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A Coleção Acadêmica Livre publica obras de livre acesso em formato digital. Nossos livros
abordam o universo jurídico e temas transversais por meio das mais diversas abordagens.
Podem ser copiados, compartilhados, citados e divulgados livremente para fins não
comerciais. A coleção é uma iniciativa da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas (FGV DIREITO SP) e está aberta a novos parceiros interessados em dar acesso livre
a seus conteúdos.
Esta obra foi avaliada e aprovada pelos membros de seu Conselho Editorial.
Conselho Editorial
Flavia Portella Püschel (FGV DIREITO SP)
Gustavo Ferreira Santos (UFPE)
Marcos Severino Nobre (Unicamp)
Marcus Faro de Castro (UnB)
Violeta Refkalefsky Loureiro (UFPA)
A pesquisa apresentada nesta obra foi realizada com o apoio financeiro de:
Os livros da Coleção Acadêmica Livre podem ser copiados e compartilhados por meios eletrônicos; podem ser
citados em outras obras, aulas, sites, apresentações, blogues, redes sociais etc, desde que mencionadas a fonte e
a autoria. Podem ser reproduzidos em meio físico, no todo ou em parte, desde que para fins não comerciais.
Conceito da coleção:
José Rodrigo Rodriguez
Editor
José Rodrigo Rodriguez
Assistente editorial
Bruno Bortoli Brigatto
Capa, projeto gráfico e editoração
Ultravioleta Design
Preparação de texto
Lucas de Souza C. Vieira
Revisão
Camilla Bazzoni de Medeiros
Imagem da capa
Romulo Fialdini
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Karl A. Boedecker da Fundação Getulio Vargas – SP
Estudos sobre o Caso TRT / organizadoras Maíra Rocha Machado, Luisa Moraes Abreu Ferreira;
autores André Janjácomo Rosilho ... [et al.]. – São Paulo : Direito GV, 2014.
380 p.
ISBN 978-85-64678-11-8
1. Brasil. Tribunal Regional do Trabalho (SP). 2. Corrupção administrativa - Brasil. 3. Fraude Brasil. 4. Crime contra a administração pública. I. Machado, Maíra Rocha. II. Ferreira, Luisa Moraes
Abreu. III. Rosilho, André Janjácomo. IV. Título.
CDU 343.35(81)
FGV DIREITO SP
Coordenadoria de Publicações
Rua Rocha, 233, 11º andar
Bela Vista – São Paulo – SP
CEP: 01330-000
Tel.: (11) 3799-2172
E-mail: publicacoesdireitogv@fgv.br
sumário
Introdução
11
Maíra Rocha Machado
1.
A nArrAtIvA do CAso trt
25
Maíra Rocha Machado e Luisa Moraes Abreu Ferreira
1.1 |
o
IníCIo dA hIstórIA
(1992-1998):
MAIS UMA FRAUDE EM LICITAçãO DE OBRA PúBLICA
26
1.1.1 |
O edital de concorrência e o contrato
27
1.1.2 |
Identificação de irregularidades: a primeira fase da atuação do TCU
29
1.1.3 |
O Ministério Público entra em cena
30
1.2 |
todAs
As ArmAs
(1999-2002):
PROCESSOS E RECURSOS
32
1.2.1 |
O divisor de águas: a CPI do Judiciário no Senado Federal
33
1.2.2 |
Suíços iniciam a primeira investigação e mantêm bloqueio por 14 anos
36
1.2.3 |
A segunda fase da atuação do TCU
37
1.2.4 |
No Brasil, condenações criminais ainda aguardam trânsito em julgado
40
1.2.5 |
Constructive trust: apartamento de Miami acionado e leiloado em meses
43
Ikal entra em falência e Grupo OK tem a personalidade
jurídica desconsiderada
1.2.6 |
44
1.2.7 |
Do “nada vai acontecer comigo” à marchinha de carnaval
46
1.2.8 |
Enfim, as sentenças nas ações de improbidade
47
1.3 |
hIstórIA
sem fIm
2.
PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
ARGUMENTOS DOGMáTICOS NAS DECISõES DO TCU
E DO STF ENVOLVENDO O CASO TRT
48
61
André Rodrigues Corrêa
Introdução
61
2.1 |
A
rAIz de todo mAl: AS DISCUSSõES ACERCA DO PROCEDIMENTO CONVOCATóRIO E DO
CONTRATO NOS PROCESSOS INSTALADOS JUNTO AO
TCU
ANTES DA CRIAçãO DA
CPI
DO
JUDICIáRIO
64
2.1.1 |
O Acórdão 231/96 do Tribunal de Contas da União
64
2.1.2 |
O Acórdão 45/1999 do Tribunal de Contas da União
84
2.2 |
ArrAnCAr
o mAl PelA rAIz:
NOS PROCESSOS INSTALADOS JUNTO
AS DISCUSSõES SOBRE NULIDADE E RESCISãO DO CONTRATO
AO TCU E AO STF APóS A CRIAçãO DA CPI DO JUDICIáRIO
2.2.1 |
O Acórdão 23560/DF do Supremo Tribunal Federal
2.2.2 |
O Acórdão 298/2000 do Tribunal de Contas da União
2.3 |
A
CurA PArA todo mAl?
CONSIDERADOS PELOS
TCU
E
OS ARGUMENTOS
PELO STF
94
95
100
INSUFICIENTEMENTE
104
2.3.1 |
A adequação dos instrumentos: edital e contrato
105
2.3.2 |
O equilíbrio contratual: aditivos contratuais, rescisão e declaração de nulidade
112
ConClusão
116
3.
dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
DESCONSIDERAçãO DA PERSONALIDADE JURíDICA
E FALêNCIA NO CASO TRT
135
Gisela Ferreira Mation
Introdução
3.1 |
defInIção
135
dos InstItutos jurídICos:
DESCONSIDERAçãO DA PERSONALIDADE JURíDICA E FALêNCIA
3.2 |
A
deCretAção dA fAlênCIA dA
ConstrutorA IkAl
137
142
3.2.1 |
Arrecadação e desvio de bens
144
3.2.2 |
Desconsideração da personalidade jurídica: pedidos e recursos
145
3.2.3 |
Decisão sobre a desconsideração da personalidade jurídica
151
ConsIderAções
fInAIs
4.
reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
EqUILIBRANDO A INTERDEPENDêNCIA DE JURISDIçõES
COM A UTILIzAçãO DE DIFERENTES ESTRATéGIAS JURíDICAS
Rochelle Pastana Ribeiro
152
163
Introdução:
ALTERNATIVAS JURíDICAS
DISPONíVEIS PARA A RECUPERAçãO DE ATIVOS NO ExTERIOR
4.1 |
o
ProCesso de reCuPerAção de AtIvos no
4.2 |
o
legAdo do
CAso trt:
CAso trt-sP
COORDENANDO AS ESTRATéGIAS DE RECUPERAçãO DE ATIVOS
5.
A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
163
168
174
189
Carolina Cutrupi Ferreira
Introdução
5.1 |
A
5.2 |
PrIsão
5.2.1 |
5.3 |
189
191
fugA e A rendIção
esPeCIAl nA
PolíCIA federAl
e CondenAções nA justIçA federAl
Manutenção da prisão após condenação
o
IníCIo do ProCesso de exeCução ProvIsórIA
ConsIderAções
195
198
199
206
fInAIs
6.
o CAso trt nA mídIA:
SISTEMA DE DIREITO CRIMINAL E OPINIãO PúBLICA
229
José Roberto Franco Xavier
Introdução
229
6.1 |
umA
232
6.2 |
A
resIstênCIA do sIstemA de dIreIto CrImInAl à Pressão externA
6.3 |
A
mídIA e A oPInIão PúblICA no CAso
notAs
ConsIderAção PrelImInAr: A DIFICULDADE DE MANIPULAR UM SISTEMA COMPLExO
nIColAu
fInAIs
7.
o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo
ProCessuAl brAsIleIro: REFLExõES A PARTIR DO CASO TRT
Paulo Eduardo Alves da Silva
Susana Henriques da Costa
236
242
245
251
Introdução
7.1 |
A
251
demorA do ProCesso e seus resultAdos:
PROVIMENTOS DE URGêNCIA, RECURSOS E COISA JULGADA
7.2 |
A
multIPlICIdAde de órgãos de Controle e
suA InfluênCIA nA formAção do Conjunto ProbAtórIo
7.3 |
252
os
sujeItos do ProCesso: esColhAs PolítICAs que se refletem nA téCnICA
ConsIderAções
264
271
277
fInAIs
8.
o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
287
Luisa Moraes Abreu Ferreira
Introdução
8.1 |
evolução
287
normAtIvA dAs regrAs de foro esPeCIAl
288
8.1.1 |
Desde 1923...
288
8.1.2 |
“Parece-me, porém, que é chegada a hora de uma revisão do tema”
288
8.1.3 |
A reação legislativa: alteração do CPP
290
8.1.4 |
Novo tipo de populismo? A questão volta para o STF
292
8.1.5 |
O julgamento das ADIs pelo STF
294
8.1.6 |
E, finalmente, o julgamento da Reclamação pelo STF
295
8.1.7 |
Discussões intermináveis
296
8.2 |
o
foro Por PrerrogAtIvA de função no
CAso trt
298
8.2.1 |
As ações de improbidade
299
8.2.2 |
Inquéritos criminais
302
8.2.3 |
Ações penais
302
8.2.4 |
Processo de corrupção: apelação criminal e recursos
303
8.2.5 |
Processo de lavagem: apelação e (mais) recursos
306
8.3 |
vAle
A PenA?
9.
leI nº 8.666/93:
UMA RESPOSTA à CORRUPçãO NAS CONTRATAçõES PúBLICAS?
André Janjácomo Rosilho
308
321
Introdução
9.1 |
A
321
leI gerAl
reformA dA
9.2 |Por que reformAr o
9.2.1 |
de
lICItAções
deCreto-leI
nº
324
2.300/86?
327
A tramitação do PL nº 1.491/91
9.3 |quAl foI A resPostA normAtIvA dA
Ao dIAgnóstICo do Congresso
leI
nACIonAl?
329
nº
8.666/93
331
9.4 |A
leI
nº
8.666/93
PArA Além do dIsCurso normAtIvo: COMBATE à CORRUPçãO?
9.5 |A
leI
nº
8.666/93
CrIou boAs soluções PArA
332
os ProblemAs no sIstemA de ContrAtAções PúblICAs?
339
ConClusão
340
10.
PArA ConCluIr:
UMA AGENDA DE PESqUISA EM DIREITO A PARTIR DO CASO TRT
353
Maíra Rocha Machado
10.1 |A sImultAneIdAde de ProCedImentos PArA sAnCIonAr os mesmos fAtos
355
10.2 |o trânsIto em julgAdo e o Ponto fInAl no mundo jurídICo
357
10.3 |ImPunIdAde?
360
Como
AvAlIAr os resultAdos do
CAso trt?
Anexos
ANExO 1 – ProCessos
e reCursos
ANExO 2 – CoberturA
jornAlístICA: ACERVO DIGITAL DA
ANExO 3 – quAdro
sobre os Autores
de sAnções
(1998-2013)
368
FOLhA
DE
SãO PAULO (1998-2013) 371
372
377
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Introdução
Maíra Rocha Machado
O ano de 1992 é frequentemente lembrado pela aprovação da Lei de
Improbidade Administrativa e, meses depois, pelo impeachment do Presidente que a sancionou, Fernando Collor de Mello. É lembrado ainda
pelo Massacre do Carandiru e, no dia seguinte, pela vitória expressiva do
“rouba, mas faz” de Paulo Maluf nas eleições paulistas. Mas foi também
em 1992 que a publicação do edital para construção de novo edifício para
o Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo deu início a um dos mais
emblemáticos casos de corrupção do país. A importância registrada aqui
decorre menos do montante desviado dos cofres públicos – se comparado
a outros casos da época – mas sim do ineditismo de alguns fatores: além
de ter sido protagonizado por um magistrado e um senador, o desvio de
verbas na construção do TRT-SP foi o primeiro caso de corrupção a
envolver bloqueio e repatriamento de bens e valores no exterior e a manter um dos réus preso por vários anos.
Mais de 20 anos depois, o sistema de justiça brasileiro ainda se movimenta para apurar responsabilidades e reparar o dano ao erário público,
calculado atualmente em R$ 991 milhões.1 Em julho de 2013,2 quando este
livro foi concluído, havia procedimentos relacionados ao caso tramitando
em mais de uma dezena de órgãos do sistema de justiça brasileiro, que geraram mais de uma centena de recursos e milhares de páginas.3 Os principais
envolvidos no caso recorrem de decisões penais condenatórias em liberdade, com exceção de Nicolau dos Santos Neto. Em prisão domiciliar desde
2007, o ex-juiz, com 84 anos, foi transferido em março de 2013 para a Penitenciária de Tremembé, em São Paulo. E ali permaneceu até junho de 2014,
quando teve reconhecida a extinção de sua pena em razão de indulto coletivo. As ações civis públicas que permitiram o bloqueio inicial das contas
bancárias dos envolvidos foram sentenciadas em outubro de 2011, após
mais de dez anos de tramitação. As apelações foram julgadas em outubro
de 2013 e as condenações foram mantidas. Os recursos contra essas decisões
não haviam sido julgados em agosto de 2014, tampouco realizada a liquidação das sentenças. A construtora que ganhou a licitação teve a falência
11
[sumário]
Introdução
decretada – e os sócios desta e outras empresas envolvidas estão com os
bens bloqueados desde o início da ação civil pública em 1998. Quatro procedimentos foram concluídos desde então. O primeiro diz respeito à ação
interposta pelo Estado brasileiro em Miami reivindicando a propriedade
de apartamento avaliado em R$ 1 milhão que teria sido comprado por Nicolau dos Santos Neto com dinheiro oriundo das obras do Tribunal. A ação
foi julgada, o apartamento leiloado e o dinheiro depositado em conta do
tesouro nacional em menos de um ano. O segundo procedimento refere-se
ao processo disciplinar iniciado no Senado Federal contra Luiz Estevão a
partir dos fatos apurados na CPI do Judiciário e que culminou com a primeira cassação de um Senador da República. Mais de uma década depois,
em agosto de 2012, a Advocacia-Geral da União celebrou acordo com o
Grupo OK, de Luiz Estevão, para garantir o retorno imediato aos cofres
públicos de pouco menos da metade do montante total desviado, conforme
a decisão condenatória do Tribunal de Contas da União. Até julho de 2014,
R$ 168 milhões já haviam sido depositados na conta do tesouro nacional.
Por fim, em abril de 2013, o primeiro processo criminal transitou em julgado. Nicolau dos Santos Neto foi condenado definitivamente pelo crime
de lavagem de dinheiro. A pena aplicada foi de 9 anos de prisão e multa de
R$ 600 mil. Os demais processos permanecem tramitando, como se verá
no decorrer do primeiro capítulo que narra o percurso do Caso TRT pelo
sistema de justiça brasileiro e internacional.4
Desde que o caso veio a público, com a CPI do Judiciário em 1999, o
arranjo normativo e institucional para lidar com a corrupção no país alterou-se substancialmente. Várias instituições foram criadas ou remodeladas para
atuar especificamente no enfrentamento da corrupção. É possível dizer que
o sistema de justiça destinado a lidar com a corrupção no país é outro depois
da criação da Controladoria Geral da União, do Conselho Nacional de Justiça,
do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do
Ministério da Justiça, e de divisões especializadas na Advocacia-Geral da
União, na Polícia Federal e no Ministério Público, tanto em âmbito federal
quanto em diversos estados. O novo panorama institucional já foi objeto de
análise e reflexão por diversos pesquisadores, especialmente no campo da
ciência política que há décadas debruça-se sobre o tema.
12
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Com a publicação de Corruption and Democracy in Brazil (POWER e
TAYLOR, 2011), o debate sobre os mecanismos de enfrentamento à corrupção mudou de patamar. Os coordenadores, juntamente com oito outros
pesquisadores que participam da coletânea, apresentam uma rica descrição
do funcionamento das instituições brasileiras e oferecem um diagnóstico
muito estimulante sobre o enfrentamento à corrupção no país. Além de
escrutinar as principais instituições que integram a “rede de accountability”
(Tribunais de Contas, Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, entre
outros), a coletânea coloca em questão o papel da mídia antes e depois do
início das investigações, pontua as implicações de nosso presidencialismo
de coalizão no favorecimento da corrupção e, de modo muito original, revela
um forte desequilíbrio entre as práticas e as formas de controle da corrupção
nas esferas federal, de um lado, e estadual e municipal, de outro.
