2001, a Construtora Ikal pediu a suspensão da declaração de falência. Alegou, entre outros argumentos, que possuía valores correspondentes ao reclamado no pedido de falência na conta-poupança no Banco do Brasil (R$ 202.216,51), mas que esses valores estavam indisponíveis por ordem judicial da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo (autos da ação civil pública). Por isso, pediu para que fosse enviado ofício à 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo para transferência do valor atualizado. O pedido foi negado. Em 6 de dezembro de 2001, Fábio Monteiro de Barros Filho, “sócio e diretor presidente da Construtora Ikal na época da falência e representante 1.2.6 | 44 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT legal da Monteiro de Barros Investimentos S.A.”, presta declarações no processo de falência e alega que esta [...] foi motivada pela indisponibilidade de seus bens e bloqueio de contas bancárias decretados em ação movida pelo Ministério Público, em trâmite na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo, envolvendo a construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho (Ação de Falência n. 583.00.1999.019813-0, p. 1472). Em junho de 2002, a síndica pede a extensão dos efeitos da falência para atingir a sócia majoritária Monteiro de Barros Investimentos S.A., a Incal Incorporações S.A., a SLG S.A., a Monteiro de Barros Empreendimentos Imobiliários e a Participações Ltda., bem como a CMB do Brasil Ltda. e a BFA Empreendimentos e Construções. As empresas são incluídas no polo passivo. Em outubro de 2002, o juiz também determina a inclusão do Grupo OK Construções e Incorporações S.A. no polo passivo da falência, diante da possibilidade de ter havido venda de ações, com alteração do quadro social da empresa Incal Incorporações S.A., empresa coligada da falida. Em 2008, no entanto, decidiu-se que era cedo demais para estender os efeitos da falência da Ikal para outras empresas que, em razão dessa decisão, continuam sendo parte no processo, mas sem sofrer seus efeitos. Em maio de 2012, imóveis da falida foram levados a leilão e arrematados por mais de R$ 4 milhões e, até fevereiro de 2014, ainda não havia quadro completo de credores.68 Paralelamente, em novembro de 1998, a empresa Grupo OK Construções e Incorporações Ltda. propõe ação declaratória de anulação de títulos de créditos contra a Betoncamp Serviços de Concretagem Ltda., requerendo que as duplicatas protestadas em nome do Grupo OK (no valor total de R$ 177.048,82) sejam anuladas.69 Em junho de 1999, o processo é extinto sem julgamento de mérito pela falta de interesse em agir do Grupo OK. Com a extinção do processo, inicia-se a fase de execução dos títulos judiciais. Em novembro de 2008, é determinado o bloqueio de R$ 43.544,44 de todas as contas e aplicações financeiras em nome da empresa Grupo OK Construções e Incorporações Ltda., pelo sistema BacenJud 2.0. Não foram encontrados 45 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt valores nas contas-correntes. Em dezembro de 2008, a empresa Concrepav S.A. Engenharia de Concreto (que sucedeu a Betoncamp Serviços de Concretagem Ltda.), pede a desconsideração da personalidade jurídica da Grupo OK, para que os representantes legais sejam incluídos no polo passivo. De acordo com o pedido, a empresa não possui nenhum bem passível de ser penhorado para garantia da execução. As buscas realizadas junto ao Detran e aos estabelecimentos bancários também restaram infrutíferas. Segundo o pedido, tudo leva a pressupor que os sócios da executada, após realizarem vários negócios em nome da sociedade empresarial, buscaram se esconder atrás do véu da pessoa jurídica para fins fraudulentos. Em abril de 2009, é desconsiderada a personalidade jurídica do Grupo OK e enviada intimação para que os sócios paguem o débito devidamente atualizado no valor de R$ 43.544,44 no prazo de 15 dias, sob pena de penhora. Até junho de 2013 não havia notícia de apresentação de impugnação ou do pagamento do débito. Do “nada vai acontecer comigo” à marchinha de carnaval Logo em 1999 a imprensa passou a utilizar as expressões “Lalau” e “Laulau” para fazer referência a Nicolau dos Santos Neto. Com a intensificação da cobertura pela mídia impressa e televisiva, as expressões ganharam rapidamente a opinião pública e foram inclusive mote de marchinha de carnaval de 2001.70 A utilização dessas e outras expressões pela mídia estão sendo discutidas no Judiciário em ações de indenização por danos morais e ações penais privadas versando sobre crime contra a honra. Apenas no Tribunal de Justiça de São Paulo foram encontrados nove acórdãos. As ações de origem foram ajuizadas pelo próprio Nicolau dos Santos Neto, por pessoas próximas a ele ou familiares e também por pessoas que foram comparadas a Nicolau dos Santos Neto e se sentiram moralmente ofendidas.71 As duas decisões referentes a ações ajuizadas por Nicolau dos Santos Neto referem-se a comentários que ele considerou ofensivos à sua honra em redes de televisão.72 De acordo com os relatórios das decisões, em ambos os casos Nicolau dos Santos Neto entendeu que os comentários teriam imputado-lhe crimes e incitado a população a chamá-lo de “Lalau” e “ladrão”. Ambas as ações foram julgadas improcedentes em primeiro grau, e as sentenças foram 1.2.7 | 46 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT confirmadas pelas turmas julgadoras (em janeiro de 2009 e março de 2011, respectivamente), sob o fundamento de que Nicolau dos Santos Neto, “sabidamente envolvido em escândalo financeiro, com sério dano ao erário federal acabou por atrair para si um juízo de valor reprovável”.73 Por fim, três acórdãos encontrados na pesquisa dizem respeito a pedidos de indenização por danos morais de pessoas que, ao serem chamadas de “Lalau” ou comparadas a Nicolau dos Santos Neto, se sentiram ofendidas em sua honra. Em todos os casos, as ações foram julgadas procedentes em primeira instância, e essas decisões foram mantidas pelas Turmas Julgadoras, nos seguintes termos: Nem se diga que não houve ofensa em virtude da absolvição do ex-prefeito Pitta e de Nicolau do Santos Neto. Ora, a referência a estas pessoas não foi feita em razão da certeza de que praticaram ilícitos, mas da repercussão na mídia das irregularidades imputadas a eles, razão pela qual tiveram conteúdo ofensivo.74 Enfim, as sentenças nas ações de improbidade Após mais de dez anos de tramitação, em 26 de outubro de 2011 são publicadas as sentenças75 que julgaram ambas as ACPs parcialmente procedentes76 para condenar os réus por (i) danos materiais e morais causados à União Federal, “a serem arbitrados na liquidação da sentença”,77 além de determinar (ii) multa civil, correspondente a três vezes o valor do acréscimo patrimonial, (iii) a perda em favor da União dos bens e valores acrescidos ilicitamente; (iv) a suspensão de contratar com o Poder Público e a suspensão dos direitos políticos por dez anos. Além disso, foi ratificada a liminar para manter a indisponibilidade dos bens dos réus. De acordo com a sentença da ACP n. 98.0036590-7, há prova de enriquecimento ilícito auferido pelos réus, em prejuízo ao erário, tendo em vista que “indubitável, e reconhecido nos autos da decisão criminal”, os réus “mantiveram em erro a entidade pública, dando a aparência de realização de atos regulares no que concerne à contratação e realização da obra do Fórum Trabalhista, mas que escondiam, na verdade, a finalidade de obtenção de vantagens ilícitas”. Assim como nesse trecho, diversas condutas reconhecidas na 1.2.8 | 47 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt decisão foram extraídas do processo criminal por corrupção.78 Os valores do dano moral, material e da multa civil seriam fixados em fase posterior, denominada “liquidação de sentença”. Em agosto de 2012, após rejeição de diversos pedidos de reconsideração da sentença, os processos foram enviados para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região para julgamento das apelações. Ambas as apelações foram julgadas em 24 de outubro de 2013. A condenação na ACP n. 2000.61.00.012554-5 foi mantida, com duas alterações. De um lado, o Tribunal aceitou o argumento dos réus de que a sentença teria ignorado os termos do pedido inicial do Ministério Público para que a condenação fosse limitada ao montante que receberam do Grupo Monteiro de Barros e os condenou ao pagamento da totalidade dos recursos públicos que teriam sido desviados, nos mesmos termos que os réus da ACP n. 98.0036590-7. O Tribunal acatou o argumento de que essa condenação violaria a obrigação de a sentença limitar-se ao pedido inicial formulado pelo Ministério Público. De outro lado, o Tribunal acolheu o pedido do Ministério Público Federal e da União para que fossem imediatamente liquidados os danos materiais e morais causados pelos réus à União. De acordo com a decisão, havendo prova técnica que possibilita a aferição do quantum devido pelos réus, adiar a liquidação para fase posterior significaria “procrastinar desnecessariamente o desfecho deste caso, que aflige a sociedade e está em curso há mais de quinze anos”.79 Determinou-se, assim, a imediata liquidação da condenação imposta aos réus “mediante simples cálculo aritmético, [...] com incidência de correção monetária e juros de mora, na forma da lei, desde a data dos desvios”. A condenação na ACP n. 98.0036590-7 também foi mantida, mas não foi possível ter acesso aos termos da decisão, por tramitar em segredo de justiça.80 Até agosto de 2014, não haviam sido julgados os recursos contra esta decisão.81 hIstórIA sem fIm Em agosto de 2014, quando concluímos esta narrativa, aos cofres públicos brasileiros já tinham retornado os R$ 168 milhões decorrentes do acordo 1.3 | 48 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT firmado entre AGU e Grupo OK, assim como outros US$ 5,4 milhões referentes ao apartamento de Nicolau dos Santos Neto em Miami e a suas contas na Suíça. Ao lado de eventual impacto financeiro decorrente do acordo entre a AGU e o Grupo OK, a Luiz Estevão foram impostos alguns custos políticos também. Dois meses antes de completar seus 10 anos de inelegibilidade, Luiz Estevão declarou à imprensa que se candidataria novamente em 2012.82 O plano, no entanto, não se concretizou, muito provavelmente em decorrência da Lei da Ficha Limpa que torna inelegíveis as pessoas condenadas por sentença proferida por órgão judicial colegiado.83 Com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória pelo crime de lavagem de dinheiro, Nicolau dos Santos Neto, com 84 anos, foi transferido de sua residência, onde cumpria prisão domiciliar, para a Penitenciária de Tremembé, no interior paulista. No ano seguinte, foi extinta sua punibilidade em cumprimento a indulto coletivo. Esse saldo dos 15 anos de tramitação do Caso TRT no sistema de justiça brasileiro e em jurisdições internacionais permite visualizar avanços importantes mas também a permanência de modelos ultrapassados, muito difíceis de justificar sem apelo ao formalismo jurídico e à opinião pública. O último capítulo deste livro busca apresentar alguns subsídios para a construção de uma agenda de pesquisa em direito que contribua a avançar nossa reflexão sobre esse conjunto de questões. 49 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt notAs Uma primeira versão desta narrativa foi publicada em “Sistema de justiça e corrupção no Brasil: um estudo do Caso TRT/SP”, Revista Jurídica da Presidência 103, p. 273-304, 2012. Há também uma versão em língua inglesa disponível na Biblioteca Digital do IDRC: <https://idl-bnc.idrc.ca/dspace/bitstream/10625/52302/1/IDL-52302.pdf>. No decorrer da pesquisa para elaboração do presente caso, contamos com a inestimável colaboração dos pesquisadores Ana Mara Machado e Yuri Luz, bem como dos estagiários Carolina Domingues, Rafael Tatemoto e Fernanda Geraldini. Um agradecimento especial a André Rodrigues Corrêa, Antenor Madruga, Ary Oswaldo Mattos Filho, Bruno Salama, Bruno Paschoal, Carlos Ayres, Flávia Püschel, Heloisa Estellita, Juliana Palma, Mario Schapiro, Matthew Taylor e Salem Nasser, pelos comentários críticos e pelas sugestões. Agradecemos ainda às pessoas que se dispuseram a participar deste projeto e concederam longas e ricas entrevistas, todas elas fundamentais ao desenvolvimento desta narrativa. E, por fim, um agradecimento muito especial a Guillermo Jorge e Kevin Davis, extraordinários parceiros neste e em outros projetos, pois sem eles esta pesquisa nunca teria ocorrido. 1 Nicolau dos Santos Neto não era magistrado de carreira. Havia sido nomeado para o Ministério Público antes da exigência de concurso público para o ingresso na instituição. Após, assumiu a função de juiz no TRT em decorrência das vagas reservadas aos advogados e membros do Ministério Público, na forma estabelecida na constituição federal. 2 Sobre as mudanças legislativas empreendidas nesse período para regulamentar as licitações no país, ver Capítulo 9 – Lei n. 8.666/93: uma resposta à corrupção nas contratações públicas?. 3 4 Termos do edital de licitação citado na decisão do TCU n. 231/96, p. 3. De acordo com o parecer técnico citado na decisão do TCU n. 231/96, p. 9, a forma de definir o objeto da licitação poderia haver “dificultado a participação de interessados”. 5 É tudo o que informa o relatório da CPI (2000, 63). As decisões do TCU e STF analisadas não discutem esse aspecto do processo licitatório e, portanto, não trazem informações complementares sobre os motivos e as circunstâncias da desqualificação da Empreendimentos Patrimoniais Santa Gisele. 6 As informações contidas na “ficha cadastral completa” dizem respeito aos quadros da empresa, seu capital e objeto social, bem como titulares, sócios ou diretores no momento 7 50 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT de sua constituição. Pode incluir também extratos de arquivamentos posteriores alterando as informações iniciais. Especificamente no caso do Consórcio Grupo OK Augusto Velloso, não há informações adicionais registradas na ficha cadastral, conforme levantamento realizado em 23 de maio de 2011. 8 Jucesp, 23 de maio de 2011. Jucesp, 23 de maio de 2011. O mesmo documento indica que o sócio João Julio Cesar Valentini se retira da empresa em 23 de março de 1998. A rubrica da ficha cadastral é “destituição/renúncia”. 9 Sobre o TRT haver contratado uma empresa que não participou do processo licitatório, o relatório da CPI indica que “houve tentativa de explicação deste fato, pelo Sr. Fábio Monteiro de Barros Filho, em seu depoimento à CPI, quando disse que a associação do Grupo Monteiro de Barros com a Incal Alumínios para fundar a Incal Incorporações, responsável pelo empreendimento, já estava previsto desde antes do resultado da licitação” (CPI 2000, 63). 10 Ver Capítulo 2 – Preconceitos, presunções e prejuízos: argumentos dogmáticos nas decisões do TCU e do STF envolvendo o Caso TRT. 11 Processo n. 2000.61.81.001198-1, aditamento à denúncia (p. 4) e sentença (p. 37-38). 12 Relatório do acórdão 591/2000 referente à Tomada de Contas do TRT 2ª Região, pertinente ao exercício de 1995 (TC-700.115/1996). 13 14 Ação Cautelar n. 93.0032242, 12ª Vara Federal Criminal. Nota da Comissão Permanente do Senado Federal referente à 6ª Reunião Extraordinária de 10/08/2000 da Comissão CCJ – Subcomissão do Judiciário, p. 4. 15 A ação civil pública foi criada em 1985 (Lei n. 7.347, de 24/07/85), autorizando o Ministério Público, alguns órgãos públicos e associações civis a iniciarem investigações voltadas à responsabilização e reparação de danos em casos que envolvem a proteção de direitos coletivos, como o meio ambiente, o direito dos consumidores e os direitos econômicos. Com a entrada em vigor da lei de improbidade administrativa, a ação civil pública passou a ser utilizada também para apurar responsabilidade civil em casos de corrupção. 16 51 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt Essa ação foi ajuizada contra Nicolau dos Santos Neto, Luiz Estevão, Fábio de Barros, José Eduardo Ferraz, Délvio Buffulin, Antônio Carlos Gama, Incal Incorporações S.A., Monteiro de Barros Investimentos S.A., Fabio Monteiro de Barros Filho, José Eduardo Ferraz, Construtora Ikal Ltda., Incal Ind. e Com. de Alumínio Ltda. A ação foi distribuída para a 12ª Vara Federal Criminal em razão da dependência da Ação Cautelar. 17 As Comissões Parlamentares de Inquérito estão previstas na Constituição Federal Brasileira desde 1934. A Constituição atual, de 1988, pela primeira vez outorga às CPIs os mesmos poderes de investigação das autoridades judiciais (Constituição Federal, art. 58, § 3º). A extensão desses poderes vem sendo discutida desde então pelo Supremo Tribunal Federal. Entre as decisões particularmente importantes destacam-se as seguintes: “CPI tem poderes de investigação mas, ao exercê-los, está sujeita às mesmas limitações constitucionais, devendo fundamentar suas decisões” (STF, MS 23.454-DF, Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ 19/08/99) e “incompetência da CPI para expedir decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é medida de instrução, mas de provimento cautelar de eventual sentença futura, que só pode caber ao Juiz competente para proferi-la” (STF, MS 23.466, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ 06/04/01). 18 (Veja, 20 de abril de 1999, n. 1.595 e Folha de S. Paulo, 21 de abril de 1999, capa e A1, 10). Vale destacar que a Folha de S. Paulo havia noticiado, em 12 de maio de 1998, a decretação de bloqueio de bens na ação civil pública. 19 20 Veja, 28 de abril de 1999, n. 1.595, p. 46. [A radiografia do escândalo: Chico Lopes (ex-presidente do Banco Central) tem 1,6 milhões de dólares não declarados no exterior. Veja, 28 de abril de 1999, n. 1.595, capa]. 21 Tendo em vista que outros casos analisados pela CPI do Judiciário referiam-se a Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), todo o trabalho da CPI refere-se ao caso narrado neste livro como “TRT da 2ª Região” ou “TRT São Paulo”, diferenciando-o, portanto, dos casos referentes ao TRT da 1ª Região (Rio de Janeiro) e da 13ª Região (Paraíba), que também foram investigados pela CPI do Judiciário. 22 23 Supremo Tribunal Federal, Mandado de Segurança n. 23.455-5/DF. Informações constantes na decisão do tribunal federal suíço que nega recurso de Nicolau dos Santos Neto contra decisão que manteve o confisco dos valores depositados 24 52 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT nas duas contas-correntes. Decisão disponível em <http://bstger.weblaw.ch>. Acesso em 7 de julho de 2011. Parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar relatado pelo Senador Jefferson Peres, p. 4. 25 Publicada no D.O.U. a Resolução n. 51/2000, de 29 de junho, decretando a perda do mandato de Luiz Estevão. 26 Parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar relatado pelo Senador Roberto Saturnino, p. 2. 27 Folha de S. Paulo, disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u20590.shtml>. Seu mandato na 51ª legislatura (no qual foi cassado) nem sequer consta na sua página do Senado <http://www.senado.gov.br/senadores/senLegisAnt.asp?leg= a&tipo= 3&nlegis=52&end=n&codparl=4>. 28 29 Tribunal Penal Federal, RR 2007.131, p. 2. 30 Tribunal Penal Federal, RR 2007.131, p. 2. 31 Tribunal Penal Federal, RR 2007.131, p. 7. Ver Capítulo 4 – Recuperação dos ativos do Caso TRT-SP: equilibrando a interdependência de jurisdições com a utilização de diferentes estratégias jurídicas. 32 Essa decisão está disponível em <http://jumpcgi.bger.ch/cgi-bin/JumpCGI?id= 21.08.2012_6B_688/2011>. De acordo com a decisão, aproximadamente US$ 3,8 milhões foram transferidos entre 1994 e 1999. 33 Acórdão 591/2000, julgado em 02/08/2000, na Tomada de Contas Especial referente ao ano de 1995 (TC-001.025/98-8). 34 Acórdão 26/2001, julgado em 31/01/2001, no requerimento de indisponibilidade de bens formulado pelo Ministério Público n. 017.777/2000-0. 35 Acórdão 163/2001, julgado em 11/07/2001, na Tomada de Contas Especial referente ao ano de 1995 (TC-001.025/98-8). 36 53 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt Acórdão 301/2001, julgado em 05/12/2001, na Tomada de Contas Especial referente ao ano de 1995 (TC-001.025/98-8). 37 Acórdão 158/2002, julgado em 08/05/2005, na Tomada de Contas Especial referente ao ano de 1995 (TC-001.025/98-8) 38 Os processos movidos contra o Grupo OK (Ação de Execução n. 2002.34.00.016926-3, em trâmite perante a 19ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal) e Nicolau dos Santos Neto (Ação de Execução n. 2003.61.00.011074-9, em trâmite perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em fase de apelação) ainda estão em andamento. Não foi possível ter informações seguras sobre a existência de outras ações de execução, já que as ações foram propostas individualmente e não há sistema de busca uniformizado das Justiças Federais. 39 Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTexto.aspx? idConteudo=163200&id_site=3>. Acesso em: 14 de julho de 2011. 40 Disponível em: <http://moglobo.globo.com/integra.asp?txtUrl=/pais/mat/2011/07/14/ justica-federal-determina-que-grupo-ok-do-ex-senador-luiz-estevao-devolva-55-milhoes-aotesouro-nacional-924910873.asp>. Acesso em: 26 de julho de 2011. 41 Disponível em <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo =219493&id_site=1108>. Acesso em: 16 de agosto de 2014. 42 O inquérito foi autuado sob o n. 258, para investigar “crimes contra a Administração Pública”, e Nicolau dos Santos Neto consta como único investigado (informação extraída do site do STJ). 43 Em agosto de 1999, o STF cancelou a Súmula n. 394, de abril de 1964, que estabelecia: “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função ainda que o inquérito ou ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”. 44 45 O inquérito foi autuado sob o número 2000.61.81.001198-1. 46 Decisão proferida pelo Min. Marco Aurélio, em 13 de julho de 2000. 47 Ação Penal n. 2000.61.81.001198-1. 54 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 48 Ação Penal n. 2000.61.81.001248-1. É importante registrar que nesse período outros temas foram cobertos para além da decretação da preventiva de Nicolau. Em julho e agosto de 2000, meses com as maiores incidências de notícias relacionadas ao caso – 74 e 83 respectivamente –, o grande tema explorado pela mídia era o possível envolvimento de Eduardo Jorge, ex-secretário geral da presidência no decorrer do mandato de Fernando Henrique Cardoso. 49 Foi aplicada pena de cinco anos de reclusão pelo crime de lavagem de dinheiro na Ação Penal n. 2000.61.81.001248-1 e de três anos de reclusão pelo crime de tráfico de influência na Ação Penal n. 2000.61.81.001198-1. As sentenças foram proferidas no mesmo dia, e o juiz determinou a soma das penas, em razão de concurso material. 50 O acórdão do Tribunal Regional Federal que julgou a apelação da condenação penal decidiu que “não há provas no sentido de que a sentença condenatória de primeiro grau prolatada nestes autos tenha sido dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz, pelo que não há que se falar em nulidade deste processo ou de impedimento do magistrado, sendo que eventual vício a atingir outro processo não tem o condão de se estender ao presente” (TRF 3ª Região, Apelação Criminal n. 200061810011981, p. 371/372). 51 52 Entrevista 3 (31:00). O acórdão é proferido na véspera da prescrição de alguns crimes imputados. A defesa de Nicolau dos Santos Neto alega que os crimes estariam prescritos na data do julgamento, já que o ano anterior era bissexto, mas a alegação é rejeitada pela turma julgadora (TRF 3ª Região, Apelação Criminal n. 200061810011981, p. 228). 53 Sobre o impacto da intensa cobertura midiática na definição das penas, ver Capítulo 6 – O Caso TRT na mídia: sistema de direito criminal e opinião pública. 54 55 Para maiores detalhes, ver Anexo 3. 56 TRF 3ª Região, Apelação criminal 200061810011248. Sobre a repercussão das regras de competência por prerrogativa de função (foro privilegiado) na tramitação do caso, ver Capítulo 8 – O impacto das normas sobre foro especial no Caso TRT. 57 55 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt Sobre a gestão da prisão de Nicolau dos Santos Neto, desde a decretação da prisão preventiva em 2000 até 2013, ver Capítulo 5 – A gestão da prisão de Nicolau dos Santos Neto. 58 59 TRF 3ª Região, Agravo em execução n. 0010249-86.2011.4.03.6181. 60 Autos n. 1050211, 1ª Vara de Execuções Criminal de Taubaté. 61 Decreto n. 7.873, assinado em 26 de dezembro de 2012, por Dilma Rousseff. De acordo com o Código de Processo Penal brasileiro, a prisão preventiva (antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória) só pode ser decretada “como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria” (art. 312, do Código de Processo Penal). A não apresentação à justiça é frequentemente utilizada pelo judiciário para manter a decretação da prisão, sob o fundamento de que a medida é necessária para conveniência da instrução criminal (para que o acusado participe dos atos processuais) e posterior aplicação da lei penal. 62 Certidão de trânsito em julgado do crime de lavagem de dinheiro emitida pelo Ministro Teori Zavascki (STF), em 02/04/13, após publicação de acórdão no Agravo em Recurso Extraordinário 681742. 63 64 Veja, 2 de agosto de 2000, n. 1660. Sobre as estratégias de cooperação internacional envolvidas no caso, ver Capítulo 4 – Recuperação dos ativos do Caso TRT-SP: equilibrando a interdependência de jurisdições com a utilização de diferentes estratégias jurídicas. 65 American Law Institute. Restatement (Third) of Restitution & Unjust Enrichment § 55 (T.D. n. 6, 2008). O documento ilustra a explanação sobre esse instituto com inúmeros casos, alguns deles do início do século XX. O conceito, no entanto, origina-se no direito inglês e é muito mais antigo. 66 Detalhes da tramitação desse pedido e todas as principais peças estão disponíveis no site do Circuit and County Courts, Miami, no endereço <http://www2.miami-dadeclerk.com/ civil/search.aspx>. 67 56 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Para maiores detalhes sobre esse processo, ver Capítulo 3 – Direito privado e combate à corrupção: desconsideração da personalidade jurídica e falência no Caso TRT. 68 69 Ação n. 538.00.1998.033693-2, 11ª Vara Cível de São Paulo. “Lalau pegou meu dinheiro e levou/Depois voltou, mas a grana ficou/Eu esse ano vou ser rico por um dia/Vou pra Banda Mole de Lalau na fantasia/Lalau pegou meu dinheiro e levou/Depois voltou, mas a grana ficou/Enquanto ele fugia/A nossa gente perguntava sem parar:/Lalau, Lalau, Lalau/Cadê Lalau?/Conta aqui na Federal/Onde pôs meu capital?/Me conta Nicolau/Lalau”. Marchinha da tradicional Banda Mole de Guaratinguetá. Áudio disponível em <http://www.jornalolince.com.br/galeria/musicos/banda_mole/body.php?id=8>. Acesso em: 14 de julho de 2011. 70 A pesquisa das ações de indenização por danos morais e ações penais privadas envolvendo Nicolau dos Santos Neto foi realizada no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (http://www.tj.sp.gov.br/), em 21 de junho de 2011. A primeira busca foi feita na ferramenta de pesquisa “consulta de processos de 2º grau”, por “nome da parte” (Nicolau dos Santos Neto). Mas, para não ocultar outras decisões que dizem respeito ao caso estudado, foi realizada busca na “consulta de jurisprudência”. As palavras-chave utilizadas foram “Nicolau dos Santos Neto” e “Lalau”. 71 TJSP, Apelação Cível n. 613.488-415-00; TJSP, Apelação Cível 918569042.2006.8.26.0000. 72 TJSP, Apelação Cível n. 613.488-415-00. No mesmo sentido, TJSP, Apelação Cível n. 9185690-42.2006.8.26.0000. 73 TJSP, Apelação Cível n. 236.105-4. E ainda: “[...] o fato de os dois corréus serem membros do conselho fiscal não os autoriza a xingar em altos brados o apelado de ladrão, Lalau e pé na cova” (TJSP, Apelação Cível n. 431.883-4). No mesmo sentido: TJSP, Apelação Cível n. 296.931-4/9. 74 No Agravo de Instrumento n. 2000.03.00.033614, do TRF 3ª região, foi reconhecida conexão entre as ACPS n. 2000.61.00.012554-5 e n. 98.0036590-7, para fins de julgamento simultâneo. 75 Foram absolvidos os réus Jail Machado Silveira, sócio-gerente da Construtora e Incorporadora CIM, e Délvio Buffulin. por ausência de provas. Com relação ao ex-presidente 76 57 [sumário] 1. A nArrAtIvA do CAso trt do TRT: “Constato na conduta do corréu Délvio Buffulin a inexistência de qualquer indício de que tenha agido com culpa, muito menos com dolo. Ao contrário, o Superior Tribunal de Justiça ao examinar a conduta do corréu afirma que restou devidamente comprovada além da ausência de dolo do Délvio sua extrema cautela enquanto presidente do Tribunal Regional do Trabalho, quando procedeu ao devido encaminhamento do crédito orçamentário, visando restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato à Construtora Incal, além da absoluta inexistência de enriquecimento ilícito” (Sentença da ACP n. 98.0036590-7, DJ 26/10/11). 77 Sentença da ACP n. 2000.61.00.012554-5. Cf., por exemplo: “restou demonstrada nos autos da ação criminal a existência de uma complexa estrutura que se formou entre os corréus para cumprir seus fins escusos e se valiam de cuidadoso estratagema para conseguir seu desiderato” (Sentença da ACP n. 98.0036590-7, DJ 26/10/11). 78 79 Acórdão da ACP n. 2000.61.00.012554-5, DJ 04/11/13. <http://web.trf3.jus.br/consultas/Internet/ConsultaProcessual/Processo? NumeroProcesso=00365905819984036100>. Último acesso em: 17 de agosto de 2014. 80 Sobre o sistema recursal brasileiro e o modo como impactou a tramitação processual do Caso TRT, ver Capítulo 7 – O controle judicial da corrupção e o modelo processual brasileiro: reflexões a partir do Caso TRT. 81 82 Luiz Estevão volta ao jogo. Isto É, 28 de maio de 2010. Lei Complementar n. 135/2010. Para mais detalhes, ver Capítulo 10 – Para concluir: uma agenda de pesquisa em direito. 83 58 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT referênCIAs : : : : 59 ABRAMO, Claudio et al. “Contratação de obras e serviços (licitações)” in SPECK, Bruno. Caminhos da Transparência. Análise dos componentes de um sistema nacional de integridade. Campinas: Editora da Unicamp, 2002, p. 105-132. NAHAT, Ricardo. Anatomia da Corrupção. São Paulo: R. Nahat, 1991. NASSIF, Luiís. O jornalismo dos anos 90. São Paulo: Futura, 2003. PEDONE, Luis et al. “O Controle pelo legislativo” SPECK, Bruno. Caminhos da Transparência. Análise dos componentes de um sistema nacional de integridade. Campinas: Editora da Unicamp, 2002, p. 201-226. [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: ARGUMENTOS DOGMáTICOS NAS DECISõES DO TCU E DO STF ENVOLVENDO O CASO TRT André Rodrigues Corrêa Introdução Após tantos anos sob o escrutínio dos Poderes Legislativo e Judiciário, quais são as lições que podemos retirar do Caso TRT? O objetivo deste capítulo é contribuir para os esforços coletivos direcionados a responder essa questão, tendo em vista uma pergunta mais específica: um contrato inadequado pode ser lícito? Ou, posta de outra forma, de que maneira a consideração dada ao regime contratual aplicável ao contrato em análise, realizada pelos tribunais que se debruçaram sobre o caso, auxiliou ou dificultou a obtenção de uma solução satisfatória para o caso? A tese aqui defendida é a de que a presença de um conjunto de preconceitos (estruturados na forma de premissas não questionadas) e presunções (estruturadas na forma de conclusões não demonstradas) no discurso técnico-jurídico usado pelos membros dos tribunais encarregados do julgamento do caso conduziu indevidamente os raciocínios realizados pelos Ministros encarregados dos julgamentos. Como resultado disso houve um significativo prejuízo na descoberta e/ou tratamento de argumentos que forneceriam maior consistência às medidas tomadas para viabilizar a conclusão da obra, a suspensão dos pagamentos por fazer ou a devolução de pagamentos já realizados. Nas decisões dos tribunais encontra-se, de forma inequívoca, a ideia de que a origem do problema estava numa fuga indevida para o direito privado, ou seja, a escolha por um modelo contratual de direito civil – a compra e venda – seria a raiz de todos os males encontrados no caso. Partindo dessa premissa, todo o esforço dos julgadores esteve concentrado em demonstrar a ilegalidade dessa escolha para, a partir daí, sustentar a aplicação do regime contratual do direito público e, com isso, obter a rescisão ou a declaração de nulidade do contrato. Em nossa opinião, a solução 61 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: do caso impunha a adoção de estratégia diametralmente oposta. Mais do que uma fuga do direito privado para o direito público, dever-se-ia assumir a inutilidade da distinção. Em vez de procurar a solução para o caso no regime contratual especial do direito público, seria mais acertado buscá-la no regime geral do direito contratual presente no Código Civil. Portanto, a solução não estaria em uma atenção menor às regras do direito civil, mas em uma maior consideração. Afinal, a diferença entre veneno e remédio é uma questão de grau: o conjunto de regras que pareceu contaminar o processo desde o início (direito privado) na visão dos magistrados, em nossa opinião seria aquilo que poderia, se bem administrado, auxiliar-nos a obter o melhor tratamento possível. As manifestações judiciais sobre o contrato celebrado entre os agentes implicados no caso (Incal e TRT 2ª Região) assumiram sempre a premissa de que a resolução do problema passava, necessariamente: a) pela definição do contrato, se privado ou público; e b) pela definição do modo como seria desfeito, se por meio de rescisão unilateral de um contrato válido ou por declaração de sua nulidade. Como se vê, o raciocínio se apresenta em termos de solução de dicotomias: público x privado e válido x inválido.1 Não se pretende aqui defender a superação dessas dicotomias. Assume-se ainda aqui que o raciocínio jurídico, na sua estrutura básica, é um raciocínio dicotômico. Mas o que se pretende demonstrar é que o uso dessas dicotomias, entendidas como ferramentas conceituais, pode revelar incompetência ou habilidade técnica, ou, nas palavras de Bobbio (1977, p. 137-138), pode ser um uso diádico ou triádico. Explica-se: o uso diádico de uma dicotomia assume-a como absoluta e, portanto, toma-a como um quadro fechado dentro do qual o fato concreto vai necessariamente se inserir em uma das duas opções. Já o uso triádico de uma dicotomia toma-a como relativa, o que implica, sempre, a possibilidade de que o fato concreto imponha uma necessidade de repensá-la; nesta última, há sempre um terceiro termo que é a retomada, sob um novo plano, de uma das partes da dicotomia, mas não sua simples reprodução. Um exemplo possível desse uso triádico está na ideia de “revisão contratual”. Em qual plano essa ideia deve ser situada: no plano do cumprimento ou do incumprimento do contrato? Aquela ideia traz, em si, tanto a 62 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT noção de cumprimento como a de descumprimento do contrato, mas não pode ser tida como uma mera reprodução delas.2 O Caso TRT é especialmente interessante para um privatista, porque uma das considerações mais recorrentes ao longo de todas as decisões é a de que um dos principais problemas, a raiz de todo o mal, estaria na adoção, pelas partes envolvidas, de uma forma de contratação atípica pautada pela lógica do direito privado no lugar de um contrato típico nos termos estabelecidos pelo direito público. Assim, no centro do caso – e muitas vezes de forma inarticulada – está inserida uma das distinções centrais da sociedade ocidental moderna.3 Além dessa distinção, as decisões dos tribunais exaradas no presente caso são ricas em referências a outras dicotomias, tais como tipicidade-atipicidade, validade-invalidade, contrato público-contrato privado, e ao mesmo tempo não apresentam nenhuma menção a distinções como equilíbrio-desequilíbrio e adequação-inadequação. Nosso ponto é simples: a escolha por um conjunto de dicotomias, por um conjunto de conceitos, bem como a maneira como esse instrumental é utilizado, revela a proficiência técnica e os valores adotados pelo jurista que manipula essas dicotomias. Analisá-las pressupõe, portanto, simultaneamente revelar valores implícitos e examinar o raciocínio realizado no interior de nossos tribunais, ou seja, é um exercício de controle externo das decisões tanto do ponto de vista político quanto técnico. Com vistas a realizar essa análise, o presente texto se divide em três partes. Adotando a estrutura da narrativa do caso apresentada no capítulo anterior, toma-se a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Poder Judiciário como um momento divisor de águas no fluxo dos acontecimentos. Em sendo assim, a primeira parte se debruça sobre os argumentos apresentados em acórdãos (231/96 e 45/99) exarados em processos instituídos junto ao Tribunal de Contas da União em período anterior à instauração daquela CPI. A segunda parte abordará os argumentos apresentados em acórdãos proferidos pelo STF (Mandado de Segurança MS n. 23.560/DF) e pelo TCU (298/2000) em processos instaurados em período posterior à instauração da CPI. Por fim, a terceira parte apresentará alguns argumentos que, embora tenham sido cogitados 63 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: pelos tribunais, deveriam ter sido levados em maior consideração quando do tratamento das questões relevantes do caso. Esta última parte pretende demonstrar a existência e a viabilidade de um conjunto de argumentos que foi insuficientemente considerado pelos tribunais e que, em nossa opinião, oferecia qualificado apoio às medidas que deviam ser tomadas para regularizar a situação envolvendo os bens objeto do contrato e os pagamentos a eles relacionados. 2.1 | A rAIz de todo mAl: AS DISCUSSõES ACERCA DO PROCEDIMENTO CONVOCATóRIO E DO CONTRATO NOS PROCESSOS INSTALADOS JUNTO AO TCU CPI DO JUDICIáRIO O conjunto de decisões emanadas pelo TCU antes da instauração da CPI do Judiciário se concentra em torno dos mesmos tópicos e está organizado em torno da mesma premissa; vejamos. Em primeiro lugar, as decisões tendem a sublinhar o equívoco da escolha do modelo do edital e buscam demonstrar que esse equívoco é, em realidade, uma ilegalidade. Por fim, esforçam-se por argumentar que os problemas identificados no caso têm como origem a decisão inicial por adotar um modelo contratual de direito privado. A ideia fundamental, implícita nessas decisões, é a de que esse recurso ao direito privado teria contaminado a relação contratual desde o princípio.4 Todo o esforço, portanto, está concentrado em reinstalar o regime contratual de direito público sobre o contrato e, com isso, garantir sua adequada execução. ANTES DA CRIAçãO DA O Acórdão 231/96 do Tribunal de Contas da União No Acórdão 231/96,5 o Plenário do Tribunal de Contas da União se manifestou sobre o Relatório de Inspeção Ordinária Setorial realizada entre 26 de outubro e 13 de novembro de 1992 no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região com ênfase na concorrência n. 01/92, que se destinava à obtenção de imóvel para a instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento desse tribunal na cidade de São Paulo. Um dos motivos da atenção especial a esse procedimento licitatório, segundo consta da decisão, foi o volume de recursos envolvidos, na ordem 2.1.1 | 64 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT de US$ 139 milhões.6 No Compromisso de Venda e Compra firmado em 2 de janeiro de 1992 entre Incal Incorporações S.A. e TRT 2ª Região, o valor declarado foi de Cr$ 150.252.480.000,00 (cento e cinquenta bilhões, duzentos e cinquenta milhões, quatrocentos e oitenta mil cruzeiros).7 A licitação supracitada indicava como objeto “a aquisição de imóvel, adequado para instalação de no mínimo 79 Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo, permitindo a ampliação para instalação posterior de, no mínimo, mais 32 Juntas de Conciliação e Julgamento”,8 em uma das quatro modalidades sugeridas: 1ª) Imóvel construído, pronto, novo, ou usado. Nessa hipótese deveria acompanhar a proposta técnica, projeto de adaptação com o respectivo prazo de execução e entrega, que atendesse às necessidades das Juntas de Conciliação e Julgamento, que deveria, em caso de aprovação, ser implantado pelo concorrente, sob sua total responsabilidade (item 1.1.1 do edital); 2ª) Imóvel em construção, independentemente do estágio da obra (início, meio ou fim); deveria acompanhar a proposta técnica, projeto de adaptação com o respectivo prazo de execução e entrega, que atendesse às necessidades das Juntas de Conciliação e Julgamento que seria, em caso de aprovação, implantado pelo concorrente sob sua total responsabilidade (item 1.1.2 do edital); 3ª) Terreno com projeto aprovado que deveria acompanhar projeto de adaptação que atendesse às necessidades das Juntas de Conciliação e Julgamento (item 1.1.3 do edital); 4ª) Terreno com projeto elaborado especificamente para a instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento (item 1.1.4 do edital)”.9 Na forma como o edital estava estruturado, seria possível que fossem apresentadas propostas correspondentes às quatro modalidades sugeridas. Nessa situação surge a pergunta acerca da forma como o contratante compararia propostas envolvendo diferentes objetos (aquisição de prédio x 65 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: aquisição de terreno) e quais seriam os critérios de preferência (privilegiar-se-ia prédios já construídos em relação a projetos elaborados pendentes de aprovação). Na hipótese dos itens 1.1.3 e 1.1.4 surge ainda a pergunta acerca da possibilidade de se ingressar no processo licitatório com projetos relativos a imóveis que não eram, à época do certame, ainda de propriedade do ofertante. Conforme consta na Escritura de Compromisso de Venda e Compra firmado entre a Incal Incorporações S.A. e o TRT 2ª Região, esse documento teria servido como forma de cumprimento ao Objeto da Concorrência n. 01/92, conforme contido no item 1.1.4 do respectivo edital. Passados dez meses da celebração do referido Compromisso de Venda e Compra, a Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União-SP (SECEX-SP) realizou inspeção ordinária sobre os procedimentos envolvendo o Edital de Concorrência n. 01/92 lançado pelo TRT da 2ª Região. Ao final da inspeção, produziu-se relatório no qual a equipe de inspeção propôs uma série de providências saneadoras dos vícios que entendia estarem presentes no processo de aquisição organizado pelo referido TRT. Entre essas medidas, encontravam-se:10 a) A suspensão imediata de pagamento à Incal Incorporações S.A., empresa que não participou da concorrência n. 01/92 e que, no entanto, foi contratada pelo órgão para a construção do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo com a aquisição do terreno incluso; b) Obtenção da anulação da concorrência n. 01/92 e da escritura de Compromisso de Venda e Compra; c) Devolução ao Tesouro Nacional, a ser feita pelos responsáveis, dos valores indevidamente pagos anteriormente à assinatura do contrato, contrariando o § 2º do art. 51 do Decreto-lei n. 2.300/86; d) Encaminhamento à IRCE/SP do processo de consulta feita ao Departamento do Patrimônio da União sobre a disponibilidade de terreno ou 66 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT imóvel adequado à instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo; e) Encaminhamento das justificativas, ante a possibilidade de aplicação da multa prevista nos incisos II e III do art. 58 da Lei n. 8.443/92, pelos membros da Comissão Especial de Licitação e pelo Excelentíssimo Juiz Nicolau dos Santos Neto, que se encontrava no exercício da Presidência quando da ocorrência das irregularidades detectadas. Entre as irregularidades apontadas, estavam:11 • Inexistência de prévio projeto básico aprovado por autoridade competente, consoante determinava o art. 6º do Decreto-lei n. 2.300/86; • Adjudicação da licitação à empresa que não detinha àquela época a propriedade do terreno destinado à construção do prédio; • Fixação de pagamento de entrada na data da assinatura do contrato, sem a correspondente contraprestação de serviços, na cláusula 6.1.3 do Edital, em desacordo com o preceituado no art. 38 do Decreto n. 93.872/86;12 • Habilitação indevida da Incal Indústria e Comércio de Alumínio Ltda., infringindo as alíneas “a” e “b” do art. 6º da Lei n. 5.194/66, c/c o item 1, § 2º, art. 25 do Decreto-lei n. 2.300/86; • Adjudicação da concorrência e celebração do contrato com a Incal Incorporações S.A., terceira estranha ao procedimento licitatório, contrariando o disposto no art. 40 do Decreto-lei n. 2.300/86; • Alteração da minuta do contrato em desacordo com as hipóteses previstas no art. 55 do Decreto-lei n. 2.300/86; • Assinatura do contrato (Escritura) após o prazo estabelecido no Edital, contrariando o art. 54 do Decreto-lei n. 2.300/86; 67 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: • Retroatividade do contrato (Escritura), vedado pelo § 2º do art. 51, do Decreto-lei n. 2.300/86, uma vez que a assinatura ocorreu em 14/09/1992 e início dos pagamentos em 10/04/1992; • Inexistência de cláusula contratual estabelecendo os prazos de início, de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme determinava o inciso IV do art. 45 do Decreto-lei n. 2.300/86; • Existência de cláusula contratual prevendo prorrogação do cronograma físico da obra a critério exclusivo da Contratada, contrariando o disposto no art. 33 e § 1º do art. 47 do Decreto-lei n. 2.300/86, bem como em desacordo com o item 6.1.5 do Edital (fls. 11, 12 e 201); • Existência de cláusula prevendo acréscimo de pagamento pela Administração dos custos de redução do ritmo da obra, desmobilização mais multa de 10% sobre essas despesas, sem amparo legal; • Existência de cláusula fixando hipóteses de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro distintas das enumeradas no § 6º do art. 55 do Decreto-lei n. 2.300/86; • Existência de cláusula mantendo o imóvel na posse da contratada até a expedição do “Habite-se”, agravando a situação desvantajosa do TRT 2ª Região junto à Contratada, haja vista a inexistência das garantias contratuais; • Existência de cláusula estabelecendo rescisão da Escritura a critério único e • Exclusivo da Incal Incorporações S.A., na hipótese do TRT 2ª Região não completar o pagamento da entrada até 31/04/1993, ferindo o preconizado no Decreto-lei n. 2.300/86, em seu art. 68, inciso XVI e art. 69, incisos I a III. 68 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Em resposta a essas considerações emanadas pela equipe de inspeção foram apresentadas alegações de defesa assinadas em conjunto pelo Sr. Nicolau dos Santos Neto (à época da inspeção, Presidente do TRT 2ª Região e, posteriormente, Presidente da Comissão de Construção do Fórum) e pelos Srs. Membros da Comissão Especial de Licitação. Analisadas as alegações, a SECEX-SP referendou as considerações da equipe de inspeção alegando que as justificativas não eram suficientes para elidir as irregularidades apontadas.13 O processo foi encaminhado ao TCU, e nesse momento a Incal Incorporações S.A. solicitou vista e apresentou razões de defesa com a justificativa de que a anulação da concorrência e a da escritura de compra e venda, da forma como proposto pela unidade técnica (SECEX-SP), acarretaria prejuízos de grande monta diretamente ao seu patrimônio. Em sua opinião, tal situação lhe conferia legitimidade e interesse para a manifestação apresentada. Em suporte às suas alegações de defesa, a empresa anexou pareceres encomendados aos juristas Miguel Reale (26 p.), José Afonso da Silva (29 p.) e Toshio Mukai (30 p.) com a intenção de demonstrar a inexistência das irregularidades apontadas pelo relatório de inspeção. O argumento central dos três pareceristas era no sentido de que o objeto da concorrência em questão havia sido uma simples “aquisição de imóvel” na modalidade de compra de coisa futura (emptio rei speratae), e a conclusão a que chegavam era a de que havia total regularidade em “todas as etapas do procedimento licitatório”.14 Segundo Miguel Reale, tratar-se-ia de “aquisição de imóvel ‘no sistema de preço fechado’ ou com um valor fixo para entrega, ‘chaves na mão’ espécie ‘sui generis’, caso sui generis”.15 De acordo com José Afonso da Silva, tratava-se de “aquisição de imóvel pronto e acabado, ‘chaves na mão’, ‘inversão financeira’ na classificação orçamentária da despesa e até ‘caso raro’”.16 E, na opinião de Toshio Mukai, tudo resumia-se a uma “aquisição de imóvel”.17 Quanto à alegação de que teria ocorrido contratação de empresa estranha ao procedimento licitatório em descompasso com o art. 40 do Decreto-lei n. 2.300/86, a contratada apresentou contestação com base novamente no parecer de Toshio Mukai que, em síntese, sustentava o seguinte: a) a proposta 69 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: formulada pela empresa Incal Indústria e Comércio de Alumínios Ltda. e acolhida pela administração do TRT 2ª Região já previa que o contrato seria executado por sua empresa subsidiária, a Incal Incorporações S.A., constituída em data posterior à publicação do Edital, e b) que, tendo em vista o fato de se tratar de negócio típico de direito privado e, por essa razão, aplicando-se aqui a regra do art. 14, II, do Decreto-lei n. 2.300/86, não haveria motivo para não se autorizar prática comum, na iniciativa privada, de contratação de empresa holding para a prestação de objeto, cuja execução será realizada por sua subsidiária.18 Mais uma vez a SECEX-SP manifestou-se no processo por meio de parecer emitido pelo Inspetor-Regional de Controle Externo, cujo conteúdo ratificou a proposição feita pela unidade no sentido de regularização do procedimento licitatório adotado pelo TRT. Em seu parecer, o Inspetor-Regional sustentou a impossibilidade de a Administração Pública celebrar contrato atípico, pois entendia que um órgão do Estado “somente pode fazer aquilo que a ordem legal o autoriza fazer” – e, no caso, ele não visualizava essa autorização.19 Eis a razão, nos parece, porque a defesa pretendeu qualificar a operação como uma simples aquisição de imóvel, uma compra e venda de bem futuro, pois esse tipo contratual estava previsto e autorizado pelo arts. 13 e 14 do Decreto-lei n. 2.300/86. Além disso, embora os pareceres contratados façam menção a uma operação “chaves na mão”, não há nenhum esforço de qualificá-la como um turn key; a razão parece ser que tal caracterização permitiria considerar um contrato de empreitada atípico e, portanto, sujeito às regras referentes ao contrato de obra (arts. 6-11 do Decreto-lei n. 2.300/86) conforme sustentava a SECEX-SP. Encaminhados os autos ao Tribunal de Contas da União, o relator do processo, Ministro Marcos Vinicios Vilaça, solicitou a realização imediata de Auditoria Ordinária no TRT 2ª Região. Em cumprimento a essa solicitação, foram produzidos: um parecer jurídico da lavra de Ubiracy Torres Cuoco Júnior (advogado da Caixa Econômica Federal), um parecer econômico-financeiro realizado por Nilson Carlos de Almeida (analista de aplicações e programas da Caixa Econômica Federal) e um parecer técnico de autoria de Arnaldo Osse Filho (engenheiro civil).20 70 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Em seu parecer jurídico, o advogado da CEF afirmou que a operação se tratava de “compra e venda civil”, e enfatizou que “embora defeituosa a descrição do objeto da licitação, não restou impeditiva da continuidade do procedimento licitatório”,21 assim, entendia que, apesar das falhas constatadas, não eram as mesmas suficientes para justificar a anulação da licitação, tendo em vista não estar caracterizada a má-fé de qualquer de um dos envolvidos e não ser possível visualizar qualquer prejuízo à Administração. Com base nessa opinião, defendeu a continuidade do contrato ainda que presentes certas irregularidades.22 No parecer econômico-financeiro, o analista da CEF apresenta algumas considerações que, embora não se refiram à legalidade da operação, revelam como a sua estrutura acabou por ampliar desnecessariamente a exposição da Administração Pública aos riscos do negócio e, consequentemente, criou privilégios injustificáveis à contratada. Segundo o analista, seria mais adequado, do ponto de vista dos interesses do contratante (Administração Pública), que tivessem sido realizadas duas concorrências distintas: em primeiro lugar, para a aquisição do terreno e, depois, já com projeto básico elaborado, para a contratação da construção do empreendimento. Além disso, destaca o fato de que a empresa selecionada havia sido recentemente constituída e não havia comprovado a necessária capacidade econômico-financeira para assumir o empreendimento. E, por fim, menciona a total desvinculação entre pagamentos e cronograma físico, pois no período de abril a julho de 1992, antes mesmo da assinatura da Promessa de Compra e Venda (que ocorreria somente em 14 de setembro de 1992), já havia a Administração Pública pago o correspondente a 15% do total da proposta – e em razão daquela desvinculação, os pagamentos seriam efetivados independentemente do andamento da obra.23 Também no parecer técnico do engenheiro civil encontra-se opinião no sentido de que, “embora a proposta tenha sido estabelecida pelo sistema de preço fechado, para maior controle, deveria ser separado a parte referente a aquisição do terreno, execução de projetos e execução da obra”. E, mais, “as parcelas liberadas semestrais ou anuais deveriam estar 71 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: relacionadas com o cumprimento de determinadas atividades [...].” Bem como, “deveria ser apresentado um cronograma físico/financeiro, estabelecendo as datas marcos para o cumprimento das atividades e liberação de recursos.”24 A justificativa apresentada pelas partes envolvidas (Comissão de Obras do TRT e Construtora) para a inexistência tanto do projeto básico realizado previamente à licitação como do cronograma físico-financeiro que vinculasse o andamento da obra aos pagamentos foi exatamente o fato de que a operação se constituía como uma compra e venda, e não um contrato de obra (empreitada). Especificamente sobre o art. 38 do Decreto n. 93.872/86, o parecer de Miguel Reale defendia que tal artigo seria: [...] de todo inaplicável ao caso examinado, o qual, salta a olhos vistos, não se reduz a mero contrato de obras e serviços. Por sinal que, mesmo na hipótese, a parte final do art. 38 permite o pagamento na forma prevista no Edital, desde que tomadas as “indispensáveis cautelas ou garantias”. Como se vê, ainda que, ad absurdum, se quisesse ver no caso um contrato de obra, que garantia podia haver maior que a outorga de direitos dominiais sobre terreno destinado à edificação?25 Surge aqui então, no argumento de defesa, uma oposição entre contrato de compra e venda de bem futuro e contrato de obra que tem como premissa a assunção de que a primeira estrutura contratual (compra e venda de bem) seria um contrato típico de direito privado, enquanto a última (construção de obra) seria um contrato tipicamente de direito público. Essa operação de associação entre tipo contratual e regime aplicável não será consistentemente enfrentada por nenhum dos inúmeros Ministros que se debruçarão sobre o caso. E, como veremos adiante, nisso reside muitos dos problemas técnicos envolvidos no caso. Quanto ao preço total da operação, o parecer técnico, após pesquisa de mercado, chegava à conclusão de que o preço de aquisição estava 20% acima dos valores de mercado.26 O que justificaria essa diferença? Talvez 72 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT o fato de que a contratada estava correndo todos os riscos do negócio? Isso justificaria um aumento do preço. Mas, conforme veremos mais adiante, apenas o preço foi estabelecido conforme um regime de preço fechado, “chaves na mão”, pois os riscos de atrasos e alterações, por força das cláusulas do contrato, foram redirecionados à Administração Pública. Diante dos pareceres apresentados o Ministro Relator solicitou da então Ministra-Presidente do TRT 2ª Região a apuração detalhada a respeito das liberações de recursos a fim de verificar a consonância dessas com o estágio atual da obra. O processo foi então encaminhado à Secretaria de Auditoria do TCU para que essa unidade técnica se manifestasse sobre a execução da obra.27 Em resposta, o Assessor da Secretaria de Auditoria do TCU (SAUDI), Paulo de Tarso Damásio de Oliveira, manifestou-se no sentido de que no caso em análise, envolvendo “a aquisição de um imóvel onde será, no futuro, construído um edifício, cujas obras serão inteiramente financiadas pela Administração” e que “se destina específica e exclusivamente para um determinado órgão público”, ter-se-ia: [...] na verdade, não uma aquisição, mas uma contratação de obra travestida em aquisição, prática que, se generalizada, seria a negação e a fuga a todas as normas legais pertinentes à contratação de obras públicas, com o agravante de que, como é sabido, o custo da realização de uma obra, seja por administração própria ou contratada, é, de regra, inferior ao preço de compra e venda do mesmo imóvel pronto.28 E a isso acrescentou: No caso de que tratam os autos, o fato de o edital de licitação ter “batizado” o objeto licitado por “aquisição de imóvel” quando todas as suas características apontam na direção de uma “obra de engenharia”, não autoriza o enquadramento, por parte da contratante, do consequente contrato sob a espécie “compra e venda”, com todas as suas características e simplificações, [...] Pelo contrário, se tal nomenclatura visou “desburocratizar” o procedimento, às custas de 73 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: abrir mão, a Administração, de todas as prerrogativas e garantias conferidas pela lei, cremos que deva o Tribunal centrar-se na essência dos fatos e que, ao julgá-los como são e não como foram designados, determine, na defesa do interesse público, a cessação e/ou saneamento de todas as irregularidades decorrentes desse erro primário, conforme bem apontados pela SECEX-SP, assim como a responsabilização dos agentes públicos e privados pelos eventuais prejuízos ao erário, que vierem a ser apurados.29 As características que, segundo o analista, apontam para uma obra de engenharia são o fato de que o valor do imóvel é em muito inferior ao do prédio a ser construído e que as despesas foram qualificadas pelas partes como investimentos em obras e instalações, e não como inversões financeiras em aquisição de imóvel. Sobre o preço do contrato, o analista, após referir que 97% do montante correspondia aos projetos e à obra, perguntou o que seria acessório no referido contrato: o terreno a ser adquirido ou o imóvel a ser construído? A tese da defesa afirmava que o terreno seria o bem principal; uma vez adquirido, o prédio ali construído seria transferido ao adquirente por força da incidência dos arts. 43 e 547 do CC de 1916. Na opinião do analista: [não seria] aplicável, ao caso, a conceituação constante do art. 43 do Código Civil, segundo a qual a construção é acessório do terreno. No que tange à materialidade do fato, é nítido que a parcela mais expressiva das despesas refere-se às obras, devendo, em nossa opinião, [...] ser regida pela legislação aplicável à matéria, especialmente no que tange ao Estatuto de Licitações e Contratos em vigor. Nesse caso, entendemos nós, o terreno e não a obra deva ser tido como acessório.30 Outro problema apontado pelo analista da Secretaria de Auditoria do TCU foi a ausência de garantias idôneas oferecidas pela contratante e a consequente exposição da Administração Pública ao risco decorrente do inadimplemento daquela: 74 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT A opção, feita pelo TRT, de realizar a construção de um edifício mediante uma pretensa operação de compra e venda de coisa futura, a par das impropriedades já apontadas, bem assim da suspeita de prejuízo ao erário pela prática de sobrepreço, trouxe consigo um grande risco, na medida em que implicou na entrega, por parte da Administração, de uma elevada quantia de recursos públicos, da ordem de US$ 139,2 milhões, a uma empresa privada desprovida de patrimônio para responder por uma eventual inadimplência, sem a exigência de outras garantias idôneas se não uma escritura de compromisso de venda e compra que, como vimos, somente se constitui em direito real na condição de vir a exigir o objeto prometido. Mais grave ainda foi o fato de, no exercício de 1992, uma parcela de US$ 21,7 milhões terem sido entregues à contratada sem sequer essa pseudo-garantia.31 O referido analista enfatiza em seu parecer a antieconomicidade gerada pela forma sui generis adotada, isto é, aquisição de imóvel a ser construído [...] tendo em vista que as alternativas legais que poderiam ter sido utilizadas pelo TRT “execução direta ou indireta” da obra pelo preço de custo mais uma taxa razoável de administração (entre 10% a 20%) do custo total da obra, ensejaria um preço final muito inferior ao obtido no contrato em estudo.32 Entre as medidas sugeridas, e na hipótese de que o TCU optasse pela continuidade da execução do contrato como forma de evitar maiores prejuízos à Administração Pública, estava o aditamento do contrato com a supressão das cláusulas prejudiciais e a inclusão de cláusulas correspondentes ao interesse da Administração Pública. Essas últimas corresponderiam, segundo o analista, a cláusulas prevendo: a) garantias idôneas e suficientes quanto ao cumprimento do contrato, conforme o disposto no § 4º do art. 46 do Decreto-lei n. 2.300/86, b) cronograma físico-financeiro que condicionasse a liberação dos recursos ao cumprimento de metas por parte da contratada e c) a imediata transferência da propriedade do terreno ao TRT. 75 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: Ora, quanto à primeira medida há que se sublinhar a inaplicabilidade do referido artigo à hipótese, pois não se tratava de contrato no qual ocorresse a entrega de bens pela Administração dos quais a contratada ficasse depositária. Afastada essa hipótese, temos que se a Administração Pública fosse exigir essas garantias, de acordo com o § 2º do art. 46 do então vigente Decreto-lei n. 2.300/86 elas não poderiam exceder mais do que 5% do valor do contrato.33 A sugestão de inclusão de cronograma físico-financeiro e a vinculação dos pagamentos ao cumprimento de etapas nele estabelecidas depende da prévia desqualificação da operação, na qual ela corresponderia a uma compra e venda, pois o referido cronograma não é elemento necessário à configuração daquele tipo contratual. E se à Administração Pública é dada a liberdade de celebrar contrato de compra e venda de bem imóvel, não seria possível obrigá-la a adotar a vinculação entre cronograma de obras e desembolso de recursos. Por fim, a última sugestão, além de possuir apenas um pequeno efeito de proteção (diante da apontada desproporção entre o valor do terreno e o valor atribuído ao projeto e obras), uma vez atendida tornará ainda mais complicada a solução do caso. Tal medida – a celebração da escritura definitiva de compra e venda do terreno lavrada em 19 de dezembro de 1996 – dará ensejo a um novo embate dogmático quando do segundo julgamento do caso junto ao TCU e do seu desdobramento no Mandado de Segurança impetrado junto ao STF. O Secretário de Auditoria e Inspeções do TCU adotou integralmente o parecer do analista e propôs que o Tribunal de Contas transformasse a Inspeção Ordinária em Tomada de Contas Especial com vistas a obter o ressarcimento dos valores pagos indevidamente. Mais uma vez foi dada a vista à empresa contratada. Nessa oportunidade, foi juntado novo parecer jurídico produzido por Toshio Mukai, especificamente contraditando os argumentos apresentados pelo analista da Secretaria de Auditoria e Inspeções. Nesse novo parecer, Toshio Mukai reforçou a ideia de que a escolha do tipo contratual era decorrência do exercício do poder discricionário da Administração Pública e que, por essa razão, não caberia ao TCU nenhuma possibilidade de intervir nessa 76 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT escolha e nem mesmo sugerir que o negócio fosse realizado por meio de outra maneira. Nas palavras do parecerista contratado, o que o analista do TCU havia sugerido era impraticável, pois “sua pretensão de substituir a opção discricionária da Administração do Tribunal Regional pela sua opção desemboca nessa inconstitucionalidade, razão porque é inaceitável, sob o aspecto jurídico”.34 Em resposta ao parecer de Toshio Mukai, a SECEX-SP foi chamada mais uma vez a se manifestar. A resposta serviu-se de uma citação de Hely Lopes Meirelles para sustentar que somente existe discricionariedade dentro dos limites da lei.35 Importa destacar que tanto o parecer de Toshio Mukai quanto o emitido pela SECEX-SP concordam que dentro dos limites da lei o poder discricionário da Administração Pública tem seu exercício resguardado de qualquer interferência externa. O que o texto do acórdão não nos permite visualizar, na forma como tais passagens são referidas, são os argumentos apresentados por ambas as partes para justificar que a decisão da escolha do tipo contratual estaria dentro ou fora do âmbito da discricionariedade administrativa. Ao final, o Secretário da SECEX-SP concluiu seu parecer no sentido da manutenção das orientações anteriormente sugeridas, mas diante de todo o debate que se estabeleceu sobre o formato contratual escolhido pelo TRT, acabou por asseverar que: [...] tornou-se fulcral o magistério do Egrégio Tribunal – o que envolve possível precedente para toda a Administração Federal – quanto à admissibilidade da espécie que se pretende seja caracterizada neste processo como natureza contratual, qual seja: aquisição de imóvel a construir, muito embora não exista previsão legal sobre a matéria.36 O processo então permaneceu no aguardo da diligência final determinada pelo Ministro Relator. Em atenção à audiência solicitada pelo então Relator dos autos, foram juntadas as novas justificativas e alegações de defesa apresentadas pelo TRT 2ª Região e assinadas pelo Sr. Juiz Presidente daquele Tribunal (em maio de 1995), Dr. Rubens Tavares Aidar, 77 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: juntamente com o Presidente da Comissão para Construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, Juiz Nicolau dos Santos Neto.37 Em sua defesa, os responsáveis, no âmbito do TRT-SP, responderam uma a uma as falhas e/ou irregularidades apontadas no Relatório de Inspeção, baseando-se, em sua quase totalidade, nos mesmos fundamentos sustentados pelos eminentes Juristas e Advogados que estiveram presentes nos autos. Deram destaque, uma vez mais, dentre outros pontos constantes no processo, ao objeto da licitação e às questões referentes ao projeto original (bem como à forma de pagamento praticada), além dos aspectos ligados à falta de inclusão do investimento no plano plurianual e às alterações introduzidas no projeto.38 Por solicitação do Ministro Relator manifestou-se a Procuradoria-Geral sobre as questões suscitadas nos autos pelos auditores e analistas do Tribunal, pelos pareceristas da CEF e pelos pareceristas e advogados contratados pela empresa interessada. Em sua opinião, o Procurador pretendeu demonstrar que, contrariamente ao que sustentaram os defensores da contratada, o próprio TRT entendeu que a operação se caracterizava como contrato de obra pública, tanto assim que “com exceção da despesa de 1992 (parte destinada à compra do terreno) todos os demais desembolsos, de 1993 a 1994, foram efetivados por conta da dotação de ‘investimentos’, classificação destinada a ‘obras e instalações’ e não como ‘inversões financeiras’, consignada para ‘aquisição de imóveis’ (cf. classificação da despesa quanto à sua natureza).39 Relativamente a esse ponto, os advogados de defesa da contratada já haviam se manifestado no sentido de que: A circunstância de terem sido efetivadas as despesas de 1993 a 1994, à conta da dotação de investimentos, classificação destinada a obras e instalações, teria sido um erro financeiro e contábil, jamais tendo o condão de desnaturar o contrato firmado pelas partes, pois tal classificação é ato unilateral do qual não participou a Incal, não sendo juridicamente possível a alteração de um contrato, que representa a vontade comum e é lei entre as partes, pelo arbítrio de um só dos contratantes.40 78 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Após todas as manifestações, o relator do processo no TCU, Ministro Paulo Affonso Martins de Oliveira, iniciou seu voto recordando que já naquele momento o referido caso vinha merecendo a atenção especial da Corte de Contas por quase quatro anos, e que tudo levava a crer que “o ponto primordial para o desate da matéria em apreço prende-se ao objeto da licitação, ante a diversificação da essência de cada uma das modalidades em que o mesmo se desdobrou”.41 Na opinião do Ministro Relator, não se tratava [...] de uma simples aquisição de imóvel, mas de objeto contendo várias hipóteses de oferta, com amplitude de atividades, envolvendo situações diferentes em cada uma delas. Isto é, amplo, complexo, diversificado, confuso e sem qualquer objetividade, propiciando, em consequência, uma verdadeira gama de procedimentos divergentes que contribuíram para mascarar ilegalidades e irregularidades em todo o processo licitatório e dificultar a identificação da real natureza da licitação.42 Seria a adoção de um procedimento complexo, atípico, incomum, algo ilegal? José Afonso da Silva, no parecer solicitado pela contratada, respondia negativamente a essa pergunta: O comum mesmo é desapropriar, mas a desapropriação, no caso, importaria em adquirir prédio inadequado às finalidades da Justiça do Trabalho. Por isso é que, como já mostramos, a licitação na forma realizada constituía o meio mais adequado e conveniente à consecução de imóvel apropriado àquelas finalidades. Mas “o inusitado, o não comum”, não autoriza apreciar os fatos com critérios diversos do regime jurídico que os rege [...]. Ou seja, “o fato de se tratar de um caso raro” não autoriza converter uma licitação para aquisição de imóvel numa contratação de obra de engenharia [...], fazendo incidir uma regra (a do art. 6º do Decreto-lei n. 2.300/86) que se aplica às hipóteses de execução de obra ou prestação de serviço público.43 79 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: Na tentativa de rebater o argumento exposto anteriormente, o Procurador retornará à questão acerca da definição de quais seriam os bens principal e acessório nessa operação de forma a buscar caracterizar qual seria, “em essência”,44 o objeto principal do contrato: Dessa forma, constata-se, sem qualquer dificuldade, que a parte mais importante da licitação não era a aquisição do terreno, mas sim descobrir um edifício pronto com as características adequadas às finalidades da Concorrência. Vê-se, então, até mesmo pelo valor de cada parte distinta da licitação, que é muito fácil identificar qual delas representa o acessório e qual pode significar o principal. O procedimento correto e legal do TRT seria, sem sombra de dúvida, realizar uma licitação para a aquisição do terreno e, em seguida, outra para a execução das obras de edificação do prédio adequado à instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento da cidade de São Paulo. Tal comportamento teria, certamente, evitado todas essas dificuldades e não impediria que a Administração alcançasse, integralmente, o objeto pretendido.45 Outro ponto apontado no voto do relator para desqualificar o contrato como sendo de compra e venda estaria no fato de que, diferentemente do que sustentava a contratada em sua defesa,46 as obras não seriam executadas por conta exclusiva da contratada, “visto que dependiam, exclusivamente, dos recursos do órgão contratante (TRT), isto é, uma obra inteiramente financiada pelo mencionado licitante”.47 Segundo ele: Realmente o mal começou pela raiz e maculou todas as etapas do processo licitatório. Assim, a ausência de prévio projeto básico de engenharia (art. 6º, DL n. 2.300/86); a não inclusão do investimento no Plano Plurianual (art. 167, § 1º da C.F.); a inclusão de cláusulas contratuais que beneficiam apenas uma das partes em detrimento da Administração-financiadora da quase totalidade do serviço; a previsão de multa à contratante; a habilitação indevida da licitante, infringindo o disposto no art. 25, § 2º, item 1, do DL 2.300/86 c/c o art. 6º, alíneas “a” 80 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT e “b”, da Lei n. 5.194/66, e muitas outras falhas apontadas no processo decorreram, exclusivamente, da opção inicial tomada pelo TRT-SP.48 Em sua defesa, a contratada ressaltou ser “inegável a existência da figura da ‘compra e venda de coisa futura’, consoante prevê o inciso III do art. 14 do DL n. 2.300/86, que está perfeitamente agasalhada no Código Civil Brasileiro (art. 1.122). Da mesma forma, enfatizaram que a Doutrina entende que a compra e venda de imóveis deve reger-se pelas normas de direito privado, atuando a Administração como se particular fosse, sem supremacia de poder”.49 Para o Ministro Relator, porém, a questão dispensaria qualquer reparo [...] caso a situação aqui exaustivamente examinada não envolvesse outros aspectos importantes a considerar, principalmente o alto risco da Administração que, ao mesmo tempo em que atuou como se particular fosse – sem supremacia de poder – agiu na condição de personalidade pública, assumindo graves riscos na qualidade de financiadora das obras de engenharia em andamento e, consequentemente, posicionando-se em situação de inferioridade com supremacia do particular contratado, tendo em vista as cláusulas abusivas acordadas.50 A questão fundamental parece ser, então, definir se o procedimento mais adequado é o único que pode ser considerado legal ou, em outras palavras, se a escolha feita pela administração do TRT 2ª Região por uma forma contratual menos adequada à operação é ilegal em si ou está dentro da margem de discricionariedade permitida pela lei. Qual a vinculação entre adequação e legalidade no âmbito dos contratos públicos? Para o Ministro Relator, não poderia o TRT recorrer à celebração de contrato diverso do contrato de obra pública, pois não possuía autorização legal para isso. E busca referendar sua opinião citando Hely Lopes Meirelles: “a lei para o particular significa poder fazer assim, para o administrador público significa deve fazer assim”.51 Mas não explica porque, nesse caso, não seria possível sustentar que os arts. 13 e 14 do Decreto-lei n. 2.300/86 81 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: autorizavam a administração do TRT a optar por tipo contratual diverso do contrato de obra pública. O que o relator apresenta como solução do problema, reconhecendo a ausência de dispositivo legal que expressamente aborde a questão, é uma defesa da identidade entre adequação e legalidade calcada numa invocação dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.52 Mas essa justificativa parece transformar o problema. Não se trata mais de uma questão de qualificação do contrato, mas de responsabilidade do administrador pela escolha de modelo inadequado, ainda que legal.53 A solução do caso não estaria no debate sobre a qualificação, mas sobre o desequilíbrio das prestações estabelecidas em decorrência do modelo escolhido e dos prejuízos daí advindos para a Administração Pública. Segundo as cláusulas contratuais estabelecidas, a Administração Pública pagaria na compra e venda maior preço do que o valor corrente num contrato de empreitada, mas correria mais riscos do que o comum naquele tipo de contrato. Ou seja, a contratada teria todos os bônus de uma compra e venda (preço, por exemplo), sem os riscos (como responsabilidade pelo atraso). Não detectada nenhuma vantagem para a Administração Pública decorrente da forma como foi estruturado o contrato, podemos afirmar que os representantes dessa deixaram de cumprir seu mandamento legal enquanto gestores do interesse público e, por isso, deveriam ser responsabilizados.54 Mas em nenhum momento essa perspectiva recebeu alguma atenção, ainda que lateral. No presente caso o relator entendeu, à época, “não estar presente nenhum indício de improbidade administrativa de parte dos responsáveis”;55 assim sendo e “considerando as últimas informações a respeito do estágio em que se encontram as obras do edifício que irá sediar as Juntas Trabalhistas da cidade de São Paulo” concluiu que: “qualquer determinação desta Corte de Contas terá de levar em conta esse aspecto, tendo em vista o tempo decorrido durante a tramitação do processo, indispensável à elucidação dos fatos em toda a extensão necessária, haja vista a complexidade das ocorrências aqui tratadas”. De acordo com essa orientação, a decisão foi no sentido de “aceitar, preliminarmente, os procedimentos adotados até a presente data pelo TRT-SP, 82 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT tendo em vista a fase conclusiva em que se encontram as obras do edifício sede das Juntas de Conciliação e Julgamento da cidade de São Paulo”.56 Essa decisão foi acompanhada da ressalva de que tal posicionamento do Tribunal de Contas tomado “ante as dificuldades, a esta altura, de se implementar medidas corretivas e punitivas, não deve servir de estímulo ou exemplo a nenhum outro órgão ou entidade públicos a praticarem atos dessa natureza”.57 Para que se tenha uma ideia da grande polêmica travada em torno do assunto – a decisão não foi unânime – transcreve-se, brevemente, as opiniões constantes dos votos apresentados pelos Ministros no julgamento. Quanto à aceitação preliminar dos procedimentos, temos que o Ministro Adhemar Paladini Ghisi discordava da decisão, pois considerava como consumados os procedimentos adotados pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região; assim, tendo em vista a fase conclusiva em que se encontravam as obras do edifício sede das Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo, propugnava pela aplicação da multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei n. 8.443, de 16 de julho de 1992, a cada um dos responsáveis, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Já o Ministro Carlos Átila Álvares da Silva entendia que os procedimentos deviam ser aceitos em definitivo, pois considerava regulares os procedimentos adotados pelo TRT-SP com fundamento nos arts. 14, inciso III, e 23, inciso IV, do DL n. 2.300/86, tendo em vista, sobretudo, o registro feito pelo Relator, no sentido de não haver encontrado indícios de improbidade administrativa nesses procedimentos. Em linha distinta, o Ministro Humberto Guimarães Souto deixava de acolher a proposta, por entender que o adequado seria determinar a conversão do processo em Tomada de Contas Especial, com vistas à apuração mais aprofundada dos atos praticados para, se for o caso, aplicar aos responsáveis a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei n. 8.443/92, além de outras sanções cabíveis. Por fim, alguns ministros, acompanhando o Ministro Relator, aceitaram com ressalvas os procedimentos adotados pelo TRT 2ª Região: foram os Ministros Bento José Bugarin e Fernando Gonçalves. 