No capítulo conclusivo, Power e Taylor (2011, p. 251) discutem os
motivos pelos quais o enfrentamento da corrupção no país ainda não se
dá de maneira efetiva, apesar da proeminência do tema no debate público. Para os autores, este cenário é o resultado de uma série de falhas nas
instituições, bem como da relação de interdependência que se estabelece
entre elas. É neste nível de análise que os autores apontam vários tipos
de falhas institucionais (institutional weakness): restrições orçamentárias, graus de autonomia em relação a pressões externas, politização e,
até mesmo, suscetibilidade à corrupção (2011, p. 252-254). Além de problemas institucionais de vários tipos, os autores reconhecem também
que grande parte do marco normativo proposto internacionalmente para
enfrentar a corrupção “já existe no Brasil” (2011, p. 259). Em face desta
constatação considerada “encorajadora”, os autores afirmam: “the issue
is less one of creating new institutions from whole cloth than one of tinkering with the existant institutions and streamlining both their individual performance and their interactions with others”. E finalizam: “the
devil, however, will be in the details”.5
O texto então retorna para a dimensão institucional, mas desperta o leitor
para a existência de um conjunto de fatores – diferentes das falhas institucionais e da necessidade de criar novas leis – que exercem papel-chave no
diagnóstico da ausência de efetividade do enfrentamento da corrupção. De
13
[sumário]
Introdução
fato, as características da legislação e das instituições não são capazes de
explicar, sozinhas, os desafios atualmente colocados para o enfrentamento
da corrupção no Brasil. Falta observar o modo como essas instituições operam: fluxos procedimentais, dogmática jurídica e processos decisórios –
alguns dos “detalhes” do qual depende a simplificação e o aprimoramento
das performances individuais das instituições do sistema de justiça. Este
livro foi organizado justamente para tematizar essa outra camada, digamos
assim, que muito raramente integra a reflexão acadêmica e o debate público.
Desse modo, os ensaios que compõem esse livro aprofundam e sistematizam pontos cruciais do percurso do Caso TRT pelo sistema de justiça
a partir do direito civil, do direito societário, do direito processual, do direito penal e do direito internacional. E, a partir desses arcabouços normativos, debruçam-se sobre vários nós jurídicos que impactam diretamente o
saldo do Caso TRT após quase 15 anos tramitando no sistema de justiça.
Pensar nos resultados, isto é, no que se obteve e não se obteve por intermédio da atuação do sistema de justiça convida o pesquisador a deslocar
seu foco de atenção das áreas jurídicas específicas para o que coletivamente alcançaram. Como a Narrativa do Caso (Capítulo 1) revela, as áreas
do direito e os órgãos a elas relacionados em algumas ocasiões trocaram
informações e provas, enviaram de um lado a outro procedimentos inteiros
e, em outras, ignoraram-se mutuamente e duplicaram esforços. Essa teia de
interações processuais e decisórias que se forma entre várias áreas do direito tem passado desapercebida dos juristas – fruto sobretudo do fenômeno
da “departamentalização do conhecimento jurídico”.6 Ao recortar uma
determinada operação econômica e, a partir dela, identificar seus desdobramentos no sistema de justiça, este tipo de estudo de caso convida os
pesquisadores em direito a observar o sistema de justiça sem as barreiras
impostas pelas áreas jurídicas, a atentar às interações processuais e às suas
implicações ao desfecho do caso.
Para além dos ganhos internos à pesquisa em direito, estudos de caso
deste tipo podem adicionar novos capítulos à construção da memória sobre
a atuação concreta das instituições jurídicas brasileiras nos grandes casos
de corrupção. Este esforço tem sido realizado sobretudo por jornalistas e
cientistas sociais.7 Estes trabalhos, no entanto, tendem a captar a dinâmica
14
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
política do caso e suas implicações, mas normalmente não entram nos tais
“detalhes”. Sob quais fundamentos o STF absolveu Collor? Os desvios de
verbas públicas atribuídos ao ex-prefeito Celso Pitta retornaram ao Brasil? Mediante qual mecanismo de cooperação internacional? Como os
Estados Unidos da América conseguiram colocar Paulo Maluf na lista de
procurados da Interpol? E por que a ausência de condenações definitivas
no Brasil não constituiu um óbice? Não existem estudos que nos ajudem
a responder essas questões.
É claro que inúmeros trabalhos publicados no Brasil sobre o tema da
corrupção fazem referência aos grandes escândalos para ilustrar suas formulações sobre o papel desempenhado pelas instituições jurídicas. Frequentemente, contudo, apoiam-se em informações veiculadas pela mídia
e não acessam a documentação produzida pelas próprias instituições
(denúncias, sentenças, acórdãos, decisões, relatórios finais e etc.). Outras
vezes as menções aos casos concretos têm como base as experiências profissionais de seus autores: advogados, promotores, procuradores, juízes,
desembargadores, ministros, secretários de estado entre outros profissionais
das carreiras jurídicas são autores de grande parte dos textos produzidos
sobre o enfrentamento à corrupção no país.
Quando há interesse em abordar aspectos propriamente jurídicos do fenômeno da corrupção, a principal fonte de informação utilizada é a legislação.
Mesmo quando o objetivo é tratar de uma instituição, como os Tribunais de
Contas ou as Comissões Parlamentares de Inquérito, por exemplo, inúmeros
trabalhos limitam-se à descrição das normas que as criam, organizam e definem seu modo de atuação. E desse modo nada revelam sobre o que as instituições fazem: limitam-se a narrar o que a legislação determina que elas
façam. É possível encontrar também trabalhos que se apoiam unicamente
na doutrina jurídica, isto é, no que outros autores disseram sobre institutos
semelhantes aos estudados – muitas vezes em outros países e contextos históricos. O protagonismo da legislação e da doutrina nos trabalhos jurídicos
não é, obviamente, característica da temática da corrupção. E a cada dia
encontramos mais exceções a este quadro.8
Enfim, este livro busca fazer uma contribuição à construção coletiva de
um diagnóstico mais denso juridicamente sobre a atuação do sistema de
15
[sumário]
Introdução
justiça brasileiro no enfrentamento da corrupção. Dessa forma, tanto a Narrativa do Caso quanto os textos que integram esse livro foram elaborados
com a preocupação de ampliar e intensificar o diálogo do campo jurídico
com as ciências sociais ao redor tanto do diagnóstico dos problemas enfrentados quanto das possibilidades de reforma dos institutos e das instituições
jurídicas.9 Busca-se também evitar o que Margarida Garcia denominou
“diálogo sem troca” entre juristas e cientistas sociais, tradicionalmente pautado por “desconfiança, indiferença, ceticismo ou incompreensão”.10 E,
desse modo, favorecer um espaço de debate que permita a ambos os lados
refletir e reformular suas posições em função das descobertas e aportes de
outros campos.
O primeiro passo, que se buscou dar aqui, para enfrentar os desafios de
um diálogo deste tipo diz respeito à própria linguagem utilizada na descrição do caso e nas análises. Sem simplificar e descaracterizar os institutos
e os arranjos jurídicos, os textos buscam fornecer explicações e contextualizações que facilitem a compreensão dos leitores. Buscou-se eliminar o
“juridiquês” sem trair a especificidade da linguagem jurídica.
Com estes objetivos em mente, o primeiro capítulo narra o percurso do
Caso TRT, desde a publicação do edital de licitação em 1992 até a conclusão deste livro em julho de 2013. A pesquisa que serviu de base à elaboração do estudo de caso foi financiada pela agência de pesquisa canadense
IDRC (International Development Research Centre) no âmbito do projeto
de pesquisa “Transnational Anti-corruption Law in action: evidences from
Brazil and Argentina” coordenado por Kevin Davis (New York University),
Guillermo Jorge (Universidad San Andres) e Maira Rocha Machado (FGV
DIREITO SP).11
Em seguida, André Correa debruça-se sobre o debate jurídico que se travou no Tribunal de Contas da União e no Supremo Tribunal Federal sobre
o contrato celebrado entre o TRT e a Incal. O objetivo central do texto foi
esmiuçar o modo como distinções dogmáticas – “contrato público vs. contrato privado” e “nulidade contratual vs. inadimplemento contratual” –
foram utilizadas e quais as implicações deste uso para as soluções jurídicas
dadas ao caso. A partir da análise do conteúdo dos acórdãos proferidos pelo
TCU e pelo STF, André Correa identifica uma peculiar combinação de
16
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
excessiva atenção e inadequada compreensão de sentido e alcance dessas
distinções dogmáticas. Ao percorrer os argumentos utilizados pelos diversos
atores que participaram da construção dessas decisões – magistrados, peritos e advogados –, o texto permite observar o modo como diferentes arranjos normativos – de direito público e de direito privado – são mobilizados
de maneira distinta na construção dos argumentos jurídicos, bem como o
elevado impacto que a escolha de um outro arranjo pode ter – tanto para o
desfecho do caso quanto para a jurisprudência que se forma a partir dele
(Capítulo 2).
Como mostra a Narrativa do Caso, este debate sobre a licitude ou ilicitude do contrato celebrado entre o TRT e a construtora teve início nas
primeiras intervenções do TCU e se prolongou por anos no Judiciário.
Enquanto esse debate ocorria, o Ministério Público obteve a indisponibilidade dos bens da construtora na ação civil pública por improbidade
administrativa e, pouco tempo depois, em 25 de fevereiro de 1999, uma
empresa requereu a falência da construtora em virtude do não pagamento
de duplicatas. A partir das interações ainda pouco exploradas entre o
enfrentamento da corrupção e os institutos do direito privado, Gisela
Mation apresenta em detalhes os procedimentos voltados a promover a
desconsideração da personalidade jurídica e a falência das construtoras
envolvidas no Caso TRT. Em seu texto, a autora argumenta que tais institutos podem desempenhar um papel relevante tanto na prevenção da
corrupção, na medida em que servem como instrumentos de dissuasão,
como na responsabilização por atos de corrupção. A partir da documentação que integra os autos desses processos, o capítulo de Gisela Mation
investiga as dificuldades práticas e dogmáticas envolvidas na aplicação
desses institutos, destacando, em especial, a forma como a fragmentação
do ordenamento e do sistema de justiça podem dificultar sua plena utilização (Capítulo 3).
E se parte do patrimônio das pessoas físicas e jurídicas envolvidas
tiver sido transferida para o exterior? No capítulo seguinte, Rochelle Pastana Ribeiro apresenta um detalhado panorama das estratégias jurídicas
disponíveis para a repatriação de ativos enviados ilicitamente para o exterior: a recuperação por meio de cooperação jurídica internacional e a
17
[sumário]
Introdução
recuperação direta. No decorrer do texto, a autora discute as vantagens e
as desvantagens dessas estratégias, ilustrando, sempre que possível, com
casos emblemáticos de recuperação de ativos da corrupção. A autora analisa também as estratégias adotadas pelo Estado brasileiro para a repatriar
os ativos do Caso TRT que haviam sido enviados para os Estados Unidos
e Suíça. Neste ponto, o principal objetivo do texto é verificar como estratégias de naturezas diferentes puderam ser coordenadas e auxiliaram a mitigar
a interdependência entre a ação penal em curso no Brasil e a investigação
conduzida na Suíça, permitindo o êxito na repatriação antecipada dos recursos públicos desviados (Capítulo 4).
Mas além da dimensão econômica que desempenha papel central nos
mecanismos de enfrentamento à corrupção, o Caso TRT envolveu também
um longo e tortuoso percurso de privação de liberdade de um dos réus,
Nicolau dos Santos Neto. Como mostra Carolina Cutrupi Ferreira, no decorrer desses 14 anos desde que sua prisão preventiva foi decretada, a gestão
da prisão de Nicolau dos Santos Neto mobilizou, além da mídia, vários
atores do Ministério da Justiça, Polícia Federal, Ministério Público e Justiça Federal. A partir de reportagens jornalísticas coletadas no acervo do
jornal Folha de S. Paulo e de ações e recursos impetrados em tribunais
superiores (Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Superior Tribunal
de Justiça e Supremo Tribunal Federal), o texto descreve o percurso da prisão preventiva de Nicolau, o início do cumprimento da pena em execução
provisória e os fundamentos para manutenção da prisão. O relato de Carolina Ferreira problematiza a atuação de diferentes órgãos do sistema de
justiça, especialmente no tocante à reclusão de um réu com direito à prisão especial e com a saúde debilitada, aos altos custos desse tipo de medida e, enfim, ao déficit substancial de justificação de uma prisão preventiva
mantida por mais de dez anos (Capítulo 5).
Como indica a Narrativa do Caso, a prisão de Nicolau dos Santos Neto
e, muito particularmente, o período em que esteve foragido da polícia, foi
o tema que, de longe, mais atraiu a atenção da imprensa. A forte midiatização dos denominados “escândalos de corrupção” vem sendo estudada a partir de diferentes perspectivas. Neste volume, José Roberto Francisco Xavier
debruça-se sobre essa questão com vistas a compreender a suscetibilidade
18
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
de juízes e promotores a resistir ou sucumbir às pressões da opinião pública.
O texto apresenta um panorama do quadro teórico e alguns resultados da
pesquisa de doutorado do autor sobre a temática e, a partir de decisões do
Caso TRT, busca elucidar o tipo de reação que um caso de grande repercussão pode causar no processo penal e mostrar que uma pressão punitiva pode
causar o resultado contrário ao pretendido (Capítulo 6).
Os dois capítulos seguintes discutem de que o modo as características
do sistema recursal brasileiro e de nossas regras de foro especial impactam o Caso TRT e, de maneira mais ampla, colocam sérios desafios à qualidade da prestação jurisdicional em nosso país. Paulo Silva e Susana
Costa propõem uma reflexão sobre o modelo processual brasileiro a partir
de aspectos da tramitação dos processos judiciais no Caso TRT e oferecem esclarecimentos sobre o funcionamento e as justificativas das regras
processuais aplicadas no caso. No decorrer da análise, os autores apoiamse em dados quantitativos obtidos em pesquisa, por eles coordenada,
sobre acórdãos proferidos em ações de improbidade administrativa entre
2005 e 2010. A questão central que permeia todo o texto diz respeito aos
pontos de “estrangulamento” e de “eficiência procedimental” que o caso
revela. Para tanto, os autores percorrem o sistema recursal, o sistema cautelar, a multiplicidade de órgãos de controle e seu papel na formação do
conjunto probatório (Capítulo 7).
Para aprofundar a discussão sobre a mecânica de funcionamento dos
tribunais brasileiros, especialmente no âmbito do enfrentamento da corrupção e da improbidade administrativa, Luisa Moraes Abreu Ferreira
dedica-se à questão do foro especial. Com o objetivo de identificar o impacto das normas sobre foro especial nas ações penais e de improbidade do
Caso TRT, a autora organiza e descreve as mudanças ocorridas nas hipóteses
de cabimento do foro especial por intermédio de alterações promovidas
tanto pelo legislativo quanto pelo judiciário. Desse modo, o texto fornece
um quadro de leitura para os pedidos, ações e recursos discutindo competência para processar e julgar as ações de improbidade e criminais do Caso
TRT. Nos processos estudados, a discussão sobre competência em razão do
foro especial gerou pelo menos vinte e cinco recursos e ações, deslocou os
autos de órgão quatro vezes, interrompeu os processos por um total de quase
19
[sumário]
Introdução
quatro anos e é objeto de recursos que contribuem para retardar o trânsito
em julgado da apelação criminal (Capítulo 8).
O caos processual retratado por Luisa Ferreira não é atribuído à especificidade do Caso TRT. A autora, ao contrário, indica explicitamente a necessidade de alteração legislativa: o problema, diz a autora, está “na
obscuridade da regra”. Trabalhando também no campo da produção legislativa, André Rosilho debruça-se sobre as correlações entre a reforma do
sistema brasileiro de licitações e contratos, que resultou na edição da Lei
de Licitações (Lei n. 8.666/93), e episódios de corrupção nas contratações
públicas. O autor conclui que a Lei n. 8.666/93, apesar de ter sido fruto de
um ambiente político cuja tônica era o combate à corrupção, acabou sendo
cooptada por grupos de interesses que foram capazes de criar procedimentos licitatórios benéficos a seus interesses, trazendo consequências negativas à gestão pública. De acordo com as conclusões da pesquisa de André
Rosilho, apesar de alguns avanços, a Lei de Licitações ainda amarra a
Administração Pública a rígidas regras processuais que, em vez de favorecer, colocam obstáculos ao enfrentamento da corrupção (Capítulo 9).