83 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: O Acórdão 45/1999 do Tribunal de Contas da União No dia 18 de fevereiro de 1998, passados dois anos do julgamento pelo TCU, ingressa no referido Tribunal expediente de autoria da então Procuradora-Chefe da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, Elizabeth Kablukow Bonora Peinado, informando que: 2.1.2 | [...] decorridos dois anos [da Decisão n. 231/96-Plenário], tendo sido ultrapassados os prazos contratuais avençados entre o TRT/SP e a empresa Incal Incorporações S.A., vencedora da licitação, e já tendo sido pago pelo Tesouro Nacional praticamente o preço total do empreendimento [...], muito ainda falta para a entrega da obra, de relevantíssima importância para esta Capital.58 Dessarte, solicitou que fossem informadas por aquele Tribunal “as medidas a serem adotadas, com vistas ao esclarecimento dos fatos e apuração das responsabilidades, bem como aquelas porventura já existentes”. Tal expediente foi autuado, no âmbito da Presidência daquela Corte, como um processo autônomo,59 e encaminhado à SECEX-SP “para as providências cabíveis”. A SECEX-SP, destacando a necessidade de verificar-se a “compatibilidade entre a execução dos serviços com a contraprestação pecuniária devida”, assim como consultar os respectivos documentos, tais como cronograma físico-financeiro, medições, faturas e outros, propôs a realização de inspeção, “porquanto ser indispensável verificar ‘in loco’ o estágio atual das obras” ante a relevância dos recursos envolvidos.60 Foram os autos, então, encaminhados ao gabinete do Ministro Adhemar Ghisi, na condição de Relator dos processos relativos a órgãos do Poder Judiciário, autuados no biênio 1997/1998. Este, por considerar necessária uma apuração dos novos fatos apontados pela Sra. Procuradora-Chefe, autorizou a realização da inspeção.61 O relatório elaborado pela SECEX-SP revelou que “conquanto o término da obra estivesse previsto para novembro de 1996, vêm ocorrendo sucessivas prorrogações de prazo final para entrega do imóvel, mediante termos aditivos à Escritura de Compromisso de Venda e Compra, de forma que o 84 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT último prazo acordado passou a ser dezembro de 1998”.62 Diante desse fato, vinha a contratada sofrendo alguma sanção? A resposta chama atenção: Em que pese a Incal não ter cumprido os prazos estipulados para o término da obra, especialmente o contido no 2º Termo Aditivo CC – 01/92, qual seja, 31/12/97, não vem sendo-lhe aplicada nenhuma das espécies de sanção administrativa, seja multa, advertência, ou qualquer outra dentre as previstas nos arts. 86 e 87 da Lei n. 8.666/93 para o caso de inadimplemento na execução do contrato. Ao contrário, o TRT/SP avocou à Incal, mediante cláusula contratual, o direito de redução do ritmo da obra, em caso de atraso de pagamento. De ressaltar ainda que todos os termos aditivos celebrados mencionam o atraso do TRT na liberação dos recursos, e o consequente elastecimento de prazos oferecidos à Contratada. É cômoda, pois, a situação da contratada, que, em tendo recebido a quase a totalidade do preço do empreendimento, não vem cumprindo o contrato no prazo estabelecido, até porque, consoante referido, inexistem medidas repressivas infligidas pelo TRT em função da inexecução contratual. [...] No que tange à execução da obra, a equipe de auditoria – contando com auxílio de arquiteta do Fundo de Construção da Universidade de São Paulo – FUNDUSP – constatou que foram desenvolvidas apenas 64,15% das ações previstas, ‘denotando um descompasso entre os valores devidos e os valores pagos, os quais, vale lembrar, são da ordem de 98,70% (destaques nossos)’.63 Ou seja, a assunção do modelo de uma compra e venda de bem futuro cumulada com a inserção de cláusulas que autorizavam à contratada reduzir o ritmo da obra e, com isso, atrasar a entrega do prédio permitiu um completo descasamento entre os valores pagos a título de preço e o estágio de andamento da construção. Mas a situação revelou-se ainda pior para a Administração Pública, pois além de ampliar o prazo de entrega, os aditivos contratuais tinham por objetivo aumentar o preço a ser pago. Em consequência da Segunda Inspeção da SECEX-SP, ocorreu audiência prévia com os responsáveis (Délvio Buffulin, ex-Presidente do TRT 85 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: 2ª Região, e Nicolau dos Santos Neto, ex-Presidente da Comissão de Construção do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo), acerca de pontos considerados relevantes. Em resposta à questão relativa aos pagamentos antecipados à Incal Incorporacões S.A. e a incompatibilidade entre o montante de recursos liberados, conforme levantamento da equipe de inspeção, os responsáveis apresentaram como justificativa um estudo produzido a pedido da referida empresa, o qual teve por objetivo fundamentar a solicitação de revisão contratual com vistas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A seguir, em síntese, apresentamos os argumentos presentes no estudo.64 O contrato havia sido estabelecido com cláusula de reajuste integral da inflação, sendo assegurada a recomposição mensal da equação econômico-financeira, razão pela qual se tornava desnecessária qualquer previsão de inflação futura. Dessa forma, quando houve a conversão para reais, o contrato não carregava em seus preços nenhuma expectativa de aumento de preços na economia. A contratada alegava nesse estudo um prejuízo global de R$ 34.088.871,11, decorrente de: “a) aumento de custo correspondente ao aumento do prazo de entrega e consequente aumento das despesas indiretas e diretas (R$ 23.478.605,82); b) alteração do sistema de reajuste de mensal para anual face o advento do Plano Real65 (R$ 9.080.958,43); c) criação do Imposto Provisório sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e Direito de Natureza financeira (R$ 135.339,06); d) criação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e Direito de Natureza Financeira (R$ 53.239,12); e e) retenção na fonte do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, da Contribuição para Seguridade Social e da Contribuição para o PIS/PASEP (R$ 1.340.728,68)”.66 86 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Acrescentam os administradores públicos responsáveis pelo contrato que o aumento de custo referido no item “a” teria decorrido da impossibilidade de o TRT cumprir o cronograma financeiro do contrato inicial, face à falta de liberações de verbas. Disso teriam resultado constantes atrasos de pagamentos, os quais determinaram aditamentos objetivando a postergação dos pagamentos e alteração da data de entrega do empreendimento. Quanto às alíneas “b” a “e”, os responsáveis pelo contrato sustentavam ter ocorrido diminuição do valor do contrato em vista da edição de leis posteriores, entre elas o Plano Real, que transformou o reajuste pleno mensal em anual, bem como a instituição dos impostos, contribuições e retenção na fonte. Com base exclusivamente nos dados apresentados pela Contratada, apontavam que a somatória dos itens “b” a “e” implicava na diminuição do valor efetivo do contrato original em montante correspondente a R$ 10.610.265,29. Para fundamentar o direito de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato celebrado com o TRT 2ª Região, eram invocados, pela contratada, dispositivos do Decreto-lei n. 2.300/86 e do atual Estatuto das Licitações, Lei n. 8.666/93, especialmente o preceituado no art. 65, inciso II, alínea “d”, e §§ 5º e 6º.67 Asseverava ainda que os fatos ocorridos qualificavam-se juridicamente como:68 a) Fato da Administração, entendido como todo fato ou ato comissivo ou omissivo do contratante que dificulta ou impede a execução do contrato. A Contratada alegava ter tido prejuízo em razão da prorrogação do prazo de entrega e das repetidas reduções no ritmo da obra pelo não cumprimento das obrigações pecuniárias por parte do TRT nas datas aprazadas; b) Fato do Príncipe, entendido como determinação estatal posterior e sem relação direta com o contrato administrativo (por exemplo, a edição de uma lei), que cria excessiva dificuldade ou impossibilita o cumprimento do mesmo. A Contratada afirmava que tal fato havia se consumado na criação do IPMF e da CPMF, bem como a Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que havia instituído o desconto, na fonte, do imposto 87 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: sobre a renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição para seguridade social e da contribuição para o PIS/PASEP; c) Fatos Imprevisíveis e Inevitáveis que, por produzirem efeitos sobre a economia do contrato, alterando-a, autorizam a revisão desse documento de forma a ajustá-lo às circunstâncias supervenientes (cláusula rebus sic stantibus). Alegava a contratada que a extinção do sistema de reajuste de preços previsto no contrato, em razão da edição do Plano Real, teria alterado a correlação encargo-remuneração estabelecida inicialmente, configurando, portanto, evento excepcional e imprevisível estranho à vontade das partes (álea econômica extraordinária). As razões apresentadas pela contratada no referido estudo foram apresentadas pelos responsáveis pelo contrato como justificativa para os aditamentos realizados.69 Em resposta, a SECEX-SP defendeu que não se poderia falar em atraso de pagamentos, pois teria havido, em verdade, adiantamento de pagamentos,70 fato que, inclusive, teria permitido à contratada ficar “durante quase dois anos com aproximadamente 21 milhões de dólares em caixa (montante referente à parte da entrada, conforme apontado no TC n. 700.731/92-0), sem ter iniciado as obras, pois que, de acordo com a cláusula ajustada, as obras só teriam início com o pagamento integral da entrada (da ordem de R$ 34.854.369,07 em 21.10.94)”.71 O argumento acerca da ocorrência de Fato do Príncipe, pela edição de leis posteriores que teriam onerado em demasia a contratada, foi afastado pela unidade técnica, que em sua manifestação sustentou que nenhuma das alterações legais criou ônus insuperável e específico, ou seja, as leis mencionadas pela contratada em sua defesa, na opinião do corpo técnico, não impuseram à contratada nenhuma impossibilidade econômica para a realização de sua atividade empresarial e, além disso, seus efeitos atingiram toda a sociedade e não apenas a empresa contratada.72 Bastaria analisar o valor total do contrato e o montante atribuído ao aumento de custos decorrentes dessas alterações legislativas e perceber-se-ia que os últimos configuram um valor ínfimo se comparados ao primeiro. 88 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Uma vez encontrando-se os autos para julgamento pelo Tribunal de Contas, o Ministro Relator Adhemar Ghisi, em seu voto, manifestou sua opinião no sentido de que: [...] o mais relevante de todos os aspectos que se possa vir a suscitar é o da adequação (ou não) dos pagamentos efetuados à firma Incal, em face do estágio em que se encontram as obras, posto que de um lado a imprensa e o senso comum estão a dizer que a totalidade da obra já se encontra praticamente paga, por outro encontra-se a Incal a afirmar o contrário, sob o argumento de que o valor original do contrato não mais poderia subsistir com parâmetro para a aferição do seu valor, visto que fatos supervenientes teriam modificado a relação de equilíbrio inicialmente prevalecente.73 O referido Ministro ao converter o valor inicial do contrato para UFIRs,74 chegou à conclusão de que o valor inicialmente pactuado correspondia a 249.298.954,7038 UFIRs. Tomando esse valor, o Ministro concluiu que após o pagamento efetuado em 16 de março de 1998 (o último dos pagamentos consoante dados dos autos) seria necessário, para atingir o valor inicial, realizar ainda o pagamento do correspondente a 30.648.793,1325 UFIRs.75 Convertido esse valor para reais, a contratada ainda teria um saldo favorável de R$ 15.120.214,63. Diante dessa constatação, o Relator concluía ser “pertinente a afirmação da contratada de que os planos econômicos introduzidos pelo Governo Federal acarretaram o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, implicando na redução da equação inicialmente pactuada.”76 Quanto à alegação acerca da ocorrência de Fato do Príncipe, o Relator entendeu que seriam três os requisitos necessários à sua aplicação: a) a existência de nexo direto de causalidade entre encargo criado (por exemplo, imposto) e os bens vendidos/serviços prestados, b) a imprevisibilidade do ônus e c) a materialidade do ônus imposto ao particular.77 No caso concreto, envolvendo a criação do Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira ou a Transmissão de Valores e Direito de Natureza Financeira (IPMF) e da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira ou a Transmissão de Valores e Direito de Natureza 89 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: Financeira (CPMF), o Relator afirma que, embora configurada a imprevisibilidade, não estaria presente a conexão direta entre encargo e atividade, pois “tais tributos são de natureza genérica, alcançando a economia do país como um todo, não possuindo estreita correlação com a produção de bens ou de serviços específicos”.78 Além disso, em sua opinião, haveria pequena materialidade desses impostos no cômputo do contrato, ou seja, o aumento dos custos não seria significativo, pois corresponderia a uma diminuição de apenas 0,3970% do lucro do negócio.79 Quanto à questão envolvendo a retenção na fonte do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro (CSSL), da Contribuição para a Seguridade Social (COFINS) e da Contribuição para o PIS/PASEP, opinou o relator no sentido de que tal fato “não criou ônus novos para as empresas, mas apenas antecipou o pagamento de encargos já existentes”.80 Por fim, quanto à alegação da contratada de que sofreu prejuízos decorrentes do “aumento das despesas indiretas pela necessidade de permanência por período superior ao contratado, aumento das despesas diretas por aumento do prazo de entrega e a necessidade de demissões para adequação ao ritmo de trabalho por força de falta de fluxo financeiro compatível com a necessidade e velocidade do andamento dos serviços”,81 o relator entendeu por desconsiderá-la sob a alegação de que se tais fatos ocorreram se deram exclusivamente por negligência da contratada: Ora, uma análise detalhada do “quadro” permite-nos compreender o raciocínio irreal desenvolvido pela Incal: o prazo inicial para a execução do contrato expirava em 24/07/1995, quando a obra deveria ser entregue; assim, todas as despesas incorridas após aquela data constituiriam prejuízo a ser indenizado pela União. [...] Ressaltei que o raciocínio é inaceitável, e explico: se as despesas estão sendo incorridas nesse período, é porque não o foram antes – e deveriam ter sido. Não houve, assim, aumento de despesa, mas apenas sua diluição em um tempo maior. Se cumprido o prazo inicial do contrato, todas as despesas seriam incorridas no período de 14/09/1992 e 24/07/1995. Ocorre que houve diminuição do ritmo das obras e, olvidaram-se os 90 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT responsáveis pela Incal, que a redução do ritmo das obras também se faz acompanhar da redução das despesas – pelo menos assim deveria ter ocorrido, pelas regras da boa administração.82 Por todo o exposto, o relator concluía que de todas as alegações da contratada apenas se poderia admitir como justa a demanda por valor equivalente a 6,21% do valor total do contrato;83 ocorre que a aplicação do mesmo raciocínio que permitia encontrar essa diferença também permitiria exigir que, naquele momento, já estivessem concluídos 93,79% da obra.84 No entanto, as constatações in loco revelavam dados bastante diferentes quanto ao andamento da construção. De acordo com o relatório produzido pela SECEX-SP em 1998, apenas 64,15% da obra estava concluída. Cabe destacar que o aludido percentual de 93,79% mencionado anteriormente tinha como base o valor inicial da obra. Valor esse que, segundo parecer de engenharia produzido pela Caixa Econômica Federal,85 poderia corresponder a um sobrepreço da ordem de 20% em relação aos valores de mercado praticados à época da contratação.86 Se aceita a opinião desse parecer, teríamos um descompasso ainda maior entre pagamentos e andamento da obra. Descontado o percentual de 20%, o valor total do contrato passaria a ser CR$ 125.202.066.666,70. Nessa hipótese, após a conversão para reais, já teria ocorrido o pagamento de cerca de 113% do valor do contrato.87 Não obstante todos esses fatos, o TRT 2ª Região, em 17 de maio de 1998, representado por seu Juiz Presidente, assinou aditamento obrigando-se a pagar à Incal, à título de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, o correspondente a R$ 34.088.871,11.88 Esse aditivo, o quarto celebrado entre as partes,89 foi justificado com base em documentos fornecidos unilateralmente pela Incal,90 e tinha por finalidade obter um reequilíbrio econômico-financeiro e prorrogação do prazo de entrega do imóvel. Em realidade, o quarto aditivo teria sido motivado pela resistência da Comissão de Instalação em firmar novo termo aditivo envolvendo a realização de serviços que, na opinião da contratada, não estavam previstos na proposta original.91 Ou seja, inicialmente a empresa contratada exigia novos pagamentos sob a justificativa de que a ela estava 91 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: sendo exigida a realização de serviços não descritos no contrato inicialmente celebrado; uma vez que seus argumentos não foram aceitos pela Comissão de Instalação, para quem os serviços estavam previstos no contrato inicial, a contratada passou a exigir novos pagamentos em vista de justificativa diversa: a ocorrência de fatos externos ao contrato que teriam tornado seu cumprimento demasiado excessivo. De maneira paradoxal, os argumentos jurídicos utilizados pela contratada para fundamentar sua pretensão à revisão eram essencialmente os arts. 55, II, “d”, do Decreto-lei n. 2.300/86 e 65, II, “d”, da Lei n. 8.666/93: o primeiro artigo autoriza a alteração do contrato, por acordo das partes, para restabelecer a relação “entre os encargos da contratada e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do inicial equilíbrio econômico financeiro do contrato”; o segundo estabelece, em similar redação, que os contratos podem ser alterados [...] para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. A referência a esses dois artigos, que se tratam de dispositivos presentes em diplomas que regulam o processo licitatório e os contratos celebrados na esfera do direito público, poderia implicar a admissão, pela contratada, de que o contrato celebrado seria, ao final, um contrato administrativo. Mas cabe lembrar que, conforme vimos anteriormente, toda argumentação inicial – quando da discussão sobre a adequação do edital e da forma contratual escolhida pelas partes – realizada pela empresa contratada e pelos responsáveis administrativos pelo processo licitatório foi no sentido de 92 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT que o contrato celebrado era um contrato de direito privado. Essa contradição nunca foi destacada e explorada por nenhum dos dois tribunais que se debruçaram sobre o caso (TCU e STF). Mas, uma vez responsabilizados os envolvidos, em vista da má gestão do interesse público, surge uma questão: quais os efeitos desses atos indevidos sobre o contrato que resulta deles? Como terminar o contrato e recuperar o dinheiro indevidamente pago pela Administração Pública? Como forma de buscar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela Administração Pública, além da responsabilização dos administradores envolvidos, o relator ordenou a citação dos envolvidos a fim de que se manifestassem quanto à conversão dos autos em Tomada de Contas Especial.92 Além da aplicação da sanção punitiva, esse procedimento visa a recuperação dos valores pagos indevidamente à contratada, pois seria lícito raciocinar que “se foram concretizados apenas 64,15% da obra, não mais do que 64,15% do valor do contrato seria devido”.93 A diferença maior, equivalente ao prejuízo causado aos cofres públicos, seria, então, correspondente a R$ 57.374.209,84 e, por força da conversão do processo em Tomada de Contas Especial, poderia ser exigida da empresa contratada.94 Ocorre que, exatamente no momento em que o relator terminava o exame dos autos e elaborava seu voto,95 chegava a informação, em expediente datado de 25 de março de 1999 e remetido pelo então Presidente do TRT 2ª Região (Floriano Vaz da Silva), de que o contrato entre o referido tribunal trabalhista e a construtora Incal havia sido rescindido unilateralmente pelo primeiro nos termos do art. 79, inciso I, da Lei n. 8.666/93 e do art. 69, inciso I, do Decreto-lei n. 2.300/86.96 Entre as hipóteses referidas por esses artigos como justificativas para a rescisão unilateral encontram-se: problemas vinculados diretamente ao contrato (tais como a qualidade e o tempo de cumprimento, o cometimento de faltas e desatendimento de determinações regulamentares), alterações ocorridas na situação jurídica ou econômica da contratada, razões de interesse público e a ocorrência de caso fortuito ou força maior que impeçam a execução do contrato.97 O acórdão analisado não menciona quais dessas hipóteses teriam sido utilizadas pelo TRT 2ª Região para justificar o ato unilateral de rescisão.98 93 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: Na opinião do relator, se fazia necessário que a contratante promovesse a nulidade do contrato nos termos do art. 59 da Lei n. 8.666/93, pois “a rescisão unilateral legitima os pagamentos até então efetuados com base no contrato, ao passo que a declaração de nulidade, por operar retroativamente, permite que seja questionada a totalidade dos pagamentos”.99 Eis o motivo pelo qual na alínea “f” da parte dispositiva buscou-se: [...] determinar ao TRT – 2ª Região que providencie, em caráter de urgência, se ainda não o fez, a continuidade das obras mediante a contratação de empresa idônea, observada a necessidade de novo procedimento licitatório, promovendo, também, a nulidade do contrato, nos termos do art. 59 da Lei n. 8.666/93, em vista da diversidade de efeitos da declaração de nulidade e da rescisão unilateral do contrato, noticiando ao Tribunal, no prazo de 30 (trinta) dias, acerca das providências adotadas.100 2.2 | AS ArrAnCAr o mAl PelA rAIz: DISCUSSõES SOBRE NULIDADE E RESCISãO DO CONTRATO NOS PROCESSOS INSTALADOS JUNTO AO TCU E AO STF CPI DO JUDICIáRIO Tanto a decisão proferida pelo STF no corpo do Mandado de Segurança n. 23.560/DF quanto a decisão presente no Acórdão 298/2000 exarada pelo Tribunal de Contas da União se debruçam sobre a seguinte questão: uma vez detectado o vício do contrato celebrado, como deveria proceder o TRT 2ª Região? Qual, dentre as soluções legais, seria aquela que produziria menores danos ao Erário Público? Há aqui, portanto, uma discussão sobre quais pretensões devem ser exigidas para a satisfação do interesse público. Seria melhor decretar nulo o contrato e reforçar a mensagem de que atos frutos de corrupção não receberão nenhuma chancela do ordenamento jurídico? Mas, nesse caso, como permanecer com a propriedade do terreno e do prédio nele construído? Talvez rescindir o contrato unilateralmente seria a solução mais rápida e, portanto, potencialmente a que permitiria uma redução dos prejuízos com o custo de manutenção de uma obra inacabada? Mas APóS A CRIAçãO DA 94 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT se por um lado essa solução permitiria à Administração Pública contratar, de pronto, um terceiro para finalizar a obra, por outro impediria, por força de seus efeitos não retroativos, a solicitação da devolução dos valores já pagos. Qual desses vários interesses realiza o interesse público? É possível satisfazê-los todos?101 A análise das decisões revela claramente que para satisfazer algumas das pretensões, mormente as relativas à extinção do contrato, os tribunais optaram por justificativas que impediriam, respeitadas as regras do sistema jurídico, a satisfação das pretensões relativas à manutenção da propriedade dos bens e da restituição dos valores pagos a maior. O atendimento a todas as pretensões somente foi possível pelo recurso a argumentos de autoridade, tais como a referência ao princípio da supremacia do interesse público – que, se nada explica, parece tudo justificar. O Acórdão 23.560/DF do Supremo Tribunal Federal Foi contra a decisão do Tribunal de Contas constante no Acórdão 45/99 que a Incal Incorporações S.A. impetrou, no Supremo Tribunal Federal, mandado de segurança pleiteando a concessão de liminar suspendendo seus efeitos por alegar que violava a coisa julgada administrativa e implicava indevida cumulação da nulidade com a rescisão unilateral, já declarada no mesmo contrato.102 Segundo consta do texto da decisão liminar,103 a empresa, com vistas a defender a estrita legalidade da licitação, agregou às opiniões até então coletadas (Miguel Reale, José Afonso da Silva e Toshio Mukai) um novo parecer,104 agora de autoria de Ives Gandra Martins.105 Segundo consta do inteiro teor da decisão liminar no MS n. 23.560/DF, a defesa centrou-se em torno do argumento de que a qualificação dada ao contrato era adequada e fruto de opção decorrente do “exercício de legítimo poder discricionário, resultando em negócio jurídico típico de Direito Privado, submetido, por isso mesmo, à legislação civil”,106 e, portanto, asseverou-se que: 2.2.1 | [...] o relatório da Inspeção que serviu de base à decisão do Tribunal de Contas – Acórdão 45/99 – partiu de premissa fática errônea 95 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: quanto à natureza do contrato.107 Isso tudo com vistas à concessão da segurança para “fulminar o Acórdão 45/99, convalidado pela Decisão 469/99 do Tribunal de Contas da União, ‘na parte em que declara a nulidade do contrato celebrado pela Impetrante com o TRT’”.108 Em sua decisão, o Ministro Relator Marco Aurélio aceita expressamente as opiniões dos pareceristas contratados pela Impetrante e registra que a definição da espécie de negócio jurídico está bem amparada por pronunciamentos dos juristas mencionados na inicial.109 Por fim, ao entender que “a Administração Pública realizou negócio jurídico regido unicamente pelo Direito Civil”, o relator conclui, liminarmente, que a decisão do Tribunal de Contas teria pecado por pretender declarar a “insubsistência do que pactuado sob a regência do Direito Civil, olvidando-se a necessidade, estando em jogo interesses de terceiros, de cidadãos ou de pessoas jurídicas de direito privado, de ter-se procedimento anulatório implementado perante órgão investido do ofício judicante”.110 Razão pela qual a suspendia de forma provisória e precária.111 Quando do julgamento definitivo do referido Mandado de Segurança,112 o Ministro Marco Aurélio manteve a posição defendida sobre a concessão da liminar e julgou procedente o pedido da empresa Incal ratificando que todo o raciocínio por ele desenvolvido “deu-se a partir do envolvimento, na espécie, de um contrato regido não pelo Direito Público, mas pelo Direito Privado”,113 qual seja a escritura de venda e compra celebrada pelas partes em atendimento à ordem contida no acórdão 231/96 do TCU e às posteriores escrituras de ratificação e re-ratificação formalizadas no mesmo Cartório.114 Em seu voto-vista o Ministro Nelson Jobim decidiu por denegar a segurança sob o argumento de que, em sendo a decisão do TCU uma ordem mandamental e, portanto, não possuindo efeito desconstitutivo, não haveria ocorrido, ainda, o efeito que o impetrante pretendia atacar com o writ, ou seja, não haveria ocorrido a anulação do contrato.115 Assim, o pedido seria, na opinião do Ministro, incompatível com o caso.116 Em aditamento ao voto, o Ministro Marco Aurélio pretendeu realizar um esclarecimento com a finalidade de explicar qual era, em sua opinião, o 96 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT alcance do ato do Tribunal de Contas. Endereçando-se ao Ministro Nelson Jobim, pergunta: Não lhe parece que aquela Corte de Contas, ao afirmar que são diversos o instituto da nulidade e o da rescisão do contrato e determinar ao Tribunal Regional do Trabalho que, ao invés da anulatória a ser proposta,117 declarasse a nulidade do contrato, desconheceu, em si, a natureza do contrato firmado?118 Em resposta, o Ministro Nelson Jobim afirmou: Tentando tomar toda a equação, veja o que se passou, houve um edital em que aparece a compra e venda, ou seja, ao invés de contratar a obra, o TRT contrata a compra e venda em quatro modalidades: imóvel pronto, imóvel em construção, imóvel com projeto aprovado e imóvel com projeto elaborado. Então ganha a licitação a Incal. Subsequentemente a isso, lavra-se uma escritura de promessa de compra e venda que, na leitura – e isto não é especulação minha – feita por mim isto nada mais é do que um contrato de obras. Desenvolve-se isso, e os pagamentos são estabelecidos a partir de um preço que teria sido oferecido pela Incal, na licitação, e que teria sido vitoriosa; o TCU faz o exame e verifica a incompatibilidade da situação posta, porque aquilo era, a juízo do TCU, um contrato de obras e não de compra e venda.119 E o Ministro Marco Aurélio retorquiu da seguinte forma: Ministro, essa mudança de enfoque ocorreu após a CPI do Judiciário e após a exploração da matéria pela mídia. Veja Vossa Excelência que, em 1996, a partir dos pareceres de José Afonso da Silva, Miguel Reale, pai, Toshio Mukai e Ives Gandra, assentou-se a valia do contrato na modalidade compra e venda, regido, portanto, pelo Direito Civil.120 97 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: Note-se que nas manifestações dos dois Ministros reaparecem tanto a oposição entre “contrato compra e venda de bem futuro” e “contrato de obra” quanto a assunção de que a primeira estrutura contratual (compra e venda de bem) seria um contrato típico de direito privado, enquanto a última (construção de obra) seria um contrato tipicamente de direito público. Mas nesse ponto surge um elemento complicador. É correto afirmar que é possível que a Administração Pública celebre um contrato de compra e venda regido pelo direito administrativo, como deixa clara a presença da regulação desse tipo contratual tanto no Decreto n. 2.300/86 como na Lei n. 8.666/93, assim como é igualmente correto afirmar, com base na dicção legal,121 que seja qual for o tipo assumido pelo contrato administrativo a Administração Pública pode declarar-lhe a nulidade. Mas pode a Administração Pública declarar a nulidade de uma escritura pública de compra e venda registrada em Cartório? Lembre-se que as partes, em atendimento a ordem constante no Acórdão 231/96, celebraram escritura definitiva de compra e venda na qual constavam as cláusulas do negócio. Segundo o Ministro Marco Aurélio, “seria possível a nulidade, caso o contrato fosse para construção de obra, considerado o art. 59 da Lei n. 8.666/93, mas estamos diante de uma escritura de compra e venda regida pelo Direito Privado”.122 Mas por que se deveria discutir a possibilidade de nulidade da referida escritura se o que se pretende é a devolução dos valores pagos a maior? A essa pergunta, o Ministro Sepúlveda Pertence respondeu: “eu acho que essa quantia exequível nada tem a ver com a nulidade do contrato. Tem a ver com a diferença entre o que foi pago e o devido”.123 A resposta do Ministro Marco Aurélio vai em sentido contrário: “Ministro, tem a ver com a nulidade do contrato, quanto a quem vendeu e recebeu; no tocante a quem vendeu e sustenta que o que recebeu foi a partir da escritura de compra e venda. [...] se afastada a nulidade, não há obrigação de devolver [...]”.124 Mas sem a nulidade do contrato, como seria possível a Administração continuar as obras mediante nova licitação, mediante novo contrato? Essa era a irresignação do Ministro Ilmar Galvão: “vai se admitir que a Administração 98 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT estaria impedida de concluir o edifício?”125 A resposta do Ministro Marco Aurélio apontou que haveria esse impedimento “até chegar-se à rescisão do contrato de compra e venda”.126 A essa afirmação o Ministro Ilmar Galvão reagiu da seguinte maneira: “como não se pode chegar ao absurdo de entender que a Administração não poderia dar continuidade às obras, é imperioso admitir que a escritura, nessa parte, era um contrato de construção de obra que podia ser rompido pela Administração, unilateralmente”.127 O Ministro Ilmar Galvão propõe uma separação do contrato: há uma parte da escritura que “é um título aquisitivo do imóvel, é imutável”, e outra parte que seria alusiva à construção: “agora, pode o Tribunal de São Paulo rescindir a escritura na parte alusiva à construção? Claro! Senão também não poderia continuar as obras. E como qualquer empreitada pode ser rescindida, essa também poderia sê-lo.”128 Mas se o objetivo é buscar a devolução dos valores pagos a maior, a rescisão não seria suficiente na opinião do Ministro Moreira Alves: A nulidade é justamente para a obtenção da restituição dos R$ 169.491.951,16 (cento e sessenta e nove milhões quatrocentos e noventa mil novecentos e cinquenta e um reais e dezesseis centavos), porque ela tem eficácia ex tunc, enquanto a rescisão só tem eficácia ex nunc. Por esse motivo o Tribunal de Contas determinou a promoção da nulidade, pois já havia a rescisão e ela não bastava para obter o ressarcimento do prejuízo.129 Mas a retroatividade não implicaria a devolução das obras realizadas à contratada, como perguntava o Ministro Ilmar Galvão?130 A isso, o Ministro Moreira Alves respondia: “essa retroatividade é justamente para permitir que haja o ressarcimento daquilo que foi pago indevidamente. É só para isso. O problema não é desfazer o que já foi construído, mas recuperar aquilo que indevidamente foi pago.”131 A nulidade não implicaria o desfazimento do que foi construído, mas a devolução do que foi transferido, ou seja, a devolução do terreno e, por consequência, a devolução do prédio ao vendedor/construtor. 99 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: Ao que tudo indica, tanto o Ministro Marco Aurélio quanto o Ministro Moreira Alves presumiam uma conexão necessária entre a nulidade do contrato e a devolução das prestações pagas pela Administração Pública, ou seja, entre invalidade e enriquecimento sem causa.132 Porém, ocorre que, em sendo o pedido da impetrante dirigido à decisão do TCU, cabia estabelecer o que essa decisão continha. E, a partir da manifestação do Ministro Sepúlveda Pertence, ficou estabelecido, por maioria, que a referida decisão tinha conteúdo mandamental, ou seja, não havia declarado a nulidade do contrato, mas havia ordenado ao TRT que tomasse providências para obter essa nulidade. O pedido constante no mandado de segurança estava dirigido à impugnação dessa declaração de nulidade, e os Ministros entendiam que essa declaração não havia existido; logo, se denegou a segurança (manteve-se, portanto, a decisão do TCU) sem ter de se enfrentar o problema relativo à possibilidade de a Administração Pública, seja por rescisão unilateral, seja por declaração de nulidade, desfazer um contrato registrado no Cartório de Imóveis, ou seja, promover unilateralmente o cancelamento de efeitos que são, em certa medida, decorrentes de um documento público criado por autoridade pública distinta da que pretende rescindi-lo ou nulificá-lo. Mas se era possível ao STF decidir sobre o mandado de segurança sem enfrentar, diretamente, a questão acerca da validade do contrato, ao TRT pareceu impossível resolver o problema sem enfrentar a questão “o que fazer com o contrato?”. O Acórdão 298/2000 do Tribunal de Contas da União A questão mencionada no final do item anterior fica clara quando da análise do inteiro teor do Acórdão 298/2000 julgado pelo TCU apenas dois meses após a manifestação definitiva do STF sobre o MS 23.560/DF.133 Tratava-se do julgamento dos Pedidos de Reexame apresentados pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (agora sob nova presidência) e pelos interessados (Nicolau dos Santos Neto, Délvio Buffulin e Ministério Público). Nesse pedido de reexame surgia, mais uma vez, o tipo contratual escolhido – compra e venda de bem imóvel futuro – como justificativa para as ações dos envolvidos. Assim, novamente, justificavam-se os pagamentos 2.2.2 | 100 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT antecipados à construtora, mesmo diante do flagrante descompasso entre o repasse dos recursos financeiros e o estágio da obra. Além disso, a contratada repetia a opinião de Miguel Reale expressa no parecer antes mencionado, ou seja, a opinião de que o próprio art. 38 do Decreto n. 93.872/86134 autorizava esses adiantamentos quando houvesse previsão estabelecida, acompanhada das indispensáveis cautelas e garantias, ambos requisitos presentes, segundo ele, no caso concreto.135 Em resposta a esse argumento, o Ministro Relator Adylson Motta buscou amparo na opinião de Marçal Justen Filho para sustentar que: O pagamento antecipado depende da existência de dois requisitos. Primeiramente, só poderá ocorrer quando previsto no ato convocatório. Desse modo, amplia-se o universo de competidores, especialmente aqueles que não disporiam de recursos para custear a prestação. Todos os competidores terão reduzidos seus custos, e desse modo a Administração será beneficiada. Porém, a Administração não poderá sofrer qualquer risco de prejuízo. Por isso, o pagamento antecipado deverá ser condicionado à prestação de garantias efetivas e idôneas destinadas a evitar prejuízos à Administração.136 O problema é que esse argumento contém uma contradição interna e desconsidera o regime legal; vejamos mais detalhadamente. A contradição encontra-se no fato de que se é verdade que a Administração Pública amplia o número de potenciais competidores ao permitir que possam, uma vez celebrado o contrato, receber pagamentos antecipados em relação às prestações que devem, também é verdade que o número desses competidores volta a se reduzir quando a Administração Pública exige garantias e cautelas idôneas o suficiente para reduzir o risco de prejuízo ao qual se expõe ao conceder aquela vantagem. Retira-se com uma mão o que se dá com a outra. A maior falha do argumento está, entretanto, no fato de não se considerar o parágrafo 2º do art. 46 do então vigente Decreto-lei n. 2.300/86. Diante do que estabelece essa regra, temos que, no caso de a Administração Pública exigir garantias, estas não poderiam exceder a 5% do valor do contrato.137 101 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: Ou seja, o argumento utilizado deixa de mencionar que em caso de exigência de garantia o limite legal faria com que a mesma tivesse montante bastante inferior ao risco a que se expunha à Administração. Em seu pedido de reexame, o TRT 2ª Região (por meio de seu então Presidente, Floriano Vaz da Silva) apresentou argumentos solicitando a reconsideração do Acórdão 45/99 do TCU. Em seu pedido, o TRT – 2ª Região afirmava que, diferentemente do que havia entendido o Tribunal de Contas da União, a Incal Incorporações S.A. era ainda credora da União. Outro ponto em relação ao qual solicitou reconsideração era o referente às medidas ordenadas para a continuidade da obra e para a anulação do procedimento licitatório e do contrato administrativo dele resultante.138 No que dizia respeito à anulação do contrato, o TRT 2ª Região sustentava, com base em parecer de Mário Cammarosano, que diferentemente do que havia entendido o TCU no acórdão sob reexame era a rescisão unilateral do contrato e não a declaração da nulidade a melhor alternativa com vistas ao interesse da Administração Pública: Assim, ainda que juridicamente possa parecer mais adequada a anulação da licitação e da avença, não se pode olvidar que, do ponto de vista estritamente do interesse público e da economicidade, verifica-se ser mais apropriada a rescisão do contrato, a fim de que tanto a obra iniciada como o bem adquirido permaneçam incorporados ao patrimônio público.139 Quanto ao primeiro dos pedidos, o Ministro Relator deixou consignado que, embora tal crédito tivesse sido mencionado no voto do Ministro Relator do Acórdão 45/99, não constava ele da parte dispositiva do referido acórdão. Por essa razão, não se poderia considerar que tal crédito tivesse sido declarado existente pelo tribunal.140 Logo, não havendo comando judicial, não haveria gravame à parte e, por consequência, não haveria interesse de agir.141 Mas, apenas a título de esclarecimento, o Relator deixou consignado que o Ministro Relator do Acórdão 45/99 não havia declarado a existência desse crédito, mas tinha apenas sustentado ser 102 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT [...] um exercício hipotético considerar qual teria sido a execução financeira de todo o contrato se não houvesse a implementação de tal ou qual plano econômico, se, ao mesmo tempo, não se considerar qual era a execução física da obra, que se impunha à contratada como encargo correspondente aos pagamentos efetivados pela Administração.142 Na análise do pedido de reexame acerca da necessidade de anulação, o Ministro Relator não pôde deixar de notar que a questão evitada pelo STF (se o TRT 2ª Região poderia anular o contrato que se constitui em escritura pública de compra e venda) não poderia ser contornada pelo TCU.143 E, segundo o referido relator, “com independência de qualquer consideração pragmática quanto ao que seja mais interessante para este Tribunal”,144 não havia outra resposta possível senão a de que a hipótese reclamava a nulidade do contrato. Elencando os problemas relativos ao referido contrato – envolvendo sua gênese e execução –,145 o relator afirmou que sua nulidade deveria ser obtida por meio da obediência do estabelecido no incisos IX e X e §§ 1º e 2º do art. 71 da Constituição Federal.146 De acordo com esses dispositivos, teríamos que, diante da recusa do TRT 2ª Região em adotar a orientação emanada pelo TCU e da inatividade do Congresso Nacional ou mesmo do Poder Executivo, caberia ao Tribunal de Contas “decidir a respeito”. Mantida a decisão, ou seja, mantida a ordem relativa à anulação do contrato, surgiria, mais uma vez, a necessidade de o TRT 2ª Região se posicionar em face da determinação do TCU. Mas nessa situação o Ministro Relator vê um impasse, pois: [...] como poderá o órgão público efetivar medida que ele considera juridicamente imprópria e cujos pressupostos fáticos são distintos daqueles que reconheceu existentes para adotar a medida que julgou conforme ao Direito. Em suma, como poderá o órgão público vir a ser obrigado a dar à sua vontade um conteúdo contrário ao que julga conforme ao Direito?147 103 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: Não é possível saber qual a solução proposta pelo Ministro Relator para a solução desse impasse,148 mas ao que tudo indica ela não se revelou essencial para a resolução do caso, pois ao final o TCU, aceitando os argumentos apresentados pelo TRT 2ª Região, entendeu por conhecer parcialmente do pedido de reexame para suprimir a determinação contida na alínea “f” do Acórdão 45/99 e dirigida ao TRT 2ª Região para que providenciasse [...] em caráter de urgência, se ainda não o fez, a continuidade das obras mediante a contratação de empresa idônea, observada a necessidade de novo procedimento licitatório, promovendo, também, a nulidade do contrato, nos termos do art. 59 da Lei n. 8666/93, em vista da diversidade de efeitos da declaração de nulidade e da rescisão unilateral do contrato, noticiando ao Tribunal, no prazo de 30 (trinta) dias, acerca das providências adotadas.149 2.3 | OS A CurA PArA todo mAl? ARGUMENTOS INSUFICIENTEMENTE TCU E PELO STF Conforme afirmamos anteriormente, não se pode resumir o caso a um problema de qualificação jurídica equivocada e/ou mal-intencionada que teria produzido a fuga do regime contratual de direito público. Como também já sustentamos, temos que as soluções tecnicamente mais adequadas para os problemas apresentados pelo caso não podem ser obtidas pela simples recomposição do contrato ao eixo do direito público. Assim, diferentemente do que o TCU e o STF se esforçaram por fazer, não se trata de reconduzir a contratação ao bom caminho do qual teria se desviado quando as partes optaram por um modelo de direito privado. Para o tratamento do caso, não se pode fugir das regras gerais dos contratos presentes no Código Civil, pelo contrário: é necessário tê-las em mente. O problema proposto pelo caso não deve ser compreendido como derivado de uma presença indevida das regras do direito privado no campo do direito público. Mas então como deve ser compreendido? O caso envolvendo a construção do TRT 2ª Região pode ser entendido como um problema envolvendo dois tópicos bastante recorrentes dentro CONSIDERADOS PELOS 104 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT da Teoria Geral do Contrato: a questão da adequação do contrato celebrado ao regime regulatório e a questão do equilíbrio contratual. O que se pretende demonstrar neste capítulo é que a incapacidade dos tribunais envolvidos em considerar o caso sob a perspectiva da teoria geral dos contratos não contribuiu para uma solução adequada e ainda adicionou dificuldades ao problema. A adequação dos instrumentos: edital e contrato Tomemos a redação do edital novamente. Na descrição do objeto está indicada “a aquisição de imóvel, adequado para instalação de no mínimo 79 Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo, permitindo a ampliação para instalação posterior de, no mínimo, mais 32 Juntas de Conciliação e Julgamento”150 em uma das quatro modalidades sugeridas: 2.3.1 | 1ª) Imóvel construído, pronto, novo, ou usado. Nessa hipótese deveria acompanhar a proposta técnica, projeto de adaptação com o respectivo prazo de execução e entrega, que atendesse às necessidades das Juntas de Conciliação e Julgamento, que deveria, em caso de aprovação, ser implantado pelo concorrente, sob sua total responsabilidade (item 1.1.1 do edital); 2ª) Imóvel em construção, independentemente do estágio da obra (início, meio ou fim); deveria acompanhar a proposta técnica, projeto de adaptação com o respectivo prazo de execução e entrega, que atendesse às necessidades das Juntas de Conciliação e Julgamento que seria, em caso de aprovação, implantado pelo concorrente sob sua total responsabilidade (item 1.1.2 do edital); 3ª) Terreno com projeto aprovado que deveria acompanhar projeto de adaptação que atendesse às necessidades das Juntas de Conciliação e Julgamento (item 1.1.3 do edital); 4ª) Terreno com projeto elaborado especificamente para a instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento (item 1.1.4 do edital)”.151 105 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: Na forma como o edital estava estruturado, seria possível que fossem apresentadas propostas correspondentes a qualquer uma das quatro modalidades sugeridas. Note-se, a princípio, que qualquer uma das modalidades contratuais que fosse adotada deveria, ao final, implicar a aquisição do imóvel pelo contratante. O que não há ainda, nessa parte do edital, é uma opção do tipo de bem objeto do contrato, pois dentre essas opções há duas modalidades que se referem à aquisição de imóvel construído ou em construção (itens 1.1.1 e 1.1.2 do edital) e duas que se referem à aquisição de terreno com projeto aprovado ou elaborado (itens 1.2.3 e 1.1.4). Até aquele momento, a licitação se apresentava como destinada à aquisição de imóvel construído ou em construção ou à aquisição de terreno com projeto aprovado ou elaborado. A adoção de alguma dessas hipóteses envolveria a aquisição de bem futuro? Quer nos parecer que na maioria das opções os bens que se pretende adquirir já seriam existentes no momento da celebração do contrato. Vejamos: no item 1.1.1, o imóvel já deveria estar construído; no item 1.1.2, a construção já deveria ter sido iniciada; no item 1.1.3, o terreno, obviamente, já existe, e o projeto, além de já existir, conta com a necessária aprovação; finalmente, no caso do item 1.1.4, o terreno já existe e o projeto também, pois já foi elaborado. Portanto, em apenas uma das hipóteses há uma aquisição de bem que pode, em certas situações, ser ainda inexistente e, diferentemente do que se pretendeu, caracterizar a empresa contratada e os agentes responsáveis pela contratação não é a modalidade presente no item 1.1.4, mas no item 1.1.2. Nessa hipótese (item 1.1.2) há a possibilidade de aquisição de imóvel em construção ainda na fase inicial. Mas, ainda assim, não se poderia falar em uma compra e venda de bem futuro, pois não parece corresponder a nenhuma das duas formas típicas desse contrato. A primeira dessas formas corresponde àquela situação na qual o comprador assume o risco de que a coisa, ao final, não venha a existir (emptio spei),152 a outra modalidade é aquela na qual o comprador adquire a coisa assumindo o risco acerca de sua quantidade futura (emptio rei speratae).153 Aliás, conforme se depreende do texto do item 1.1.2, caberia ao contratado, nessa hipótese, apresentar projeto de adaptação com o respectivo prazo de execução e entrega. 106 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Nesse sentido, a melhor maneira de se interpretar o objeto do contrato (aquisição de imóvel adequado à instalação da sede do tribunal) nos termos do próprio edital era a de que: ou a) o referido imóvel, entendido como prédio, já existia ou já estava em construção ou b) inexistindo prédio nas condições descritas, existia imóvel, entendido como terreno com capacidade para receber a referida construção (o projeto, nessa hipótese, deveria demonstrar objetivamente essa capacidade). Essa interpretação implicaria, obviamente, que se o contratante se decidisse pelo item 1.1.4 teria optado pela aquisição apenas de terreno e projeto, mas não de prédio a construir ou construído. Assim, uma vez adquirido o terreno, haveria necessariamente três opções: a) adoção do projeto elaborado e contratação de empresa para a construção do prédio seguindo as instruções do referido projeto; b) contratação de empresa para a apresentação de novo projeto e construção do referido imóvel; e c) contratação de empresa para a confecção de novo projeto seguida de contratação de outra empresa para a construção do prédio seguindo as instruções do referido projeto. Eis a razão fundamental, porque diferente do que consta na Escritura de Compromisso de Venda e Compra firmado entre a Incal Incorporações S.A. e o TRT 2ª Região; esse documento não poderia servir como forma de cumprimento ao Objeto da Concorrência n. 01/92, conforme contido no item 1.1.4 do respectivo Edital, pois não se poderia justificar a aquisição de prédio construído ou a construir com base em item que apenas mencionava “terreno” e “projeto”. Para celebrar um contrato que, segundo a vontade declarada das partes, tinha por finalidade a aquisição de prédio a ser construído, seria necessário desconsiderar o referido edital sob a justificativa da dispensa da necessidade de licitação. Interessante observar que esse argumento somente surgirá após a consulta aos pareceristas, pois até aquele momento os atos realizados pelas 107 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: partes indicam que as mesmas tinham uma interpretação diversa daquela que depois viriam a sustentar em juízo: quando da celebração da Escritura de Compromisso de Venda e Compra, as partes afirmam estar dando cumprimento aos termos do edital de licitação e, quando apresentam sua defesa frente aos tribunais, afirmam que o referido contrato era válido mesmo não correspondendo aos termos do edital, uma vez que na hipótese, defendiam as partes, a licitação seria dispensável. Ao que tudo indica, a importância dada ao longo de toda a discussão judicial à questão da qualificação contratual foi resultado da ênfase dada ao tema pelos pareceres trazidos pela contratada. Quanto a esse ponto cabe, portanto, em primeiro lugar, sublinhar que a discussão sobre se o contrato seria uma compra e venda ou uma empreitada somente faz sentido quando se está buscando resolver se há a possibilidade de fixar regime de pagamento desvinculado do cronograma físico da obra. O problema aqui girará em torno da questão do risco de inadimplemento, pois uma vez celebrada uma compra e venda a fixação das datas de pagamento em descompasso com a data de entrega da obra pode produzir dois resultados possíveis: ou se beneficia o vendedor com o estabelecimento das datas de pagamento das prestações pelo comprador de forma que o recebimento da totalidade ou da maior parte do preço ocorrerá antes de a obra estar terminada, ou se beneficia o comprador com o estabelecimento das datas de pagamento das prestações de forma que possam ser a totalidade ou sua maior parte saldada somente após a obra ter terminado. Em outras palavras, o problema decorrente do contrato de compra e venda está no fato de que, em princípio,154 o comprador não pode recusar-se a realizar os pagamentos por entender que a obra está atrasada, pois até a data de entrega fixada em contrato não se poderia falar em mora e, muito menos, em inadimplemento absoluto. Isso significa que, na forma como teria sido celebrado o contrato entre a Incal e o TRT, o comprador teria de realizar 100% do preço mesmo que acreditasse que a obra estava atrasada, pois somente na data de entrega é que seria possível constituir o vendedor em mora ou afirmar seu inadimplemento absoluto. Mas, uma vez que o prazo de entrega é atingido e há um descompasso entre o valor pago e o estágio no qual a obra se encontra, a questão acerca 108 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT da qualificação tipológica do contrato torna-se irrelevante, pois o que há é um problema de inadimplemento, seja do contrato de compra e venda, seja do contrato de empreitada. Adotando-se caminho diverso, ainda se poderia perguntar o que é mais importante: definir qual contrato foi celebrado ou como esse contrato estabelece o regime de prestações entre as partes? No caso envolvendo a construção da sede do TRT 2ª Região, ao que tudo indica, a primeira questão tomou uma proporção que acabou por impedir o surgimento de considerações relativas à última. Isso reduziu o escopo de soluções que poderiam ser pensadas para a solução do problema, conforme se pretende demonstrar a seguir. Em resumo, a partir da análise do regime de preço e de distribuição de riscos, poder-se-ia afirmar que a Administração Pública celebrou um contrato lesivo, pois havia um total desequilíbrio a privilegiar a contratada. Ou seja, não se trata da vetusta e indevida discussão acerca dos contratos privados da administração, pois a opção pela compra e venda não significa, em si, a escolha de um contrato essencialmente de direito privado. Na escolha do tipo contratual não está implícita a adoção do modelo de regulação do direito privado. Em razão da discussão estabelecida em torno da qualificação do negócio realizado pela Administração, pretendeu-se, em várias oportunidades, resolver a questão recorrendo à ideia de essência, ou seja, com vistas a garantir que o referido contrato seja regulado pela lei a ele aplicável há que se estabelecer sua verdadeira natureza jurídica.155 Mas como estabelecer a essência de um contrato? Pela análise das cláusulas estabelecidas pelas partes? Em sendo assim, há que se dar razão aos argumentos de defesa: o contrato celebrado não possui as cláusulas que comumente estão presentes em um contrato de empreitada, ou mais especificamente, em contrato de obra pública, mas sim em um contrato de compra e venda. Mas a opinião do TCU parece ser no sentido de que tal contrato não podia ter sido celebrado. Nesse sentido, há que se admitir que existiria uma essência contratual estabelecida pela lei que regula os contratos públicos (a lei que regula as licitações e contratos administrativos). E, dessa estrutura, as partes não podem se desviar. Mas, de novo, o problema 109 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: é que a referida lei estabelece tanto a empreitada como a compra e venda como modelos e não impõe uma preponderância de um sobre o outro, ou seja, há duas formas pelas quais a Administração Pública pode adquirir um prédio: poderia adquiri-lo por especificação qualificada como resultado da empreitada ou pela transferência da propriedade do bem na fase de adimplemento da compra e venda. Quanto à compra e venda vê-se que, estando prevista na lei de licitações, se pode dizer que embora correta a afirmação do analista da Secretaria de Auditoria do TCU, no sentido de que a opção por esse tipo implicaria uma fuga às normas legais pertinentes à contratação de obra pública, não é verdade, como sustentou a defesa dos envolvidos, que adotado esse tipo o referido contrato sairia completamente do regime de contratação pública. Como destacamos anteriormente não há nada em nosso ordenamento legal que autorize ou mesmo permita ao intérprete estabelecer qual o regime aplicável a um contrato (regime civil ou regime administrativo) a partir da definição do tipo contratual escolhido pelas partes. Pelo contrário, a simples leitura do Código Civil e dos diplomas legais que instituem normas para licitações e contratos administrativos (Decreto-lei n. 2.300/86 e Lei n. 8.666/93) obriga a se admitir o oposto, pois tanto a compra e venda como a empreitada (contrato de obra) são expressamente reconhecidos e estão regulados nos dois âmbitos. Ou seja, nosso ordenamento jurídico admite a existência de compra e venda civil e compra e venda administrativa, bem como admite a celebração de um contrato de empreitada de obra entre dois particulares (regido pelo direito privado) ou entre um particular e a Administração Pública (regido pelo direito público). Assim, ainda que a própria lei permitisse a dispensa da licitação para a aquisição de imóvel (como o fazia o art. 22, X, do Decreto-lei n. 2.300/86) e indicasse que sempre que possível e conveniente tais contratos de aquisição deveriam submeter-se às condições semelhantes à do setor privado (art. 14, III, Decreto-lei n. 2.300/86), temos que entender que, nessa hipótese, continuaria a incidir o art. 6º, parágrafo 1º, do Decreto-lei n. 2.300/86. Explico: ainda que seja possível a um particular celebrar um contrato envolvendo a aquisição de um imóvel a ser construído sem a prévia elaboração de um projeto básico (como ocorre nas operações Turn Key), o mesmo não seria 110 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT possível em contrato envolvendo a Administração Pública por força do que impõe o referido art. 6º, parágrafo 1º, e, além disso, exatamente porque a ausência do projeto básico amplia o risco de aumento do preço e dificulta o controle sobre a contratada não seria conveniente dispensá-lo. Em resumo, não estariam presentes a possibilidade e a conveniência de contratar um contrato de compra e venda de bem futuro sem a elaboração prévia de projeto básico, como exigem as regras de contratação pública do referido decreto. Em sendo um contrato de compra e venda sob o regime administrativo, poderia ser declarada a nulidade? Sim. E com isso estaria resolvido o problema. E não, pois, segundo o disposto no caput do art. 59 da Lei n. 8.666/93, a declaração da nulidade teria efeitos ex tunc. E, se isso for verdade, implicaria a obrigação da contratada em devolver o dinheiro, e também implicaria a obrigação da contratante em restituir o terreno e o prédio nele construído. Mas, ao que tudo indica, não tem a Administração Pública interesse na devolução do terreno e do prédio e somente possui interesse na devolução dos valores pagos a maior fruto, que foram de superfaturamento de serviços e materiais. Seria possível interpretar o parágrafo 1º do art. 59 da Lei n. 8.666/93156 de forma a sustentar que ele permitiria justificar que certos efeitos decorrentes do ato nulo devam ser mantidos em atenção ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa? O referido parágrafo sustenta o dever da Administração Pública em indenizar o particular, pois assume que os atos deste geraram vantagens que se incorporaram ao patrimônio daquela. A Administração Pública deve pagar ao contratado pelo que este houver executado com proveito para aquela, até a data em que foi declarada a nulidade. No mesmo sentido, poder-se-ia sustentar que cabe à Administração Pública solicitar a restituição dos valores pagos para execução de serviços que não foram executados. Ora, se a lei proíbe que tais pagamentos antecipados sejam feitos, faz todo sentido que, declarada a nulidade dos atos que lhes autorizaram, possa a devolução desses valores ser exigida pela Administração. Ainda dentro da discussão sobre adequação do tipo e regime de riscos no contrato, temos que de todas as referências às opiniões presentes nos referidos pareceres destaca-se a passagem de autoria de José Afonso da Silva, na qual se pode ler: 111 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: No entender da equipe [de inspeção do TCU], o colendo TRT – 2ª Região poderia ter subdividido em etapas distintas a licitação, no sentido de conseguir primeiramente o terreno, em seguida a elaboração do projeto básico e finalmente a execução da obra, esta sim a cargo da empresa vencedora, procedimento que permitiria estimar o custo final da obra, reduzindo o risco de descontinuidade do empreendimento. [...] As preferências de órgãos de contas, por respeitáveis que sejam, não podem, porém, servir de parâmetro para decidir a legalidade ou ilegalidade de procedimento licitatório.157 (destaques nossos) Adotado esse juízo, essa citação demonstra que o Ministro Relator realmente o recepcionou;158 tem-se que a escolha da estrutura contratual e a maior ou menor adequação do regime de riscos que dessa decorre é um juízo que está isento de um controle de legalidade. Aqui, a qualificação contratual surge como um espaço de total discricionariedade da Administração Pública. Não há assim a possibilidade de um controle preventivo por parte das Cortes de Contas. Nessa esteira, poder-se-ia sustentar que, em princípio, não há ilicitude no ato do administrador público que expõe o erário público a mais riscos do que seria necessário ou adequado. Além disso, diferente do que José Afonso da Silva sustentou em seu parecer, a inadequação do tipo adotado pode ser objeto de controle pelos Tribunais de Contas, pois como o Decreto-lei n. 23.000/86 estabelece, em seu art. 3º, caput,159 que o processo licitatório se destina a “selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração”, tem-se que a escolha por um modelo contratual que amplia os riscos do contratante sem ampliar em igual ou maior medida suas vantagens não pode ser defendida como ação realizada dentro do quadrante fornecido pelo referido mandamento legal mas, pelo contrário, corresponde a um ato de desrespeito ao mesmo. O equilíbrio contratual: aditivos contratuais, rescisão e declaração de nulidade O tema do equilíbrio foi trazido aos autos no enfrentamento dos motivos que teriam permitido à contratada obter, por meio dos aditivos contratuais, 2.3.2 | 112 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT o aumento dos valores inicialmente estabelecidos no contrato celebrado com a Administração Pública. Se analisados os argumentos apresentados pela contratada, é possível perceber, de plano, sua inconsistência. Tome-se, inicialmente, o argumento acerca do aumento de custo correspondente ao aumento do prazo de entrega e consequente aumento das despesas indiretas e diretas. Ora, ele contradiz de forma indubitável a qualificação, defendida pela própria contratada, do contrato como sendo de compra e venda de bem futuro; vejamos mais detalhadamente. Lembre-se de que a justificativa para a inexistência de projeto básico e do descasamento – entre as datas de pagamento e o andamento da obra – era exatamente o fato de, segundo as partes, tratar-se de uma compra e venda de bem futuro. Assim sendo, como seria possível, diante do alegado atraso dos pagamentos pela contratante, justificar o atraso da obra e, com base nisso, solicitar o pagamento das verbas correspondentes ao aumento das despesas? Não é possível. Se o contrato se constitui como uma compra e venda de bem futuro, caberia ao vendedor, diante do atraso nos pagamentos, recusar-se a realizar a transferência do bem, mas não poderia, com base nisso, diminuir o ritmo da obra e solicitar os consequentes aumentos de custo que essa diminuição poderia causar.160 Isso foi possível, como vimos antes, pela inclusão de cláusula contratual que concedia à contratada o direito de redução do ritmo da obra, em caso de atraso de pagamento. Ora, essa cláusula, por mais atípico que se admita possa ser o contrato, tem como efeito desequilibrar de maneira excessiva o contrato em prejuízo da administração que, além de ter de realizar os pagamentos antes de realizadas as etapas de construção, teria de correr os riscos e incorrer nos custos decorrentes do atraso da obra. Não há nada em nosso sistema jurídico que permita sustentar que, mesmo no âmbito privado, um contrato atípico possa gerar excessivo desequilíbrio.161 A celebração do contrato entre a Incal e a Administração Pública poderia nos fazer pensar em uma situação na qual em vez de supremacia a Administração Pública assumiu posição de inferioridade, ou seja, uma situação compatível com a chamada “lesão contratual”. A solução aqui seria rever os termos do contrato naquilo em que eles tornam a relação excessivamente 113 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: vantajosa para uma das partes e, por consequência, extremamente onerosa para a outra.162 A visualização do problema como sendo uma questão de desequilíbrio, seja de riscos distribuídos ao início do contrato, seja de prestações realizadas ao longo do mesmo, tornaria desnecessária a discussão sobre a extinção do contrato. Em vez de discutir qual a maneira correta de extinguir o contrato, se rescindindo unilateralmente ou promovendo-lhe a declaração de nulidade, discutir-se-ia qual o padrão adequado de revisão, ou seja, como torná-lo equilibrado. Essa não foi a perspectiva adotada pelo STF, como se vê nos votos dos Ministros Marco Aurélio e Moreira Alves, quando do julgamento definitivo do Mandado de Segurança n. 23.560/DF. Nesse acórdão, para a resolução do problema acerca da devolução das prestações pagas a maior pela Administração Pública, deu-se por estabelecida a existência de uma conexão necessária entre decretação de nulidade e obrigação de restituição. Isso não significaria que, assumida a validade do contrato, pois não poderia o TCU e nem mesmo o TRT declarar a nulidade da escritura pública, a Administração Pública não poderia recuperar o que entendia ser a indevida diferença existente entre os valores pagos e o que efetivamente foi entregue? A implicação dessa conexão entre nulidade e restituição nos levaria a concluir que o direito privado, enquanto conjunto de regras que, na perspectiva assumida pelos Ministros Marco Aurélio e Moreira Alves, estaria regulando o contrato em tela, chancelaria essa situação até que se obtivesse a nulidade da referida escritura pública de compra e venda. O que os referidos Ministros não parecem perceber é a diversidade de efeitos decorrentes dos atos realizados pelas partes. Se é verdade que o efeito translativo da propriedade é decorrência do registro da escritura junto ao cartório de imóveis nos termos do que estabelecia o então vigente art. 530, I, do Código Civil de 1916,163 também é verdade que o efeito obrigacional, correspondente ao adimplemento das obrigações impostas pelo contrato ao comprador, não guarda conexão alguma com o referido registro. Mas seria possível recorrer, para a resolução do problema, a um argumento estruturado com base na ideia de equilíbrio? Quer nos parecer que sim. E isso seria possível, por exemplo, com o recurso às regras relativas 114 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT à garantia contratual contra o vício redibitório compreendidas como mecanismos para evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes; vejamos mais detalhadamente. O fundamento das garantias contratuais legais parece estar muito mais na ideia de equilíbrio contratual do que na ideia de lealdade contratual, tanto assim que mesmo que o transmitente (aquele sobre quem recai a obrigação de transferir o bem) atue de acordo com a boa-fé, será possível demandar pela garantia. O que importa para a atuação das regras relativas às garantias é o fato de que o devedor prestou, pois se ainda não prestou há que se falar em inadimplemento. As garantias contratuais atuam por meio das denominadas “obrigações de garantia” cujo conteúdo é a “eliminação de um risco que pesa sobre o credor”; nessas obrigações, “a simples assunção do risco pelo devedor de garantia representa o adimplemento de sua prestação”. Ora, aceitando-se que as partes celebraram compra e venda de bem imóvel,164 seria possível sustentar que, se na data da entrega o comprador identificasse uma desproporção entre o preço pago e o efetivo valor do bem, estar-se-ia diante da hipótese regulada pelo arts. 1.101, caput e parágrafo único, 1.102 e 1.105 do então vigente Código Civil de 1916.165 Não seria necessário desfazer o contrato, mas apenas solicitar um abatimento correspondente à diminuição do valor, o que, no caso em tela, visto que o pagamento do preço já havia sido feito, implicaria impor ao vendedor o dever de devolver essa diferença. Relativamente à indenização dos prejuízos e restituição do preço, é importante destacar que não há a necessidade de culpa para que a restituição prevista no art. 1.103 do CC/16166 possa incidir, pois não se trata de constituição de “dívida” decorrente de inadimplemento, mas de atuação de “garantia”, ou melhor, “a dívida resulta de ter ocorrido o fato cuja inocorrência se garantiu”. A restituição não depende da aferição de culpa do outorgante (alienante) porque não se trata de analisar o inadimplemento da obrigação, mas sim de incidência de cláusula legal de garantia prevista para a hipótese de concretização de risco inerente aos negócios translativos. A garantia é ativada pela perda de comutatividade (correlação entre o valor pago e o valor efetivo do bem) decorrente do superfaturamento. Com isso se resolveria, inclusive, o problema relativo tanto à manutenção da propriedade do prédio como aquele 115 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: referente à contratação de terceiro para finalizar a obra. Tendo atuado dolosamente, o vendedor que se beneficiou com esse descompasso, além de devolver a diferença, poderia ainda ser condenado a, indenizar as perdas e danos (e entre elas estaria o serviço agora realizado por terceiro). ConClusão Havia um conjunto de soluções bastante consistentes e que viabilizariam a obtenção da satisfação de um conjunto de pretensões jurídicas em benefício da Administração Pública. A compreensão do problema esteve, no TCU e no STF, sempre associada com um determinado uso dado à distinção direito público-direito privado. Tal uso da distinção acabou por impedir o desenvolvimento apropriado daquele conjunto de soluções. Não há nada de errado com a distinção em si. Como ocorre com qualquer instrumento, também com os instrumentos conceituais os erros surgem em razão do uso que a eles se dá. A distinção público-privado, como toda classificação, é importante pelo papel que desempenha na organização do raciocínio, em nível mais abstrato, e pelo que revela acerca da forma como os problemas são compreendidos, em nível mais concreto. Porém, concordamos com Raymond Geuss quando afirma que: Não existe a distinção público-privado, ou, de todo modo, é um grande erro pensar que há aqui uma única distinção substantiva que possa ser feita de maneira a, por meio dela, realizar-se qualquer tarefa filosófica ou política séria.167 Há, entretanto, que se pensar no propósito da distinção. Como toda ferramenta, também essa distinção foi criada com algum propósito.168 Usá-la sem essa reflexão prévia é reificá-la – e assim o fazendo, o caso bem demonstra, a distinção deixa de constituir ferramenta para a resolução do problema e passa a ser ela mesma o impasse. Os tribunais aos quais foi entregue a jurisdição do caso adotaram como premissa a ideia de que seu enfrentamento passava, necessariamente, pelo tratamento da questão “o contrato celebrado é um contrato público ou 116 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT privado?”. Assim, a distinção direito público vs. direito privado passou a dirigir parte significativa do trabalho intelectual dos Ministros e influenciou o tratamento dado a outras distinções, tais como a relativa aos efeitos decorrentes da rescisão e da invalidade do contrato. Em vista disso, deixaram de considerar normas jurídicas cuja aplicação produziria solução tecnicamente mais consistente e com conteúdo mais justo. A demasiada atenção dada à questão “contrato privado vs. contrato público” impediu que se encontrasse solução satisfatória para questões mais importantes – entre elas, “como diminuir a exposição da Administração Pública ao risco de inadimplemento do contrato?”, “como permitir a contratação de terceiro para a finalização da obra e, simultaneamente, recuperar os pagamentos indevidamente recebidos pela contratada inadimplente?” etc. Em síntese, vê-se que o uso incompetente das ferramentas jurídicas à disposição não somente falhou por não permitir a resolução adequada do problema, mas falhou por, em certa medida, ampliá-lo.169 Eis o diagnóstico que se obtém com a análise das decisões do TCU e do STF no Caso TRT. 117 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: notAs No caso da rescisão unilateral assumia-se que o contrato era válido, e no caso da decretação da nulidade assumia-se, por óbvio, que era inválido. 1 Quando uma das partes propõe uma revisão, está afirmando que não cumprirá um ou mais termos do contrato – justamente aquele(s) termo(s) que solicita que sejam alterados –; simultaneamente, demonstram que pretendem cumprir o contrato – naquele(s) termo(s) cuja modificação não foi solicitada, bem como os novos termos que, por ventura, seja introduzidos em vista da revisão. 2 Nas palavras de Geuss (2001, p. 10), essa distinção é uma “concreção ideológica” formada por componentes tão díspares quanto “fragmentos conceituais, teorias, reações folclóricas, distinções cruas úteis em contextos práticos altamente específicos, valores tacitamente assumidos” originados de diferentes fontes e pertencentes a diferentes esferas que “se juntam historicamente de forma confusa e acumulam em torno de si uma forma de capital autoevidência, plausibilidade e força motivacional”. 3 Há aqui, na metáfora da contaminação, uma aparente associação entre as distinções público-privado e limpo/puro-sujo/poluído. A ideia de contágio do direito público pelo recurso ao modelo de direito privado se apresenta, em si, como sinônimo de corrupção em sentido amplo, ou seja, como processo que corrompe um anterior estado de pureza/limpeza. Nesse sentido é a afirmação de Geuss (2001, p. 20): “disgust can render its objects so magically contagious that they infect anything even indirectly or ideationally associated with them, causing mild reactions of revulsion even to representations of disgusting objects, even to the mere knowledge that something disgusting was taking place”. 4 “Ementa: Considerar válidos os procedimentos adotados até agora pelo TRT-2ª Região, tendo em vista a fase conclusiva das obras, determinando providências urgentes ao TRT-SP no sentido de transferir as obras e o terreno para o seu nome, bem como adotar rigorosa observância às normas e preceitos da Lei n. 8.666/93 no prosseguimento das obras; e, comunicação ao Órgão de Controle Interno do TRT 2ª Região e dos demais TRT’s que não procede a invocação de preceitos do C. C. e do C. P. C. em procedimentos licitatórios por eles realizados, tendo em vista que existe lei específica sobre a matéria” (Proferido em 8 de maio de 1996 nos autos do Processo TC 700.731/92-0). 5 6 118 Acórdão 231/96, p. 2. [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 7 Valor datado de 2 de janeiro de 1992 conforme o Acórdão 231/96, p. 4. 8 Acórdão 231/96, p. 3. 9 Acórdão 231/96, p. 3. 10 Acórdão 231/96, p. 4-5. 11 Acórdão 231/96, p. 5-6. O referido artigo estabelece que “não será permitido o pagamento antecipado de fornecimento de materiais, execução de obra, ou prestação de serviço, inclusive de utilidade pública, admitindo-se, todavia, mediante as indispensáveis cautelas ou garantias, o pagamento de parcela contratual na vigência do respectivo contrato, convênio, acordo ou ajuste, segundo a forma de pagamento nele estabelecida, prevista no edital de licitação ou nos instrumentos formais de adjudicação direta”. 12 13 Acórdão 231/96, p. 7. 14 Acórdão 231/96, p. 8. 15 Parecer de Miguel Reale, p. 12 e 16, apud Acórdão 231/96, p. 8. 16 Parecer de José Afonso da Silva, p. 7, apud Acórdão 231/96, p. 8. 17 Parecer de Toshio Mukai, p. 6, apud Acórdão 231/96, p. 8. 18 Parecer de Toshio Mukai, apud Acórdão 231/ 96, p. 8. 19 Acórdão 231/96, p. 8. 20 Acórdão 231/96, p. 9. 21 Acórdão 231/96, p. 9. 22 Acórdão 231/96, p. 9. 23 Acórdão 231/96, p. 10. 119 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: 24 Acórdão 231/96, p. 11. 25 Parecer de Miguel Reale, apud Acórdão 231/96, p. 8. 26 Acórdão 231/96, p. 11. 27 Acórdão, 231/96, p. 12. 28 Acórdão, 231/96, p. 13. 29 Acórdão 231/96, p. 14. 30 Acórdão 231/96, p. 14. 31 Acórdão 231/96, p. 14. 32 Acórdão 231/96, p. 15. Essa regra foi mantida inalterada na Lei n. 8.666/93, conforme se pode ler no § 2º do art. 56. O referido estatuto introduziu apenas a possibilidade de ampliação do valor da garantia de 5% para 10% do valor do contrato quando ficar demonstrado por parecer tecnicamente aprovado por autoridade competente que obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolverão alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis (§ 3º do art. 56, Lei n. 8.666/93). 33 34 Acórdão 231/96, p. 16. 35 Acórdão 231/96, p. 17. 36 Acórdão 231/96, p. 20. 37 Acórdão 231/96, p. 17. 38 Acórdão 231/96, p. 18. 39 Acórdão 231/96, p. 21. 40 Acórdão 231/96, p. 27. 120 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 41 Acórdão 231/96, p. 21. 42 Acórdão 231/96, p. 22. 43 Apud Acórdão 231/96, p. 22. 44 Ver nota 155. 45 Acórdão 231/96, p. 22. “[...] No caso em tela, a contratada vai executar obra de construção privada em seu terreno e por conta própria e só depois de pronto o imóvel, com o competente “Habitese”, será definitivamente transferido para o contratante, quando, então, se transformará em bem público de uso especial (Cód. Civil, art. 66, II)” (José Afonso da Silva, apud Acórdão 231/96, p. 23). 46 47 Acórdão 231/96, p. 23. 48 Acórdão 231/96, p. 27. 49 Acórdão 231/96, p. 27. 50 Acórdão 231/96, p. 27. 51 Acórdão 231/96, p. 28. [...] somente em casos especialíssimos a Administração pode abrir mão de sua supremacia e contratar como mero particular. O Administrador, na qualidade de guardião do interesse público, deve adotar sempre o instrumento contratual mais adequado e seguro quanto a esse aspecto. Ainda que à míngua de disposições expressas, é imprescindível invocar os princípios vetoriais da função Administrativa: supremacia do interesse público e a indisponibilidade deste interesse. (Acórdão 231/96, p. 40). 52 Segundo o Ministro Relator é possível, da leitura dos dispositivos legais transcritos, constatar que “as características, os cuidados e os detalhes inseridos na modalidade de compras adéquam-se perfeitamente à aquisição de bens móveis e de imóveis prontos e acabados, mas não à aquisição de imóvel a construir, conforme o caso constante dos autos” (Acórdão 231/96, p. 33). 53 121 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: Na dicção do Ministro Relator, o administrador público “tem a obrigação de zelar pelo fiel cumprimento da lei e pelo regular emprego dos dinheiros públicos colocados sob sua responsabilidade e responde por qualquer prejuízo causado ao Erário, decorrente de ação ou omissão de sua parte (DL n. 200/67, arts. 90 e 93)” (Acórdão 231/96, p. 35). 54 55 Acórdão 231/96, p. 35. 56 Acórdão 231/96, p. 35. 57 Acórdão 231/96, p. 35. 58 Acórdão 45/99, p. 10. TC-001.025/98-8. Ementa: “Auditoria. TRT da 2ª Região SP. Verificação da compatibilidade entre os cronogramas físico e financeiro das obras de construção do Fórum Trabalhista SP. Inconsistências de medições, alteração de projetos, assinaturas de aditivos e contratações sem procedimentos licitatórios. Contrato na modalidade de aquisição ao invés de obra pública de engenharia. Ausência de prévio projeto básico. Não inclusão do investimento no Plano Plurianual. Previsão contratual de financiamento de quase a totalidade do serviço pela contratante. Previsão de multa à contratante. Habilitação indevida de licitante. Descompasso entre a liberação de recursos e a execução física da obra. Pagamento antecipado. Ocorrência de prejuízo ante o descompasso na execução financeira. Improcedência das alegações. Não adoção de providências pelos responsáveis contribuindo para continuidade na ocorrência de prejuízos. Responsabilidade solidária do engenheiro contratado para acompanhar a execução da obra. Rescisão unilateral do contrato já promovida pelo referido TRT. Irregularidades apuradas através de CPI do Judiciário trazem nova dimensão ao prejuízo então apurado. Multa aos dois ex-presidentes. Conversão em Tomada de Contas Especial. Nova inspeção ante a superveniência de novos fatos. Remessa de cópia ao CREA, à Comissão Parlamentar e à Procuradoria da República SP. Determinação. - Contratos administrativos. Fato do príncipe. Análise das matérias” (Acórdão 45/99. Proferido em 5 de maio de 1999). 59 60 À época, avaliados em R$ 150.000.000,00. 61 Acórdão 45/99, p. 10. 62 Acórdão 45/99, p. 11. 63 Acórdão 45/99, p. 11. 122 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 64 Citado no Acórdão 45/99, p. 15. 65 Lei n. 8.880, de 27 de maio de 1994. 66 Citado no Acórdão 45/99, p. 15. 67 Acórdão 45/99, p. 16. 68 Acórdão 45/99, p. 16. 69 Acórdão 45/99, p. 16. 70 Acórdão 45/99, p. 16. 71 Acórdão 45/99, p. 16. 72 Acórdão 45/99, p. 17-18. 73 Acórdão 45/99, p. 22. Unidade Fiscal de Referência: fator de correção dos valores dos impostos extinto em quase todo país no ano de 2000. 74 75 Acórdão 45/99, p. 24. 76 Acórdão 45/99, p. 25. 77 Acórdão 45/99, p. 26. 78 Acórdão 45/99, p. 27. 79 Acórdão 45/99, p. 27. 80 Acórdão 45/99, p. 27. 81 Acórdão 45/99, p. 27. 82 Acórdão 45/99, p. 28. 123 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: 83 Acórdão 45/99, p. 29. 84 Acórdão 45/99, p. 29. 85 Constante dos autos do TC-7000.731/92-0. 86 Acórdão 45/99, p. 29. 87 Acórdão 45/99, p. 29. 88 Acórdão 45/99, p. 29. Os três primeiros aditivos tinham por finalidade declarada a “readequação de pagamentos e prazos”. 89 Eram eles: a) Programa de conclusão das obras do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo, b) fundamentos para o reestabelecimento do equilíbrio econômico, c) notas fiscais das despesas de todos os meses que compunham o período a ser ressarcido e c) parecer jurídico de Diógenes Gasparini datado de 4 de junho de 1998. 90 A Comissão de Instalação, criada em 1997, não tinha qualquer vinculação com a Comissão de Construção do Fórum (presidida por Nicolau dos Santos Neto); seu encargo principal era adotar providências para a ocupação do prédio pelas Juntas de Conciliação do Fórum Trabalhista. 91 92 Acórdão 45/99, p. 30. 93 Acórdão 45/99, p. 31. Acórdão 45/99, p. 31. No referido acórdão também foi solicitada a realização de nova inspeção junto ao TRT (alínea “d”, p. 31). Os trabalhos de inspeção foram realizados entre 24 de maio de 1999 e 22 de junho de 1999. Em sua conclusão, a inspeção demonstrou que o imóvel valia, em seu estágio à época, o equivalente a R$ 62,5 milhões enquanto teria sido paga, até a rescisão unilateral do contrato pelo TRT, quantia correspondente a R$ 232 milhões. Por fim, o relatório de inspeção informava que de acordo com levantamento feito pela Receita Federal pouco mais de R$ 60 milhões foram efetivamente destinados à obra (MS n. 23.560/DF, STF, Voto-vista do Ministro Nelson Jobim, p. 323). 94 124 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 95 A data do julgamento está registrada como sendo 5 de maio de 1999. 96 Acórdão 45/99, p. 32. O elenco de hipóteses referidas pelo art. 69, I, do Decreto-lei n. 2.300/86 é, em síntese, o mesmo ao qual faz referência o art. 79, I, da Lei n. 8.666/93: o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos; o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos; a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento nos prazos estipulados; o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento; a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração; a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação não admitidas no edital e no contrato; o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores; o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do parágrafo 1º do art. 67 da Lei n. 8.666/93; a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil; a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado; a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato; razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato e, por fim, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato. 97 Acórdão 45/99, p. 32. Há razões para suspeitar que as hipóteses utilizadas foram aquelas relacionadas à inexecução completa e/ou parcial de cláusulas do contrato, bem como as relativas ao atraso e lentidão na execução. 98 99 Acórdão 45/99, p. 33. 100 Acórdão 45/99, p. 36. Sobre o problema relativo à improvável unidade do bem/interesse público, ver Geuss (2001, p. 97-104). 101 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF, julgado liminarmente em 29 de outubro de 1999. 102 125 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: 103 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. Embora o parecer de Ives Gandra Martins possua data de 15 de setembro de 1993, as decisões do TCU emitidas anteriormente ao acórdão do STF não o mencionam em nenhuma oportunidade. Eis o motivo pelo qual resolvemos abordá-lo neste momento. 