Diante deste diagnóstico da capacidade da Lei de Licitações “gerar boas
contratações públicas”, como diz André Rosilho, a aposta na performance
dos sistemas de controle, tanto administrativos quanto judiciais, tende a
aumentar ainda mais. O último capítulo focaliza justamente certos aspectos
dessa performance que emergiram como especialmente problemáticos e
urgentes no decorrer dos textos que integram este livro (Capítulo 10).
Aspectos que contribuem à construção de uma agenda de pesquisa em
direito para o enfrentamento da corrupção no Brasil.
20
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
notAs
Trata-se do valor atualizado em 2012 pela Advocacia-Geral da União no âmbito
do acordo celebrado com o Grupo OK para suspender parcialmente o processo de execução
da condenação proferida pelo Tribunal de Contas da União.
1
Atualizações pontuais foram incorporadas em agosto de 2014, no decorrer do
processo de edição deste livro.
2
Considerando somente os processos judiciais mencionados no decorrer da
Narrativa do Caso em relação aos quais foi possível obter o número de volumes que
compõem os respectivos autos, contabilizamos 226 volumes. Estimando uma média de
200 folhas em cada volume, alcançamos mais de 45 mil páginas. Para uma lista dos
recursos envolvendo Nicolau dos Santos Neto, ver Anexo 1.
3
O Anexo 3 apresenta de modo sistemático as sanções impostas nos principais
processos envolvendo cada um dos réus, bem como oferece outros dados sobre os quatro
procedimentos já concluídos. Para informações mais detalhadas sobre todos os procedimentos,
ver a Narrativa do Caso (Capítulo 1).
4
Uma tradução livre seria “a questão é menos criar novas instituições e mais mexer
nas existentes de modo a simplificar e aprimorar tanto a performance individual quanto a
interação elas (o diabo, contudo, estará nos detalhes)” (MATTHEW e TAYLOR, 2011, p. 259).
5
6
Sobre essa questão, ver Machado (2013).
Ver, por exemplo, entre os jornalistas, os trabalhos de Conti (1999), Jordão (2000)
e Nassif (2003). Entre os cientistas sociais, além de Power e Taylor (2011), vale citar os
livros de Bezerra (1995) e Schilling (1999).
7
Apenas como ilustração, veja-se por exemplo o uso intenso de fontes
jurisprudenciais nos trabalhos de Fazzio (2002) e Marques (2010); ou a utilização de
relatórios produzidos pela Administração Pública e pela sociedade civil em Liguori (2011);
ou ainda o recurso à literatura e às obras de historiadores em Costa (2013).
8
Para os pesquisadores que se dedicam a temática da corrupção, o convite ao trabalho
coletivo já foi formulado faz tempo. Bruno Speck (2000, p. 42), ao se debruçar sobre as
pesquisas já produzidas e sobre o que ainda havia por fazer, conclui seu texto afirmando
9
21
[sumário]
Introdução
que da “área de pesquisa, onde o direito, a ciência política e a administração de encontram,
devem sair as propostas para se corrigir as distorções no funcionamento” das instituições
do sistema de justiça brasileiro que se dedicam ao enfrentamento da corrupção.
Garcia (2011, p. 423). Importante destacar que esta postura pode ser identificada em
ambos os lados, gerando longos debates de acusações mútuas, como mostra Margarida Garcia.
No entanto, enfatiza a autora, os dois lados “aceitam um a priori altamente discutível [...] que
pressupõe que a qualidade da observação está ligada diretamente ao campo disciplinar do
observador e não ao tipo de observações por ele realizada, as quais são independentes das
qualidades do observador (jurista ou cientista social).” (GARCIA, 2011, p. 424).
10
11
22
Os resultados desta pesquisa estão publicados em Davis, Jorge e Machado (2014).
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
referênCIAs
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:
23
BEZERRA, Marcos Otávio. Corrupção. Um estudo sobre poder público e relações
pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
CONTI, Mario Sergio. Notícias do Planalto. A imprensa e Fernando Collor. São
Paulo: Companhia das Letras, 1999.
COSTA, Helena Regina. “Corrupção na História do Brasil: reflexões sobre suas
origens no período colonial”. Temas de Corrupção & Compliance. São Paulo:
Elsevier, 2013, p. 1-20.
DAVIS, Kevin, Guillermo Jorge e Maira Machado. “Transnational Anti-Corruption
Law in Action: Cases from Argentina and Brazil”. Law and Social Inquiry, 2014
(no prelo).
FAZZIO JR, Waldo. Corrupção no Poder Público. São Paulo: Atlas, 2002.
GARCIA, Margarida. “Des nouveaux horizons épistémologiques pour la recherche
empirique en droit: décentrer le sujet, interviewer le système et ‘désubstantialiser’
les catégories juridiques”. Les Cahiers de droit, vol. 52, n. 3-4, 2011, p. 417-459.
JORDÃO, Rogério Pacheco. Crime (quase) perfeito. Corrupção e lavagem de
dinheiro no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000.
LIGUORI, Carla. As multinacionais de capital privado e o combate à corrupção
internacional. Curitiba: Juruá Editora, 2011.
MACHADO, Maíra. “Contra a departamentalização do saber jurídico: a contribuição
dos estudos de caso para o campo direito e desenvolvimento”. Direito e
Desenvolvimento no Século XXI. Brasília: IPEA/Conpedi, 2013 (no prelo).
NASSIF, Luis. O jornalismo dos anos 90. São Paulo: Futura, 2003.
MARQUES, Karla Padilha Rebelo. Corrupção, dinheiro público e sigilo bancário.
Porto Alegre: Nuria Fabris Editora, 2010.
POWER, Timothy; TAYLOR, Mathew (ed.). Corruption and Democracy in Brazil.
The struggle for accountability. Indiana: University of Notre Dame, 2011
SCHILLING, Flávia. Corrupção: ilegalidade intolerável? Comissões Parlamentares
de Inquérito e a Luta contra a corrupção no Brasil (1980-1992). São Paulo: Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, 1999.
SPECK, Bruno. “Mensurando a corrupção: uma revisão de dados provenientes
de pesquisas empíricas”. Cadernos Adenauer n. 10 - Os custos da corrupção, 2000,
p. 07-42.
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
1.
A nArrAtIvA do CAso trt1
Maíra Rocha Machado e Luisa Moraes Abreu Ferreira
Esta narrativa foi organizada em três partes. A primeira aborda os seis primeiros anos da história (1992-1998) do Caso TRT, período em que era apenas mais um caso de fraude na licitação de obras públicas. Descrevemos
aqui o processo de licitação e o contrato firmado entre o Tribunal Regional
do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP) e a construtora, bem como a primeira
fase da atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério
Público Federal (MPF). Identificando a Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) do Judiciário como um divisor de águas na tramitação do caso pelo
sistema de justiça, a segunda parte descreve o arsenal de procedimentos
civis, penais e administrativos no Brasil e no exterior que tiveram início a
partir de 1999, relacionados aos fatos descritos na primeira parte da narrativa. Na terceira parte, enfim, apresentamos o “saldo” dessas múltiplas respostas do sistema de justiça brasileiro e internacional (Suíça e Estados
Unidos da América), catorze anos após o início da tramitação do caso.
O material coletado no decorrer desta pesquisa menciona mais de
quinze pessoas físicas e jurídicas: engenheiros responsáveis pela supervisão das obras, empreiteiros, a esposa de Nicolau dos Santos Neto, o
juiz que assumiu a presidência do TRT quando Nicolau se aposentou,
advogados, entre outros. Para os propósitos da análise dos procedimentos
relacionados à construção do prédio do TRT, este estudo de caso define
quatro protagonistas da história. O primeiro é o próprio Nicolau dos Santos Neto, juiz que presidiu o Tribunal até setembro de 1992, quando se
afastou do cargo para assumir a Presidência da Comissão de obras do
TRT.2 Nicolau permaneceu nessa posição até julho de 1998, quando completou 70 anos e aposentou-se. O segundo é Luiz Estevão de Oliveira
Neto, empresário e ex-Senador da República, cassado em 1999 em virtude do envolvimento de uma de suas empresas no caso, o Grupo OK.
Os dois outros protagonistas, Fábio Monteiro de Barros Filho e José
Eduardo Correa Teixeira Ferraz, são os sócios proprietários de várias
25
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
empresas que participaram da licitação e construção do prédio (Ikal, Incal
e Monteiro de Barros).
Este estudo de caso baseia-se em entrevistas e documentos públicos.
As ações penais e as ações civis públicas correm em segredo de justiça,
mas várias de suas peças integram os recursos interpostos aos tribunais
superiores que, por sua vez, são digitalizados e disponibilizados na íntegra
nos respectivos sites. Tendo em vista o número de réus elencados nos processos de primeira instância, bem como a existência de outros casos semelhantes envolvendo alguns deles, limitamos nossa busca nos tribunais
(TRFs, STJ e STF) aos recursos nos quais Nicolau dos Santos Neto figura
como recorrente ou recorrido. Os resultados quantitativos gerais estão
apresentados no Anexo 1 do livro. Além dos documentos judiciais e administrativos, esta narrativa utiliza também o acervo documental de dois veículos de comunicação disponibilizados na íntegra na Internet: a revista
Veja e o jornal Folha de S. Paulo. O acervo deste último veículo foi estudado de maneira sistemática, conforme pode ser visto no Anexo 2, o que
permitiu extrair as informações quantitativas e qualitativas apresentadas
no decorrer da narrativa. Por fim, em 2010 e 2011 foram realizadas 12
entrevistas em São Paulo, Brasília, Washington e Paris, além de uma série
de conversas informais que, por diferentes razões, não puderam ser submetidas à formalização que essa técnica de coleta de dados exige. As
entrevistas são anônimas e, quando citadas no decorrer do capítulo, indicarão somente a numeração atribuída a cada um dos entrevistados.
1.1 |
o
IníCIo dA hIstórIA
(1992-1998):
MAIS UMA FRAUDE EM LICITAçãO DE OBRA PúBLICA
O Caso TRT teve início em um ano marcante na história do país. Em 1992,
uma Comissão Parlamentar de Inquérito culminou no impeachment do primeiro Presidente da República que o país elegia em três décadas. Várias
outras CPIs se seguiram, culminando, às vezes, em cassações, afastamentos e renúncias, e sempre com intensa cobertura da mídia (PEDONE,
2002). No livro O jornalismo dos anos 90, Luís Nassif descreve o período
como “a era da denúncia” (NASSIF, 2003). É possível dizer que no início
dos anos 1990 era sobretudo a cobertura jornalística de fraudes e esquemas
26
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
envolvendo dinheiro público que alimentava os primeiros estudos buscando traçar um panorama da questão da corrupção no país. A partir de
matérias publicadas em jornais de grande circulação, Nahat conclui ser o
setor de licitações em obras públicas o mais vulnerável à corrupção e malversação de dinheiro público (NAHAT, 1991, p. 19). Essa percepção foi
confirmada 10 anos depois por Claudio Abramo (2002, p. 105), e é exatamente assim que se inicia nossa história: com um edital de licitação para
construção do Tribunal Regional de Trabalho em São Paulo.3
O edital de concorrência e o contrato
O processo licitatório realizado pelo TRT da 2ª Região, por intermédio
do edital de concorrência n. 01/92, indicava como objeto
1.1.1 |
[...] a aquisição de imóvel, adequado para instalação de no mínimo
79 Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo,
permitindo a ampliação para instalação posterior de no mínimo
mais 32 Juntas de Conciliação e Julgamento.
Previa quatro modalidades de propostas, referentes (i) a imóvel construído, pronto, novo ou usado; (ii) a imóvel em construção, independentemente do estágio da obra; (iii) a terreno com projeto aprovado que
deverá acompanhar projeto de adaptação que atenda às necessidades das
Juntas e, enfim, (iv) a terreno com projeto elaborado especificamente
para a instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento.4
De acordo com a decisão do Tribunal de Contas da União sobre a inspeção ordinária realizada sobre esse processo licitatório, 29 empresas retiraram
o edital, mas apenas três formalizaram propostas.5 Foram elas: Empreendimentos Patrimoniais Santa Gisele Ltda., Consórcio OK/Augusto Velloso e
a Incal Indústria e Comércio de Alumínio Ltda. A primeira foi “desqualificada” e não chegou a participar efetivamente do processo licitatório.6 Conforme a ficha cadastral da Junta Comercial do Estado de São Paulo, o
Consórcio OK/Augusto Velloso foi constituído em 21 de fevereiro de 1992,
tendo na situação de empresa líder o Grupo OK Construções e Incorporações S.A., cujo representante, assinando pela empresa, era Luiz Estevão de
27
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
Oliveira Neto.7 Enfim, a terceira empresa, Incal Indústria e Comércio de
Alumínio Ltda., constituída em 1973, apresentava como sócios João Julio
Cesar Valentini e Maria Paula de Freitas.8
Em 31 de março de 1992 foi publicado o resultado da licitação. A comissão licitante adjudicou a concorrência a uma quarta empresa, a Incal Incorporações S.A. Constituída em 21 de fevereiro de 1992, a empresa tinha
como sócios, no momento da constituição, Fabio Monteiro de Barros Filho
e João Julio Cesar Valentini. De acordo com a ficha cadastral arquivada na
Jucesp, José Eduardo Correa Teixeira Ferraz foi eleito para o cargo de diretor, assinando pela empresa, alguns meses após a sua constituição em 25
de março de 1992.9 No relatório da CPI do Judiciário, a Incal Incorporações
S.A. foi descrita como resultado da associação do Grupo Monteiro de Barros com a Incal Alumínios.10
É então com a Incal Incorporações S.A. que o TRT-SP celebra “compromisso de compra e venda” com a finalidade de dar cumprimento ao objeto
da concorrência n. 01/92 na modalidade “terreno com projeto”, na forma
indicada no item iv, citado anteriormente.11 Conforme Instrumento de Compra e Venda de Ações e Mandato trazido pelo Ministério Público Federal
em um dos processos criminais, em 21 de fevereiro de 1992 a Monteiro de
Barros Investimentos S/A transferiu 90% de suas cotas de participação da
Incal Incorporações ao Grupo OK Construções e Incorporações S/A, pertencentes a Luiz Estevão de Oliveira Neto.12 A primeira ordem bancária do
TRT em favor da Incal Incorporações S.A. é realizada em 13 de abril com
base em “instrumento particular de recibo de sinal e princípio de pagamento
e garantia dos diretos e obrigações” assinado três dias antes. O registro da
escritura de compra e venda só foi feito em 19 de agosto daquele ano. O
contrato foi celebrado a preço fixo a ser pago em uma entrada e sete parcelas
semestrais. A última parcela estava prevista para 1996, quando a obra deveria ser entregue. Nos anos seguintes, três aditivos contratuais foram celebrados para, entre outras coisas, postergar a data da conclusão da obra.
Uma das ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal
menciona a celebração de três aditivos contratuais. Em 25 de setembro de
1996 foi celebrado o Segundo Termo aditivo CC-01/92, por meio do qual
o TRT foi colocado em mora perante a empresa Incal, sob a alegação de
28
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
atraso na liberação das verbas. O prazo de entrega da obra foi prorrogado
para dezembro de 1997. Em seguida, foi celebrado o Terceiro Termo Aditivo CC-01/92 em 19 de dezembro de 1997, por meio do qual o prazo para
a entrega foi prorrogado para dezembro de 1998, sob os argumentos de atraso
na liberação de recursos e necessidade de adequação do projeto original. Por
fim, em 15 e 17 de junho de 1998, Délvio Buffulin e a Incal celebraram duas
escrituras de “retificação e ratificação”, lavradas perante o 14° Tabelionato de Notas de São Paulo, majorando o valor da contratação original em
R$ 36.931.901,10 sob o argumento de “desequilíbrio econômico-financeiro
do contrato” e estabelecendo o prazo para a entrega do empreendimento para
abril de 1999.
De acordo com o Relatório da CPI (2000, 71), o engenheiro nomeado
pelo TRT para acompanhar a obra e verificar a adequação do projeto ao cronograma de pagamentos, desembolso e execução emitiu pareceres indicando
adequado desenvolvimento da obra. A quebra de sigilo bancário obtida pela
CPI revelou que o engenheiro recebeu vários cheques do Grupo Monteiro
de Barros em 1993 e 1994, totalizando US$ 42 mil.