104 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. A consulta endereçada ao referido jurista continha, ao que tudo indica, os mesmos questionamentos realizados anteriormente aos outros três. As questões foram: “1) A licitação em tela é para a aquisição de imóvel pronto (ou seja, entregue o terreno com edificação acabada) ou, como pretende a Inspetoria do Tribunal de Contas, para a contratação de obras e serviços de engenharia?; 2) A licitação obedeceu aos requisitos legais aplicáveis à sua finalidade, ou seja, a aquisição de imóvel pronto ou, ao contrário, como pretende a Inspetoria do Tribunal de Contas, contratação de obras e serviços de engenharia? Mais precisamente: poderia o Tribunal Regional do Trabalho proceder à licitação sem prévio projeto básico elaborado pelo próprio Tribunal? Esclareça-se que, com a proposta, foi apresentado anteprojeto elaborado por profissionais devidamente habilitados perante o CREA. É o registro do CREA-SP requisito legal intransponível para a habilitação da licitante, à vista de como a consulente formulou a sua proposta?; 3) Em que medida as alterações mínimas do projeto, exigidas pela Prefeitura, implicam alterações do objeto da licitação em exame?; 4) Tendo em vista o objeto da licitação, a licitante deve outorgar o domínio e a posse do imóvel pronto ou, como pretende a Inspetoria, deve desde logo transferir a posse do terreno?; 5) Considerando o objeto da licitação, o pagamento de parcelas mediante recibo de sinal e princípio de pagamento ou mediante assinatura de contrato deve ser considerado como pagamento de parcelas do preço de aquisição do imóvel pronto ou, então, como pretende a Inspetoria, pagamento de serviço ou despesas? Os pagamentos efetuados dependiam de contraprestação de serviços? Os pagamentos à consulente foram validamente efetuados?; 6) É a escritura pública forma adequada à celebração de compromisso de compra e venda do objeto da licitação? A escritura de compromisso de compra e venda merece ser anulada por ter sido celebrada após a data prevista no Edital, considerando-se, inclusive, o atraso do Tribunal Regional do Trabalho no pagamento da totalidade de entrada? Os eventos relacionados na Cláusula XIII da escritura de compromisso de venda e compra podem ser considerados como de ‘força maior’, ou, como pretende a Inspetoria, ‘previsíveis e evitáveis’, tendo em vista que resultam de normas e leis?; 7) A proposta apresentada indicava que o empreendimento seria executado pela consulente, a quem foi adjudicada a licitação. É a subsidiária terceiro estranho ao procedimento licitatório, como pretende a Inspetoria? É válida sua contratação?”. Licitação para a aquisição de imóvel pronto pelo Tribunal Regional do 105 126 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Trabalho de São Paulo – Preenchimento dos requisitos legais – Autonomia Administrativa do Poder Judiciário – Responsabilidade civil do estado por erro no exame dos aspectos jurídicos – Parecer. Documento resgatado, em 12 de abril de 2013, disponível no site <http://www.gandramartins.adv.br/parecer/detalhe/id/PA00955>. 106 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. 107 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. 108 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. 109 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. 110 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. 111 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. O julgamento definitivo do MS n. 23.560/DF deu-se em Sessão Plenária ocorrida em 20 de setembro de 2000 e teve acórdão assim ementado: “Administrativo. Edital de aquisição de imóvel e contrato de promessas de compra e venda. Órgão Público. Inspeção pelo Tribunal de Contas da União que constatou irregularidades no contrato; na execução da obra e incompatibilidade entre os cronogramas físico e financeiro. Decisão do TCU para determinar à autoridade competente que decrete a nulidade do contrato (art. 59, da Lei n. 8.666/93). Decisão com efeito mandamental. Ausência de efeitos desconstitutivos dos negócios jurídicos. Limites da decisão para não interferir no processo anulatório. Mandado de Segurança indeferido” (Relator para o acórdão Ministro Nelson Jobim). 112 113 MS n. 23.560/DF, p. 294. Celebrada em 19 de dezembro de 1996 no 14º Tabelião Vampré, São Paulo (MS n. 23.560/DF, p. 309). 114 115 MS n. 23.560/DF, p. 326-330. 116 MS n. 23.560/DF, p. 330. Por “anulatória” o Ministro quis significar a ação anulatória da escritura pública de compra e venda que deveria ser proposta por força da rescisão unilateral do contrato 117 127 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: levada a cabo pela Presidência do TRT, conforme dá conta a informação constante no Acórdão 45/99 do TCU. 118 MS n. 23.560/DF, p. 331. 119 MS n. 23.560/DF, p. 332. 120 MS n. 23.560/DF, p. 334. Art. 49, caput e parágrafo único do Decreto-lei n. 2.300/86 e art. 59, caput e parágrafo único da Lei n. 8.666/93. 121 122 MS n. 23.560/DF, p. 343. 123 MS n. 23.560/DF, p. 342. 124 MS n. 23.560/DF, p. 342 e 344. 125 MS n. 23.560/DF, p. 351. 126 MS n. 23.560/DF, p. 351. 127 MS n. 23.560/DF, p. 351. 128 MS n. 23.560/DF, p. 352. 129 MS n. 23.560/DF, p. 353. 130 MS n. 23.560/DF, p. 354. 131 MS n. 23.560/DF, p. 354. Essa conexão entre declaração de nulidade e recuperação de pagamentos já realizados aparece pela primeira vez no voto do Ministro Relator Adhemar Paladini Ghisi, no Acórdão 45/99 do TCU. Naquele momento, ao se manifestar sobre a rescisão unilateral do contrato levada a cabo pelo TRT 2ª Região, assim se manifestou o relator: “Não obstante a adoção de tais providências, creio que assim deve o TCU, nesta oportunidade, determinar à autoridade administrativa competente que seja decretada a nulidade do referido contrato, 132 128 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT uma vez que a rescisão unilateral legitima os pagamentos até então efetuados com base no contrato, ao passo que a declaração de nulidade, por operar retroativamente, permite que seja questionada a totalidade dos pagamentos. Vale frisar que tal declaração evidentemente não desonerará a Administração da obrigação de indenizar pelos serviços eventualmente prestados”(Acórdão 45/99, p. 32). O ministro não explica porque a rescisão unilateral, que pode ser inclusive motivada por descumprimento contratual (por exemplo, a não entrega de bem ou a não realização de serviço contratado), impediria à Administração Pública exigir a devolução dos valores adiantados à contratada em vista do cumprimento de obrigações que, ao final, não foram realizadas. Acórdão 298/2000. Julgado pelo Plenário do TCU em 29 de novembro de 2000 e assim ementado: “Auditoria. TRT 2ª Região SP. Obras de construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. Pedidos de reexame, interpostos pelo Ministério Público junto ao TCU, por dois responsáveis e pelo TRT 2ª Região, contra acórdãos que, dentre outras providências, aplicaram multa aos responsáveis e determinaram a conversão do processo em tomada de contas especial, em razão das irregularidades no processo licitatório, contrato, projeto básico, pagamentos. Conhecimento. Negado provimento os recursos dos responsáveis. Provimento parcial ao recurso do TRT 2ª Região para suprimir alínea do acórdão. Considerado extinto o recurso interposto pelo MP TCU ante desistência formulada. Ciência aos interessados e órgãos de controle. Mandado de segurança impetrado, junto ao STF, pela empresa Incal visando à sustação dos efeitos das decisões do TCU que declararam a nulidade do contrato da empresa com o TRT. Pedido de liminar acatado. Indeferimento no mérito. Direito Administrativo. Ato administrativo vinculado. Natureza administrativa das decisões do TCU. Anulação de contrato. Comentários” (Ministro Relator Adylson Motta). 133 Diploma que dispõe sobre a unificação dos recursos de caixa do Tesouro Nacional e que, portanto, estabelece procedimentos para o recebimento de receitas assim como para o empenho, a liquidação e o pagamento das despesas a cargo do Tesouro Nacional. 134 135 Parecer de Miguel Reale, apud Acórdão 298/2000, p. 10. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 4ª ed., p. 355 apud Acórdão 298/2000, p. 16. 136 Essa regra foi mantida inalterada na Lei n. 8.666/93, conforme se pode ler no parágrafo 2º do art. 56. O referido estatuto introduziu apenas a possibilidade de ampliação do valor da garantia de 5% para 10% do valor do contrato quando ficar demonstrado por parecer tecnicamente aprovado por autoridade competente que obras, serviços e 137 129 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: fornecimentos de grande vulto envolverão alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis (parágrafo 3º do art. 56, Lei 8.666/93). 138 Acórdão 298/2000, p. 11. 139 Acórdão 298/2000, p. 12. 140 Acórdão 298/2000, p. 39. 141 Acórdão 298/2000, p. 39. 142 Acórdão 298/2000, p. 40. “Na argumentação condutora do indeferimento do mandado de segurança, mencionou-se que não seria aquele o momento apropriado para decidir-se, ao dar cumprimento à determinação que recebeu deste Plenário, o TRT 2ª Região poderia simplesmente promover a decretação administrativa da nulidade do contrato ou, ao contrário, deveria propor ação específica para alcançar tal fim – como sustentado na impetração” (Acórdão 298/2000, p. 42). 143 144 Acórdão 298/2000, p. 42. 145 Acórdão 298/2000, p. 42-43. “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] XI – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; [...] X – sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. § 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará de imediato ao Poder Executivo as medidas cabíveis. § 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.” 146 147 Acórdão 298/2000, p. 44. O referido voto encontra-se injustificadamente interrompido no documento obtido junto ao sítio do referido Tribunal. 148 130 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 149 Acórdão 298/2000, p. 48. 150 Acórdão 231/96, p. 3. 151 Acórdão 231/96, p. 3. No Código Civil de 1916, que vigorava quando da publicação do edital, esse contrato estava descrito no art. 1.118: “Se o contrato for aleatório, por dizer a coisas futuras, cujo risco de não virem a existir assuma o adquirente, terá o direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tenha havido culpa, ainda que delas não venha a existir absolutamente nada”. Essa modalidade contratual está atualmente descrita no art. 458 do Código Civil de 2002: “Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir”. 152 No Código Civil de 1916, essa modalidade estava descrita no art. 1.119: “Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha existir em quantidade inferior à esperada”. No Código Civil de 2002, essa modalidade está descrita no art. 459: “Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada”. 153 Não abordaremos aqui a possibilidade de se recorrer à doutrina do Inadimplemento Antecipado. 154 “Quando a nomenclatura confunde, há que se buscar a essência das coisas para que se saiba como lidar com elas: que remédio administrar à doença, que comida dar ao animal ou, na presente situação, que lei aplicar ao fato administrativo.” (apud Acórdão 231/96, p. 13). 155 156 No Decreto-lei n. 2.300/86 tratava-se do caput e parágrafo único do art. 49. 157 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. 158 Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. 131 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: O atual art. 3º da Lei n. 8.666/93, embora tivesse optado por redação ligeiramente diferente, mantinha esse objetivo: “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”. A redação atual, alterada por força da Lei n. 12.349 de 15 de dezembro de 2010, apenas introduziu como um dos objetivos a “promoção do desenvolvimento nacional sustentável”. 159 Além disso, há que se destacar, como fez o Ministro Adhemar Ghisi (Acórdão 45/1999, p. 16), que, no presente caso, a contratada ficou durante quase dois anos com aproximadamente US$ 21 milhões em caixa (montante referente à parte da entrada, conforme apontado no TC n. 700.731/92-0), sem ter iniciado as obras, pois que, de acordo com a cláusula ajustada, as obras só teriam início com o pagamento integral da entrada (da ordem de R$ 34.854.369,07 em 21.10.94). 160 Mesmo a recente menção expressa à licitude da atipicidade contratual veio, em nosso sistema jurídico, acompanhada da ressalva de que tais contratos devem obedecer as regras gerais aplicáveis a qualquer contrato – entre elas, obviamente, o princípio do equilíbrio contratual (art. 425, CC/02: “É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”). 161 Em outra oportunidade, refletindo sobre situação aparentemente oposta (partindo da presumível superioridade da Administração Pública), observei que “nos contratos administrativos, assim como nos demais contratos nos quais há desproporção de poderes entre as partes, há que se considerar de que forma é possível garantir um determinado equilíbrio entre os interesses em jogo, além do que há considerar qual a medida de equilíbrio/desequilíbrio é justificável em vista da concretização dos interesses dos contratantes e de outros que lhes transcendam” (PINTO JUNIOR, Mario Engler; CORRêA, André Rodrigues (org.), 2013, p. 90-91). Como o caso do TRT ilustra de forma perfeita, por vezes o problema da revisão do contrato se impõe por força não da superioridade da Administração Pública, mas, pelo contrário, por força da efetiva inferioridade na qual se encontra a Administração Pública quando contrata com agentes econômicos, e isso por inúmeras razões (poder de mercado, corrupção de agentes públicos etc.). Esse é um problema para o qual tanto a legislação sobre licitações e contratos administrativos quanto a doutrina administrativista não parecem, infelizmente, ter dado muita atenção. 162 132 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Adquire-se a propriedade imóvel, segundo o inciso I do referido artigo, “pela transcrição do título de transferência no Registro de Imóvel” (Atual artigo 1.245, CC/02). 163 “As compras, sempre que possível e conveniente, deverão submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado” (art. 14, III, Decreto 2.300/86, e art. 15, III, Lei n. 8.666/93). 164 165 Atuais arts. 441, caput e parágrafo único, 442 e 443, CC/02. 166 Atual art. 443, CC/02. “There is no such thing as the public/private distinction, or, at any rate, it is a deep mistake to think that there is a single substantive distinction here that can be made to do any real philosophical or political work.”(GEUSS, 2001, p. 106). 167 “Rather, first we must ask what this purported distinction is for, that is, why we want to make it at all.” (GEUSS, 2001, p. 107). 168 “The unreflective use of distinctions such as this one [public-private] restricts our possibilities of perceiving and understanding our world. It also can have the effect of casting a vague glow of approbation on highly undeserving features of our world or possible courses of action (or, alternatively, of shinning the blinding light of unwarranted suspicion on possibilities we would do well to consider sympathetically).”(GEUSS, 2001, p. 10). 169 133 [sumário] 2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos: referênCIAs : : : : BOBBIO, Norberto. Dalla struttura alla funzione – nuovi studi di teoria del diritto. Milão: Edizioni di Comunità, 1977. CORRêA, André Rodrigues. A meio caminho entre o topo das montanhas e o fundo das planícies: qual o lugar da “Razão de Estado” no Contrato Administrativo. In: PINTO JUNIOR, Mario Engler; CORRêA, André Rodrigues (org.). Cumprimento de contrato e razão de Estado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 90-91 GEUSS, Raymond. Public Goods, Private Goods. New Jersey: Princeton University Press, 2001. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 134 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: DESCONSIDERAçãO DA PERSONALIDADE JURíDICA E FALêNCIA NO CASO TRT Gisela Ferreira Mation Introdução Se “a corrupção ocorre na interface entre os setores público e privado” (ROSE-ACKERMAN, 1997, p. 31), é também verdade que o direito privado tem um papel a desempenhar quando se discute formas de prevenção e combate à corrupção. Esquemas de corrupção sofisticados e desvio de ativos utilizam, na maioria das vezes, instituições de direito privado, e estruturam-se a partir das suas regras. Além disso, o uso de pessoas jurídicas para esconder operações de corrupção é um fenômeno frequente.1 Se há um papel para o direito privado na “construção” de um esquema de corrupção, será que o mesmo pode ser dito do processo de responsabilização por essa prática? O Caso TRT nos dá a oportunidade de analisar essa questão em relação à desconsideração da personalidade jurídica e ao direito falimentar.2 As considerações aqui tecidas resultam principalmente da análise da falência da Construtora Ikal Ltda (doravante referida como “Construtora Ikal”)3, ainda que outros processos relacionados ao Caso TRT também tenham relevância para a discussão sobre as contribuições do direito privado, em especial a ação declaratória de anulação de títulos de crédito ajuizada pelo Grupo OK Construções e Incorporações Ltda., que também discute desconsideração de personalidade jurídica. As políticas de prevenção e combate à corrupção buscam, por um lado, diminuir os incentivos para que os agentes econômicos se envolvam em esquemas de corrupção e, por outro, caso esse esforço preliminar não tenha sido bem-sucedido, facilitar a investigação de atos de corrupção cometidos e maximizar a recuperação de ativos relacionados ao esquema fraudulento. Os dois institutos de direito privado analisados servem propósitos bastante distintos, mas se relacionam de maneira clara com os desafios que se impõem ao sistema de justiça ao lidar com um caso de corrupção. 135 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: A desconsideração da personalidade jurídica (entendida, de forma geral, como a extensão “dos efeitos de certas e determinadas relações de obrigações [...] aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”4) pode servir como instrumento para a investigação e recuperação de ativos em casos de corrupção. A Asset Recovery Initiative – em estudo recente contendo uma série de recomendações para prevenir o uso de estruturas jurídicas para esconder ativos e cometer atos fraudulentos – aponta o aumento da transparência das pessoas jurídicas e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica como dois elementos fundamentais do combate à corrupção e da recuperação de ativos.5 Além disso, uma vez que um esquema de corrupção é descoberto, é possível que uma série de atores e instituições do sistema da justiça busquem, concomitantemente e de forma não coordenada, a responsabilização dos envolvidos e a restituição dos recursos desviados com a fraude em questão. Essa situação pode levar a uma “corrida” entre as diferentes esferas e atores pelos bens dos envolvidos, sem que existam regras claras para a coordenação desses esforços. O processo falimentar busca resolver situação semelhante: um dos principais objetivos da falência é coordenar a distribuição dos ativos de um devedor insolvente entre os seus credores, de acordo com um conjunto de regras, impedindo que ganhe “quem for mais rápido” e visando proteger a coletividade dos credores de um mesmo devedor. Ademais, a prevenção de atos fraudulentos é um dos objetivos das instituições de direito privado. Um dos desafios que se impõem a esse ramo do direito é adaptar-se às novas maneiras de fraudar e à imensa criatividade dos que se propõem a estruturar uma operação fraudulenta. Por essa razão, há necessidade de avaliar constantemente a adequação das regras de direito privado às formas de estruturação de fraude, que estão em permanente transformação. Nesse sentido, é pertinente o comentário de Miranda Valverde (1962, p. 17) ao Decreto-lei n. 7.661/45 (a antiga Lei de Falências), que é um dos diplomas normativos relevantes para o Caso TRT: Uma lei de falências gasta-se depressa no atrito permanente com a fraude. Os princípios jurídicos podem ficar, resistir, porque a sua aplicação não se esgota nunca. As regras práticas, que procuram 136 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT impedir o nascimento e o desenvolvimento da fraude, é que devem com esta evoluir. Contra a fraude à lei é preciso opor a lei contra a fraude. As brechas, que os ardilosos artifícios conseguem com o tempo abrir na lei, por mais fechada que seja, necessitam de reparos. Conforme se verá adiante, a utilização dos dois institutos (a falência e a desconsideração da personalidade jurídica) no Caso TRT mostra algumas das lacunas na sua regulamentação e disparidades entre os operadores do direito ao articularem os seus princípios e regras. Não se pretende neste capítulo analisar de forma normativa a desconsideração da personalidade jurídica e a falência, nem fornecer respostas doutrinárias para as questões que se colocam à sua aplicação. Pretende-se analisar esses institutos a partir da observação de como foram articulados no Caso TRT e refletir a respeito das consequências práticas das formulações doutrinárias, lacunas normativas e características estruturais do sistemas de justiça para o fim específico de combate à corrupção. Assim, mais do que fornecer respostas, o objetivo do artigo é apontar quais foram as questões que afetaram a utilização da desconsideração da personalidade jurídica e da falência no Caso TRT, e, por consequência, a responsabilização dos envolvidos e a recuperação de ativos em um grande caso de corrupção. Conforme se verá a seguir, os mecanismos de prevenção e combate à fraude dos institutos da falência e da desconsideração da personalidade jurídica são medidas de exceção – sua aplicação é esporádica e restrita a casos específicos. Assim, um dos grandes desafios do direito privado em relação à fraude é produzir regras específicas que se adequem à “evolução” das formas de se estruturar uma operação fraudulenta e sejam flexíveis para se adaptar a novas situações fáticas, mas que imponham garantias materiais e processuais aos sujeitos dos mecanismos da falência e da desconsideração da personalidade jurídica. 3.1 | defInIção dos InstItutos jurídICos: DESCONSIDERAçãO DA PERSONALIDADE JURíDICA E FALêNCIA Falência é o processo judicial que tem como objetivo a distribuição do 137 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: patrimônio de um devedor insolvente entre os seus credores, de acordo com critérios estabelecidos pela lei. Assim, o regime do direito de falência busca, por um lado, arrecadar todos os bens do falido e impedir que qualquer ativo a ele pertencente tenha destino diverso do processo falimentar, e, por outro, organizar o processo e as regras segundo as quais os credores obterão a satisfação do seu crédito. A nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência enuncia, em seu art. 47, o objetivo do processo falimentar: “a falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa”. Para atingir esses objetivos, a lei prevê uma série de mecanismos e princípios: constatada a insolvência do devedor de acordo com determinados critérios e procedimentos, seus bens passam a ser administrados por um terceiro nomeado pelo juiz (o síndico)6, e as ações ajuizadas contra ele passam, de forma geral, a correr no mesmo juízo em que corre o processo falimentar (comumente chamado de juízo universal da falência)7. Com a decretação da falência, consideram-se vencidas todas as dívidas do devedor8, devendo o juízo falimentar publicar edital anunciando tal decretação e convidando os credores do falido a requerer o reconhecimento de seu crédito nesse juízo9, em processo comumente chamado de habilitação de crédito. Além disso, é papel do Ministério Público fiscalizar o processo de falência e zelar pelo cumprimento da lei.10 A lei também prevê a ação revocatória, que permite a revogação de ato do falido durante determinado período anterior à decretação da falência.11 A desconsideração da personalidade jurídica, por sua vez, surgiu no direito brasileiro pela atuação dos tribunais12 e posteriormente foi codificada em diversos diplomas normativos, entre eles o Código Civil13, o Código de Defesa do Consumidor14 e a Lei Antitruste15. Para compreender a desconsideração, é necessário entender o seu pressuposto: a personalidade jurídica. Trata-se de ficção jurídica, criada para separar o patrimônio da sociedade e do sócio, gerando um sistema de incentivos que contribuiu para o desenvolvimento da economia industrial (REQUIÃO, 2002). A teoria da desconsideração da personalidade jurídica se aplica aos casos em que o acionista ou sócio utiliza a pessoa jurídica para fim diverso do seu 138 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT objeto social, ou em que há confusão entre o patrimônio da sociedade e o patrimônio dos seus sócios. A combinação dos institutos da desconsideração da personalidade jurídica e falência torna a sua aplicação um tanto mais complexa. Ainda que a desconsideração da personalidade jurídica em processos de falência seja amplamente reconhecida pela jurisprudência16, muitas controvérsias existem em relação ao seu cabimento e ao procedimento para sua aplicação. Nas cortes brasileiras, a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da falência é frequentemente referida com a expressão “extensão dos efeitos da falência”.17 Algumas das controvérsias relativas a esse tema dizem respeito à determinação das implicações práticas da desconsideração da personalidade jurídica nos casos de falência, ou da extensão dos efeitos da falência. A extensão dos efeitos da falência à sociedade empresária controladora da falida significa que o patrimônio da controladora responde pelas obrigações da falida ou que a controladora será considerada como se falida fosse? Para Lobo (2009, p. 64), por exemplo, a extensão da falência de uma sociedade a outra teria “idênticas consequências jurídicas, econômicas, administrativas e políticas”, ou seja, [...] a socidade para a qual foram estendidos os efeitos tem seu estabelecimento lacrado, suas atividades paralisadas e seus bens e direitos arrecadados, custodiados e avaliados; seus administradores perdem o direito de gerir os bens sociais e deles dispor [...]; as dívidas da sociedade se vencem antecipadamente [...]. A partir desse entendimento a respeito do que significa a extensão dos efeitos da falência, o autor critica a utilização da desconsideração da personalidade jurídica na falência e afirma que “existem dispositivos na LSA e na LRFE que alcançam idênticos objetivos sem ‘quebrar’, indevidamente, sem previsão e amparo legal, nenhuma sociedade do grupo econômico ao qual pertença a sociedade falida”. No mesmo sentido, Toledo (2004, p. 153-154) faz referência ao art. 81 da LFR para dizer que “a falência da sociedade com sócios de responsabilidade 139 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: ilimitada acarreta também a falência destes” e que, portanto, “a extensão da falência é determinada apenas nessa hipótese e exclusivamente para os sócios de responsabilidade ilimitada”. Salomão, por sua vez, ao atualizar obra de Comparato, rejeita a interpretação proposta por Campos Salles de Toledo com base no art. 81, mas adota posição contrária à utilização da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da falência por motivo teleológico: A desconsideração não é admissível na falência não porque não seja possível a extensão dos efeitos da falência ao sócio limitadamente responsável. Em caso de desconsideração, o sócio de responsabilidade limitada é equiparado ao sócio de responsabilidade ilimitada. Bastaria, portanto, aplicar-lhe diretamente o art. 81 da Lei de Falências. [...] O real motivo que deve guiar a não vinculação da teoria da desconsideração da falência da sociedade é teleológico. Desconsideração e falência são conceitos antinômicos. A desconsideração é um método para permitir exatamente a continuação da atividade social. A consequência da subordinação da desconsideração à insolvência seria a imposição aos credores de uma difícil escolha: a tentativa de receber o seu crédito excluiria necessariamente a continuação da sociedade e das relações comerciais (COMPARATO; SALOMÃO FILHO, 2008, p. 437-438). Cumpre destacar que não está claro se os tribunais brasileiros necessariamente compartilham tal entendimento a respeito das implicações da extensão dos efeitos da falência (de que a pessoa física ou jurídica a quem se estende os efeitos da falência será considerada como falida). No Agravo de Instrumento n. 521.791-4/2-00, a Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou o seguinte: Em qualquer hipótese de propositura de ação de responsabilização, de desconsideração da personalidade jurídica e de extensão da 140 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT falência, a sua eventual procedência só pode ter consequências patrimoniais, ou seja, sujeitando os bens do sócio, controlador ou administrador, ao pagamento das obrigações sociais, mas não o sujeitando à condição de falido. Não se sujeita o acionista controlador de sociedade anônima à condição de falido porque continua vigorando o princípio da autonomia da pessoa jurídica. [...] A falência de uma socidade empresária projeta, claro, efeitos sobre os seu sócios. Mas não são eles os falidos e, sim, ela. Recorde-se mais uma vez, que a falência é da pessoa jurídica, e não dos seus membros.18 Ainda que exista discussão a respeito das implicações e a possibilidade de extensão dos efeitos da falência (discussão que depende, conforme ressaltado anteriormente, do que se entende por “extensão dos efeitos da falência”), a arrecadação do patrimônio dos que seriam parte legítima em ação de desconsideração da personalidade jurídica é reconhecida pela doutrina.19 Mesmo os que rejeitam a extensão dos efeitos da falência (em geral, por entender que ela implicaria a falência do sócio ou do administrador a quem se estendem os efeitos) costumam reconhecer a possibilidade de responsabilizar o sócio ou administrador pelas obrigações da falida: É claro que, se o sócio ou acionista controlador for pessoa jurídica, não se deve decretar a sua falência ou a extensão dos efeitos da falência da controlada à controladora, nem lacrar os estabelecimentos da controladora, nem encerrar suas atividades, nem “torrar” em público leilão os bens integrantes do seu ativo, porquanto não é este o escopo da teoria da desconsideração, nem a finalidade do art. 50 do Código Civil, mas pura e simplesmente coobrigá-la à completa e total reparação dos danos provocados ao patrimônio de terceiros. (LOBO, 2009. p. 69). Destaca-se que mesmo se considerarmos apenas a responsabilização do sócio ou administrador pelas obrigações da falida (e não a decretação da falência do sócio ou do administrador a quem se estendem os seus efeitos), 141 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: é razoável supor que os operadores do direito tenham mais cautela na desconsideração da personalidade jurídica no âmbito de um processo falimentar do que numa ação civil comum, e esse pode ter sido um fator relevante nas discussões nos autos da falência da Construtora Ikal. Em geral, em ação civil comum, é muito mais fácil prever as consequências da desconsideração e o tamanho do débito pelo qual o terceiro passará a responder. Na falência, as consequências da desconsideração podem ser muito mais sérias: a determinação da dívida total da falida pode levar anos, e é possível que a sociedade empresária ou a pessoa natural a quem foram estendidos os efeitos da falência respondam com todo o seu patrimônio pelo passivo da empresa falida. Quando da falência da Construtora Ikal, foi apresentado pedido de desconsideração da personalidade jurídica e extensão dos efeitos da falência, que conta com mais de vinte volumes e cerca de 350 incidentes, dos quais 334 são habilitações de crédito. Destaca-se a seguir os principais fatos relativos à falência da Construtora Ikal que podem ajudar a compreender a utilização da desconsideração e da falência nos casos de corrupção. A deCretAção dA fAlênCIA dA ConstrutorA IkAl A Construtora Ikal era empresa do Grupo Monteiro de Barros20, e no momento da decretação de sua falência tinha como sócios Monteiro de Barros Investimentos S.A., Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Corrêa Teixeira Ferraz. De acordo com seus sócios, a empresa foi contratada pela Incal Incorporações S.A., vencedora da licitação relativa à obra do TRT, para realizar a construção do prédio.21 Essa era, segundo seus sócios, “a empresa com mais encargos em relação ao restante do grupo de empresas”.22 Em 25 de fevereiro de 1999, a Trox do Brasil – Difusão de Ar, Acústica, Filtragem, Ventilação Ltda. – requereu a falência da Construtora Ikal, pelo não pagamento de duplicatas no valor de R$ 69.778,16. O pedido foi distribuído à 8ª Vara Cível da comarca de São Paulo, sob o n. 99.019813. Ocorre, no entanto, que a sede da Construtora Ikal havia sido transferida para Brasília logo antes do ajuizamento da falência, e a 8ª Vara Cível de São Paulo determinou a redistribuição do feito à Brasília. Contra essa decisão, a Trox do Brasil interpôs Agravo de Instrumento, que foi provido23; como se verá 3.2 | 142 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT a seguir, a competência da vara paulistana foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça. Destaca-se que foram apresentados outros pedidos de falência contra a Construtora Ikal, ajuizados por Gerdau S.A. (Processo 000.99.003903-0, 8ª Vara Cível de São Paulo) e Comercial França Ltda (Processo 000.98.052730-9, 8ª Vara Cível SP), que posteriormente foram reunidos no processo falimentar ajuizado pela Trox do Brasil. A Construtora Ikal e seus sócios alegaram que à época do pedido de falência a empresa possuía os valores requeridos para a Trox do Brasil, mas que a falência foi causada pela indisponibilidade de bens decretada nos autos da Ação Civil Pública n. 98.36590-7, em trâmite perante a 12ª Vara da Justiça Federal de São Paulo24 (e descrita no Capítulo 1 deste livro). Os sócios consideraram a indisponibilidade dos bens da empresa, decretada nos autos da Ação Civil Pública, como causa do não pagamento dos títulos que resultaram na decretação da falência. A decretação da quebra ocorreu apenas em dezembro de 2000. A falida e seus sócios buscaram atacar a decisão que decretou a falência da Construtora Ikal pelos mais variados meios processuais: além de diversos recursos contra a decisão perante o Tribunal de Justiça de São Paulo25, houve até Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal por Fábio Monteiro de Barros, requerendo a suspensão da liminar que determinou a indisponibilidade de seus bens e da decisão que decretou a falência da Construtora Ikal26, e Reclamação no Superior Tribunal de Justiça contra o juízo da 8ª Vara da Comarca de São Paulo.27 O perito contador e a síndica apresentaram seus relatórios em 1º de março e 1º de junho de 2004, respectivamente.28 À época, o passivo da falida somava mais de R$ 1,7 milhões, e inúmeras habilitações de crédito ainda se encontravam pendentes. No passivo da falida, destaca-se o crédito da União decorrente de indenização por força de danos causados ao erário e improbidade administrativa.29 Tanto o perito quanto a síndica constataram diversas irregularidades nas atividades da falida, conforme relatado na seção a seguir, e a síndica requereu a instauração de inquérito judicial para apurar a ocorrência de crimes falimentares. 143 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: Arrecadação e desvio de bens O perito contador da falência da Construtora Ikal apresentou seu relatório resultante da análise dos livros contábeis da falida em 1º de março de 2004.30 Constatou diversas irregularidades, tais como desvio de bens, supressão de livros obrigatórios, falta de escrituração fiscal a partir de março de 1997 e de balanços encerrados do período de 31 de dezembro de 1992 a 21 de dezembro de 1995, além da ausência parcial de escrituração contábil entre 1996 e 2000. Apenas no balanço ocorrido no final do ano 1995, constava um total de mais de R$ 7 milhões como créditos com pessoas jurídicas coligadas31 e mais de R$ 30 milhões sob a rubrica de aplicações financeiras à International Real Estate. Por fim, tendo em vista as irregularidades encontradas, o perito concluiu existirem indícios de que os sócios da falida praticaram diversos crimes falimentares. Em 1º de junho de 2004, foi apresentado pela síndica o relatório previsto no art. 103 do Decreto n. 7.661/45. Os bens arrecadados nos autos da falência foram um veículo, valores depositados em contas correntes e imóveis.32 O passivo da empresa apurado até então era de aproximadamente R$ 1,7 milhões – havia, contudo, dezenas de habilitações de crédito ainda pendentes. A síndica concluiu o relatório indicando quais os crimes falimentares deveriam ser apurados e solicitou a instauração de inquérito judicial para esse fim. O sócio Fábio Monteiro de Barros afirmou que a falida possuía equipamentos que permaneciam na obra do Tribunal Regional do Trabalho33; porém, tendo sido oficiado, o Tribunal Regional do Trabalho afirmou que os bens que se encontravam no local pertenciam à Incal Incorporações S.A. De acordo com os sócios, a falida tinha aplicações em moeda nacional na empresa International Real State Investment Company, com sede no Panamá. Destaca-se que o sócio Fábio Monteiro de Barros afirmou ter sido procurador da empresa no Brasil “por aproximadamente dois ou três anos, sem, no entanto, praticar nenhum negócio em seu nome”.34 O sócio José Eduardo afirmou que “a falida efetuava pagamentos a terceiros a pedido da empresa International, sem verificar a origem de tais negócios”.35 Foi instaurado inquérito judicial em incidente do processo falimentar contra Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz, 3.2.1 | 144 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT pela prática dos crimes de “despesas gerais do negócio ou de natureza injustificável; inexistência dos livros obrigatórios; falta de apresentação do balanço, desvio de bens e destruição total ou parcial de livros obrigatórios”.36 O Ministério Público requereu o reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição. Em 3 de outubro de 2005, o juízo falimentar concedeu o pedido do Ministério Público37, com base no art. 182 da nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências, que prevê a prescrição de dois anos a partir da data da quebra. Desconsideração da personalidade jurídica: pedidos e recursos As discussões a respeito da desconsideração da personalidade jurídica da Construtora Ikal, que visa estender os efeitos da falência a outras empresas do Grupo Monteiro de Barros e para o Grupo OK, indicam algumas das lacunas na definição do instituto e dos seus requisitos probatórios e implicações processuais, especialmente no que diz respeito à sua utilização nos casos de falência. Tais indefinições geraram insegurança e morosidade na sua aplicação. Conforme explicado na seção anterior, as cortes brasileiras frequentemente utilizam, no âmbito da falência, os termos “desconsideração da personalidade jurídica” e “extensão dos efeitos da falência” de forma conjunta ou intercambiável, sem fazer distinção entre o significado de cada uma dessas expressões; não foi diferente no caso da falência da Construtora Ikal e, portanto, será feita referência a cada um desses termos conforme sua utilização nos autos. Além de grande cautela tanto no pedido de desconsideração da personalidade jurídica quanto na extensão dos efeitos da falência (em especial por parte do Ministério Público, como se verá a seguir) e também na decisão – o que pode em parte ser explicado pela magnitude dos efeitos da extensão da falência – percebe-se que, em muitas ocasiões, não se tem respostas claras para questões como: qual procedimento deve ser seguido para a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da falência? Quais os requisitos probatórios para a concessão do pedido de desconsideração nesses casos? As empresas ou pessoas coligadas devem ser intimadas ou citadas e, portanto, incluídas no polo passivo da ação? 3.2.2 | 145 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: A extensão dos efeitos da falência foi inicialmente requerida pelo Ministério Público, em 10 de março de 2001, em manifestação afirmando que [...]analisando os contratos sócias [sic] da Construtora Ikal nota-se que esta é mera ficção jurídica de seu mentor intelectual e, como se vê dos documentos encartados, [...] preparador para a prática de delitos contra o erário público, posto que tem a formação ficta de Fábio Monteiro consigo mesma, ou seja, com o Grupo Fábio Monteiro, do qual é Presidente. [...] Nesta visualização, e desde que tenha credores suficientes para se formar a massa de credores, entendo que haverá necessidade de estender os efeitos da falência para esta dita pessoa jurídica Monteiro de Barros Investimentos S.A., já que a Ikal (ou Incal) nada mais é do que um braço da controladora ora citada.38 Em seguida, a síndica reitera o pedido de desconsideração da personalidade jurídica.39 Entre as razões que embasam seu pedido, a síndica argumenta que Monteiro de Barros Investimentos é controladora da falida, que ambas as empresas têm a mesma sede em São Paulo e ambas tiveram suas sedes alteradas para Brasília na mesma época, “a fim de prejudicar eventuais credores que quisessem cobrar suas dívidas”.40 Ademais, nessa ocasião, a síndica requereu a extensão dos efeitos da falência para a Incal Incorporações S.A., SLG S/A, Monteiro de Barros Empreendimentos Imobiliários e Participações “tendo em vista que seus diretores, seu endereço e seu objeto social são os mesmos da falida”41; e IEPê Agroindustrial de Açúcar e Álcool Ltda., “tendo em vista que a falida é sócia da empresa”.42 O Ministério Público solicitou o arrolamento dos bens das empresas referidas pela síndica.43 O juiz determinou o arrolamento dos bens das empresas IEPê, Recreio e Veras, mas, em relação às outras empresas, afirmou que era “desnecessária tal providência, pois seus endereços coincidem com a sede da falida, a qual já foi lacrada”.44 Em 13 de fevereiro de 2002, a síndica reiterou os pedidos de extensão anteriores e requereu que a extensão também fosse concedida em relação à empresa BFA Empreendimentos e Construções, com fundamento no fato 146 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT de os seus sócios serem também sócios da falida e de a empresa ter o mesmo endereço que a Construtora Ikal.45 Em junho de 2002, atendendo a pedido do Ministério Público, foi determinada a intimação das empresas Incal Incorporações, SLG S.A., Monteiro de Barros Empreendimentos Imobiliários e Participações Ltda., IEPê Agroindustrial de Açúcar e Álcool Ltda., CMB do Brasil Ltda. e BFA Empreendimentos e Construções, para que se manifestassem sobre o pedido de extensão dos efeitos da falência, e sua inclusão no polo passivo da falência.46 A Monteiro de Barros Investimentos S.A. apresentou embargos de declaração contra tal decisão, alegando contradição entre a intimação para apresentar defesa e a inclusão no polo passivo, além de falta de previsão legal para o procedimento adotado pelo juízo falimentar. Os embargos foram rejeitados em 22 de novembro de 2002, por decisão que apontava, entre as suas razões, o seguinte: [O pedido de desconsideração] somente poderá ser examinado pelo juízo após a citação e o decurso do prazo de defesa de todas as empresas envolvidas, motivo pelo qual, inclusive porque não há citação a quem não participa do processo, foi determinada a inclusão no polo passivo da ação da embargante e das demais pessoas jurídicas referidas pela síndica e pelo Ministério Público. Por outro lado, é de interesse público que terceiros tenham conhecimento, através dos registros do Distribuidor Cível, do pedido pendente de extensão dos efeitos da falência em relação à embargante e demais empresas relacionadas na decisão impugnada.47 Conforme reiterado pela juíza da 8ª Vara de São Paulo, em decisão posterior, a decisão para inclusão das referidas empresas no polo passivo da falência foi “de mero expediente”, não havendo [...] qualquer decisão quanto à desconsideração da personalidade jurídica da falida, mesmo porque houve preocupação em se garantir o contraditório e a ampla defesa, de forma que somente seria 147 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: proferida decisão propriamente dita após a manifestação de todos os interessados.48 A IEPê Agroindustrial de Açúcar e Álcool Ltda. interpôs Agravo de Instrumento contra a decisão que determinou a inclusão no polo passivo, solicitando liminar para “suspender todo o processo de falência”.49 O magistrado relator do recurso, o Desembargador Arthur del Guércio, descreveu que a decisão atacada, “atendendo a pedido formulado pela síndica, determinou a [inclusão da Agravante] no polo passivo daquela ação, aplicando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica sem indicar os motivos justificadores de tal decisão”. Em 23 de maio de 2003, foi deferida a liminar para suspender o processo falimentar. Para fundamentar sua decisão, o desembargador relator afirmou apenas que “as razões recursais evidenciam o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, o que indica a necessidade de concessão da liminar. Concedo-a pois”.50 Em cumprimento à determinação da liminar, o juízo de primeiro grau suspendeu a falência, inclusive no que diz respeito à arrecadação de bens.51 O Agravo de Instrumento foi finalmente julgado em 11 de maio de 2005. Porém, a decisão só foi juntada aos autos da falência no segundo semestre de 2006.52 A 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao Agravo de Instrumento, afirmando que a decisão que desconsiderou a personalidade jurídica da agravante “não apontou quais os atos ou fatos que pudessem fornecer indícios da fraude perpetrada” e que, até o momento, não haviam sido identificados “atos que indicassem, com a segurança que o caso requer, que as pessoas mencionadas no r. despacho agravado utilizaram-se da pessoa jurídica para praticar fraudes, que poderiam causar prejuízo aos credores”.53 O acórdão destaca, no entanto, que “havendo novos elementos concretos o pedido poderá ser novamente apreciado”.54 Cumpre destacar que o relator do caso, Desembargador Arthur del Guércio, foi afastado do Tribunal de Justiça de São Paulo em abril de 2013 por suspeita de corrupção, por decisão do Órgão Especial do tribunal, posteriormente confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça. Alega-se que o desembargador pedia de R$ 20 a R$ 35 mil a advogados e seus clientes, antecipando que votaria a seu favor em processos em andamento. De acordo 148 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT com uma das testemunhas envolvidas no caso, o desembargador chegou a pedir R$ 120 mil para convencer os desembargadores de sua câmara a mudarem de ideia em relação a um caso e a votar a favor da parte.55 O Ministério Público Federal instaurou inquérito criminal no Superior Tribunal de Justiça para apurar as alegações.56 Destaca-se também que – contra a mesma decisão de primeiro grau – a Monteiro de Barros Investimentos S.A. havia interposto agravo de instrumento. Após ter sido concedida a liminar no Agravo interposto pela IEPê, a Monteiro de Barros protocolou a desistência do recurso. No relatório do acórdão que homologa a desistência, o desembargador relator desse recurso descreve a decisão atacada, diferentemente do que ocorreu no agravo julgado pela 7ª Câmara de Direito Privado, como tendo deferido o pedido de inclusão da agravante no polo passivo e determinado a sua citação para apresentar defesa em relação a pedido de desconsideração da personalidade jurídica.57 Assim, uma decisão de primeiro grau que não acolhia o pedido de desconsideração, mas apenas determinava a citação de determinadas empresas para se manifestar a esse respeito, foi revista em segundo grau como se tivesse decidido pela desconsideração. Além de a decisão liminar ter suspendido a falência por mais de dois anos, com o acórdão, o processo falimentar originário passou assim a ser limitado pelo Agravo de Instrumento interposto pela IEPê, em que, nas palavras do próprio juiz de primeiro grau, “foi dado provimento para afastar a extensão dos efeitos da falência”.58 Posteriormente, o Ministério Público requereu a “manifestação da Dra. Síndica Dativa do pedido de extensão dos efeitos da quebra para o Grupo OK e bens particulares de Luiz Estevão, ‘Lalau’ & Cia”.59 Em outra manifestação, afirmou que aguardava o pronunciamento da síndica “sobre a desconsideração da personalidade jurídica da empresa falida e extensão dos efeitos às outras empresas e aos sócios particulares e, principalmente, ao sócio oculto Luiz Estevão e aos demais que estão envolvidos nos desvios da obra do TRT”, e junta cópias de peças das ações penais relacionadas ao Caso TRT.60 No entanto, não foram encontrados indícios de que a possibilidade de arrecadação dos bens de “Luiz Estevão, Lalau & Cia.” tenha sido discutida mais profundamente. 149 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: Cumpre destacar que, por meio de ofício, foram requeridas e juntadas cópias de outros processos judiciais relacionados às irregularidades nas operações das empresas do Grupo Monteiro de Barros. As cópias juntadas são, em sua maior parte, denúncias e aditamentos de denúncia apresentados pelo Ministério Público Federal para apuração dos crimes relacionados ao Caso TRT,61 e relatam, por exemplo, diversas transferências irregulares feitas da Construtora Ikal Ltda. para o Grupo OK.62 As denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal relatam com detalhes o caminho percorrido pelo dinheiro público no esquema do Caso TRT, e fazem referência específica ao fato de que empresas do Grupo Monteiro de Barros transferiam recursos ao exterior, contabilizando a transferência como investimentos feitos com a intermediação da International Real Estate Company S.A.63 Em uma Representação Criminal contra Fábio Monteiro de Barros Filho, José Eduardo Correa Teixeira Ferraz e João Júlio Cesar Valentini, por falta de pagamento de tributos, o Ministério Público Federal relata de que forma a Construtora Ikal Ltda., ao fazer “investimentos” na International Real Estate Investment Company S.A., contabilizava supostos rendimentos produzidos por tais investimentos nos livros da empresa (impactando, portanto, o seu lucro contábil), mas excluía tais rendimentos para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro.64 Com base na decisão proferida no Agravo de Instrumento n. 298.0964/1-00, as empresas do Grupo Monteiro de Barros afirmaram em diversas ocasiões que não existiriam fatos novos que ensejariam a desconsideração da personalidade jurídica, em relação ao momento em que foi decidido o Agravo.65 Chegaram a argumentar, inclusive, que [...] os documentos juntados aos autos pelo MP são anteriores à decretação da falência e não constituem fatos novos, aliás qualquer apuração de fraude na falência deve ser feita através de inquérito falimentar, o que não ocorreu e portanto já teve decisão [...] declarando a prescrição.66 Em 18 de setembro de 2007, a síndica apresentou o quadro geral de 150 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT credores parcial, dado que muitas habilitações de crédito continuavam pendentes à época, e requereu a sua substituição por motivo de foro íntimo.67 O novo síndico, em seguida à sua nomeação, apresentou nova petição pela desconsideração da personalidade jurídica, requerendo a extensão dos efeitos da falência com base na “caracterização de grupo econômico, independentemente do cometimento de fraude”.68 Para verificar a ocorrência de grupo econômico entre a Construtora Ikal e as outras empresas já mencionadas, o síndico requereu determinadas diligências, como a expedição de ofício à Delegacia da Receita Federal solicitando suas declarações de imposto de renda e a expedição de mandado de constatação para verificar as condições de funcionamento e atividades de cada uma delas. Por diversas vezes, as empresas às quais se pretendia estender os efeitos da falência e os sócios da falida levantaram argumentos utilitaristas em relação à desconsideração da personalidade jurídica, afirmando que a extensão só poderia ocorrer se trouxesse benefícios à massa falida e, portanto, seria necessário constatar se o passivo da falida não poderia ser pago a partir de seus próprios ativos e se as outras empresas possuiriam bens e ativos que poderiam contribuir para a massa.69 Argumentou-se ainda que, dada a indisponibilidade dos bens de diversas das empresas e dos sócios, a extensão dos efeitos da falência não seria benéfica.70 Decisão sobre a desconsideração da personalidade jurídica Em decisão de 5 de março de 2007, a juíza que presidia a falência da Construtora Ikal analisou os pedidos de extensão apresentados – com exceção do pedido contra a empresa IEPê, por conta da decisão no Agravo de Instrumento n. 298.096-4/1-00.71 Em relação às outras empresas não sócias da falida, o juízo falimentar afirmou que “não há até a presente data qualquer demonstração nos autos da falência de transferência de bens da falida para tais empresas, cuja personalidade jurídica não se confunde com a dos seus sócios ou da falida”.72 Entre os argumentos que fundamentam a rejeição do pedido de desconsideração, está o fato de que determinados atos, como a suposta venda de ações da Incal Incorporações S.A. para o Grupo OK, ocorreram antes 3.2.3 | 151 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: do termo legal da falência e “em consequência, eventual irregularidade cometida extrapola o âmbito da presente falência”.73 O mesmo argumento foi levantado em relação às transferências de bens da falida às empresas coligadas: “todos esses pagamentos [apurados pelo contador da massa falida] foram efetivados antes do termo legal da falência”.74 Destaca-se que a lei e a jurisprudência de segunda instância não estabelecem qualquer relação entre o termo legal da falência e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica. Em relação aos sócios, foram solicitadas novas diligências para melhor exame da matéria. Em decisão de 2 de março de 2008, a juíza da 8ª Vara Cível de São Paulo afastou a desconsideração da personalidade jurídica em relação à sócia Monteiro de Barros Investimentos S.A., considerando que não foram encontrados bens em nome da empresa e que, portanto, “a decretação da extensão dos efeitos da falência apenas causaria prejuízo à economia e celeridade processual, com a prática de atos inúteis para a massa falida”.75 Em maio de 2012, diversos imóveis da falida foram levados a leilão e arrematados por um total de mais de R$ 4 milhões.76 Em abril de 2013, data de conclusão deste capítulo, muitas habilitações de crédito ainda estavam em andamento e, portanto, ainda não existia quadro geral de credores completo. ConsIderAções fInAIs Este capítulo buscou, a partir da narrativa do Caso TRT, apontar algumas das dificuldades práticas e dogmáticas que podem surgir na tentativa de utilizar os institutos da falência e da desconsideração da personalidade jurídica em resposta a fraudes relacionadas a esquemas de corrupção. As dificuldades dogmáticas dizem respeito à interpretação jurídica tanto de questões processuais – como a inclusão de outras empresas no polo passivo da falência e citação para apresentar defesa ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica – quanto de questões de direito material – como os requisitos para desconsideração e a possibilidade de extensão dos efeitos da falência. As dificuldades práticas estão relacionadas, entre outros fatores, ao volume e à complexidade de questões envolvidas num processo de falência, à 152 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT morosidade do Judiciário em geral e, mais especificamente, à longa duração dos processos de falência (agravada ainda mais pelo eventual abuso do sistema recursal), à suspeita de corrupção no Judiciário e aos obstáculos à arrecadação de bens e até à citação de partes no processo. Desde a decretação da falência da Construtora Ikal, que é o marco inicial da narrativa deste capítulo, o quadro normativo que regula a desconsideração da personalidade jurídica e a falência evoluiu significativamente, assim como algumas das questões institucionais apontadas. A possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica foi introduzida de forma expressa no texto do Código Civil de 200277, e seus aspectos processuais são objeto do projeto de lei para o novo Código de Processo Civil78. A falência, por sua vez, passou a ser regulada pela Lei n. 11.101/2005, a nova Lei de Recuperação Judicial e Falência, que além de trazer novas regras materiais para o instituto provocou mudanças institucionais. Estudo recente realizado pela Direito Rio (Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro) revela que a duração média dos processos de falência diminuiu após a promulgação da nova Lei de Falências.79 Em São Paulo, foram criadas varas especializadas em falências e recuperações judiciais.80 A jurisprudência sobre desconsideração da personalidade jurídica e falência consolidou-se nas cortes brasileiras. O sucesso da utilização dos dois institutos de direito privado discutidos neste capítulo como instrumentos no combate à corrupção depende da superação de problemas institucionais do sistema de justiça brasileiro e de interpretação do ordenamento jurídico. Apesar dos avanços recentes, a inovação na estruturação de esquemas fraudulentos é constante e, portanto, o desafio que se impõe ao direito privado é permanente. 153 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: notAs Em estudo recente, a Stolen Asset Recovery Initiative (2011, p. 2) apontou o uso de uma ou mais pessoas jurídicas para ocultar a “trilha do dinheiro” (money trail) como uma das características comuns na maioria dos mais de 150 casos de corrupção estudados. 1 Independentemente da crítica existente à distinção tradicional entre direito público e direito privado, tais institutos são tipicamente discutidos no âmbito do direito comercial e tendem a não ser abordados pela literatura sobre corrupcão – mais concentrada na regulação do Estado e dos servidores públicos. 2 Processo n. 99.19813-8, em trâmite perante a 8ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo. 3 Código Civil: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” 4 5 Cf. Stolen Asset Recovery Initiative (2011). Decreto-lei n. 7.661/45, arts. 40, 62 e 63. Esses dispositivos encontram equivalência na Lei n. 11.101/2005, arts. 103, 108 e 22, I e III. 6 7 Decreto-lei n. 7.661/45, art. 7º, § 2º, equivalente ao art. 76 da Lei n. 11.101/2005. 8 Decreto-lei n. 7.661/45, art. 25, equivalente ao art. 77 da Lei n. 11.101/2005. Decreto-lei n. 7.661/45, arts. 14, V, e 80. Esses dispositivos são equivalentes ao art. 99, IV e parágrafo único da Lei n. 11.101/2005. 9 10 Decreto-lei n. 7.661/45, art. 210. 11 Decreto-lei n. 7.661/45, art. 55, equivalente ao art. 130 da Lei n. 11.101/2005. 12 Ver, por exemplo, Justen Filho (1987, p. 54). 154 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 13 Código Civil, art. 50. 14 Código de Defesa do Consumidor, art. 28. 15 Lei n. 8.884/94, art. 18. Ver, por exemplo, Superior Tribunal de Justiça, REsp 1125767/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 09/08/2011: “PROCESSO CIVIL. FALêNCIA. EXTENSÃO DE EFEITOS. POSSIBILIDADE. PESSOAS FÍSICAS. GRUPO ECONÔMICO. DEMONSTRAÇÃO. AUSêNCIA. CITAÇÃO PRÉVIA. NECESSIDADE. 1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos, mas com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder Judiciário também inove sua atuação, no intuito de encontrar meios eficazes de reverter as manobras lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos. 2. É possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que, verificando claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para desvio patrimonial. Não há nulidade no exercício diferido do direito de defesa nessas hipóteses.” 16 Ver, por exemplo, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 16.105-GO, Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, v.u. 22/09/2003; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 12.872-SP, Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, v.u. 24/06/2002; Agravo de Instrumento n. 564.612-4/4-00, Relator Desembargador Pereira Calças, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais TJSP, v.u. 27/08/2008; Apelação Cível com Revisão n. 459.764-4/300, Relator Desembargador Carlos Stroppa, 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP, v.u. 19/06/2007. 17 Agravo de Instrumento n. 521.791-4/2-00, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 27/08/2008. 18 19 Ver, por exemplo, Bezerra Filho (2009, p. 185). Autos do Processo Falimentar, fls. 1.472-1.473. Termo de Declaração do art. 34 do Decreto-Lei n. 7.661/45, Fábio Monteiro de Barros. Segundo termo de declaração, o grupo de empresas era constituído pela falida e pelas seguintes empresas: Monteiro de Barros Investimentos S.A., Incal Incorporações, Monteiro de Barros Construções e Incorporações, 20 155 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: Recreio Agropecuária, Monteiro de Barros Escritório Imobiliário, SGL S.A., IEPê Agroindustrial de Açúcar e Álcool Ltda. e Rádio Cidade Pedreira Ltda. 21 Autos do Processo Falimentar, fls. 1.472-1.473. Autos do Processo Falimentar, fls. 1472-1473. Termo de Declaração do art. 34 do Decreto-Lei n. 7.661/45, Fábio Monteiro de Barros. Segundo termo de declaração, o grupo de empresas era constituído pela falida, pela Monteiro de Barros Investimentos S.A., pela Incal Incorporações, Monteiro de Barros Construções e Incorporações, Recreio Agropecuária, Monteiro de Barros Escritório Imobiliário, SGL S.A., IEPê Agroindustrial de Açúcar e Álcool Ltda., Rádio Cidade Pedreira Ltda. 22 Agravo de Instrumento n. 170.130.4/4, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Aguillar Cortez, julgado em 26/10/2000. 23 Ver Autos do Processo Falimentar, fl. 1.472. Termo de Declaração do art. 34 do Decreto-lei n. 7.661/45, Fábio Monteiro de Barros. Fls. 1.478-1.479, Termo de Declaração do art. 34 do Decreto-lei n. 7.661/45, José Eduardo Correa Teixeira Ferraz. 24 Em pesquisa no site do TJSP foram identificados os seguintes recursos contra a quebra da Construtora Ikal: Agravo de Instrumento n. 191.454-4/8-01, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Mohamed Amaro, julgado em 09/08/2001. Agravo Regimental n. 191.454-4/8-01, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Mohamed Amaro, julgado em 08/02/2001; Agravo Regimental n. 197.9764/3-01, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Aguillar Cortez, julgado em 26 de abril de 2001; Agravo de Instrumento n. 197.976-4/1-00, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Aguillar Cortez, julgado em 20/09/2001; Agravo de Instrumento n. 191.454-4/0-02, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Aguilar Cortez, julgado em 22/11/2001; Embargos de Declaração n. 197.976-4/5-02, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Aguillar Cortez, julgado em 22/02/2002; Apelação Cível n. 242.069-4/4-00, 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Arthur del Guércio, julgado em 04/12/2002. 25 Supremo suspende julgamento de recurso do proprietário da Ikal, Notícias STF, disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=59124& caixaBusca=N>. Acesso em: 15 de agosto de 2002. 26 27 156 Decisão monocrática na Reclamação n. 894-SP, Relatora Ministra Nancy [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Andrighi, 06/02/2001. Autos da Falência, fl. 2.744. Relatório do Perito Contador, datado de 1º de março de 2004. 28 Tal crédito foi referido no Agravo de Instrumento n. 591.981-4/7-00, 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Natan Zelinschi de Arruda, julgado em 27/08/2008. O Agravo diz respeito à intimação pessoal da União, por não ser o crédito tributário, e relata que atos pertinentes à arrematação e ao cancelamento da averbação de indisponibilidade dos bens durante a dissolução da CPI, foram realizados sem a intimação da Procuradoria. 29 Autos da Falência, fl. 2.744. Relatório do Perito Contador, datado de 1º de março de 2004. 30 Autos do Processo Falimentar, fl. 2.742. As empresas coligadas referidas são “Incal Incorporações, Monteiro de Barros Construções, Monteiro de Barros Investimentos, Recreio Agropecuária e Monteiro de Barros Empreendimentos.” 31 A respeito da confusão patrimonial da Construtora Ikal e em relação à arrecadação de bens no âmbito da falência, cumpre destacar que o juízo em que tramitava ação de alimentos movida pela mulher e pelas filhas de um dos sócios da empresa havia determinado que o aluguel de um dos imóveis da falida fosse depositado em juízo para pagamento das autoras. Após a decretação da falência, e enquanto não se procedia a venda dos imóveis, a massa falida buscou arrecadar aluguel dos ocupantes dos imóveis pertencentes à falida. Em agravo interposto pelos sócios da falida, foi decidido (em segredo de justiça) que o interesse das filhas deveria prevalecer sobre o dos credores. Autos da Falência, fls. 2.980-2.984. 32 33 Autos do Processo Falimentar, fl. 1.474. Declaração de Fábio Monteiro de Barros. 34 Autos do Processo Falimentar, fl. 1.476. Declaração de Fábio Monteiro de Barros. Autos do Processo Falimentar, fl. 1.479. Declaração de José Eduardo Correa Teixeira Ferraz. 35 Art. 186 do Decreto-lei n. 7.661/45: “Será punido o devedor com detenção, de seis meses a três anos, quando concorrer com a falência algum dos seguintes fatos: […] 36 157 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: II - despesas gerais do negócio ou da emprêsa injustificáveis, por sua natureza ou vulto, em relação ao capital, ao gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas; […] VI - inexistência dos livros obrigatórios ou sua escrituração atrasada, lacunosa, defeituosa ou confusa; VII - falta de apresentação do balanço, dentro de sessenta dias após à data fixada para o seu encerramento, à rubrica do juiz sob cuja jurisdição estiver o seu estabelecimento principal.” 37 Incidente n. 299 do Processo n. 99.019813-8, Decisão de 3 de outubro de 2005, fl. 837. 38 Autos da Falência, fls. 407-408. 39 Autos da Falência, fl. 1.278. 40 Autos do Processo Falimentar, fls. 1.279-1.280. 41 Autos do Processo Falimentar, fls. 1.281-1.282, itens, 17, 19 e 21. 42 Autos do Processo Falimentar, fl. 1.282. 43 Autos do Processo Falimentar, fls. 1360 e verso. 44 Autos do Processo Falimentar, fl. 1.370. Despacho de 21 de setembro de 2001. 45 Autos do Processo Falimentar, fls. 1.608-1.609. 46 Despacho de 20 de junho de 2002, Autos do Processo Falimentar, fls 1.783-1.784. 47 Despacho de 22 de novembro de 2002, Autos do Processo Falimentar, fl. 1.946. 48 Despacho de 18 de março de 2008, Autos do Processo Falimentar, fls. 4.341-4.350. Petição de IEPê Agroindustrial de Açucar e Álcool Ltda., datada de 29 de maio de 2003. Autos do Processo Falimentar, fl. 2.228. 49 50 158 Autos do Processo Falimentar, fl. 2.233. [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 51 Autos do Processo Falimentar, fl. 2.236. Autos da Falência, Despacho de 5 de setembro de 2006, fls. 3.250-3.252, solicitando com urgência cópia do agravo. 52 Agravo de Instrumento n. 298.096-4/1-00, Relator Desembargador Arthur del Guércio, 7ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 11/05/2005. 53 54 Idem. Ver “TJ-SP afasta desembargador suspeito de pedir dinheiro a advogados”, Folha de S. Paulo, 3 de abril de 2013. 55 Ver “STJ afasta desembargador Arhur Del Guércio do TJ-SP”, Consultor Jurídico, 15 de maio de 2013. 56 Agravo de Instrumento n. 277.079.4/0, 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Ruiter Oliva, julgado em 17 de junho de 2003. 57 58 Decisão de 5 de março de 2007, Autos da Falência, fl. 4.347. Manifestação do Ministério Público, 10 de julho de 2006. Autos da Falência, fls. 3.237v-3.238. 59 60 Autos da Falência, fls. 3.487 e verso. Manifestação do Ministério Público. Autos da Falência, fls. 3.587 e ss. Petições de Aditamento de Denúncia nos Autos n. 2000.61.81.001198-1, datadas de 4 de julho de 2000; Aditamento de Denúncia nos Autos n. 2000.61.81.001198-1, datada de 14 de dezembro de 2000; Petição de requerimento da prisão preventiva de Nicolau dos Santos Neto, datada de 10 de janeiro de 2001; Denúncia apresentada em face de Nicolau dos Santos Neto, datada de 10 de janeiro de 2001. 61 Ver Auto da Falência, fls. 3.610-3.612, 3.628-3.629, 3.631, indicando transferências feitas em nome da Construtora Ikal Ltda., e Auto da Falência, fls. 3.616 e ss, a respeito da falta de justificativa para as transferências. 62 63 159 Autos da Falência, fls. 3.644-3.649. [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: 64 Autos da Falência, fls. 3.703-3.705. Ver, por exemplo, petição de IEPê Agroindustrial de Açúcar e Álcool Ltda., fls. 3.776-3.777. 65 Petição da Construtora Ikal, datada de 9 de abril de 2007, Autos da Falência, fls. 3.784-3.786. 66 67 Autos da Falência, fl. 3.979. 68 Autos da Falência, fl. 4.012. Autos do Processo Falimentar, fl. 1.696. Petição ajuizada por Construtora Ikal Ltda. e Fábio Monteiro de Barros, datada de 5 de abril de 2002. “A extensão para outras empresas, do mesmo grupo econômico, só é lídima quando necessariamente trará benefícios à massa. Ainda não foi realizado o quadro de credores da massa falida, para se saber precisamente qual o valor do passivo da empresa. Ainda não foi realizada a satisfação do ativo, para verificar se os bens da empresa falida, seus créditos, ano comportam o efetivo pagamento, lembrando que todos estes bens e créditos estão indisponíveis por ato judicial. Da mesma forma, não foram avaliados [sic] nestes autos, se as empresas que sofreriam da extensão, possuem bens, créditos e débitos, para saber se a extensão seria benéfica ou não para a massa.” 69 Ver, por exemplo, Petição ajuizada por José Eduardo Correia Teixeira Ferraz, datada de 5 de abril de 2002. Autos do Processo Falimentar, fls. 1.718-1.719. 70 Note-se que, ao se referir aos pedidos, a decisão relata somente os que foram feitos contra pessoas jurídicas, e não contra as pessoas físicas de Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz. Cf. Autos da Falência, fl. 3.729. 71 72 Autos da Falência, fl. 4.347. 73 Autos da Falência, fl. 4.346. Autos da Falência, fl. 4.347. Destaca-se que a desvinculação entre a ação revocatória, cujo cabimento é determinado pelo termo legal, e a desconsideração da personalidade jurídica na falência foi afirmada posteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1180714 / RJ, 4ª Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 05/04/2011: 74 160 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT “1. A desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições” (arts. 129 e 130 da Lei n. 11.101/2005 e art. 165 do Código Civil de 2002). 2. A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica – rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa –, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.” 75 Autos da Falência fls. 4.484-4.485. 76 Autos da Falência, fls. 4.823-4.824. Código Civil: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” 77 Ver, por exemplo, o Projeto de Lei n. 8.046/2010, aprovado pelo Senado Federal em dezembro de 2010, que trata da desconsideração da personalidade jurídica no seu art. 77. A esse respeito, ver também BUENO, apud BRUSCHI et al., 2012, p. 117-128. 78 Série “Pensando o Direito: Análise da Nova Lei de Falências”, n. 22/2010. Ministério da Justiça, p. 23. 79 Resolução n. 200/2005, expedida em 23 de março de 2005 pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. 80 161 [sumário] 3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção: referênCIAs : : : : : : : : : : : BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências comentada. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. COMPARATO, Fabio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2008. JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. LOBO, Jorge. “Extensão da falência e o grupo de sociedades”. Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, vol. 79, abr./jun., Rio de Janeiro, 2009, p. 62-71. REQUIÃO, Rubens. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”. Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 91, n. 803, set. 2002, p.751-64. ROSE-ACKERMAN, Susan. “The political economy of corruption”. In: Corruption and the global economy. Institute for International Economics, 1997. SÉRIE PENSANDO O DIREITO: ANÁLISE DA NOVA LEI DE FALêNCIAS, n. 22/2010. Ministério da Justiça. 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São Paulo: Forense, 1962. 162 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: EqUILIBRANDO A INTERDEPENDêNCIA DE JURISDIçõES COM A UTILIzAçãO DE DIFERENTES ESTRATéGIAS JURíDICAS1 Rochelle Pastana Ribeiro Introdução: ALTERNATIVAS JURíDICAS DISPONíVEIS PARA A RECUPERAçãO DE ATIVOS NO ExTERIOR As demonstrações da predisposição dos países para bloquear os produtos da corrupção enviados ao exterior não tem sido garantia de que esses ativos serão, de fato, devolvidos aos cofres nacionais de onde foram roubados.2 Embora o caso Abacha seja frequentemente citado como um caso de sucesso, a Nigéria levou quase sete anos para recuperar 500 milhões de dólares enviados para Suíça,3 e muitos outros ativos ligados ao caso ainda continuam sob bloqueio em países como Luxemburgo e Liechtenstein.4 Dos cinco a dez bilhões5 de dólares desviados por Ferdinand Marcos, que fugiu em 1986, somente 684 milhões foram recuperados pelas Filipinas em 2003, mais de 17 anos após o começo das investigações.6 Já no caso Duvalier, os 5,7 milhões de dólares encontrados em bancos suíços continuam bloqueados desde 1986.7 Em grande medida, o sucesso na recuperação dos recursos desviados e enviados ao exterior depende, além da vontade política dos diferentes agentes, da adoção de estratégias jurídicas efetivas que consigam fazer com que as diferentes ordens jurídicas domésticas se comuniquem e superem suas diferenças.8 Hoje, as estratégias jurídicas disponíveis9 podem ser divididas entre aquelas que envolvem (1) iniciar ações judiciais no país onde o crime foi cometido e enviar pedidos de cooperação jurídica internacional a outras jurisdições para obter a repatriação, ou (2) dar início ou se habilitar em processos judiciais perante tribunais estrangeiros. Para facilitar a compreensão, o primeiro grupo de estratégias será denominado “recuperação por meio de cooperação 163 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: jurídica internacional”, e o segundo, “recuperação direta”, conforme definição adotada pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.10 Para se solicitar a recuperação de ativos baseada em procedimentos iniciados domesticamente11, em geral, faz-se necessária uma decisão de perdimento de bens, seja decorrente de uma ação penal, dependente da condenação criminal do réu12, ou de ação civil13, o chamado perdimento civil ou ação de extinção de domínio.14 Como os ativos a serem recuperados se encontram em outra ou outras jurisdições, assim como parte das provas que sustentarão a origem ilícita desses bens, em qualquer um dos tipos de ação, penal ou civil, a recuperação de ativos será dependente de alguma forma de cooperação jurídica internacional15 – daí a classificação desse tipo de estratégia –, seja para obter informações e provas, seja para dar cumprimento a ordens judiciais domésticas em jurisdições estrangeiras.16 A vantagem de se dar início a procedimentos judiciais domésticos está ligada, em especial, ao impacto social que uma condenação por corrupção pode ter na construção das instituições democráticas, bem como em prevenir o cometimento de novos ilícitos.17 Ademais, o conhecimento da legislação doméstica e dos instrumentos investigativos disponíveis pode facilitar a coleta de provas que levarão a uma condenação final e ao perdimento dos bens.18 No que se refere à cooperação jurídica internacional, todavia, é bom ressaltar que algumas jurisdições somente acolhem pedidos de assistência jurídica mútua visando o perdimento e a devolução dos bens quando estes estão baseados em processos criminais,19 o que torna, nesses casos, a ação penal preferível à ação civil para a obtenção da colaboração de outros países.20 O primeiro obstáculo enfrentado por estratégias de cooperação jurídica internacional é a existência de uma base legal, que pode ser um tratado bilateral ou multilateral, uma lei nacional dispondo sobre o processamento de pedidos de cooperação pela autoridade requerida ou simplesmente a reciprocidade. A ausência de uma base legal apropriada pode atrapalhar ou mesmo impedir o correto processamento do pedido.21 Como será discutido adiante em relação ao Caso TRT, a ausência de tratado bilateral com os Estados Unidos à época impediu que o Estado brasileiro contasse com essa alternativa para a recuperação dos ativos naquele país. 164 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Outra dificuldade que pode ser enfrentada ao se adotar essa estratégia é a necessidade de se cumprir o requisito da dupla-incriminação, isto é, a conduta que deu origem ao pedido também deve ser crime no país requerido.22 Ademais, a possibilidade de se iniciar um processo criminal doméstico pode não estar disponível porque o autor do crime pode ter morrido, fugido ou conta com algum tipo de imunidade à jurisdição.23 A efetividade das estratégias baseadas em ações domésticas dependerá sempre da capacidade e da vontade política das autoridades locais de processar e punir os autores dos crimes e ir atrás dos ativos ilícitos.24 Outra exigência comum para o recebimento de pedidos de cooperação jurídica internacional é a demonstração de que o processo doméstico atendeu aos princípios do devido processo legal e do respeito aos direitos humanos.25 Já as estratégias de recuperação direta compreendem a possibilidade de que um Estado participe em processos judiciais em tribunais estrangeiros por meio do ajuizamento de ações privadas em outra jurisdição26 – solução mais comum em países de common law – ou de sua habilitação como vítima ou terceiro interessado em ação criminal ou de perdimento civil que tenha sido iniciada no outro país “contra as autoridades corruptas, seus associados ou contra os ativos ilícitos identificados”27 –, solução mais própria de países de civil law. O ajuizamento de ações privadas em cortes estrangeiras normalmente demanda a contratação de advogados habilitados naquela jurisdição.28 Ademais, devem estar amparadas em alguma forma de responsabilidade civil, quebra de contrato ou enriquecimento ilícito.29 Como mencionado por Brun et al, em ações privadas, os litigantes têm a vantagem de ter um controle mais amplo dos procedimentos e maior acesso a bens que podem estar registrados em nome de terceiros.30 Por outro lado, litigar em outra jurisdição pode ser excessivamente caro, não apenas por causa dos honorários, mas também em relação aos custos relacionados à execução de atos de investigação e outras medidas processuais no exterior.31 Outra desvantagem são os obstáculos impostos pelo sigilo bancário ao acesso de informações sobre a localização de bens em ações civis.32 Outros tipos de estratégias de recuperação direta são a representação perante autoridades competentes no exterior para que estas deem início 165 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: a uma investigação criminal própria33, ou o apoio a uma investigação criminal já em curso nesses países.34 A interação entre jurisdições nesses casos pode ocorrer por meio do “compartilhamento de provas incriminatórias e dos autos dos processos”35, mediante resposta a eventuais pedidos de cooperação jurídica internacional enviados pelas autoridades estrangeiras ou, quando possível, participando como terceiro interessado (assistente de acusação, vítima ou partie civile) no processo criminal no outro país.36 A recuperação de ativos nesses casos pode ser obtida por uma ordem direta do tribunal37, pelo reconhecimento de que o Estado onde o crime foi cometido seria vítima do crime e, portanto, faria jus a uma compensação, ou por meio de acordo entre as duas jurisdições.38 Em geral, as estratégias supramencionadas, seja as de cooperação jurídica internacional, seja as de recuperação direta, não são mutuamente excludentes.39 No Caso TRT-SP, como será discutido, mais de uma estratégia foi adotada. Na verdade, na maioria dos casos, as estratégias têm se provado complementares. Algumas experiências de sucesso baseadas na utilização das referidas estratégias inspiraram os países a codificá-las em convenções multilaterais. Desde a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 (Convenção de Viena de 1988), já era exigido dos países que habilitassem seus ordenamentos jurídicos internos para receber pedidos de cooperação jurídica internacional para fins de confisco de bens40 e consequente repatriação. A recuperação de ativos por meio da cooperação jurídica internacional, tendo a Convenção de Viena como base, poderia ocorrer seja por meio da execução direta (homologação) da sentença estrangeira41 ou por meio do auxílio direto42 (respectivamente, os incisos i e ii da alínea “a” do art. 4 da Convenção). A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) de certa forma repete essas possibilidades no art. 13, parágrafo 1, alíneas“a” e “b”. Da forma como se redigiu os artigos da Convenção de Viena e de Palermo, todavia, entendia-se que ficava a cargo do país requerido escolher o procedimento para a execução do pedido de cooperação que melhor se adequasse ao sistema jurídico nacional. A aceitação de apenas uma 166 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT forma de execução dos pedidos de cooperação jurídica internacional deixava lacunas na prática, conforme explica Claman: [...] onde um país tem apenas autoridade legal para dar execução a uma ordem estrangeira de confisco, mas não pode iniciar sua própria ação em resposta a um pedido estrangeiro, este pode não estar apto a dar assistência efetiva a um País Requerente que não possui um réu para processar criminalmente. De forma semelhante, onde uma nação não está apta a dar execução a uma ordem estrangeira, a cooperação jurídica internacional pode se frustrar nos casos em que dar início a um procedimento de confisco independente pelo País Requerido se mostre muito caro ou quando o desafio de litigar fatos ou questões complexas da legislação estrangeira torne a ação mal sucedida.43 A redação dada ao art. 54 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida) tenta sanar essas lacunas, prevendo novamente as duas formas de execução de pedidos de cooperação jurídica internacional para fins de confisco, com a diferença de que não mais é facultado aos Estados-parte escolher entre executar o pedido por meio de auxílio direto ou de homologação de sentença estrangeira, como previsto nas demais convenções citadas. A redação dada a esse artigo passa a atribuir ao Estado-vítima – requerente – a faculdade de escolher entre uma ou outra alternativa. Portanto, para pedidos baseados na Convenção de Mérida, ao Estado requerido cabe apenas superar as divergências entre os diferentes sistemas jurídicos e adequar o ordenamento jurídico nacional a ambas as possibilidades. Embora, na prática, as estratégias de recuperação direta já houvessem sido utilizadas com sucesso em alguns casos44, foi somente com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, mais especificamente no art. 53, que essas alternativas foram definitivamente inseridas num instrumento internacional. Esse artigo passa a demandar que os Estados-parte ajustem seus ordenamentos jurídicos para que seus tribunais estejam preparados para decidir em diferentes tipos de ações iniciadas por Estados estrangeiros visando a repatriação de ativos, como ações civis para reconhecer a legítima 167 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: propriedade dos bens, ações de reparação civil e ações criminais reconhecendo esse Estados como vítimas e legítimos destinatários dos bens obtidos ilicitamente por atos de corrupção. 4.1 | o ProCesso de reCuPerAção CAso trt-sP Como o Caso TRT-SP foi iniciado antes que as Convenções de Palermo ou de Mérida tivessem sido concluídas, os erros e acertos dos diferentes atores no caso contribuíram para enriquecer a jurisprudência internacional, cujas melhores práticas foram compiladas nas ditas Convenções. A grande importância do Caso TRT, todavia, está no fato de que esse foi o primeiro caso em que o Brasil conseguiu obter a repatriação de parte dos ativos enviados ilicitamente ao exterior – e continua sendo até hoje, ao lado do caso Banestado, no qual foram recuperados cerca de 3,5 milhões de dólares45, um dos raros exemplos em que esse tipo de medida foi obtido com sucesso, apesar de existirem algumas centenas de procedimentos de recuperação de ativos em trâmite no país.46 Quais fatores que tornaram esse caso um exemplo de relativo sucesso? E, mais importante, por que, mesmo levando mais de 14 anos, foi possível obter a repatriação dos ativos enviados para a Suíça antes do trânsito em julgado do processo criminal no Brasil? Essas são algumas questões que a análise das estratégias de recuperação de ativos adotadas no caso podem responder. Os primeiros indícios da existência de bens no exterior adquiridos por Nicolau dos Santos Neto com os recursos desviados da obra do TRT surgiram de uma investigação feita pelo Ministério Público Federal e pela CPI e, em especial, por meio da entrevista de Marco Aurélio Gil de Oliveira47, ex-genro do juiz, a uma revista de grande circulação no Brasil. Os indícios apontavam para a existência de um apartamento em um prédio de luxo em Miami, o Bristol Towers, e contas bancárias mantidas nos EUA e na Suíça. A primeira providência tomada pela CPI foi enviar, em abril de 1999, um pedido para obter mais informações sobre o referido apartamento em Miami. Embora as autoridades dos EUA tenham esclarecido que não de AtIvos no 168 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT poderiam responder ao pedido sem autorização do proprietário do imóvel, informaram que detalhes do contrato de compra e venda poderiam ser obtidos junto ao registro público. Descobriu-se então que o apartamento que Marco Aurélio Gil de Oliveira havia alegado ser de Nicolau dos Santos Neto estava em nome da empresa Hillside Trading, registrada nas Bahamas. Uma vez identificado o bem, em abril de 2000, foi dado início de fato ao processo para recuperação dos ativos desviados pelos réus do Caso TRT-SP e enviados ao exterior, por meio do envio de uma carta rogatória para os EUA solicitando o sequestro do apartamento.48 Todavia, peculiaridades do sistema jurídico estadunidense à época exigiam que quaisquer medidas visando ao confisco de bens fossem objeto de uma decisão emanada de autoridade judicial local e, portanto, deveriam ser objeto de pedido de auxílio direto, a ser executado naquele país por meio das autoridades locais de persecução penal, ou alvo de ação civil própria de confisco. Como faltava base legal mais sólida para a solicitação de um pedido de auxílio direto, uma vez que o Tratado de Assistência Jurídica Mútua entre Brasil e Estados Unidos somente entrou em vigor em 2001, as autoridades brasileiras, por meio da Advocacia-Geral da União, foram levadas a adotar, em relação aos bens localizados nos EUA, uma estratégia de recuperação de ativos direta, por meio da contratação de escritório de advocacia naquele país para ajuizar ação civil visando o confisco do apartamento.49 A primeira grande vitória no caso foi obtida em 27 de agosto de 2001, com a decisão da Eleventh Circuit Court decretando o perdimento civil do apartamento no Bristol Towers em Miami e repatriação do valor ao Brasil, por considerar que “os valores utilizados para adquirir a propriedade eram valores pertencentes à República Federativa do Brasil, e ilegalmente desviados pelos réus mediante o abuso de posição de confiança”.50 O valor devolvido ao Brasil com a venda do apartamento foi aproximadamente US$ 870.000,00. A contratação de escritório de advocacia nos Estados Unidos também foi essencial para a obtenção de informações nas Bahamas sobre a offshore utilizada para aquisição do apartamento,51 bem como para tornar mais ágil o diálogo entre as autoridades brasileiras e estrangeiras, facilitando a execução dos pedidos de cooperação jurídica internacional, como o 169 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: rastreamento e quebra do sigilo bancário de contas mantidas pelos réus naquele país. Foram justamente os extratos obtidos com as quebras de sigilo bancário das contas nos EUA que comprovaram que volumosos depósitos realizados nas contas de Luis Estevão em bancos norte-americanos eram em seguida transferidos para contas em nome de Nicolau dos Santos Neto em bancos suíços. Antes mesmo da descoberta pelas autoridades brasileiras das contas na Suíça em nome do juiz, os diversos artigos publicados pela imprensa no Brasil levaram o Procurador-Geral do cantão de Genebra a iniciar uma investigação preliminar por lavagem de dinheiro contra Nicolau dos Santos Neto e sua esposa (art. 305bis do Código Penal Suíço).52 Em maio de 1999, as autoridades suíças, no âmbito da referida investigação, ordenaram o sequestro dos valores depositados nas citadas contas53, e em seguida enviaram carta rogatória ao Brasil para obter cópia da documentação que comprovasse a relação entre os valores sequestrados e os atos de corrupção noticiados na imprensa.54 De porte da carta rogatória suíça e dos extratos bancários obtidos nos EUA demonstrando transferências entre 1992 e 1994 (período em que teria ocorrido parte dos desvios da obra do TRT) das contas de Luis Estevão para as contas suíças de Nicolau dos Santos Neto, o juiz federal de primeira instância no Brasil enviou pedido de cooperação jurídica internacional para a Suíça também solicitando o sequestro dos valores depositados nas contas e a sua repatriação para o Brasil.55 Em julho de 2000, o juiz de instrução do cantão de Genebra admitiu o pedido brasileiro,56 que teve como base legal a Lei Federal Suíça de Cooperação Jurídica Internacional (EIMP). Os fundos passaram então a estar submetidos a um duplo bloqueio – por ordem do processo penal aberto na Suíça e em função do pedido de cooperação jurídica internacional do Brasil. Nessa mesma decisão, foi apreciada e autorizada preliminarmente uma primeira tentativa das autoridades brasileiras visando obter a repatriação imediata dos bens. Para o juiz de instrução, as autoridades brasileiras haviam conseguido demonstrar o provável nexo entre os atos cometidos no Brasil e o dinheiro mantido na Suíça. 170 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT De fato, em 1997, a Suprema Corte Federal Suíça havia proferido decisão histórica no caso Marcos, entendendo que a EIMP admitia a repatriação antecipada em casos excepcionais.57 A repatriação antecipada, segundo a Suprema Corte, submetia-se a dois testes: a presença de elementos que permitam a renúncia pela Suíça de decisão transitada em julgado de tribunais do país requerente e a inexistência de direitos de terceiros que impeçam a repatriação. Em relação ao primeiro teste, a renúncia de decisão definitiva no país requerente é possível quando “as circunstâncias são tão claras que a origem ilícita dos bens é indisputável, situação na qual não faria sentido demandar decisão de sequestro ou restituição” definitiva.58 Entretanto, no Caso TRT, a decisão de repatriação proferida em primeira instância foi derrubada logo em seguida pela Câmara de Acusação do cantão de Genebra, por não existir no Brasil uma “decisão definitiva e executória”. Segundo a Câmara, “a proveniência ilícita dos valores não estava demonstrada no pedido de forma indubitável”59, requisito necessário para a renúncia de decisão definitiva. O primeiro teste estabelecido pela Suprema Corte Federal no caso Marcos não estaria, portanto, satisfeito no caso brasileiro. Em 2001, baseando-se na experiência da Nigéria que, poucos anos antes, havia conseguido se habilitar como terceiro interessado (partie civile) na ação criminal movida na Suíça contra a família Abacha, obtendo desdobramentos positivos para a recuperação dos recursos desviados pelo ex-presidente60, as autoridades brasileiras aliaram aos pedidos de cooperação jurídica internacional uma estratégia de recuperação direta, mediante a contratação de escritório de advocacia na Suíça para representar os interesses brasileiros na ação criminal por lavagem de dinheiro em trâmite naquela jurisdição. Em março de 2004, com o auxílio dos advogados contratados na Suíça, o país ensaiou pela segunda vez obter a repatriação antecipada por meio do procedimento de cooperação jurídica internacional, argumentando que as provas já existentes nos autos esclareciam a origem ilícita dos bens, não se fazendo necessária uma decisão definitiva no país-vítima.61 A essa altura, já existia decisão de primeira instância no Brasil condenando os réus.62 Entretanto, novamente a repatriação concedida em primeira instância na Suíça foi revertida pela Câmara de Acusação, sob o argumento de que 171 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: o pedido de restituição antecipada não havia obedecido o trâmite previsto na EIMP (lei de processamento de pedidos de cooperação na Suíça), que demandava sua transmissão por via diplomática; além disso, a decisão condenatória pelo Judiciário brasileiro não era definitiva, não existindo elementos novos no caso em relação à decisão já dada em outubro de 2000.63 Com essa segunda decisão da Câmara de Acusação, a possibilidade de repatriação exclusivamente baseada em estratégias de cooperação jurídica internacional passou a ser essencialmente dependente do trânsito em julgado no Brasil. Passados oito anos da decisão inicial de bloqueio por parte do Ministério Público suíço, sem que houvesse decisão condenatória transitada em julgado no Brasil, Nicolau dos Santos Neto formulou pedido para o levantamento do sequestro dos valores depositados nas contas suíças. A primeira providência tomada pela Justiça suíça foi então solicitar às autoridades brasileiras informações sobre o andamento do processo penal no Brasil. As autoridades suíças aproveitaram para informar que o sequestro seria levantado caso a autoridade estrangeira – no caso, o Brasil – não estivesse em posição de obter o perdimento penal dos bens. Em 4 de abril de 2005, contudo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região havia confirmado a condenação de Nicolau dos Santos Neto,64 e a referida decisão foi transmitida via cooperação jurídica internacional. Com base nas informações enviadas pelo Brasil, o Tribunal Federal Suíço, em novembro de 2007, rejeitou em última instância o pedido de levantamento do sequestro, entendendo que a complexidade do processo em trâmite no Brasil, sujeito a vários graus de jurisdição, justificava a duração da medida constritiva, e que a demora não poderia ser atribuída à eventual inércia das autoridades brasileiras ou suíças.65 Nesse ínterim, as autoridades de persecução penal suíças deram prosseguimento às investigações criminais por lavagem de dinheiro supostamente perpetrada por Nicolau dos Santos Neto e sua esposa naquele país. Em outubro de 2007, a fase de instrução do referido processo penal foi concluída.66 Respondendo a um pedido formulado pelos advogados contratados pelo Estado brasileiro nos autos dessa ação penal, em 28 de abril de 2009, o Ministério Público da República e do cantão de Genebra determinou o confisco em favor do Brasil dos valores depositados67 nas contas suíças.68 172 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Foi determinado ainda o pagamento de uma compensação (creance compensatrice)69 à República Federativa do Brasil, correspondente aos valores depositados nas citadas contas, mas delas transferidos para outras jurisdições antes da data da primeira decisão de sequestro proferida em 1999, os quais totalizaram US$ 2.153.628,50.70 Essa decisão foi confirmada pelo Tribunal de Polícia de Genebra em 13 de janeiro de 2010, que entendeu que as provas existentes na ação penal em curso na Suíça eram suficientes para confirmar que os valores depositados nas contas de Nicolau dos Santos Neto pertenciam a uma organização criminosa. Segundo a legislação suíça,71 os produtos sob poder de uma organização criminosa estão sujeitos a uma presunção de ilicitude. Há, portanto, uma inversão do ônus da prova nesses casos, cabendo ao réu demonstrar a origem lícita dos bens para evitar o confisco. A Suprema Corte Federal Suíça já havia decidido, em fevereiro de 2005, que a inversão do ônus da prova em relação a bens pertencentes a organizações criminosas era aplicável também a casos de cooperação jurídica internacional, o que permitiu, à época, o retorno antecipado à Nigéria dos bens bloqueados no caso Abacha.72 O argumento de que os valores depositados nas contas pertenceriam a uma organização criminosa foi então repetido pelos advogados73 do Estado Brasileiro na ação penal por lavagem de dinheiro em curso na Suíça, e então acatado pelo Tribunal de Polícia de Genebra. Para o Tribunal, ainda que a condenação de Nicolau dos Santos Neto fosse passível de recurso no Brasil, “não parece questionável que, de fato, crimes foram cometidos naquele país que deram origem aos valores sequestrados no âmbito desse processo, em vista das condenações já ocorridas e das provas juntadas aos autos, que estabeleceram à satisfação que as infrações foram realizadas”.74 Ainda segundo a Corte, Nicolau dos Santos Neto não teria conseguido provar que os bens mantidos na Suíça poderiam ser compatíveis com o salário de juiz recebido entre 1992 e 1994 – e, portanto, não teria conseguido reverter a presunção de ilicitude dos ativos depositados em suas contas. A decisão de confisco dos valores depositados na Suíça e a consequente repatriação ao Brasil tornou-se definitiva com a decisão do Tribunal Federal de 21 de agosto de 201275, que rejeitou o recurso interposto por Nicolau dos Santos Neto. 173 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: Embora autorizada a repatriação antecipada pelos tribunais suíços, o efetivo retorno dependia ainda de providências a serem tomadas em relação ao pedido de cooperação brasileiro, uma vez que os valores, como já dito anteriormente, foram submetidos a um duplo bloqueio. Uma alternativa possível seria a transmissão por meio da autoridade central brasileira76 da desistência por parte da autoridade requerente brasileira do pedido de cooperação solicitando o confisco de bens, uma vez que o retorno já estaria garantido pela decisão na ação penal na Suíça. Em julho de 2013, foi anunciada a repatriação definitiva dos recursos mantidos na Suíça, no total de US$ 4,7 milhões.77 4.2 | o legAdo do CAso trt: COORDENANDO AS ESTRATéGIAS DE RECUPERAçãO DE ATIVOS A primeira lição extraída do Caso TRT é a constatação de que as estratégias de cooperação jurídica internacional e de recuperação direta são de fato complementares e, se usadas de forma coordenada, tendem a facilitar ou ao menos tornar mais expedito o processo de repatriação de ativos. No caso do apartamento localizado nos Estados Unidos, não foi possível, à época, basear o sequestro e a consequente recuperação de ativos em um pedido de cooperação jurídica internacional por falta de base legal. Por outro lado, certamente as provas obtidas com as quebras de sigilo requeridas por meio de assistência jurídica mútua ajudaram na instrução da ação civil iniciada pelo Estado brasileiro e no convencimento das cortes norte-americanas de que os recursos utilizados na compra do apartamento eram oriundos dos desvios ocorridos na obra do TRT-SP. Os mesmos extratos obtidos com o levantamento do sigilo bancário, remetidos também por meio de cooperação jurídica internacional para Suíça, foram essenciais para demonstrar na investigação penal naquele país que as remessas provenientes das contas de Luiz Estevão de Oliveira para as contas de Nicolau dos Santos Neto ocorriam em datas próximas78 à liberação dos recursos referentes ao contrato de execução da obra do fórum trabalhista, estabelecendo algum nexo entre os ilícitos cometidos e os recursos depositados na Suíça. A cooperação jurídica internacional entre Brasil e Suíça também permitiu que as provas colhidas na ação penal brasileira fossem compartilhadas com 174 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT a ação penal suíça, auxiliando ainda na comprovação da existência de uma organização criminosa constituída com o fim de desviar os recursos federais, fato fundamental para a autorização da repatriação antecipada. Essas são apenas algumas evidências de que a adoção exclusiva de estratégias de recuperação direta não elimina a interdependência entre os processos em curso em diferentes jurisdições.79 A própria corte suíça, respondendo a alegação de Nicolau dos Santos Neto de que a extensão do sequestro feria o princípio da celeridade, justificou que a demora na conclusão da investigação penal por lavagem de dinheiro naquele país seria decorrente da complexidade do caso e da dependência direta dos procedimentos em curso no Brasil.80 Do mesmo modo, somente após a confirmação da condenação em segunda instância pelo TRF da 3ª Região, o Tribunal de Polícia de Genebra passou a considerar inquestionável a ocorrência dos ilícitos cometidos no Brasil. Portanto, a longa duração do processo penal no Brasil teve sim influência direta no desenrolar da ação penal suíça. Apesar dessa interpendência entre as diferentes jurisdições, a repatriação no caso analisado foi assegurada, em grande medida, em função dos avanços legislativos e jurisprudenciais do sistema jurídico suíço. Desde 1994, a legislação suíça contém a tipificação de organização criminosa, que permite a inversão do ônus da prova em relação à origem dos bens à disposição da dita organização. Como reconhecido pela Suprema Corte Suíça no caso Marcos,81 crimes praticados por organizações criminosas, em especial os de corrupção, apresentam engenharia tão sofisticada de lavagem de dinheiro, envolvendo uma mescla com bens de origem lícita, que praticamente impedem o estabelecimento de vínculo direto entre cada um dos ativos identificados sob domínio da organização e as condutas ilícitas específicas praticadas por seus membros. Daí a necessidade de se estabelecer uma presunção legal geral da origem ilícita dos ativos, afastada mediante prova em contrário apresentada pelo réu. A legislação suíça permite ainda o confisco de bens de valor equivalente, na forma do pedido de compensação previsto no art. 71 do CP. Como visto, esse dispositivo é aplicado nas situações em que os ativos ilícitos não estejam mais disponíveis para sequestro e confisco. Essa previsão é particularmente importante nos casos em que, apesar da prova do cometimento da 175 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: infração penal e da quantificação do proveito obtido, o produto do crime tenha se dissipado. Sem essa previsão, o patrimônio lícito do réu não poderia ser alcançado, em função da ausência de nexo entre o crime e os ativos, a despeito da existência de prova de que o autor desfrutou das infrações cometidas e enriqueceu ilicitamente. Sem o conhecimento específico dos advogados contratados na Suíça, dificilmente o Brasil teria condições de utilizar em seu favor os citados dispositivos legais e o desenvolvimento jurisprudencial (especialmente considerando os casos Marcos e Abacha) para obter, via recuperação direta, a repatriação dos ativos. Estaria, portanto, até a presente data à mercê do trânsito em julgado do processo penal no Brasil. Todavia, ao se adotar estratégias de recuperação direta nem sempre é simples demonstrar que o Estado estrangeiro foi de fato lesado diretamente pelo cometimento dos crimes, ainda que a origem ilícita dos ativos seja indiscutível. No caso do TRT, a condição de vítima da República Federativa do Brasil foi de relativamente fácil comprovação, uma vez que os recursos utilizados para a construção do prédio eram federais. Por outro lado, no caso Propinoduto, que envolveu crimes de corrupção praticados por auditores fiscais da Receita Federal e fiscais de renda do Rio de Janeiro, pareceu ao Tribunal Federal Suíço que os ilícitos cometidos teriam lesado mais os cofres do estado do Rio de Janeiro que os cofres federais. Apesar da discussão jurídica acerca da possibilidade ou não de um estado da federação se fazer representar diretamente em tribunais estrangeiros sem a intermediação da União, como o Rio de Janeiro não havia se habilitado como parte civil na ação penal por lavagem de dinheiro, o Tribunal Federal Suíço negou a repatriação dos ativos à República Federativa do Brasil, a despeito da condenação transitada em julgado na citada ação penal.82 Por fim, cabem algumas considerações sobre limites materiais e humanos que podem incidir sobre as estratégias de recuperação de ativos. No Caso TRT-SP, especificamente, existiam indícios de que outros ativos ilícitos teriam sido enviados a Espanha, França, Líbano e Bahamas.83 Apesar dessas evidências preliminares, pouco ou nenhum esforço foi despendido para rastrear, bloquear e confiscar esses ativos. Uma justificativa pode ser 176 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT os limitados recursos disponíveis para as autoridades de persecução penal para dar prosseguimento a essa busca, pois naturalmente já enfrentam uma excessiva carga de trabalho. Portanto, pode ser que tenha ocorrido uma escolha consciente de se concentrar esforços em jurisdições que ofereceriam maiores possibilidades de repatriação e investir mais recursos em procedimentos domésticos de perdimento de bens. Outra razão pode ter sido a falta de treinamento dessas autoridades em relação aos procedimentos necessários para a recuperação de ativos no exterior. Assim, após receber respostas vagas ou negativas por meio de consultas informais84, essas autoridades podem ter enfrentado dificuldades em encontrar novos caminhos para prosseguir com as buscas nessas jurisdições. Todas essas dificuldades podem explicar a ausência de uma diversidade maior de exemplos em que a recuperação de ativos foi exitosa. As particularidades e a magnitude de cada caso é que determinarão, ao final, quais as estratégias jurídicas que atenderão melhor ao equilíbrio entre os custos materiais e humanos e as chances de êxito. 177 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: notAs O presente texto foi em grande parte baseado na pesquisa realizada pela autora para a elaboração da dissertação obrigatória para a obtenção do título de mestre do Programa de Mestrado em Direito Internacional Público da Universidade de Leiden. As opiniões expressas aqui são pessoais e não necessariamente representam a opinião dos órgãos públicos nos quais a autora trabalha ou trabalhou. 1 Essa predisposição pode ser verificada, por exemplo, nas ordens de bloqueio que seguiram os eventos da chamada Primavera Árabe. O Conselho Federal Suíço determinou o bloqueio de todos os bens que o ex-presidente da Tunísia, Zine al-Abidine Ben Ali, mantinha no país uma semana após sua renúncia. O bloqueio suíço foi seguido por ação semelhante da Áustria e da União Europeia, em 29 e 31 de janeiro de 2011, respectivamente. No caso do ex-presidente do Egito, Hosni Mubarak, a ordem de bloqueio pela Suíça foi preparada com antecedência e anunciada na noite em que ele deixou o poder. Mesmo em casos mais antigos, como o do ex-presidente do Haiti, Jean-Claude Duvalier, o Conselho Federal utilizouse mais de uma vez do seu poder constitucional para manter os bens do ex-ditador congelados após derrotas judiciais do pedido de cooperação jurídica do Haiti nos tribunais suíços. Vide Conseil Federal Suisse, 19 jan. 2011. News24 (2011); New York Times, 1 February 2011; Conseil Federal Suisse, 2 feb. 2011. 2 3 Daniel e Maton (2008), p. 69. 4 Ibid., p. 69 e 77. 5 StAR Initiative (2007), p. 20. 6 StAR Initiative, Ferdinand Marcos – case study. 7 Basel Governance, Duvalier assets cannot (yet) be returned to Haiti, 3 February 2010. 8 Gray, Scott e Stephenson (2011), p. 5. Não serão tratadas neste texto estratégias eminentemente políticas, como a negociação diplomática para a repatriação. 9 10 178 Arts. 53 e 54. [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Aqui entendida como referente à jurisdição em que foi cometido o crime que deu origem aos recursos. 11 No Brasil, assim como em grande parte dos países de civil law, o perdimento penal de bens é aquele considerado como efeito da condenação, conforme previsão do art. 91, II, do Código Penal. Em outras jurisdições, o perdimento pode ser declarado em ação civil independente iniciada somente após a confirmação da condenação em um processo criminal. Hofmeyr (2008), p. 136. 12 13 Brun et al. (2011), p. 9. Em geral, nos países que possuem esse instituto em suas ordens jurídicas, a decretação do perdimento civil depende exclusivamente da demonstração da origem ilícita do bem, sem que seja necessária a condenação ou até mesmo a identificação do autor do crime. A principal vantagem desse tipo de perdimento é que normalmente demanda um standard de prova menos exigente. Assim, enquanto a condenação criminal demanda uma prova da autoria “além da dúvida razoável” (beyond reasonable doubt), o perdimento civil demanda que a origem ilícita dos bens seja provada com base no “balanço de probabilidades” (balance of probabilities). Ademais, algumas jurisdições aceitam a extinção de domínio retroativa, isto é, decretada sobre bens adquiridos ilicitamente mesmo antes que a lei tenha entrado em vigor. 14 Aqui o termo é utilizado em seu sentido amplo, como sugerido por Brun, Gray, Scott e Stephenson, incluindo cooperação informal, cartas rogatórias ou pedidos de auxílio direto e pedidos de extradição (2011), p. 6. 15 16 Ibid., p. 9. 17 Ibid., p. 11. 18 Ibid., p. 11. Exemplos de países que não recebem pedidos de cooperação baseados em ações civis ou administrativas são: Argentina (vide FATF and GAFISUD, Argentina. Mutual Evaluation Report, 22 October 2010, p. 192), Luxemburgo (vide FATF, Luxembourg. Rapport d’évaluation mutuelle, 19 Février 2010, p. 245) e Alemanha (FATF, Germany. Mutual Evaluation Report, 19 February 2010, p. 283). 19 20 179 Brun et al. (2008), p. 11 e Hofmeyr (2008), p. 145. A Convenção das Nações [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: Unidas contra a Corrupção, a chamada Convenção de Mérida, tenta em seu art. 43 remediar a impossibilidade de cooperação em ações civis e administrativas, ao recomendar que pedidos de cooperação jurídica internacional, nos crimes tratados na convenção, sejam aceitos ainda que baseados em ações não-penais. Todavia, essa não é uma previsão obrigatória para os países partes da convenção, mas, como dito, apenas uma recomendação. O Tribunal Federal Suíço, por exemplo, ao julgar o último recurso dos réus em relação à admissibilidade do pedido de cooperação no caso Duvalier e autorizar o desbloqueio dos bens do ditador fez um verdadeiro desabafo em relação à inadequação da Lei Suíça de Cooperação Jurídica em Matéria Penal (Loi Fédérale sur l’Entraide Internacionale em Matière Pénale – EIMP) para casos de corrupção em países como o Haiti. Segundo a corte: “A recuperação dos ativos de ditadores depostos enfrenta diversos obstáculos. Os Estados vítimas deste tipo de conduta se confrontam com problemas particulares: eles podem ter uma relação ambígua com o regime deposto e não dispõem frequentemente de um aparelho judiciário capaz de assegurar de maneira eficaz e respeitosa dos direitos humanos a persecução dos antigos responsáveis e o confisco de seus bens [...] Nesse contexto, as condições impostas pela EIMP parecem muito restritas para esse tipo de caso. A duração dos procedimentos, as dificuldades da prova podem constituir – como na espécie – obstáculos insuperáveis. É ao legislador a quem cabe realizar correções e aperfeiçoamentos necessários para dar conta das particularidades desses processos” (tradução livre do francês). Tribunal Fédéral Suisse. 1C _374/2009, §7. 21 Brun et al. (2008), p. 11 e Hofmeyr (2008), p. 138. Em casos de pedidos baseados no crime de lavagem de dinheiro, por exemplo, a lista de crimes antecedentes da jurisdição requerida pode ser restrita. Em outros casos, em especial em paraísos fiscais, ilícitos fiscais não estão tipificados, o que impede a cooperação baseada unicamente em crimes contra a ordem tributária em que nenhuma fraude seja investigada. 22 23 Brun et al. (2011), p. 11 e Greenberg, Samuel, Grant e Gray (2009), p. 15. 24 Brun et al. (2011) supra, p. 11. No caso Duvalier, essas exigências por parte das autoridades suíças impediram o recebimento do pedido de cooperação jurídica internacional por vários anos, resultando na decisão de desbloqueio dos bens em 15 de maio de 2002. Tribunal Fédéral Suisse. 1C _374/2009. 25 26 180 Ibid., p. 12 e Hofmeyr (2008), p. 145. [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 27 Brun et al. (2008), p. 13. 28 Ibid., p. 12 e Hofmeyr (2008), p. 145. 29 Brun et al. (2008), p. 12. 30 Ibid., p. 12-13. Ibid., p. 12 e Monfrini (2008), p. 41. De acordo com Hofmeyr, “um investigador experiente pode custar até US$ 18.000,00 por dia, adicionados aos custos dos melhores advogados” (tradução livre do inglês). (2008), p. 145. 31 Em muitos países o sigilo bancário somente pode ser quebrado em ações criminais. Vide também Monfrini (2008), p. 42. 32 33 Ibid., p. 13. 34 Ibid., p. 13. 35 Ibid., p. 13. 36 Ibid., p. 13. Vide também Bertossa (2003), p. 182. 37 Brun et al. (2011), p. 8 e 13. 38 Ibid., p. 13. Em algumas jurisdições, não é possível iniciar simultaneamente uma ação penal e uma ação de extinção de domínio. Ademais, alguns sistemas jurídicos não permitem que uma investigação criminal seja iniciada se alguns fatos já são objeto de uma ação penal em outra jurisdição. 39 40 Art. 4, (a) i e ii. A previsão dessa alternativa tentava adequar-se aos sistemas jurídicos de Estados que aceitam que suas autoridades atuem como extensão da jurisdição estrangeira. Claman (2008), p. 342. 41 181 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: Essa solução era destinada ao Estado em que “direitos de propriedade requerem que decisões de confisco afetando ativos localizados em suas jurisdições sejam emitidas por suas próprias cortes.” Ibid., p. 342. 42 43 Tradução livre do inglês. Claman (2008), p. 343. 44 No caso Abacha, por exemplo. 45 Estadão, 9 de novembro de 2007; e G1, 29 de agosto de 2012. Segundo estimativa de julho de 2011 do então Coordenador-Geral de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça, Leonardo Ribeiro. Entrevista informal concedida em 7 de abril de 2011. 46 47 Pinheiro e Lima, 28 abril de 1999. Informações obtidas por meio de entrevista informal com a então Diretora do Departamento Internacional da Advocacia-Geral da União, Danielle Aleixo Reis do Valle Souza, realizada em 6 de abril de 2011. 48 49 Idem. Federative Eleventh Judicial Circuit Court. 27 August 2001. Case Number: 200021649-CA-01. 2. 50 De acordo com a Danielle Aleixo Reis do Valle Souza, ex-diretora do DPI/AGU, a ausência de tratado de cooperação jurídica internacional com as Bahamas e o rigor das leis locais de sigilo dificultaram a coleta de informações sobre a Hillside Trading, as quais somente foram obtidas com a subcontratação de escritório na ilha pelo escritório contratado pela AGU nos EUA. 51 52 Tribunal Penal Federal. RR.2007.131., Faits, §A. 53 Aproximadamente CHF 7 milhões. 54 Tribunal de Police de Genéve. 13 janvier 2010. §3. 55 Tribunal Penal Federal. RR.2007.131. supra §B. 182 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 56 Ibid. §C . 57 Tribunal Federal. 123 II 595. 10 décembre 1997. §B. 58 Ibid. §4f. Tribunal Penal Federal. RR.2007.131. §C e Tribunal de Police de Geneve. 13 janvier 2010. §23. 59 A Nigéria conseguiu decisão favorável a sua admissão como terceiro interessado em 3 de dezembro de 1999 (vide Daniel e Maton (2008), p. 67) e a sua participação na referida ação penal teria facilitado o rastreamento de US$ 645 milhões na Suíça, bem como várias outros valores enviados para outras jurisdições como Luxemburgo, Liechtenstein e Jersey, os quais foram posteriormente objeto de pedidos de cooperação jurídica internacional de bloqueio por parte das autoridades de persecução penal suíças (vide Monfrini (2008), p. 50-54). 60 61 Tribunal Penal Federal. RR.2007.131. §E. 62 Ação Penal n. 2000.61.81.001248-1 e n. 2000.61.81.001198-1. 63 Tribunal Penal Federal. RR.2007.131. §E. 64 TRF 3ª Região, Apelação Criminal n. 200061810011981. 65 Tribunal Penal Federal. RR.2007.131. § 3.2.2. 66 Tribunal de Police de Genève. 13 janvier 2010. §9. Os arts. 218G e 218H do Código de Processo Penal do Cantão de Genebra atribuía competência ao Ministério Público de se pronunciar sobre confisco na ausência de condenação e desde que essa decisão fosse passível de recursos a uma autoridade judicial. 67 68 Tribunal de Police de Genève. 13 janvier 2010. A compensação foi deferida porque se provou no processo criminal suíço que transferências foram realizadas das referidas contas para contas pertencentes a empresas em Miami, Nova York e Ilhas Cayman entre 1994 e 1999. De acordo com o art. 71 do 69 183 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: Código Penal Suíço: “se os ativos sujeitos ao perdimento não estão mais disponíveis, a corte poderá conceder uma compensação ao Estado referente à soma de equivalente valor.” 70 Tribunal Federal. Arret du 21 août 2012. Cour de droit Penal. 6B_688/2011. Faits A. Art. 72 do Código Penal Suíço: Confisco de bens de uma organização criminosa. A corte ordenará o confisco de todos os bens sujeitos ao poder de disposição de uma organização criminosa. No caso de bens de uma pessoa que participa ou auxilia uma organização criminosa (Art. 260ter), presume-se que os bens estão sujeitos ao poder de disposição da organização até prova em contrário. 71 72 Ire Cour de droit public, 1A.215/2004, 7 février 2005. 131 II 169. Não por coincidência, o Brasil contratou o mesmo escritório que representou a Nigéria no caso Abacha. BBC, “The dictator hunter.” 3 de março de 2011. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/worldservice/programmes/2011/03/110301_outlook_enrico_monfri ni.shtml>. Acesso em: 30de março de 2013. 73 74 Tribunal de Police de Genève. 13 janvier 2010. 75 Tribunal Federal. 6B_688/2011. Nesse caso específico, o Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça. 76 O Globo. “Governo consegue repatriar US$ 4,7 milhões desviados pelo ex-juiz Nicolau dos Santos Neto.” 9 de julho de 2013. Disponível em <http://oglobo.globo.com/pais/ governo-consegue-repatriar-us-47-milhoes-desviados-pelo-ex-juiz-nicolau-dos-santosneto-8970322#ixzz2YZvABblj>. Acesso em: 22 de julho de 2013. 77 78 Tribunal de Police de Genève. 13 janvier 2010. Item 6.2. Uma das principais razões que impediu a repatriação dos ativos no caso Duvalier foi a completa inércia das autoridades haitianas, que por diversos motivos, políticos e jurídicos, somente conseguiram dar início a um procedimento doméstico de confisco em 2007, apesar de o bloqueio na Suíça ter sido decretado em 1986. Vide Basel Institute on Governance, Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier. 79 184 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Tribunal de Police de Geneve. Procureur Generale vs. Nicolau dos Santos Neto et Maria da Gloria Bairão dos Santos. Chambre 4. 13 janvier 2010. 3. 80 81 1re Cour de droit public de Tribunal Fédéral Suisse, 10 décembre 1997. 5b. 82 Tribunal Penal Federal. 27 octobre 2011. SK.2008.17, item 2.5. Segundo informações obtidas em entrevista informal, com a advogada da União, Danielle Aleixo Reis do Valle Souza, que atuou no caso. 83 De acordo com a então Diretora do Departamento Internacional da AGU, Danielle Aleixo Reis do Valle Souza, consultas informais teriam sido realizadas nos citados países por meio das embaixadas brasileiras. Essas consultas preliminares, todavia, teriam recebido respostas negativas. Nesse caso, as autoridades de persecução penal podem ter presumido que os indícios da existência desses bens eram falsos ou os ativos teriam sido transferidos antes que o Brasil pudesse tomar qualquer ação legal para repatriá-los e, portanto, o envio de pedidos de cooperação seria infrutífero. 84 185 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: referênCIAs : : : : : : : : : : : : : : 1RE COUR DE DROIT PUBLIC. Extrait de l’arrêt dans la cause Abacha et consorts contre Office fédéral de la justice (recours de droit administratif). 1A.215/2004 du 7 février 2005. 131 II 169. BASEL GOVERNANCE. Duvalier assets cannot (yet) be returned to Haiti, 3 feb. 2010. BASEL INSTITUTE ON GOVERNANCE. Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier, Asset Recovery Knowledge Centre. Disponível em: <http://www.assetrecovery.org/kc/node/558ce875-a33e-11dc-bf1b335d0754ba85.6>. Acesso em: 28 de outubro de 2012. BBC. The dictator hunter. 3 de março de 2011. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/worldservice/programmes/2011/03/110301_outlook_enrico_ monfrini.shtml>. Acesso em: 30 de março de 2013. BERTOSSA, Bernard. “Mechanisms for gathering evidence abroad.” In: Controlling corruption in Asia and the Pacific ADB/OECD anti-corruption initiative for Asia and the Pacific, 2003. BRUN, Jean-Pierre; GRAY, Larissa; SCOTT, CLIVE; STEPHENSON, Kevin M. Asset recovery handbook: a guide for practitioners. World Bank: StAR Initiative, 2011. 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Nicolau Dos Santos Neto Contre Juge D’instruction du Canton de Genève, partie 187 [sumário] 4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP: : adverse Entraide internationale en matière pénale au Brésil. Durée de la saisie conservatoire (art. 33 a OEIMP). N.de dossier: RR.2007.131. _______. Jugement du 27 octobre 2011. Cour des affaires pénales. SK.2008.17. 188 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto Carolina Cutrupi Ferreira Introdução Este capítulo se propõe a descrever a atuação das instituições do sistema de justiça criminal na gestão da prisão preventiva e execução provisória da pena de Nicolau dos Santos Neto. O texto percorre a trajetória da prisão do ex-juiz, decretada no mês de abril do ano 2000 e em vigor até junho de 2014. O período é marcado por inúmeros recursos apresentados pela defesa e pelo Ministério Público Federal (MPF) para determinar sua alocação: se em prisão domiciliar, nas dependências da Polícia Federal ou no sistema penitenciário comum. A argumentação da defesa baseia-se na saúde frágil do ex-juiz e na sua idade avançada (à época da decretação, Nicolau tinha 73 anos). Já o MPF recorre aos laudos periciais de Nicolau realizados por órgãos públicos que indicam a possibilidade de tratamento de saúde dentro do sistema prisional. No final do ano de 2006, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF da 3ª Região) confirmou as sentenças condenatórias proferidas em primeiro grau. Desde então, o MPF requer, em seus pedidos, que Nicolau deixe a prisão domiciliar para cumprimento da pena no sistema penitenciário, uma vez que dispositivos das sentenças condenatórias determinaram a abertura de processo de execução provisória das penas. Por outro lado, a defesa sustenta que recursos contra as condenações ainda estão pendentes de julgamento de recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ); portanto, o juiz continuaria em prisão cautelar, e não cumprindo pena. A prisão de Nicolau ganhou relevo no Caso TRT, pois o juiz foi o único dos réus recolhido ao cárcere e também o único a quem foi negado o direito de aguardar o trânsito em julgado da condenação em liberdade. Os demais acusados foram presos preventivamente por poucos dias, enquanto as idas e vindas da prisão de Nicolau perduram mais de 12 anos. 189 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto A mobilização do Ministério da Justiça – em especial a Polícia Federal –, do MPF e da justiça federal na alocação do juiz na prisão cautelar (carceragem da Polícia Federal, sistema penitenciário ou em prisão domiciliar) e no cumprimento da pena de prisão estão presentes durante todo o período. Os entraves para custodiá-lo em sua residência ou no sistema prisional brasileiro evidenciam as dificuldades dos órgãos do sistema de justiça em lidar com um réu dotado de tantas peculiaridades, dentre as quais o direito à prisão especial, o poder aquisitivo elevado, a idade avançada e, conforme argumenta a defesa, a saúde debilitada. A atuação intensa na gestão dessa prisão vem refletindo o desgaste institucional sofrido pelas instituições envolvidas. A Polícia Federal procurou Nicolau por sete meses até que o ex-juiz se entregasse para cumprimento do mandado de prisão preventiva.1 Nos últimos anos, relatou-se divergências entre Nicolau, familiares e agentes da Polícia Federal que vigiam o cumprimento da prisão domiciliar. O MPF busca, em inúmeros recursos, obrigá-lo a cumprir pena no sistema prisional. A justiça federal de 1º grau, por sua vez, manifesta-se no sentido de que o ex-juiz não deveria permanecer em prisão domiciliar, mas “tendo em vista que as instâncias superiores decidiram pela mantença do mesmo nesta condição”, acata a determinação dos Tribunais Superiores.2 Por outro lado, a mais recente decisão do TRF da 3ª Região, entendeu que não cabia ao juiz da execução criminal determinar a prisão domiciliar e, sob tal fundamento, determinou o retorno de Nicolau ao sistema penitenciário.3 Outro fator peculiar ao caso foi sua repercussão social e midiática que, em certa medida, refletiam aspirações no combate à “impunidade”. Dias após chegar à carceragem da Polícia Federal, logo após sua rendição, moradores de Higienópolis amarraram uma faixa na frente do prédio da PF com a seguinte inscrição: “dois pesos, duas medidas. Rico: justiça e cana light; pobre: justiça e cana dura”.4 A possibilidade de uma figura de autoridade – como um juiz de direito – ser presa foi encarada por alguns setores como estímulo no combate à corrupção do país. Um exemplo foi o pronunciamento do presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Jayme Chemello, que, ao ser entrevistado sobre o tema, disse: “acho que ele [Nicolau] deveria pelo menos sentir um pouco o que significa a cadeia”.5 190 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT A extensa cobertura jornalística dos primeiros anos de prisão resultou em um conjunto de informações bastante relevantes sobre o encaminhamento dos processos judiciais (todos em segredo de justiça) e da manutenção da reclusão de Nicolau. Esse material é a principal fonte empírica deste capítulo, cujo relato se baseia em 322 reportagens jornalísticas coletadas no Acervo do jornal Folha de S. Paulo entre janeiro de 2000 e abril de 2013. Essas informações foram complementadas com decisões judiciais sobre Nicolau disponíveis no acompanhamento do processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181, e em dezenas de ações e recursos impetrados no TRF da 3ª Região, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).6 A narrativa a seguir divide-se em três grandes tópicos. O primeiro narra a interação entre Ministério da Justiça, Polícia Federal, Ministério Público e justiça federal durante o período em que Nicolau esteve foragido da justiça. O segundo tópico aborda as principais movimentações desses órgãos para determinar a alocação do ex-juiz até as sentenças condenatórias. Por fim, o último tópico traz os principais aspectos sobre o início do processo de execução provisória que teve início em 2007.7 A fugA e A rendIção O juiz Casem Mazloum, da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo, expediu duas ordens de prisão contra o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. A primeira, de 25 de abril de 2000, relacionava-se com a acusação da prática do crime de evasão de divisas. A segunda ordem de prisão foi expedida em 4 de maio de 2000, pela acusação dos crimes de estelionato, formação de quadrilha, peculato e corrupção passiva.8 O fundamento das prisões preventivas baseou-se na garantia da ordem pública e na “magnitude do dano causado”.9 Após a decretação da prisão cautelar, divulgou-se na imprensa que o juiz estaria foragido desde 25 de abril do mesmo ano. Entre abril e dezembro, a Polícia Federal promoveu inúmeras investigações e diligências sobre pessoas que estariam ajudando Nicolau a permanecer foragido. Dentre os procedimentos adotados pela PF, consta a inclusão do nome do acusado no Sistema Nacional de Procurados e Impedidos (Sinpi). Após a decretação da prisão, o juiz Mazloum expediu a ordem à PF de notificar 5.1 | 191 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto todos os postos de fronteira que Nicolau estaria impedido, por determinação judicial, de deixar o país. A fuga de Nicolau teve grande repercussão midiática, levando as diversas autoridades envolvidas a manifestar-se publicamente sobre o tema, e explicitou as dificuldades institucionais para sua captura e rendição. Em julho de 2000, quando a Polícia Federal estava em busca do juiz, o então ministro da Justiça, José Gregori, afirmou que Nicolau não era “nenhum facínora, nem um bandido que está habituado a se esconder desde a adolescência”. Em outra ocasião, o então superintendente da Polícia Federal, Agílio Monteiro, afirmou que a instituição estaria sob pressão no caso da procura a Nicolau: “estamos sendo muito cobrados com essa situação”. “A PF está trabalhando dia e noite para que o mandado de prisão seja cumprido o mais rápido possível”.10 As buscas realizadas pela Polícia Federal envolveram mais de 20 cidades em cinco estados brasileiros. Muito embora o passaporte de Nicolau tenha sido entregue à justiça brasileira, equipes de policiais e de adidos militares brasileiros do Paraguai, Argentina e Colômbia foram enviadas à Interpol para auxiliar outros países na investigação.11 Após três meses de buscas, o superintendente da Polícia Federal se reuniu com dirigentes da Interpol para entregar-lhes dossiês com o resultado das investigações policiais de Nicolau dos Santos Neto e de Salvatore Cacciola, também foragido da justiça.12 Agílio Monteiro Filho disse que recebeu da Interpol a promessa de “empenho máximo” para localizar ambos os foragidos.13 Outra medida adotada pelo Ministério da Justiça foi a divulgação de cartazes “procura-se”. No cartaz, a foto do ex-juiz era acompanhada de seu nome completo e apelido (“Lalau”), além do timbre do Ministério, a informação de que existiam dois mandados de prisão contra ele e o número 0800 da Polícia Federal para receber denúncias sobre seu paradeiro. Segundo o Ministério da Justiça, 50 mil cartazes coloridos foram distribuídos em superintendências da Polícia Federal, especialmente em aeroportos, rodoviárias, bancos, agências dos correios e delegacias de polícia .14 Em notícia de 18 de agosto de 2000, o jornal Folha de S. Paulo indicou ter apurado que o governo federal chegou a discutir a possibilidade de 192 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT oferecimento de recompensa de R$ 30 mil por pista que levasse à captura do ex-juiz. A informação foi negada pelo Ministério da Justiça, que justificou com a ausência de previsão orçamentária para a medida. Em diversas ocasiões, o então ministro José Gregori negou que houvesse negociações entre o Ministério da Justiça e Nicolau para que ele se entregasse à polícia.15 Em 17 de novembro, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, afirmou que “certamente não pode haver acordo” entre o ministro da Justiça, José Gregori, e os advogados do ex-juiz, a fim de que ele se entregasse: “acordo não. Ele tem é que ser preso”. Para o expresidente, “quem está sendo perseguido e quem está sendo acusado de ter malversado o dinheiro público não pode ter o benefício de um acordo”.16 No mesmo dia da declaração do ex-presidente, o ministro José Gregori confirmou que foi procurado pelo advogado do ex-juiz para “acertar a apresentação de seu cliente”. Segundo Gregori, o contato teve caráter de “sondagem e de abertura de canal”. “A conversa foi no sentido de saber, se realmente houver uma apresentação (do ex-juiz), qual será a reação (da Justiça)”.17 Nos dias que antecederam a rendição, a cobertura midiática relatou os entraves nas tratativas para sua prisão. Um dos impasses seria a possibilidade de se tirar fotografias quando o ex-juiz fosse preso. Segundo notícia da Folha, para o governo, e especialmente para o Ministro José Gregori, “a foto é uma ‘questão de honra’. A prisão resolveria parte do desgaste que o ministro – e a própria PF – vem sofrendo. Para os advogados, representaria uma humilhação”.18 A reportagem mencionou ainda outras condições na negociação, como não expor o ex-juiz à execração pública e não algemá-lo, além da exigência de que ele não entrasse no camburão da PF e se entregasse à noite, ficando em cela especial. “O ministério avalia que não seria privilégio dar esses direitos a Nicolau, que tem mais de 70 anos e curso superior”.19 Ainda assim, o Ministro José Gregori e o ex-presidente FHC negaram a existência de negociações com Nicolau. À véspera da rendição deste, FHC disse, por meio de porta-voz, que “qualquer foragido tem de ser preso”.20 Em 8 de dezembro de 2000, sete meses após as decretações da prisão preventiva, o advogado do ex-juiz entrou em contato com o então delegado 193 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto da Polícia Federal, Roberto Precioso, manifestando desejo de apresentar seu cliente. O advogado pediu que o delegado o acompanhasse até o local onde Nicolau se encontrava. Após conversa, o delegado contatou o Ministério da Justiça e a direção-geral da Polícia Federal, que lhe deram autorização para cumprir as determinações legais de lavratura do auto de apresentação e exame de corpo de delito. O delegado e o ex-juiz combinaram de se encontrar em um motel de estrada entre as cidades de Dom Pedrito e Bagé, no Rio Grande do Sul. Lá, Nicolau se rendeu assinando um termo de rendição espontânea. A seguir, foi conduzido de avião para São Paulo, onde fez exame de corpo de delito e transferido para uma carceragem da Polícia Federal no bairro de Higienópolis, onde ficou em cela especial.21 A chegada de Nicolau na carceragem exigiu um forte esquema da Polícia Federal, que usou um “policial dublê” para despistar a atenção dos repórteres e evitar possíveis agressões que pudessem ocorrer durante sua transferência entre a sede da Polícia Federal e a carceragem. A principal preocupação da polícia era a quantidade de pessoas que aguardavam a saída do ex-juiz. Segundo a Polícia Militar, “foram apreendidos pedaços de paus, cabos de vassoura e pedras entre as pessoas que acompanhavam a movimentação”.22 Já no momento da rendição relatou-se a debilidade do estado de saúde do ex-juiz. Segundo o advogado de Nicolau, “ele já é uma pessoa de 70 anos e toma medicação apropriada. A lei lhe garante a prisão especial e, se houver necessidade de um médico examinando-o periodicamente, isso é permitido”.23 O porta-voz da Polícia Federal disse, no mesmo dia, que o ex-juiz está “abatido e mais magro, e não foi submetido a nenhuma plástica”.24 O Ministério da Justiça divulgou nota oficial sobre a prisão, enfatizando que o juiz “não contará com nenhuma regalia, tendo direito por força de seu grau à prisão especial”. Ao final, a nota indicava o esforço do Estado brasileiro na solução do caso: A imensa visibilidade nacional do caso que envolve o juiz e sua fuga por mais de 200 dias ensejou críticas e mesmo indignação da opinião pública que, agora, deverá extrair do episódio, a lição de 194 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT que, no Brasil novo e democrático que estamos construindo, não há lugar para a impunidade e que, cedo ou tarde, mas com a certeza das coisas inevitáveis, os que tiverem contas a ajustar com a Justiça – usem colarinho branco ou camiseta – serão alcançados pela firmeza da lei, sem violência, mas com o rigor de todas as suas consequências.25 5.2 | PrIsão esPeCIAl nA PolíCIA federAl e CondenAções nA justIçA federAl Os primeiros dias de prisão de Nicolau foram intensamente relatados pela mídia. Nicolau foi alocado em uma cela de seis metros quadrados com “um colchão de solteiro e uma cadeira encostada na parede”,26 com direito a receber alimentação da própria família e visitas, além de um banho de sol por dia.27 Predominaram reportagens sobre o cardápio na carceragem – arroz, feijão, bife à parmegiana, acelga com bacon, salada de alface e queijadinha de sobremesa28 – refeição recusada pelo ex-juiz.29 Em outra ocasião, após nova recusa de refeição, “os policiais mostraram a marmita recusada por Nicolau aos jornalistas, que decidiram entregar a dois mendigos. Ao saber que se tratava do jantar do ex-juiz, um dos mendigos [...] perguntou: ‘onde está o dinheiro que o Lalau roubou? Está na Suíça?’”.30 Em 1º de janeiro de 2001, o então juiz Casem Mazloum expediu ordem ao ex-Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Marco Vinício Petrelluzzi, determinando a transferência de Nicolau para um presídio militar no prazo de 24 horas, sob pena de prisão. A partir dessa determinação, reuniões foram realizadas entre Petrelluzzi e Nagashi Furukawa (ex-Secretário de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo), com a ciência do ex-Ministro José Gregori. Em princípio, refutou-se a ordem do juiz Mazloum para transferir Nicolau a um presídio da Polícia Militar, sob o fundamento de que “quartel não é local para preso ficar”, segundo Petrelluzzi.31 A ordem de transferência da justiça federal provocou atrito no poder executivo paulista. O Secretário de Segurança Pública considerou “inadequado” o procedimento do juiz, e chegou a afirmar publicamente que representaria 195 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto Mazloum na corregedoria da justiça federal. A urgência da transferência – cujo fundamento seria a “questão de segurança” – também foi questionada: “causa-me espanto essa urgência que justifica um juiz ameaçar de prisão um secretário de Estado”, afirmou Petrelluzzi.32 Contra a ordem de Mazloum, o Secretário conseguiu, por meio de recurso no TRF, mais 48 horas para definir a transferência de Nicolau. Ao final, o ex-juiz foi transferido para a 77ª Delegacia de Polícia, passando a dividir cela com outros dois presos. Segundo a defesa, o local estaria em desacordo com o que a lei prevê para uma cela especial: “o Estado tem que dar estrutura para o que a lei determina. Se isso não ocorre, a justiça tem que conceder prisão domiciliar”.33 A situação causada pela prisão do ex-juiz e a exigência da defesa do direito de mantê-lo em prisão especial levou ao debate público a proposta de reforma legislativa para abolir tal previsão. Originalmente, a prisão especial era regulada pelo Decreto n. 38.016/55, que dispõe sobre as prerrogativas do beneficiado. Tal decreto foi revogado em 1991, mas os critérios continuaram referência aos juízes para a concessão da prisão especial. À data do retorno de Nicolau à Polícia Federal, o Ministro José Gregori afirmou que “com a clientela [dessas celas] aumentando, estamos nos defrontando com uma situação de privilégio, que tem de ser revista”.34 No mesmo dia da transferência, a defesa ingressou com pedido de habeas corpus no STJ, requisitando a prisão domiciliar de Nicolau com base na justificativa de que o Estado não possuía estabelecimento condizente com os requisitos legais da prisão especial. De acordo com o pedido, a prisão domiciliar deveria se estender “ao menos até que se encontre local adequado ao cumprimento da prisão especial”.35 No dia seguinte, o STJ negou a concessão de prisão domiciliar em liminar, mas determinou o retorno de Nicolau às dependências da Polícia Federal.36 A decisão pelo retorno de Nicolau à Polícia Federal foi alvo de críticas pelo Secretário de Segurança Pública, ao afirmar que “parece que querem criar a prisão especialíssima. [...] A PF diz que não tem condições de ficar com o preso, que estava atrapalhando o serviço, estava criando transtorno. Parece que, se tirar da PF das suas funções burocráticas, ela se sente transtornada”.37 196 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Em 15 de janeiro de 2001, expediu-se a terceira ordem de prisão preventiva contra Nicolau pelo crime de sonegação fiscal, determinando que ele fosse recolhido “à casa de detenção ou a outro estabelecimento penitenciário”. A juíza da 6ª Vara Criminal Federal determinou sua prisão ante a possibilidade de nova fuga do acusado. Segundo a juíza, a fuga poderia causar na população “um sentimento de impunidade e descrédito nas instituições estatais encarregadas de assegurar a justiça e segurança no meio social”.38 Contra a ordem, a defesa ingressou com pedido de habeas corpus no TRF da 3ª Região que, em liminar, decidiu pela manutenção de Nicolau na Polícia Federal e, no mérito, pela concessão da ordem.39 Ainda assim o ex-juiz continuou preso, em razão dos outros dois pedidos de prisão da 1ª Vara Federal. Novo pedido de prisão domiciliar foi apresentado à 1ª Vara Criminal Federal em 22 de junho, no qual se alegava a debilidade da saúde do ex-juiz, cujo laudo pericial detectou depressão profunda, hipertensão e inchaço nas pernas.40 O então juiz Casem Mazloum concedeu a prisão domiciliar provisória; Nicolau deveria passar por nova avaliação médica dali a 30 dias. Decidiu-se que Nicolau deveria permanecer em sua residência sob vigilância de agentes da Polícia Federal, e só poderia sair escoltado para realizar exames e tratamentos médicos.41 Após 17 dias em prisão domiciliar, o TRF da 3ª Região julgou procedente pedido liminar de mandado de segurança interposto pelo MPF para revogá-la.42 Como principais fundamentos da decisão, a relatora mencionou o desvio da função da Polícia Federal, que monitorava a residência do ex-juiz 24 horas por dia; o incentivo à impunidade, por manter um juiz aposentado em casa, e o fato de Nicolau receber o mesmo tratamento que recebia na carceragem da Polícia Federal.43 No dia seguinte, o STJ concedeu ordem de habeas corpus para que ele voltasse para casa. Para o relator da ação, o Ministro Nilson Naves, não seria possível “determinar a privação de liberdade de alguém por meio de um mandado de segurança”.44 Trinta dias após o início da prisão domiciliar, laudo médico foi realizado pelo Instituto de Medicina Social e Criminológica (Imesc), atestando a possibilidade de tratamento ambulatorial da hipertensão e depressão de Nicolau dentro do sistema prisional. A partir desse laudo, a prisão domiciliar de Nicolau foi suspensa, e o juiz federal da 1ª Vara Criminal determinou 197 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto que ele fosse recolhido à cela comum, e não à carceragem da Polícia Federal. Um habeas corpus impetrado no STJ requerendo a prisão domiciliar foi denegado, e o ex-juiz permaneceu na Polícia Federal.45 Manutenção da prisão após condenação Em 28 de junho de 2002, Nicolau dos Santos Neto foi condenado pelo juiz Casem Mazloum à pena de oito anos de reclusão pelos crimes de tráfico de influência e lavagem de dinheiro. A sentença determinou sua transferência imediata para uma colônia de trabalho agrícola e a devolução de R$ 1,92 milhão. Decidiu-se pelo seu impedimento de exercer cargo público por 16 anos, além da possibilidade de que ele recorresse da condenação em liberdade. Após a decisão, a Secretaria de Administração Penitenciária determinou a transferência de Nicolau para o Instituto Penal Agrícola de Bauru. Contudo, manifestações do MPF e da defesa contribuíram para a manutenção de Nicolau na Polícia Federal. A juíza responsável entendeu que “a transferência para o estabelecimento prisional de regime semiaberto implicaria em execução provisória, e tal hipótese não é possível quando a sentença ainda não se tornou definitiva”.46 Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a decisão atende ao pedido dos advogados de defesa de Nicolau, que não queriam a transferência dele para Bauru (343 km a noroeste de São Paulo) devido à grande distância entre esta cidade e a capital do Estado, onde moram os parentes do juiz aposentado.47 Em 18 de julho de 2003, decisão em liminar do STJ determinou a transferência para prisão domiciliar, pois o laudo pericial de Nicolau teria demonstrado “o risco que corre o paciente ao permanecer nas dependências da Polícia Federal em São Paulo, sem o devido tratamento e acompanhamento médico”.48 A decisão também enfatizou que o parecer elaborado pelo Delegado de Polícia Federal responsável pelo caso indicou que não haveria, na Polícia Federal, “local condizente com os ditames da lei” para acomodar o ex-juiz. A decisão liminar foi mantida pela Corte Especial do STJ em fevereiro de 2004 pelos mesmos fundamentos. Em abril de 2005, o TRF da 3ª Região reformou a sentença do juiz de primeiro grau e aumentou as penas impostas a Nicolau pelos crimes de 5.2.1 | 198 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT tráfico de influência e lavagem de dinheiro, além de condená-lo pelo crime de evasão de divisas.49 Ao final, o ex-juiz foi condenado a 14 anos de reclusão e pagamento de 600 dias-multa. Meses depois, sobreveio nova condenação pelo crime de sonegação de imposto de renda entre 1995 e 1999, a pena de sete anos e seis meses de reclusão mais multa.50 Em maio de 2006, à véspera de esgotar-se prazo prescricional, o TRF da 3ª Região condenou o ex-juiz a 26 anos e seis meses de reclusão pelos crimes de peculato, estelionato e corrupção passiva, mais o pagamento de multa de R$ 1,2 milhão.51 o IníCIo do ProCesso de exeCução ProvIsórIA O Código de Processo Penal dispõe que o cumprimento da sanção criminal terá início após o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 669).52 No entanto, admite-se a possibilidade de “execução provisória” quando a sentença for irrecorrível para o Ministério Público, mesmo pendentes de julgamento recursos da defesa.53 Provimentos do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo regulam a utilização das “guias de recolhimento provisória”, remetidas às varas de execuções criminais para acompanhar os autos de cumprimento da pena de condenado preso “em decorrência de prisão processual ou logo depois de noticiada a prisão”. Em síntese, enquanto não for juntada aos autos a certidão de trânsito em julgado da sentença condenatória, considera-se a prisão como cautelar, e a execução como provisória. As críticas a tal procedimento baseiam-se na violação ao princípio constitucional da não culpabilidade (art. 5º, inciso LVII) e aos dispositivos da Lei de Execução Penal (LEP), que condicionou o cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença condenatória, que valerá como título executivo judicial.54,55 Outro aspecto relevante sobre o tema é que a Lei n. 8.038/90 dispõe expressamente que os recursos extraordinário e especial serão recebidos apenas no efeito devolutivo.56 Ou seja, não há suspensão do andamento do processo principal até o julgamento de recurso interposto pela defesa. Mesmo que a matéria seja apreciada pelos tribunais superiores, o processo principal continuará em andamento. Sobre o tema, o Superior Tribunal de 5.3 | 199 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto Justiça (STJ) editou no ano de 2002 a Súmula 267: “a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”. Por anos o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não havia impedimento à execução da sentença quando pendente apenas recursos sem efeito suspensivo. Em fevereiro de 2009, o Tribunal mudou seu posicionamento, firmando precedente no sentido de que a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da condenação ofende o princípio da não culpabilidade, excetuada a hipótese da privação da liberdade acompanhada da demonstração de sua natureza cautela. Nesse sentido, “os preceitos veiculados pela LEP, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP”.57 A definição sobre o cabimento de execução provisória é objeto de divergência de MPF e defesa de Nicolau dos Santos Neto durante todo o período em que ele está preso. Após as condenações, os três processos de execução iniciaram tramitação na 1ª Vara Criminal. Em janeiro de 2007, o MPF requereu o cumprimento da pena de Nicolau no sistema penitenciário. De acordo com o MPF, o cumprimento de sua pena teria se iniciado em 19 de dezembro de 2006, encerrando-se assim a prisão cautelar. A decisão da juíza da 1ª Vara Federal determinou a transferência do ex-juiz para a carceragem da Polícia Federal, “à espera de uma vaga no sistema prisional”.58 A defesa de Nicolau recorreu da decisão em habeas corpus ao TRF da 3ª Região para a manutenção da prisão domiciliar sob o fundamento de que a condenação seria provisória, com recursos pendentes no STJ contra as sentenças condenatórias, além da idade avançada do juiz (à época com 78 anos) e o diagnóstico de problemas de locomoção, saúde e depressão.59 Embora o fundamento da defesa baseie-se na possibilidade de reforma da condenação, a prisão domiciliar somente era aplicável aos condenados, em situações excepcionais. À época, as regras sobre concessão de prisão domiciliar restringiam-se às hipóteses do art. 117 da Lei de Execução Penal, admitida como forma de cumprimento de pena aos condenados com mais de 70 anos, acometidos de doença grave, às condenadas com filho menor ou deficientes físicos ou mentais ou condenadas gestantes.60 200 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Uma decisão de liminar proferida pelo TRF determinou o retorno de Nicolau à prisão domiciliar, condicionada “a tratamento médico adequado, com acompanhamento constante de profissional especializado da área de psiquiatria, considerando que a perícia médica constatou quadro depressivo que está sendo tratado de forma insuficiente”.61 Em julho de 2007, o MPF requereu novamente a transferência do ex-juiz ao sistema penitenciário após um laudo da Coordenação de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária constatar que Nicolau não estaria sofrendo de depressão grave, mas de “reação de ajustamento tipo depressivo”.62 Após provimento do pedido pelo juízo do primeiro grau e transferência para a Polícia Federal, o TRF da 3ª Região determinou novamente o retorno do ex-juiz à prisão domiciliar. O relator sustentou que Nicolau teria idade avançada e problemas de saúde que justificariam a decisão.63 Como se viu anteriormente, a responsabilidade pela manutenção da prisão de Nicolau é da Polícia Federal, que providenciou um espaço para acomodá-lo na carceragem de São Paulo e, posteriormente, passou a vigiar externamente a residência do réu, assim como é responsável pela escolta antes, durante e após o término dos exames periciais. Meses após o retorno de Nicolau à prisão domiciliar, o MPF apontou uma série de falhas na vigilância realizada por agentes da Polícia Federal. O MPF requereu ao juízo da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo a troca de todos os agentes responsáveis pela vigilância por agentes que ainda não haviam trabalhado no caso, além de solicitar um rodízio dos agentes a cada três meses. De acordo com reportagem do jornal Folha de S. Paulo, o MPF constatou irregularidades, como a ausência de agentes da PF de plantão na residência do ex-juiz. Das seis visitas feitas por oficiais de Justiça em dias e horários diferentes, em apenas uma havia um agente da Polícia Federal. “‘Essa falha grave no serviço de custódia e outras omissões, levaram o MPF a pedir as mudanças na forma de se executar a custódia do ex-juiz’, disse o MPF em nota”.64 O MPF fez novo pedido de providências à justiça federal em abril de 2008, requerendo a abertura de procedimento disciplinar para apurar a 201 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto conduta de policiais federais responsáveis pela custódia do preso. Segundo o MPF, a Polícia Federal não relatou à justiça acidente ocorrido com Nicolau em sua residência no ano de 2005, nem o motivo pelo qual os policiais não encaminharam o ex-juiz ao hospital. A Polícia também não teria relatado que, em fevereiro de 2007, o ex-juiz foi submetido a uma pequena intervenção cirúrgica em sua residência, o que só foi descoberto após pedido do MPF para que relatasse outros acidentes. “Ou os policiais não tiveram ciência dos acontecimentos ou entenderam por não os trazer ao conhecimento da Justiça Federal e do MPF”, afirmou o procurador da República responsável pelo caso.65 Em resposta ao requerimento do MPF, o juiz da 1ª Vara de Execuções Criminais determinou que a Polícia Federal “deverá permanecer em tempo integral no interior da residência do réu, bem como acompanhá-lo no caso de saída, somente com autorização judicial”. Nesse sentido, requer à defesa que seja providenciado local adequado para os policiais da vigilância; um cômodo da casa onde se cumpre a pena, com banheiro e uma vaga na garagem, “para os policiais federais permanecerem diariamente, ficando desde já advertidos que para que seja cumprida a ordem de prisão domiciliar é absolutamente necessária a vigilância interna da Polícia Federal”.66 Em despachos posteriores, requereu-se “vaga cedida no estacionamento da residência do réu, e [...] se há possibilidade de que seja fornecida alimentação para os agentes diariamente, a fim de que não abandonem a vigilância”67 e adequação “da rede elétrica no cômodo atualmente utilizado pelos policiais federais, a fim de serem instalados um refrigerador do tipo ‘frigobar’ e um forno elétrico”.68 Uma notícia veiculada em dezembro de 2008 revelou que a defesa de Nicolau requereu à justiça federal o uso da tornozeleira eletrônica com sistema GPS, que permitiria o monitoramento dos passos dele, via satélite, pela Polícia Federal. A reportagem indicou que “a Procuradoria tende[ria] a concordar com o pedido”.69 Um despacho judicial questionou o MPF sobre a origem das informações divulgadas pelo jornal Folha de S. Paulo, uma vez que o processo estava em segredo de justiça e a residência de Nicolau era vigiada internamente 24 horas pela Polícia Federal. O juiz questionou: 202 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 1) quem autorizou a entrada da reportagem, já que não foi protocolado pedido perante este Juízo e quem os recebeu. 2) onde colheram a informação de que a tornozeleira eletrônica será utilizada pelo apenado e que será “estreada” neste ano, além do preço informado. 3) onde colheram a informação da quantidade de policiais que fazem a escolta “por mês”. 4) onde colheram a informação sobre a lista de reclamações do MPF e falhas na custódia de Nicolau pela Polícia Federal. 5) quem informou que a Polícia Federal não respondeu requerimento do MPF sobre acidente ocorrido com o apenado no ano de 2005.70 Não foi possível localizar a resposta ao ofício da 1ª Vara Criminal. Contudo, despachos posteriores indicaram a permanência da vigilância da Polícia Federal, cuja autoridade relatou nos autos do processo que “a custódia constante tem gerado gastos elevados ao Estado, bem como situações de conflito entre os envolvidos (apenado, familiares e policiais)”.71 Quanto ao monitoramento eletrônico, o juiz do processo de execução provisória mencionou que “solicitou as tornozeleiras eletrônicas, mas como o apenado cumpre pena em regime de prisão domiciliar a Secretaria de Administração Penitenciária informou não ser possível o fornecimento”.72 Um fato que evidenciou os conflitos envolvendo Nicolau e os agentes da Polícia Federal foi a denúncia de que o ex-juiz teria “colocado câmeras para monitoração da Polícia Federal”, “e que o apenado exigiu pessoalmente a recolocação da câmera, no exato local onde se encontrava, contrariando a orientação do policial responsável pela fiscalização da custódia domiciliar”. Além disso, foi requerido que entregasse as mídias com as gravações para destruição, mas o ex-juiz não cumpriu a ordem judicial, sendo reconhecido o cometimento de falta grave, nos termos do art. 50, inciso VI da Lei de Execução Penal, “subvertendo o objetivo e as finalidades da fiscalização da pena”.73 Há poucas informações disponíveis sobre o direito de Nicolau à progressão de regime ou livramento condicional. Sabe-se que os pedidos de 203 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto progressão para o regime semiaberto com pedido de trabalho externo foram denegados pelo juízo de primeiro grau em março de 2009, sob o fundamento de que ainda não haviam sido expedidas as guias de recolhimento de execução e porque “persistem os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva”.74 No mês de setembro de 2010, requereu-se a concessão de livramento condicional, mas não foi possível encontrar a decisão sobre o pedido. No ano de 2012, laudo pericial indicou “evolução no quadro clínico do sentenciado de leve a moderada gravidade”, concluindo que, “do ponto de vista psiquiátrico, nada há que impeça o cumprimento da pena em regime fechado”.75 Contudo, o juízo de primeiro grau considerou o fator da idade avançada de Nicolau (83 anos) para justificar a manutenção da prisão domiciliar.76 Em 13 de março de 2013, o MPF ingressou com uma Reclamação no STJ pedindo a execução definitiva da pena do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, pelas condenações aos crimes contra a ordem tributária. A reclamação solicita que a juíza federal da 1ª Vara Criminal execute a decisão condenatória e a emissão da certidão de trânsito em julgado. Nessa ocasião, o MPF reafirmou que a decisão transitou em julgado e, logo, seria possível o cumprimento da pena definitiva.77 Dias depois, em seu site oficial, o MPF publicou tabelas com os prazos prescricionais das condenações dos envolvidos no Caso TRT. Segundo a notícia, [...] por ter sido sentenciado quando já tinha mais de 70 anos, o prazo de prescrição para o ex-juiz é contado pela metade e, por isso, até maio do ano que vem, se não forem julgados todos os recursos que seus advogados movem nos tribunais superiores, ocorrerá a prescrição e Nicolau não poderá mais ser responsabilizado pelos crimes que foi condenado.78 Paralelamente, o MPF interpôs agravo em execução penal no TRF da 3ª Região, recorrendo da decisão do juiz da 1ª Vara Criminal que deferiu a manutenção da prisão domiciliar de Nicolau com fundamento em medida 204 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT cautelar da Lei n. 12.403/2011.79 Para o MPF, a referida lei alterou o Código de Processo Penal exclusivamente em relação às prisões cautelares, não sendo aplicável, pois, às prisões em fase de execução – ainda que provisória, como seria o caso dos autos. Em março de 2013, o Tribunal decidiu revogar a prisão domiciliar e determinar a imediata transferência do recorrido ao sistema penitenciário, desde que com condições adequadas a sua peculiar situação pessoal (pessoa com mais de oitenta anos de idade), ou, quando não, a “hospital penitenciário que possibilite adequado tratamento de saúde”.80 A defesa recorreu ao STJ, argumentando que o ex-juiz cumpre “a mais longa prisão provisória da história do Brasil” e requer o retorno à prisão provisória pelo cumprimento de mais de um sexto da pena.81 Em decisão liminar, o Relator Ministro Og Fernandes renegou pedido de liberdade.82 A defesa fez pedido de reconsideração, alegando, dentre outros, o excesso de lotação da penitenciária na qual Nicolau foi alocado. Ainda assim, o ministro manteve a prisão em regime fechado.83 Após a decisão do TRF da 3ª Região, o juiz de primeiro grau determinou a alocação de Nicolau em “unidade prisional de regime fechado” e a realização de exame médico, com urgência, para atestar o atual estado de saúde do réu, a fim de analisar se deveria retornar à prisão com cela especial até o trânsito em julgado da condenação (LC n. 35/79, art. 33, inciso III) ou ser removido a Hospital Penitenciário de Custódia e Tratamento, que possibilitasse adequado tratamento de saúde.84 Nicolau foi transferido para a penitenciária de Tremembé (140 km de São Paulo). O último andamento registrado no processo de execução provisória data de 26 de março de 2013, uma decisão na qual o juiz da 1ª Vara Criminal determinou a conversão da execução provisória em definitiva, “expedindo-se mandado de prisão em relação à condenação que consta da execução penal”. Para o juiz, a decisão do STJ de maio de 2012, que determinou “a imediata execução do julgado, independentemente da publicação do acórdão e da eventual interposição de outro recurso”, substitui a necessidade da certidão de trânsito em julgado.85 Em 2 de abril de 2013, o Supremo Tribunal Federal emitiu certidão de trânsito em julgado da condenação do ex-juiz pelo crime de lavagem de 205 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto dinheiro. As outras condenações ainda estão pendentes de julgamento dos recursos interpostos pela defesa nos tribunais superiores (STJ e STF). Em junho de 2014, a pena de Nicolau foi extinta por indulto coletivo86 concedido a todos condenados a pena privativa de liberdade superior a oito anos que, até 25 de dezembro de 2012, tivessem completado sessenta anos de idade e cumprido um terço da pena.87 A decisão foi do juiz da 1ª Vara de Execuções Criminal de Taubaté, que passou a julgar a execução de Nicolau, após o trânsito em julgado da condenação. ConsIderAções fInAIs A narrativa da prisão cautelar e do início do cumprimento da execução provisória de Nicolau dos Santos Neto permite visualizar, dentre outros aspectos, a forma de atuação dos órgãos do sistema de justiça brasileiro na gestão da prisão de um ex-juiz federal. Esse complexo arranjo de processos e atribuições da Polícia Federal, Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, Ministério Público Federal e Justiça Federal – enfim, todo o processo, como vimos – implicou uma série de decisões sobre o local de acomodação do ex-juiz e o atendimento aos parâmetros mínimos da prisão especial e às necessidades básicas do ex-juiz em seu tratamento de saúde. A atuação simultânea desses órgãos revelou áreas de atrito sobre a necessidade de sua custódia e a forma mais adequada de acomodá-lo, seja em sua residência, na Polícia Federal ou no sistema prisional paulista. Um exemplo contundente é a determinação judicial, no início da prisão cautelar, que o Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo providenciasse a transferência de Nicolau para um presídio militar, sob pena de prisão. Tais obstáculos na manutenção da prisão de Nicolau evidenciam a dificuldade do sistema de justiça brasileiro em conceber a privação de liberdade a um réu com qualificação pela idade e saúde debilitada e com prerrogativas legais decorrentes do exercício da magistratura. O exemplo mais nítido desse descompasso foi a mudança nos dispositivos legais que regulam a prisão especial. À época da prisão de Nicolau, o então Ministro da Justiça teria se manifestado no sentido de que a prisão especial consistiria em uma 206 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT situação de privilégio e que deveria ser revista. A proposta de lei, aprovada no Congresso Nacional, passou a definir que, nas hipóteses cabíveis, a diferença de tratamento do preso comum consistirá exclusivamente no direito a uma cela distinta e ao transporte em separado. Esses indícios reforçam que as instituições são dinâmicas, e os próprios arranjos institucionais podem ser modificados e aprimorados a partir de situações concretas. No caso da prisão de Nicolau dos Santos Neto, é de se questionar, em primeiro lugar, a necessidade de imposição a uma sanção prisional (seja em regime fechado ou em prisão domiciliar) por mais de 12 anos, no âmbito de um processo de execução provisória que, pela possibilidade de mudança nas penas definitivas, impede a aplicação de benefícios como a unificação e detração das penas. O cálculo só poderá ser homologado com o trânsito em julgado de todas as referidas condenações, e não há previsão de que isso aconteça. Por fim, um segundo aspecto a ser considerado é a necessidade de se conceber procedimentos adequados para uma gestão de sanção prisional, na qual os órgãos atuantes possam articular processos e tomadas de decisão que permitam avaliar a pertinência ou não da manutenção da prisão ou a escolha por formas de custódia e de cumprimento de pena mais eficazes e menos custosas para o Estado. Como indicado ao longo do capítulo, a custódia de Nicolau trouxe consigo altos custos políticos e financeiros para o Estado, a exemplo da necessidade de alocação de policiais federais no interior de sua residência e a recente descoberta de que eles próprios estariam sendo monitorados pelo ex-juiz. 207 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto notAs Segundo reportagem da rede de televisão britânica BBC, “desde que desapareceu, em abril, o ex-juiz fez com que as autoridades dançassem uma ciranda [...]”. “A falha das autoridades em pegá-lo é um embaraço e uma piada nacional”. Prisão é destaque no website da BBC. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 1 Despacho judicial de 22 de abril de 2008 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181: “Friso que este Juízo mantem pacífico entendimento de que não deve permanecer na prisão domiciliar o réu Nicolau dos Santos Neto. Contudo, tendo em vista que as instâncias superiores decidiram pela mantença do mesmo nesta condição, não podem ser penalizados os familiares que residem com o apenado.” 2 TRF da 3ª Região, Agravo em execução penal n. 0010249-86.2011.4.03.6181, Relator Desembargador Luiz Stefanini, j. 18/03/2013. 3 Só, ex-juiz come lentilhas no réveillon. Folha de S. Paulo. São Paulo, 2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 4 CNBB defende que Nicolau fique preso. Folha de S. Paulo. São Paulo, 15 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc151 2200021.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 5 Vale ressaltar que não foram objetos de análise os pedidos relacionados ao comparecimento de Nicolau dos Santos Neto a atos processuais, como a suspensão de interrogatório, oitiva de testemunhas ou recursos sobre a competência por foro por prerrogativa de função. A maior parte dos acórdãos estava indisponível, e por tal motivo recorreu-se às informações presentes apenas no acompanhamento processual de cada ação ou recurso. Para um quadro completo das ações e recursos envolvendo Nicolau dos Santos Neto ver Anexo 1 (Processos e Recursos 1998-2013). O tema foro por prerrogativa de função é tratado em detalhe no Capítulo 8 – O impacto das normas sobre foro especial no Caso TRT. 6 Para uma linha do tempo do processo de execução e seu percurso por diferentes instituições do sistema de justiça, ver Anexo 4, disponível em: hdl.handle.net/10438/12028. 7 208 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Busca ao juiz Nicolau completa três meses amanhã. Folha de S. Paulo. São Paulo, 24 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u3320.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 8 Polícia Federal completa hoje 3 meses sem achar juiz Nicolau dos Santos. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 9 PF está sob pressão por causa de juiz Nicolau, diz superintendente. Folha de S. Paulo. São Paulo, 26 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u3433.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 10 SILVEIRA, Wilson. É impossível prever prisão de Nicolau, diz PF. Folha de S. Paulo, São Paulo. 28 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/ult96u3504.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 11 Salvatore Cacciola foi proprietário do Banco Marka e condenado por gestão fraudulenta e coparticipação em crime de peculato, após o banco ter sido socorrido em 1999 por ocasião da flutuação cambial. Preso em 2000 pela Polícia Federal, obteve concessão de habeas corpus pelo STF para responder ao processo em liberdade, quando saiu do Brasil e passou a viver na Itália. Rede de Escândalos – Banco Marka/FonteCindam. Veja. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/includes/casomarkafonte-cidam-box1.html>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 12 Enquanto permaneceu foragido, a defesa de Nicolau recorreu aos tribunais para requerer a revogação da prisão preventiva. A defesa recorreu ao STJ depois que o TRF da 3ª Região denegou a ordem a dois habeas corpus em favor do ex-juiz. Requereu a anulação do julgamento realizado pela turma do TRF, que decidiu pela manutenção do pedido de prisão preventiva, ante a necessidade de garantir a ordem pública, em razão de “fatos que abalam a credibilidade que a sociedade precisa ter em suas instituições, causam forte repulsa social e afetam a tranquilidade pública”. No STJ, o pedido liminar do HC 14270 foi negado pelo juiz Relator Fernando Gonçalves, sob o fundamento de que “é público e notório que o paciente, após a decretação de sua prisão, evadiu-se do distrito da culpa, não podendo em consequência o provimento cautelar requerido desempenhar a função instrumental de preservação da liberdade de locomoção física”. O mérito, julgado em dezembro de 2000, decidiu-se, por maioria, pela manutenção da decisão do TRF da 3ª Região que manteve a prisão preventiva. O Relator da ação reforçou o argumento de que a acusação de desvio de vultosa quantia dos cofres públicos causou “repercussão negativa 13 209 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto na opinião pública”, o que justificaria a prisão para assegurar a ordem pública. (HC 14.270, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, j. 12/12/2000, DJU 19/03/2001). SILVEIRA, Wilson. Ministro descarta recompensa por Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 de agosto de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/ult96u4714.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 14 Gregori desmente negociação para juiz Nicolau se entregar. Folha de S. Paulo, São Paulo, 26 de setembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/ult96u7017.shtmll>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 15 FRANÇA, William. Não pode haver acordo para prisão de Nicolau, diz FHC. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 de novembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/fsp/brasil/fc1811200003.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 16 LIMA, Raquel. Gregori confirma negociar apresentação de Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18 de novembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/fsp/brasil/fc1811200002.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 17 PF centra buscas a Nicolau no interior de SP. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/folha/brasil/ ult96u11974. shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 18 GASPAR, Malu. Foto dificulta acordo com Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/ fc0212200009.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 19 FHC nega negociação para que Nicolau se entregue à polícia. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u12138.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 20 Saiba como foi a rendição do ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u12196. shtml> Acesso em: 19 de novembro de 2012. 21 CHRISTOFOLETTI, Lillian. PF usou dublê para transferir Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 de dezembro de 2000. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/ fsp/brasil/fc1012200018.htm> Acesso em: 19 de novembro de 2012. 22 210 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Ex-juiz chorou ao se entregar. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u12205.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 23 CALASSO, Lúcia. Nicolau está abatido e não fez plástica, diz porta-voz da PF. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/folha/brasil/ult96u12191.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 24 Leia íntegra da nota de Gregori sobre a prisão de Nicolau. PF. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 de dezembro de 2000. Disponível em: < http://www1.folha. uol.com.br/folha/ brasil/ult96u12191.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 25 CHRISTOFOLETTI, Lillian. Cela de Nicolau tem só seis metros quadrados. Folha de S. Paulo, São Paulo, 9 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/fsp/brasil/fc1012200018.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 26 Ex-juiz deve ficar em cela no subsolo do prédio. Folha de S. Paulo, São Paulo, 9 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ ult96u12209.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 27 CALASSO, Lúcia. Ex-juiz deve almoçar bife à parmegiana. Folha de S. Paulo, São Paulo, 9 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/ult96u12217.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 28 Nicolau recusa o almoço da Polícia Federal. Folha de S. Paulo, São Paulo, 9 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u12221.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 29 Nicolau recusa estrogonofe da PF e prato vai para mendigos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/folha/ brasil/ult96u12242.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 30 Folha de S. Paulo. Nicolau pode ser transferido hoje; Estado deve escolher local de prisão”. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http:// www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u13144.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 31 32 211 FREIRE, Sílvia. Secretário não revela para onde Nicolau será transferido. Folha de [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto S. Paulo, São Paulo, 2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u13159.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. A comumente denominada “prisão especial” refere-se ao direito assegurado às pessoas que, pela relevância do cargo, função, emprego ou atividade ou pelo grau de instrução, podem ficar presas em caráter cautelar, em cela ou estabelecimento penal diverso do cárcere comum, até o julgamento final ou o trânsito em julgado da decisão penal condenatória. A prisão especial está prevista no Código de Processo Penal e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/79). O art. 295 do Código de Processo Penal determina que “serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva, VI – os magistrados”. Já o art. 33 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional indica que são prerrogativas do magistrado “ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de EstadoMaior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final” (inc. III). Ministro José Gregori critica existência de celas especiais. Folha de S. Paulo, São Paulo, 6 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u13346.shtml>; CALASSO, Lúcia. Nicolau está triste com más condições da cela, diz advogada. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u1 3212.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 33 Em 30 de janeiro de 2001, o Projeto de Lei n. 4.201/2001 é encaminhado pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados, propondo nova regulamentação sobre o tema. Segundo a exposição de motivos, “a diferença de tratamento do preso comum consistirá exclusivamente no direito a uma cela distinta e ao transporte em separado”. “O projeto de lei [...] vem atender aos reclamos da sociedade no sentido de que as pessoas que praticaram crimes não gozem de regalias que afrontam a todos os cidadãos de bem”. O projeto foi aprovado e transformado na Lei n. 10.258/2001, que alterou o art. 295 do Código de Processo Penal. 34 Presidente do STJ define na quinta habeas corpus de Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ ult96u13221.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 35 O pedido liminar do HC 15.648 foi parcialmente deferido pelo então presidente do STJ Paulo Costa Leite. De acordo com a decisão, a prisão domiciliar só foi requerida em função da transferência prisional, que se concretizou antes da protocolização do pedido de habeas corpus. “No caso, verifica-se que a questão nuclear centra-se na alegada inadequação 36 212 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT das instalações do local para onde o paciente foi transferido. Até que essa questão seja definitivamente apreciada [...], impõe-se, na esteira do que antes afirmei, tornar o paciente à situação em que se encontrava, ou seja, recolhido a dependências da Polícia Federal de São Paulo”. Em 19 de junho de 2001, dia em que a Sexta Turma do STJ julgaria o mérito da ação, a defesa de Nicolau apresentou pedido de desistência do habeas corpus, que foi acatado pelos Ministros. STJ, HC 15.648, Sexta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, j. 04/01/2001, DJU 01/02/2001. Secretário critica transferência de Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u13297.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 37 CHRISTOFOLETTI, Lillian. Ex-juiz tem terceira ordem de prisão expedida em SP. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/folha/brasil/ult96u13872.shtml>. Acesso em: 9 de novembro de 2012. 38 TRF da 3ª Região, HC 10.855, Relatora Des. Fed. Suzana Camargo, Quinta Turma, j. 24/01/2001, DJ 06/02/2001. 39 Família do juiz Nicolau reforça segurança da casa. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1º de julho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u21856.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 40 FREIRE, Sílvia. Nicolau chora ao receber notícia da prisão domiciliar. Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 de junho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/ult96u21815.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 41 TRF da 3ª Região, liminar em MS n. 222.805, Relator Des. Fed. Theotonio Costa, j. 16/07/2001. 42 ROVAI, Giuliana. PF já está na casa de Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 16 de julho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u22387.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 43 STJ, liminar HC 17.804, Relator Ministro Nilson Naves, j. 16/07/2001, DJ 29/08/2001. STJ concede habeas corpus e Nicolau volta para casa. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 de julho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/ ult96u22432.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 44 213 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto STJ, HC 19.315, Relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, j. 20/11/2001, DJ 22/02/2002. 45 Juiz Nicolau evita transferência e continua na PF. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 de julho de 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ ult96u34583.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 46 Juiz Nicolau evita transferência e continua na PF. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 de julho de 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/ ult96u34583.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 47 A decisão do STJ reproduz o seguinte trecho do laudo pericial de Nicolau: “‘o paciente no presente momento encontra-se com depressão reativa grave, hipertensão arterial e labirintopatia. Seus sintomas são: choro fácil, depressivo, não quer mais viver e fala muito em suicídio. Está em uso de vários medicamentos para hipertensão arterial, labirintite e vasos dilatadores coronários. Deambula com muita dificuldade. Encontrase no presente momento num quarto da Polícia Federal sem ventilação (ar poluído com aroma de fungos), o quarto é muito frio. Para fazer suas necessidades fisiológicas e sua higiene pessoal tem que se locomover à distância com muita dificuldade. O banho também à distância é gelado provocando vasoconstricção em suas artérias. Isto posta face sua idade avançada de 74 anos está sujeito a contrair uma pneumonia. Devido sua idade, stress emocional, depressão, poderá ser acometido de ‘acidente vascular cerebral ou infarto do miocárdio’. O caso necessita de uma solução rápida e urgente para evitar que tais eventos se realizem”. (STJ, HC 29.642, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, j. 18/02/2004, DJE 03/05/2004). 48 Em algumas oportunidades, a defesa requereu o reconhecimento de conexão entre as ações penais julgadas pelo juiz Casem Mazloum e o esquema de venda de decisões judiciais pelo qual foi condenado, com o intuito de anular as condenações impostas a Nicolau. De acordo com síntese do caso formulada na decisão do HC 57.789, Mazloum “presidiu o processo de Nicolau dos Santos Neto [e] foi condenado pelo envolvimento no esquema de venda de sentenças judiciais, sendo, inclusive, expulso da Magistratura”. A defesa “infere irregularidade na ação penal em que o paciente foi condenado, porquanto o corréu Luiz Estevão teria sido beneficiado pelo magistrado federal”. Em duas oportunidades o STJ afastou a relação entre os processos de Nicolau e aqueles em que Mazloum era réu. No HC 57.789 se decide que “a conclusão a que chegaram os impetrantes, quanto ao suposto interesse do juiz federal na condenação do paciente, deve ser afastada. [...] A sentença que condenou o paciente na ação penal n. 49 214 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 2000.61.81.001198-1 não integrou o corpo de delito da ação penal n. 128 em que era réu Casem Mazloum, juiz sentenciante naquela primeira ação, não se pode afirmar que houve interesse na condenação de Nicolau por parte da quadrilha da qual Casem era integrante”. O mesmo fundamento é mantido no julgamento (HC 49.425. STJ, HC 57.789, Relatora Ministra Jane Silva, j. 14/10/2008, DJE 28/10/2008; STJ, HC 49.425, Relatora Ministra Jane Silva, j. 02/10/2008, DJE 20/10/2008). CHRISTOFOLETTI, Lillian. Justiça amplia pena de Nicolau para 14 anos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 de julho de 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/fsp/brasil/fc0504200504.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 50 TRF da 3ª Região, Apelação Criminal 1.248, Relatora Des. Fed. Suzana Camargo, j. 03/05/2006, DJ 25/07/2006. BARBAR, Tathiana. Tribunal condenada Nicolau a 26,5 anos de prisão. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3 de maio de 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u78174.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 51 “Art. 669: Só depois de passar em julgado, será exequível a sentença, salvo: I – quando condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a prisão, ainda no caso de crime afiançável, enquanto não for prestada a fiança; II – quando absolutória, para o fim de imediata soltura do réu, desde que não proferida em processo por crime a que a lei comine pena de reclusão, no máximo, por tempo igual ou superior a oito anos.” 52 O Provimento n. 653/99 do Conselho Superior da Magistratura dispôs que “a guia de recolhimento provisória será expedida quando do recebimento de recurso da sentença condenatória, desde que o condenado esteja preso em decorrência de prisão processual, devendo ser remetida ao Juízo de Execução Criminal” (art. 1º). Já o Provimento n. 15/99 da Corregedoria Geral de Justiça dispôs que “recebido o recurso, será expedida guia de recolhimento provisória, obedecido o modelo oficial, com cópia das peças do processo referidas no subitem 32.1, que será remetida ao Juízo competente para a execução, desde que o condenado esteja preso em decorrência de prisão processual ou logo depois de noticiada a prisão. Deverá ser anotada na guia de recolhimento expedida nestas condições a expressão ‘PROVISÓRIA’, em sequência da expressão guia de recolhimento.” (art. 2º). 53 “Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução.” (Lei n. 7210/84, art. 105). 54 215 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto “Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares.” (Lei n. 7210/84, art. 147). “Art. 164. Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora.” (Lei n. 7210/84, art. 164). Sobre as críticas ao processo de execução provisória, ver Tucci (2000); Wunderlich e Carvalho (2007, p. 447-52). 55 “Art. 27. Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista pelo prazo de quinze dias para apresentar contra-razões § 2º – Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo”. (Lei n. 8038/90, art. 27). No mesmo sentido dispõe o Código de Processo Penal: “Art. 637. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.” 56 57 Habeas Corpus 84.078, Relator Ministro Eros Grau, j. 05/02/2009 e DJ 26/02/2010. Justiça transfere ex-juiz Nicolau para prisão em regime fechado. Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/ folha/brasil/ult96u88930.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 58 Em reportagem ao jornal Folha de S. Paulo, a defesa do advogado manifestou-se sobre o tema: “Pense numa pessoa de 78 anos. Agora, imagine-a presa. Assim, é fácil entender porque a prisão pode implicar uma pena de morte”. “Respeito a decisão judicial, mas meu cliente está com problemas de locomoção, alimentação e depressão. Espero que ele tenha saúde para suportar tudo isso”. CHRISTOFOLETTI, Lillian. Defesa usa idade e estado de saúde para tentar soltar Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 26 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u13872.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 59 60 216 A partir da edição da Lei n. 12.403/2011, a prisão domiciliar também tornou-se [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT uma modalidade de medida cautelar, aplicável quando o agente for maior de 80 anos, extremamente debilitado por motivo de doença grave, imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência ou gestante a partir do 7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. No despacho de 26 de julho de 2011 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181 consta que a defesa de Nicolau fez pedido de prisão domiciliar com base na lei de 2011, que foi deferida na ocasião, “haja vista que o requerente possui 83 anos de idade. Vale salientar que a nova lei é aplicável por se tratar de prisão cautelar, e não cumprimento de pena, pois nenhuma das condenações transitou em julgado”. Trecho presente em despacho de 12 de fevereiro de 2007 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181, em referência ao julgamento em liminar no HC 2007.03.00.005592-3, Relator des. Federal Baptista Ferreira, j. 29/01/2007. O julgamento de mérito manteve a prisão domiciliar, sob os mesmos fundamentos da decisão liminar. (HC 2007.03.00.005592-3, Relatora Des. Federal Suzana Camargo, j. 26/02/2007, DJE 29/05.2007). 61 Ex-juiz Nicolau volta à carceragem da PF em São Paulo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 de julho de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u316231.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 62 TRF da 3ª Região, Habeas Corpus 2007.03.00.084748-7, Relator Des. Baptista Pereira, j. 29/10/2007). 63 MPF aponta falhas na vigilância da prisão domiciliar do ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 4 de dezembro de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u351267.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 64 Em resposta ao pedido do MPF, o juiz responsável requereu a expedição de “mandado de constatação para que os Oficiais de Justiça desta vara, em revezamento, dirijam-se à residência do apenado onde cumpre prisão domiciliar, em dias e horários diversos, inclusive, final de semana, a fim de constatar a presença de policial federal no local, colhendo o nome e n. de matrícula do mesmo. Os Oficiais não deverão avisar com antecedência a visita, nem marcar dia ou hora para retorno.” (Despacho de 24 de setembro de 2007 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181). Procuradoria faz novo pedido à Justiça para corrigir falhas na custódia do ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1º de abril de 2008. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/folha/brasil/ult96u387904.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 65 217 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto Despacho de 4 de abril de 2008 no processo de execução provisória n. 000020292.2007.4.03.6181. 66 Despacho judicial de 19 de junho de 2008 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. 67 Despacho judicial de 29 de abril de 2010 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. 68 Despacho judicial de 16 de julho de 2012 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181 indicou que o juízo requereu tornozeleira eletrônica ao exjuiz, “mas como o apenado cumpre pena em regime de prisão domiciliar a Secretaria de Administração Penitenciária informou não ser possível o fornecimento. O Departamento de Polícia Federal informou não possuir tais equipamentos”. CHRISTOFOLETTI, Lillian. Polícia vigiará juiz Nicolau por tornozeleira eletrônica. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 de dezembro de 2008. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/fsp/brasil/fc3012200809.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 69 Despacho judicial de 20 de fevereiro de 2009 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. 70 Despacho judicial de 11 de março de 2011 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. 71 Despacho judicial de 16 de julho de 2012 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. 72 Decisão judicial de 17 de maio de 2012 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. Para o juiz da causa, “o apenado inobservou os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39 da LEP, quais sejam: obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se, bem como execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas. Ora, após contatada a existência de monitoração, o apenado exigiu, pessoalmente, a recolocação do equipamento, desobedecendo e deixando de cumprir a ordem do agente policial que encontrava-se no local para vigiá-lo”. No despacho de 16 de julho de 2012, é relatado que a defesa aduziu que “nunca houve mídia de monitoração, apenas câmera simples, sem áudio ou gravação, e que não poderiam ser entregues a este Juízo. Alega que a falta grave se deu em razão da não entrega das mídias pela defesa, e que o réu nunca foi intimado para defender-se ou mesmo para entregar as mídias”. 73 218 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Assim consta na decisão de 26 de março de 2009 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181: “com relação ao pedido de progressão ao regime semi-aberto, mantenho a decisão de fls. 335/339 do apenso II, acrescentando que é incabível encaminhar o apenado para trabalho externo durante o período diurno, em face do seu precário estado de saúde, atestado mensalmente por seus médicos (fls. 2635/2638), estado este que o mantém em prisão domiciliar”. 74 O laudo médico de 28 de maio de 2012 concluiu que “Examinando, do ponto de vista psiquiátrico, sem alterações significativas. Em relação ao exame psiquiátrico anterior, houve melhora nos aspectos depressivos, expressa na aparência, postura corporal, fluência verbal e psicomotricidade. Portanto, dada a atual avaliação, não se justifica a prisão domiciliar. Há que se considerar o fator idade, pois aos 83 anos, a capacidade de adaptação está diminuída correndo o risco de reagir com sintomatologia mais grave às mudanças drásticas”. Nesse sentido, o juiz de execuções criminais decidiu pela permanência do réu em prisão domiciliar com a fiscalização da Polícia Federal no local. (Decisão judicial de 31 de agosto de 2012 no processo de execução provisória n. 000020292.2007.4.03.6181). 75 Despacho judicial de 20 de julho de 2012 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. 76 LEITÃO, Matheus. Procuradoria tenta execução definitiva de pena do ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19 de março de 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/1249080-procuradoria-tenta-execucao-definitivade-pena-do-ex-juiz-nicolau.shtml>. Acesso em: 2 de abril de 2013. 77 PORTAL MPF. Procuradores alertam que todos os crimes de Nicolau podem prescrever até maio de 2014. MPF, 22 de março de 2013. Disponível em: <http://noticias.pgr. mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_criminal/procuradores-alertam-que-todos-oscrimes-do-ex-juiz-nicolau-podem-prescrever-ate-maio-do-ano-que-vem>. Acesso em: 4 de abril de 2013. 78 79 Sobre a decisão do juiz da 1ª Vara Criminal, ver nota 60. A decisão pela revogação da prisão domiciliar de Nicolau baseou-se em três fundamentos, (i) a incompetência do Juízo das Execuções Criminais para converter a prisão cautelar em prisão domiciliar, (ii) favorável estado de saúde atual do sentenciado, conforme laudo médico pericial recentemente realizado e (iii) falta grave cometida pelo 80 219 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto sentenciado, em total descumprimento aos princípios vigentes na Lei de Execução Penal. O Tribunal entendeu que a prisão domiciliar, tal como prevista pela Lei n. 12.403/2011, é instituto de natureza processual e não de execução criminal. Assim, sem o trânsito em julgado das condenações, “eventuais alterações em sede de medidas cautelares são da competência do juízo natural do feito principal”. Quanto ao estado de saúde de Nicolau, decidiu-se que “havendo conclusão médica oficial dando conta de ser desnecessária a custódia domiciliar do recorrido, entendo que, alterado o quadro fático anterior que possibilitou referida benesse ao sentenciado, não subsiste mais qualquer razão para ser mantida, devendo o acusado retornar ao cárcere, ainda que submetido a cuidados especiais em razão de sua idade avançada”. Por fim, quanto ao reconhecimento de falta grave, foi mantida a decisão do juiz de primeiro grau, pois “restou comprovado que o apenado monitorou, de forma clandestina e com finalidade injustificada, por período de tempo indeterminado, a atividade dos agentes policiais responsáveis pela fiscalização de sua prisão domiciliar, possivelmente com a gravação das conversas entre eles travada”. (TRF da 3ª Região, Agravo em execução penal n. 0010249-86.2011.4.03.6181, Relator Desembargador Luiz Stefanini, j. 18/03/2013). O pedido da defesa para progressão de regime baseia-se na Súmula 716 do STF, que admite a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. 81 STJ, Habeas Corpus 267.160, Relator Ministro Og Fernandes, pedido liminar j. 27/03/2013. 82 STJ, Habeas Corpus 267.160, Relator Ministro Og Fernandes, pedido de reconsideração j. 02/04/2013. 83 Despacho judicial de 25 de março de 2013 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. 84 A comunicação ao Tribunal de origem sobre a imediata execução ao julgado, independentemente da publicação do acórdão e da eventual interposição de outro recurso, foi indicada no julgamento dos Embargos de Declaração no Agravo Regimental em agravo de instrumento no Recurso Especial 1078842/PE, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 22/11/2011, DJ 19/12/2011 . A decisão foi mantida no julgamento de novos embargos de declaração, de Relatoria da Desembargadora convocada Alderita Ramos de Oliveira, j. 15/05/2012. 85 220 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 86 Autos n. 1050211, 1ª Vara de Execuções Criminal de Taubaté. 87 Decreto n. 7.873, assinado em 26 de dezembro de 2012, por Dilma Rousseff. 221 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto referênCIAs : : : : : : : : : : : : AGêNCIA FOLHA. PF está sob pressão por causa de juiz Nicolau, diz superintendente. Folha de S. Paulo. São Paulo, 26 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u3433.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. BARBAR, Tathiana. Tribunal condenada Nicolau a 26,5 anos de prisão. Folha de S. Paulo. São Paulo, 3 de maio de 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u78174.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. CALASSO, Lúcia. Ex-juiz deve almoçar bife à parmegiana. Folha de S. Paulo. São Paulo, 9 de dezembro de 2000. Disponível em: <.http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u12217.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Nicolau está abatido e não fez plástica, diz porta-voz da PF. Folha de S. Paulo. São Paulo, 8 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/folha/brasil/ult96u12191.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Nicolau está triste com más condições da cela, diz advogada. Folha de S. Paulo. São Paulo, 3 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u13212.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. CHRISTOFOLETTI, Lillian. Cela de Nicolau tem só seis metros quadrados. Folha de São Paulo, São Paulo, 9 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/fsp/brasil/fc1012200018.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Defesa usa idade e estado de saúde para tentar soltar Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 26 de janeiro de 2007. 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DECISÃO de 26 de março de 2009 no processo de execução provisória n. 000020292.2007.4.03.6181 222 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT : : : : : : : : : : : : : : : : DECISÃO judicial de 17 de maio de 2012 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. DECISÃO judicial de 31 de agosto de 2012 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. DESPACHO de 24 de setembro de 2007 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. DESPACHO de 4 de abril de 2008 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. DESPACHO judicial de 11 de março de 2011 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. DESPACHO judicial de 16 de julho de 2012 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. DESPACHO judicial de 19 de junho de 2008 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. DESPACHO judicial de 20 de fevereiro de 2009 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. DESPACHO judicial de 20 de julho de 2012 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. DESPACHO judicial de 25 de março de 2013 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. DESPACHO judicial de 29 de abril de 2010 no processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181. FOLHA DE S. PAULO. CNBB defende que Nicolau fique preso. Folha de S. Paulo. São Paulo, 15 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/fsp/brasil/fc1512200021.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Ministro José Gregori critica existência de celas especiais. Folha de S. Paulo. São Paulo, 6 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/folha/brasil/ult96u13346.shtml>. ______. Nicolau pode ser transferido hoje; Estado deve escolher local de prisão. Folha de S. Paulo. São Paulo, 2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http:// www1.folha.uol. com.br/folha/brasil/ult96u13144.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. PF centra buscas a Nicolau no interior de SP. Folha de S. Paulo. São Paulo, 5 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u11974.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Polícia Federal completa hoje 3 meses sem achar juiz Nicolau dos Santos. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 223 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto : : : : : : : : : : : : : ______. Prisão é destaque no website da BBC. Folha de S. Paulo. São Paulo, 12 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Secretário critica transferência de Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 5 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u13297.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Só, ex-juiz come lentilhas no réveillon. Folha de S. Paulo. São Paulo, 2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. FOLHA NEWS. Busca ao juiz Nicolau completa três meses amanhã. Folha de S. Paulo. São Paulo, 24 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u3320.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. FHC nega negociação para que Nicolau se entregue à polícia. Folha de S. Paulo. São Paulo, 7 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/folha/brasil/ult96u12138.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. FOLHAONLINE. Ex-juiz chorou ao se entregar. Folha de S. Paulo. São Paulo, 8 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u12205.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Ex-juiz deve ficar em cela no subsolo do prédio. Folha de S. Paulo. São Paulo, 9 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/ult96u12209.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Ex-juiz Nicolau volta à carceragem da PF em São Paulo. Folha de S. Paulo. São Paulo, 30 de julho de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/folha/brasil/ult96u316231.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Família do juiz Nicolau reforça segurança da casa. Folha de S. Paulo. São Paulo, 1º de julho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u21856.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Gregori desmente negociação para juiz Nicolau se entregar. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 de setembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/folha/brasil/ult96u7017.shtmll>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Juiz Nicolau evita transferência e continua na PF. Folha de S. Paulo. São Paulo, 12 de julho de 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u34583.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Juiz Nicolau evita transferência e continua na PF. Folha de S. Paulo. São Paulo, 12 de julho de 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u34583.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Justiça transfere ex-juiz Nicolau para prisão em regime fechado. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 de janeiro de 2007. Disponível em: 224 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT : : : : : : : : : : : <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u88930.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Leia íntegra da nota de Gregori sobre a prisão de Nicolau. PF. Folha de São Paulo, São Paulo, 8 de dezembro de 2000. Disponível em: < http://www1.folha. uol.com.br/folha/brasil/ult96u12191.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. MPF aponta falhas na vigilância da prisão domiciliar do ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 4 de dezembro de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u351267.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Nicolau recusa estrogonofe da PF e prato vai para mendigos. Folha de S. Paulo. São Paulo, 10 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/folha/brasil/ult96u12242.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Nicolau recusa o almoço da Polícia Federal. Folha de S. Paulo. São Paulo, 9 de dezembro de 2000. Disponível em: <.http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/ult96u12221.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Presidente do STJ define na quinta habeas corpus de Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 3 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u13221.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Procuradoria faz novo pedido à Justiça para corrigir falhas na custódia do ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 1º de abril de 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u387904.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Saiba como foi a rendição do ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 08 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u12196.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. STJ concede habeas corpus e Nicolau volta para casa. Folha de S. Paulo. São Paulo, 17 de julho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u22432.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. FRANÇA, William. Não pode haver acordo para prisão de Nicolau, diz FHC. Folha de S. Paulo. São Paulo, 18 de novembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1811200003.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. FREIRE, Sílvia. Nicolau chora ao receber notícia da prisão domiciliar. Folha de S. Paulo. São Paulo, 29 de junho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u21815.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. ______. Secretário não revela para onde Nicolau será transferido. Folha de S. Paulo. São Paulo, 2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u13159.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. 225 [sumário] 5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto : : : : : : : : : : : : : : GASPAR, Malu. Foto dificulta acordo com Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 2 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/ fc0212200009.htm>. Acesso em 19 de novembro de 2012. HABEAS CORPUS 84.078, Relator Ministro Eros Grau, j. 05/02/2009 e DJ 26/02/2010. HC 14270, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, j. 12/12/2000, DJU 19/03/2001. HC 2007.03.00.005592-3, Relatora Des. Federal Suzana Camargo, j. 26.02.2007, DJE 29.05.2007. HC 49.425. STJ, HC 57.789, Relatora Ministra Jane Silva, j. 14.10.2008, DJE 28.10.2008; STJ, HC 49.425, Relatora Ministra Jane Silva, j. 02.10.2008, DJE 20.10.2008. LEITÃO, Matheus. Procuradoria tenta execução definitiva de pena do ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 19 de março de 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/1249080-procuradoria-tenta-execucaodefinitiva-de-pena-do-ex-juiz-nicolau.shtml>. Acesso em: 2 de abril de 2013. LIMA, Raquel. Gregori confirma negociar apresentação de Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 18 de novembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/fsp/brasil/fc1811200002.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. PORTAL MPF. Procuradores alertam que todos os crimes de Nicolau podem prescrever até maio de 2014. MPF, 22 de março de 2013. Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf. gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_criminal/procuradores-alertam-que-todosos-crimes-do-ex-juiz-nicolau-podem-prescrever-ate-maio-do-ano-que-vem>. Acesso em: 4 de abril de 2013. ROVAI, Giuliana. PF já está na casa de Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 16 de julho de 2001 . Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u22387.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. SILVEIRA, Wilson. É impossível prever prisão de Nicolau, diz PF. Folha de S. Paulo. São Paulo, 28 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u3504.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. SILVEIRA, Wilson. Ministro descarta recompensa por Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 18 de agosto de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/ult96u4714.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. STJ, Habeas Corpus 267.160, Relator Ministro Og Fernandes, pedido liminar j. 27.03.2013. STJ, Habeas Corpus 267.160, Relator Ministro Og Fernandes, pedido de reconsideração j. 02.04.2013. STJ, HC 15.648, Sexta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, j. 04.01.2001, 226 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT : : : : : : : : : : : DJU 01.02.2001. STJ, HC 19.315, Relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, j. 20.11.2001, DJ 22.02.2002. STJ, HC 29.642, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, j. 18.02.2004, DJE 03.05.2004. STJ, liminar HC 17.804, Relator Ministro Nilson Naves, j. 16.07.2001, DJ 29.08.2001). TRF da 3ª Região, Agravo em execução penal 0010249-86.2011.4.03.6181, Relator Des. Luiz Stefanini, j. 18.03.2013. TRF da 3ª Região, Apelação Criminal 1248, Relatora Des. Fed. Suzana Camargo, j. 03.05.2006, DJ 25.07.2006. TRF da 3ª Região, Habeas Corpus 2007.03.00.084748-7, Relator Des. Baptista Pereira, j. 29/10/2007. TRF da 3ª Região, HC 10855, Relatora Des. Fed. Suzana Camargo, Quinta Turma, j. 24.01.2001, DJ 06.02.2001. TRF da 3ª Região, liminar em MS n. 222.805, Relator Des. Fed. Theotonio Costa, j. 16.07.2001. TUCCI, Rogério Lauria. Inconstitucionalidade do Provimento n. 653/99 do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça. Boletim IBCCRIM, n. 86, São Paulo, janeiro/2000. VEJA (revista). Rede de Escândalos – Banco Marka/FonteCindam. Veja. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/includes/caso-markafontecidam-box1.html>. Acesso em: 19 de novembro de 2012. WUNDERLICH, Alexandre; CARVALHO, Salo de (org.). Crítica à Execução Penal. Crítica à execução antecipada da Pena. A Revisão da Súmula 267 pelo STJ. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 447-452. 227 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 6. o CAso trt nA mídIA: SISTEMA DE DIREITO CRIMINAL E OPINIãO PúBLICA1 José Roberto Franco Xavier Introdução O nosso propósito neste capítulo é discutir, de forma resumida, os efeitos de uma forte midiatização em um caso penal. Tomamos aqui o caso do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto como ponto de partida, ou melhor, apenas como pretexto para trazer uma breve reflexão sobre a suscetibilidade do sistema de direito criminal2 ao circo midiático que se forma a respeito de certos casos criminais. O nosso propósito aqui não é, portanto, nos aprofundarmos no “caso Nicolau”. Não temos o intuito de nos determos na análise do desenrolar do processo, tampouco pretendemos tratar das inúmeras manifestações midiáticas sobre o caso. Para nossos propósitos, apenas interessa-nos o caso de Nicolau dos Santos Neto como pretexto para uma reflexão sobre o comportamento do sistema de direito criminal perante um evento criminal bastante midiatizado. A análise que faremos com base no caso é apenas uma parte (contida no item 6.3) pequena da breve reflexão aqui desenvolvida sobre o impacto de fatores externos (mídia e opinião pública3, particularmente) na tomada de decisão de juízes criminais. No processo de elaboração deste curto capítulo, começamos os trabalhos folheando as reportagens do jornal Folha de S. Paulo que incluíam o nome do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. Sabendo da repercussão que o caso teve na mídia desde o fim dos anos 1990, queríamos saber mais sobre a construção do personagem Nicolau neste jornal. Para nossa surpresa, o escárnio público em torno do nome desse personagem não transparece pela leitura das matérias do periódico. As reportagens sóbrias da Folha de S. Paulo dão conta sobretudo das suspeitas de desvio de verbas na construção da nova sede do TRT (reportagens do final dos anos 1990) e, mais à frente, da “fuga” do juiz. No entanto, sabemos bem que o tom deste jornal não era uma unanimidade, e o achincalhe público do ex-juiz-réu era moeda corrente 229 [sumário] 6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA (fato cuja relevância é mencionada nos processos criminais do juiz – ver item 6.3). Só para ficar em um exemplo, a revista Veja (que não consultamos de forma sistemática), em sua primeira reportagem sobre o ex-juiz, traz um título bastante sugestivo: “Dom Nicolau, lau, lau, lau, lau”. O “Dom”, já sugerindo um tom mafioso para o personagem, e a repetição da sílaba final para reforçar um nome “que será difícil de esquecer”. Todavia, ao final da leitura de várias das reportagens da Folha de S. Paulo onde aparecia o nome do juiz Nicolau, o que acabou chamando nossa atenção foi um texto em que esse personagem é apenas mencionado como exemplo um tanto longínquo. Já distanciado da celeuma da época em que o acontecimento aparecia na mídia, em 2012 o caso Nicolau vira apenas mais um exemplo de evento midiático passado. E é nesse contexto que o caso é citado en passant em uma reportagem sobre casos midiáticos e o seu impacto na justiça criminal. É essa a ideia relevante para o nosso argumento aqui. Trata-se da noção de que uma forte midiatização dos processos criminais contribui sobremaneira para se determinar tanto a condenação do réu quanto para se estabelecer penas mais severas do que normalmente seriam dadas. Vejamos o que diz a breve reportagem de Eduardo Geraque, na Folha de S. Paulo de 8 de junho de 2012, que utilizaremos como pretexto para desenvolver nosso argumento: Clamor popular impede júri técnico, dizem especialistas O clamor popular em torno de alguns crimes, como a morte e o esquartejamento do executivo Marcos Kitano Matsunaga, 42, impede um julgamento técnico para esses atos, afirmam especialistas. “Em casos assim, aquilo que talvez fosse juridicamente menos importante, passa a ser essencial para a sociedade”, diz Roberto Podval, criminalista acostumando a participar de júris midiáticos. Ele atuou, por exemplo, no julgamento do caso Isabella, na defesa de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta da menina. Os dois foram condenados a mais de 30 anos de prisão. No caso de Elize Matsunaga, que confessou ter matado o marido, diretor do grupo Yoki, com um tiro, sua sentença também deve ser definida por um júri popular. 230 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT “A autoria do crime está definida. O Júri vai discutir a motivação”, afirma Podval. O criminalista compara o assassinato do executivo da Yoki ao caso do exmédico Farah Jorge Farah, que é seu cliente. Em 2003, ele matou e esquartejou uma paciente dele, Maria do Carmo Alves. Julgado em 2007, Farah recebeu pena de 13 anos, mas não foi preso. Ele aguarda a apelação de seu advogado em liberdade, após obter um habeas corpus no STF. Podval, perante os jurados, defendeu a tese da legítima defesa. Como o esquartejamento é “estarrecedor”, nas palavras do advogado Alberto Toron, o réu, nessas situações, entra quase condenado no júri. Ele atuou como assistente de acusação a Suzane von Richthofen e defendeu o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. De acordo com o criminalista, “o clamor popular” inflado pela mídia, cria um rolo compressor, que pode influenciar para os dois lados. [...] Embora o artigo não seja muito preciso, a ideia geral nos parece bastante clara. Em casos de forte “clamor público”, fica difícil resistir ao “rolo compressor midiático” na hora de condenar e de determinar uma pena. O júri agiria sob forte influência de uma pré-construção midiática do caso, dificultando a análise de argumentos técnicos que se oporiam a essa pré-construção. Em outras palavras, um elemento externo ao processo teria um papel determinante no desfecho do julgamento. A cobertura midiática de um crime, quase que invariavelmente no sentido de maior punição, impediria uma análise isenta, tanto por parte do júri quanto por parte do juiz. Essa representação da justiça criminal, bastante generalizada na sociedade, é o nosso ponto de partida aqui. Tentemos expandir um pouco a ideia desse extrato para fazer o nosso argumento, ou seja, se a reportagem sustenta que a justiça criminal pode ser influenciada pela pressão midiática em processos em que há a participação do júri. Será que podemos dizer também que os juízes criminais são passíveis de se sentirem pressionados pela mídia, a ponto de suas decisões serem modificadas? O artigo da Folha dá conta de uma representação social da justiça criminal, em casos julgados pelo júri, fortemente influenciada pela repercussão midiática do crime. De nossa 231 [sumário] 6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA parte, ampliamos esse cenário para tratar de uma representação social da justiça criminal, no que concerne à atividade dos juízes, suscetível também de ser influenciada pelo circo midiático de certos crimes. A ideia sobre a qual nos debruçaremos aqui, e que é bastante difundida, é essa que representa a justiça criminal – pensando especificamente em juízes (e menos em membros do MP ou na polícia) – como vulnerável em casos de grande notoriedade: suas decisões seguirão as manifestações da mídia e a pressão da opinião pública. Em outras palavras, queremos trabalhar com a noção segundo a qual uma forte pressão popular e midiática tem impacto sobre as decisões do sistema de direito criminal. Será mesmo fundada essa noção (de senso comum) que pretenderia que o clamor popular em crimes de grande repercussão influenciaria as decisões criminais? Será que os juízes se veem encurralados pela pressão midiática a ponto de modificar o andamento do processo ou mesmo a pena do acusado? Estas questões não têm uma resposta simples e necessitam ser melhor analisadas. Nas páginas seguintes, trataremos de nuançar o problema e de trazer elementos, retirados do material empírico de nossa tese de doutorado,4 que possam mostrar como as decisões na justiça criminal sentem os efeitos da pressão midiática e da opinião pública, mas que nem por isso se deixam determinar por essas pressões. 6.1 | umA ConsIderAção PrelImInAr: A DIFICULDADE DE MANIPULAR UM SISTEMA COMPLExO Quando pensamos na influência que a opinião pública ou a mídia possam eventualmente exercer nas decisões tomadas no âmbito do sistema de direito criminal, geralmente estamos fazendo uma representação que simplifica significativamente a questão. O que ocorre no mais das vezes é que observamos a exploração midiática dos crimes, sobretudo em casos de grande repercussão, e temos dificuldade em ver como um juiz poderia não se deixar impactar por aquela construção da mídia. Com muita frequência, antes mesmo do início do processo o acusado é retratado de tal maneira que fica difícil concebermos a total imparcialidade do sistema de direito criminal tanto no andamento do processo quanto no seu desfecho (com uma decisão sobre a condenação e a eventual pena). 232 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT No caso do juiz Nicolau, por não se tratar de um delito violento, não há a construção de um personagem perigoso, como acontece com frequência – mas nem por isso o enredo deixa de se revelar bastante atraente para a exploração midiática. Um personagem incomum no banco dos réus (rico, influente e juiz), implicado em um enredo de um gigantesco desvio de verba pública. Em um país cuja onipresente corrupção é recorrente tema de indignação coletiva (por mais que os cidadãos indignados sejam frequentes protagonistas de pequenas corrupções cotidianas), pegar um suposto corrupto desse porte “com a mão na massa” é certamente um prato cheio para a exploração da mídia. A grande desigualdade social e os problemas crônicos no trato íntegro da coisa pública são um perfeito pano de fundo para a construção de um personagem inescrupuloso, que com seus atos causou grande prejuízo para a sociedade e que, portanto, merece a execração pública. Em face de um tal cenário, com uma midiatização massiva do suposto evento criminal, como poderia o sistema de direito criminal não conceber de antemão um réu culpado e merecedor de uma pena tão severa quanto possível? Não haveria aqui uma inevitável vulnerabilidade da justiça criminal, sendo o fato de levar em conta a pressão da mídia e do público uma inelutável consequência de uma pressão irresistível? Podemos dizer, tendo em conta uma análise que desenvolvemos em outro trabalho (XAVIER, 2012), que se por um lado a pressão midiática gera efeitos no processo, por outro é certo que a mídia e a opinião pública não são capazes de determinar uma decisão de um magistrado criminal. Em outras palavras, não podemos dizer que uma pressão específica da mídia e da opinião pública não tenha efeitos para o sistema de direito criminal (voltaremos à questão um pouco mais adiante), mas podemos, sim, afirmar que a mídia e a opinião pública não são capazes de determinar especificamente uma decisão jurídica nos termos exatos pretendidos.5 Para que o leitor possa compreender de onde vem essa afirmação, fazse necessário um rápido esclarecimento sobre a dificuldade em se determinar o comportamento de sistemas complexos e autônomos.6 Digamos, de início, que as explicações do tipo “causa-efeito” são amplamente insuficientes para dar conta da complexidade de certos sistemas sociais, como é o caso do sistema de direito criminal. Em outras palavras, querer explicar 233 [sumário] 6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA uma decisão judicial (uma decisão, portanto, de um sistema complexo e autônomo) pelas pressões (externas ao sistema) é promover um enorme exercício de simplificação, desprezando o funcionamento do sistema e o conjunto de suas variáveis internas. Se dissermos que um juiz qualquer condenou um réu ou aumentou uma pena em virtude do clamor da opinião pública, estamos nos colocando em uma posição bastante delicada. A menos que, em um cenário bastante improvável, o magistrado declare na sentença tê-lo feito (a despeito das limitações jurídicas que um tal procedimento comporta e da forte probabilidade de ver sua decisão modificada por um tribunal), é extremamente difícil estabelecer essa relação. E mesmo quando é possível estabelecer algum nexo entre a pressão de fora e a decisão interna ao sistema, há uma gama tão extensa de variáveis que entram nessa equação que a palavra causalidade torna-se absolutamente inútil em termos explicativos. Vamos tentar ser um pouco mais claros. Para se entender o impacto da midiatização nas decisões judiciais, é preciso abandonar essa explicação que pretende que uma pressão no sentido x, y ou z vai implicar uma decisão x, y ou z pelo sistema de direito criminal. Tal explicação falha por não levar em conta a enorme complexidade desse sistema, com todas as variáveis (elementos do caso, normas jurídicas, jurisprudência, reflexões jurídicas e representações sociais dos atores que atuam no caso etc.) que possam exercer um papel na decisão judicial. Devemos, então, lançar mão de outro tipo de relação para nos ajudar a entender a ligação entre a mídia e a opinião pública, de um lado, e a justiça criminal, de outro. O modelo que nos parece adequado aqui é o “estímulo-reação”. Vejamos como Bateson o distingue do modelo “causa-efeito”: When one billiard ball strikes another, the motion of the second is energized by the impact of the first, and such transferences of energy are the central subject matter of dynamics. We, however, are not concerned with event sequences which have this characteristic. If I kick a stone, the movement of the stone is energized by the act, but if I kick a dog, the behavior of the dog may indeed be partly conservative — he may travel along a Newtonian trajectory if kicked hard enough, 234 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT but this is mere physics. What is important is that he may exhibit responses which are energized not by the kick but by his metabolism; he may turn and bite (BATESON, 1972, p. 171). Este trecho de Bateson é bastante esclarecedor para nos darmos conta da simplificação que promovemos quando pretendemos sustentar que uma pressão externa ao sistema de direito é capaz de determinar uma resposta precisa. Eis, então, a dificuldade: em muitos problemas sociológicos não podemos pensar em termos de reações mecânicas, pois as consequências não podem ser explicadas pela causa. No exemplo de Bateson, como podemos explicar a reação do cachorro? Tendo em conta o chute sofrido ou o conjunto de mecanismos físicos e “psíquicos” ativados após a agressão? Certamente o chute pode ser associado à existência de um efeito, mas ele não explica (e nem permite prever) qual efeito aparecerá. Podemos prever que algo acontecerá depois do chute (uma mordida, um latido, uma fuga etc.), mas não exatamente o quê. Em outras palavras, qualquer que seja o efeito, só podemos compreendê-lo a partir dos processos internos (fisiológicos e cognitivos) do cachorro. Da mesma forma, a superexposição de um caso criminal na mídia e a pressão que esta exerce sobre o sistema de direito criminal não pode ser uma explicação para as decisões dos magistrados. O sistema é demasiado complexo para que uma reação possa ser explicada simplesmente pela pressão externa. Há todo um circuito interno no sistema, todo um conjunto de comunicações (manifestação das partes, elementos do processo, normas jurídicas, jurisprudência etc.) que tem de ser levado em conta para se explicar uma decisão jurídica. A pressão da mídia e da opinião pública em um caso criminal pode encontrar no sistema tanto um magistrado mais suscetível ao clamor público quanto um que lhe seja absolutamente refratário no momento de decidir. Essa mesma pressão pode ou não causar açodamentos no processo, o que pode, mais adiante, levar a nulidades que se mostram contrárias a uma pressão por (no mais das vezes) punição severa e rápida. Em resumo, pretender uma relação de influência causal direta entre pressões externas e decisões no âmbito do penal é simplificar e distorcer a complexidade do problema. 235 [sumário] 6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA Além dessa dificuldade de explicar o que se passa dentro do sistema de direito criminal pelas pressões que lhe são externas, há também uma reflexão interna (dos magistrados) que cria grandes obstáculos para a aceitação do clamor popular nas decisões jurídicas. É sobre essas reflexões que nos debruçaremos a seguir. 6.2 | A resIstênCIA do sIstemA de dIreIto CrImInAl à Pressão externA Feita essa ressalva teórico-metodológica preliminar, gostaríamos agora de mostrar, a partir de dados empíricos, como a pressão da mídia e da opinião pública encontra resistências na tomada de decisão de juízes. Vamos mostrar rapidamente, a partir de relatos desses operadores jurídicos, que em diferentes momentos de um caso penal a pressão da opinião pública se faz sentir, mas nem por isso as decisões vão no sentido desejado pelo clamor midiático. Os extratos a seguir são retirados de nossa tese de doutorado,7 em que buscávamos compreender as relações entre a opinião pública e o sistema de direito criminal. Para tanto, formamos um banco com 42 entrevistas semiestruturadas com juízes e membros do MP (tanto federais como estaduais, de primeira e também de segunda instância) de vários estados no Brasil. As respostas subsequentes, com os dados anonimizados, provêm então desse banco de dados. Vejamos, por exemplo, o extrato de um juiz criminal que comenta a sua atitude quando recebe um processo criminal de um réu bastante retratado na mídia por seu status e por sua frequência em casos criminais: Esse negócio de maus antecedentes é até um caso interessante. Eu peguei um processo de um sujeito muito conhecido por frequentar páginas policiais e do qual todo mundo tem uma opinião formada a favor ou contra [...] Uma pessoa bastante conhecida por processo criminal. E quando eu peguei eu falei “nossa, mas esse safado ‘tá’ também agora cometendo crime contra o sistema financeiro, como é que ele conseguiu? Onde que ele arranjou espaço pra isso?” [Mas] no fim acabei absolvendo o sujeito porque eu falei “não, isso aqui não faz sentido, ele só teria prejuízo se praticasse o crime na forma 236 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT que ‘tá’ na denúncia e tudo”. Eu fui com uma cabeça de achar que o sujeito era realmente [...] um crápula, um não sei o quê, e acabei falando “não, nesse caso especificamente eu acho que não é caso, realmente não teve uma conduta inadequada”, e assim por diante. E acabei absolvendo. [...] Muitas vezes analisando o processo friamente assim com a porta fechada muda a opinião e não acho que essa questão de opinião pública seja tão relevante.” (Juiz 4). Esse tipo de reação entre os nossos entrevistados foi bastante frequente. Trata-se mesmo de um lugar comum para um grande número de operadores do direito. A pressão da mídia e da opinião pública criam de fato prénoções e pré-julgamentos, mas o treinamento jurídico para se fazer uma análise “fria” do processo permite um razoável distanciamento do ruído externo. Em face de informações processuais que contradizem a imagem midiática, o magistrado tem um elemento bastante sólido onde ancorar sua decisão, o que permite que ele se proteja de uma eventual repercussão negativa da mídia. A recusa desses estímulos externos ao processo, da mídia e da opinião pública se dá em grande parte por uma representação generalizada dos operadores jurídicos, do público como uma categoria ao mesmo tempo bastante ignorante em matéria de direito e demasiadamente punitiva. Essa representação aparece claramente em uma passagem da entrevista com o Juiz 5: Eu não acho que eu, como juiz, tenho que estar preocupado com o que a maioria do povo pensa. [Se for pelo que a] maioria do povo pensa, todo mundo vai querer prisão perpétua ou coisa que o valha, endurecimento das penas etc. e tal. Mas eu acho importante que o público saiba como funciona, mas eu não acho que eu tenho que me guiar num processo ou noutro em razão disso (Juiz 5). O Juiz 14 também partilha dessa visão de um público punitivo. No extrato a seguir, ele defende a ideia de que as dificuldades cotidianas da vida e a desigualdade social são elementos que acarretam uma punitividade no 237 [sumário] 6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA público que é nociva para o sistema de direito criminal. A pena criminal, no seu modo de ver, funciona como a vingança das injustiças cotidianas. Vejamos o seu argumento: A sociedade brasileira de uma maneira geral tem um sentimento, uma necessidade, de ver as pessoas presas. Ela tem um sentimento de vingança muito grande. [...] O que eu sinto [...] é o desejo de vingança que a sociedade tem. Vingança pela miséria, pela dificuldade, por tudo, pela sua vida. E a sociedade vê em qualquer pessoa que tenha relevo, que tenha um nome... uma autoridade no Brasil é sinônimo de... se for indiciado, por exemplo, um deputado todo mundo vai querer que ele vá preso. Se for suspeito de algum crime um juiz, aí a população quer que vá preso, nesses casos. E no outro caso, que é o caso do crime violento, o crime estarrecedor, o crime que choca muito, as pessoas querem ver essa pessoa punida, morta, presa, seja lá o que for. Então esse clamor público é muito leigo e parte muito do sentimento, na minha opinião, de vingança da sociedade. Vingança pela vida que tem, pela impunidade que grassa no país, o sentido de impunidade, o sentimento de impunidade que a população sente, a população tem. Então quando acontece alguma coisa que chama a atenção todo mundo quer se vingar, quer que prenda. E é a lei, esse sentimento é um sentimento que na minha opinião não deve ser levado em consideração, a população é leiga, é bem desproporcional. [...] Se fosse deixar para a opinião pública decidir não cabia gente nas cadeias [...] nunca saía preso das penitenciárias. O clamor público pra mim funciona negativamente na justiça brasileira (Juiz 14). Vemos claramente, portanto, que o Juiz 14 representa o clamor público como um elemento problemático do qual a justiça criminal deve manter distância. Trata-se de um elemento carregado de uma carga emotiva, que quer a punição criminal como compensação pelas dificuldades cotidianas na vida. O juiz vê tanto o réu de status social elevado quanto o de crimes violentos como dois bodes expiatórios preferenciais para satisfazer o desejo 238 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT de vingança do público. Dessa forma, nessa representação do público, cabe à justiça criminal manter distância e se fechar ao apelo punitivo do público, que é bastante nocivo para o bom andamento de um processo penal. Tendo em vista o grau de irracionalidade do público e da mídia (tal como representados pelos magistrados), uma solução para se proteger dessa pressão punitiva é valorizar os próprios elementos do ordenamento jurídico. No extrato a seguir, o Juiz 6 argumenta que, em face da instabilidade da opinião pública, a Constituição tem de ser o parâmetro para as decisões jurídicas. Vejamos como ele expõe a questão: Eu acho que nós temos a Constituição, que ela é o parâmetro que deve ser seguido. É lógico que a interpretação vai variando com o tempo, mas é uma coisa muito mais sólida do que a fluidez da opinião pública, do que se pensa sobre determinadas coisas. Então eu acho que a opinião pública ela é difusa, fluida, ela não... ela muda e as pessoas esquecem os momentos, é muito fácil você distorcer fatos que são evidentes. [...] Se o juiz for levar em conta isso e não outros elementos eu acho que ele vai acabar se perdendo (Juiz 6). Vemos, portanto, como a opinião pública é frequentemente considerada problemática e rejeitada quando se trata de tomar decisões no sistema de direito criminal. Tendo em vista a complexidade das tomadas de decisão no interior do sistema, em que se levam em conta os detalhes do caso (tal como descritos no processo), o ordenamento jurídico e a jurisprudência, em casos análogos há outros pontos de sustentação da decisão que não passam por considerações externas ao sistema jurídico. Tendo em vista essa recorrente rejeição da opinião pública nas decisões jurídicas, em determinado momento começamos a nos questionar sobre a representação dos magistrados acerca da ideia de democracia no âmbito da justiça criminal. Tendo em vista que uma representação bastante difusa na sociedade de um poder democrático está associada à legitimidade do poder como resposta à opinião pública,8 começamos a nos questionar se os magistrados se sentiam sensibilizados com uma eventual crítica que sustentasse que eles faziam parte de um poder antidemocrático 239 [sumário] 6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA por ignorar o clamor público. Para vários deles, a questão da democracia, no sentido de participação popular (levando em conta uma representação de senso comum), é bastante problemática e não pode ser tomada no mesmo sentido que tem para o sistema político. Em outras palavras, uma representação de democracia que funciona para o sistema político, em que a participação do público é fundamental – do ponto de vista da legitimidade –, não funciona no caso do sistema jurídico. Vejamos como dois de nossos entrevistados elaboram sobre o tema: [...] o Executivo e o Legislativo, pela sua própria estruturação, são poderes democráticos. Então eles devem uma prestação de contas à sociedade muito maior porque senão o governante ou o parlamentar não vai se reeleger [...]. O Judiciário já foi pensado para que não fosse assim; ele é um poder que não é democrático e eu acredito que ele não deveria ter a pretensão de ser democrático. Esse negócio de eleger juiz que nem nos Estados Unidos não faz muito meu gênero, justamente pra tentar evitar um pouco que ele tenha de dar uma satisfação direta para a opinião pública. Não digo para a sociedade, mas para a opinião pública. E obviamente o judiciário é estruturado de forma que, na cúpula, tenha uma certa influência política um pouco maior, possa responder a esses anseios, uniformizar o entendimento daquilo que poderia ser um bando de malucos aí embaixo cada um fazendo uma coisa. Mas eu acho que ele não é [democrático] e isso é correto. Não deve ser um poder democrático do ponto de vista de se submeter, ainda que periodicamente, a uma chancela da opinião pública (Juiz 4). Nesse extrato vemos claramente como o juiz afasta a questão da democracia do sistema jurídico. O atendimento ao clamor popular é uma preocupação do legislativo e do executivo que passa a quilômetros de distância das operações do sistema jurídico. Há, difundida entre uma boa parte dos atores do sistema, uma representação, segundo a qual essa visão (bastante presente para o senso comum) de democracia popular, de resposta às pressões externas ao sistema é no fundo conflitante com uma outra concepção de justiça democrática calcada na independência do juiz criminal. 240 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT O Juiz 14, que citamos na sequência, nos permite melhor entrever uma concepção de justiça democrática razoavelmente difusa entre os magistrados. Ele se manifesta sobre a questão defendendo uma representação de democracia que faz bem o papel de proteger o sistema de direito criminal das pressões da mídia e da opinião pública. Vejamos o que ele diz: Reformulando a pergunta, a gente não pode acusar a justiça penal de ser antidemocrática se ela se recusa a ouvir o clamor que vem de fora? Como o senhor vê essa questão? Não, não acho que é antidemocrática, não. Como eu lhe disse, o clamor público é demonstrado pela imprensa de acordo com o que a imprensa quer e não com o que a população quer, são coisas diferentes. Mas mesmo que fosse a população que queira aquilo ali [...], aí não é uma questão de democracia... [Afinal], a questão de democracia também [...] é [outra coisa]. Por que a democracia o que é? O respeito às leis. O princípio básico da democracia é o Estado de Direito. Você tem que ter respeito àquelas leis do Estado, você tem que respeitar. Então na hora que você desrespeita a lei pra atender o clamor popular você não está sendo democrático, você não está respeitando a lei, [...] você está fugindo de um dos princípios da democracia, basilar inclusive, que é o império das leis e é mesmo. [...] Se você atende o que o clamor popular [quer] em detrimento da lei, você está fugindo, aí é outro inverso. É complicado, é uma questão complicada, eu falo em democracia principalmente por esse respeito, você viver num Estado que você tem aquela segurança jurídica (Juiz 14). Vemos aqui mais uma vez a construção da ideia de democracia na justiça penal em oposição ao atendimento ao clamor popular. O argumento central desse juiz é a segurança jurídica: o clamor popular deseja soluções que não encontram correspondentes na legislação penal (ou que exacerbam penas previstas), de forma a causar instabilidade no sistema de direito criminal. O atendimento à opinião pública é, dessa forma, uma afronta à previsibilidade da sanção criminal e, nesse sentido, torna-se antidemocrático. 241 [sumário] 6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA Em resumo, o nosso ponto a esse respeito é simplesmente dizer que há uma construção interna dos operadores do direito de uma noção de democracia no âmbito do sistema jurídico que se opõe a uma visão de democracia (de senso comum) de atendimento ao clamor popular. Devemos dizer que aqui há, de certa forma, um paradoxo (ainda que um pouco superficial). Quando a mídia e a opinião pública exigem o atendimento de suas reivindicações, elas o fazem frequentemente se escorando em uma representação de “soberania popular”, de atendimento aos anseios da população. Atender ao clamor público seria uma demonstração de um poder democrático. Essa representação coloca um problema: uma “justiça democrática”, no sentido de uma justiça que atende às reivindicações populares (entendidos aqui como manifestações decorrentes de eventos penais), corre um grande risco de ser uma “justiça antidemocrática”, no sentido de ser inclemente e de pouco respeitar os direitos dos acusados. Uma justiça democrática seria, então, uma justiça que responde prontamente ao clamor público ou uma justiça que o afasta para garantir os direitos do acusado? Se por um lado esse paradoxo pode causar certo incômodo (para os magistrados), com uma imagem antidemocrática que o sistema de direito criminal projeta, por outro lado a questão pode ser resolvida a partir de uma reflexão interna que coloca em evidência a independência do magistrado e a segurança jurídica como fundamentais para uma outra (e mais conveniente) representação da democracia na justiça criminal. A mídIA e A oPInIão PúblICA no CAso nIColAu Passamos agora para uma análise bastante rápida do caso de Nicolau dos Santos Neto, fazendo menção à repercussão do processo na opinião pública. O propósito é apenas mostrar o tipo de reação que um caso de repercussão pode causar no processo, bem como demonstrar que uma pressão punitiva pode, muitas vezes, causar o resultado contrário ao pretendido. Um primeiro exemplo que nos chama a atenção é o impacto que o escárnio público do acusado teve no processo de lavagem de dinheiro. Em que pese a condenação pública do acusado e do linchamento midiático promovido, a pressão por penas severas teve aqui um efeito bastante interessante. 6.3 | 242 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Toda a repercussão do caso e o escárnio público do acusado resultaram em uma diminuição de pena. Vejamos como o juiz do caso tratou a questão: O acusado, conforme tornou-se público e notório, na véspera do início deste processo e durante o seu transcurso, passou a ser alvo de toda sorte de agressões morais por veículos de comunicações escritas, televisivas e radiofônicas (antes de qualquer decisão condenatória – o que, mesmo assim, também seria ilegal), bem como personagem em jogos pela Internet onde simulavam-se agressões físicas à sua pessoa, ridicularização em cânticos natalinos, marchas carnavalescas etc., como se não mais possuísse personalidade jurídica, e que por isso estariam franqueadas as violações à sua honra e dignidade. Isto, sem dúvida, muito se assemelhou àquela referida pena vigente na antiguidade e na idade média. Pela ocorrência desse fato, que considero juridicamente muito relevante, reduzo a pena em 2 (dois) anos, com fulcro no art. 66 do CP, o que redunda na sua descensão para 5 (cinco) anos de reclusão (Sentença do processo 2000.61.81.001248-1 da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo, p. 59). Há aqui algo de grande importância: o escárnio público antes e durante o processo gera um efeito de atenuação da pena. Em outras palavras, o sistema de direito criminal se apropria de um evento que lhe é externo (a pressão midiática e o escárnio público) para utilizá-lo na sua tomada de decisão, mas não faz na forma (e no sentido) que se poderia esperar, tendo em vista que se trata de um clamor punitivo. O fator externo tem, portanto, um peso na decisão, mas esse peso só existe se e quando o sistema, por sua própria autonomia, decide levá-lo em consideração. Não há, retomando o que já dissemos, uma influência externa direta (no sentido de se determinar o que se passa dentro do sistema), mas há uma influência mediada e filtrada pelos operadores jurídicos que se ocupam do caso. O que é mais interessante aqui é, portanto, o fato de que o ruído externo (no sentido de denegrir o réu) acaba por gerar um efeito na direção inversa àquela comumente atribuída à opinião pública (de maior punição). 243 [sumário] 6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA O tribunal acaba por ter um entendimento diferente desse do juiz do caso. Em face da atenuação de pena concedida em virtude do sofrimento acarretado ao réu pelo escárnio público, o tribunal entende que o juiz levou em consideração um argumento não pertinente e que não se encaixava em uma possível interpretação de circunstância atenuante. Vejamos o que diz o tribunal: Ora, na situação em exame, verifica-se que o MM. Juiz ‘a quo’ aplicou a apontada circunstância atenuante ao argumento de ter o apelante sofrido violação à sua honra e dignidade, ao argumento de ter sido exposto perante a mídia de forma invasiva e agressiva. Entretanto, entendo que a situação mencionada não se enquadra na hipótese elencada no art. 66 do Código Penal, considerando que circunstância relevante que enseja a aplicação desse dispositivo legal diz respeito, conforme os exemplos mencionados, a uma conduta do apelante praticada antes ou depois do crime, que de tal forma lhe dignifique ao ponto de ensejar uma certa ‘clemência’ por parte do julgador. E, no caso em tela, não noticia os autos tenha o apelante praticado nenhuma conduta dessa natureza. Portanto, sob esse ângulo enfocado entendo não ser caso de aplicação do artigo 66 do Código Penal, motivo pelo qual, também sob esse ângulo enfocado, dou provimento ao recurso ministerial, para o fim de afastar a aplicação da apontada circunstância atenuante inominada. (Acórdão 1248 do TRF da 3ª Região) O que o tribunal faz aqui é requalificar o clamor externo como ruído sem relevância jurídica, ou seja, como elemento não pertinente ao processo decisional do caso. O art. 66, que deu ensejo a diminuição da pena pelo juiz, reformada pelo tribunal, diz apenas o seguinte: “a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”. No entanto, podemos ver claramente que é o próprio tribunal (em termos teóricos, diríamos que é o sistema de direito criminal) que constrói uma interpretação (“uma conduta do apelante praticada antes ou depois do crime, que de tal forma 244 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT lhe dignifique ao ponto de ensejar uma certa ‘clemência’ por parte do julgador”) que afasta o reconhecimento da pressão externa ao sistema como atenuante. O dispositivo legislativo é de tal forma amplo que há aqui uma grande margem de manobra para se precisar o seu conteúdo. Em resumo, o reconhecimento da relevância jurídica pelo juiz de primeira instância (baseado em um artigo de lei que dá amplas possibilidades de precisão de sentido) da midiatização e do achincalhe público da imagem do réu não encontra respaldo na decisão do tribunal, que prefere ignorar as manifestações midiáticas sobre o caso. Em que pese esse posicionamento distinto nas duas instâncias, podemos dizer, em termos analíticos, que as duas manifestações são exemplos da autonomia do sistema de direito criminal. Quando o juiz de primeira instância leva em conta um elemento externo, ele o faz na forma e no sentido que lhe parecem convenientes (e não seguindo a pressão exercida pela mídia). O tribunal, por sua vez, também exerce sua autonomia ao ignorar o clamor externo, tanto para punir com mais vigor quanto para considerar a mesma atenuante que o juiz do caso. Não há, portanto, em momento algum, uma sujeição a uma imposição externa. O fator externo pode ou não ser visto pelo sistema de direito criminal, mas em nenhum momento ele se torna vinculante nas decisões internas ao sistema. notAs fInAIs O nosso propósito aqui foi o de mostrar o quão grande e bem estruturada a resistência do sistema de direito criminal pode ser quando submetida a pressões da mídia e da opinião pública. Vimos, por um lado, a dificuldade metodológica em se explicar um evento em um sistema complexo, a partir de uma causa externa; e, por outro lado, vimos como os magistrados estão bem equipados teoricamente para bloquear as pressões do clamor público que lhes chegam. Devemos, no entanto, confessar que é possível detectar efeitos da pressão da opinião pública e da mídia na tomada de decisão do sistema de direito criminal. Em nossa pesquisa de doutorado (XAVIER, 2012), encontramos efeitos no andamento do processo (maior celeridade), na decisão de prisão preventiva e até mesmo no momento de quantificar a pena. Não temos espaço 245 [sumário] 6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA aqui para detalhar essa questão. O ponto central neste trabalho é apenas este: se é possível que fatores externos causem um certo impacto nas decisões da justiça criminal, esta trata-se todavia de um sistema bastante resistente e equipado para se proteger do grande circo midiático que se forma acerca de certos casos penais. 246 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT notAs Agradeço às colegas Maíra Rocha Machado e Luisa Ferreira pela leitura e pelas críticas a uma primeira versão deste capítulo. Agradeço também à FGV DIREITO SP por me acolher no período de elaboração deste texto e à Fapesp pelo financiamento de minha pesquisa de pós-doutoramento (da qual este pequeno texto extrai elementos). 1 A utilização da expressão “sistema de direito criminal” aqui tem um propósito. Preferimos, seguindo os trabalhos de Pires (1998, 1999, 2004, 2006 e 2008), falar em direito criminal e não em direito penal, com o intuito de não naturalizar a pena como resposta indissociável do crime. O uso do termo “sistema” também tem um propósito. Ao longo do texto, embora não elaboremos a questão, tratamos o sistema de direito criminal como um subsistema do sistema jurídico, considerando-o como um sistema autopoietico seguindo o quadro teórico de Niklas Luhmann (1984 [1995] e 2004). Isso implica um sistema fechado operacionalmente, isto é, que produz internamente os elementos essenciais para a sua reprodução, e que guarda uma autonomia com relação ao seu ambiente. Não iremos nos estender sobre a questão, pois ela foge ao escopo do capítulo, mas é importante deixar claro para o leitor o substrato teórico que nos norteia. 