Identificação de irregularidades:
a primeira fase da atuação do TCU
Pouco tempo depois da celebração do contrato, entre 26 de outubro e 13 de
novembro de 1992, o Tribunal de Contas da União promove “inspeção ordinária setorial” no Tribunal Regional do Trabalho. A inspeção é constituída
por servidores do próprio TCU lotados na IRCE-SP (atual SECEX-SP). No
documento, a equipe listou 17 irregularidades no processo licitatório e no
contrato celebrado entre o TRT e a empresa Incal, apontando para cada uma
delas a violação de um ou mais dispositivos do Decreto-lei n. 2.300/86,
que à época regulava as licitações no país. O relatório propõe, enfim, uma
série medidas saneadoras. Entre elas estão a “suspensão imediata de pagamento à Incal Incorporações S.A., empresa que não participou da concorrência n. 01/92 e que no entanto foi contratada pelo órgão para a construção
do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo com a aquisição do terreno
incluso”; a “anulação da concorrência n. 01/92 e da escritura de Compromisso de Venda e Compra”; e a “devolução ao Tesouro Nacional pelos
1.1.2 |
29
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
responsáveis dos valores indevidamente pagos anteriormente à assinatura
do contrato” (TCU, Processo TC-700.731/92-0, Decisão n. 231/96).
O relatório da equipe de inspeção foi analisado pelo plenário do TCU
quase quatro anos depois, em maio de 1996. No decorrer desse período,
vários pareceres técnicos e jurídicos foram incorporados ao processo, motivando novos pronunciamentos tanto do Ministério Público quanto dos analistas da equipe de inspeção. Além dos advogados de defesa, a Incal juntou
ao procedimento pareceres de quatro juristas reforçando a tese de que o objeto
da concorrência foi uma simples “aquisição de imóvel” e que não havia irregularidade no procedimento licitatório. O Tribunal solicitou também pareceres técnicos da Caixa Econômica Federal e da Secretaria de Auditoria e
Inspeções do TCU (Saudi) que, além de reafirmarem as irregularidades identificadas pela equipe de inspeção, reconheceram no caso “indícios de superfaturamento das obras” (TCU, Processo TC-700.731/92-0, Decisão 231/96,
p. 7 e 20). Os Ministros, ao final, decidiram, entre outras coisas,
[...] aceitar, preliminarmente, os procedimentos adotados até a
presente data, pelo TRT-SP, tendo em vista a fase conclusiva em que
se encontram as obras do edifício sede das Juntas de Conciliação e
Julgamento da cidade de São Paulo [e também] determinar ao
Presidente do TRT-2ª Região a adoção de providências urgentes
no sentido de transferir, imediatamente, as obras de construção
do Fórum Trabalhista de São Paulo, incluindo o respectivo terreno,
para o seu nome, bem como a efetivação de medidas com vistas
ao prosseguimento da respectiva obra em obediência rigorosa
às normas e preceitos contidos no atual Estatuto de Licitações
e Contratos (Lei nº 8.666/93) (TCU, Processo TC-700.731/92-0,
Decisão 231/96).
Pelo que foi possível apurar, não houve recurso contra essa decisão.
O Ministério Público entra em cena
Em face dessa decisão, os pagamentos do Tesouro à Incal continuaram até
julho de 1998, quando o Ministério Público Federal obteve uma cautelar
1.1.3 |
30
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
determinando que as parcelas remanescentes deveriam ser depositadas
em juízo. Em abril de 1992, quando o Tesouro realizou o primeiro pagamento, até aquele momento a empresa Incal Incorporações tinha recebido 80 transferências bancárias que totalizaram R$ 226 milhões de reais.
Conforme o relatório preparado pelos técnicos do TCU, apenas R$ 63
milhões haviam sido utilizados na construção do prédio.13 De acordo
com esse cálculo, R$ 169 milhões de reais haviam sido desviados dos
cofres públicos.
A decisão impedindo que o tesouro nacional continuasse realizando
pagamentos à Incal foi obtida nos autos da Ação Cautelar Inominada14
ajuizada pelo Ministério Público Federal em julho de 1998 contra Nicolau
dos Santos Neto, Luiz Estevão, Fábio de Barros, José Eduardo Ferraz e
as respectivas empresas envolvidas na construção do prédio. A ação foi
proposta com base nos elementos de prova colhidos no decorrer do Inquérito Civil Público (n. 07/97), iniciado em maio de 1997. O inquérito, por
sua vez, tem origem em uma representação do Deputado Federal Giovanni Queiroz, à época membro da comissão de orçamento do Congresso
Nacional.15 A representação ao MPF externava preocupação com o estágio das obras e com a decisão do TCU aceitando as irregularidades (CPI
2000, 73). Em 26 de agosto de 1998, o MPF ajuíza a Ação Civil Pública16
n. 98.0036590-7.17
Em 1º de junho de 1999, o MPF instaurou novo inquérito civil público,
que deu origem à Ação Civil Pública n. 2000.61.00.012554-5 contra o
Grupo OK Construções e Incorporações, Grupo OK Empreendimentos Imobiliários Ltda., Saenco Saneamento e Construções Ltda., OK Óleos Vegetais
Indústria e Comércio Ltda., Ok Benfica Companhia Nacional de Pneus,
Construtora e Incorporadora Moradia Ltda. – Cim, Itália Brasília Veículos
Ltda., Banco OK de Investimentos S/A, Agropecuária Santo Estevão S/A,
Luiz Estevão de Oliveira Neto, Cleucy Meireles de Oliveira, Jail Machado
Silveira, e Lino Martins Pinto e Maria Nazareth Martins Pinto.
Com o início das ações civis públicas, várias contas bancárias foram
congeladas no Brasil, e assim permanecem desde então. Os processos ainda
não foram sentenciados em primeira instância e dezenas de recursos foram
interpostos no decorrer desses 13 anos de tramitação. Nossas entrevistas
31
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
sugerem não ser surpreendente que o Judiciário Federal leve tanto tempo
para decidir ações civis públicas, especialmente quando envolvem improbidade administrativa.
Em 18 de fevereiro de 1998, o TCU recebe ofício da Procuradora-Chefe
da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, informando que
[...] decorridos dois anos da Decisão n. 231/96 – Plenário, tendo sido
ultrapassados os prazos contratuais avençados entre o TRT-SP e a
empresa Incal Incorporações S.A., vencedora da licitação, e já tendo
sido pago pelo Tesouro Nacional praticamente o preço total do
empreendimento [...], muito ainda falta para a entrega da obra,
de relevantíssima importância para esta Capital.
Solicitou que fosse informada sobre as medidas a serem adotadas, com
vistas ao esclarecimento dos fatos e apuração das responsabilidades, bem
como aquelas porventura já existentes. O expediente foi autuado no TCU
como um processo autônomo (TC-001.025/98-8).
1.2 |
todAs
As ArmAs
(1999-2002):
PROCESSOS E RECURSOS
Tramitavam as ações civis públicas sem qualquer repercussão na mídia
quando, em 25 de março de 1999, se inicia uma Comissão Parlamentar de
Inquérito no Senado Federal para apurar denúncias relacionadas à atuação
do Poder Judiciário.18 Em 20 de abril de 1999, a revista Veja publica a primeira matéria sobre o caso,19 à qual seguem várias matérias da Folha de
S. Paulo. A primeira delas, com chamada na capa, destaca a decretação
da quebra de sigilo bancário de Nicolau dos Santos Neto. O principal
informante nas matérias daquela semana foi o genro de Nicolau dos Santos
Neto, Marco Aurélio Gil de Oliveira. Ele havia sido entrevistado pela Veja
alguns dias após sua oitiva na CPI do Judiciário. De acordo com a história
narrada pela Veja, no decorrer do divórcio entre Marco Aurélio e a filha
de Nicolau, este não havia permitido que Marco Aurélio ficasse com a
metade do valor da casa em que morava com sua filha. Em função disso,
Marco Aurélio ameaçou Nicolau de tornar pública a existência de contas
32
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
bancárias no exterior, propriedades de luxo, joias e carros que haviam sido
comprados desde o início das obras do TRT. Nicolau duvidou, e a frase
de Marco Aurélio citada pela Veja colocou a percepção de Nicolau sobre
o possível desfecho das denúncias nos seguintes termos: “você pode me
denunciar, mas nada vai acontecer comigo. Eu sou um juiz respeitado e
tenho amigos poderosos”.20 Nicolau também foi entrevistado na ocasião
e negou qualquer irregularidade na construção do prédio do TRT. Em sua
defesa, negou a propriedade de alguns dos bens (carros, casas e apartamentos) e indicou a herança de seu pai como a origem dos demais bens mencionados. Naquele momento, o Caso TRT não ocupou mais de duas páginas
da revista Veja. A edição de 28 de abril de 1999, que pela primeira vez noticiou o caso, tinha outro escândalo na capa – e uma matéria de mais de oito
páginas em seu interior, envolvendo um ex-presidente do Banco Central e
contas-correntes no exterior.21
A partir da conclusão dos trabalhos da CPI, como se verá no decorrer
deste capítulo, várias instituições se movimentam para apurar responsabilidades, sancionar os envolvidos e promover a reparação dos danos. O
Senado cassa o mandato de Luiz Estevão. O TCU modifica entendimento
anterior e reconhece o desvio de verbas públicas. Inicia-se na Suíça a primeira investigação criminal sobre o caso, e aqui no Brasil os envolvidos
são denunciados e condenados criminalmente. É decretada a falência da
construtora Ikal, e várias outras empresas a ela relacionadas são adicionadas ao polo passivo na ação de falência. Enfim, o Brasil obtém em
Miami o primeiro repatriamento de valores relacionados ao caso.
O divisor de águas:
a CPI do Judiciário no Senado Federal
Em oito meses de trabalho, a CPI do Judiciário colocou o Caso TRT-SP
no centro das atenções da opinião pública. De acordo com o relatório
final das atividades, a Comissão selecionou nove casos entre as mais de
quatro mil denúncias recebidas pelo Senado Federal (CPI 2000, 59 e
541). No mesmo documento, a Comissão agradeceu enfaticamente o
apoio do Presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães – “que foi o
grande iniciador desta CPI e colocou à disposição de nossas atividades
1.2.1 |
33
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
toda a estrutura indispensável ao correto desempenho das tarefas [...]”
(CPI 2000, 619).
Entre os casos selecionados para apuração, o Caso TRT-SP foi descrito
como “o mais gritante” (CPI 2000, 61).22 O relatório final preparado pela
Comissão, com 360 páginas, baseou-se na quebra de sigilo bancário das pessoas e empresas envolvidas no caso, bem como na oitiva de quinze pessoas.
A investigação realizada pela CPI nos documentos bancários da Incal identificou pagamentos regulares ao Grupo OK, de Luiz Estevão, por intermédio
de transferências realizadas ao Grupo Monteiro de Barros (CPI 2000, 114).
Ademais, no decorrer de suas atividades, a CPI decretou a indisponibilidade
dos bens de Nicolau dos Santos Neto, que impetrou mandado de segurança
no Supremo Tribunal Federal pedindo a anulação de ato da CPI e alegando,
entre outras coisas, bis in idem (dupla condenação pelos mesmos fatos), pois
seus bens já estavam indisponíveis por decisão da 12ª Vara Cível Federal nos
autos da ação civil pública. A liminar foi deferida, e o mandado, concedido.
Na ocasião, o STF entendeu que a CPI tem poderes de investigação e não
poderes de decretação de medidas assecuratórias patrimoniais.23
Entre as diversas informações financeiras obtidas e produzidas pela CPI,
duas delas resultaram em procedimentos de repatriamento de ativos. Na
Suíça, duas contas bancárias receberam quinze transferências entre 10 de
abril de 1992 e 28 de março de 1994, totalizando US$ 6 milhões.24 A outra
transação diz respeito à transferência de U$ 720 mil de uma das contas de
Nicolau dos Santos Neto na Suíça favorecendo a empresa Hillside Trading
S.A., para a compra de um apartamento em Miami (CPI 2000, 91). De acordo
com o Relatório da CPI e entrevistas, a quebra de sigilo bancário e outros
documentos obtidos no decorrer das investigações indicavam o envio dos
valores pagos pelo tesouro nacional para contas-correntes em bancos sediados nas Ilhas Cayman, nas Bahamas e no Panamá (CPI 2000, 97 e 79; entrevistas 2, 3 e 9). No entanto, como se verá a seguir, apenas as contas bloqueadas
na Suíça e o apartamento adquirido em Miami foram objeto de procedimentos jurídicos específicos objetivando o repatriamento dos valores.
Ao final, o relatório apresenta 21 recomendações, entre as quais destacamos as seguintes: (i) “instituir o controle externo do Judiciário”; (ii) “agilizar
a aprovação do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal, celebrado
34
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
com os Estados Unidos da América em outubro de 1997, e a Convenção
sobre o Combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros, concluída em Paris em dezembro de 1997”; (iii) “reexaminar os dispositivos
constitucionais que tratam de cartas rogatórias [...] para permitir que acordos
internacionais possibilitem mais ágil colaboração entre os países”; (iv)
“recomendar à Comissão de Relações Exteriores do Senado o exame acerca
dos acordos bilaterais e multilaterais de cooperação judiciária internacional,
já celebrados, para diligenciar o que for necessário para a sua efetiva implementação” (CPI 2000, 615 e 616).
Algumas semanas após a aprovação do relatório referente ao Caso
TRT-SP pela CPI, em 8 de dezembro de 1999, vários partidos apresentaram ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal uma
representação contra o Senador Luiz Estevão em função dos episódios
apurados pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Judiciário. De acordo
com a representação, as ilicitudes narradas pela CPI caracterizariam quebra do decoro parlamentar e, portanto, seriam passíveis de aplicação da
pena de perda do mandato com inabilitação para o exercício de cargo ou
função pública. A representação narra, entre vários outros fatos, que
[...] imediatamente após a revelação dos primeiros repasses de recursos
oriundos da obra do TRT-SP para as empresas do Representado, este
afirmou que tais repasses justificavam-se por se tratar da devolução
de empréstimos feitos pelo Banco OK de Investimentos às empresas
do Grupo MB. Todavia, com o decorrer das investigações – quando
se descobriu que tais repasses ocorriam para outras empresas do
Grupo OK e não para o banco, e que o total de repasses totalizava
aproximadamente US$ 46 milhões, enquanto que o total dos
empréstimos representava apenas US$ 2,7 milhões – o Senador Luiz
Estevão teria abandonado esta tese que justificava os créditos que suas
empresas recebiam das empresas do Grupo Monteiro de Barros.25
Luiz Estevão apresentou defesa e negou as acusações, mas, em 28 de
junho de 2000, o Plenário do Senado aprovou, por maioria, a cassação de
Luiz Estevão, em sessão extraordinária.26
35
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
A essa votação liga-se outro episódio relevante à compreensão da atuação
do Senado Federal no Caso TRT. Em fevereiro de 2001, a revista Isto É
publica matéria sobre possível violação do painel eletrônico do Senado na
votação da cassação de Luiz Estevão. Criado para garantir o sigilo das votações, a violação do painel gera denúncia no Conselho de Ética e Decoro
Parlamentar do Senado. A perícia comprova a violação, e as apurações indicam que a lista com os votos da cassação de Luiz Estevão haviam sido solicitadas pelo próprio Presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães.27
Alguns dias após a abertura do processo de cassação, os senadores envolvidos, inclusive o Presidente da casa, renunciaram ao cargo.28
Suíços iniciam a primeira investigação
e mantêm bloqueio por 14 anos
As matérias jornalísticas publicadas em abril de 1999 chamaram a atenção
das autoridades suíças. O procurador-geral de Genebra deu início a investigações preliminares por lavagem de dinheiro envolvendo Nicolau dos
Santos Neto e, em 4 de maio de 1999, decretou a produção de documentos
bancários e o bloqueio dos valores depositados em duas contas correntes29
do Banco Santander, totalizando um pouco mais de US$ 6,8 milhões (CPI
2000, 96).