2 Um leitor mais exigente notará a falta de definição desses termos ao longo do capítulo. Julgamos que essa definição seria prescindível aqui, pois a compreensão do texto não necessita dessas precisões. No entanto, para uma análise mais exigente e aprofundada, ver Xavier (2012). 3 Onde tratamos exatamente do problema da influência da opinião pública sobre o sistema de direito criminal (Xavier, 2012). 4 Em um dos processos envolvendo o réu Nicolau dos Santos Neto, fica claro o efeito que a mídia teve na decisão do juiz, assim como fica patente que o efeito é muito diferente daquele que o clamor punitivo deixaria antever. Voltaremos a essa questão no item 6.3. 5 Autônomos no sentido luhmanniano do termo, que embora observem e estejam abertos cognitivamente aos estímulos do seu ambiente, são sistemas que não podem ser determinados por fatores externos. Eles produzem internamente suas comunicações e, dessa forma, decidem sobre o que lhes concerne e o que não é lhes é pertinente. 6 7 247 Ver Xavier (2012). [sumário] 6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA Se essa é uma boa ou má representação, ou ainda, se ela é uma representação exclusiva ao sistema político, são considerações a parte. O nosso argumento aqui é simplesmente o fato de que existe na sociedade uma representação que identifica a democracia com a opinião pública, e que essa representação pode extravasar apenas o sistema político, que deveria ser democrático nesses termos. 8 248 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT referênCIAs : : : : : : : : : : : BATESON, Gregory. Steps to an Ecology of Mind. Northvale: Jason Aronson, 1972. DEBUYST, C.; DIGNEFFE, F.; PIRES, A., Histoire des Savoirs sur le Crime et la Peine, vol. 2. Bruxelas: De Boeck Université, 1998. _______. “Alguns obstáculos a uma mutação ‘humanista’ do direito penal”. Sociologias, vol. 1, n. 1, 1999, p. 64-95. _______. “A racionalidade penal moderna, o público e os direitos humanos na modernidade tardia”. Novos Estudos CEBRAP, n. 68, p. 39-60, 2004. _______. “Tomber dans un piège? Responsabilisation et justice des mineurs”. DIGNEFFE, F.; MOREAU, T. (org.). La responsabilité et la responsabilisation dans la justice pénale. Bruxelas: Larcier, 2006, p. 217-241. _______. “Programme de recherche de la Chaire de recherche du Canada en Traditions juridiques et rationalité pénale”. Documento não publicado. Ottawa: Chaire de Recherche du Canada en Traditions Juridiques et Rationalité Pénale, 2008. LUHMANN, Niklas. Social Systems. Stanford: Stanford University Press, 1995. _______. “L’opinion publique”. Politix, n. 14, 2001, p. 25-59. _______. Law as a social system. Oxford: Oxford University Press, 2004. PIRES, Alvaro P. “La formation de la rationalité pénale moderne au XVIIIe siècle”. XAVIER, José Roberto F. La réception de l’opinion de l’opinion publique par le système de droit criminel. Tese de Doutorado. Ottawa: University of Ottawa. 249 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: REFLExõES A PARTIR DO CASO TRT Paulo Eduardo Alves da Silva Susana Henriques da Costa Introdução A narrativa do Caso TRT feita neste livro é estarrecedora e, ainda assim, tem grandes chances de ser mais um corriqueiro exemplo de como é o processamento dos casos de corrupção perante os órgãos públicos de controle no Brasil. Isolados os dados relativos ao contexto e ao jogo político praticado no País – aparentemente determinantes para o caso, mas que não nos arriscaremos a analisar –, a narrativa revela com precisão, entre outros temas, a complexidade e aparente incoerência do modelo processual vigente no Brasil, nos âmbitos administrativo e judicial. Este capítulo pretende esclarecer aspectos da tramitação processual e apresentar as razões que, plausíveis ou não, sustentam as regras que compõem esse modelo, especialmente no seu âmbito judicial. Dada a profusão de instituições envolvidas, caminhos trilhados e resultados obtidos (e não obtidos) no caso, foi difícil organizar as reflexões em torno de uma única linha ou tema. Tentaremos nos orientar pela seguinte questão central: como funcionou, do ponto de vista processual, o sistema de justiça brasileiro no Caso TRT? Quais os pontos de estrangulamento e de eficiência procedimentais revelados nesse caso? Da abordagem central será possível derivar perguntas específicas sobre o desenho processual, do tipo: como foram utilizados as impugnações e os recursos e que efeitos tiveram no desenvolvimento do caso? O que significa, tecnicamente, o fenômeno chamado de “trânsito em julgado” e que efeitos a sua ausência tem gerado no caso? Paralelamente, como os diversos órgãos de controle (Tribunal de Contas, Comissão Parlamentar de Inquérito e Ministério Público) utilizaram mecanismos de interação no nível processual? Outra reflexão parte do modo como foi 251 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: construído e aproveitado o conjunto probatório produzido no caso, especialmente a partir da interação ou desarticulação entre os órgãos de controle envolvidos. Por fim, nos questionamos em que medida as regras que definem quem pode e quem deve ser parte nesse tipo de processo (as chamadas legitimidade ativa e passiva) responderam pelos resultados obtidos. A legitimidade processual, tal qual desenhada pelo sistema (ativa e passiva) para o combate à corrupção, trouxe problemas ou facilitou o desenrolar do processo? Haveria algum impacto se o sistema reconhecesse foro de prerrogativa de função aos réus no processo de improbidade? 7.1 | A demorA do ProCesso e seus resultAdos: PROVIMENTOS DE URGêNCIA, RECURSOS E COISA JULGADA Uma das mais evidentes impressões que se tem pela leitura da narrativa do Caso TRT é a demora na sua solução. Para irmos além de uma constatação genérica, precisamos compreender o funcionamento do sistema processual brasileiro, especialmente a oportunidade para o uso de recursos, acusados como o principal fator da morosidade da Justiça brasileira, e a importância do fenômeno chamado de “trânsito em julgado” ou “coisa julgada”. As normas que regulam os processos judiciais no Brasil atendem a duas exigências supremas e, não raro, excludentes: assegurar o legítimo direito de defesa e produzir uma decisão justa em tempo razoável. Não seria exagero afirmar que tais valores compõem a própria noção moderna de justiça: decisão justa, poderíamos definir, seria aquela que, além de produzir alguma sensação comum de justiça, se funde na lei e assegura às partes acusadas oportunidades para se defender. Por uma exigência contemporânea, decisão justa é também aquela proferida em um prazo considerado razoável, conforme locução incluída em nossa Constituição Federal por ocasião da chamada Reforma do Judiciário (CF/88, art. 5º, inciso LXXVIII, com redação dada pela EC n. 45, de 2004). O direito de defesa, componente essencial da ideia moderna de justiça, é exercido tanto quando a parte se defende das acusações que lhe são feitas como quando impugna, por meio de recursos, as decisões que lhe prejudicam. A possibilidade de impugnar decisões judiciais é uma garantia contra os erros dos juízes, assegurada desde os ordenamentos mais 252 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT antigos. Os recursos se justificam, segundo alguns, na inexorável falibilidade humana e, segundo outros, no intuito de controle dos órgãos inferiores pelos superiores. Como esclarece a dogmática processual, “à conveniência da rápida composição dos litígios, para o pronto restabelecimento da ordem social, contrapõe-se o anseio de garantir, na medida do possível, a conformidade da solução ao direito. [...] Ante a inafastável possibilidade de erro judicial, adotam as leis posição intermediária: propiciam remédios, mas limitam-lhes os casos e as oportunidades de uso.” (MOREIRA, 2008, p. 229). O ordenamento brasileiro criou um sistema amplo e complexo de recursos. Toda decisão implica, em alguma medida, o acolhimento do pedido de uma parte ante a resistência de outra, a qual, por conta do sempre presente risco de erro na decisão, tem o direito de pedir o seu reexame por outro órgão julgador – geralmente de instância superior. Não somente decisões finais, mas também as intermediárias (tecnicamente, “interlocutórias”) podem ser impugnadas. E a decisão que julga o recurso, porque também é uma decisão passível de erro, igualmente pode ser objeto de impugnação – se bem que em hipóteses mais restritas. A justificativa dos recursos, como a da coisa julgada, não é exclusivamente jurídica, mas também política. Há recursos para que haja justiça, e, simetricamente, a justiça somente se considerará feita quando, ao final de um procedimento regular, se exaurem as oportunidades de defesa (e de recurso) previstas em lei. Como a decisão final será a decisão justa (assim se espera...), ela (e apenas ela) tem o poder (e a necessidade) de se tornar definitiva e imutável. Pensando na projeção que qualquer julgamento tem sobre relações futuras, o sistema não se preocupa em apenas definir um litígio, no sentido de lhe colocar um fim, mas em como se certificar que aquele fim é justo e, então, como torná-lo definitivo. A ideia de “trânsito em julgado”, recorrente no Caso TRT, nasce dessa busca pela imutabilidade dos julgamentos. “Transitar em julgado” significa que a decisão proferida percorreu incólume o prazo para as impugnações que lhe poderiam ser feitas. A decisão não foi impugnada e, portanto, pode ser considerada definitiva – ou, tecnicamente, torna-se “coisa julgada”1. A coisa julgada é um fenômeno exclusivo da atividade 253 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: jurisdicional que, inclusive, a diferencia dos pronunciamentos dos demais poderes do Estado (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1998, p. 134). A lei ou o decreto executivo podem ser revogados, mas a decisão judicial, passados os dois anos do prazo para a ação rescisória, não pode mais ser alterada. Julgamentos proferidos no âmbito administrativo podem até transitar em julgado formalmente (no sentido de percorrerem incólumes as oportunidades de impugnação), mas não são contemplados com o mesmo grau de imutabilidade material que a lei atribui ao pronunciamento judicial. A coisa julgada marca o ponto de equilíbrio entre a possibilidade de se rever julgamentos errôneos com a segurança que é necessário conferir às relações jurídicas e sociais – ambas, vale registrar, conquistas dos julgamentos da modernidade ante os medievais. Tecnicamente, é definida como a particular qualidade de imutável (definitiva, intangível, incontestável...) que a decisão, ou melhor, os seus efeitos adquirem após trânsito em julgado (LIEBMAN, 2007, passim). É considerada um valor supremo no ordenamento brasileiro, que, assim como o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, nem mesmo a lei pode alterar (CF, art. 5º, inciso XXXVI). Está condicionada ao exaurimento dos recursos e tem o poder de conferir ao julgamento força de lei: segundo o Código de Processo Civil, coisa julgada é a “eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário” e “a sentença [transitada em julgado] [...] terá força de lei nos limites da lide e das questões decididas” (arts. 467 e 468 da Lei n. 5.869, do Código de Processo Civil [CPC] de 1973). Na narrativa do Caso TRT, a única decisão executada em matéria civil não é judicial, mas administrativa: a do Plenário do TCU que, na segunda oportunidade em que analisou o caso, condenou os acusados ao pagamento de quase R$ 170 milhões. Mesmo que se entenda que se trata do julgamento definitivo do TCU, essa decisão não tem o condão de formar coisa julgada material pois não se trata de pronunciamento judicial. Embora tenha sido executada judicialmente (ação de execução fundada em título executivo extrajudicial), resta sempre a possibilidade de que o Judiciário reexamine a condenação e os seus termos quando apresentada 254 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT defesa pelo executado – por meio de embargos à execução ou objeções de preexecutividade, que, explique-se, não são recursos contra decisões, mas defesas contra acusações.2 Invariavelmente, isso postergará a consumação das medidas executivas de ressarcimento e restituição de quantia ao erário. No âmbito penal, com mais justificativa, os julgamentos só podem ser executados quando se tornarem definitivos. O princípio da presunção de inocência, outra conquista dos julgamentos modernos, foi consagrado na Constituição Federal brasileira por fórmula que não deixa dúvidas: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, inciso LVII). Até o trânsito em julgado da condenação de Nicolau dos Santos Netos por lavagem de dinheiro, em 2013, a narrativa do caso deixa bem claro que os raros decretos de prisão tinham caráter cautelar e não de execução de um julgamento proferido. A verdade é que os sistemas de justiça modernos, no âmbito cível e penal, foram construídos sob a premissa de que apenas decisões definitivas podem ser executadas. Isso nasceu como uma condição de justiça, conquistada após um longo período em que os julgamentos eram executados rapidamente, mas sem qualquer consideração dos argumentos de defesa nem oportunidades de reconsideração e reexame. Contudo, colidem com a premência contemporânea pela justiça em prazo razoável, e têm colocado em xeque a plenitude daquela. Os sistemas processuais têm buscado equilibrar esse antagonismo por meio das chamadas tutelas de urgência, gênero no qual se inserem as tais decisões liminares. As decisões “liminares”, assim chamadas porque proferidas preliminarmente ao término do processo, compensam a espera pela via crucis recursal e pelo trânsito em julgado. Diferentemente do senso comum, o julgamento final não é a única fonte de resultados concretos para as partes. Muito antes dele, as liminares podem trazer resultados substanciais, especialmente nos casos urgentes (daí o nome técnico “tutelas ou provimentos de urgência”). Esses resultados, embora provisórios e teoricamente reversíveis, são bastante concretos e potencialmente geradores de uma confortável fruição de efeitos positivos para o beneficiário da decisão. 255 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: A contrapartida à possibilidade de decisões preliminares, provisórias mas materialmente úteis, é o direito da parte prejudicada impugnar tais decisões. Variam os modelos processuais conforme permitam impugnações quebradas/parciais ou não – ou seja, pedidos de reexame sobre pontos específicos de cada decisão proferida no caso ou recursos apenas do julgamento final. O sistema brasileiro pode ser considerado de ampla recorribilidade, pois se adere à primeira opção: praticamente toda a decisão judicial brasileira, salvo raríssimas exceções, pode ser impugnada pela parte sucumbente e passar por algum reexame de outro órgão de julgamento. Uma consciência da falibilidade humana ou uma forma de controle? Ambos. Vale lembrar que cada nova impugnação será devidamente processada, com oportunidades para defesa, uma nova apreciação e outra decisão – por sua vez, também impugnável, só que de forma mais restrita. Não convém aqui detalhar como isso acontece. Importa ter em mente que, até que sejam interpostas, discutidas e decididas essas impugnações, o processo não chega ao seu fim. Não estaríamos equivocados ao compreender esse atraso como um ônus pela ampla possibilidade que o sistema confere do uso das decisões judiciais liminares, que são imediatas, mas não são definitivas. Do ponto de vista prático, portanto, o manuseio proficiente de decisões liminares e de recursos tem sido determinante para o resultado material dos litígios. No Caso TRT, ambos foram utilizados em abundância por ambas as partes. E a Justiça, sem convicção sobre a quem afinal assistia razão, acolheu requerimentos de ambas. Resultado natural: decisões em sentidos opostos e a indefinição do caso, que nunca chega ao tal “trânsito em julgado”. Atendendo ao polo ativo, determinou-se, por exemplo, a suspensão de pagamentos previstos em contratos, o bloqueio de bens e a prisão preventiva dos envolvidos. Em prol dos réus, vetou-se que decisão administrativa do TCU bloqueasse bens, impediu-se o repatriamento de bens e permitiu-se a réus condenados recorrer em liberdade. Independentemente da legitimidade e do acerto de tais decisões, o fato de se fundarem em um juízo de probabilidade e não na certeza de uma conclusão final impõe limites à sua execução: permite-se benefícios materiais 256 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT salvo aqueles irreversíveis. Resta a percepção de indefinição, de que o caso demora a chegar ao fim. O modo como a Justiça é organizada também contribui para adiar o trânsito em julgado e intensificar a sensação de indefinição. Como o poder judiciário brasileiro é estruturado em três (ou quatro) diferentes instâncias,3 o que seriam decisões finais acabam sendo tratadas como provisórias porque proferidas pelas instâncias intermediárias (primeira e segunda instâncias). Embora proferidas ao término de um procedimento, sofrem o risco de reversão se acolhido um eventual recurso interposto pela parte contrária. No Caso TRT, os chamados “embargos de declaração” e a “apelação” subtraem o caráter definitivo das sentenças condenatórias das ações civis públicas, mesmo que elas tenham demorado mais de 10 anos para serem proferidas (de 1998 a 2011). Em suma, os processos judiciais podem gerar, durante todo o seu curso, muitas decisões provisórias antes que se chegue a um julgamento que possa ser considerado definitivo. Embora reversíveis, as decisões prévias podem gerar algum benefício (ou prejuízo) para os envolvidos, mas apenas o julgamento definitivo poderá gerar resultados imutáveis – o que se denomina “coisa julgada”4. Variam, conforme a lei, o grau de fruição possível pelas decisões liminares e julgamentos não definitivos (de primeira e segunda instâncias). Em geral, vigora a regra de que as liminares não podem produzir resultados irreversíveis (CPC, art. 273, § 2º.) e de que as sentenças, quando apeladas, têm sua eficácia suspensa (CPC, art. 520). As ações que visam apurar atos de improbidade administrativa (Lei n. 8.429, de 1992) têm regra específica: a lei autoriza a decretação cautelar do sequestro de bens do agente ou terceiro indiciado/acusado e o bloqueio de bens, conta bancária e aplicações financeiras mantidas no exterior (art. 16)5 e permite a indisponibilidade liminar dos bens do executado (art. 7º)6, mas exige o trânsito em julgado para as sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos (art. 20)7. Nesse ponto, portanto, o cerne do problema é mais o marco legal específico do que a ferramenta processual ou o funcionamento da máquina judiciária. No Brasil, as decisões liminares têm sido efetivamente utilizadas nos casos de combate à corrupção levados à Justiça. Pesquisa recente que 257 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: coordenamos, em 2010 e 2011, com apoio da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, avaliou uma amostra nacionalmente representativa de acórdãos proferidos em ações de improbidade administrativa que tramitaram na Justiça brasileira entre 2005 e 2010. Uma de suas conclusões indica que os tribunais brasileiros efetivamente deferem mais do que indeferem requerimentos de medidas liminares. No caso dos requerimentos de indisponibilidade de bens, os dados indicam cerca de 66% de deferimento contra 33% de indeferimento; nos casos de afastamento do agente, cerca de 60% contra 40%, e, nos casos de sequestro de bens, 66% contra 33% aproximadamente (BRASIL, 2011, p. 68 e ss.). A pesquisa também coletou dados sobre as principais dificuldades na obtenção dessas decisões liminares que, segundo os atores entrevistados envolvidos nessas ações em focus group, seriam, principalmente, a dificuldade na comprovação da urgência da medida (o chamado periculum in mora), a ausência de critérios uniformes de avaliação dos conceitos subjetivos usados pela lei (moralidade, por exemplo) e a dificuldade de se delimitar precisamente o valor desviado, exigido por alguns juízes para a concessão das medidas (BRASIL, 2011, p. 47 e 43, respectivamente). Em geral, as decisões liminares proferidas em ações de improbidade administrativa são confirmadas nos julgamentos finais. Segundo a mesma pesquisa, as ações de improbidade administrativa tramitadas no Brasil entre 2005 e 2010 foram julgadas integralmente procedentes em 49% dos casos e parcialmente procedentes em 15% dos casos, aproximadamente (BRASIL, 2011, p. 59). As principais sanções aplicadas aos atores condenados são a multa, o ressarcimento de danos e a suspensão de direitos políticos e, em alguns casos, a proibição de contratar com o Poder Público. A perda dos bens acrescidos ao patrimônio pessoal do agente e da função pública são resultados possíveis menos frequentes. Em geral, como veremos a seguir, esses resultados são relacionados à especial dificuldade de comprovação do enriquecimento ilícito, o que restringe, do ponto de vista jurídico, a possibilidade das condenações à devolução de valores, o que acaba sendo feito por meio da figura jurídica do ressarcimento de danos (BRASIL, 2011, p. 601 e 161). 258 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT fIgurA 7.1 SANçõES APLICADAS NAS SENTENçAS CONDENATóRIAS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA FUNDADAS NO ART. 9º DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MULTA CIVIL (23,24%) PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA (9,15%) PERDA DE BENS E VALORES ACRESCIDOS (7,04%) PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO (14,08%) PROIBIÇÃO DE RECEBER INCENTIVOS OU BENEFÍCIOS FISCAIS OU CREDITÍCIOS, DIRETA OU INDIRETAMENTE, AINDA POR INTERMÉDIO DE PESSOA JURÍDICA DA QUAL SEJA SÓCIO MAJORITÁRIO (10,56%) RESSARCIMENTO DOS DANOS (19,72%) SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS (16,20%) FONTE: 259 [sumário] (BRASIL, 2011). 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: fIgurA 7.2 SANçõES APLICADAS NAS SENTENçAS CONDENATóRIAS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA FUNDADAS NO ART. 10 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MULTA CIVIL (19,68%) PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA (6,86%) PERDA DE BENS E VALORES ACRESCIDOS (2,52%) PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO (17,62%) PROIBIÇÃO DE RECEBER INCENTIVOS OU BENEFÍCIOS FISCAIS OU CREDITÍCIOS, DIRETA OU INDIRETAMENTE, AINDA POR INTERMÉDIO DE PESSOA JURÍDICA DA QUAL SEJA SÓCIO MAJORITÁRIO (13,27%) RESSARCIMENTO DOS DANOS (23,11%) SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS (16,93%) FONTE: 260 [sumário] (BRASIL, 2011). ESTUDOS SOBRE O CASO TRT fIgurA 7.3 SANçõES APLICADAS NAS SENTENçAS CONDENATóRIAS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA FUNDADAS NO ART. 11 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MULTA CIVIL (25,91%) PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA (8,18%) PERDA DE BENS E VALORES ACRESCIDOS (0,45%) PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO (18,86%) PROIBIÇÃO DE RECEBER INCENTIVOS OU BENEFÍCIOS FISCAIS OU CREDITÍCIOS, DIRETA OU INDIRETAMENTE, AINDA POR INTERMÉDIO DE PESSOA JURÍDICA DA QUAL SEJA SÓCIO MAJORITÁRIO (16,14%) RESSARCIMENTO DOS DANOS (10,45%) SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS (20%) FONTE: (BRASIL, 2011). Assim, não seria da ausência de previsão nem da falta de uso das ferramentas disponíveis que padece o controle judicial da corrupção no Brasil. Do ponto de vista jurídico-formal, há meios processuais para que atos de improbidade e corrupção sejam imediatamente impedidos por decisão judicial quando houver indícios da sua prática. E, do ponto de vista prático, os tribunais brasileiros majoritariamente acolhem requerimentos com essa finalidade; pode-se até arriscar a dizer que confirmam as decisões liminares nos julgamentos definitivos. É possível que a sensação de injustiça geralmente associada ao combate à corrupção não decorra da falta, mas do excesso de instrumentos processuais e na eficiência do seu uso – o que não deixa de ser contraditório do ponto de vista das conquistas do regime democrático. Seria necessário investigar, por exemplo, se as decisões liminares, largamente utilizadas, têm sido de fato úteis ou eficientes em preservar uma situação até que proferida a decisão 261 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: final. Pode acontecer, por exemplo, que a busca pela intervenção judicial seja tardia ou o julgamento final demore em demasia, deteriorando a situação protegida pela decisão liminar. Uma liminar de indisponibilidade ou sequestro será ineficaz se não conseguir preservar valores suficientes para ressarcir o dano ao erário ou sustentar a devolução integral da quantia apropriada. A demora para se requerer a decisão liminar pode decorrer de deficiente articulação entre as instituições incumbidas do controle administrativo. A demora no julgamento do caso, que também pode tornar ineficaz a liminar concedida, é imputável ao sistema processual e de justiça e pode estar associada à exagerada permissão legal para que as partes recorram ou ao uso abusivo de recursos pela defesa no caso concreto. Para minimizar a demora, seria preciso alterar a lei para reduzir as oportunidades de recursos e convencer as partes, inclusive por advertências e punições, a não recorrer quando não têm razão. Desnecessário observar aqui que são medidas de difícil digestão, cuja evidente impopularidade desencoraja até os seus mais engajados defensores. Contudo, não é certo que os recursos sejam os maiores responsáveis pela demora dos processos judiciais. Recente pesquisa realizada pelo IPEA com apoio do Conselho Nacional de Justiça (IPEA, 2011) sugere o oposto. Segundo os dados, uma típica ação de execução fiscal na Justiça Federal brasileira contém, em média, 0,03 recurso de agravo, 0,13 recurso de apelação e 0,02 recurso especial ou extraordinário – ou seja, não se chega à média de um recurso por processo. Também não é muito representativo o uso de mecanismos de defesa: 0,04 objeção de pré-executividade e 0,07 de embargo de devedor ou de terceiro (IPEA, 2011, p. 21). Similarmente, nos juizados especiais federais, o “recurso inominado” é interposto em apenas 25% do total de ações, e o uso de outros recursos é praticamente desprezível: 1,4% de recursos de agravo, 3,3% de embargos declaratórios e 1,1% de casos de interposição de recurso especial (IPEA, 2012). O que sustenta o senso comum de demora causada pelos recursos é limitado aos casos em que eles são utilizados, o que não é a maioria. No casos dos JEFs, o uso do recurso inominado acontece em um quarto dos casos (24,9%), mas quando utilizado gera com um acréscimo substancial no tempo total de tramitação: de 493 dias para 1.032 dias, em média (IPEA, 2012, p. 152). 262 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT É previsível que nos litígios envolvendo corrupção e improbidade administrativa o uso das ferramentas recursais, pela sua própria natureza, seja mais frequente e mais intenso do que em execuções fiscais e ações de juizados especiais. O Caso TRT é um exemplo: o uso das decisões liminares e dos recursos aconteceu no âmbito político (a CPI decretou a indisponibilidade de bens de Nicolau, o que veio a ser entendido como fora de suas competências pelo Supremo Tribunal Federal), no âmbito administrativo (o TCU também determinou a indisponibilidade de bens dos responsáveis, em sua segunda fase de apreciação do caso, em janeiro de 2001) e, naturalmente, pela Justiça. Até a conclusão da narrativa do caso, haviam sido interpostos a favor ou contra o réu Nicolau dos Santos Neto a quantia de 27 recursos de agravo perante o TRF, 13 perante o STJ e 10 perante o STF, bem como 6 apelações cíveis e 7 criminais junto ao TRF e 4 recursos especiais, além de 7 mandados de segurança e nada menos que 49 habeas corpus – que não são recursos, mas serviram como tal. De fato, é um número considerável de impugnações para um só caso, mesmo que compartilhado por processos distintos – administrativos e judiciais cíveis e criminais. Evidentemente, isso gerou um acréscimo substancial ao tempo total de tramitação do feito – e, consequentemente, no trânsito em julgado. As ações penais foram propostas em 2000, sentenciadas em 2002 e confirmadas em 2006, com interposição de recurso ao STJ em 2007. As ações cíveis tiveram andamento bem mais lento e ainda estão longe de um ponto de chegada: foram propostas em 1998 e apenas em 2011 exauriram a primeira instância. Foram interpostos recursos contra essas sentenças, com a consequente reabertura de múltiplas possibilidades de novos recursos de agravo, embargos de declaração; futuramente, deve haver interposição de recursos especiais e extraordinários ao STJ e STF, respectivamente. Há duas outras hipóteses para justificar a demora no Caso TRT: a lentidão nos trâmites internos de cada órgão e o baixo nível de articulação entre eles. Ambas refletem o funcionamento deficiente da máquina do Estado. Nessa linha, o problema parece derivar da falência do modelo burocrático vigente e praticado no Brasil. Os procedimentos prefixados em lei, recomendação básica weberiana, não proporcionam a segurança e a isonomia imaginados. As minuciosas normas técnicas transformam o processamento 263 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: interno em um complexo e demorado ritual de passagem – que, curiosamente, faz lembrar os julgamentos medievais que justamente acreditávamos ter superado com a plêiade de garantias processuais. Por fim, o compartilhamento de competências entre as esferas do governo e dentro de cada uma delas, outra recomendação teórica, resulta em uma sobreposição de atividades com decisões contraditórias e espaços vazios de regulação. Basta lembrar que o processamento do Caso TRT foi multiplicado em instâncias administrativas, políticas e judiciais, em cada uma das quais foram realizadas atividades de investigação, acusação, defesa, instrução e decisões. Cada uma dessas atividades foi minuciosamente regida por procedimentos preestabelecidos em variado espectro normativo: Constituição, leis, códigos, normas técnicas etc. A sensação de injustiça ou inefetividade do controle judicial da improbidade, ainda que desencadeada por algum elemento do processo judicial, como os recursos e o adiamento do trânsito em julgado, parece ter origem em algum obstáculo iniciado previamente, no ciclo mais amplo do sistema integrado de controle da corrupção, em seus âmbitos político e administrativo. Em resumo, há mais de uma possível explicação para a demora em se chegar ao “trânsito em julgado” do Caso TRT – essas decorrentes das peculiaridades do nosso sistema processual, aquelas relacionadas ao padrão comportamental da litigância e outras ainda derivadas da falência do modelo burocrático herdado e praticado no Brasil. Ainda que não seja um problema exclusivo do controle da corrupção no país, a magnitude e a importância desse tipo de caso, inclusive na configuração da percepção de justiça no país, justifica o enfrentamento dessas hipóteses e a formulação de propostas verdadeiramente condizentes à realidade do problema – que, vale dizer, vista a partir da perspectiva ampla que a narrativa do caso possibilita, torna-se, senão estarrecedora, agora muito mais nítida e evidente. 7.2 | A multIPlICIdAde de órgãos de Controle e suA InfluênCIA nA formAção do Conjunto ProbAtórIo O Caso TRT também permite visualizar e analisar a opção do sistema 264 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT jurídico brasileiro pela previsão de múltiplos órgãos de controle da Administração Pública. A natureza do controle exercido é diversificada e vai do controle meramente administrativo (TCU, Controladorias, Corregedorias), até o judicial civil punitivo (improbidade administrativa) e criminal – além, é claro, do controle eminentemente político, exercido em regra pelo Legislativo e suas comissões parlamentares de inquérito. Por não haver uma jurisdição administrativa autônoma (o chamado “contencioso administrativo”, adotado, por exemplo, na França), os litígios que envolvem a administração pública podem ser submetidos à apreciação do Poder Judiciário, duplicando o controle. Além do controle administrativo e judicial, há também a possibilidade de controle político. O caso analisado passou por toda essa variedade de controles. A narrativa também possibilitou a compreensão da diversidade de funcionamento e interação entre esses órgãos. Alguns se mostraram mais sujeitos a pressões dos atores envolvidos, alterando suas posições no desenrolar do caso; outros sustentaram uma atuação mais coerente durante todo o processo, mostrando maior grau de independência. Interessante notar também a influência que a mídia, aliada à opinião pública, tiveram no desenrolar do caso descrito. Serviram de verdadeiros móveis dos órgãos de controle estatais que tomaram ciência e efetivamente atuaram a partir das notícias veiculadas e da pressão política gerada pelas denúncias da imprensa. Ainda sobre o tema da multiplicidade de órgãos de controle, o Caso TRT permitiu constatar uma falta de alinhamento de atuação dos atores envolvidos. Em regra, esses órgãos atuaram isoladamente, de acordo com standards próprios, nem sempre coincidentes. Houve uma espécie de “autonomia” de atuação que levou, no caso analisado, a divergentes decisões e enquadramentos ético-jurídicos. Basta lembrar que o TCU, inicialmente, entendeu aceitável o procedimento de construção do prédio do TRT, a despeito das irregularidades constatadas, ao contrário da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal e do Ministério Público Federal, que desde o início o reprovaram. Uma pesquisa sobre coordenação do sistema de controle da Administração Pública Federal, realizada pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), também apoiada 265 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: pelo Ministério da Justiça (BRASIL, 2011), aponta para a existência de multiplicidade de órgãos de controle no âmbito federal regulados por normas complexas e não necessariamente precisas. É dessa multiplicidade que decorre a inevitável superposição de atuação que, no Brasil, ocorre de forma descoordenada e, muitas vezes, contraditória (BRASIL, 2011, p. 30). A percepção dessas diferenças estruturais talvez possa servir de explicação ao fato de o sistema de justiça ser bastante refratário ao considerar decisões administrativas e políticas no julgamento de demandas de improbidade. Na mencionada pesquisa sobre a ação de improbidade administrativa, foi constatado que o judiciário pouco leva em conta o julgamento dos Tribunais de Contas para decidir seja contra, seja a favor dos réus. Dos processos em que houve análise prévia do Tribunal de Contas, somente em 37,7% das vezes a aprovação ou reprovação das contas foi determinante para o julgamento prolatado. No restante dos casos (62,3%), a atuação prévia pelo Tribunal de Contas não influenciou de forma decisiva a decisão judicial (BRASIL, 2011, p. 68). O critério utilizado para identificar esse caráter decisivo foi a menção a decisões ou pareceres técnicos dos Tribunais de Contas como um dos fundamentos fáticos ou jurídicos para a decisão judicial.8 O Caso TRT ilustra o constatado pela pesquisa, já que a Justiça Federal concedeu as tutelas de urgência requeridas pelo Ministério Público, a despeito da decisão de regularidade do procedimento pelo TCU que até então vigorava. 266 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT fIgurA 7.4 INFLUêNCIA DAS DECISõES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS EM TODOS OS TRIBUNAIS ANALISADOS. A APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO FOI DETERMINANTE PARA O JULGAMENTO (37,7%) A APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO DAS CONTAS NÃO FOI DETERMINANTE PARA O JULGAMENTO (62,3%) FONTE: (BRASIL, 2011). Outro fator que talvez sirva para justificar o dado anterior é o fato de que o sistema brasileiro de justiça tem a tradição da relativa autonomia interna das instâncias. Nesse sentido, em regra, é possível a simultaneidade de demandas em diferentes esferas (não há a chamada “litispendência”, que é a concomitância de processos com o mesmo objeto9, (vedada por lei – CPC, art. 267, V)10; assim, as decisões judiciais não interferem umas nas outras. As esferas criminal e cível são, em um primeiro momento, independentes. Há exceções, como ocorre com os juízos de certeza pela absolvição criminal que impedem o ajuizamento da demanda civil11 e com a possibilidade de execução da sentença penal condenatória,12 mas a regra é a autonomia. Faz sentido na lógica interna do processo, então, que o Judiciário pouco considere as decisões externas dos demais entes de controle da Administração, uma vez que é autorizado pelo desenho do sistema a não se ver atrelado sequer a decisões internas prévias aos casos que aprecia. Entretanto, sob o signo da eficiência, essa escolha é questionável (DINAMARCO, 2009, p. 319). Como visto anteriormente, a multiplicidade de órgãos de controle com atribuições superpostas, somada a 267 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: atuações “autônomas”, gera um contexto repleto de decisões isoladas, desarticuladas e, não raramente, conflitantes. A regra da autonomia, todavia, não significa que o modelo processual seja completamente alheio a outras espécies de interações internas e externas. Especificamente no Caso TRT, é interessante pontuar o papel que os diversos órgãos de controle desempenharam na formação do conjunto probatório que fundamentou tanto as decisões liminares quanto as decisões finais prolatadas pelo Judiciário. Aqui parece que o sistema de justiça caminha não no sentido da autonomia, mas sim no do compartilhamento das provas produzidas, a despeito da falta de atuação conjunta. Assim, os órgãos de controle se aproveitam do material probatório disponível, independentemente de quem o tenha produzido. Em mais de uma ocasião foram adotados procedimentos investigatórios preparatórios dos processos administrativos e judiciais independentes. Ao final, os resultados alcançados nesses processos, geralmente, geraram condenações administrativas e judiciais (criminais e civis). Ao que parece, essas investigações prévias determinaram os resultados alcançados. Foi apontada a importância, por exemplo, que o relatório da CPI do Senado Federal, que incluía a quebra do sigilo bancário dos investigados, teve na mobilização dos órgãos administrativos e judiciais de controle, incluindo alteração pelo TCU de posicionamento anteriormente adotado. Esse relatório, juntamente com os pareceres técnicos do TCU e os elementos de prova colhidos nas investigações instauradas pelo Ministério Público, teve um papel imprescindível na construção das condenações posteriores. Tudo foi admitido e considerado. Quanto às provas produzidas, portanto, a tendência é a admissão de um amplo espectro de possibilidades investigatórias que geraram elementos probatórios essenciais à conclusão do caso, todos admitidos e levados em conta em processos judiciais posteriormente instaurados. De fato, os dados colhidos em pesquisa sobre ação de improbidade (BRASIL, 2011) apontam tendência de ampla admissão de meios de prova típicos e atípicos, mesmo os que, em um primeiro momento, restringiriam ou mesmo violariam direitos fundamentais à privacidade e à intimidade, como quebra de sigilo bancário e telefônico. Por exemplo, em 82,3% dos casos houve deferimento 268 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT (civil ou criminal) da quebra de sigilo bancário. A mesma pesquisa aponta, ainda, para uma tendência de permissão do compartilhamento de provas criminais em processos cíveis. Em 88,2% dos casos em que tais questões foram discutidas, o compartilhamento foi deferido, e em somente 11,8% dos casos ele foi negado. Essa tendência inclui a possibilidade de utilização em âmbito civil de provas restritas à seara criminal, como a interceptação telefônica (BRASIL, 2011, p. 64-65). fIgurA 7.5 PERCENTUAL DE DEFERIMENTO/INDEFERIMENTO DE qUEBRA DE SIGILO BANCáRIO. FOI DEFERIDA OU NÃO A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO (82,3%) NÃO FOI DEFERIDA OU NÃO A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO (17,7%) FONTE: 269 [sumário] (BRASIL, 2011). 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: fIgurA 7.6 PERCENTUAL DE DEFERIMENTO/INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE COMPARTILhAMENTO DE PROVAS CONSTANTES EM OUTROS PROCESSOS. FOI DEFERIDO O COMPARTILHAMENTO (88,2%) NÃO FOI DEFERIDO O COMPARTILHAMENTO (11,8%) FONTE: (BRASIL, 2011). Isso aponta para o fato de que, embora as instâncias de controle atuem autonomamente e, não raras vezes, desconsiderem decisões alheias – com exceção da judicial, que é vinculante –, há o reconhecimento do trabalho reciprocamente realizado na colheita da prova. Trata-se de postura um tanto quanto contraditória, na medida em que considera a atuação alheia mas não necessariamente os respectivos standards de julgamento. Isso pode ser explicado por uma atuação utilitarista dos entes envolvidos, que não buscam produzir provas já disponíveis em outras investigações, aliada a uma tendência jurisprudencial de aceitação do compartilhamento probatório, sem que isso signifique a perda da independência e do poder decisórios que parecem muito caros aos órgãos de controle. Fica claro que o valor eleito pelo sistema de justiça brasileiro no âmbito probatório é o da economia. Aqui, o modelo vigente tira vantagem da multiplicidade de órgãos de controle e se apropria de todos os elementos probatórios produzidos, ainda que em espaços não jurisdicionais. A lógica é a de que todas as informações podem ser trazidas ao processo, mas, ao final, 270 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT a decisão judicial é autônoma (o chamado princípio do “livre convencimento motivado”, que estabelece que o juiz é livre para decidir conforme apontar sua convicção, desde que apresente os fundamentos da sua decisão)13 e não necessariamente deve ser influenciada pelas prévias decisões prolatadas no caso. O mesmo elemento probatório, portanto, pode gerar decisões diversas. Isso parece ser muito claro ao operador do direito, mas é de difícil digestão para os que não estão acostumados à lógica do sistema de justiça. 7.3 | os sujeItos do ProCesso: ESCOLhAS POLíTICAS qUE SE REFLETEM NA TéCNICA Outro aspecto no Caso TRT que permite uma análise interessante diz respeito à legitimidade de agir. Tecnicamente falando, definir a legitimidade de agir em uma demanda judicial é o mesmo que dizer quem são os sujeitos aptos a figurar nos dois polos do processo (ativo e passivo), ou seja, significa definir a pertinência subjetiva da demanda (LIEBMAN, 1984, p. 159). Para além do significado técnico jurídico, a legitimidade de agir traz ínsita um significado político, na medida em que às partes do processo serão conferidos poderes de requerimento de provimentos jurisdicionais e mecanismos probatórios hábeis a convencer o juiz da causa. Em suma: são as partes legítimas que, em regra, podem participar do processo em contraditório e influenciar na construção das decisões provisórias e finais prolatadas no processo pelo juiz. A legitimidade processual, portanto, é uma das técnicas processuais que politicamente legitima (expressão redundante, mas esclarecedora) o exercício do poder estatal e insere um dado democrático no processo. Tendo em vista a função da legitimidade processual no modelo jurídico vigente, a respectiva regra é bastante simples e óbvia: são partes legítimas aqueles cujos supostos direitos e interesses são debatidos no processo. São eles os sujeitos mais aptos a trazer ao juiz sua versão dos fatos, e são eles que estarão sujeitos à decisão judicial final do processo (a chamada “legitimidade ordinária” – CPC, art. 6º).14 São eles, portanto, que devem participar da construção dessa decisão, oferecendo suas alegações e defesas. É com base nessa lógica que, em princípio, permite-se que a entidade lesada por 271 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: um ato de corrupção (União, Estados, Municípios, autarquias etc.) proponha ação de improbidade administrativa em face do agente público causador do dano ou outro beneficiário direto do ato ímprobo.15 Ninguém melhor que o suposto lesado para defender seu patrimônio, e ninguém melhor que o suposto agente causador do dano para refutá-lo. Ocorre que há na sociedade moderna interesses de natureza pública, com destacada importância, que demandam proteção especial, inclusive mediados por um procedimento judicial peculiar, destacado da aplicação burocrática da lei com que normalmente é tratada a massa de ações judiciais individuais. Nesses casos, uma das técnicas processuais utilizadas é a ampliação da legitimidade processual, com a permissão legal para que outros entes defendam direitos que originariamente não lhes pertençam. O intuito é o aprimoramento da proteção. É o que ocorre com o interesse na probidade administrativa e na integridade do patrimônio público. Para processos de improbidade administrativa, que veiculam essas espécies de interesses, a lei processual ampliou a legitimidade e permitiu que, além da entidade lesada, o Ministério Público também proponha as demandas (COSTA, 2008, p. 205-208). Nesses casos, a previsão de legitimidade extraordinária também se funda na falta de confiança na independência dos procuradores das entidades lesadas, legitimados ordinários, em ajuizar demandas de improbidade administrativa em face de seus colegas ou mesmo superiores hierárquicos. Foi necessária a complementação do sistema de legitimidade para a proteção integral dos interesses envolvidos. A escolha pelo Ministério Público, por outro lado, fundou-se na previsão constitucional de defesa dos relevantes valores sociais que o legitimou para a defesa de interesses metaindividuais da sociedade (CF, art. 127).16 O Ministério Público ainda é historicamente o titular da ação penal pública, e com experiência, portanto, na busca pela aplicação do direito punitivo estatal, como também é o caso da demanda cível de improbidade. Trata-se, porém, de legitimidade extraordinária, já que, ao contrário da entidade pública lesada, o MP não é o detentor do direito discutido no processo. No Caso TRT, as demandas judiciais (cíveis e criminais) foram todas propostas pelo Ministério Público. A entidade lesada (Poder Judiciário 272 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Trabalhista) não buscou a tutela do seu interesse e, ao contrário, inicialmente sustentou a legalidade do procedimento adotado perante o TCU. Esse aspecto do caso ilustra exatamente o conflito interno que pode existir na entidade lesada: comandada pelos agentes causadores do dano, não foi capaz de agir de forma independente na tutela de seus interesses institucionais. Fica evidenciada, assim, a importância da previsão de legitimados extraordinários para a defesa dos interesses sociais relevantes e a multiplicidade de legitimados em casos com repercussão política e social marcante. Na pesquisa sobre improbidade administrativa já mencionada (BRASIL, 2011), constatou-se que cerca de 10% das demandas analisadas foram propostas pelas entidades lesadas. As demais, foram ajuizadas pelos Ministérios Públicos Estaduais (58,45%) e Federal (30,44%). fIgurA 7.7 PORCENTAGEM DE DEMANDAS PROPOSTAS POR CADA UM DOS COLEGITIMADOS ATIVOS DA AçãO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - 58,45% PMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - 30,44% ENTIDADE LESADA - 9,9% N/C - 1,21% FONTE: (BRASIL, 2011). Outro debate que o caso analisado traz é sobre a possibilidade e a conveniência política de uma ampliação maior dos legitimados processuais 273 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: ativos para a tutela e articulação de valores sociais. É que o Ministério Público e a entidade lesada são órgãos estatais, e a concessão de legitimidade a tais entes afasta a possibilidade de participação direta da sociedade civil no combate judicial à corrupção. Fica aqui o questionamento sobre a possibilidade de ampliação do rol dos legitimados para a inclusão da sociedade civil e sua respectiva influência no aprimoramento do sistema processual, do exercício da cidadania e da reflexão sobre a ética pública. No primeiro workshop da pesquisa sobre improbidade administrativa (BRASIL, 2011), foi sugerida a inclusão das associações civis como entes legitimados à propositura da demanda de improbidade administrativa, à semelhança do que já ocorre no âmbito da ação civil pública. A ampliação da legitimidade com a inclusão de associações ou mesmo pessoas físicas permitiria que fossem trazidos à apreciação jurisdicional atos de improbidade de ciência privada, não levados ao conhecimento do Ministério Público. A solução teria o potencial de aumentar a acessibilidade dos conflitos sobre improbidade aos órgãos jurisdicionais (BRASIL, 2011, p. 42). Porém, a questão é polêmica, pois os participantes do segundo workshop foram contrários a essa solução, apontando a sua possível ineficiência diante do lento modelo processual brasileiro (BRASIL, 2011, p. 48-49). Por fim, ainda sobre os sujeitos do processo e a competência dos órgãos jurisdicionais para o seu julgamento, vale a pena uma breve análise a respeito do foro de prerrogativa de função. No sistema judicial vigente, os processos criminais preveem foro de prerrogativa de função aos agentes políticos, dentre outros. Isso significa que, quando os réus forem agentes políticos (detentores de mandato, membros do alto escalão do Executivo, magistrados e promotores de justiça etc.), as demandas criminais não serão propostas em primeiro grau de jurisdição, mas sim nos Tribunais (de segundo grau ou Tribunais Superiores). As demandas cíveis de improbidade administrativa, porém, não seguem a mesma sistemática e devem ser todas propostas em primeiro grau de jurisdição, independentemente de quem seja réu. Em outros termos, não preveem foro de prerrogativa de função. Ocorre que há julgamento do Supremo Tribunal Federal (Rcl 2.138/DF) que altera essa regra e prevê a inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa a alguns agentes políticos, dando um enquadramento diferenciado 274 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT a esses réus (crime de responsabilidade), com o reconhecimento de prerrogativa de foro para julgamento. Ainda não foi definida pela Suprema Corte a abrangência da decisão, ou seja, não está claro se esse entendimento se aplica a todos os agentes políticos ou somente alguns deles. Por enquanto, sabe-se que agentes do alto escalão federal e estadual (Presidente da República, Governadores, Ministros de Estado, Ministros do STF e ProcuradorGeral da República, por exemplo) estão afastados da incidência da Lei de Improbidade Administrativa, pois se submetem a outro sistema judicial de controle, o político-administrativo previsto pela Lei n. 1.079/50, a chamada Lei do Impeachment, que lhes garante foro de prerrogativa de função. O STF ainda não se pronunciou sobre a aplicabilidade desse entendimento aos agentes políticos municipais que também, em tese, possuem sistema político-administrativo de controle próprio com previsão de foro de prerrogativa, previsto pelo Decreto-lei n. 201/67. Caso essa interpretação prevaleça para todos os agentes políticos, a ação de improbidade ficará bastante esvaziada. Como medido na pesquisa de improbidade administrativa (BRASIL, 2011), parcela considerável dos réus em ações de improbidade são agentes políticos (46,09%), assim entendidos os detentores de mandato eletivo, os ocupantes de cargos comissionados, os membros da Magistratura e do Ministério Público (BRASIL, 2011, p. 53). O Caso TRT introduz dados importantes nesse debate, pois narra as idas e vindas das investigações e processos criminais, em virtude do fato de alguns agentes políticos serem investigados/réus. Isso porque o foro de prerrogativa vige enquanto o réu detém o poder político, enquanto ele ocupa o cargo.17 Depois disso, perde o benefício, o que significa a remessa dos autos ao novo órgão competente, no primeiro grau de jurisdição. A remessa, porém, no caso analisado, gerou um retardamento do trâmite procedimental, o que certamente foi outro fator de demora na definição do caso. Há inúmeros casos de foro de prerrogativa de função no sistema judicial brasileiro, todos previstos pela Constituição Federal (CF, arts. 102, 105 e 109). O direito brasileiro, nesse sentido, é bastante pródigo, se comparado a ordenamentos jurídicos estrangeiros.18 A justificativa para a previsão de prerrogativa de foro é a garantia de um julgamento diferenciado aos ocupantes de determinados cargos públicos. Nesse sentido, a prerrogativa é 275 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: conferida ao cargo e não aos indivíduos que o ocupam e, por esse motivo, o benefício cessa com o fim do mandato, a aposentadoria ou outra forma de vacância. A prerrogativa de foro, porém, tem ferrenhos opositores, que enxergam no benefício um atentado ao princípio da igualdade, na medida em que trata de forma diferenciada os sujeitos processuais. Se a ideia central do regime republicano é a de que todos sejam igualmente submetidos à lei, a previsão de formas ou, no caso, de órgãos diferenciados de julgamento é, em princípio, violadora. Em decorrência da diferença de tratamento que gera, a prerrogativa de foro é apontada como técnica que possibilita julgamento de conteúdo mais político que jurídico e, por esse motivo, é concedida a detentores de mandatos e ocupantes de cargos públicos com atribuições decisórias relevantes. Além disso, pode implicar restrição do número de recursos cabíveis e, consequentemente, do direito de defesa das partes, pois se o processo se inicia em órgão mais alto na estrutura organizacional do Judiciário, terá menos degraus a subir.19 A regra, portanto, só se justifica quando constitucionalmente prevista, não admitindo interpretações ampliativas, que aumentem os cargos ou as hipóteses de incidência dos benefícios (COMPARATO, 1999, p. 158), como ocorrido no julgamento da Reclamação 2.138/DF. A despeito da discussão ideológica que gira em torno do foro de prerrogativa de função, há o aspecto burocrático dessa previsão processual, claramente ilustrado pelo Caso TRT.20 O foro de prerrogativa, como visto anteriormente, é transitório; portanto, não raramente vigora por um período limitado da persecução penal. Representa, portanto, um “vai e vem” procedimental que é fator de evidente ineficiência. O aspecto da ineficiência e da burocratização merece ser adicionado ao debate sobre a incidência da lei de improbidade administrativa a agentes políticos e o respectivo reconhecimento de foro de prerrogativa de função a parcela de seus réus. Se os processos cíveis já têm tramitação mais lenta que os criminais, a essa demora deve ser somado o tempo de remessa e do eventual retorno dos autos nos casos de réus agentes políticos. Para um sistema que já padece de lentidão, é necessário ponderar se o incremento da burocratização é desejável. 276 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT ConsIderAções fInAIs O Caso TRT foi um escândalo de corrupção de grande repercussão no Brasil. A narrativa que introduz este livro permite observar em detalhes a interseção de diferentes sistemas e atores envolvidos na condução do caso e, em especial, avaliar a dimensão do papel desempenhado pelo sistema de justiça e os resultados que conseguiu produzir ao lidar com um conflito repleto de variáveis políticas e jurídicas com vetores apontados para sentidos nem sempre coincidentes. Este capítulo tentou trazer esclarecimentos sobre como funcionam (ou deveriam funcionar) os instrumentos processuais utilizados no caso. E, a despeito da perplexidade que o caso gera, nossa conclusão pode ser considerada otimista. A análise do caso sugere que o sistema brasileiro de controle da corrupção ainda é extremamente lento e desarticulado, interna e externamente, mas possui caminhos para a busca de melhores resultados. As tutelas de urgência têm sido uma ferramenta de destaque nesse desafio. A suspensão dos pagamentos, bloqueios de bens, restrições de liberdade e outras medidas de urgência adotadas no Caso TRT geraram resultados que, mesmo que provisórios, não são nada desconsideráveis. Toda justiça até agora produzida e a que ainda se espera que seja feita estão condicionadas ao êxito das liminares proferidas. Resultados melhores dependeriam não tanto do rendimento do instrumento processual, mas do desempenho do desenho institucional: quanto antes se articularem os atores envolvidos, mais cedo serão requeridas as tutelas de urgência e maiores as chances de que elas preservem bens para uma execução definitiva; quanto mais intensa essa articulação, mais sólidas serão as provas produzidas e menos chances terão eventuais recursos interpostos. As condicionantes desses resultados são institucionais, não processuais. Ainda que se impute a demora na finalização do caso aos recursos e à dependência do trânsito em julgado, esses instrumentos amparam-se em justificativas de ordem democrática dificilmente afastáveis. A demora processual gerada pelo mau uso dos recursos afeta litígios de qualquer natureza, não apenas aqueles destinados ao controle da corrupção. Mas a importância que esse tipo de demanda possui na composição da percepção pública de justiça justificaria a adoção, ainda que experimental, de medidas 277 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: de limitação dos efeitos dos recursos, bem como a mitigação do condicionamento da execução ao trânsito em julgado (ou ampliação da eficácia das execuções provisórias). A paulatina desvinculação do trânsito em julgado pode ser antevista no recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010). Em suma, entendeu a Corte que as restrições de direitos políticos cominadas na lei podem ser implementadas com base em condenações confirmadas por tribunais, ainda que não se trate de julgamentos definitivos, transitados em julgado.21 E a polêmica restrição aos efeitos dos recursos tem aparecido, ainda que de forma tímida, nas propostas de reforma do art. 520 do Código de Processo Civil. Segundo essa regra, uma vez interposto e recebido o recurso de apelação, ficam suspensos os efeitos do julgamento proferido – ou seja, não se pode fazer nada com a sentença até que seja julgada a apelação. A solução, porém, parece distante, pois os argumentos centrais do caso, que são o completo desprestígio às sentenças de primeira instância e o imiscuído intuito de controle dos órgãos superiores sobre os inferiores, praticamente não foram enfrentados nos debates em torno da reforma legal, o que torna difícil crer em uma mudança verdadeiramente estrutural. Outro elemento que pareceu determinante na demora e consequente indefinição do caso, e que também não é exclusivo dos casos de corrupção, é o fato de que o sistema todo, administrativo e judicial, estrutura-se sob complicadas e burocráticas regras organizacionais e processuais. Não apenas os procedimentos previstos em lei são extensos e minuciosos, como a prática de cada ato desse procedimento requer várias rotinas administrativas. É praticamente impossível trilhar o caminho predeterminado em um tempo “razoável” (SILVA, 2010). Fica aqui a ponderação sobre a ampliação e a antecipação da articulação entre as instituições de controle e seu potencial de impacto no aprimoramento do sistema e, consequentemente, dos resultados obtidos no combate à corrupção. A criação de standards de valoração de condutas comuns, por exemplo, pode servir de parâmetro para a atuação dos órgãos de controle e de orientação para a administração pública, que não se veria mais sujeita a avaliações diferenciadas da mesma realidade jurídica. A atuação conjunta 278 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT e padronizada também é muito mais eficiente para a construção de um ambiente preventivo de condutas ilícitas, na medida em que significa maior transparência nas regras do jogo e, consequentemente, diminuição do controle meramente burocrático e sobreposto. O Caso TRT, porém, a despeito da atuação isolada e descoordenada dos órgãos de controle – ou, ao menos, de uma coordenação tardia –, denota amadurecimento institucional de alguns atores envolvidos, embora todos ainda sofram bastante influência seja dos interesses em jogo, seja da sociedade civil, via cobertura midiática. Algumas estratégias bem-sucedidas apontam para esse amadurecimento, tais como as iniciativas de utilização de mecanismos de cooperação jurídica internacional e repatriamento de valores, bastante inovadoras para a época. Além disso, é evidente a formação conjunta de um material probatório sólido, que sustentou os julgamentos mais recentes do caso – estes sim, sempre no sentido da condenação dos réus. Se, por um lado, observa-se a multiplicidade de atores envolvidos no combate à corrupção, por outro resta claro que o sistema de justiça não permite que a sociedade civil – seja na forma associativa, seja via indivíduo/cidadão – atue diretamente como um desses atores. As regras de legitimidade somente dão acesso ao Judiciário àquelas demandas propostas por entes públicos, em especial, o Ministério Público. À sociedade civil é resguardada a participação indireta, via denúncias aos órgãos públicos legitimados. Há uma escolha legislativa restritiva nesse campo, muitas vezes justificada por um temor pelo mau uso dos instrumentos processuais de punição e pela necessidade de proteção dos agentes públicos contra iniciativas impulsionadas pela má-fé. De outro lado, percebe-se que a Constituição Federal constrói todo um modelo normativo pautado pela busca do aprimoramento da participação popular no Estado Democrático de Direito brasileiro (CF, art. 1º), via exercício da cidadania, na definição de seus valores fundamentais (SILVA, 1999, p. 121-122). Os vetores aqui parecem não coincidir (legitimidade restrita X ampliação da participação), em especial quando se leva em conta que o combate à corrupção, judicial ou não, tem um potencial educativo e reflexivo, na medida em que aprofunda o debate sobre a ética administrativa. 279 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: A dificuldade do modelo processual brasileiro no equacionamento de valores conflitantes pode também ser vista na discussão sobre a ampliação, direta ou reflexa (Rcl. 2.138/DF), da competência para julgamento por foro de prerrogativa de função a agentes políticos réus. De um lado, há a justificativa de que a atividade desenvolvida por determinados cargos merece proteção diferenciada, e as demandas envolvendo seus ocupantes devem ter julgamento inicial em instâncias superiores da organização judiciária nacional. De outro lado, há a pressão do vetor igualdade, que permeia todo ordenamento jurídico brasileiro e que demanda tratamento isonômico entre os indivíduos. Esse vetor, ainda, está inserido em um modelo constitucional republicano de Estado Democrático de Direito, em que todos os agentes públicos devem se submeter à mesma lei. O Caso TRT aponta, ainda, que a prerrogativa de foro gera também um tumulto processual indesejável, pois sua transitoriedade pode ocasionar um “vai e vem” procedimental, aumentando a burocracia judiciária e atrasando a marcha processual. A escolha axiológica pela previsão de hipóteses de competência por prerrogativa de foro é constitucional e, portanto, inquestionável e legítima. A ampliação das hipóteses já previstas, porém, é uma escolha político-jurídica da Suprema Corte brasileira que demandou esforço interpretativo bastante criativo e que culminou no afastamento da própria incidência da Lei de Improbidade Administrativa a agentes políticos, evitando, assim, o embate direto com os valores constitucionalmente reconhecidos mencionados anteriormente (igualdade, eficiência e modelo republicano de Estado). Como visto, a narrativa do Caso TRT levanta inúmeras possibilidades de análise e reflexão sobre o sistema de controle judicial da corrupção. A riqueza na descrição dos fatores e circunstâncias determinantes para o desenrolar do caso permite visualizar o funcionamento do sistema brasileiro de justiça e apontar sua complexidade e suas idiossincrasias. Além disso, os elementos trazidos servem para avaliar o desempenho Judiciário brasileiro como arena de debate da ética administrativa e ilustrar o importante papel que as regras procedimentais e os valores a elas subjacentes podem ter na construção de um modelo processual democrático. 280 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT notAs Outra perspectiva para compreender o trânsito em julgado é, de acordo com o raciocínio exposto, o percurso de todo o procedimento previsto em lei para que se chegue ao julgamento final. Ambas contêm a ideia de exaurimento procedimental e resultam em um efeito de imutabilidade, de definitividade. 1 O direito à defesa é garantia constitucional dos acusados em quaisquer processos, judiciais ou administrativos (CF, art. 5º, LV). 2 Primeira instância, composta de varas monocráticas; segunda instância, de tribunais estaduais e regionais; e tribunais superiores compostos, entre outros, pelo STF e STJ. 3 É certo que as decisões intermediárias (tecnicamente, “decisões interlocutórias”) não podem mais ser impugnadas após o prazo de dez dias previsto para a interposição do respectivo recurso chamado de agravo, mas como a decisão é provisória, nada impede que o órgão julgador a revise ou a revogue por ocasião de outra decisão interlocutória ou da decisão final. Para eliminar a confusão, a teoria processual construiu duas categorias: a preclusão, que é a perda da faculdade de praticar o ato (no caso pelo decurso do tempo), e a coisa julgada, que é a imutabilidade da decisão (ou dos efeitos da decisão). Na linhagem doutrinária ítalobrasileira, essa distinção é atribuída a Giuseppe Chiovenda, na primeira metade do século XX. 4 Art. 16, LIA. “Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. § 1º O pedido de sequestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil. § 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.” 5 Art. 7°, LIA. “Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado. Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.” 6 281 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: Art. 20, LIA. “A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.” 7 A título de exemplo, veja-se trecho do julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná: “Examinado o caso pelo Tribunal de Contas da União, restou arquivado, salientando que as irregularidades e os vícios constatados não se podem sobrepor ao evidente ganho público demonstrado nas compras de merenda escolar, ressalvando que os demais questionamentos suscitados pela equipe auditora constituíram meras falhas de natureza formal, sem repercussões econômicas ou operacionais. [...] E, por fim, a análise acurada do Tribunal de Contas da União indica que a finalidade pública foi atingida.” (TJPR, Apelação Cível n. 96.04.20548-0). Nesse caso, a conclusão do procedimento administrativo do Tribunal de Contas, no sentido da inexistência de dano ao erário, a despeito da constatação de algumas irregularidades, foi um dos principais argumentos utilizados para a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná que manteve o julgamento de improcedência do pedido da demanda de improbidade administrativa. 8 Art. 301, CPC. “Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar: [...] V – litispendência; § 1º Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada. § 2º Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. § 3º Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.” 9 Art. 267, CPC. “Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: [...] V – quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;” 10 Art. 935, CC. “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.” 11 Art. 475-N, CPC. “São títulos executivos judiciais: [...] II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;.” 12 Art. 131, CPC. “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.” 13 282 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Art. 6º, CPC. “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.” 14 Art. 1°, LIA. “Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não [...].” Art. 2°, LIA. “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” Art. 3°, LIA. “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.” 15 Art. 127. “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” 16 Até 1999 vigia a Súmula 394 do STF, prevendo que: “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função ainda que o inquérito ou ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”. Após a revogação da Súmula, a perda do cargo passou a gerar a remessa do processo às instâncias ordinárias. 17 O Ministro Sepúlveda Pertence, em voto no julgamento da questão de ordem n. 687, ponderou que “poucos ordenamentos jurídicos são tão pródigos quanto a vigente Constituição brasileira na outorga da prerrogativa de foro (v.g., CF 88, art. 102, I, b e c; 105, I, a; 109, I, a; 96, III; 27, § 1° e 29 X, sendo certo ainda ser consolidada na jurisprudência que tanto a lei processual federal quanto as constituições estaduais e a lei orgânica da Justiça Eleitoral podem criar outras hipóteses, de cujo âmbito se tem ressalvado apenas a competência do Júri)” (STF, Pleno, Inq 687 – QO, Rel. Ministro Sidney Sanches, DJ 25.8.99). 18 Toda essa discussão foi recentemente retomada no julgamento da Ação Penal n. 470, o chamado “Mensalão”, caso em que, por maioria, o STF entendeu pela concessão de prerrogativa de foro a réus não incluídos na previsão constitucional em benefício da eficiência da instrução processual. 19 Como relatado: “No início de 1999, o Ministério Público Federal dá início a um segundo conjunto de ações relacionadas ao Caso TRT, especificamente na esfera penal. O primeiro inquérito criminal sobre o caso é autuado na Corte Especial do Superior Tribunal 20 283 [sumário] 7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: de Justiça em maio. Em 16 de fevereiro de 2000, diante da revogação da Súmula 394 do STF, a Corte Especial do STJ, por unanimidade, declina a competência e determina a remessa desse inquérito à 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Depois da instauração do Inquérito n. 258 no STJ, mas antes da remessa para a 1ª instância, é instaurado inquérito no STF para apurar os fatos relacionados à CPI, cujo investigado era Luiz Estevão de Oliveira Neto (STF, Inq. 1595). Mas, como em 28 de junho de 2000, Luiz Estevão teve seu mandato cassado pelo Senado Federal, foi determinada a remessa do Inquérito 1595 à Justiça Federal de 1º grau em São Paulo, pois o inquérito passou a alcançar ‘cidadão comum’. Assim, os autos também são encaminhados para a 1ª Vara da Justiça Federal em São Paulo.” Ações declaratórias de constitucionalidade ns. 29 e 30 (ADCs 29 e 30) e ação direta de inconstitucionalidade (ADI. 4.578), julgadas pelo Supremo Tribunal Federal em 16 de fevereiro de 2012. 21 284 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT referênCIAs : : : : : : : : : : : : : : : BRASIL, Ministério da Justiça. “Coordenação do sistema de controle da Administração Pública federal”. Pensando o Direito, n. 33. Brasília: Ministério da Justiça, 2011 (Relatório de Pesquisa). _______. “Eficácia do sistema de combate à improbidade administrativa”. Pensando o Direito, n. 34. Brasília: Ministério da Justiça, 2011 (Relatório de Pesquisa). CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. COMPARATO, F. K. “Ação de improbidade: Lei 8.429/94: competência ao juízo de primeiro grau”. Boletim dos Procuradores da República, v. 1, n. 9, São Paulo, jan. 1999, p. 6-9. ______. “Ações de improbidade administrativa (parecer)”. Revista Trimestral de Direito Público, n. 25, São Paulo, 1999, p. 153-159. COSTA, S. H. O processo coletivo na tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa: ação de improbidade administrativa, ação civil pública e ação popular. São Paulo: Quartier Latin, 2008. DINAMARCO, C. R. Instituições de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O custo unitário do processo de execução fiscal na Justiça Federal – relatório de pesquisa. Brasília: IPEA, 2011. _______. “Acesso à Justiça Federal: dez anos de juizados especiais”. Série Pesquisas do CJF, n. 14. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. LIEBMAN, E. T. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. Trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. _______. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1984. MOREIRA, J. C. B. Comentários ao código de processo civil, vol. V: arts. 476 a 565. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. SILVA, P. E. A. da. Gerenciamento de processos judiciais. São Paulo: Saraiva, 2010. 285 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt Luisa Moraes Abreu Ferreira Introdução De 1999 até hoje, houve pelo menos três grandes alterações nas regras que determinam as hipóteses de cabimento do foro especial por prerrogativa de função.1 Não bastassem as mudanças, as regras em si, quando vinculadas ao exercício do cargo público, geram alterações na competência durante o trâmite processual. A extensão e restrição da prerrogativa e sua aplicação no tempo é matéria constante nos tribunais. Como será descrito adiante, as alterações dizem respeito a três questões principais: (i) o foro especial é relativo a julgamento de qualquer tipo de crime ou apenas a crimes relacionados a atos adminstrativos do agente?; (ii) o foro especial contempla atos de improbidade?; (iii) o foro especial se mantém após o agente deixar o cargo? O debate sobre o tema é extenso, e há diversos projetos em trâmite voltados a limitar a prerrogativa.2 Nas justificações das propostas de emendas constitucionais, argumenta-se que o instituto fere o princípio da isonomia3 (justificativa mais frequente) e que gera impunidade4 e falta de credibilidade nas instituições5. O impacto mais direto do foro especial no andamento dos processos criminais e ações de improbidade, no entanto, é pouco discutido. Os autores que escrevem sobre o tema muitas vezes se limitam a criticar ou elogiar o instituto, com base em princípios de direito.6 Este capítulo tem como objetivo analisar o impacto do marco normativo do foro especial por prerrogativa de função – considerando suas alterações nas últimas décadas – no caso da construção do fórum trabalhista em São Paulo (o Caso TRT). Para isso, será feita uma descrição do percurso do instituto do foro especial de 1923 (primeiro precedente encontrado sobre o tema na base de dados online do STF) até 2012, data da conclusão deste capítulo. Em seguida, serão estudados os pedidos, ações e recursos discutindo competência para processar e julgar as ações civis 287 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt públicas e criminais do Caso TRT para verificar o impacto das regras de foro especial sobre os processos. 8.1 | evolução normAtIvA dAs regrAs de foro esPeCIAl Desde 1923... Por muitos anos, os tribunais estenderam o foro por prerrogativa de função para os crimes cometidos durante o exercício funcional, ainda que o inquérito ou a ação penal fossem iniciados após a cessação do exercício.7 Em 1964, esse entendimento dá origem à Súmula 394 do STF8, mas o primeiro precedente citado pelo Tribunal é de 19239. Em uma das decisões que deu origem à Súmula, o relator, Ministro Victor Nunes Leal, assim justificou o foro especial: os tribunais “de maior categoria” teriam “maior capacidade de resistir à eventual influência do próprio acusado” e “às influências que atuarem contra ele”. Seria, assim, “uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado”. De acordo com o Ministro, cessada a função pública, permaneceria a possibilidade de outra pessoa “tentar exercer influência sobre quem vai julgar o ex-funcionário ou ex-titular de posição política, reduzido então, frequentemente, à condição de adversário da situação dominante”.10 A garantia seria, ainda assim, necessária. Mesmo após a Constituição de 1988, o STF veio mantendo a orientação da Súmula 394.11 Até que, em 1999, o STF cancelou a Súmula. 8.1.1 | 1923 A 199912 qualquer crime cometido durante o exercício funcional (mesmo que não relativo a atos administrativos do agente), ainda que o inquérito ou a ação penal tenha início após a cessação do exercício “Parece-me, porém, que é chegada a hora de uma revisão do tema”13 Ao examinar denúncia por falsidade ideológica contra o ex-Deputado Federal Jabes Pinto Rabelo,14 é suscitada Questão de Ordem acerca da 8.1.2 | 288 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT competência do STF para julgar o caso. O relator, Ministro Sydney Sanches, vota pelo cancelamento da Súmula, sob o argumento de que a Constituição de 1988 “não é explícita em contemplar, com a prerrogativa de foro perante essa Corte, as autoridades e mandatários, que, por qualquer razão, deixaram o exercício do cargo ou do mandato”.15 São levantados, ainda, os seguintes argumentos: a prerrogativa de foro visa garantir o exercício do cargo e não proteger quem o exerce; o regramento brasileiro da matéria não vai de encontro com o direito comparado; as regras de prerrogativa não devem ser interpretadas ampliativamente, ante o princípio da igualdade; dificuldade de o STF exercer suas competências tendo de atuar como juízo de 1º grau; a defesa do ex-Deputado será ainda mais ampla com quatro instâncias. O Ministro Sepúlveda Pertence também vota pelo cancelamento da Súmula, mas por motivos diferentes. Argumenta que seria impossível negar que, para a tranquilidade no exercício do cargo, “mais importa têlo assegurado para o julgamento futuro dos seus atos funcionais do que no curso da investidura, quando outras salvaguardas o protegem”. 16 Argumenta também que a doutrina da Súmula 394 estava tão enraizada no constitucionalismo brasileiro que sua abolição (e não sua preservação) é que reclamaria texto expresso da Constituição. Para ele, o problema estaria no teor literal da Súmula que, ao permitir a continuidade da prerrogativa de foro em todos os casos de crimes cometidos durante o exercício funcional, vai além do que a jurisprudência pretendeu retratar. As decisões que deram origem à Súmula, segundo ele, dizem respeito a fatos ocorridos em razão do cargo. Diante disso, propôs a edição de nova Súmula, com o seguinte teor: “cometido o crime no exercício do cargo ou a pretexto de exercê-lo, prevalece a competência por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício funcional”. Os Ministros Nelson Jobim, Ilmar Galvão e Néri da Silveira acompanham esse entendimento, mas ficam vencidos.17 O STF cancela a Súmula 394, e à decisão é atribuído efeito ex nunc, para que todos os atos praticados e decisões proferidas com base na Súmula 394 continuassem válidos. 289 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt Em 2002, três anos depois da decisão do STF, dois movimentos distintos resultam em nova ampliação do foro especial: (i) é aprovada a Lei n. 10.628/02, que altera o CPP para estender novamente a prerrogativa para os procedimentos iniciados após a cessação do exercício e equiparar a improbidade administrativa à esfera penal para esses fins, e (ii) é ajuizada Reclamação, para que se reconheça que é competência do STF julgar Ministro de Estado com base na Lei de Improbidade.18 1999 A 2002 qualquer crime cometido durante o exercício funcional (mesmo que não relativo a atos administrativos do agente), desde que o inquérito ou a ação penal tenha início antes da cessação do exercício A reação legislativa: alteração do CPP O Projeto de Lei para alteração do art. 84 do CPP, “concedendo, assim, foro especial de processo e julgamento (foro privilegiado) a ex-autoridade titular de cargo publico”, de autoria do então Deputado Federal Bonifácio de Andrade, teve tramitação rápida: foi encaminhado para a CCJ em abril de 2002 e lá foi apresentado substitutivo que foi levado à mesa e promulgado na véspera do Natal do mesmo ano.19 O relator do parecer da CCJ, Deputado André Benassi, opina pela constitucionalidade do Projeto de Lei (para “recompor garantias e direitos”), mas propõe duas alterações: (i) restrição do foro especial apenas “para atos administrativos do agente” e (ii) extensão do foro especial para atos de improbidade administrativa. Na justificação, cita trecho do voto do Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da Questão de Ordem que cancelou a Súmula 394 e conclui que “o que se deseja é manter a prerrogativa de foro especial unicamente para o julgamento dos atos compreendidos nas atribuições administrativas do agente público, não interferindo de tal forma no julgamento dos crimes comuns”. Para defender a extensão para as ações de improbidade, argumenta que a condenação implica sanções graves, e por isso também deve comportar as mesmas garantias. 8.1.3 | 290 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT É nesse mesmo parecer que o problema da demora do julgamento dos casos de corrupção é expressamente mencionado pela primeira vez (pelo menos, em decisões judiciais ou nas justificações dos projetos de lei aprovados). Para defender o foro especial mesmo após cessada a função pública, o Deputado cita a necessidade de evitar demoras decorrentes da remessa dos autos às instâncias competentes após o abandono do cargo pelo agente público. O projeto substitutivo é aprovado, e a Lei n. 10.628 é promulgada, em 24 de dezembro de 2002. Três dias depois, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) ajuíza ADI contra os dois parágrafos do art. 84 do CPP, acrescentados pela Lei n. 10.628.20 A ADI será julgada apenas em 2005. 2002 A 2005 Crime ou ato de improbidade, cometido durante o exercício funcional, relativo a atos administrativos do agente, ainda que o inquérito ou a ação penal tenha início após a cessação do exercício O quadro a seguir indica as mudanças trazidas pela nova lei: quAdro 8.1 COMPARAçãO DA REDAçãO DO ART. 84, DO CPP, ANTES E DEPOIS DA LEI N. 10.628/2002. redAção AnterIor redAção novA: LEI N. 10.628/2002 Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns ou de responsabilidade. Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. 