No início do ano 2000, a primeira vara da Justiça Federal de São Paulo
enviou uma carta rogatória a Genebra explicitando a investigação sobre corrupção e desvio de dinheiro público contra Nicolau dos Santos Neto e solicitando o sequestro e repatriamento dos ativos bloqueados na Suíça. O juiz
suíço concede o pedido, Nicolau recorre, e a chambre d’accusation mantém
o bloqueio, mas indica ser necessária uma decisão definitiva e executória
do judiciário brasileiro para que os ativos pudessem ser repatriados. Além
disso, a chambre d’accusation chamou atenção para a existência de um procedimento nacional – o P/5132/99 – que também poderia ensejar o confisco
dos ativos em território suíço.30 Nova tentativa de repatriamento desses valores é feita em 2004, dessa vez, diretamente pelos advogados contratados
pela Advocacia-Geral da União em Genebra para representar os interesses
do Estado brasileiro. Mais uma vez o juiz de instrução acolheu o pedido,
Nicolau recorreu e a chambre d’accusation acatou o recurso. Dessa vez, a
1.2.2 |
36
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
razão principal de anulação da decisão do juiz de instrução foi um erro processual no pedido brasileiro e, subsidiariamente, a ausência de uma decisão
de confisco definitiva e executória do judiciário brasileiro. Por fim, em
2007, Nicolau requisita ao juiz de instrução a revogação da decisão de bloqueio de suas contas. O juiz nega, e Nicolau recorre ao tribunal penal federal
alegando transcurso de mais de oito anos e ausência de conexão entre as
contas bancárias na Suíça e os fatos apurados no Brasil. O recurso é rejeitado
em 27 de novembro de 2007.31
Em 2009, o procedimento na Suíça (P/5132/99) foi concluído com decisão
de repatriamento dos valores bloqueados dez anos antes. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Police de Genève em 2010 e tornou-se definitiva em
agosto de 2012 com uma decisão do Tribunal Federal.32 Além do repatriamento dos valores, o tribunal também determinou a compensação (créance
compensatrice) de US$ 2.153.628 em razão dos valores que foram transferidos para instituições financeiras.33 Finalmente, em 22 de julho de 2013, o
montante de US$ 4,7 milhões é transferido para a conta do tesouro nacional.
A segunda fase da atuação do TCU
Em 5 de maio de 1999 é publicado o Acórdão 45/99 (TC-001.025/98-8)
acerca de auditoria realizada após recebimento de ofício da Procuradora-Chefe em fevereiro de 1998. Nessa ocasião, os Ministros decidem aplicar
a Délvio Buffulin e Nicolau dos Santos Neto multa no valor de R$ 17.560,20
e converter os autos em Tomada de Contas Especial para ordenar a citação
solidária da empresa Incal Incorporações S. A. e de Délvio Buffulin, Nicolau
dos Santos Neto e Antônio Carlos da Gama e Silva (engenheiro) a fim de
que apresentem alegações de defesa ou comprovem o recolhimento da quantia de R$ 57.374.209,84 aos cofres do Tesouro Nacional.
O acórdão menciona expressamente a investigação da CPI – “tendo em
vista a superveniência de fatos novos decorrentes da investigação da CPI
do Judiciário, até então indisponíveis em função do sigilo fiscal e bancário,
fatos esses que têm apontado para danos superiores aos apurados por esta
Corte” – e determina “a realização de nova inspeção junto ao TRT 2ª Região,
a fim de que seja apurado se efetivamente ocorreram danos decorrentes da
construção do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo”.
1.2.3 |
37
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
Em agosto do ano seguinte, o TCU decide citar solidariamente a empresa
Incal Incorporações S.A., do Grupo OK Construções e Incorporações S.A.,
na pessoa de Luiz Estevão de Oliveira Neto, além de Nicolau dos Santos
Neto, Délvio Buffulin e Antônio Carlos Gama da Silva, pelo valor de R$
169.491.951,15, em relação à diferença entre as quantias pagas pelo TRT 2ª
Região à conta das obras de construção do Fórum Trabalhista de São Paulo
(R$ 231.953.176,75) e o valor efetivo do empreendimento nas condições em
que se encontram (R$ 62.461.225,60), todos em valores de abril de 1999,
sendo que desse débito total a parcela de R$ 13.207.054,28 é de responsabilidade solidária também do Sr. Gilberto Morand Paixão (engenheiro).34
Somente em 31 de janeiro de 2001 o Plenário do TCU decide
[...] decretar, cautelarmente, pelo prazo de 01 (um) ano, a
indisponibilidade de bens dos responsáveis, cuja citação foi
determinada pela Decisão n.º 591/2000-Plenário, tantos quantos
bastantes para garantir o ressarcimento do débito, Srs. Nicolau
dos Santos Neto, Antônio Carlos da Gama e Silva, Délvio Buffulin,
Gilberto Morand Paixão, Fábio Monteiro de Barros Filho, José
Eduardo Corrêa Teixeira Ferraz e Luiz Estevão de Oliveira Neto,
bem como da Incal Incorporações S/A e do Grupo OK Construções
e Incorporações S/A.35
Por fim, em 11 de julho de 2001, em processo de tomada de contas
especial, o TCU julga irregulares as contas de: Délvio Buffulin; Nicolau dos
Santos Neto; empresa Incal Incorporações S.A., em nome de seus representantes legais, Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Corrêa Teixeira; Grupo OK Construções e Incorporações S.A., em nome de
Luiz Estevão de Oliveira Neto, bem como as contas do Sr. Antônio Carlos da Gama e Silva, condenando-os solidariamente ao pagamento de
R$ 169.491.951,15. Decide também aplicar às empresas e pessoas, individualmente, multas de R$ 10 milhões – para a Incal Incorporações, o
Grupo OK e Nicolau dos Santos Neto. A Délvio Buffulin e a Antonio
Carlos Gama e Silva foram aplicadas multas individuais no valor de
R$ 1 milhão e R$ 17.560, respectivamente.36
38
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Foram interpostos recursos de reconsideração por todos os condenados
ao pagamento no Acórdão 163/2001. A decisão foi mantida em 5 de dezembro de 2001, com exceção do recurso de Délvio Buffulin, ao qual foi dado
parcial provimento para limitar o valor do débito solidário e reduzir a multa
aplicada.37 Em seguida, foram opostos sucessivos Embargos de Declaração
contra a decisão que manteve a condenação, e em 8 de maio de 2002, ao
julgar parte dos recursos, o plenário do TCU declarou que a “presente alegação não atende aos pressupostos de embargabilidade, revelando, ao contrário, o intento de postergar o trânsito em julgado”, determinando que “a
reiteração, pelos recorrentes, de Embargos Declaratórios contra a presente
deliberação não suspenderá a consumação do trânsito em julgado do Acórdão condenatório”.38
Uma vez definitivas, as decisões do TCU ainda precisam ser executadas,
ou seja, é necessário que outra instituição, representando o Estado brasileiro, dê início a uma nova ação para cobrar dos réus os valores referentes
às multas e à reparação do dano. No Caso TRT, a Advocacia-Geral da
União promoveu essas ações – denominadas sob o rótulo ação de execução
de título extrajudicial – para cobrar os valores impostos na condenação.39
Em 14 de julho de 2011, a Advocacia-Geral da União divulga em seu
site a decisão da Justiça Federal de Brasília (Ação de Execução n.
2002.34.00.016926-3) que ordena a transferência de quase 55 milhões de
reais em créditos do Grupo OK para as contas do tesouro nacional. E comemora: “este é o maior recolhimento para os cofres da União já registrado,
referente à recuperação de verbas desviadas em caso de corrupção”.40 A
nota informa também que o dinheiro “já havia sido bloqueado pela Justiça
em razão de ações movidas pela AGU para que seja cumprida condenação
imposta pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao Grupo OK no caso
do TRT de São Paulo.” Luiz Estevão, em entrevista concedida ao jornal O
Globo, faz pouco caso:
[...] não temos interesse de recorrer. É uma decisão até vantajosa para
a gente. Ela evita um prejuízo. Mas em relação ao processo como um
todo, estamos recorrendo do mérito e se a gente ganhar a União será
obrigada a nos devolver [tudo] de novo.41
39
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
Justamente para evitar que essa decisão se reunisse a várias outras
(mencionadas no decorrer deste capítulo), as quais ainda percorrerão um
longo caminho até se tornarem definitivas, a Advocacia-Geral da União
propôs ao Grupo OK a celebração de um acordo. Após um período de
negociações, em agosto de 2012 o acordo foi celebrado e parte das ações
de execução contra o Grupo foram suspensas. O valor total do acordo é
de R$ 468 milhões (metade do valor atualizado da condenação pelo
TCU). O Grupo OK concordou em pagar R$ 61 milhões referentes a
parte do débito total e aproximadamente R$ 19 milhões de multa.
Segundo o acordo, homologado em setembro de 2012 pela justiça federal, o Grupo OK deveria pagar o restante em 96 parcelas de aproximadamente 4 milhões, mensais e sucessivas, atualizadas mês a mês, em um
total de R$ 388 milhões. De acordo com a tabela de acompanhamento
dos pagamentos, disponível no site da Advocacia-Geral da União, até
junho de 2014 todas as parcelas vencidas haviam sido pagas, totalizando
R$ 168 milhões.42
No Brasil, condenações criminais
ainda aguardam trânsito em julgado
No início de 1999, o Ministério Público Federal dá início a um segundo
conjunto de ações relacionadas ao Caso TRT, especificamente na esfera
penal. O primeiro inquérito criminal sobre o caso é autuado na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em maio.43 Em 16 de fevereiro de 2000,
diante da revogação da Súmula 394 do STF,44 a Corte Especial do STJ, por
unanimidade, declina a competência e determina a remessa desse inquérito
à 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo.45
Depois da instauração do Inquérito n. 258 no STJ, mas antes da remessa
para a primeira instância, é instaurado inquérito no STF para apurar os fatos
relacionados à CPI, cujo investigado era Luiz Estevão de Oliveira Neto
(STF, Inq. 1595). Mas, como em 28 de junho de 2000 Luiz Estevão teve
seu mandato cassado pelo Senado Federal, foi determinada a remessa do
Inquérito 1595 à Justiça Federal de 1º grau em São Paulo, pois o inquérito
passou a alcançar “cidadão comum”.46 Assim, os autos também são encaminhados para a 1ª Vara da Justiça Federal em São Paulo.
1.2.4 |
40
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
No início de 2000, são oferecidas duas denúncias: a primeira dará origem ao processo principal, sobre corrupção e outros crimes.47 Em seguida, o MPF oferece denúncia contra Nicolau dos Santos Neto, por lavagem
de dinheiro.48
Em razão da organização interna do MPF, a elaboração de uma denúncia
para dar início à ação penal ficou a cargo de procuradores diferentes daqueles que haviam formulado a ação civil pública. As ações penais em que
Nicolau dos Santos Neto figura como réu estão todas sob sigilo, e dessa
forma não é possível ter acesso sequer ao andamento do caso por intermédio
do sistema informático da Justiça Federal. De todo modo, por intermédio
da mídia e dos recursos apresentados nos tribunais superiores, é possível
obter informações sobre as principais decisões e o estágio atual do processo.
No decorrer do ano 2000, a denúncia no processo principal, versando
sobre corrupção, entre vários outros crimes, foi aditada algumas vezes para
acrescentar réus – Luiz Estevão não havia sido denunciado inicialmente –
e modificar alguns termos da acusação. No decorrer daquele ano, Nicolau
dos Santos Neto, Fábio e José Eduardo tiveram suas prisões preventivas
decretadas, mas apenas Nicolau chegou a cumpri-la. A análise midiática
permite reconstituir alguns dos fatos envolvendo a prisão preventiva de
Nicolau. Conforme se vê no Anexo 2, o ano 2000 foi de longe aquele em
que a cobertura midiática do caso foi mais intensa: 274 matérias e 17
chamadas na capa da Folha de S. Paulo. A decretação da prisão ocorreu
em abril de 2000, e Nicolau foi preso em dezembro, aparecendo ao público
somente no início de janeiro. Esse período em que Nicolau era visto como
um “fugitivo da justiça” – do início de abril de 2000 até o final de janeiro
de 2001 – responde por 56% de todas as matérias publicadas no decorrer
de mais de dez anos e quase 61% das chamadas em capa.49
As sentenças de primeira instância vieram em junho de 2002. Nicolau
foi condenado a oito anos de prisão pela prática de lavagem de dinheiro e
tráfico de influência, em concurso material.50 Todos os demais foram
absolvidos. Essa sentença foi proferida pelo juiz Casem Mazlum, que
alguns anos depois foi investigado na operação Anaconda, articulada pela
polícia federal para apurar a venda de sentenças. Em face disso, Mazlum
perdeu o cargo em dezembro de 2004, mas no decorrer da operação não
41
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
foram identificados indícios de que a sentença proferida no Caso TRT havia
sido “vendida”.51
As sentenças foram publicadas no dia 26 de junho de 2002, uma sexta-feira, no final da tarde. A Folha de S. Paulo deu a notícia na segunda-feira:
“Nicolau é condenado, Estevão é absolvido”. A notícia seguinte aparece
quase 15 dias depois. Um de nossos entrevistados forneceu uma explicação
para o silêncio da mídia: a sentença foi publicada na antevéspera da final da
copa do mundo em que o Brasil levou o pentacampeonato.52 De todo modo,
o caso já não era mais notícia: 274 matérias foram publicadas em 2000; 103,
em 2001; e somente 24 em 2002.
O Ministério Público recorreu das decisões, e em 2006 o Tribunal Regional Federal profere uma nova sentença no processo principal (corrupção),53
condenando os quatro protagonistas a penas que variam entre 26 e 31 anos
de prisão.54 A condenação impôs também penas de multa que variaram de
R$ 900 mil a R$ 3 milhões.55 A pena de Nicolau dos Santos Neto no processo sobre lavagem de dinheiro foi aumentada para 14 anos de reclusão
(lavagem de dinheiro e evasão de divisas).56 Os réus apelaram para o Superior Tribunal de Justiça em 2007.57
Apenas a Nicolau dos Santos Neto foi negado o direito de aguardar o
trânsito em julgado da decisão em liberdade. Em virtude de sua saúde,
foi-lhe autorizada transferência para prisão domiciliar.58 Em 2013, no
entanto, Nicolau foi reconduzido à prisão. De acordo com a decisão que
determinou seu retorno ao presídio, Nicolau, então com 84 anos, estaria
em “condições estáveis” de saúde que não mais justificariam a prisão domiciliar.59 Em junho de 2014, a pena de Nicolau foi extinta por indulto coletivo60 concedido a todos condenados a pena privativa de liberdade superior
a oito anos que, até 25 de dezembro de 2012, tivessem completado sessenta
anos de idade e cumprido um terço da pena61.
Os demais protagonistas – Luiz Estevão, Fábio de Barros e José Eduardo Ferraz – aguardam decisões do STJ em liberdade. No decorrer do processo, eles foram presos preventivamente por poucos dias apenas. Uma das
explicações para essa diferença de tratamento entre os réus reside no fato
de Nicolau ter sido o único a permanecer meses com a prisão decretada
sem apresentar-se à justiça.62
42
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Em abril de 2013, após 14 anos da instauração do inquérito criminal,
a ação penal por lavagem de dinheiro transitou em julgado. Ao mesmo
tempo em que reconheceu a prescrição da condenação de evasão de divisas – extinguindo o processo em relação a esse crime –, o STF confirmou
a condenação por lavagem e determinou o início da execução da pena
por esse crime.63 A pena aplicada foi de nove anos de prisão e multa de
R$ 600 mil.
Constructive trust:
apartamento de Miami acionado e leiloado em meses
No dia 1º de setembro de 2000, advogados contratados pelo Estado brasileiro nos EUA apresentaram um pedido cautelar (Motion for Temporary
Injunction) à 11º Judicial Circuit Court de Miami. O objetivo do pedido
era constituir um constructive trust e transferir a propriedade do luxuoso
apartamento de Nicolau em Miami para o Estado brasileiro. O imóvel
havia se tornado um ícone do Caso TRT desde a matéria de Caco Barcellos
para o programa de televisão Fantástico, que foi ao ar no início de agosto
de 2000. Naquela mesma semana, o rosto de Nicolau ocupava a capa da
Veja, com os dizeres “anatomia de um crime: os bastidores do mais escandaloso golpe já aplicado no Brasil”. A matéria de 10 páginas traz fotos
do prédio, bem como do interior do apartamento de Nicolau.64
É também no mês de agosto de 2000 que o Ministério da Justiça cria
uma “força-tarefa” para organizar os esforços de diferentes órgãos que estavam lidando com o caso. A contratação de um escritório de advocacia em
Washington – que já havia representado os interesses brasileiros nos EUA
na negociação da dívida externa junto ao FMI e no caso Georgina de Freitas
– surge nesse contexto. Naquele momento, o acordo bilateral de cooperação
internacional negociado entre os dois países – assinado em outubro de 1997
– aguardava a aprovação do Congresso Nacional, o que ocorreu apenas em
18 de dezembro de 2000, aproximadamente um ano após as expressas recomendações da CPI para acelerar a tramitação. Nesse contexto, a ação
movida pelo Estado brasileiro pareceu aos advogados uma estratégia com
maiores chances de sucesso que a tramitação de um pedido de cooperação
internacional com base em reciprocidade.65
1.2.5 |
43
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
O pedido à corte de Miami foi formulado contra Nicolau dos Santos
Neto e duas pessoas jurídicas com sede na Flórida: a Biarritz Properties
Corporation (de acordo com o mesmo documento, anteriormente conhecida
como Hillside Trading Limited) e a Stedman Properties Incorporation. O
constructive trust é um remédio jurídico bastante comum no direito americano, que se destina a promover judicialmente a restituição de bens específicos aos legítimos proprietários. Trata-se, portanto, de um mecanismo
flexível que permite ao judiciário transferir títulos de propriedade quando
há comprovação de que a aquisição de um determinado bem gera enriquecimento ilícito para aquele que detém o título de propriedade.66
Nessa ação, o Estado brasileiro logrou demonstrar que o apartamento
havia sido adquirido com recursos provenientes da conta de Nicolau na
Suíça e que esta, por sua vez, havia recebido uma série de transferências,
consecutivas aos pagamentos que o tesouro fazia à Incal. No final de agosto
de 2001, o juiz defere o pedido e constitui um constructive trust em nome
do Estado brasileiro.67 O apartamento foi leiloado, e foram depositados
US$ 690.113,81 na conta do tesouro nacional em novembro de 2002.