291 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt § 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública (objeto de ADI) § 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º. (objeto de ADI) Novo tipo de populismo? A questão volta para o STF Enquanto ainda tramitava o Projeto de Lei no Congresso, é ajuizada, pela AGU, Reclamação perante o STF para que se reconheça “que constitui usurpação da competência do STF julgar Ministro de Estado por crime de responsabilidade, processando agente político com base na Lei de Improbidade nas instâncias ordinárias”.21 O pedido é feito após sentença condenatória em Ação de Improbidade Administrativa ajuizada contra Ronaldo Sardemberg, então Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), sob a acusação de ter utilizado aviões da FAB para fins pessoais. O argumento para o pedido é o de que, apesar de inexistir previsão expressa, os delitos previstos na Lei n. 8.429/92 são crimes de responsabilidade e, por meio de interpretação analógica, a competência para julgá-los também deveria ser do STF. 22 De acordo com a AGU, os Ministros de Estado submetem-se a regime especial de responsabilidade, e a eles não se aplicariam 8.1.4 | 292 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT as regras comuns da Lei de Improbidade, apenas as relativas aos crimes de responsabilidade.23 É deferida medida liminar para suspender a eficácia da sentença condenatória e sustar a tramitação do processo (à época em fase de apelação). Segundo o Ministro Nelson Jobim, “a simples possibilidade de superposição ou concorrência de regimes de responsabilidade e, por conseguinte, de possíveis decisões colidentes exige uma clara definição na espécie”.24 O julgamento da Reclamação pelo plenário tem início em novembro de 2002. O Ministro Nelson Jobim vota pela procedência da Reclamação, sob o argumento de que a ação de improbidade é ação por crime de responsabilidade e não seria possível aceitar “bis in idem que se pratica em detrimento da competência dessa Corte”.25 Após quatro votos acompanhando o relator (pela competência do STF), o Ministro Carlos Velloso pede vista dos autos e só há decisão de mérito em julho 2007: além dele, pediram vista os Ministros Joaquim Barbosa (2005) e Eros Grau (2007).26 Entre a decisão liminar e o julgamento, são recebidas petições de entidades da sociedade civil27 manifestando inconformismo com a posição favorável à atribuição de competência ao STF para julgar agentes políticos; também são recebidos ofícios de diversas comarcas do País, requerendo informações sobre o andamento do julgamento ou cópias dos votos proferidos até então. Ao retomar o julgamento após quase dois anos, o Ministro Carlos Velloso vota pela improcedência da Reclamação, sob o argumento de que “isentar os agentes políticos da ação de improbidade administrativa seria um desastre para a administração pública”.28 Em seu voto, cita consequências práticas negativas que resultariam de eventual acolhimento da tese da AGU, a partir de dados recebidos por membros do Ministério Público, dentre eles (i) ofício enviado pela Vice-Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, relatando que, em 2002, havia 4.191 Ações Civis Públicas em andamento em 14 estados brasileiros e (ii) ofícios enviados pelos Subprocuradores-Gerais da República, com quadro de agentes políticos que respondem a inquéritos civis e ações de improbidade na Justiça Federal, no STJ e no STF: 32 ex-Ministros de Estado; 35 parlamentares e ex-parlamentares; um ex-Presidente da República; dez Governadores e 293 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt ex-Governadores; 448 Prefeitos; 34 magistrados; e dois membros do Ministério Público Federal. Há novo pedido de vista e a questão é suspensa até 2007.29 O julgamento das ADIs pelo STF Enquanto isso, tramitava no STF a ADI ajuizada pelo Conamp dois dias após a promulgação da Lei que alterou o art. 84 do CPP.30 Três eram os principais fundamentos da ADI: (i) os limites da competência dos tribunais estão no texto constitucional (federal ou estadual), e o legislador ordinário não pode ultrapassá-los, acrescentando nova competência ao rol exaustivo posto na Constituição; (ii) o legislador ordinário interpretou a questão de forma diferente da posição já firmada pelo STF quando cancelou a Súmula 394. Se o STF já decidiu que o texto constitucional não contempla hipótese de prorrogação do foro por prerrogativa de função quando cessado o exercício, o legislador não pode fazê-lo; (iii) no que diz respeito à extensão para as ações de improbidade administrativa, o legislador pretendeu “travestir-se de poder constituinte”, uma vez que a questão estava sob análise do STF, na Reclamação 2.138 (mencionada no item anterior). É requerida liminar para suspensão das normas questionadas, porque “a remessa imediata para os tribunais de milhares de ações em andamento perante a Justiça de primeira instância, em virtude da vigência de ambos os parágrafos impugnados, é consequência desastrosa”.31 Mesmo antes de requerer informações, foram recebidos ofícios da Presidência da República e da AGU, argumentado que a ADI deveria ser julgada imediatamente (nos termos do art. 12 da Lei n. 9.868/99). Na visão deles, no entanto, o periculum in mora estaria na possibilidade oposta, isto é, se juízes de primeiro grau continuassem julgando ações de improbidade e depois fossem declarados incompetentes pelo STF com o julgamento da Reclamação 2.138, do STF (que, naquele momento, estava com 5 votos favoráveis). A liminar é indeferida pelo Ministro Ilmar Galvão, que decidiu que a conclusão do julgamento da Reclamação não depende da concessão da liminar e que “tampouco pode ser considerada razão suficiente para a suspensão da eficácia da lei impugnada a provável remessa de milhares de ações da espécie para os diversos tribunais”.32 8.1.5 | 294 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT O julgamento começa em 2004, com o voto do relator, Ministro Sepúlveda Pertence, julgando a ADI procedente para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP. Com relação à extensão do foro especial após a cessação da função pública, o Ministro decide que lei ordinária não é instrumento apto a alterar jurisprudência assente do STF, fundada direta e exclusivamente na interpretação da Constituição.33 Sobre a competência para julgamento das ações de improbidade, argumenta que a Ação de Improbidade é civil e que o Tribunal jamais deduziu de sua competência originária para processos penais a de conhecer de ações civis. Ressalta, ainda, que eventual acolhimento da tese da Reclamação não prejudica nem é prejudicado pela inconstitucionalidade do § 2º do art. 84 do CPP. Segundo ele, a Reclamação trata de competência para julgar crimes de responsabilidade, matéria bem mais restrita que a de julgar autoridades por crimes comuns (e não abarca membros do Congresso Nacional).34 O julgamento é interrompido por pedido de vista do Ministro Eros Grau, e, em pouco mais de um ano, o STF recebe mais de 50 ofícios de juízes de primeiro grau requerendo informações sobre eventual julgamento da ação. Em setembro de 2005, as duas ADIs são julgadas procedentes, por maioria.35 O acórdão foi publicado mais de um ano depois da decisão e, novamente, o STF recebeu dezenas de ofícios de juízes de primeiro grau requerendo cópia do acórdão. 2005 A 2007 qualquer crime cometido durante o exercício funcional (mesmo que não relativo a atos administrativos do agente), desde que o inquérito ou a ação penal tenha início antes da cessação do exercício E, finalmente, o julgamento da Reclamação pelo STF Após novos pedidos de vista, o julgamento é retomado em 2007. Na ocasião, quatro dos Ministros que haviam votado já estavam aposentados e seus sucessores não poderiam participar do julgamento.36 Assim, o Ministro 8.1.6 | 295 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt Marco Aurélio suscita Questão de Ordem para que o plenário vote acerca do sobrestamento da Reclamação para aguardar-se o julgamento de outro processo do qual participariam todos os Ministros, para não se correr o risco de o Tribunal, em seguida, decidir de forma oposta.37 A Questão de Ordem é rejeitada por maioria e, ao retomar-se o julgamento, os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence acompanham o voto do Ministro Carlos Velloso e decidem pela competência dos juízes de primeiro grau para processar e julgar ação civil por improbidade administrativa ajuizada em face de agentes políticos. Mas a maioria já estava formada, e em posição contrária: como mencionado, cinco Ministros já tinham votado, em 2002, pela competência do STF. Assim, depois de quase cinco anos de julgamento, o STF julga procedente a Reclamação e determina a competência da Corte para julgar ações de improbidade relativas a agentes políticos. Discussões intermináveis A figura a seguir busca representar graficamente essas alterações das normas de foro especial por prerrogativa de função ao longo dos anos.38 8.1.7 | 296 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT fIgurA 8.1 EVOLUçãO NORMATIVA DO FORO ESPECIAL POR PRERROGATIVA DE FUNçãO ENTRE 1923 E 2013. 1923 - 1999 – QUALQUER CRIME COMETIDO DURANTE O EXERCÍCIO FUNCIONAL; – MESMO QUE NÃO RELATIVO A ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE; – AINDA QUE O INQUÉRITO OU A AÇÃO PENAL TENHA INÍCIO APÓS A CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO. 1999: STF CANCELA SÚM. 394 1999 - 2002 – QUALQUER CRIME COMETIDO DURANTE O EXERCÍCIO FUNCIONAL; – MESMO QUE NÃO RELATIVO A ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE; – DESDE QUE O INQUÉRITO OU A AÇÃO PENAL TENHA INÍCIO ANTES DA CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO. 2002: ART. 84 DO CPP 2002 - 2005 – CRIME OU ATO DE IMPROBIDADE COMETIDO DURANTE O EXERCÍCIO FUNCIONAL; – RELATIVO A ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE; – AINDA QUE O INQUÉRITO OU A AÇÃO PENAL TENHA INÍCIO APÓS A CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO. 2006: ADIS 2.797 E 2.860 2005 - 2007 – QUALQUER CRIME COMETIDO DURANTE O EXERCÍCIO FUNCIONAL; – MESMO QUE NÃO RELATIVO A ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE; – DESDE QUE O INQUÉRITO OU A AÇÃO PENAL TENHA INÍCIO ANTES DA CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO. 2007: RCL 2.138 2007 - ? – CRIME OU ATO DE IMPROBIDADE COMETIDO DURANTE O EXERCÍCIO FUNCIONAL; – MESMO QUE NÃO RELATIVO A ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE; – DESDE QUE O INQUÉRITO OU A AÇÃO PENAL TENHA INÍCIO ANTES DA CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO. 297 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt A figura resume alterações legislativas e a ratio decidendi das principais decisões do STF sobre o tema, mas a questão é ainda mais complexa: apenas a título de exemplo (e só no STF), é possível citar discussões sobre (i) atração, por conexão ou continência, de processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados39, (ii) alcance do cancelamento da Súmula 394 pelo STF a ex-Prefeitos40 ou (iii) competência para o julgamento de ações populares contra agentes políticos41. Mesmo sobre questões expressamente decididas pelo STF, discute-se sobre aplicação da lei no tempo. Pelo menos até 2010, cinco anos após o julgamento das ADIs, há decisões sobre as mesmas questões já decididas (prerrogativa de foro nos inquéritos ou ações iniciados após cessação da função e em ações de improbidade administrativa), em recursos baseados em entendimentos anteriores do STF ou na lei considerada inconstitucional.42 Como não poderia deixar de ser, o impacto da existência da regra de foro por prerrogativa de função e de suas alterações no “Caso TRT” foi emblemático. o foro Por PrerrogAtIvA de função no CAso trt O impacto prático das regras e das alterações normativas em matéria de foro por prerrogativa de função foi mencionado poucas vezes pelos atores (do judiciário e legislativo) durante os processos decisórios do percurso narrado nos itens anteriores.43 Embora diversas organizações compostas por membros do judiciário, do ministério público e da sociedade civil tenham se manifestado nas ADIs e na Reclamação, a preocupação com o impacto das normas apareceu pouco na argumentação jurídica das decisões e justificações. Um estudo detido desse impacto em um caso concreto, portanto, pode contribuir para uma análise fundada da pertinência do foro especial por prerrogativa de função. A pesquisa a respeito das decisões e recursos envolvendo a discussão sobre foro especial restringiu-se às duas ações penais principais (“processo de corrupção”44 e “processo de lavagem de dinheiro”45) e ações de improbidade (“ACP Ikal”46 e “ACP Grupo OK”47) do caso. Apesar de todos esses processos estarem sob sigilo, foi possível fazer um mapeamento dos 8.2 | 298 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT processos originados em cada ação penal e ter acesso aos andamentos e à maior parte das decisões no STF e STJ, já que as bases de dados desses tribunais disponibilizam essas informações. Os sites da Justiça Federal e do TRF da 3ª Região disponibilizam os andamentos e a parte dispositiva de algumas decisões.48 Com isso, a pesquisa foi feita a partir de peças que integram os anexos aos recursos interpostos aos tribunais superiores e do andamento resumido dos processos, além de algumas decisões publicadas nas bases de dados. As ações de improbidade Em 1997, o MPF em São Paulo instaura o Inquérito Civil Público n. 07/97, “com a finalidade de se apurar e adotar as providências cabíveis com referência a ilegalidades, superfaturamento e desvio de verbas públicas ocorridos na contratação da empresa Incal Inc. SA (Incal) pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) para a construção do Fórum Trabalhista de 1ª Instância da Cidade de São Paulo”.49 A partir dos documentos obtidos no Inquérito Civil, o MPF ajuizou ação cautelar inominada com pedido de medida liminar50 para impedir que o tesouro nacional continuasse realizando pagamentos à Incal. Em seguida, o MPF ajuizou a primeira Ação Civil Pública de improbidade do caso,51 que tinha no polo passivo, entre outros, o então Senador Federal Luiz Estevão e o Juiz do TRT Délvio Buffulin. O primeiro questionamento da competência da primeira instância foi feito ao STJ por Délvio Buffulin,52 que argumentou que o ajuizamento das ações cautelar e civil pública representaria usurpação da competência do Tribunal. De acordo com o pedido, a prática de atos de improbidade possibilitaria a aplicação de sanções idênticas às criminais e, por isso, o Juiz teria prerrogativa de foro para ser julgado pelo STJ. Em dezembro de 1999, a Corte Especial do STJ, por maioria (nove ministros ficaram vencidos), julga improcedente a Reclamação. De acordo com a decisão, não há competência originária expressa para o STJ julgar ação civil contra agentes públicos, mas que “de lege ferenda, impõe-se a urgente revisão das competências jurisdicionais”.53 É interposto Recurso Extraordinário contra a decisão, admitido pelo STF em Agravo de Instrumento.54 O Ministro Marco Aurélio, relator do Recurso Extraordinário,55 8.2.1 | 299 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt decide, em 2003, que o julgamento “envolve a elucidação da constitucionalidade do § 2° do artigo 84 do Código de Processo Penal”, e aguarda o julgamento das ADIs para decidir. É apenas em 2008 que o Ministro nega seguimento ao Recurso, alegando que a decisão do STJ (impugnada havia quase dez anos) estaria em “harmonia com o precedente do Supremo (na ADI)”. O MPF interpôs Agravo Regimental contra essa decisão. Até a conclusão deste capítulo, em janeiro de 2013, o Recurso Extraordinário ainda estava em andamento. Enquanto isso, em junho de 1999, o MPF em São Paulo instaura novo inquérito civil público, agora para investigar a participação do Grupo OK, porque, após o ajuizamento da primeira ACP, [...] tornou-se de conhecimento público, através da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga o Poder Judiciário, a existência de vultosos repasses de verbas, possivelmente oriundas do TRT, patrocinados pela INCAL e sua subsidiária IKAL, ao Grupo OK, este participante da licitação que deu origem à contratação da primeira empresa.56 Em seguida, Luiz Estevão de Oliveira Neto ajuíza Reclamação no STF,57 alegando a nulidade da portaria do MPF/SP que instaurou o segundo inquérito civil público, porque seu único objetivo era o de investigar a ocorrência de fraude à licitação (capitulada, na época, no art. 335 do Código Penal) por parte do Grupo OK. Como Luiz Estevão estava à frente dos negócios da empresa na época, a competência seria do STF. Poucos dias depois, em julho de 1999, é deferida a liminar para suspender, até o julgamento final da Reclamação, a eficácia da Portaria do MPF que instaurou o inquérito civil público. De acordo com a decisão do Ministro Celso de Mello, o fato investigado atrai a competência do STF, “pouco importando haja sido rotulado de civil público. Sobrepõe-se ao aspecto formal a realidade, o tema de fundo, o objetivo colimado.” O Procurador-Geral da República interpõe agravo regimental contra essa decisão, alegando que “o inquérito civil público instaurado validamente pela publicação da mencionada Portaria do Ministério Público 300 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Federal não busca esclarecer a autoria e a materialidade de crime, mas, tão somente, apurar fato com a finalidade de fixar responsabilidade civil”.58 O Ministro Celso de Mello reconsidera a decisão que deferiu a liminar, restaurando, até o final do julgamento da Reclamação, a eficácia da Portaria que instaurou o inquérito civil público.59 Não há decisão de mérito, porque, em 2000, é instaurada a ACP,60 e o pedido da Reclamação é considerado prejudicado. Durante o trâmite das Ações Civis Públicas em primeiro grau (a conexão das ações foi reconhecida pelo TRF da 3ª Região, para julgamento simultâneo61), diversos foram os pedidos dos réus para que o processo fosse sobrestado até o julgamento da Reclamação 2.138 ou das ADIs, mas as ACPs não foram suspensas. Mais adiante – e em razão do julgamento da Reclamação 2.138 pelo STF –, novamente foi requerido o reconhecimento da incompetência da Justiça Federal de primeiro grau. Na sentença da ACP da Incal, proferida em outubro de 2011, a juíza entendeu que a Reclamação 2.138 não alcança ex-juiz, mas tão somente Ministro de Estado.62 A tabela a seguir sintetiza as informações sobre o impacto do foro especial nos processos de improbidade: tAbelA 8.1 IMPACTO DO FORO ESPECIAL NAS AçõES DE IMPROBIDADE. Recursos ou ações 2 Reclamações; 1 Recurso Extraordinário; 1 Agravo de Instrumento; 2 Agravos Regimentais. Interrupção do andamento Inquérito Civil Público fica suspenso por quatro meses, no início das investigações por liminar concedida na Rcl. 1110, STF. Recursos em trâmite Recurso Extraordinário interposto contra a Rcl. 591 ainda está em trâmite no STJ. Deslocamentos Nenhum. 301 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt Inquéritos criminais Em maio de 1999, é autuado o primeiro inquérito na Corte Especial do STJ.63 O investigado era Nicolau dos Santos Neto, aposentado.64 Depois de quase um ano, diante da revogação da Súmula 394 do STF, a Corte Especial do STJ, por unanimidade, declinou a competência e determinou a remessa do inquérito à Seção Judiciária de São Paulo.65 Depois da instauração do inquérito no STJ, mas antes da remessa para a primeira instância, é instaurado novo inquérito: dessa vez, no STF, para apurar os fatos relacionados à CPI cujo investigado era Luiz Estevão de Oliveira Neto.66 Diante da decisão que determinou a remessa do seu inquérito do STJ para a primeira instância, a defesa de Nicolau dos Santos Neto interpôs Reclamação ao STF,67 alegando que a competência para investigação a ele relacionada é do STF, em razão de conexão probatória com a investigação de Luiz Estevão. A Reclamação foi julgada improcedente em junho de 2000, pois não haveria conexão instrumental ou probatória entre as duas investigações.68 Corriam os dois inquéritos, um em primeira instância (Nicolau dos Santos Neto) e outro no STF (Luiz Estevão), quando, em 28 de junho de 2000, Luiz Estevão teve seu mandato cassado pelo Senado Federal. Depois de um mês, foi proferida decisão69 declinando a competência do Inquérito 1595 à Justiça Federal de primeiro grau em São Paulo70. Na decisão, o Ministro Marco Aurélio cita acórdão proferido na Questão de Ordem no Inquérito n. 687, que cancelou a Súmula 394 do STF. Os autos são então encaminhados para a 1ª Vara da Justiça Federal de São Paulo. 8.2.2 | Ações penais Na data da chegada do Inquérito 1.595 do STF à 1ª Vara, já havia denúncia nos autos, relativa aos crimes de peculato, estelionato, corrupção passiva e formação de quadrilha (“processo de corrupção”71). E, em 16 de março de 2000, é oferecida denúncia contra Nicolau dos Santos Neto pelo crime de lavagem de dinheiro (“processo de lavagem”72). Ambas as ações penais foram sentenciadas no mesmo dia, 26 de junho de 2002, pelo Juiz Federal da 1ª Vara Criminal. Apenas Nicolau dos Santos Neto foi 8.2.3 | 302 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT condenado – por tráfico de influência, em um processo, e lavagem de dinheiro, no outro. Ao longo de 2002 e no começo de 2003, os autos permaneciam em primeiro grau para julgamento dos Embargos de Declaração e juntada de razões e contrarrazões do MPF e dos acusados. Diante da promulgação da Lei n. 10.628/2002, a defesa requer remessa de ambas as apelações ao STJ. Nas duas ações penais, foram proferidos despachos semelhantes, indicando que a competência para o julgamento das apelações seria do TRF da 3ª Região, “eis que por estar o processo em fase recursal compete ao E. TRF da 3ª Região decidir se é incompetente ou não para julgar os recursos, de modo que os autos deverão ser para lá remetidos”.73 Também é requerida a revogação da prisão de Nicolau dos Santos Neto, porque teria sido proferida por juiz incompetente. O pedido foi indeferido, “pois quando de sua decretação, bem como da prolação da sentença condenatória, situações estas ocorridas antes da entrada em vigor da Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002, este Juízo era competente para processar e julgar o feito”. Após essa decisão, o processo de corrupção foi remetido ao STJ74, e o de lavagem foi remetido ao TRF da 3ª Região75. Nenhuma das decisões disponíveis esclareceu a razão da mudança de entendimento do juízo de primeiro grau, e também do encaminhamento para dois tribunais diferentes.76 A partir desse momento, os processos tomam rumos distintos. Processo de corrupção: apelação criminal e recursos Os autos do processo de corrupção são distribuídos à Corte Especial do STJ77 em junho de 2003. Antes de qualquer movimentação, o MPF requer a devolução dos autos ao TRF da 3ª Região, alegando a inconstitucionalidade do art. 84, § 1º, do CPP, com a redação dada pela Lei n. 10.628/2002. Em outubro de 2003, a Corte Especial determina que a apelação seja julgada pelo TRF da 3ª Região, porque o STJ teria apenas competência originária, não podendo servir como tribunal de cassação. Como em grande parte das decisões mencionadas neste livro, a votação não foi unânime: onze ministros entenderam pela competência do TRF da 3ª Região, e ficaram vencidos outros cinco ministros: quatro declararam 8.2.4 | 303 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt a competência do STJ e um declarou a competência do STF. Temos, portanto, em um caso concreto, o STF divido entre três órgãos possíveis para julgar uma apelação criminal – e, como consequência, diversos recursos contra a decisão. Fábio Monteiro de Barros interpõe Reclamação, alegando usurpação da competência do STF.78 A liminar é negada em janeiro de 2004 pelo Ministro Nelson Jobim. Ao contrário do imaginado, a decisão não se fundamentou no fato de já haver sentença de primeiro grau ou em uma eventual inconstitucionalidade dos parágrafos no art. 84 do CPP: o Ministro entendeu que os atos de Luiz Estevão não foram praticados em decorrência do exercício do mandato e, por isso, o STF não teria competência para julgar a apelação.79 É interposto agravo regimental contra essa decisão, sob o argumento de que “o crime de corrupção passiva, em caráter continuado, imputado a um Senador da República diz respeito a um injusto penal personalíssimo, cujo sujeito ativo só pode ser um servidor público, na acepção penal do termo, que inclui os agentes políticos”.80 Em fevereiro de 2004, é negado seguimento ao agravo, alegando-se que, independente da capitulação jurídica, ao Senador foram imputados atos tipificados como crimes comuns praticados no exercício da atividade empresarial de construção civil, desvinculada da atividade parlamentar.81 Não há notícia de outra decisão nesse processo, que foi arquivado em abril de 2004. É possível que tenha havido desistência do pedido. Enquanto a Reclamação de Fábio Monteiro de Barros ainda estava em andamento, é interposta Reclamação por Luiz Estevão de Oliveira Neto, sob os mesmos fundamentos.82 A liminar é indeferida, e é negado seguimento ao Agravo Regimental. A decisão citou o precedente da Reclamação 2.538 e acrescentou que, em razão da absolvição de Luiz Estevão, “não se verifica qualquer possibilidade de lesão irreparável que justificasse a suspensão da ação penal”. Em novembro de 2004, Luiz Estevão requer a desistência do pedido, e a Reclamação é arquivada. Ainda aguardava-se a remessa do processo para o TRF, quando em janeiro de 2005 é distribuído habeas corpus ao STF83 no qual os impetrantes, advogados de Luiz Estevão, requerem a concessão da ordem para 304 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT que seja declarada a competência do STJ para conhecer e julgar a apelação, anulando-se o acórdão que determinou a remessa dos autos da Ação Penal n. 247 ao TRF da 3ª Região. No dia seguinte (e quase um ano e meio depois da decisão do STJ), o Ministro Nelson Jobim, então presidente do STF, defere a liminar para suspender os efeitos do acórdão do STJ e impedir a remessa da ação penal ao TRF da 3ª Região, até julgamento final. De acordo com o Ministro, a superveniência da Lei n. 10.628/2002 prorrogou a competência do STJ, que antes era do TRF, para o julgamento dos recursos de apelação interpostos pelo MPF e por Nicolau dos Santos Neto, e determinou que “enquanto não decididas a ADI 2.797 e a ADI 2.860, permanecem vigentes as alterações introduzidas no art. 84 do CPP, pela Lei n. 10.628/02”.84 O julgamento do habeas corpus começa em abril de 2005, com voto da relatora Ministra Ellen Gracie deferindo o habeas corpus. Em seguida, é acolhida preliminar de sobrestamento do feito, a fim de se aguardar o julgamento, pelo Plenário, das ADIs n. 2.797 e 2.860, em que se discute a constitucionalidade da Lei n. 10.628/2002. A Turma determina que se oficie ao Presidente do STF a existência desse habeas corpus sobrestado, aguardando-se o referido julgamento. Enquanto vigente a liminar no habeas corpus de Luiz Estevão, Nicolau dos Santos Neto também interpõe Reclamação ao STF85 contra a mesma decisão do STJ na Ação Penal n. 247. A liminar é indeferida em abril de 2005, sob os mesmos fundamentos da Reclamação ajuizada por Luiz Estevão: não há correlação inequívoca entre os atos imputados a Luiz Estevão e o exercício do cargo de Senador da República. Nicolau dos Santos Neto desiste do pedido, e a Reclamação é arquivada. Em setembro de 2005, após o julgamento das ADIs 2.797 e 2.860 pelo STF, o então relator da Ação Penal no STJ, Ministro Peçanha Martins, encaminha os autos ao Ministro Presidente, recomendando a remessa dos autos ao TRF.86 Assim, em setembro de 2005, mais de três anos após a sentença de primeiro grau, o Ministro Presidente do STJ, Edson Vidigal, determina a remessa dos autos ao TRF para julgamento das apelações. Em outubro de 2005, a relatora do HC 85.433 do STF, Min. Ellen Gracie, julga prejudicado o pedido em razão da conclusão do julgamento das ADIs. 305 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt A apelação é julgada em maio de 2006. Em decisão unânime, a Turma julgadora rejeita todas as preliminares e dá parcial provimento ao recurso da acusação, condenando Fábio Monteiro de Barros, Luiz Estevão e José Eduardo Ferraz a penas que variavam entre 26 e 31 anos de prisão. A condenação impôs, também, o pagamento de multas que iam de R$ 900 mil a R$ 3 milhões. A preliminar de incompetência do juízo de primeiro grau foi rejeitada com fundamento nas ADIs julgadas pelo STF um ano antes. Nos termos do acórdão: “correto foi o processo e julgamento da ação penal perante a Justiça Federal de Primeiro Grau e, agora, o exame do recurso por este Tribunal, pois a alteração procedida na legislação foi considerada inconstitucional pela Suprema Corte”. A incompetência da primeira instância para o julgamento do caso é alegada em Recurso Extraordinário interposto contra esse acórdão. É negado seguimento ao recurso no TRF, e dentre outros recursos, a defesa de Nicolau dos Santos Neto interpõe Agravo de Instrumento ao STF.87 Dentre as alegações, sustenta-se ofensa ao art. 5º, LIII, da CF, em razão da competência originária do STJ. Em 5 de março de 2010, decisão monocrática da Ministra Ellen Gracie nega seguimento ao agravo porque a controvérsia acerca da competência para o processamento do feito teria sido dirimida com base na legislação infraconstitucional, “sendo incabível o apelo extremo para tratar da matéria”88. Contra essa decisão, são opostos Embargos de Declaração e de Nulidade. Em 6 de junho de 2011, o Ministro Marco Aurélio rejeita os Embargos de Nulidade. Até a conclusão deste capítulo, em janeiro de 2013, os Embargos de Declaração não tinham sido julgados e também não havia sido iniciada a execução da sentença. Os autos permanecem fisicamente no TRF da 3ª Região, e aguarda-se o trânsito em julgado de recursos nos Tribunais Superiores para remessa à primeira instância para o início da execução. Processo de lavagem: apelação e (mais) recursos Como relatado, após proferida sentença de primeiro grau os autos são remetidos ao TRF em 2003, para julgamento das apelações. Antes do julgamento, em março de 2005, é distribuída Reclamação no STF ajuizada pela defesa de Nicolau dos Santos Neto,89 buscando o 8.2.5 | 306 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT reconhecimento da competência do STF para julgar os recursos da Ação Penal. A Turma julgadora do TRF rejeita todas as preliminares e dá parcial provimento ao recurso da acusação para aumentar a pena de Nicolau para 14 anos de reclusão. O julgamento é realizado antes da declaração de inconstitucionalidade dos parágrafos do art. 84, do CPP. O argumento para a rejeição da preliminar foi o de que o STJ já havia apreciado a questão na Ação Penal 247 (processo de corrupção). Dessa decisão, são interpostos Recurso Especial e Extraordinário. Ainda, diante do julgamento da apelação, a defesa de Nicolau dos Santos Neto protocolou pedido de desistência da Reclamação no STF. Os autos foram remetidos ao STJ, em 20 de abril de 2006, para julgamento de Recurso Especial,90 e até a conclusão do capítulo não retornaram à primeira instância para execução da sentença. O Recurso Especial foi rejeitado pelo STJ e, no momento, aguarda-se remessa dos autos ao STF para julgamento de Agravo de Instrumento contra a decisão. A tabela a seguir sintetiza as informações sobre o impacto do foro especial nos procedimentos criminais: tAbelA 8.2 IMPACTO DO FORO ESPECIAL NOS PROCESSOS CRIMINAIS. Recursos/ ações 5 Reclamações; 2 Agravos Regimentais; 3 Recursos Extraordinários; 1 habeas corpus; 3 Recursos Extraordinários; 1 Recurso Especial; 1 Agravo de Instrumento; 1 Embargo de Declaração; 1 Embargo de Nulidade. Interrupção do andamento Apelação do processo de corrupção é enviada para o STJ no começo de 2003 e só é remetida ao TRF 3ª Região para julgamento no final de 2005. Recursos em trâmite Recurso Especial admitido no STJ para discutir a questão da competência do processo de lavagem; Embargos de Declaração no STF em decisão que impediu seguimento de recurso interposto contra 307 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt a parte da apelação que não declarou nulidade por incompetência do TRF 3ª Região. Deslocamentos Inquérito de Nicolau dos Santos Neto é remetido da Corte Especial do STJ para a Justiça Federal de SP após revogação da Súmula 394, do STF; inquérito de Luiz Estevão no STF é remetido para a Justiça Federal de SP após a cassação do mandato; Apelação do processo de corrupção é remetida para julgamento pelo TRF da 3ª Região após quase três anos de discussões sobre competência. vAle A PenA? Ao longo de todo o percurso normativo das regras de foro privilegiado, pouquíssimas foram as vezes em que houve preocupação com os efeitos das decisões. O processo decisório – no legislativo e judiciário – criou um sistema confuso, errático e praticamente impeditivo do funcionamento do judiciário. Nos processos estudados, a discussão sobre competência gerou dezenas de recursos e ações91 e deslocou os autos de órgão quatro vezes92, sem contar com os deslocamentos gerados em razão da admissão de recursos (como Especial e Extraordinário); também interrompeu os processos por um total de quase quatro anos e, por fim, gerou recursos que impedem o trânsito em julgado da apelação criminal. A conclusão do processo é praticamente inviabilizada. O problema parece relacionar-se menos a cada decisão individual e mais à obscuridade da regra. Além disso, o impacto negativo da regra no andamento do processo também pode ser atribuído ao “caráter itinerante” (OLIVEIRA, 2008, p. 202) dos inquéritos e das ações criminais em relação a esses agentes, em razão da frequente alteração ao longo do processo. O diagnóstico é de Matthew Taylor e Vinicius Buranelli (2007), que ao estudarem seis casos conhecidos de corrupção no Brasil (quase todos mencionados em reportagem do jornal Folha de São Paulo) apontam para a falta de arranjo institucional coordenado entre os órgãos que participam do 8.3 | 308 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT processo de accountability nas suas três fases, monitoramento, investigação e sanção. O efeito prático é, justamente, o enfraquecimento da capacidade de o sistema criminal reforçar a validade das normas. Aliás, o emaranhado de entendimentos e leis apresentado gera caos normativo, efeito central se considerarmos a finalidade de estabilização contrafática das expectativas normativas. Nos casos de corrupção, essa função ganha relevo, devido à repercussão e ao impacto dos processos – e das condutas em si, claro – no meio social. 309 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt notAs A prerrogativa de função é “critério de definição de competência entre órgãos jurisdicionais de natureza diversa”. No momento de definição da competência, a prerrogativa de função determinará os casos em que a competência originária (isto é, a competência inicial para julgamento, em oposição à recursal) será dos tribunais de segundo grau (TJ e TRF) ou superiores (STJ ou STF) (BADARÓ, 2012, p. 168). 1 Em pesquisa nos sistemas de busca do Senado (<www.senado.gov.br/atividade>) e da Câmara (<www.camara.gov.br/sileg/default.asp>) por propostas de emendas constitucionais ativas com assunto “foro especial” ou “foro privilegiado”, foram encontradas seis Propostas de Emenda Constitucional, todas com o objetivo de limitar a prerrogativa: No Senado, PEC 10/2012, PEC 81/2007 e PEC 109/2011 e, na Câmara, PEC 142/2012, PEC 470/2005 e PEC 130/2007. 2 3 PEC 10/2012, PEC 109/2011, PEC 130/2007, PEC 81/2007 e PEC 142/2012. 4 PEC 109/2011 e PEC 81/2007. 5 PEC 470/2005. Cf. MAZZILLI, 2003; MARCÃO, 2003; COUTO, 2003; ALVARENGA, 2001; WALD e MENDES, 1988. 6 Essa orientação resultou de interpretação dos artigos 59, I; 62; 88; 92; 100; 101, I, “a”, “b” e “c”; 104, II; 108; 119; VII; 124, IX e XII da Constituição Federal de 1946 e das Leis n. 1.079/50 (define os crimes de responsabilidade do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Ministros do STF, do Procurador-Geral da República e fixou respectivo processo) e 3.258/59 (estende aos prefeitos municipais o disposto na Lei n. 1.079/50). Em nenhum caso havia indicação expressa de subsistência da competência originária depois de exercidos o cargo ou mandato. 7 “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício.” Aprovada na sessão plenária de 03/04/1964 e publicada no DJ de 08/05/1964, p. 1.239; DJ de 11/05/1964, p. 1.255; DJ de 12/5/1964, p. 1.279. 8 310 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Recurso Criminal n. 491 do STF, DJ de 15/12/1923, em que figurou como recorrente o ex-Presidente Epitácio Pessoa. 9 10 Reclamação n. 473 do STF, DJ de 19/11/1964. 11 Nesse sentido, HC n. 69.156/SP, julgado em 29/04/1992 (RTJ 140/932). A orientação foi mantida durante a vigência de cinco Constituições: 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. 12 Ministro Sydney Sanches, relator do acórdão que, em Questão de Ordem, cancelou a Súmula 394 (Inq 687/SP QO, julgado em 25/08/1999, p. 250). 13 14 Inq 687/SP QO, julgado em 25/08/1999. 15 Idem, p. 250-251. 16 Idem, p. 263. A votação pelo cancelamento da Súmula foi unânime. Em relação à proposta de Sepúlveda Pertence de limitar a prerrogativa de função para casos em que o crime é cometido “no exercício do cargo” (ou seja, crime decorrente de ato administrativo do agente), foi rejeitada por 7 a 4. O relator, seguido pela maioria, ponderou que “talvez seja mais difícil separar os casos em que o ato foi praticado realmente no início do mandato, ou se for a dessa atuação” (Idem, p. 270). 17 18 Reclamação 2.138, STF. Informações sobre a tramitação do Projeto e inteiro teor do parecer da CCJ disponíveis em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao =46203>, acesso em 21 de novembro de 2011. 19 ADI 2.797, STF. A ela foi apensada outra ADI, com os mesmos fundamentos, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (ADI 2.860, STF). 20 21 Reclamação 2.138, STF, p. 99 do acórdão. 22 Idem, p. 100 do acórdão. 311 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt Nos termos do pedido da AGU: “admitir que um juiz do primeiro grau de jurisdição possa fazer pesar sobre um Ministro de Estado a sanção da perda dos direitos políticos e a perda do cargo, até em sede liminar, em primeira instância de jurisdição, não é consentâneo com o sistema de proteção da liberdade de agir do agente político” (idem, p. 101 do acórdão). 23 O Ministro cita na decisão diversos trechos do artigo “Competência para julgar ação de improbidade administrativa”, publicado em 1998, em que Gilmar Ferreira Mendes e Arnoldo Wald defendem a incompetência absoluta dos juízes de primeiro grau para julgar ação de improbidade em relação a Ministros de Estado e membros de Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União. 24 Em seu voto, o Ministro Nelson Jobim também fez considerações a respeito da sentença de primeiro grau: “O paradigma estabelecido na sentença é preocupante. Permite a juiz de primeiro grau, após provocação do Ministério Público, avaliar o uso de bens públicos no interesse público. Assim, é possível que qualquer dos integrantes venha a responder a uma ação de improbidade porque se dirigiu à Universidade de Brasília em carro oficial. Ou – o que seria ainda mais caricato – que um dos integrantes do TSE viesse a ter os seus direitos políticos cassados porque foi visto às 3:00 horas da manhã com carro oficial em frente a qualquer restaurante brasiliense, olvidando-se que aquele ministro acabara de sair de uma das longas sessões da justiça eleitoral. É de pasmar esse novo tipo de populismo!” (Reclamação 2.138, STF, p. 16 do voto do Ministro Nelson Jobim). 25 Enquanto os autos estavam com o Ministro Carlos Velloso, seu pedido de vista é renovado sob a justificativa de estar ele aguardando o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2.797 e 2.860. 26 Como, a Associação Nacional dos Procuradores da República, a Associação Londrinense dos Registradores, Escrivães e Notários; a Associação dos Serventuários da Justiça do Estado do Paraná. 27 28 Reclamação 2.138, STF, p. 14 do voto do Ministro Carlos Velloso. Em uma das sessões de julgamento referente ao caso, o Ministro Gilmar Mendes ponderou que, nessa ação “pedido de vista rimou com perdido de vista” (Reclamação 2.138, STF, p. 373 do acórdão). 29 ADI 2.797, STF, à qual, como mencionado, foi apensada a ADI ajuizada pela AMB (ADI 2.860, STF). 30 312 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 31 ADI 2.797, relatório do acórdão. 32 ADI 2.797, STF, p. 257-258 do acórdão. 33 Idem, p. 282-287 do acórdão. 34 Idem, p. 287-292 do acórdão. Ficaram vencidos os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Ellen Gracie. Em maio de 2012, o pleno julgou Embargos de Declaração modulando os efeitos da decisão do STF, para preservar a validade dos “atos processuais que eventualmente tenham sido praticados em ações de improbidade, inquéritos e ações penais, contra ex-ocupantes de cargos com prerrogativa de foro, sem deslocamento da competência para o Supremo Tribunal Federal dos processos que ainda estão em curso” (ATA n. 13, de 16/05/2012. DJE n. 103, divulgado em 25/05/2012). O acórdão não tinha sido publicado até a conclusão deste capítulo. 35 Não participaram da votação a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Carlos Britto. 36 37 ADI 2.797, STF, p. 359-370 do acórdão. Não há pretensão de esgotamento do tema ou de que seja a única representação possível. Em 2007, por exemplo, o pleno do STF entendeu que a competência para julgamento de atos de improbidade cometidos por agentes políticos é do STF, mas como isso se deu em controle difuso de constitucionalidade, não significa que todos os Tribunais acataram o entendimento. Trata-se, portanto, de simplificação gráfica, para auxiliar a compreensão das mudanças. 38 Cf., por exemplo, Inq 2.424, Rel. Ministro Cezar Peluso, julgamento em 26/11/2008, Plenário, DJE de 26/03/2010, HC 91.224, Rel. p/ o ac. Ministra Cármen Lúcia, julgamento em 15/10/2007, Plenário, DJE de 16/05/2008. Vide: Inq 2.718-QO, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgamento em 20/08/2009, Plenário, DJE de 27/11/2009; HC 94.224-AgR, Rel. Ministro Menezes Direito, julgamento em 12/06/2008, Plenário, DJE de 12/9/2008; Pet 3.838-Agr, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgamento em 5/6/2008, Plenário, Informativo 509. 39 Cf., por exemplo, RE 289.847, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 28/11/2000, Primeira Turma, DJ de 02/02/2001; HC 87.656, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em 14/03/2006, Primeira Turma, DJ de 31/03/2006. 40 313 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt Cf., por exemplo, RTJ 121/17, Rel. Ministro Moreira Alves – RTJ 141/344, Rel. Ministro Celso de Mello – Pet 352-DF, Rel. Ministro Sydney Sanches – Pet 431-SP, Rel. Ministro Néri da Silveira – Pet 487-DF, Rel. Ministro Marco Aurélio – Pet 1.641-DF, Rel. Ministro Celso de Mello. 41 Cf., por exemplo, RE 601.478-AgR, Rel. Eros Grau, julgamento em 16-3-2010, Segunda Turma, DJE de 09/04/2010; RE 439.723, Rel. Ministro Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 24/11/2009, DJE de 17/12/2009; AI 747.195-AgR, Rel. Ministra Cármen Lúcia, julgamento em 09/06/2009, Primeira Turma, DJE de 07/08/2009; ACO 853, Rel. Cezar Peluso, julgamento em 08/03/2007, Plenário, DJ de 27/04/2007; Inq 1.376-AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, julgamento em 15/02/2007, Plenário, DJ de 16/03/2007. 42 Nos documentos acessados pela pesquisa, apenas em três ocasiões houve menção a possíveis consequências práticas do desenho institucional do foro especial: (i) no cancelamento da Súmula 394, o STF decide modular os efeitos da decisão para não atingir processos já em andamento; (ii) no parecer da CCJ sobre a pretendida alteração no art. 84 do CPP, o Deputado cita a necessidade de evitar demoras decorrentes da remessa dos autos às instâncias competentes após o abandono do cargo pelo agente público; (ii) o Ministro Carlos Velloso, ao ser o primeiro a julgar improcedente o pedido na Reclamação 2.138, STF, mencionou dados apresentados pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e Subprocuradores-Gerais da República com o número de processos que seriam afetados pela decisão. 43 Ação Penal 2000.61.81.001198-1, 1ª Vara Criminal Federal em São Paulo. Nicolau dos Santos Neto, Luiz Estevão, José Eduardo Correa Ferraz e Fábio Monteiro de Barros denunciados por corrupção e outros crimes. 44 Ação Penal, 2000.61.81.001248-1, 1ª Vara Criminal Federal em São Paulo. Nicolau do Santos Neto denunciado por crime de lavagem de dinheiro. 45 Ação Civil Pública n. 98.0036590-7, 12ª Vara Federal em São Paulo. Ajuizada pelo MPF contra Nicolau dos Santos Neto, Luiz Estevão, Fábio de Barros, José Eduardo Ferraz, Délvio Buffulin, Antonio Carlos Gama, Incal Incorporações S/A, Monteiro de Barros Investimentos S/A, Fábio Monteiro de Barros Filho, José Eduardo Ferraz, Construtora Ikal Ltda., Incal Ind. e Com. de Alumínio Ltda. 46 Ação Civil Pública n. 2000.61.00.012554-5, 12ª Vara Federal em São Paulo. Ajuizada pelo MPF contra Grupo OK Construções e Incorporações, Grupo OK 47 314 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Empreendimentos Imobiliários Ltda., Saenco Saneamento e Construções Ltda., OK Óleos Vegetais Indústria e Comércio Ltda., Ok Benfica Companhia Nacional de Pneus, Construtora e Incorporadora Moradia Ltda. – Itália Brasília Veículos Ltda., Banco OK de Investimentos S/A, Agropecuária Santo Estevão S/A, Luiz Estevão de Oliveira Neto, Cleucy Meireles de Oliveira, Jair Machado Silveira, Lino Martins Pinto e Maria Nazareth Martins Pinto. Apenas os andamentos da apelação n. 2000.61.81.001198-1, no TRF da 3ª Região, não estavam disponíveis. 48 49 Inicial da Ação Civil Pública n. 98.0036590-7, 12ª Vara Federal de São Paulo. 50 Ação Cautelar n. 93.0032242, 12ª Vara Federal de São Paulo. 51 ACP n. 98.0036590-7 (ACP Incal). 52 Reclamação 591, STJ. 53 Acórdão na Reclamação 591, DJ de 15/05/2000. 54 AI 398.505, STF. 55 RE 377.114, STF. Portaria n. 4, de 1º de junho de 1999, do Ministério Público Federal, publicada no Diário da Justiça de 28 de junho de 1999, Seção 1, à página 323. 56 57 Rcl. 1.110, STF. 58 Relator da decisão (relatório da decisão no AG da Rcl 1.110). Cf. trechos da decisão: “Com efeito, não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional – e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida – não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em numerus clausus, pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Carta Política, consoante adverte a doutrina [...] mostra-se irrecusável, ante a existência dos precedentes mencionados, que falece 59 315 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt competência originária a este Tribunal para processar e julgar ações civis públicas eventualmente ajuizadas contra agentes públicos, como os Deputados Federais e os Senadores da República, que, em sede penal, possuem prerrogativa de foro perante a Suprema Corte.” (decisão na Reclamação 1.110, do STF). A Ação Civil Pública é ajuizada contra o Grupo OK e distribuída por dependência à primeira, na 12ª Vara Federal Criminal de São Paulo (ACP 2000.61.00.012554-5). 60 61 AI 2000.03.00.033614-0, TRF 3ª Região. Sentenças publicadas no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região em 16 de outubro de 2011. 62 63 Inquérito 258, STJ. Nicolau dos Santos Neto presidiu o TRT da 2ª Região até setembro de 1992, quando se afastou do cargo para assumir a “Presidência da Comissão de Obras do TRT”. Ele permaneceu nessa posição até julho de 1998, quando completou 70 anos e aposentou-se. 64 65 Autos n. 2000.61.81.001198-1, 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo. 66 Inquérito 1.595, STF. 67 Rcl 1.420, STF. 68 Ficou vencido o Ministro Marco Aurélio. 69 Não é possível saber se a decisão foi provocada ou proferida de ofício. Cf. trecho da decisão: “Tendo em conta a cassação de mandato de Senador, o móvel da prerrogativa de foro não subsiste. Hoje, este processo alcança cidadão comum, sem qualificação suficiente a autorizar o processamento do inquérito sob a direção maior do Supremo Tribunal Federal.” (Decisão do Ministro Marco Aurélio no Inquérito 1.595, STF). 70 71 Autos 2000.61.81.001198-1. A denúncia foi distribuída à 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo por dependência, e a ação penal foi autuada sob o n. 2000.61.81.001248-1. 72 316 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Despacho publicado em 13/02/2003 nos autos n. 2000.61.81.001248-1 (fl. 4.320) e despacho publicado em 15/05/2003, 2000.61.81.001198-1 (fl. 15553/15554). 73 74 “23/05/2003 - Remessa externa ao STJ através do ofício n. 2443/03”. 75 “27/02/2003 - Remessa externa ao TRF 3ª Região, com 14 volumes”. Uma hipótese possível para a remessa do processo de lavagem para o TRF (enquanto o de corrupção foi para o STJ) é a de que o crime de lavagem não seria considerado “ato administrativo do agente”, nos termos da nova redação do art. 84, do CPP. Mas se trata de mera especulação. 76 77 Ação Penal 247, STJ. Reclamação 2.538, STF. Além disso, foram opostos Embargos Infringentes e dois Recursos Extraordinários. 78 Cf. trecho da decisão: “[...] Uma coisa é o ato praticado quando do exercício do mandato e sem relação com o mandato. Outra, é o ato praticado em decorrência do exercício do mandato e relativo a tal exercício. [...] As condutas, objeto da acusação, nada têm com o exercício do mandato de Senador. São atos da vida empresarial do ex-Senador Luiz Estevão de Oliveira Neto. Por isso é irrelevante se foram, ou não, praticados no período em que se encontrava o acusado no exercício de mandato parlamentar. O relevante, neste momento, é que o acusado não é titular de qualquer mandato parlamentar. A constitucionalidade, ou não, da L. 10.628/02 em nada altera a situação do caso. Nego a liminar” (decisão que negou liminar na Reclamação 2.538, STF). 79 80 Relatório da decisão que negou seguimento ao Agravo Regimental na Rcl. 2.538. 81 Decisão que negou seguimento ao Agravo Regimental na Rcl. 2538. 82 Reclamação 2.561, STF. 83 Habeas Corpus 85.433, STF. 84 Decisão que deferiu medida liminar no habeas corpus 85.433, STF. 85 Reclamação 3.179, STF. 317 [sumário] 8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt Cf. trecho da manifestação: “[...] Sucederam-se inúmeros recursos opostos pelos réus, inclusive do HC 85.433, perante o STF, que mereceu deferimento liminar proferido pelo Presidente do STF, Ministro Nelson Jobim, determinando fosse sustado o envio dos autos ao TRF da 3ª Região, por mim indicado e por V. Exa. determinado. [...] Ocorre que ontem foi concluído o julgamento das ADIs 2.797 e 2.860 tendo o STF consagrado o voto do E. Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, proferido em sessão de 22.09.2004, [...] Não mais subsistindo a lei, apresso-me a indicar novamente a V. Exa. que promova a remessa do processo ao E. TRF da 3ª Região, para julgamento das apelações, em cumprimento à decisão da Corte Especial.” (Manifestação do Ministro Peçanha Martins, na Ação Penal 247, STJ, recomendando a remessa dos autos ao TRF). 86 87 Agravo de Instrumento 681.668, STF. 88 Decisão monocrática do AI 681.668, STF. 89 Reclamação 3.180, STF. 90 Recurso Especial 851.387, STJ. É possível citar, pelo menos, 24 recursos e ações apenas discutindo a questão, sem contar com inúmeros pedidos feitos durante o trâmite dos processos. 91 Citando apenas o processo de corrupção: na fase de inquérito foi do STF para a 1ª instância da Justiça Federal. Em apelação, subiu para o STJ e depois foi remetido para o TRF 3ª Região para julgamento. 92 318 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT referênCIAs : : : : : : : : : : : : ARANTES, Rogério. “The Federal Police and the Ministério Público. In: POWER, Timothy J.; TAYLOR, Matthew M. (eds). Corruption and democracy in Brazil: the struggle for accountability. University of Notre Damme Press, 2011. ALVARENGA, Aristides Junqueira. “Reflexões sobre improbidade administrativa no direito brasileiro”. BUENO, C. S.; PORTO FILHO, P. P. de Rezende (coord.). Improbidade administrativa – Questões Polêmicas e Atuais. São Paulo: Malheiros, 2001. BADARÓ, Gustavo. Processo penal. Rio de Janeiro: Campus, 2012. COUTO, Sergio. “Foro privilegiado: ética na política e o foro por prerrogativa de função”. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. n. 18, v. 3, 2003. p. 38-41. DAVIS, Kevin; JORGE, Guillermo; MACHADO, Maira. “Transnational antiCorruption law in action: evidence from Argentina and Brazil”. 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O episódio, por diversas vezes, foi manchete dos principais veículos de comunicação, e gerou verdadeira comoção popular.2 O marco inicial da trajetória do caso está no ano de 1992, com a publicação do Edital n. 01/92, que teve por objeto “a aquisição de imóvel, adequado para instalação de no mínimo 79 Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo, permitindo a ampliação para instalação posterior de no mínimo mais 32 Juntas de Conciliação e Julgamento”. A licitação tomou por base a legislação vigente à época – o Decreto-lei n. 2.300, de 21 de novembro de 1986 –, foi realizada na modalidade concorrência3 e previu que o objeto da proposta poderia ser, alternativamente: i) um imóvel construído, pronto, novo ou usado; ii) um imóvel em construção, independentemente do estágio da obra; iii) um terreno com projeto aprovado que deveria acompanhar projeto de adaptação que atendesse às necessidades das Juntas; ou iv) um terreno com projeto elaborado especificamente para a instalação das juntas de Conciliação e Julgamento4. A abrangência do objeto da licitação, segundo o próprio edital, deveuse principalmente à escassez de espaços físicos em São Paulo que pudessem suportar a magnitude do empreendimento. Apesar do elevado número de interessados em participar do certame – 29 empresas retiraram o edital –, apenas três formalizaram propostas. E, dentre elas, uma foi desqualificada.5 O resultado é que a disputa ficou restrita a apenas dois licitantes.6 O curioso é notar que o objeto da licitação foi, ao fim e ao cabo, adjudicado a uma quarta empresa que sequer havia participado do certame.7 321 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? Era sócio desta empresa um dos proprietários da Incal Indústria de Comércio de Alumínio – uma das duas licitantes qualificadas – e um terceiro que, após a assinatura do contrato para a construção do TRT de São Paulo, transferiu 90% de suas cotas ao Grupo OK Construções e Incorporações S/A – empresa líder do “Consórcio OK/Velloso”, o segundo licitante qualificado para disputar o contrato do TRT. O que se observa é que, como ficou comprovado, não houve efetiva disputa entre os licitantes. A verdade é que a licitação foi direcionada por meio de acordo entre os competidores – o que também viabilizou outras práticas ilícitas, tais como o superfaturamento do contrato. A manipulação do procedimento licitatório estava, portanto, no cerne do esquema de corrupção envolvendo a construção do TRT de São Paulo. O dirigismo infelizmente não é incomum na seara das contratações públicas. Ao contrário, é prática muito difundida. No entanto, apesar de esse ser um fenômeno relativamente rotineiro, seria razoável imaginar que escândalos da magnitude do Caso TRT pudessem dar origem a movimentos de reforma na legislação sobre licitações e contratos. Afinal, a reação mais natural à descoberta da ocorrência de práticas ilícitas talvez seja a tentativa de mudar as regras do jogo – no caso, as normas jurídicas do Decreto-lei n. 2.300/86, que regulava os procedimentos prévios à adjudicação de contratos –, com a finalidade de coibi-las. Como afirma Rose-Ackerman (2001, p. 287), “os escândalos de corrupção são uma oportunidade de mobilizar o apoio em favor de mudanças institucionais que teriam pouco brilho por si mesmas”8, de modo que, se os dirigentes políticos estiverem comprometidos com reformas estruturais, “a utilização inteligente dos escândalos pode gerar apoio público em prol de mudanças custosas e de ações do governo que, de outro modo, seriam impopulares. A imprensa livre pode produzir um clamor público que aumente o estímulo em favor da reforma” (idem). Motivado pela provocação de Rose-Ackerman e pelo diagnóstico do Caso TRT – do qual se depreende que o direcionamento do contrato relativo à construção do TRT de São Paulo esteve na origem do escândalo de corrupção –, este capítulo se propõe a investigar se a edição da Lei n. 8.666/93 – diploma normativo que revogou o Decreto-lei n. 2.300/86 – teria alguma 322 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT relação (próxima ou remota) com notórios episódios de corrupção nas contratações públicas. Em síntese, pretende-se aqui debater as seguintes indagações: a Lei n. 8.666/93 teria sido produto direto ou indireto de algum escândalo de corrupção no âmbito das contratações públicas? Em caso de resposta positiva, que tipo de impacto o escândalo teria tido na construção da nova legislação sobre licitações e contratos? Quais são os objetivos e as características da Lei n. 8.666/93? Para cumprir essa tarefa, valho-me da análise do processo legislativo da Lei n. 8.666/939, nele procurando identificar: i) as razões que levaram à edição da Lei, ii) os objetivos que o diploma perseguiu, iii) os problemas que procurou solucionar, iv) os grupos de interesse envolvidos na reforma legislativa e v) o modelo de licitações públicas que instituiu10. Também levei em conta o conteúdo das normas da Lei n. 8.666/93 e, quando pertinente, os comentários da doutrina sobre seus dispositivos. O caso do TRT de São Paulo não teve influência, ao menos direta, na edição da Lei n. 8.666/93 (até mesmo pelo fato de o projeto de lei que a originou ter começado a tramitar no Congresso Nacional em 1991, e o caso do TRT só ter se tornado público com a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito, em 1999). No entanto, a análise do processo legislativo que resultou na Lei n. 8.666/93 mostrou que a descoberta e a investigação de outro notório escândalo de corrupção envolvendo contratações públicas teve, sim, influência decisiva na reforma do sistema brasileiro de licitações e contratos. Trata-se do conhecido caso PC Farias, que resultou na abertura do processo de impeachment do Ex-Presidente da República Fernando Collor de Mello e na posterior cassação dos seus direitos políticos. O interessante é que o caso do TRT e o caso PC Farias, apesar de obviamente terem peculiaridades e envolverem fatos distintos, são, essencialmente, idênticos: ambos têm sua origem no direcionamento de contratos públicos a pessoas determinadas, consubstanciando quebra da lisura nos procedimentos licitatórios, à época regulados pelo Decreto-lei n. 2.300/86. O pano de fundo, portanto, é o mesmo. A reconstrução do processo legislativo da Lei n. 8.666/93 associada à análise das suas normas revelou ainda que, apesar do discurso moralizante do período, a reforma do sistema de licitações e contratos não foi conduzida 323 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? de modo a verdadeiramente combater a corrupção. Esse debate ficou em segundo plano. A realidade é que a Lei n. 8.666/93, no curso do seu processo legislativo, foi cooptada por grupos de interesses que modularam os procedimentos licitatórios de modo a atender a seus próprios pleitos. O resultado é que a Lei, além de não ter atacado eficazmente o problema da corrupção nas contratações, acabou engessando o Estado e trazendo consequências negativas para a gestão pública. A reformA dA leI gerAl de lICItAções Em 10 de junho de 1991, o então Deputado Federal Luis Roberto Ponte (PMDB-RS) apresentou ao plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 1.491, que instituía normas para licitações e contratos da administração pública, regulamentando o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal.11,12 É certo que esse não era o único projeto de lei que procurava regulamentar as licitações públicas. Outros foram propostos, anteriores e posteriores a ele, mas, por razões que escapam ao objeto deste capítulo, não tiveram força política para tramitar autonomamente no Congresso Nacional13; todos os demais foram atraídos pela força gravitacional do Projeto de Lei n. 1.491/91, sendo a ele apensados14. Merece destaque o período no qual o PL n. 1.491/91 foi proposto: o Presidente da República Fernando Collor de Mello, empossado no dia 15 de março de 1990, completava pouco mais de um ano de governo, e, desde o início do ano de 1991, começavam a surgir suspeitas de compras superfaturadas em sua administração. As desconfianças pouco a pouco foram ganhando consistência, e, em 1º de junho de 1992, o Congresso Nacional decidiu instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar supostas irregularidades no relacionamento entre Paulo César Farias, conhecido como PC Farias, e o governo Collor. Essa sequência de eventos, como é amplamente conhecido, resultou na abertura do processo de impeachment do Presidente da República e na sua posterior cassação. O ambiente político vivido pelo Congresso Nacional e a eclosão de uma série de escândalos envolvendo o governo criaram uma espécie de janela de oportunidade para que fosse alterado o diploma normativo que 9.1 | 324 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT regulamentava justamente o grande foco de corrupção do momento: as contratações públicas. Essa percepção é corroborada pelo interessante depoimento do Senador Gerson Camata (PDC-ES), quando da tramitação do PL n. 1.491/91 no Senado Federal.15 Apesar de relativamente longo, penso ser elucidativa a sua transcrição:16 Sr. Presidente, Srs. Senadores, venho acompanhando a tramitação deste projeto de lei, que, no final, é uma fusão de inúmeras iniciativas com o mesmo objetivo, juntamente com o Senador Elcio Álvares, que foi o Relator da Comissão criada para analisar irregularidades no relacionamento das empreiteiras com o Governo Federal. Aquela comissão originou-se de denúncias feitas em Belo Horizonte pelo Deputado Antônio Pontes, denúncias essas que antecipavam o resultado a que chegou a CPI do PC [Farias]. Na verdade, as denúncias feitas pelo Deputado Pontes eram um preâmbulo daquilo que toda a CPI do PC acabou descobrindo, depois a Comissão Especial de Investigação do Senado acabou confirmando e o Plenário do Senado acabou decidindo. [...] chegamos agora [...] a um projeto importante, fundamental e que continua o trabalho que o Congresso Nacional fez através da CPI das Empreiteiras, da CPI do PC, logo a seguir, nas investigações que a Câmara Federal promoveu, as investigações presididas pelo Senador Elcio Álvares na Comissão Especial de impeachment do Senado. Esse trabalho deve continuar e prossegue exatamente nesta manhã, quando o Senado vai votar o substitutivo do Senador Pedro Simon, que traça normas, coíbe abusos, acerta situações, impõe uma legislação mais rigorosa do que o caduco Decreto n. 2.300, sobre as licitações federais. O trecho transcrito revela que o caso PC Farias não foi apenas o estopim da reforma do sistema brasileiro de contratações públicas, tal como as inúmeras referências dos parlamentares a esse episódio sugerem.17 A descoberta desse caso de corrupção endêmica no governo federal foi o início de um longo processo de investigação, diálogos e acordos que tiveram como ápice, 325 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? ou etapa final, a aprovação de uma nova legislação sobre licitações públicas que fosse capaz de moralizar e coibir abusos no relacionamento entre a administração pública e a iniciativa privada. Nesse sentido, é emblemático o final de um dos discursos do Senador Gerson Camata: Depois da votação do impeachment, esse é o passo [aprovação da nova lei de licitações] mais importante que o Congresso Nacional dá na tentativa de se “passar o Brasil a limpo” e de melhorar as condições da moralidade pública e da administração pública brasileira.18 É curioso notar nos debates legislativos que os parlamentares, de um modo geral, viam na aprovação da nova lei sobre licitações públicas uma forma de responder às demandas da sociedade: de um lado, por mais lisura na conduta do governo, e do outro, por justiça ante a descoberta de incontáveis falcatruas nas contratações públicas. Além disso, fica patente nos discursos dos congressistas a crença de que a lei – representando o direito como um todo – seria capaz de cercar a corrupção e de moralizar a administração pública brasileira. Para ilustrar essas observações, transcrevo um excerto da fala do Senador Elcio Álvares (PFL-ES)19 e outro da fala do Senador Pedro Simon (PMDB-RS)20: O Poder Legislativo não pode ficar insensível ao clamor público. Quando existe clamor público, como foi a Carta de Belo Horizonte,21 é sinal de que alguma coisa está errada, e V. Exª [fazendo referência ao Senador Gerson Camata] tem sido o intérprete, com muita objetividade, desses clamores que vêm do Espírito Santo. [...] Nesse sentido, o substitutivo Pedro Simon é claro, transparente e nos dá uma tranquilidade total de que, se alguma coisa houver, não será mais com a complacência do texto legal, conforme ocorria à sombra do Decreto n. 2.300 [destaque nosso]. (Elcio Álvarez) Esse projeto [substitutivo do Senado Federal ao PL n. 1.491/91] é duro. Pessoas vão gritar, vão espernear. Penso que não devemos ter um projeto mole, com furos, com saída para tudo quanto é lado. Vamos votar um projeto que é bastante duro e que talvez necessite 326 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT ser amaciado. Agora, isso aqui é duro, dá cadeia, dá penas inafiançáveis [destaque nosso]. (Pedro Simon) Por que reformAr o deCreto-leI n. 2.300/86? O Decreto-lei n. 2.300/86, muito provavelmente em razão dos escândalos de corrupção envolvendo contratações públicas, era visto pelos parlamentares como a fonte de todos os males, o responsável pela “onda de corrupção, de desmoralização da função pública do país inteiro”.22 Os congressistas enxergavam na legislação vigente até o momento um sem número de “furos”, seja porque o diploma tinha baixa densidade normativa e deixava uma excessiva margem de discricionariedade para o agente público – como fica implícito na fala do Senador Pedro Simon23 –, seja porque o Decreto-lei era detalhista demais e, em razão disso, dava azo às mais variadas interpretações, abrindo margem para a corrupção proliferar – como defendeu o Deputado Federal José Luiz Maia (PDS-PI)24. No curso do processo legislativo, emergiram temas do Decreto-lei n. 2.300/86 apontados pelos parlamentares como problemáticos e que, dessa maneira, precisariam ser corrigidos. O primeiro deles, já mencionado anteriormente, diz respeito à possibilidade de se contratar diretamente, por inexigibilidade de licitação, os serviços técnicos de natureza singular com profissionais ou empresas de notória especialização.25 Como aponta o Senador Pedro Simon, esse dispositivo, ao dar ao administrador público a discricionariedade para decidir o que se enquadraria ou não no conceito de “notória especialização”, a seu ver abria uma válvula de escape para a corrupção.26 Outro ponto do Decreto-lei n. 2.300/86 ressaltado nos debates legislativos refere-se ao tipo de licitação denominada preço-base, prevista em seu art. 37, inciso IV27, e que o PL n. 1.491/91 tentou, em um primeiro momento, manter em seu art. 44, inciso IV28. Na licitação por preço-base, em linhas gerais, a administração pública fixava um valor inicial e estabelecia, em função dele, limites mínimos e máximos de preços a serem, posteriormente, detalhados no edital de licitação. O Deputado Federal Israel Pinheiro (PRS-MG), em mais de uma ocasião, bradou contra o tipo de licitação por preço-base. Em linhas gerais, 9.2 | 327 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? o Deputado alegou que esse modelo de licitação dependia invariavelmente da elaboração de um cauteloso projeto executivo por parte da administração pública – algo não obrigatório de acordo com o Decreto-lei n. 2.300/86. Assim, segundo o parlamentar, sem dispor dos estudos técnicos necessários a administração “chutava” um preço máximo para a licitação. Consequentemente, era comum que as empresas participantes do certame licitatório ajustassem suas propostas de modo que ocorresse um empate, levando a disputa a ser resolvida por sorteio.29 Nem todos os parlamentares manifestaram-se contrariamente ao tipo de licitação por preço-base, proveniente do Decreto-lei n. 2.300/86. O Deputado Aloizio Mercadante (PT-SP) defendeu a manutenção da indicação do preço mínimo por parte da administração e a possibilidade de o licitante ofertar preço inferior a ele, desde que o PL n. 1.491/91 também incorporasse o chamado performance bond (seguro-garantia) para proteger o poder público em caso de inadimplemento contratual.30 O último dos aspectos problemáticos do Decreto-lei n. 2.300/86 salientado pelos congressistas diz respeito aos limites preestabelecidos em lei para as modalidades de licitação (convite, tomada de preços e concorrência), no art. 21,31 e a possibilidade de parcelar a execução de obras ou serviços. O Senador Gerson Camata alertou para uma prática que, segundo o parlamentar, costumava ser recorrente. O poder público segmentava determinadas obras ou serviços em tantas partes quantas fossem necessárias para realizar uma série de convites ou tomadas de preços (modalidades licitatórias menos complexas e que envolvem um grau de competição entre os licitantes menor do que na concorrência), ao invés de apenas uma concorrência – o que, pelo valor da obra ou serviço, em sua integralidade, seria obrigatório.32 Apesar de os congressistas terem apontado alguns dos pontos controversos do Decreto-lei n. 2.300/86, temos a impressão de que a grande razão para revogá-lo recaiu sobre o simples fato de complexos sistemas de corrupção nas contratações públicas (baseados no direcionamento e no superfaturamento de contratos) terem proliferado a despeito da sua existência. Tudo indica que o problema não estava neste ou naquele dispositivo, mas na manutenção de um diploma normativo que, apesar da tentativa de 328 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT regulamentar as compras governamentais, tivesse permitido o alastramento de práticas ilícitas. Em outras palavras, os casos de corrupção que deram origem às investigações e às CPIs não teriam passado de pretextos para se alterar a legislação vigente. A tramitação do PL n. 1.491/91 Quase um ano após a sua propositura e antes de se iniciarem os debates parlamentares acerca de seu conteúdo, o PL n. 1.491/91 foi submetido à tramitação em regime de urgência por votação em plenário. Isso fez com que a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (Deputado Relator Tidei de Lima – PMDB-SP) e a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (Deputado Relator Roberto Magalhães – PFL-PE) tivessem de se manifestar com brevidade; os deputados deveriam propor, desde logo, as emendas modificativas do conteúdo do PL.33 A polêmica suscitada pelo PL n. 1.491/91 foi tamanha que até o momento da elaboração do primeiro parecer da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público haviam sido propostas perto de 900 emendas parlamentares, existindo, inclusive, um substitutivo ao PL elaborado pelo Deputado Tidei de Lima. Após a leitura e publicação de dois pareceres das Comissões, intercalados por votações e discussões parlamentares em plenário e a apresentação de quatro substitutivos ao PL n. 1.491/91, a redação final do projeto de lei foi aprovada e o texto foi enviado para a apreciação do Senado Federal. No Senado, o Senador Pedro Simon (PMDB-RS), nomeado relator da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, expediu um minucioso parecer analisando os dispositivos do Projeto de Lei da Câmara n. 59/92 (numeração do PL n. 1.491/91 no Senado), resultando na sua aprovação por meio de um novo substitutivo. A Comissão de Serviços e Infraestrutura, cuja relatoria coube ao Senador Júlio Campos (PFL-MT), aprovou integralmente o projeto de lei apresentado pelo Senador Pedro Simon, seguindo-se à proposição de emendas parlamentares. Após a apresentação de outro substitutivo e de novos pareceres das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e de Serviços e Infraestrutura, o PLC n. 59/92 foi enviado de volta à Câmara dos Deputados. 9.2.1 | 329 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? Vale ressaltar que: O Tribunal [de Contas] se engajou institucionalmente nos trabalhos de formulação [do substitutivo], encaminhando um anteprojeto para subsidiar a preparação do Substitutivo do Senado.34 O grupo de trabalho constituído na relatoria, integrado por técnicos da Assessoria da Câmara, do Executivo e do TCU, desempenhou papel chave no processo de formulação. A criação desse grupo resultou de articulações informais de Simon e sua equipe. Coordenado por Paulo Roberto Silvério35, seus integrantes eram assessores e técnicos do Congresso, TCU e Executivo, com experiência em licitações. (FERNANDES, 2010, p. 134) O substitutivo do Senado Federal causou intenso mal-estar na Câmara dos Deputados, tendo sido, de imediato, rejeitado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, agora sob a relatoria do Deputado Walter Nory (PMDB-SP). A Comissão de Constituição, Justiça e Redação, por seu turno, aprovou o substitutivo, mas com ressalvas. O Deputado Luis Roberto Ponte, de modo a convencer seus pares de que o substitutivo do Senado Federal piorava o projeto de lei por ele proposto, elaborou um curioso documento intitulado “O que, na verdade, contém o substitutivo do Senado ao projeto de lei que institui normas para licitações e contratos da administração pública”36. Esse documento teve papel decisivo no curso do processo legislativo. Assim, tendo a Câmara dos Deputados decidido manter o PL n. 1.491/91, com algumas modificações sugeridas pelo substitutivo do Senado Federal, seguiu-se a votação dos destaques propostos pelos deputados – por meio dos quais seria possível aprovar ou rejeitar a redação e o conteúdo de dispositivos específicos do projeto de lei. Finda a votação dos destaques, o PL n. 1.491/91 foi aprovado e enviado à sanção do Presidente da República. É interessante notar que o tal projeto de lei foi fruto do pleito das empreiteiras que, segundo Fernandes (2010, p. 128-129), estavam insatisfeitas com supostas restrições à participação de empresas de construção civil em licitações. Aliás, não foi por outra razão que a Câmara Brasileira da Indústria 330 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT da Construção – entidade que foi presidida por Pontes entre 1986 e 1992 e que congrega os Sindicatos da Construção Civil – passou a abertamente defender a ampliação da participação dessas empresas nas licitações por meio da revisão das regras sobre o tema. No Congresso Nacional, Pontes foi a voz das empreiteiras. leI n. 8.666/93 Ao dIAgnóstICo do Congresso nACIonAl? A Lei Geral de Licitações e Contratos é um diploma normativo extenso, minucioso e detalhista, possuindo 126 artigos e incontáveis parágrafos, incisos e alíneas. Logo em um primeiro olhar, chama atenção a sua abrangência. Ninguém parece ter ficado de fora. Suas normas devem ser observadas de maneira praticamente uniforme pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios (a chamada administração direta) e também pelos fundos especiais, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pelos entes da federação (administração indireta).37 É notável sua intenção de universalizar o dever de licitar, amarrando às suas disposições toda a administração pública.38 A Lei não se limitou, no entanto, a dizer quem deveria observá-la; disse também o que estaria sujeito às suas disposições. Assim, todos os contratos39 pertinentes a obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações passaram a ter de ser precedidos de licitação, na forma da Lei n. 8.666/93, ressalvadas hipóteses expressamente apontadas no próprio texto legal40. Como que procurando impedir qualquer tipo de “fuga”, a Lei inseriu coisas bastante distintas em seu bojo, ampliando significativamente a obrigatoriedade de se licitar, em relação à legislação anteriormente vigente. É curioso notar que a própria Lei fixou um contrapeso ao seu ímpeto universalizante ao elencar uma extensa série de hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação – casos em que se autoriza a contratação direta, sem prévio procedimento licitatório. Foram previstas, no texto original, quinze hipóteses de dispensa41 e três de inexigibilidade42. Os procedimentos licitatórios, segundo anuncia a própria Lei na sua redação original, foram pensados de modo a se atingir fins específicos: 9.3 | 331 quAl foI A resPostA normAtIvA dA [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? garantir a observância do princípio constitucional da isonomia – ou igualdade – e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração, tudo em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório – o edital – e do julgamento objetivo.43 Dito de outro modo, pretendeu-se evitar favoritismos por parte da administração – que deverá tratar os licitantes com isonomia – e impulsionar o poder público a fazer bons negócios – que, segundo a lógica da Lei, são aqueles em que há menor dispêndio de recursos públicos.44 Para tanto, essa Lei previu impedimentos aos agentes públicos45 – procurando limitar seu espaço de liberdade –, traçou uma série de definições, elencou modalidades licitatórias46 – tais como concorrência, tomada de preços e convite, apartando-as de acordo com o valor das contratações –, desenhou um minucioso processo de habilitação47 – etapa na qual os participantes da licitação devem demonstrar que estão aptos a serem contratados pelo poder público em vistas do objeto contratual48 – e traçou procedimentos para o julgamento e a adjudicação do contrato ao vencedor49. Em linhas muito gerais, essa é a estrutura e o discurso normativo da Lei n. 8.666/93. Cabe, agora, lançar para esse mesmo diploma um olhar mais cético, para além do seu discurso, atentando para os detalhes. A aposta deste capítulo é que eles revelam que essa Lei, com muita sutileza, trai seus objetivos declarados. A leI n. 8.666/93 PArA Além do dIsCurso normAtIvo: COMBATE à CORRUPçãO? A Lei n. 8.666/93 representou a continuidade e o aprofundamento de um modelo legal do tipo maximalista, cujas origens estão no Decreto-lei n. 2.300/86 (diploma normativo com base no qual foi contratada a construção do novo TRT de São Paulo), apostando na ideia de que as normas, se precisas, detalhistas, objetivas e bem direcionadas, seriam capazes de gerar, quase que automaticamente, boas contratações.50 O atual estatuto das licitações e contratos, por meio de uma intensa normatização, buscou, em tese, as mesmas metas perseguidas pelo diploma normativo que o precedeu: 9.4 | 332 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT reduzir a discricionariedade da administração pública no processo de escolha de seus fornecedores – reflexamente tornando-o mais objetivo – e valorizar o princípio da isonomia entre os competidores, ampliando o acesso ao mercado público. Com a finalidade de revelar a face oculta dessa Lei, focamos em uma peculiaridade da sua história. A reforma jurídica no sistema de contratações públicas que resultou na aprovação da Lei n. 8.666/93, tal como apontado na introdução do capítulo, foi a primeira realizada em um ambiente verdadeiramente democrático. Lendo essa assertiva, alguém poderia se perguntar: de que forma a vigência de um regime democrático poderia ter impactado no conteúdo da atual Lei de Licitações? O fato de o PL ter iniciado sua tramitação por iniciativa de um parlamentar, sem qualquer tipo de coordenação do processo da reforma ou de planejamento prévio, permitiu que os interesses setoriais privados – as empreiteiras, por exemplo – se organizassem e pressionassem o Congresso Nacional pela concessão de benefícios. O ambiente democrático viabilizou, ainda, que não somente os grandes interesses econômicos fossem atendidos – ou ao menos ouvidos –, mas também as pequenas e médias empresas. A pulverização do núcleo de poder – antes concentrado nos ministérios e agora também espalhado por todo o Congresso Nacional – facilitou a permeabilidade da reforma a pontos de vista que, até então, não tinham encontrado eco nas reformas jurídicas. Some-se a isso o fato de que o governo passava por um dos mais conturbados períodos de sua história, tornando-o significativamente mais vulnerável e menos capaz de se articular para fazer valer, na reforma da legislação, o ponto de vista do gestor público. Penso, então, que a instabilidade e a desorganização do governo nesse período – que estava mais preocupado em se consolidar no poder e em fazer as instituições funcionarem dentro da normalidade – contribuíram para que a gestão pública praticamente não fizessem parte dos debates sobre a reforma e para que os interesses privados tivessem mais espaço de atuação. Como resultado, cremos ser possível afirmar com relativa segurança que houve uma captura do processo legislativo por certos grupos seto333 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? riais, que foram capazes de aprovar um diploma normativo amplamente favorável a seus interesses. Procuraremos demonstrá-lo a seguir. Considerando o diagnóstico de que a corrupção – cujo epicentro estaria na liberdade de que supostamente gozava a administração para dirigir os resultados das licitações – deveria ser combatida a qualquer custo, o Congresso Nacional, capturado, adotou uma solução bastante curiosa. Valendo-se do discurso corrente à época da crença no Direito (e nos seu potencial transformador) e de ampla valorização da importância das regras e dos princípios jurídicos,51 buscou anular a capacidade de manobra da administração pública, decidindo, de antemão, os critérios e procedimentos que pretensamente conduziriam à melhor contratação pública. Entretanto, o que escapou à percepção da comunidade jurídica como um todo – mas não a dos potenciais beneficiados pelas contratações públicas! – foi que as normas haviam sido moldadas de modo a atender não ao interesse do público, mas daqueles que foram capazes de influir no processo legislativo. Tratou-se de uma estratégia engenhosa e catastrófica do ponto de vista da gestão pública.52 Afinal, o dirigismo nas contratações, ao invés de ser combatido, foi, em verdade, chancelado. As normas jurídicas haviam sido moldadas de tal modo que para se dirigir as licitações bastaria segui-las à risca. Sob a aparência de terem sido postas rígidas regras para um jogo competitivo e probo, criou-se, na realidade, uma licitação de dados viciados; os procedimentos foram pré-programados para levarem sempre ao mesmo resultado.53 O pior é que essa solução normativa foi – e em boa medida continua sendo – aplaudida pela comunidade jurídica, pois, ao menos em tese, atendeu o pleito pela valorização das regras e princípios jurídicos (por parte dos políticos e pela imprensa), visto que praticamente anulou a esfera de liberdade da administração pública, declarando ser, em alto e bom tom, portadora (com exclusividade, diga-se de passagem) da moralidade – e, por fim, pelos órgãos de controle – já que o fato de ser altamente procedimentalizada viabilizou a realização de um rigoroso controle burocrático. O que se observa é que o discurso que permeia a Lei n. 8.666/93 enfeitiçou boa parte dos que com ela lidam, vestindo-a com uma espécie de túnica sacrossanta, dificultando, enormemente, justificar reformas mais profundas no sistema brasileiro de contratações públicas – já que tais reformas são 334 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT vistas, quase que automaticamente, como verdadeiros golpes à moralidade, como tentativas de se desfazer a muralha erigida com a suposta finalidade de barrar a corrupção. A realidade, portanto, é outra: a atual Lei Geral de Licitações e Contratos não se preocupa efetivamente com a boa contratação (barata, de qualidade, rápida, eficiente, proba etc.), mas em garantir a determinados segmentos acesso facilitado ao mercado público. A grande questão que se põe é: quem teria sido o grande beneficiado? A resposta a essa indagação não é simples. No entanto, a observação conjunta do processo legislativo da Lei n. 8.666/93 e da forma pela qual suas normas foram moldadas levam a crer que a categoria das empreiteiras emergentes – ou seja, as empreiteiras de médio porte já estabelecidas no mercado e que aspiravam crescer – foram as que mais se beneficiaram com a edição da atual Lei de Licitações. Elencaremos as razões que nos levaram a essa conclusão. A primeira delas refere-se a uma significativa mudança surgida com a edição da Lei n. 8.666/93. O Decreto-lei n. 2.300/86 determinava que a execução das obras e serviços deveria ser programada na sua totalidade e que o seu parcelamento seria, em geral, proibido. O diploma normativo abria exceção à regra apenas na hipótese de insuficiência de recursos ou de haver comprovado motivo de ordem técnica.54 A vigente Lei de Licitações posicionou-se de maneira diferente. De acordo com sua redação atual, apesar de a execução das obras e serviços ter de ser programada na sua totalidade, determinou-se que ela fosse dividida em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis – desde que preservada a modalidade de licitação.55 A fragmentação de obras e serviços é um nítido incentivo legal à participação de pequenas e médias empresas – tanto entrantes como aquelas já estabelecidas no mercado. Dessa forma, projetos que, em função de sua magnitude, antes naturalmente ensejariam a contratação de grandes empreiteiras, agora poderiam ser levados adiante por um conjunto de empresas menores. Observa-se que, em tese, esse dispositivo beneficiaria tanto pequenas quanto médias empreiteiras, não sendo, portanto, suficiente para se afirmar 335 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? peremptoriamente que as emergentes teriam sido as mais privilegiadas pela Lei n. 8.666/93. A segunda razão diz respeito aos critérios legais de qualificação econômico-financeira, voltados a testar a “saúde” da empresa concorrente.56 A Lei n. 8.666/93, em sua redação original, determinou que a administração apenas pudesse exigir dos licitantes a demonstração de serem financeiramente capazes em face do compromisso que assumiriam caso lhes fossem adjudicado o contrato.57 O diploma normativo reforçou a determinação do inciso XXI do art. 37 da Constituição – segundo o qual, somente seria permitido fazer exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações –, restringindo significativamente os instrumentos da administração para averiguar a capacidade econômica da empresa frente ao projeto. As pequenas e médias empreiteiras (entrantes ou já estabelecidas no mercado) teriam, segundo esta regra, acesso mais facilitado ao mercado público. A terceira razão refere-se ao seguro-garantia.58 A redação final do PL determinou que o seguro-garantia fosse mandatório apenas para as obras e serviços de grande vulto; ele seria facultativo para as empreitadas de médio e pequeno vulto. Reforçou-se, ainda, que o poder público não poderia contemplar custo ou valor de cobertura que impedisse ou até mesmo restringisse a participação de qualquer interessado na licitação. Nota-se, assim, que o Congresso Nacional pretendeu a qualquer custo impedir que a administração, nas suas contratações, fizesse exigências que fossem prejudiciais aos interesses das empreiteiras de menor porte – na teoria, pequenas e médias.59 A quarta razão liga-se a exigências legais de qualificação técnico-operacional60, demandando que os licitantes demonstrem já ter executado, no passado, obras e serviços em quantitativos mínimos das parcelas de maior relevância técnica e prazo – que foram aprovadas pelo Congresso Nacional e posteriormente vetadas pelo Executivo61. É importante lembrar que “os vetos produziram efeito oposto ao pretendido, pois não eliminaram a exigência de atestados de aptidão da própria empresa, os quais estão expressamente previstos no art. 30-II c/c § 1º, bem assim no art. 33-III. Resultou 336 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT do veto, apenas, a supressão dos limites quanto a quantidades e prazos das obras e serviços objeto dos atestados.” (SUNDFELD, 1994, p. 126) Se exigidos, os requisitos de qualificação técnico-operacional, em função da demanda de o licitante demonstrar experiência prévia compatível com o objeto licitado em obras e serviços, tenderiam a excluir as pequenas e as médias empreiteiras entrantes (sem prévia experiência) das competições. Em tese, eles beneficiariam as médias empreiteiras emergentes – já estabelecidas no mercado e com pretensão de crescimento – e, reflexamente, as grandes empresas. Destacaremos, ainda, três outras características da Lei n. 8.666/93 que reforçam a tese de que se procurou, via texto de lei, manipular os procedimentos licitatórios em prol de um grupo em específico. A primeira delas liga-se à ordem dos procedimentos licitatórios. Disse a Lei n. 8.666/93 que a licitação deve começar pela fase de habilitação para somente então serem julgadas as propostas dos licitantes, excluindo-se, de plano, as empresas sem condições de serem contratadas.62 Dessa forma, são avaliadas apenas as propostas dos habilitados. Duas importantes consequências disso decorrem: limita-se o número de propostas de preço que serão conhecidas pelo poder público e, em virtude da rigidez formal e da demora dos procedimentos, incentiva-se a litigância entre os proponentes – já que eles têm a possibilidade de inabilitar uns aos outros. A segunda característica é a de que as propostas dos licitantes, uma vez feitas, são imutáveis. Determinou a referida Lei que elas deveriam ser apresentadas em envelopes fechados, abertos em sessão pública, sem oportunidade para uma fase de descontos.63 Trata-se, assim, de uma competição controlada em que se bloqueia a instauração de disputas acirradas entre os licitantes. A terceira característica refere-se à figura da proposta inexequível.64 Buscando impedir a participação de aventureiros nos procedimentos licitatórios que tenderiam a “mergulhar” os preços das propostas, instituiu-se um mecanismo que permitiria à administração, na teoria, evitar que os preços baixassem demais. Trata-se, assim, de mais um “freio” à competição na medida em que há a possibilidade de ser fixado um piso para os preços, abaixo do qual se presume que o licitante seria incapaz de entregar o objeto contratado. 