Ikal entra em falência e Grupo OK
tem a personalidade jurídica desconsiderada
Em dezembro de 2000, o juiz da 8ª Vara Cível decreta a falência da Construtora Ikal ao julgar procedente a ação interposta em fevereiro de 1999
pela empresa Trox do Brasil. De acordo com o pedido, a Construtora Ikal
deixou de pagar duplicatas protestadas, no valor total de R$ 69.778,16.
Em janeiro de 2001, a Construtora Ikal pediu a suspensão da declaração
de falência. Alegou, entre outros argumentos, que possuía valores correspondentes ao reclamado no pedido de falência na conta-poupança no Banco
do Brasil (R$ 202.216,51), mas que esses valores estavam indisponíveis
por ordem judicial da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo
(autos da ação civil pública). Por isso, pediu para que fosse enviado ofício
à 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo para transferência do
valor atualizado. O pedido foi negado.
Em 6 de dezembro de 2001, Fábio Monteiro de Barros Filho, “sócio e
diretor presidente da Construtora Ikal na época da falência e representante
1.2.6 |
44
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
legal da Monteiro de Barros Investimentos S.A.”, presta declarações no
processo de falência e alega que esta
[...] foi motivada pela indisponibilidade de seus bens e bloqueio
de contas bancárias decretados em ação movida pelo Ministério
Público, em trâmite na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de São
Paulo, envolvendo a construção do prédio do Tribunal Regional do
Trabalho (Ação de Falência n. 583.00.1999.019813-0, p. 1472).
Em junho de 2002, a síndica pede a extensão dos efeitos da falência para
atingir a sócia majoritária Monteiro de Barros Investimentos S.A., a Incal
Incorporações S.A., a SLG S.A., a Monteiro de Barros Empreendimentos
Imobiliários e a Participações Ltda., bem como a CMB do Brasil Ltda. e a
BFA Empreendimentos e Construções. As empresas são incluídas no polo
passivo. Em outubro de 2002, o juiz também determina a inclusão do Grupo
OK Construções e Incorporações S.A. no polo passivo da falência, diante
da possibilidade de ter havido venda de ações, com alteração do quadro
social da empresa Incal Incorporações S.A., empresa coligada da falida.
Em 2008, no entanto, decidiu-se que era cedo demais para estender os
efeitos da falência da Ikal para outras empresas que, em razão dessa decisão, continuam sendo parte no processo, mas sem sofrer seus efeitos. Em
maio de 2012, imóveis da falida foram levados a leilão e arrematados por
mais de R$ 4 milhões e, até fevereiro de 2014, ainda não havia quadro
completo de credores.68
Paralelamente, em novembro de 1998, a empresa Grupo OK Construções e Incorporações Ltda. propõe ação declaratória de anulação de títulos
de créditos contra a Betoncamp Serviços de Concretagem Ltda., requerendo que as duplicatas protestadas em nome do Grupo OK (no valor total
de R$ 177.048,82) sejam anuladas.69 Em junho de 1999, o processo é extinto
sem julgamento de mérito pela falta de interesse em agir do Grupo OK. Com
a extinção do processo, inicia-se a fase de execução dos títulos judiciais. Em
novembro de 2008, é determinado o bloqueio de R$ 43.544,44 de todas as
contas e aplicações financeiras em nome da empresa Grupo OK Construções
e Incorporações Ltda., pelo sistema BacenJud 2.0. Não foram encontrados
45
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
valores nas contas-correntes. Em dezembro de 2008, a empresa Concrepav
S.A. Engenharia de Concreto (que sucedeu a Betoncamp Serviços de Concretagem Ltda.), pede a desconsideração da personalidade jurídica da Grupo
OK, para que os representantes legais sejam incluídos no polo passivo. De
acordo com o pedido, a empresa não possui nenhum bem passível de ser
penhorado para garantia da execução. As buscas realizadas junto ao Detran
e aos estabelecimentos bancários também restaram infrutíferas. Segundo o
pedido, tudo leva a pressupor que os sócios da executada, após realizarem
vários negócios em nome da sociedade empresarial, buscaram se esconder
atrás do véu da pessoa jurídica para fins fraudulentos. Em abril de 2009,
é desconsiderada a personalidade jurídica do Grupo OK e enviada intimação para que os sócios paguem o débito devidamente atualizado no valor
de R$ 43.544,44 no prazo de 15 dias, sob pena de penhora. Até junho de 2013
não havia notícia de apresentação de impugnação ou do pagamento do débito.
Do “nada vai acontecer comigo”
à marchinha de carnaval
Logo em 1999 a imprensa passou a utilizar as expressões “Lalau” e “Laulau” para fazer referência a Nicolau dos Santos Neto. Com a intensificação
da cobertura pela mídia impressa e televisiva, as expressões ganharam rapidamente a opinião pública e foram inclusive mote de marchinha de carnaval
de 2001.70 A utilização dessas e outras expressões pela mídia estão sendo
discutidas no Judiciário em ações de indenização por danos morais e ações
penais privadas versando sobre crime contra a honra. Apenas no Tribunal
de Justiça de São Paulo foram encontrados nove acórdãos. As ações de origem foram ajuizadas pelo próprio Nicolau dos Santos Neto, por pessoas
próximas a ele ou familiares e também por pessoas que foram comparadas
a Nicolau dos Santos Neto e se sentiram moralmente ofendidas.71
As duas decisões referentes a ações ajuizadas por Nicolau dos Santos Neto
referem-se a comentários que ele considerou ofensivos à sua honra em redes
de televisão.72 De acordo com os relatórios das decisões, em ambos os casos
Nicolau dos Santos Neto entendeu que os comentários teriam imputado-lhe
crimes e incitado a população a chamá-lo de “Lalau” e “ladrão”. Ambas as
ações foram julgadas improcedentes em primeiro grau, e as sentenças foram
1.2.7 |
46
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
confirmadas pelas turmas julgadoras (em janeiro de 2009 e março de 2011,
respectivamente), sob o fundamento de que Nicolau dos Santos Neto, “sabidamente envolvido em escândalo financeiro, com sério dano ao erário federal
acabou por atrair para si um juízo de valor reprovável”.73
Por fim, três acórdãos encontrados na pesquisa dizem respeito a pedidos
de indenização por danos morais de pessoas que, ao serem chamadas de
“Lalau” ou comparadas a Nicolau dos Santos Neto, se sentiram ofendidas
em sua honra. Em todos os casos, as ações foram julgadas procedentes em
primeira instância, e essas decisões foram mantidas pelas Turmas Julgadoras, nos seguintes termos:
Nem se diga que não houve ofensa em virtude da absolvição do
ex-prefeito Pitta e de Nicolau do Santos Neto. Ora, a referência a estas
pessoas não foi feita em razão da certeza de que praticaram ilícitos,
mas da repercussão na mídia das irregularidades imputadas a eles,
razão pela qual tiveram conteúdo ofensivo.74
Enfim, as sentenças nas ações de improbidade
Após mais de dez anos de tramitação, em 26 de outubro de 2011 são publicadas as sentenças75 que julgaram ambas as ACPs parcialmente procedentes76 para condenar os réus por (i) danos materiais e morais causados à
União Federal, “a serem arbitrados na liquidação da sentença”,77 além de
determinar (ii) multa civil, correspondente a três vezes o valor do acréscimo
patrimonial, (iii) a perda em favor da União dos bens e valores acrescidos
ilicitamente; (iv) a suspensão de contratar com o Poder Público e a suspensão dos direitos políticos por dez anos. Além disso, foi ratificada a liminar
para manter a indisponibilidade dos bens dos réus.
De acordo com a sentença da ACP n. 98.0036590-7, há prova de enriquecimento ilícito auferido pelos réus, em prejuízo ao erário, tendo em vista que
“indubitável, e reconhecido nos autos da decisão criminal”, os réus “mantiveram em erro a entidade pública, dando a aparência de realização de atos
regulares no que concerne à contratação e realização da obra do Fórum Trabalhista, mas que escondiam, na verdade, a finalidade de obtenção de vantagens ilícitas”. Assim como nesse trecho, diversas condutas reconhecidas na
1.2.8 |
47
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
decisão foram extraídas do processo criminal por corrupção.78 Os valores do
dano moral, material e da multa civil seriam fixados em fase posterior, denominada “liquidação de sentença”.
Em agosto de 2012, após rejeição de diversos pedidos de reconsideração da sentença, os processos foram enviados para o Tribunal Regional
Federal da 3ª Região para julgamento das apelações.
Ambas as apelações foram julgadas em 24 de outubro de 2013. A condenação na ACP n. 2000.61.00.012554-5 foi mantida, com duas alterações.
De um lado, o Tribunal aceitou o argumento dos réus de que a sentença
teria ignorado os termos do pedido inicial do Ministério Público para que
a condenação fosse limitada ao montante que receberam do Grupo Monteiro de Barros e os condenou ao pagamento da totalidade dos recursos
públicos que teriam sido desviados, nos mesmos termos que os réus da
ACP n. 98.0036590-7. O Tribunal acatou o argumento de que essa condenação violaria a obrigação de a sentença limitar-se ao pedido inicial formulado pelo Ministério Público. De outro lado, o Tribunal acolheu o pedido
do Ministério Público Federal e da União para que fossem imediatamente
liquidados os danos materiais e morais causados pelos réus à União. De
acordo com a decisão, havendo prova técnica que possibilita a aferição do
quantum devido pelos réus, adiar a liquidação para fase posterior significaria “procrastinar desnecessariamente o desfecho deste caso, que aflige a
sociedade e está em curso há mais de quinze anos”.79 Determinou-se, assim,
a imediata liquidação da condenação imposta aos réus “mediante simples
cálculo aritmético, [...] com incidência de correção monetária e juros de
mora, na forma da lei, desde a data dos desvios”.
A condenação na ACP n. 98.0036590-7 também foi mantida, mas não
foi possível ter acesso aos termos da decisão, por tramitar em segredo
de justiça.80
Até agosto de 2014, não haviam sido julgados os recursos contra esta
decisão.81
hIstórIA sem fIm
Em agosto de 2014, quando concluímos esta narrativa, aos cofres públicos
brasileiros já tinham retornado os R$ 168 milhões decorrentes do acordo
1.3 |
48
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
firmado entre AGU e Grupo OK, assim como outros US$ 5,4 milhões referentes ao apartamento de Nicolau dos Santos Neto em Miami e a suas contas na Suíça.
Ao lado de eventual impacto financeiro decorrente do acordo entre a
AGU e o Grupo OK, a Luiz Estevão foram impostos alguns custos políticos
também. Dois meses antes de completar seus 10 anos de inelegibilidade,
Luiz Estevão declarou à imprensa que se candidataria novamente em
2012.82 O plano, no entanto, não se concretizou, muito provavelmente
em decorrência da Lei da Ficha Limpa que torna inelegíveis as pessoas
condenadas por sentença proferida por órgão judicial colegiado.83
Com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória pelo crime
de lavagem de dinheiro, Nicolau dos Santos Neto, com 84 anos, foi transferido de sua residência, onde cumpria prisão domiciliar, para a Penitenciária de Tremembé, no interior paulista. No ano seguinte, foi extinta sua
punibilidade em cumprimento a indulto coletivo.
Esse saldo dos 15 anos de tramitação do Caso TRT no sistema de justiça brasileiro e em jurisdições internacionais permite visualizar avanços
importantes mas também a permanência de modelos ultrapassados, muito
difíceis de justificar sem apelo ao formalismo jurídico e à opinião pública. O último capítulo deste livro busca apresentar alguns subsídios para
a construção de uma agenda de pesquisa em direito que contribua a avançar nossa reflexão sobre esse conjunto de questões.
49
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
notAs
Uma primeira versão desta narrativa foi publicada em “Sistema de justiça e
corrupção no Brasil: um estudo do Caso TRT/SP”, Revista Jurídica da Presidência 103, p.
273-304, 2012. Há também uma versão em língua inglesa disponível na Biblioteca Digital
do IDRC: <https://idl-bnc.idrc.ca/dspace/bitstream/10625/52302/1/IDL-52302.pdf>. No
decorrer da pesquisa para elaboração do presente caso, contamos com a inestimável
colaboração dos pesquisadores Ana Mara Machado e Yuri Luz, bem como dos estagiários
Carolina Domingues, Rafael Tatemoto e Fernanda Geraldini. Um agradecimento especial a
André Rodrigues Corrêa, Antenor Madruga, Ary Oswaldo Mattos Filho, Bruno Salama,
Bruno Paschoal, Carlos Ayres, Flávia Püschel, Heloisa Estellita, Juliana Palma, Mario
Schapiro, Matthew Taylor e Salem Nasser, pelos comentários críticos e pelas sugestões.
Agradecemos ainda às pessoas que se dispuseram a participar deste projeto e concederam
longas e ricas entrevistas, todas elas fundamentais ao desenvolvimento desta narrativa. E,
por fim, um agradecimento muito especial a Guillermo Jorge e Kevin Davis, extraordinários
parceiros neste e em outros projetos, pois sem eles esta pesquisa nunca teria ocorrido.
1
Nicolau dos Santos Neto não era magistrado de carreira. Havia sido nomeado para
o Ministério Público antes da exigência de concurso público para o ingresso na instituição.
Após, assumiu a função de juiz no TRT em decorrência das vagas reservadas aos advogados
e membros do Ministério Público, na forma estabelecida na constituição federal.
2
Sobre as mudanças legislativas empreendidas nesse período para regulamentar as
licitações no país, ver Capítulo 9 – Lei n. 8.666/93: uma resposta à corrupção nas
contratações públicas?.
3
4
Termos do edital de licitação citado na decisão do TCU n. 231/96, p. 3.
De acordo com o parecer técnico citado na decisão do TCU n. 231/96, p. 9, a forma
de definir o objeto da licitação poderia haver “dificultado a participação de interessados”.
5
É tudo o que informa o relatório da CPI (2000, 63). As decisões do TCU e STF
analisadas não discutem esse aspecto do processo licitatório e, portanto, não trazem
informações complementares sobre os motivos e as circunstâncias da desqualificação da
Empreendimentos Patrimoniais Santa Gisele.
6
As informações contidas na “ficha cadastral completa” dizem respeito aos quadros
da empresa, seu capital e objeto social, bem como titulares, sócios ou diretores no momento
7
50
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
de sua constituição. Pode incluir também extratos de arquivamentos posteriores alterando
as informações iniciais. Especificamente no caso do Consórcio Grupo OK Augusto Velloso,
não há informações adicionais registradas na ficha cadastral, conforme levantamento
realizado em 23 de maio de 2011.
8
Jucesp, 23 de maio de 2011.
Jucesp, 23 de maio de 2011. O mesmo documento indica que o sócio João Julio
Cesar Valentini se retira da empresa em 23 de março de 1998. A rubrica da ficha cadastral
é “destituição/renúncia”.
9
Sobre o TRT haver contratado uma empresa que não participou do processo
licitatório, o relatório da CPI indica que “houve tentativa de explicação deste fato, pelo Sr.
Fábio Monteiro de Barros Filho, em seu depoimento à CPI, quando disse que a associação
do Grupo Monteiro de Barros com a Incal Alumínios para fundar a Incal Incorporações,
responsável pelo empreendimento, já estava previsto desde antes do resultado da licitação”
(CPI 2000, 63).
10
Ver Capítulo 2 – Preconceitos, presunções e prejuízos: argumentos dogmáticos
nas decisões do TCU e do STF envolvendo o Caso TRT.
11
Processo n. 2000.61.81.001198-1, aditamento à denúncia (p. 4) e sentença
(p. 37-38).
12
Relatório do acórdão 591/2000 referente à Tomada de Contas do TRT 2ª Região,
pertinente ao exercício de 1995 (TC-700.115/1996).
13
14
Ação Cautelar n. 93.0032242, 12ª Vara Federal Criminal.
Nota da Comissão Permanente do Senado Federal referente à 6ª Reunião
Extraordinária de 10/08/2000 da Comissão CCJ – Subcomissão do Judiciário, p. 4.
15
A ação civil pública foi criada em 1985 (Lei n. 7.347, de 24/07/85), autorizando o
Ministério Público, alguns órgãos públicos e associações civis a iniciarem investigações
voltadas à responsabilização e reparação de danos em casos que envolvem a proteção de
direitos coletivos, como o meio ambiente, o direito dos consumidores e os direitos econômicos.
Com a entrada em vigor da lei de improbidade administrativa, a ação civil pública passou a
ser utilizada também para apurar responsabilidade civil em casos de corrupção.
16
51
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
Essa ação foi ajuizada contra Nicolau dos Santos Neto, Luiz Estevão, Fábio de
Barros, José Eduardo Ferraz, Délvio Buffulin, Antônio Carlos Gama, Incal Incorporações
S.A., Monteiro de Barros Investimentos S.A., Fabio Monteiro de Barros Filho, José Eduardo
Ferraz, Construtora Ikal Ltda., Incal Ind. e Com. de Alumínio Ltda. A ação foi distribuída
para a 12ª Vara Federal Criminal em razão da dependência da Ação Cautelar.
17
As Comissões Parlamentares de Inquérito estão previstas na Constituição
Federal Brasileira desde 1934. A Constituição atual, de 1988, pela primeira vez outorga às
CPIs os mesmos poderes de investigação das autoridades judiciais (Constituição Federal,
art. 58, § 3º). A extensão desses poderes vem sendo discutida desde então pelo Supremo
Tribunal Federal. Entre as decisões particularmente importantes destacam-se as seguintes:
“CPI tem poderes de investigação mas, ao exercê-los, está sujeita às mesmas limitações
constitucionais, devendo fundamentar suas decisões” (STF, MS 23.454-DF, Rel. Ministro
Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ 19/08/99) e “incompetência da CPI para expedir
decreto de indisponibilidade de bens de particular, que não é medida de instrução, mas
de provimento cautelar de eventual sentença futura, que só pode caber ao Juiz competente
para proferi-la” (STF, MS 23.466, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ
06/04/01).
18
(Veja, 20 de abril de 1999, n. 1.595 e Folha de S. Paulo, 21 de abril de 1999, capa
e A1, 10). Vale destacar que a Folha de S. Paulo havia noticiado, em 12 de maio de 1998,
a decretação de bloqueio de bens na ação civil pública.
19
20
Veja, 28 de abril de 1999, n. 1.595, p. 46.
[A radiografia do escândalo: Chico Lopes (ex-presidente do Banco Central) tem 1,6
milhões de dólares não declarados no exterior. Veja, 28 de abril de 1999, n. 1.595, capa].
21
Tendo em vista que outros casos analisados pela CPI do Judiciário referiam-se a
Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), todo o trabalho da CPI refere-se ao caso narrado
neste livro como “TRT da 2ª Região” ou “TRT São Paulo”, diferenciando-o, portanto, dos
casos referentes ao TRT da 1ª Região (Rio de Janeiro) e da 13ª Região (Paraíba), que
também foram investigados pela CPI do Judiciário.
22
23
Supremo Tribunal Federal, Mandado de Segurança n. 23.455-5/DF.
Informações constantes na decisão do tribunal federal suíço que nega recurso de
Nicolau dos Santos Neto contra decisão que manteve o confisco dos valores depositados
24
52
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
nas duas contas-correntes. Decisão disponível em <http://bstger.weblaw.ch>. Acesso em
7 de julho de 2011.
Parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar relatado pelo Senador
Jefferson Peres, p. 4.
25
Publicada no D.O.U. a Resolução n. 51/2000, de 29 de junho, decretando a perda
do mandato de Luiz Estevão.
26
Parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar relatado pelo Senador Roberto
Saturnino, p. 2.
27
Folha de S. Paulo, disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u20590.shtml>. Seu mandato na 51ª legislatura (no qual foi cassado) nem sequer
consta na sua página do Senado <http://www.senado.gov.br/senadores/senLegisAnt.asp?leg=
a&tipo= 3&nlegis=52&end=n&codparl=4>.
28
29
Tribunal Penal Federal, RR 2007.131, p. 2.
30
Tribunal Penal Federal, RR 2007.131, p. 2.
31
Tribunal Penal Federal, RR 2007.131, p. 7.
Ver Capítulo 4 – Recuperação dos ativos do Caso TRT-SP: equilibrando a
interdependência de jurisdições com a utilização de diferentes estratégias jurídicas.
32
Essa decisão está disponível em <http://jumpcgi.bger.ch/cgi-bin/JumpCGI?id=
21.08.2012_6B_688/2011>. De acordo com a decisão, aproximadamente US$ 3,8 milhões
foram transferidos entre 1994 e 1999.
33
Acórdão 591/2000, julgado em 02/08/2000, na Tomada de Contas Especial
referente ao ano de 1995 (TC-001.025/98-8).
34
Acórdão 26/2001, julgado em 31/01/2001, no requerimento de indisponibilidade
de bens formulado pelo Ministério Público n. 017.777/2000-0.
35
Acórdão 163/2001, julgado em 11/07/2001, na Tomada de Contas Especial
referente ao ano de 1995 (TC-001.025/98-8).
36
53
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
Acórdão 301/2001, julgado em 05/12/2001, na Tomada de Contas Especial
referente ao ano de 1995 (TC-001.025/98-8).
37
Acórdão 158/2002, julgado em 08/05/2005, na Tomada de Contas Especial
referente ao ano de 1995 (TC-001.025/98-8)
38
Os processos movidos contra o Grupo OK (Ação de Execução n. 2002.34.00.016926-3,
em trâmite perante a 19ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal) e Nicolau
dos Santos Neto (Ação de Execução n. 2003.61.00.011074-9, em trâmite perante o Tribunal
Regional Federal da 3ª Região, em fase de apelação) ainda estão em andamento. Não foi
possível ter informações seguras sobre a existência de outras ações de execução, já que as
ações foram propostas individualmente e não há sistema de busca uniformizado das
Justiças Federais.
39
Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateImagemTexto.aspx?
idConteudo=163200&id_site=3>. Acesso em: 14 de julho de 2011.
40
Disponível em: <http://moglobo.globo.com/integra.asp?txtUrl=/pais/mat/2011/07/14/
justica-federal-determina-que-grupo-ok-do-ex-senador-luiz-estevao-devolva-55-milhoes-aotesouro-nacional-924910873.asp>. Acesso em: 26 de julho de 2011.
41
Disponível em <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo
=219493&id_site=1108>. Acesso em: 16 de agosto de 2014.
42
O inquérito foi autuado sob o n. 258, para investigar “crimes contra a Administração
Pública”, e Nicolau dos Santos Neto consta como único investigado (informação extraída
do site do STJ).
43
Em agosto de 1999, o STF cancelou a Súmula n. 394, de abril de 1964, que
estabelecia: “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência
especial por prerrogativa de função ainda que o inquérito ou ação penal sejam iniciados após
a cessação daquele exercício”.
44
45
O inquérito foi autuado sob o número 2000.61.81.001198-1.
46
Decisão proferida pelo Min. Marco Aurélio, em 13 de julho de 2000.
47
Ação Penal n. 2000.61.81.001198-1.
54
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
48
Ação Penal n. 2000.61.81.001248-1.
É importante registrar que nesse período outros temas foram cobertos para além da
decretação da preventiva de Nicolau. Em julho e agosto de 2000, meses com as maiores
incidências de notícias relacionadas ao caso – 74 e 83 respectivamente –, o grande tema
explorado pela mídia era o possível envolvimento de Eduardo Jorge, ex-secretário geral da
presidência no decorrer do mandato de Fernando Henrique Cardoso.
49
Foi aplicada pena de cinco anos de reclusão pelo crime de lavagem de dinheiro na
Ação Penal n. 2000.61.81.001248-1 e de três anos de reclusão pelo crime de tráfico de
influência na Ação Penal n. 2000.61.81.001198-1. As sentenças foram proferidas no mesmo
dia, e o juiz determinou a soma das penas, em razão de concurso material.
50
O acórdão do Tribunal Regional Federal que julgou a apelação da condenação penal
decidiu que “não há provas no sentido de que a sentença condenatória de primeiro grau
prolatada nestes autos tenha sido dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz, pelo
que não há que se falar em nulidade deste processo ou de impedimento do magistrado, sendo
que eventual vício a atingir outro processo não tem o condão de se estender ao presente” (TRF
3ª Região, Apelação Criminal n. 200061810011981, p. 371/372).
51
52
Entrevista 3 (31:00).
O acórdão é proferido na véspera da prescrição de alguns crimes imputados. A defesa
de Nicolau dos Santos Neto alega que os crimes estariam prescritos na data do julgamento,
já que o ano anterior era bissexto, mas a alegação é rejeitada pela turma julgadora (TRF 3ª
Região, Apelação Criminal n. 200061810011981, p. 228).
53
Sobre o impacto da intensa cobertura midiática na definição das penas, ver
Capítulo 6 – O Caso TRT na mídia: sistema de direito criminal e opinião pública.
54
55
Para maiores detalhes, ver Anexo 3.
56
TRF 3ª Região, Apelação criminal 200061810011248.
Sobre a repercussão das regras de competência por prerrogativa de função (foro
privilegiado) na tramitação do caso, ver Capítulo 8 – O impacto das normas sobre foro
especial no Caso TRT.
57
55
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
Sobre a gestão da prisão de Nicolau dos Santos Neto, desde a decretação da
prisão preventiva em 2000 até 2013, ver Capítulo 5 – A gestão da prisão de Nicolau dos
Santos Neto.
58
59
TRF 3ª Região, Agravo em execução n. 0010249-86.2011.4.03.6181.
60
Autos n. 1050211, 1ª Vara de Execuções Criminal de Taubaté.
61
Decreto n. 7.873, assinado em 26 de dezembro de 2012, por Dilma Rousseff.
De acordo com o Código de Processo Penal brasileiro, a prisão preventiva
(antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória) só pode ser decretada
“como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência
do crime e indício suficiente de autoria” (art. 312, do Código de Processo Penal). A não
apresentação à justiça é frequentemente utilizada pelo judiciário para manter a decretação
da prisão, sob o fundamento de que a medida é necessária para conveniência da instrução
criminal (para que o acusado participe dos atos processuais) e posterior aplicação da
lei penal.
62
Certidão de trânsito em julgado do crime de lavagem de dinheiro emitida pelo
Ministro Teori Zavascki (STF), em 02/04/13, após publicação de acórdão no Agravo em
Recurso Extraordinário 681742.
63
64
Veja, 2 de agosto de 2000, n. 1660.
Sobre as estratégias de cooperação internacional envolvidas no caso, ver Capítulo 4
– Recuperação dos ativos do Caso TRT-SP: equilibrando a interdependência de jurisdições
com a utilização de diferentes estratégias jurídicas.
65
American Law Institute. Restatement (Third) of Restitution & Unjust Enrichment
§ 55 (T.D. n. 6, 2008). O documento ilustra a explanação sobre esse instituto com inúmeros
casos, alguns deles do início do século XX. O conceito, no entanto, origina-se no direito
inglês e é muito mais antigo.
66
Detalhes da tramitação desse pedido e todas as principais peças estão disponíveis no
site do Circuit and County Courts, Miami, no endereço <http://www2.miami-dadeclerk.com/
civil/search.aspx>.
67
56
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Para maiores detalhes sobre esse processo, ver Capítulo 3 – Direito privado e
combate à corrupção: desconsideração da personalidade jurídica e falência no Caso TRT.
68
69
Ação n. 538.00.1998.033693-2, 11ª Vara Cível de São Paulo.
“Lalau pegou meu dinheiro e levou/Depois voltou, mas a grana ficou/Eu esse ano
vou ser rico por um dia/Vou pra Banda Mole de Lalau na fantasia/Lalau pegou meu dinheiro
e levou/Depois voltou, mas a grana ficou/Enquanto ele fugia/A nossa gente perguntava sem
parar:/Lalau, Lalau, Lalau/Cadê Lalau?/Conta aqui na Federal/Onde pôs meu capital?/Me
conta Nicolau/Lalau”. Marchinha da tradicional Banda Mole de Guaratinguetá. Áudio
disponível em <http://www.jornalolince.com.br/galeria/musicos/banda_mole/body.php?id=8>.
Acesso em: 14 de julho de 2011.
70
A pesquisa das ações de indenização por danos morais e ações penais privadas
envolvendo Nicolau dos Santos Neto foi realizada no site do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo (http://www.tj.sp.gov.br/), em 21 de junho de 2011. A primeira busca foi feita
na ferramenta de pesquisa “consulta de processos de 2º grau”, por “nome da parte” (Nicolau
dos Santos Neto). Mas, para não ocultar outras decisões que dizem respeito ao caso estudado,
foi realizada busca na “consulta de jurisprudência”. As palavras-chave utilizadas foram
“Nicolau dos Santos Neto” e “Lalau”.
71
TJSP, Apelação Cível n. 613.488-415-00; TJSP, Apelação Cível 918569042.2006.8.26.0000.
72
TJSP, Apelação Cível n. 613.488-415-00. No mesmo sentido, TJSP, Apelação
Cível n. 9185690-42.2006.8.26.0000.
73
TJSP, Apelação Cível n. 236.105-4. E ainda: “[...] o fato de os dois corréus serem
membros do conselho fiscal não os autoriza a xingar em altos brados o apelado de ladrão,
Lalau e pé na cova” (TJSP, Apelação Cível n. 431.883-4). No mesmo sentido: TJSP,
Apelação Cível n. 296.931-4/9.
74
No Agravo de Instrumento n. 2000.03.00.033614, do TRF 3ª região, foi reconhecida
conexão entre as ACPS n. 2000.61.00.012554-5 e n. 98.0036590-7, para fins de julgamento
simultâneo.
75
Foram absolvidos os réus Jail Machado Silveira, sócio-gerente da Construtora e
Incorporadora CIM, e Délvio Buffulin. por ausência de provas. Com relação ao ex-presidente
76
57
[sumário]
1. A nArrAtIvA do CAso trt
do TRT: “Constato na conduta do corréu Délvio Buffulin a inexistência de qualquer indício
de que tenha agido com culpa, muito menos com dolo. Ao contrário, o Superior Tribunal
de Justiça ao examinar a conduta do corréu afirma que restou devidamente comprovada
além da ausência de dolo do Délvio sua extrema cautela enquanto presidente do Tribunal
Regional do Trabalho, quando procedeu ao devido encaminhamento do crédito
orçamentário, visando restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato à
Construtora Incal, além da absoluta inexistência de enriquecimento ilícito” (Sentença da
ACP n. 98.0036590-7, DJ 26/10/11).
77
Sentença da ACP n. 2000.61.00.012554-5.
Cf., por exemplo: “restou demonstrada nos autos da ação criminal a existência de
uma complexa estrutura que se formou entre os corréus para cumprir seus fins escusos e
se valiam de cuidadoso estratagema para conseguir seu desiderato” (Sentença da ACP n.
98.0036590-7, DJ 26/10/11).
78
79
Acórdão da ACP n. 2000.61.00.012554-5, DJ 04/11/13.
<http://web.trf3.jus.br/consultas/Internet/ConsultaProcessual/Processo?
NumeroProcesso=00365905819984036100>. Último acesso em: 17 de agosto de 2014.
80
Sobre o sistema recursal brasileiro e o modo como impactou a tramitação processual
do Caso TRT, ver Capítulo 7 – O controle judicial da corrupção e o modelo processual
brasileiro: reflexões a partir do Caso TRT.
81
82
Luiz Estevão volta ao jogo. Isto É, 28 de maio de 2010.
Lei Complementar n. 135/2010. Para mais detalhes, ver Capítulo 10 – Para concluir:
uma agenda de pesquisa em direito.
83
58
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
referênCIAs
:
:
:
:
59
ABRAMO, Claudio et al. “Contratação de obras e serviços (licitações)” in SPECK,
Bruno. Caminhos da Transparência. Análise dos componentes de um sistema
nacional de integridade. Campinas: Editora da Unicamp, 2002, p. 105-132.
NAHAT, Ricardo. Anatomia da Corrupção. São Paulo: R. Nahat, 1991.
NASSIF, Luiís. O jornalismo dos anos 90. São Paulo: Futura, 2003.