337 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? Os elementos anteriormente elencados correspondem às balizas legais responsáveis por conduzir as contratações às empreiteiras emergentes. Falta, no entanto, conectar os pontos esparsos de modo a dar mais fluidez ao raciocínio. O parcelamento das obras e serviços aumentou o acesso ao mercado público, fragmentando-o e multiplicando as oportunidades de negócios para as empresas de menor porte. Criou-se, porém, um problema: com o aumento do tamanho do bolo, como reparti-lo? Como garantir que às empreiteiras emergentes – cujos interesses encontraram maior eco no Congresso Nacional – fosse dada a maior fatia? A estratégia adotada dividiu-se em duas frentes principais. A primeira delas consistiu em excluir do certame licitatório, de plano, aqueles passíveis de serem eliminados. Dessa forma, estabeleceu-se que competição só poderia ocorrer entre os habilitados e, como requisito de habilitação, exigiu-se a demonstração de capacitação técnico-operacional por meio de atestados. As pequenas empreiteiras e médias empreiteiras entrantes foram, portanto, postas à margem do grande mercado público de obras e serviços. A segunda frente focou-se em evitar que as médias empreiteiras emergentes fossem excluídas do certame licitatório. Para tanto, a legislação escalou uma série de “armas” de defesa. De um lado, impediu-se que as exigências de qualificação econômico-financeiras fossem duras demais de modo que somente as grandes empreiteiras fossem habilitadas. De outro lado, restringiu-se a possibilidade de a administração exigir garantias dos licitantes, o que dificultaria o acesso das médias empreiteiras emergentes ao mercado público. Outra barreira levantada pela legislação para evitar a exclusão destas empreiteiras foi a autorização legal para que a administração declarasse inexequível a proposta daqueles que “mergulhassem” os preços – tidos, em geral, como aventureiros. Também se procurou controlar a competição nas licitações públicas determinando que as propostas, uma fez feitas, fossem imutáveis – refiro-me aos envelopes lacrados contendo as ofertas de preços. Trata-se de um mecanismo que limita a disputa e facilita acordos entre os licitantes, visto que se sabe, de antemão, o universo de competidores. Além disso, vê-se que a legislação, apesar de declaradamente dar 338 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT preferência ao critério de julgamento pelo menor preço, não o leva efetivamente a sério. Observa-se, assim, que os setores sociais, ao notarem que a reforma se faria por meio do direito – e não de práticas administrativas – encontraram um caminho rápido e relativamente simples para a obtenção de benefícios: conseguir inserir na Lei de Licitações normas simpáticas a seus interesses, fazendo o possível para cristalizá-los no texto legal. 9.5 | A leI n. 8.666/93 CrIou boAs soluções PArA os ProblemAs no sIstemA de ContrAtAções PúblICAs? A resposta à indagação deste item é, a meu ver, negativa. A Lei n. 8.666/93, com o suposto objetivo de combater a corrupção nas contratações públicas (dirigismos), amarrou toda a administração pública (direta e indireta da União, estados e municípios) a um rígido conjunto de regras viciadas – porque moldadas para atender a pleitos de grupos de interesses que foram capazes de influir no processo legislativo. O dirigismo nas contratações públicas acabou sendo chancelado no plano normativo. Mas, essa não é a única razão pela qual afirmo que a resposta da Lei n. 8.666/93 ao diagnóstico de 1992 teria sido ruim. A Lei n. 8.666/93, pelo fato de ser maximalista – e, portanto, ter retirado toda (ou quase toda) a discricionariedade da administração para decidir como melhor contratar nos casos concretos –, trouxe consequências negativas para a gestão pública. A superlegalização, a meu ver, não é positiva (ao menos em manteria de licitações públicas). Procurarei deixar claro esse ponto de vista. A premissa sobre a qual o maximalismo se sustenta – a de que um modelo legal detalhista, minucioso, abrangente e que antecipasse para a lei uma série de soluções administrativas fosse quase que automaticamente capaz de gerar boas contratações públicas – é falsa. Esse tipo de modelo legal, em razão de sua própria estrutura, parece ser pouco capaz de produzir boas contratações, independentemente do sentido que se atribua a esse termo (contratações probas, rápidas, eficientes, baratas etc.). Alguns elementos conduzem a essa conclusão. O primeiro deles refere-se à impossibilidade de uma lei fixar, de antemão, uma política de contratações públicas completa e acabada, que tente prever, 339 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? na minúcia, todas as possibilidades de comportamentos – dos agentes públicos e dos licitantes –, e de resultados. Para utilizar a linguagem de Sabel65, o maximalismo pressupõe a existência de um limitado grupo de “principais” – no caso, o governo ou o Congresso Nacional – que seja capaz de antever a melhor solução para problemas concretos, deixando pouca margem de manobra para “correções de percurso”. A questão é que o melhor remédio para uma determinada doença hoje pode não o ser no futuro. O segundo deles diz respeito ao fato de textos legislativos minuciosos e excessivamente detalhistas e exaustivos geralmente darem azo a interpretações muito restritivas e apegadas à literalidade do texto legal. Afinal de contas, em se tratando de um diploma normativo com essas características, nada mais lógico do que pensar que o que não está explícito é proibido. Assim, reforça-se, por via interpretativa, a imobilidade de um modelo legal que já tendia à perenidade por suas características estruturais. O terceiro elemento conecta-se – e em alguma medida decorre – dos anteriormente citados. O maximalismo, ao transferir poderes decisórios da administração pública para o Legislativo, bloqueia a inovação da gestão e das práticas administrativas. Isso porque a administração, em desejando testar novas estratégias e ideias, choca-se, quase que inevitavelmente, com a rigidez da Lei de Licitações e Contratos. As inovações, para que sejam implementadas, acabam tendo de passar pelo crivo do Legislativo, por meio de alterações legais. É interessante observar que o sistema de licitações públicas nem sempre assumiu feições maximalistas. A configuração desse modelo legal, com as características e peculiaridades dadas pela Lei n. 8.666/93, é produto de uma trajetória de reformas jurídicas; como em um romance em cadeia, é apenas um dos capítulos do livro, possuindo laços de continuidade – mais ou menos evidentes – com os que o precederam. ConClusão Este capítulo se propôs a olhar criticamente para o mundo das licitações e contratos, procurando conhecer melhor a reforma legislativa que desaguou na Lei n. 8.666/93, a Lei Geral de Licitações e Contratos. Buscou-se, a 340 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT partir da provocação do Caso TRT, identificar eventuais correlações entre reforma legislativa e corrupção em matéria de contratações públicas. Verificou-se que, ao menos no âmbito das contratações públicas, RoseAckerman parece ter razão ao afirmar que escândalos de corrupção criam oportunidades para mudanças institucionais que tenham pouco apoio político ou que sejam impopulares, viabilizando reformas estruturais importantes. Não se nega que a Lei de Licitações tenha, de fato, trazido avanços importantes para a administração pública. Um deles foi conseguir incorporar a licitação à cultura administrativa – o que, por si só, não é pouca coisa. Ocorre que a Lei n. 8.666/93 não se preocupou efetivamente com o combate à corrupção. A realidade é que, enquanto tramitava no Congresso Nacional, grupos de interesses se valeram de uma janela de oportunidade para, baseados no discurso de combate à corrupção, criar distorções no sistema de licitações e contratos em benefício próprio. Além de terem dado origem a um “jogo de dados viciados”, acabaram amarrando a administração a rígidas regras procedimentais, comprometendo significativamente a gestão pública. 341 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? notAs Este capítulo é fruto, em boa medida, da pesquisa que desenvolvi no Mestrado em Direito e Desenvolvimento, na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGV DIREITO SP. A pesquisa encontra-se disponível no link a seguir: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/8824/20111018%20-%20Vers %C3%A3o%20Final%20Disserta%C3%A7%C3%A3o%20%28dep%C3% B3sito%29%20.pdf?sequence=5>. O trabalho, modificado e ampliado, será publicado pela Malheiros Editores sob o título Licitação no Brasil. 1 No primeiro capítulo, informa-se que a revista Veja divulgou o episódio pela primeira vez em 20 de abril de 1999. O acontecimento, a partir de então, passou a ganhar crescente repercussão nos meios de comunicação. No dia 2 de agosto de 2000, por exemplo, o rosto de Nicolau dos Santos Neto, magistrado envolvido no escândalo, estampou a capa da Veja, na qual constava os seguintes dizeres: “Anatomia de um crime: os bastidores do mais escandaloso golpe já aplicado no Brasil”. 2 Trata-se da modalidade de licitação com maior abertura para competição, dela podendo participar quaisquer interessados que demonstrem possuir requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para a execução do objeto (Decreto-lei n. 2.300/86, art. 20, § 1º). 3 4 Fls. 175 do Edital n. 01/92. 5 Trata-se da “Empreendimentos Patrimoniais Santa Gisele Ltda.”. São eles “Consórcio OK/Augusto Velloso” e “Incal Indústria e Comércio de Alumínio Ltda.”. 6 Trata-se da “Incal Incorporações S.A.”. No Capítulo 1 – Narrativa do Caso TRT, temos: “sobre o TRT haver contratado uma empresa que não participou do processo licitatório, o relatório da CPI [referência à Comissão Parlamentar de Inquérito do Judiciário] indica que ‘houve tentativa de explicação deste fato pelo Sr. Fábio Monteiro de Barros Filho [um dos sócios da empresa que ganhou a licitação], em seu depoimento à CPI, quando disse que a associação do Grupo Monteiro de Barros com a Incal Alumínios para fundar a Incal Incorporações, responsável pelo empreendimento, já estava prevista desde antes do resultado da licitação’ (CPI 2000, 63)”. Vale ressaltar que o Tribunal de Contas da União decidiu, posteriormente, que a contratação da empresa não participante da licitação foi ilegal. 7 342 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 8 Tradução livre. O processo legislativo iniciou-se com o Projeto de Lei n. 1.491/91, de autoria do Deputado Federal Roberto Ponte. 9 O autor obteve os documentos relativos à tramitação do PL n. 1.491/91 por meio de uma consulta via e-mail à Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. 10 Redação da Constituição Federal da época (antes da modificação promovida pela Emenda Constitucional n. 19 de 1998): “Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade e, também, ao seguinte: [...] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” 11 Vale lembrar que Luis Roberto Ponte é historicamente ligado ao setor empresarial das empreiteiras, tendo sido ele mesmo proprietário de uma média empreiteira. Foi VicePresidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (RS, 1977-1980); Vice-Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (1980-1983); Presidente da Comissão de Política e Relações no Trabalho da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (1980-1983); Presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (RS, 1980-1989); Vice-Presidente do Centro das Indústrias do Rio Grande do Sul (1983); Primeiro-Vice-Presidente e Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (1983-1992). Informações disponíveis em: <www.camara.gov.br> (sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, seção de biografias). 12 Fernandes (2010, p. 123) afirma que “A discussão de propostas para uma nova lei [de licitações] ocorria desde a aprovação de dispositivos na Constituição de 1988 que prescreviam a regulamentação das licitações (EC.4). A atuação do deputado Roberto Ponte, líder empresarial da construção civil, mobilizou os empresários desse setor para a abertura do mercado das licitações públicas.” 13 Na Câmara dos Deputados, foram apensados ao PL n. 1.491/91 os seguintes projetos de lei: 2.864/92 (Aloizio Mercadante); 5.093/90 (Antonio Carlos Mendes Thame); 14 343 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? 1.561/91; 5.433/90 (Senador Mauricio Correa); 6.124/90 (Senador Márcio Lacerda); 860/91 (Deputado Rubens Bueno); 1.593/91 (poder executivo); 2.215/89 (Deputado Adhemar de Barros Filho); 1.251/88 (Deputado Nilson Gibson); 2.019/89 (Deputado José Carlos Coutinho); 1.643/89 (Deputado Luiz Salomão); 2.577/89 (Deputado Ricardo Fiúza); 2.320/89 (Deputado Costa Ferreira); 2.884/89 (Deputado Nelton Friedrich); 6.103/90 (Deputados Luiz Salomão e Nelton Friedrich); 1.939/91 (Deputado Maviael Cavalcanti); 1.546/91 (José Santana de Vasconcelos); 2.795/92 (Deputados Edison Fidelis e Luis Roberto Ponte). No Senado Federal foram apensados ao PL n. 1.491/91 os seguintes projetos de lei: 136/91; 336/91; 55/92; 61/92 (CPI – Obras Públicas); 47/92 (Fernando Henrique Cardoso); 95/90 (originado na Câmara dos Deputados); e o anteprojeto de lei do Tribunal de Contas da União (Aviso n. 436/TCU, de 10/06/92). Quando um projeto de lei da Câmara dos Deputados é enviado para a apreciação do Senado Federal, a ele é atribuída uma nova numeração. Como pode ser observado no Diário do Congresso Nacional, Seção II, 25/06/92, p. 5145, o PL n. 1.491/91, no Senado Federal, foi classificado como Projeto de Lei da Câmara n. 59/92. 15 16 Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 596-597. O Deputado Federal Tidei de Lima (PMDB-SP), por exemplo, ao argumentar em prol do endurecimento da nova legislação sobre contratações públicas, afirma o seguinte: “é justamente para evitar que aqueles que construíram essa situação de hoje no Brasil, como o Sr. Paulo César Farias, tenham condições de operar com tranquilidade. Com esse texto, terão dificuldades de fazer isso” (Diário do Congresso Nacional, Seção I, 17/06/92, p. 13638). O Deputado Federal Elcio Álvares (PFL-ES) mencionou o seguinte: “quando foi redigida a carta de Belo Horizonte, [em] que participaram vários empreiteiros da construção civil, [ela, a carta] provocou um impacto no país. É importante, hoje, fazermos um registro histórico. Naquela época, já se comentava com insistência que o Sr. Paulo César Farias aparecia em várias transações como intermediário de obras públicas, fazendo com que as grandes empreiteiras nacionais se submetessem a sua influência no governo. [...] Confesso, sinceramente, foi um dos momentos mais dolorosos quando percebemos que à sombra do Decreto n. 2.300 eram feitos vários artifícios no sentido de laquear a administração e todos aqueles que quisessem realmente gerenciar os negócios do Estado com honestidade” (Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 598). Por fim, vale mencionar a manifestação do Deputado Federal Jones Santos Neves (PL-ES): “’todos estamos sendo hipócritas aqui’. Com essas palavras, Sr. Presidente, o Sr. PC Farias, na CPI do PC, estarreceu a Nação. [...] Nas entranhas do processo contra o Ex-Presidente Collor, o que se viu, cristalinamente, foi que o dinheiro sujo da corrupção jorrava, aos 17 344 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT borbotões, sobretudo através dos procedimentos das licitações públicas. [...] Lamento abordá-lo aqui e agora. Mas, se há um momento político adequado para refuçar coisas desagradáveis, constranger alguns e talvez insultar outros, limpando entretanto, o nosso caminho rumo ao futuro sadio para a Nação, o momento é este: o momento em que a Câmara dos Deputados irá disciplinar de vez esta obscura e escusa questão das licitações públicas” (Diário do Congresso Nacional, Seção I, 29/04/93, p. 8326). 18 Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 600. 19 Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 599. 20 Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 665. A “Carta de Belo Horizonte”, como noticia Fernandes (2010, p. 128-129), foi uma iniciativa de Luis Roberto Ponte, deputado e líder empresarial, e “[...] lançava uma denúncia de corrupção generalizada na administração pública, embora adotasse tom cauteloso de crítica ao governo Collor: advertia contra a disseminação de um sistema de corrupção (CBIC, op cit.). O setor se apresentava como diretamente atingido e forçado ao posicionamento público como reação à escalada de ‘proposituras de extorsão que se generalizam’. A Carta se referia ao risco de retaliações a empresários ‘peitados’ pelo sistema. Alertava a que ‘se não se evitar o alastramento desse cancro, certamente quem a ele não se ‘adaptar’ perderá todas as oportunidades de trabalhar, verá secarem as verbas para as suas obras e terá fechadas as portas para novas contratações’. Apelava à reação coletiva do setor, por meio do ‘protesto e da decisão de denunciar cada atravessador que surgir no nosso caminho’. Defendia uma legislação ‘mais clara e adequada’ para ‘conseguir maior racionalidade, coerência, objetividade e transparência nos procedimentos de licitação, contratação e fiscalização de obras e serviços de construção’.” 21 Trecho da fala do Senador Gerson Camata extraído do Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 597. 22 Ao responder a uma provocação do Senador Eduardo Suplicy, o Senador Pedro Simon afirmou o seguinte: “Nobre Senador Eduardo Suplicy, a notória especialização rechaçada em inúmeras assentadas dos Ministros do Tribunal de Contas da União, quando tratada no art. 23 do malfadado Decreto-Lei n. 2.300, tem sido motivo dos maiores escândalos, pois o melhor engenheiro, no critério subjetivo do administrador, acaba, muitas vezes, por ser sempre o seu melhor amigo.” (Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 674). 23 345 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? Ao propor uma emenda substitutiva do PL n. 1.491/91, o Deputado afirmou: “consideramos, no entanto, que o ideal sobre o assunto, que já está bastante codificado no Decreto-Lei n. 2.300/86, seria um projeto menos detalhado para evitar “furos”. Em geral é sobre o excesso de detalhes que o fraudador e corrupto se debruça para encontrar caminhos esquecidos. Os detalhes em qualquer concorrência devem ser escritos no Edital por uma Comissão de Licitação que se reclinará nas indicações de um órgão técnico” (Diário do Congresso Nacional, Seção I, 28/05/92, p. 10.945). 24 É o que dispunha o Decreto-Lei n. 2.300/86, após as alterações promovidas pelo Decreto-Lei n. 2.348/87: “Art. 23. É inexigível a licitação, quando houver inviabilidade de competição, em especial: [...] II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 12, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização”. 25 26 Ver nota 23. Art. 37. “O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, constituemse tipos de licitação: [...] IV – a de preço-base, em que a Administração fixe um valor inicial e estabeleça, em função dele, limites mínimo e máximo de preços, especificando no ato convocatório”. 27 Redação original do PL n. 1.491/91: “Art. 44 – O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de Licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos. Parágrafo 1º – Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação para obras, serviços e compras, exceto nas modalidades de concurso e leilão: [...] IV – a de preço-base, em que a Administração fixa um valor inicial e estabelece em função dele limites mínimo e máximo de preços aceitáveis, especificados e explicitados no ato convocatório, caracterizando o mês e o ano a que se referem”. A versão original do PL n. 1.491/91 pode ser encontrada no seguinte endereço eletrônico: <http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=192797>. 28 Confira-se: “[...] precisamos acabar com a figura do preço-base. Cabe ressaltar que isso é o que há de mais grave no projeto [n. 1.491/91]. O preço-base existe nos países do Primeiro Mundo com a finalidade de balizar e informar as empresas concorrentes. O Governo, que é a autoridade competente, estabelece um preço-base. Aqui no Brasil, 29 346 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT quiseram adotar uma técnica que eu condeno e que está repetida neste projeto – ela vem do Decreto-Lei n. 2.300: o Governo não faz o cálculo do projeto executivo. Como tem pressa da execução da obra, coloca-a em licitação sem o projeto executivo. Diz que o preço-base é “X”, e qualquer empresa pode entrar com “X” menos 15%, tal como aconteceu com o metrô de Brasília e com a Linha Vermelha, no Estado do Rio de Janeiro, que não tem projeto final de engenharia. Resultado: todas as firmas entraram com o mínimo de 15% do preço-base. E o que aconteceu? Fizeram um sorteio”. (Diário do Congresso Nacional, Seção I, 28/05/92, p. 10926). Veja-se: “[...] acreditamos que é possível manter o preço mínimo, desde que haja o seguro obrigatório exclusivamente para esse caso. Dessa forma, o Poder Público estará protegido diante de eventual contrato, com a segurança de um seguro, o performance bond, como existe hoje na Europa e nos Estados Unidos. Podemos trabalhar com o preço-base, desde que seja permitido o lance mínimo, assegurado através de uma carta de fiança de seguro [...]”. (Diário do Congresso Nacional, Seção I, 28/05/92, p. 10926). 30 Decreto-Lei n. 2.300/86: “Art. 21. As modalidades de licitação, a que se referem os incisos I a III do artigo anterior, serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação: I – para obras e serviços de engenharia: a) convite até CZ$ 1.500.000,00 b) tomada de preços até CZ$ 15.000.000,00 c) concorrência acima de CZ$ 15.000.000,00; I – para compras e serviços não referidos no item anterior: a) convite até CZ$ 350.000,00 b) tomada de preços até CZ$ 10.000.000,00 c) concorrência acima de CZ$ 10.000.000,00. 31 Confira-se: “O que os prefeitos estão fazendo hoje? [...] Com uma carta-convite, eles chamam três amigos e dizem assim: ‘fulano, você apresenta o preço tal, que você vai ganhar; depois o outro ganha a outra; e, aí, você nos arranja tantos por cento’. Eles estão fazendo o seguinte: [...] ‘tomada de preço para terraplanagem do terreno onde será construída a escola’; vai no limite. Então ganha o amigo dele, vai lá e terraplana. Diz assim: ‘tomada de preço para o fornecimento de tijolos e telhas para a construção da escola’; vai no limite. Ele não faz licitação. Depois: ‘tomada de preço para obras de construção de alicerce’. Então, com cinco tomadas de preço, ele faz uma obra de 10 bilhões de cruzeiros”. 32 Segundo Fernandes (2010, p. 131), “A atuação articuladora de Ponte e seu trânsito junto às lideranças possibilitaram a tramitação rápida e aprovação do projeto na Câmara. A negociação contou com participação da CBIC [Câmara Brasileira da Indústria da Construção] e dos seus sindicatos filiados, que conseguiram apoio para o núcleo de dispositivos contra o direcionamento que reputavam de importância chave”. 33 347 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? “Simon havia conduzido recentemente a relatoria do projeto da Lei Orgânica do TCU (Lei n. 8.443, de 16 de julho de 1992). Essa circunstância propiciou o aproveitamento dos contatos que estabeleceu com o Tribunal para os trabalhos da nova lei de licitações”. 34 “Silvério trabalhou por doze anos como técnico do TCU, acompanhando processos de licitação, antes de se tornar assessor de carreira do Senado”. 35 Diário do Congresso Nacional, Seção I, 16/04/93, p. 7576. A importância desse documento transcende o processo legislativo. Ele revela, em verdade, a visão que um setor do Congresso tinha sobre qual deveria ser a função de uma lei de licitações no sistema brasileiro de contratações públicas. 36 37 Lei n. 8.666/93, art. 1º e parágrafo único. Vale ressaltar que a ideia de que a administração deveria contratar mediante licitação nem sempre foi tão difundida como nos dias de hoje. Houve um tempo em que o âmbito de incidência dos procedimentos licitatórios era substancialmente menor. 38 A Lei n. 8.666/93 dá ao termo “contrato” um significado bastante amplo. No parágrafo único do seu art. 2º, ele é definido como sendo “[...] todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada”. 39 40 Lei n. 8.666/93, art. 2º. Lei n. 8.666/93, art. 24, incisos I a XV. Para exemplificar as hipóteses de contratação direta, transcrevo o seguinte dispositivo: “Art. 24. É dispensável a licitação: [...] IX – quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional”. 41 Lei n. 8.666/93, art. 25, incisos I a III. Para exemplificar as hipóteses de inexigibilidade (quando a licitação é impossível), transcrevo o seguinte dispositivo: “Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: [...] II – para a contratação de serviços técnicos [...], de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação”. 42 348 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 43 Lei n. 8.666/93, art. 3º. A Lei n. 8.666/93 prevê praticamente como critério único de julgamento para as licitações o de menor preço. Os de julgamento baseados na técnica ou na técnica e preço têm aplicabilidade bastante residual. 44 45 Lei n. 8.666/93, art. 3º, § 1º. 46 Lei n. 8.666/93, art. 22. 47 Lei n. 8.666/93, arts. 27 ao 33. 48 Lei n. 8.666/93, arts. 38 a 53. 49 Lei n. 8.666/93, arts. 38 a 53. Opõe-se ao modelo legal maximalista o minimalista, segundo o qual à lei caberia apenas a tarefa de traçar a disciplina básica dos institutos jurídicos, não se atendo a minúcias. Isso não significa, no entanto, que o minimalismo necessariamente leva à desregulação. A opção do minimalismo é por dar menos densidade jurídica às leis, nada impedindo que no plano infralegal (composto por regulamentos, decretos, portarias, instruções etc.) seja baixada uma regulação densa e minuciosa. 50 Essa visão onipotente do direito está muito presente em outro diploma normativo aprovado pouco tempo antes da Lei de Licitações: a Constituição Federal de 1988. Nela, há uma série de normas de cunho transformador (parcela da doutrina atribui a elas um caráter programático) voltadas a modificar a realidade pelo Direito. Exemplifico transcrevendo uma norma da Constituição: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. 51 Alexandre Ribeiro Motta, em sua dissertação de mestrado, chega a conclusão semelhante, ainda que por outras razões: “[...] partindo-se da combinação entre uma legislação conceitualmente pobre, uma elevada preocupação com a corrupção, um sistema jurídico excessivamente burocrático e interpretações restritivas, chega-se à formação de uma cultura de compras públicas muito aferrada aos ritos e pouco compromissada com os resultados”. (2010, p. 155). 52 349 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? Trata-se, por óbvio, de uma generalização cujo objetivo é destacar uma característica da realidade; apesar de distorcê-la em alguma medida, penso que é relevante para permitir melhor visualizá-la. 53 54 Decreto-lei n. 2.300/86, art. 7º, § 1º. Lei n. 8.666/93, art. 23, §§ 1º e 2º. Como as modalidades de licitação são definidas pela lei com base no valor das contratações, o risco de se permitir o parcelamento indiscriminado da execução das obras e serviços seria o de se alterar a modalidade de licitação inicialmente aplicável. Desse modo, evitar-se-ia que uma licitação na modalidade de concorrência fosse transmutada em uma licitação na modalidade de convite – sobre a qual, na teoria, recaem menos exigências legais. 55 A qualificação econômico-financeira, de modo geral, é o mecanismo usado pela Lei n. 8.666/93 para avaliar a “saúde” das empresas licitantes. Trata-se de um dos requisitos exigidos para a habilitação. (Lei n. 8.666/93, art. 31). 56 57 Lei n. 8.666/93, art. 31, § 1º. Trata-se de uma modalidade de garantia passível de ser exigida daqueles que participarem do certame licitatório, aumentando-se, assim, os mecanismos à disposição do poder público voltados a assegurar a execução da obra ou do serviço pelo ente privado. 58 O seguro-garantia não integrou a Lei n. 8.666/93 em sua redação original, haja vista o veto do Presidente da República. Essa modalidade de garantia só foi inserida na Lei n. 8.666/93 com a posterior edição da Lei n. 8.883/94. 59 Trata-se de outro requisito exigido pela Lei no processo de habilitação. A qualificação técnico-operacional destina-se a verificar, com base na demonstração de experiência prévia, se os licitantes efetivamente serão capazes de entregar o objeto do contrato na hipótese de vencerem o certame licitatório. 60 61 Lei n. 8.666/93, art. 30, § 1º, “b”. 62 Lei n. 8.666/93, art. 43, incisos I a V. 63 Lei n. 8.666/93, art. 43, inciso III e IV. 350 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 64 Lei n. 8.666/93, art. 44, § 3º. 65 Charles Sabel é professor de Law and Social Science na Columbia Law School (EUA). 351 [sumário] 9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs? referênCIAs : : : : : FERNANDES, Ciro Campos Christo. Política de compras e contratações: trajetória e mudanças na administração pública federal brasileira. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas, 2010. MOTTA, Alexandre Ribeiro. O combate ao desperdício no gasto público: uma reflexão baseada na comparação entre os sistemas de compra privado, público federal norte-americano e brasileiro. Dissertação de mestrado. Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, 2010. ROSE-ACKERMAN, Susan. La Corrupción y los Gobiernos – causas, consecuencias y reforma. Buenos Aires, Siglo XXI de Argentina Editores, 2001. SABEL, Charles. Beyond principal-agent governance: experimentalist organizations, learning and accountability. In: ENGLEN, Ewald; DHIAN HO, Monika Sie (eds.). De Staat van de Democratic voorbij de Staat. WRR Verkenning 3 Amsterdam: Amsterdam University Press, 2004. Disponível em: <http://www2.law.columbia.edu/sabel/papers.htm>. SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo – de acordo com as Leis 8.666/93 e 8883/04. São Paulo: Malheiros, 1994. 352 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT 10. PArA ConCluIr: UMA AGENDA DE PESqUISA EM DIREITO A PARTIR DO CASO TRT Maíra Rocha Machado Para concluir esse percurso sobre a atuação do sistema de justiça no Caso TRT, o objetivo deste capítulo final é apresentar e discutir brevemente alguns temas que emergiram no decorrer do livro como particularmente urgentes para a agenda de pesquisa em direito, no campo do enfrentamento da corrupção no Brasil. Espera-se que a narrativa do caso e cada um dos textos que integram esta coletânea tenham realizado boas descrições sobre os arranjos jurídicos, as etapas processuais, os debates doutrinários e as disputas jurisprudenciais envolvidas no Caso TRT. Espera-se, também, que tenham oferecido novas pistas para a compreensão do funcionamento das instituições do sistema de justiça, bem como de suas relações com a sociedade civil. Mas há ainda muito por fazer no campo descritivo. Em primeiro lugar, a realização de outros estudos de caso de corrupção com componentes diferentes dos analisados aqui ajudaria a distinguir os aspectos particulares desse caso concreto daqueles que podem ser identificados em outros casos com características semelhantes; aqueles envolvendo atores e instituições das esferas municipal ou estadual, que tenham contado com a atuação da corporação policial na fase de investigação, que não tenham sido submetidos à CPI ou alcançado grande repercussão midiática seriam particularmente interessantes. Do mesmo modo, casos posteriores à entrada em vigor das convenções internacionais de Palermo e Mérida, bem como do fortalecimento do sistema antilavagem de dinheiro, que envolvam outras operações econômicas, modalidades de negócio e setores poderiam acrescentar novos elementos ao panorama da cooperação internacional e do repatriamento de ativos derivados da corrupção. Em segundo lugar, temos ainda um longo caminho a percorrer antes que possamos responder a questões muito simples sobre o que e como decidem os tribunais sobre inúmeros temas fundamentais aos problemas jurídicos 353 [sumário] 10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt debatidos neste livro. Isso se deve, em parte, à escassez de pesquisas empíricas em direito sobre a atuação dos tribunais. Em que pese a notável transformação que vem ocorrendo nos últimos dez anos – como mostra a ampliação das possibilidades de financiamento de pesquisas empíricas e o desenvolvimento de fóruns de debate e intercâmbio entre pesquisadores, entre outros fatores –, o acervo de trabalhos sobre a atuação dos tribunais ainda está se constituindo.1 De outro lado, o modo como os tribunais organizam e disponibilizam o material digital – em função do uso feito pelas partes ou pelo próprio tribunal, sem maiores preocupações com o acesso tanto do público quanto do pesquisador em direito – impõem altos custos humanos e materiais para uma pesquisa de sistematização jurisprudencial sobre os fundamentos e o conteúdo de decisões sobre determinado tema. Há vários pontos importantes aqui, desde a sofisticação das ferramentas de busca até o alcance dos próprios acervos digitais que nem sempre contam com a totalidade das decisões proferidas por determinado tribunal. Mas, nem todas as questões podem ser respondidas com pesquisas empíricas em direito. Há problemas teóricos muito difíceis que têm bloqueado de maneira muito intensa a compreensão e a reflexão sobre alguns pontos discutidos ao longo deste livro. Tais problemas tornam-se mais visíveis quando deixamos o registro descritivo para elaborar juízos avaliativos sobre diferentes aspectos da atuação do sistema de justiça.2 Por exemplo: a pena de 31 anos de reclusão imposta a Luiz Estevão é adequada? É razoável que uma ação civil pública leve 11 anos para ser julgada em primeira instância? Ou, de modo mais global, é possível afirmar que o sistema de justiça brasileiro funcionou bem no Caso TRT? Vale notar que, em casos como esses, as pesquisas de sistematização de decisões e fluxos processuais podem indicar que esses períodos de tempo são excessivos ou, ao contrário, são bastante comuns em casos semelhantes, mas não nos oferecem critérios e parâmetros para avaliar se são adequados, razoáveis, bons ou ruins, se funcionam bem ou mal diante dos custos que impõem ao Estado e à sociedade civil. Não se trata de minimizar a relevância desse tipo de pesquisa, ao contrário: o que se busca enfatizar é que esse modelo não é capaz de responder algumas questões que também precisam ser formuladas pelos pesquisadores em direito. 354 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Estão elencadas a seguir algumas questões que este livro aponta como cruciais para a agenda de pesquisa em direito, comprometida com o aprimoramento da performance das instituições do sistema de justiça e da qualidade da prestação jurisdicional no campo do enfrentamento da corrupção. A referência ao engajamento foi utilizada de propósito para explicitar que a abordagem apresentada aqui não valoriza a neutralidade como sinônimo de desinteresse. Mas anunciar o comprometimento não significa, como explica Pires, colocar-se “a reboque” de determinado grupo ou “aceitar tudo a partir de um ponto de vista determinado”. De acordo com essa abordagem, devemos identificar e explicitar nossos interesses e “conservar a liberdade” de nos deslocar, nos divergir e de criticar (PIRES, 2008, p. 83). Enfim, os três conjuntos de questões esboçados abaixo foram formulados com o objetivo de aguçar a curiosidade e o interesse de pesquisadores e, sobretudo, deixar ampla margem para desenhar as estratégias metodológicas mais interessantes para enfrentá-los. Todas compartilham um mesmo ponto de partida: as formulações que naturalizam os conceitos jurídicos ou cristalizam respostas antigas, indiferentes à disputa permanente que envolve o processo de aplicação do direito, são frequentemente inadequadas e necessariamente insuficientes.3 10.1 | A sImultAneIdAde de ProCedImentos PArA sAnCIonAr os mesmos fAtos No Caso TRT, a ação civil pública e o processo criminal sobre o mesmíssimo desvio de verbas na construção do fórum correram de modo paralelo por muitos anos. Coincidem os fatos, mas não coincidem os réus. Como vimos, a ação civil pública alcança também as pessoas jurídicas que, de acordo com a Constituição Federal, apenas poderiam ser acusadas de crimes ambientais. O processo criminal começou depois e foi concluído bem antes, mas a medida de bloqueio de bens que tirou as construtoras do mercado – como mostrou o texto de Gisela Mation, Capítulo 3 deste volume – foi determinada logo na cautelar que deu início à ação civil pública. É possível identificar uma certa complementariedade entre as duas esferas no caso concreto? E isso seria suficiente para justificar duas ações, por parte do mesmo Ministério Público Federal (ainda que em Câmaras 355 [sumário] 10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt diferentes), duas instruções probatórias sob a égide da mesma Justiça Federal (ainda que em seções diferentes)? Qualquer resposta que parta da premissa de que há uma diferença ontológica entre o “crime” e a “improbidade” encontra no Caso TRT uma prova empírica da inadequação desse tipo de distinção: o objeto das duas ações é exatamente o mesmo. Cada conjunto normativo e cada procedimento construirá, à sua maneira, aquela mesma fraude à licitação. As sanções aplicáveis em um e outro caso serão distintas, como serão também as possibilidades de cooperação jurídica internacional, como nos mostrou Rochelle Ribeiro, no Capítulo 4 deste livro. Um mapa dos efeitos e implicações da simultaneidade de ações civis públicas e processos criminais sobre os mesmos fatos ainda está para ser produzido, mas o Caso TRT fornece alguns elementos importantes para essa tarefa.4 Observando as sentenças proferidas em um e outro processo, é possível perceber que as decisões fazem referências aos demais procedimentos em curso ou concluídos, mas ignoram seus resultados para fins de determinação tanto das sanções aplicáveis quanto da imposição de outras obrigações, como o dever de reparar o dano. Como mostra o Anexo 3 – Quadro de sanções, reparação do dano e multas foram impostas na sentença criminal, na civil e na administrativa proferida pelo Tribunal de Contas da União. Nenhuma dessas decisões leva em consideração as sanções proferidas pelas demais esferas. A questão que se coloca, então, poderia ser formulada da seguinte maneira: quando observamos a atuação do sistema de justiça como um todo – e não o trabalho isolado de cada um dos órgãos –, esse modelo pode ser considerado satisfatório? Ou, ao contrário, a duplicidade – ou triplicidade – de procedimentos e sanções opera de modo disfuncional e eleva substancialmente os custos de investigação e responsabilização dos casos de corrupção no País? Esse modelo tem vantagens, se comparado a outros nos quais dois conjuntos de regras e instituições são competentes para atuar sobre o mesmo fato concreto?5 Se observarmos o Caso TRT, como justificar o trabalho que será empreendido com as apelações e demais recursos, liquidação e execução da sentença da ação civil pública? Diante do cumprimento do acordo do Grupo OK, de Luiz Estevão, com a Advocacia-Geral da União, a falência 356 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT das outras empresas que figuram como ré, a prisão de Nicolau dos Santos Neto e o repatriamento dos valores confiscados na Suíça, o que resta para ação civil pública? 10.2 | o trânsIto em julgAdo e o Ponto fInAl no mundo jurídICo O Caso TRT parece mostrar que o trânsito em julgado não é um momento processual ao qual se chega, quase involuntariamente, por se esgotarem os prazos para novos recursos. Ao contrário, ele emerge no caso como uma decisão. A certidão do STF emitida em 2 de abril de 20136 ilustra bem esse ponto: não que outros recursos não pudessem ter sido admitidos; até poderiam, mas tendo em vista que vários deles já tinham sido interpostos e denegados, estava também aberta a possibilidade de o Judiciário decidir pelo ponto final. Como mostra Carolina Ferreira, no Capítulo 5 deste volume, o período que transcorreu entre a decretação da prisão preventiva de Nicolau dos Santos Neto, em 2000, e a primeira certidão de trânsito em julgado, em 2013, foi marcado por uma intensa batalha judicial relativa ao local e às condições da preventiva, bem como do conjunto normativo aplicável à situação de “execução provisória”. Como revela Ferreira, um dos principais objetos da disputa diz respeito ao momento a partir do qual as regras e benefícios previstos na Lei de Execução Penal passam a ser aplicáveis à privação de liberdade imposta a Nicolau dos Santos Neto. De todo modo, trata-se da única decisão judicial no Brasil que transitou em julgado – todos as demais aguardam o julgamento de recursos, não apenas na esfera penal e civil, mas também na ação de falência, como nos mostra Gisela Mation, no Capítulo 3 deste volume. O Anexo 1 – Processos e recursos (1998-2013) ilustra claramente um sistema de justiça caracterizado pela “ampla recorribilidade”, para utilizar expressão de Paulo Silva e Susana Costa, no Capítulo 7 desta obra. O quadro de processos e recursos envolvendo Nicolau dos Santos Neto, detalhado por tipo e ano, permite visualizar, entre outras coisas, as diferenças e semelhanças na postura recursal da acusação e da defesa e os períodos em que a atividade recursal foi mais intensa, além dos tipos de recursos utilizados com maior frequência, bem como as fases processuais que geraram mais questionamentos às 357 [sumário] 10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt instâncias superiores. Como se vê no Anexo 1, Nicolau dos Santos Neto figura no polo ativo do quádruplo de recursos em que figura no polo passivo, excetuando-se os processos em trâmite na primeira instância.7 Os agravos de instrumento foram, de longe, o recurso mais utilizado: 75 no total, dos quais 52 no Tribunal Regional Federal. A quantidade de habeas corpus ficou um pouco abaixo disso, totalizando 49. Desde que o caso começou até o início de 2013, quando o levantamento foi concluído, dos 189 recursos dirigidos aos tribunais, 49 ainda estavam em andamento. Mas o número de recursos não constitui o único fator a impactar o tempo de tramitação dos processos – e a longa espera pelo trânsito em julgado das decisões. Como mostra Luisa Ferreira, no Capítulo 8 deste livro, algumas regras, como as que dispõem sobre foro privilegiado, podem ter elevado impacto na tramitação de casos concretos. A partir de uma análise minuciosa das ações civis públicas e dos processos criminais do Caso TRT, ela identificou que o debate sobre quem era competente para julgar o caso gerou ao menos 24 recursos e ações, sem contar com vários pedidos formulados no decorrer dos processos. Ademais, esses processos foram deslocados para outras instâncias quatro vezes – excetuadas as situações nas quais o deslocamento ocorreu em virtude da admissão de recursos. Em virtude disso, os processos foram interrompidos por um total de quase quatro anos. Isto é, para além de todos os questionamentos sobre a própria permanência do peculiar modelo brasileiro de definir a competência para julgar as pessoas que exercem funções políticas, é necessário ainda levar em conta o impacto que essas regras podem ter na tramitação processual. Diante desse quadro é interessante notar que novas legislações passaram a estabelecer outros marcos processuais – anteriores ao trânsito em julgado – e lhes atribuir efeitos até então associados, unicamente, à decisão definitiva. O exemplo mais emblemático é a Lei da Ficha Limpa. A partir de um projeto de lei de iniciativa popular, que contou com 1,3 milhão de assinaturas, a legislação brasileira foi modificada para admitir, entre outras coisas, que uma pessoa condenada por decisão judicial proferida por órgão judicial colegiado não pudesse concorrer às eleições.8 Até então, a inelegibilidade dependia, justamente, do trânsito em julgado da decisão. A nova regra alcança as pessoas condenadas por corrupção, mas também crimes ambientais, 358 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT financeiros e contra a saúde pública, entre outros. A constitucionalidade da nova lei foi questionada no Supremo Tribunal Federal. Um dos principais temas levados à deliberação foi o afastamento da exigência do trânsito em julgado, considerado pelos ministros desfavoráveis à nova regra uma violação ao princípio da presunção de inocência. Dois anos após a entrada em vigor da nova lei, a Lei da Ficha Limpa foi declarada constitucional e integralmente mantida por sete votos a quatro.9 De certa forma, a Lei da Ficha Limpa cria um incentivo aos réus que tenham interesse em recuperar a elegibilidade. Como a proibição de participar de eleições permanece por oito anos após o cumprimento da pena – e esta exige o trânsito em julgado da condenação – quanto antes a decisão for definitiva, melhor. Ainda é cedo para avaliar se a Lei da Ficha Limpa causará esse tipo de efeito. Além disso, a elegibilidade não é um fator atrativo em todos os casos de corrupção. De todo modo, a Lei da Ficha Limpa estabelece um tipo de arranjo jurídico que escapa das duas vias que frequentemente aparecem no debate sobre essa questão: alteração legislativa voltada a, de um lado, reduzir as possibilidades de recorrer ou, de outro, criar contraincentivos ao uso excessivo de recursos (ver Paulo Silva e Susana Costa, autores do Capítulo 7 deste volume). O acordo celebrado entre a Advocacia-Geral da União e o Grupo OK, de Luiz Estevão, também constitui um exemplo de um arranjo jurídico inovador capaz de fazer frente aos desafios que o modelo recursal brasileiro impõe ao trânsito em julgado das decisões. Como mostrou o Capítulo 1 – A narrativa do Caso TRT, o acordo diz respeito ao processo de execução das condenações impostas pelo TCU em relação às quais tramitavam inúmeros recursos voltados a questionar desde a legitimidade da decisão até o montante dos valores penhorados. Nas bases do acordo, além do pagamento total da multa e de quase metade do valor principal devido aos cofres públicos, estava a obrigação do Grupo OK de desistir de recursos, renunciando aos embargos. Tais exemplos convidam à construção de uma agenda de pesquisa que reflita sobre arranjos mais complexos para lidar com essa diversidade de questões. É importante notar, ademais, que o problema do tempo de tramitação processual reveste-se de características muito distintas quando 359 [sumário] 10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt os réus não dispõem de recursos para contratação de advogados que possam questionar sistematicamente as decisões. Apenas para ilustrar essa outra dimensão do problema, de acordo com informações divulgadas no início de 2012, dos 413.236 casos examinados pelo “Mutirão Carcerário” do Conselho Nacional de Justiça, 36.673 já tinham cumprido suas penas e 72.317 estavam em regime penitenciário inadequado. Como assinala Foley, “isso significa que mais de 100 mil pessoas estavam sendo injustamente detidas ou mantidas em condições excessivamente duras em relação à pena de prisão que receberam” (2012, p. 44). Ou seja, em nosso País, em um vastíssimo número de situações, a atividade recursal precisa ser garantida e intensificada – e não restringida. A construção dessa agenda talvez deva começar pelo esforço de identificar e sistematizar as situações nas quais o trânsito em julgado de uma determinada decisão não constitui uma exigência incontornável à produção de determinados efeitos. Além do vasto campo de possibilidades das medidas cautelares – tanto na esfera penal quanto civil, como mostram Carolina Ferreira (Capítulo 5), e Paulo Silva e Susana Costa (Capítulo 7) neste livro –, há também as situações nas quais simplesmente modifica-se o parâmetro de exigência ou os mecanismos de afirmação de determinados direitos. Além dos exemplos já citados no decorrer desta seção, o texto de Rochelle Ribeiro (Capítulo 4) ilustra muito bem esse ponto: o apartamento de Miami e o montante na Suíça retornaram ao Brasil não de modo cautelar ou provisório, mas definitivo, mesmo sem a ocorrência do trânsito em julgado das decisões no País. ImPunIdAde? Como AvAlIAr os resultAdos do CAso trt? Ainda que tenhamos vários anos pela frente até a conclusão e o arquivamento de todos os processos relacionados ao Caso TRT, o período coberto pelo Capítulo 1 e pelos estudos que integram esta coletânea parece ser suficiente para arriscarmos algumas palavras sobre o “saldo” da atuação do sistema de justiça. O primeiro desafio para as pesquisas interessadas em discutir os resultados da atuação do sistema de justiça, sobretudo em casos de corrupção, 10.3 | 360 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT diz respeito ao caráter muito rudimentar dos “indicadores de sucesso” disponíveis. Como vimos no decorrer deste livro, no enfrentamento à corrupção, a palavra de ordem é o combate à impunidade. A utilização extraordinariamente difundida do termo impunidade entre atores do sistema de justiça, cientistas sociais, sociedade civil e mídia é capaz de revelar, por si só, a limitação das chaves analíticas para realizar avaliações sobre a atuação do sistema de justiça em relação a casos concretos.10 Nos incontáveis documentos nos quais o termo apareceu, o grande temor de que o caso “terminasse em impunidade” invariavelmente referia-se à garantia de que a sanção prisional fosse executada no interior de instituições penais. Combater a impunidade é garantir “cana dura” e que o réu possa “sentir a cadeia”, como diziam cartazes em Higienópolis e a declaração da CNBB em relação à prisão de Nicolau dos Santos Neto (ver Capítulo 5). O termo impunidade apareceu também em notas oficiais do Ministério da Justiça e em decisões judiciais. O modo como se buscou efetivar a prisão do juiz – uma vez preso, deveria se garantir que ele não cumprisse a prisão preventiva em seu domicílio – ilustram de modo muito contundente esse enorme consenso ao redor da “reclusão em regime fechado”. Não surpreende que o Brasil ocupe o 4º lugar no ranking dos países que mais encarceram no mundo.11 Como mostra o Anexo 3 – Quadro de sanções, o Caso TRT envolveu várias outras sanções que atingiram tanto a dimensão econômica – multas e reparação do dano – quanto o exercício de direitos – inelegibilidade, perda da função pública e proibição de contratar com o poder público.12 Isso sem falar nas sanções reputacionais que, especialmente no caso de Nicolau dos Santos Neto, alcançaram proporções sem precedentes nos grandes escândalos de corrupção do País.13 Não parece adequado afirmar que se trata de sanções inócuas, toleráveis ou facilmente equacionáveis pelos réus, do ponto de vista financeiro. Vale lembrar que Nicolau dos Santos Neto contratou advogados que se empenharam para manter o dinheiro na Suíça, e que Luiz Estevão, muito provavelmente, só se dispôs a celebrar o acordo e começar a pagar porque a penhora de imóveis, aluguéis e créditos do Grupo OK estava impactando seus negócios. Mas, mesmo considerando por um momento que somente a pena de prisão é relevante para a avaliação dos resultados da atuação do sistema 361 [sumário] 10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt de justiça, qual a lição do Caso TRT? A fuga de Nicolau dos Santos Neto é razão suficiente para justificar a diferença de tratamento em relação a Luiz Estevão? Mesmo para os que apostam na prisão como exemplo e forma de prevenir a prática de novos crimes, o desfecho, até o momento, distinto em relação aos diferentes réus coloca em dúvida a adequação do modelo de justificação e aplicação de penas. Esse saldo da atuação do sistema de justiça no Caso TRT, ainda que provisório, escancara a permanência de mecanismos sancionatórios muito difíceis de compreender e justificar na atualidade. O modo como definimos as sanções criminais permanece parado no tempo, com pouquíssimas modificações desde nossa primeira codificação criminal no início do século XIX. O elemento que merece destaque nesse ponto diz respeito à centralidade da pena de prisão e, muito particularmente, da privação de liberdade em regime fechado por longos períodos como a sanção “por excelência” do sistema de justiça. Esse arranjo parece deixar poucas brechas para os mecanismos de responsabilização inovadores, que contemplem outros tipos de pena e que prestigiem mais fortemente a reparação do dano aos cofres públicos.14 Se no âmbito da criação de novos desenhos jurídicos para garantir a reparação do dano e o repatriamento dos valores enviados ao exterior é possível identificar conquistas importantes no decorrer da última década, o círculo vicioso que aposta na redução da atuação do sistema de justiça à pena de prisão parece não dar sinais de se enfraquecer. Poucas semanas antes da conclusão deste livro, o enfrentamento à corrupção marcou presença nos protestos de junho de 2013. Em cartazes e sondagens de opinião, o fim da corrupção ou o “combate à impunidade” esteve presente entre as demandas por educação, saúde, mobilidade urbana, reforma política, reforma da polícia, entre tantas outras que ecoaram no decorrer das manifestações.15 Estava lá a corrupção entre os “cinco pactos” articulados às pressas entre o governo federal e os governos estaduais.16 Poucos dias depois, o Senado reaviva projeto de lei que transforma a corrupção em crime hediondo e eleva as penas previstas para esses crimes (PLS 204/2011). Em 26 de junho, o projeto foi discutido e aprovado em turno único, e enviado à apreciação da Câmara dos Deputados.17 O novo texto aumenta de dois para quatro anos a pena mínima prevista a vários dos tipos 362 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT penais de corrupção e, ao classificá-los como crimes hediondos, elimina a possibilidade de exercício de direitos no decorrer da execução da pena. Mais do mesmo. E muito distante do fortalecimento dos recursos humanos e materiais para as dezenas de instituições que trabalham no controle e na apuração de responsabilidades, dos programas de incentivo à coordenação interinstitucional, da valorização de projetos comprometidos com a transparência das contas públicas e de uma série de outras ações e metas que vêm sendo debatidas pelos próprios atores do sistema de justiça comprometidos com o enfrentamento da corrupção no Brasil.18 363 [sumário] 10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt notAs Para um primeiro balanço sobre essas transformações recentes, ver Alexandre Cunha e Paulo Silva (2013). Sobre o “atraso relativo” da pesquisa em direito, em face das ciências humanas no Brasil, ver Marcos Nobre (2003). Para uma reflexão sobre a pesquisa empírica a partir de decisões judiciais no País, ver Rodriguez e Ferreira (2013). Sobre o judiciário e o sistema de justiça, em um sentido mais amplo, a referência é Oliveira (2012). 1 Tem-se em mente aqui a distinção proposta por Blackburn (1994, p. 77 e ss.) entre três tipos de juízos: os juízos de observação – ou descritivos, acrescentamos – visam constatar (ou pretendem constatar) a existência de uma coisa ou uma relação entre coisas, eventos ou pessoas. Os juízos de avaliação visam fazer uma apreciação subjetiva a propósito de qualquer coisa qualificando-a como sendo boa/má, melhor/pior, justo/injusto. São mais exigentes que os primeiros, pois dependem da explicitação do parâmetro ou critério utilizado para observar como boa ou ruim uma lei, uma decisão ou um programa governamental. Por fim, estão os juízos de prescrição que, por sua vez, visam aconselhar ou desaconselhar alguma coisa, recomendando que ela seja ou não empreendida. Pensando em termos de construção de projetos de pesquisa, cada um desses juízos pode exigir a construção de estratégias metodológicas diferentes. 2 Para mais detalhes sobre a atenção redobrada que precisamos desenvolver para evitar a naturalização dos institutos e conceitos jurídicos, ver Garcia (2011) e Machado e Machado (2013, p. 333-335). Sobre a desnaturalização de categorias como tarefa central do jurista, ver Rodriguez (2012, p. 62-64). 3 Interessante notar que esse tema não integra a agenda acadêmica, mas foi objeto de discussão e recomendação na ENCCLA (Encontro Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro) que, desde 2003, reúne representantes de diversos órgãos públicos para elaborar estratégias de aprimoramento da atuação tanto na esfera governamental quanto judicial. Em 2011, o Encontro aprovou recomendação nos seguintes termos: “A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA recomenda ao Ministério Público Federal, do Distrito Federal e dos Estados unificar a atribuição cível e criminal relativa à corrupção e à improbidade administrativa, criando ofícios de procuradorias e promotorias especializados em combate à corrupção, em primeiro e segundo graus de jurisdição.” (Recomendação 03/2011 ENCCLA). As metas, ações e recomendações da ENCCLA estão disponíveis no site do Ministério da Justiça. Para um balanço da atuação e significado da iniciativa na construção de políticas públicas de enfrentamento à corrupção e à lavagem de dinheiro, ver Machado (2011). 4 364 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Veja-se, por exemplo, o caso da sonegação de impostos em que regras e instituições penais e tributárias podem ser acionadas para intervir sobre a mesmíssima sonegação. Esse campo sofreu alterações substanciais na última década justamente para impedir a intervenção simultânea e não coordenada de duas esferas do direito sobre um mesmo fato. Para um balanço sobre as transformações do campo penal tributário ver, por exemplo, os textos reunidos na coletânea coordenada por Tangerino e Garcia (2007). 5 6 STF, ARE 681.742. Como nos mostra Carolina Ferreira, no Capítulo 5 deste volume, a atuação recursal do Ministério Público foi particularmente intensa na disputa pelo local em que Nicolau dos Santos Neto deveria cumprir a prisão preventiva. Voltaremos a esse ponto na próxima seção. 7 8 Trata-se da Lei Complementar n. 135/2010. O julgamento proferido em 16 de fevereiro de 2012 reuniu a ação direta de inconstitucionalidade (ADI n. 4.578) ajuizada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais a duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADC ns. 29 e 30) propostas pelo Partido Popular Socialista e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Além do acórdão, um informativo com resumos dos votos de cada um dos ministros encontra-se disponível no site do Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/ portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=200495> (último acesso em: 24 de julho de 2013). 9 Apenas como ilustração, o termo impunidade aparece por volta de 20 vezes na coletânea de Power e Taylor (2011), em seis dos dez capítulos que compõem o livro. Em nenhum caso a utilização desse vocábulo decorre de algum tipo de crítica ou questionamento sobre o tipo de expectativa que ele impõe à atuação do sistema de justiça. Ao contrário, o termo é frequentemente empregado para descrever uma atuação disfuncional e que precisa ser corrigida. As referências são usualmente “ao sentimento” ou “à sensação de impunidade” causadas pela omissão ou atuação equivocada de normas ou instituições. Trata-se de contagem manual, sem qualquer pretensão de exaustividade. 10 De acordo com o World Prison List 9th edition, publicado periodicamente pelo International Centre of Prison Studies, o Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos da América, da China e da Rússia. Disponível em: <http://www.prisonstudies.org/images/ news_events/wppl9.pdf>. Acesso em: 26 de julho de 2013. 11 365 [sumário] 10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt Como discutido na primeira seção deste capítulo, várias delas aplicadas em duplicidade, indiferentes às sanções definidas em outros procedimentos. 12 Para um balanço e suas repercussões no processo criminal, ver o texto de José Roberto Xavier, Capítulo 6 deste volume. 13 Sobre o “enigma da crítica repetitiva à prisão” – que vem sendo observada desde a metade do século XIX – e sobre a ausência de ideias institucionalizadas capazes de dar suporte às sanções não prisionais ver Pires (2013, p. 306 e 310). Esta última questão é tematizada também em Pires (1999). 14 Apenas como ilustração, ver a coletânea de cartazes selecionados pelo Tumblr. Disponível em: <http://cartazesdosprotestos.tumblr.com>. Acesso em 26 de julho de 2013. Sobre as sondagens de opinião, em pesquisa publicada no dia 24 de junho de 2013, o Datafolha aponta que a corrupção aparece em terceiro lugar na lista de principais reivindicações dos paulistanos: com 17%, a reivindicação contra a corrupção aparece depois da melhoria da saúde, com 40%, e da educação, com 20% das respostas espontâneas coletadas três dias antes em todos os bairros da cidade. Disponível em <http://datafolha.folha.uol.com.br/ opiniaopublica/2013/06/1300362-paulistanos-defendem-continuidade-de-protestos-e-focoem-saude-e-educacao.shtml>. Acesso em: 26 de julho de 2013. 15 16 Sobre este ponto, ver Nobre (2013, p. 1). Sob o número PL 5900/2013, o projeto aguarda deliberação do Plenário desde 9 de julho. De acordo com o histórico de tramitação do projeto na Câmara, a matéria não foi apreciada “por acordo dos Srs. Líderes”. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/ proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=583945>. Acesso em: 25 de julho de 2013. 17 Para uma lista muito competente e apta a subsidiar o debate sobre lacunas e desafios institucionais muito concretos a serem enfrentados nesse campo, ver relatório anual da ENCLLA sobre as metas, ações e recomendações formuladas e debatidas entre as dezenas de órgãos públicos que se encontram anualmente desde 2013. Ver nota 4 deste capítulo. 18 366 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT referênCIAs : : : : : : : : : : : : : : BLACKBURN, Pierre. Logique de l’argumentation. 2. ed. Quebec: Éditions du Renouveau Pédagogique, 1994. CUNHA, Alexandre; SILVA, Paulo Eduardo (org.). Anais do I Encontro de Pesquisa Empírica em Direito. Rio de Janeiro: IPEA, 2013. FOLEY, Conor. “O Mutirão Carcerário (a força-tarefa prisional)”. Outro sistema é possível: a reforma do Judiciário no Brasil. Brasília: International Bar Association et Ministère de la Justice, 2012, p. 28-45. GARCIA, Margarida. “Des nouveaux horizons épistémologiques pour la recherche empirique en droit: décentrer le sujet, interviewer le système et ‘désubstantialiser’ les catégories juridiques”. Les Cahiers de droit, vol. 52, n. 3-4, 2011, p. 417-459. MACHADO, Maira. “Similar in Their Differences: transnational legal processes addressing money laundering in Brazil and Argentina”. Law & Social Inquiry. vol. 37, issue 2, 2012, p. 330–366. MACHADO, Marta; MACHADO, Maíra. “O direito penal é capaz de conter a violência?” Manual de sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 327-349. NOBRE, Marcos. Choque de democracia. Razões da revolta. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. OLIVEIRA, Fabiana Luci (org.). Justiça em foco: estudos empíricos. Rio de Janeiro: FGV, 2012. PIRES, Alvaro. “Naissance et développement d’une théorie et ses problémes de recherche”. In : DUBÉ, GARCIA E MACHADO (ed.). La rationalité pénale moderne. Reflexions théoriques et explorations empiriques. Ottawa: PUO, 2013, p. 289-323. ______. “Sobre algumas questões epistemológicas de uma metodologia geral para as ciências sociais”. In: PIRES (org.). A pesquisa qualitativa. Enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 43-94. ______. “Alguns obstáculos humanistas à mutação do direito penal”. Sociologias, n. 1, ano 1, p. 64-95. RODRIGUEZ, José Rodrigo. “Para uma pedagogia da incerteza: a dogmática juridical como experimento e imaginação”. Dogmática é conflito. Uma visão crítica da racionalidade jurídica. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 55-74. ______ ; FERREIRA, Carolina Cutrupi. “Como decidem os juízes? Sobre a qualidade da jurisdição brasileira”. Manual de sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 255-268. TANGERINO, Davi; GARCIA, Denise (coord.). Direito Penal Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2007. 367 [sumário] Anexos ANExO 1 ProCessos e reCursos (1998-2013)1 InformAções dAs CertIdões OU CPF DE NICOLAU DOS SANTOS NETO) justIçA federAl 1ª InstânCIA trf stj stf Total de Processos ou Recursos 15 102 59 28 Ativo 0 75 51 22 Passivo 15 27 8 2 Outro 0 0 0 4 Arquivado 1 76 45 19 Em movimento 14 26 14 9 Ação Civil Pública 1 0 0 0 Ação Civil Pública de Improbidade 1 0 0 0 Ação Penal 3 0 1 0 Agravo de Execução Penal 0 4 0 0 Agravo de Instrumento 0 27 13 10 Agravo de Instrumento em Recurso Especial 0 25 1 0 Apelação Cível 0 6 0 0 Apelação Criminal 0 7 0 0 Carta Rogatória 0 0 1 1 Cautelar Inominada 0 1 0 0 Conflito de Competência 0 1 3 0 Cumprimento de Sentença 1 0 0 0 Exceção de Impedimento Criminal 0 1 0 0 (PESqUISA DE PROCESSOS PELO NOME Polo Trâmite Tipo de Processo ou Recurso 368 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT Ano 369 Exceção de Suspeição Cível 0 1 0 0 Execução de Título Extrajudicial 1 0 0 0 Execução Fiscal 4 0 0 0 Execução Penal 3 0 0 0 Habeas Corpus 0 14 29 6 Incidentes Criminais 1 0 0 0 Inquérito 0 0 1 0 Mandado de Segurança 0 6 0 1 Petição/Ação/Medida Cautelar 0 0 1 1 Petição Cível 0 3 0 0 Reclamação 0 1 5 4 Recurso em Habeas Corpus 0 0 0 3 Recurso em Sentido Estrito 0 5 0 0 Recurso Especial 0 0 4 0 1998 1 2 0 0 1999 0 4 1 2 2000 2 12 2 4 2001 2 14 9 2 2002 0 9 3 0 2003 1 9 14 2 2004 1 1 3 0 2005 0 3 3 4 2006 0 4 6 1 [sumário] Anexos 2007 1 13 3 1 2008 1 5 4 2 2009 2 8 5 4 2010 2 6 3 5 2011 0 0 1 0 2012 1 8 1 0 Em razão da abrangência ampla da pesquisa por nome, as certidões em questão também localizaram processos nos quais Nicolau dos Santos Neto figura como parte, mas que não se relacionam com o caso sob análise, conforme descrito na tabela a seguir. Os três primeiros processos referem-se à denúncia de fraude a concursos públicos, na qual Nicolau foi processado. Os dois últimos dizem respeito a uma ação de reajustes de remuneração, proventos ou pensão proposta por ele. As informações foram extraídas do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, <http://www.trf3.jus.br>. ProCesso ou ProCedImento trIbunAl número Justiça Federal de 1ª Instância 0010249-34.1994.403.6100 Conflito de Competência TRF 3ª Região 0046679-49.1994.4.03.0000 Agravo de Instrumento TRF 3ª Região 0022644-58.1994.4.03.6100 Apelação Cível TRF 3ª Região 0034518-35.1997.4.03.6100 Apelação Cível TRF 3ª Região 0056058-42.1997.4.03.6100 Ação Civil Pública 370 [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT ANExO 2 CoberturA jornAlístICA: ACERVO DIGITAL DA FOLhA DE SãO PAULO (1998-2013)2 tAbelA 1 BUSCA POR “NICOLAU DOS SANTOS NETO”. NOTíCIAS E CAPAS. 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 TOTAL notíCIAs 1 35 256 99 23 21 24 16 8 14 7 1 2 5 5 2 519 CAPAs - 3 18 1 - 2 1 1 2 - - - 1 0 0 33 totAl 1 38 274 103 24 21 26 17 9 16 7 1 2 6 5 2 552 4 tAbelA 2 BUSCA PELOS NOMES DAS PESSOAS FíSICAS E JURíDICAS. PERíODO DE INTENSA COBERTURA (1999-2000) E PERíODO TOTAL (1998-2013). monteIro fábIo monteIro InCAl de bArros ConstrutorA nIColAu dos de bArros fIlho InCorPorAções InvestImentos IkAl sAntos neto 1999 - 2000 41 26 1 10 312 Total 1998 - 2012 52 26 1 13 552 371 [sumário] Anexos ANExO 3 quAdro de sAnções SAnçõES DEFInITIVAS E/Ou EXECuTADAS referênCIA PEnAL: PEnAL: (ATé AGOSTO TCu (MuLTAS) 1ª InSTânCIA 2ª InSTânCIA ACP ACóRDãO AçõES APELAçõES AçõES CIVIS 163/2001, (TC- PENAIS N. CRIMINAIS N. PúBLICAS N. 001.025/98-8) 2000.61.81.0011 2000.61.81.0011 98.0036590-7 E 98-1 E 98-1 E 2000.61.00.0125 2000.61.81.0124 2000.61.81.0124 54-5 E 8-1 8-1 APELAçõES DE 2014) nICOLAu DOS • CONDENADO AçãO PEnAL n. APELAçãO ACP n. • U$ 4,7 SAnTOS nETO COMO 2000.61.81.012 CRIMInAL n. 98.0036590-7 MILhõES RESPONSáVEL 48-1 2000.61.81.012 • CONDENADO BLOqUEADOS SOLIDáRIO • ART. 1º, V, E 48-1 COMO NA SUíçA PELO PARáGRAFO 1º, II, • ART. 22, RESPONSáVEL RETORNAM PAGAMENTO DA LEI 9.613/98 PARáGRAFO SOLIDáRIO AO BRASIL. • 5 ANOS DE úNICO, DA LEI POR DANOS • qUASE RECLUSãO N. 7.492/86 MATERIAIS U$ 800 MIL E ART. 1º, C.C. O E MORAIS E REFERENTES AO PAR. 1º, I E II DA MULTA CIVIL APARTAMENTO LEI N. 9.613/98 • PERDA DOS DE MIAMI • 14 ANOS BENS E VALORES AO BRASIL DE RECLUSãO ACRESCIDOS DA UNIãO DE • MULTA: ILICITAMENTE TODOS OS R$ 600.000,00 • SUSPENSãO DE DInHEIRO • REGIME DOS DIRETOS TRANSITOU ExISTENTES INICIALMENTE POLíTICOS EM JULGADO EM BANCOS FEChADO POR DEz ANOS EM 2013. DE R$ 169.491.951,15 • MULTA DE R$ 10 MILhõES. • MULTA: R$ 960.000,00 • EFEITO DA CONDENAçãO: PERDA EM FAVOR VALORES NO ExTERIOR E DOS IMóVEIS LOCALIzADOS EM MIAMI/EUA CRIMInAL n. 2000.61.81.001 • PROIBIçãO DE CONTRATAR COM O PODER PúBLICO E NA CIDADE 198-1 DE GUARUJá/SP • CONDENAçãO BENEFíCIOS POR PECULATO, AçãO PEnAL n. OU INCENTIVOS ESTELIONATO 2000.61.81.001 FISCAIS E CORRUPçãO • CONSOLIDAçãO • 26 ANOS DA PERDA DA E SEIS MESES FUNçãO PúBLICA 198-1 • ART. 332, “CAPUT”, DO CP 372 APELAçãO [sumário] DE PRISãO OU RECEBER • COnDEnAçãO POR LAVAGEM ESTUDOS SOBRE O CASO TRT • 3 ANOS DE EM REGIME • CONDENAçãO RECLUSãO FEChADO CONFIRMADA • MULTA: • MULTA: R$ 960.000,00 R$ 900.000,00 EM APELAçãO. TOTAL APóS unIFICAçãO • 8 ANOS DE RECLUSãO • MULTA: R$ 1.920.000,00 • REGIME INICIAL: SEMIABERTO luIz estevão APelAção ACP n. CAssAção COMO CrImInAl n. 2000.61.00.012 do mAndAto RESPONSáVEL 2000.61.81.001 554-5 NO SENADO E SOLIDáRIO PELO 198-1 • CONDENADO ABSOLVIDO PAGAMENTO DE • CONDENADO POR 10 ANOS • CONDENAçãO COMO POR PECULATO, RESPONSáVEL • ACordo • MULTA DE 10 ESTELIONATO, SOLIDáRIO entre o MILhõES CORRUPçãO, POR DANOS gruPo ok FALSIDADE MATERIAIS e A Agu IDEOLóGICA E MORAIS E NA AçãO E FORMAçãO MULTA CIVIL DE ExECUçãO R$ 169.491.951,15 DE qUADRILhA • PERDA DOS • 31 ANOS BENS E VALORES DE RECLUSãO ACRESCIDOS • MULTA: ILICITAMENTE CERCA DE • SUSPENSãO R$ 3 MILhõES DOS DIRETOS • EFEITO DA CONDENAçãO: POLíTICOS POR DEz ANOS PERDA DE • PROIBIçãO VALORES DE CONTRATAR DEPOSITADOS COM O PODER EM CONTAS PúBLICO OU IRREGULARES NO RECEBER ExTERIOR. BENEFíCIOS OU INCENTIVOS FISCAIS • CondenAção ConfIrmAdA em APelAção. 373 INELEGIBILIDADE [sumário] REFERENTE à CONDENAçãO DO TCU: R$ 168 MILhõES RECOLhIDOS AOS COFRES PúBLICOS ATé JULhO DE 2014. Anexos FABIO MánTEIRO DE BARROS APELAçãO ACP n. COMO CRIMInAL n. 98.0036590-7 RESPONSáVEL 2000.61.81.001 • CONDENADO SOLIDáRIO PELO 198-1 COMO PAGAMENTO DE • CONDENAçãO RESPONSáVEL R$ 169.491.951,15 POR PECULATO, SOLIDáRIO • MULTA DE ESTELIONATO, POR DANOS R$ 10 MILhõES. CORRUPçãO, MATERIAIS FALSIDADE E MORAIS E IDEOLóGICA MULTA CIVIL E FORMAçãO • PERDA DOS DE qUADRILhA BENS E VALORES • 31 ANOS ACRESCIDOS DE RECLUSãO ILICITAMENTE • MULTA: • SUSPENSãO CERCA DE DOS DIRETOS R$ 2,4 MILhõES POLíTICOS • EFEITO DA POR DEz ANOS CONDENAçãO: • PROIBIçãO PERDA DE DE CONTRATAR VALORES COM O PODER DEPOSITADOS PúBLICO OU EM CONTAS RECEBER IRREGULARES NO BENEFíCIOS ExTERIOR. OU INCENTIVOS • CONDENADO ABSOLVIDO FISCAIS • CONDENAçãO CONFIRMADA EM APELAçãO. josé eduArdo teIxeIrA ferrAz 374 APelAção ACP n. COMO CrImInAl n. 98.0036590-7 RESPONSáVEL 2000.61.81.001 • CONDENADO SOLIDáRIO PELO 198-1 COMO PAGAMENTO DE • CONDENAçãO RESPONSáVEL R$ 169.491.951,15 POR PECULATO, SOLIDáRIO • MULTA DE ESTELIONATO, POR DANOS R$ 10 MILhõES CORRUPçãO, MATERIAIS FALSIDADE E MORAIS E IDEOLóGICA MULTA CIVIL E FORMAçãO • PERDA DOS DE qUADRILhA BENS E VALORES • 27 ANOS E OITO ACRESCIDOS MESES ILICITAMENTE DE RECLUSãO • SUSPENSãO • MULTA: DOS DIRETOS R$ 1,2 MILhãO POLíTICOS • EFEITO DA POR DEz ANOS • CONDENADO ABSOLVIDO [sumário] ESTUDOS SOBRE O CASO TRT CONDENAçãO: • PROIBIçãO PERDA DE DE CONTRATAR VALORES COM O PODER DEPOSITADOS PúBLICO EM CONTAS OU RECEBER IRREGULARES NO BENEFíCIOS ExTERIOR. OU INCENTIVOS FISCAIS • CondenAção ConfIrmAdA em APelAção. 375 [sumário] Anexos notAs Os dados se baseiam em certidões emitidas pelos Tribunais entre 10 e 15 de fevereiro de 2013, as quais listaram todos os processos e recursos a partir do nome Nicolau dos Santos Neto, bem como seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda, sendo que apenas os processos relacionados ao Caso TRT foram colocados na primeira tabela do Anexo 1. 1 Os dados foram coletados no acervo digital da Folha de S. Paulo. Alcançam desde a primeira notícia envolvendo o caso, em 5 de dezembro de 1998, até 1º de julho de 2013. 2 376 [sumário] sobre os autores andré JanJácomo rosilho Mestre eM Direito e DesenvolviMento pela escola De Direito De são paulo Da FunDação Getulio varGas – FGv Direito sp. coorDenaDor Do curso De Direito constitucional Da socieDaDe Brasileira De Direito púBlico – sBDp. andré rodrigues corrêa proFessor Da GraDuação eM Direito e Do proGraMa De pós-GraDuação (MestraDo proFissional) eM Direito Da escola De Direito De são paulo Da FunDação Getulio varGas – FGv Direito sp. Doutor eM Direito pela universiDaDe FeDeral Do rio GranDe Do sul. pós-Doutor pela university oF eDinBurGh school oF law (olD colleGe). post-Doctoral Fellow no eDinBurGh institute For aDvanceD stuDies in the huManities. carolina cutrupi Ferreira Mestre eM Direito pela escola De Direito De são paulo Da FunDação Getulio varGas – FGv Direito sp. pesquisaDora Do núcleo De estuDos soBre o criMe e a pena Da FGv Direito sp e Do núcleo Direito e DeMocracia Do centro Brasileiro De análise e planejaMento – ceBrap. gisela Ferreira mation Mestre eM Direito (ll.M.) pela harvarD law school e MestranDa eM Direito constitucional pela universiDaDe De são paulo. Bacharel eM Direito pela escola De Direito De são paulo Da FunDação Getulio varGas – FGv Direito sp. José roberto Franco Xavier pesquisaDor De pós-DoutoraDo (Bolsista Fapesp) Da escola paulo Da FunDação Getulio varGas – FGv Direito sp. De Direito De são luisa moraes abreu Ferreira GraDuaDa eM Direito pela escola De Direito De são paulo Da FunDação Getulio varGas – FGv Direito sp. MestranDa eM Direito penal pela FaculDaDe De Direito Da universiDaDe De são paulo. pesquisaDora Do núcleo De estuDos soBre o criMe e a pena Da FGv Direito sp. aDvoGaDa eM são paulo. maíra rocha machado proFessora associaDa na escola De Direito De são paulo Da FunDação Getulio varGas – FGv Direito sp. possui GraDuação eM Direito pela universiDaDe De são paulo, DoutoraDo eM FilosoFia e teoria Geral Direito pela universiDaDe De são paulo e pós-DoutoraDo pela cáteDra canaDense De pesquisa eM traDições juríDicas e racionaliDaDe penal Da universiDaDe De ottawa. paulo eduardo alves da silva proFessor Doutor Da FaculDaDe De Direito De riBeirão preto Da universiDaDe De são paulo. pesquisaDor visitante Do instituto De pesquisa econôMica aplicaDa – ipea. rochelle pastana ribeiro especialista eM políticas púBlicas e Gestão GovernaMental Da FazenDa. lotaDa no Ministério susana henriques da costa proFessora Doutora Da FaculDaDe De Direito Da universiDaDe De são paulo. proMotora De justiça no estaDo De são paulo. MeMBro Do instituto Brasileiro De Direito processual – iBDp e MeMBro Do centro Brasileiro De pesquisas juDiciais – ceBepej.