PEDONE, Luis et al. “O Controle pelo legislativo” SPECK, Bruno. Caminhos da
Transparência. Análise dos componentes de um sistema nacional de integridade.
Campinas: Editora da Unicamp, 2002, p. 201-226.
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
2.
PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
ARGUMENTOS DOGMáTICOS NAS DECISõES
DO TCU E DO STF ENVOLVENDO O CASO TRT
André Rodrigues Corrêa
Introdução
Após tantos anos sob o escrutínio dos Poderes Legislativo e Judiciário,
quais são as lições que podemos retirar do Caso TRT? O objetivo deste
capítulo é contribuir para os esforços coletivos direcionados a responder
essa questão, tendo em vista uma pergunta mais específica: um contrato
inadequado pode ser lícito? Ou, posta de outra forma, de que maneira a
consideração dada ao regime contratual aplicável ao contrato em análise,
realizada pelos tribunais que se debruçaram sobre o caso, auxiliou ou
dificultou a obtenção de uma solução satisfatória para o caso?
A tese aqui defendida é a de que a presença de um conjunto de preconceitos (estruturados na forma de premissas não questionadas) e presunções (estruturadas na forma de conclusões não demonstradas) no discurso
técnico-jurídico usado pelos membros dos tribunais encarregados do julgamento do caso conduziu indevidamente os raciocínios realizados pelos
Ministros encarregados dos julgamentos. Como resultado disso houve um
significativo prejuízo na descoberta e/ou tratamento de argumentos que
forneceriam maior consistência às medidas tomadas para viabilizar a conclusão da obra, a suspensão dos pagamentos por fazer ou a devolução de
pagamentos já realizados.
Nas decisões dos tribunais encontra-se, de forma inequívoca, a ideia
de que a origem do problema estava numa fuga indevida para o direito
privado, ou seja, a escolha por um modelo contratual de direito civil – a
compra e venda – seria a raiz de todos os males encontrados no caso. Partindo dessa premissa, todo o esforço dos julgadores esteve concentrado
em demonstrar a ilegalidade dessa escolha para, a partir daí, sustentar a
aplicação do regime contratual do direito público e, com isso, obter a rescisão ou a declaração de nulidade do contrato. Em nossa opinião, a solução
61
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
do caso impunha a adoção de estratégia diametralmente oposta. Mais do
que uma fuga do direito privado para o direito público, dever-se-ia assumir
a inutilidade da distinção. Em vez de procurar a solução para o caso no
regime contratual especial do direito público, seria mais acertado buscá-la
no regime geral do direito contratual presente no Código Civil. Portanto,
a solução não estaria em uma atenção menor às regras do direito civil, mas
em uma maior consideração. Afinal, a diferença entre veneno e remédio
é uma questão de grau: o conjunto de regras que pareceu contaminar o
processo desde o início (direito privado) na visão dos magistrados, em
nossa opinião seria aquilo que poderia, se bem administrado, auxiliar-nos
a obter o melhor tratamento possível.
As manifestações judiciais sobre o contrato celebrado entre os agentes
implicados no caso (Incal e TRT 2ª Região) assumiram sempre a premissa
de que a resolução do problema passava, necessariamente: a) pela definição
do contrato, se privado ou público; e b) pela definição do modo como seria
desfeito, se por meio de rescisão unilateral de um contrato válido ou por
declaração de sua nulidade. Como se vê, o raciocínio se apresenta em termos
de solução de dicotomias: público x privado e válido x inválido.1
Não se pretende aqui defender a superação dessas dicotomias. Assume-se
ainda aqui que o raciocínio jurídico, na sua estrutura básica, é um raciocínio
dicotômico. Mas o que se pretende demonstrar é que o uso dessas dicotomias, entendidas como ferramentas conceituais, pode revelar incompetência ou habilidade técnica, ou, nas palavras de Bobbio (1977, p. 137-138),
pode ser um uso diádico ou triádico. Explica-se: o uso diádico de uma dicotomia assume-a como absoluta e, portanto, toma-a como um quadro
fechado dentro do qual o fato concreto vai necessariamente se inserir em
uma das duas opções. Já o uso triádico de uma dicotomia toma-a como
relativa, o que implica, sempre, a possibilidade de que o fato concreto
imponha uma necessidade de repensá-la; nesta última, há sempre um terceiro termo que é a retomada, sob um novo plano, de uma das partes da
dicotomia, mas não sua simples reprodução.
Um exemplo possível desse uso triádico está na ideia de “revisão contratual”. Em qual plano essa ideia deve ser situada: no plano do cumprimento ou do incumprimento do contrato? Aquela ideia traz, em si, tanto a
62
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
noção de cumprimento como a de descumprimento do contrato, mas não
pode ser tida como uma mera reprodução delas.2
O Caso TRT é especialmente interessante para um privatista, porque
uma das considerações mais recorrentes ao longo de todas as decisões é a
de que um dos principais problemas, a raiz de todo o mal, estaria na adoção,
pelas partes envolvidas, de uma forma de contratação atípica pautada pela
lógica do direito privado no lugar de um contrato típico nos termos estabelecidos pelo direito público. Assim, no centro do caso – e muitas vezes
de forma inarticulada – está inserida uma das distinções centrais da sociedade ocidental moderna.3
Além dessa distinção, as decisões dos tribunais exaradas no presente
caso são ricas em referências a outras dicotomias, tais como tipicidade-atipicidade, validade-invalidade, contrato público-contrato privado, e
ao mesmo tempo não apresentam nenhuma menção a distinções como
equilíbrio-desequilíbrio e adequação-inadequação. Nosso ponto é simples:
a escolha por um conjunto de dicotomias, por um conjunto de conceitos,
bem como a maneira como esse instrumental é utilizado, revela a proficiência técnica e os valores adotados pelo jurista que manipula essas dicotomias. Analisá-las pressupõe, portanto, simultaneamente revelar valores
implícitos e examinar o raciocínio realizado no interior de nossos tribunais,
ou seja, é um exercício de controle externo das decisões tanto do ponto de
vista político quanto técnico.
Com vistas a realizar essa análise, o presente texto se divide em três
partes. Adotando a estrutura da narrativa do caso apresentada no capítulo
anterior, toma-se a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
sobre o Poder Judiciário como um momento divisor de águas no fluxo
dos acontecimentos. Em sendo assim, a primeira parte se debruça sobre
os argumentos apresentados em acórdãos (231/96 e 45/99) exarados em
processos instituídos junto ao Tribunal de Contas da União em período
anterior à instauração daquela CPI. A segunda parte abordará os argumentos apresentados em acórdãos proferidos pelo STF (Mandado de
Segurança MS n. 23.560/DF) e pelo TCU (298/2000) em processos instaurados em período posterior à instauração da CPI. Por fim, a terceira
parte apresentará alguns argumentos que, embora tenham sido cogitados
63
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
pelos tribunais, deveriam ter sido levados em maior consideração quando
do tratamento das questões relevantes do caso. Esta última parte pretende
demonstrar a existência e a viabilidade de um conjunto de argumentos
que foi insuficientemente considerado pelos tribunais e que, em nossa
opinião, oferecia qualificado apoio às medidas que deviam ser tomadas
para regularizar a situação envolvendo os bens objeto do contrato e os
pagamentos a eles relacionados.
2.1 |
A
rAIz de todo mAl:
AS DISCUSSõES ACERCA DO PROCEDIMENTO CONVOCATóRIO
E DO CONTRATO NOS PROCESSOS INSTALADOS JUNTO AO
TCU
CPI DO JUDICIáRIO
O conjunto de decisões emanadas pelo TCU antes da instauração da CPI
do Judiciário se concentra em torno dos mesmos tópicos e está organizado
em torno da mesma premissa; vejamos.
Em primeiro lugar, as decisões tendem a sublinhar o equívoco da escolha
do modelo do edital e buscam demonstrar que esse equívoco é, em realidade,
uma ilegalidade. Por fim, esforçam-se por argumentar que os problemas
identificados no caso têm como origem a decisão inicial por adotar um
modelo contratual de direito privado. A ideia fundamental, implícita nessas
decisões, é a de que esse recurso ao direito privado teria contaminado a relação contratual desde o princípio.4 Todo o esforço, portanto, está concentrado
em reinstalar o regime contratual de direito público sobre o contrato e, com
isso, garantir sua adequada execução.
ANTES DA CRIAçãO DA
O Acórdão 231/96 do Tribunal de Contas da União
No Acórdão 231/96,5 o Plenário do Tribunal de Contas da União se manifestou sobre o Relatório de Inspeção Ordinária Setorial realizada entre 26
de outubro e 13 de novembro de 1992 no Tribunal Regional do Trabalho
da 2ª Região com ênfase na concorrência n. 01/92, que se destinava à obtenção de imóvel para a instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento
desse tribunal na cidade de São Paulo.
Um dos motivos da atenção especial a esse procedimento licitatório,
segundo consta da decisão, foi o volume de recursos envolvidos, na ordem
2.1.1 |
64
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
de US$ 139 milhões.6 No Compromisso de Venda e Compra firmado em 2
de janeiro de 1992 entre Incal Incorporações S.A. e TRT 2ª Região, o valor
declarado foi de Cr$ 150.252.480.000,00 (cento e cinquenta bilhões, duzentos e cinquenta milhões, quatrocentos e oitenta mil cruzeiros).7
A licitação supracitada indicava como objeto “a aquisição de imóvel,
adequado para instalação de no mínimo 79 Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo, permitindo a ampliação para instalação
posterior de, no mínimo, mais 32 Juntas de Conciliação e Julgamento”,8
em uma das quatro modalidades sugeridas:
1ª)
Imóvel construído, pronto, novo, ou usado. Nessa hipótese deveria acompanhar a proposta técnica, projeto de adaptação com o respectivo prazo
de execução e entrega, que atendesse às necessidades das Juntas de Conciliação e Julgamento, que deveria, em caso de aprovação, ser implantado
pelo concorrente, sob sua total responsabilidade (item 1.1.1 do edital);
2ª)
Imóvel em construção, independentemente do estágio da obra (início,
meio ou fim); deveria acompanhar a proposta técnica, projeto de adaptação com o respectivo prazo de execução e entrega, que atendesse às
necessidades das Juntas de Conciliação e Julgamento que seria, em caso
de aprovação, implantado pelo concorrente sob sua total responsabilidade
(item 1.1.2 do edital);
3ª)
Terreno com projeto aprovado que deveria acompanhar projeto de
adaptação que atendesse às necessidades das Juntas de Conciliação e
Julgamento (item 1.1.3 do edital);
4ª)
Terreno com projeto elaborado especificamente para a instalação das
Juntas de Conciliação e Julgamento (item 1.1.4 do edital)”.9
Na forma como o edital estava estruturado, seria possível que fossem
apresentadas propostas correspondentes às quatro modalidades sugeridas.
Nessa situação surge a pergunta acerca da forma como o contratante compararia propostas envolvendo diferentes objetos (aquisição de prédio x
65
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
aquisição de terreno) e quais seriam os critérios de preferência (privilegiar-se-ia prédios já construídos em relação a projetos elaborados pendentes de aprovação).
Na hipótese dos itens 1.1.3 e 1.1.4 surge ainda a pergunta acerca da
possibilidade de se ingressar no processo licitatório com projetos relativos a imóveis que não eram, à época do certame, ainda de propriedade
do ofertante.
Conforme consta na Escritura de Compromisso de Venda e Compra firmado entre a Incal Incorporações S.A. e o TRT 2ª Região, esse documento teria servido como forma de cumprimento ao Objeto da Concorrência
n. 01/92, conforme contido no item 1.1.4 do respectivo edital.
Passados dez meses da celebração do referido Compromisso de Venda
e Compra, a Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da
União-SP (SECEX-SP) realizou inspeção ordinária sobre os procedimentos envolvendo o Edital de Concorrência n. 01/92 lançado pelo TRT da
2ª Região. Ao final da inspeção, produziu-se relatório no qual a equipe
de inspeção propôs uma série de providências saneadoras dos vícios que
entendia estarem presentes no processo de aquisição organizado pelo
referido TRT. Entre essas medidas, encontravam-se:10
a) A suspensão imediata de pagamento à Incal Incorporações S.A., empresa
que não participou da concorrência n. 01/92 e que, no entanto, foi contratada pelo órgão para a construção do Fórum Trabalhista da Cidade de
São Paulo com a aquisição do terreno incluso;
b) Obtenção da anulação da concorrência n. 01/92 e da escritura de Compromisso de Venda e Compra;
c) Devolução ao Tesouro Nacional, a ser feita pelos responsáveis, dos valores indevidamente pagos anteriormente à assinatura do contrato, contrariando o § 2º do art. 51 do Decreto-lei n. 2.300/86;
d) Encaminhamento à IRCE/SP do processo de consulta feita ao Departamento do Patrimônio da União sobre a disponibilidade de terreno ou
66
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
imóvel adequado à instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento
da Cidade de São Paulo;
e) Encaminhamento das justificativas, ante a possibilidade de aplicação
da multa prevista nos incisos II e III do art. 58 da Lei n. 8.443/92, pelos
membros da Comissão Especial de Licitação e pelo Excelentíssimo Juiz
Nicolau dos Santos Neto, que se encontrava no exercício da Presidência
quando da ocorrência das irregularidades detectadas.
Entre as irregularidades apontadas, estavam:11
• Inexistência de prévio projeto básico aprovado por autoridade competente, consoante determinava o art. 6º do Decreto-lei n. 2.300/86;
• Adjudicação da licitação à empresa que não detinha àquela época a propriedade do terreno destinado à construção do prédio;
• Fixação de pagamento de entrada na data da assinatura do contrato, sem
a correspondente contraprestação de serviços, na cláusula 6.1.3 do Edital,
em desacordo com o preceituado no art. 38 do Decreto n. 93.872/86;12
• Habilitação indevida da Incal Indústria e Comércio de Alumínio Ltda.,
infringindo as alíneas “a” e “b” do art. 6º da Lei n. 5.194/66, c/c o item
1, § 2º, art. 25 do Decreto-lei n. 2.300/86;
• Adjudicação da concorrência e celebração do contrato com a Incal Incorporações S.A., terceira estranha ao procedimento licitatório, contrariando
o disposto no art. 40 do Decreto-lei n. 2.300/86;
• Alteração da minuta do contrato em desacordo com as hipóteses previstas no art. 55 do Decreto-lei n. 2.300/86;
• Assinatura do contrato (Escritura) após o prazo estabelecido no Edital,
contrariando o art. 54 do Decreto-lei n. 2.300/86;
67
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
• Retroatividade do contrato (Escritura), vedado pelo § 2º do art. 51, do
Decreto-lei n. 2.300/86, uma vez que a assinatura ocorreu em
14/09/1992 e início dos pagamentos em 10/04/1992;
• Inexistência de cláusula contratual estabelecendo os prazos de início,
de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de
recebimento definitivo, conforme determinava o inciso IV do art. 45
do Decreto-lei n. 2.300/86;
• Existência de cláusula contratual prevendo prorrogação do cronograma físico da obra a critério exclusivo da Contratada, contrariando o
disposto no art. 33 e § 1º do art. 47 do Decreto-lei n. 2.300/86, bem
como em desacordo com o item 6.1.5 do Edital (fls. 11, 12 e 201);
• Existência de cláusula prevendo acréscimo de pagamento pela Administração dos custos de redução do ritmo da obra, desmobilização mais
multa de 10% sobre essas despesas, sem amparo legal;
• Existência de cláusula fixando hipóteses de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro distintas das enumeradas no § 6º do art. 55
do Decreto-lei n. 2.300/86;
• Existência de cláusula mantendo o imóvel na posse da contratada até
a expedição do “Habite-se”, agravando a situação desvantajosa do
TRT 2ª Região junto à Contratada, haja vista a inexistência das garantias contratuais;
• Existência de cláusula estabelecendo rescisão da Escritura a critério
único e
• Exclusivo da Incal Incorporações S.A., na hipótese do TRT 2ª Região
não completar o pagamento da entrada até 31/04/1993, ferindo o preconizado no Decreto-lei n. 2.300/86, em seu art. 68, inciso XVI e art. 69,
incisos I a III.
68
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Em resposta a essas considerações emanadas pela equipe de inspeção
foram apresentadas alegações de defesa assinadas em conjunto pelo Sr.
Nicolau dos Santos Neto (à época da inspeção, Presidente do TRT 2ª
Região e, posteriormente, Presidente da Comissão de Construção do
Fórum) e pelos Srs. Membros da Comissão Especial de Licitação. Analisadas as alegações, a SECEX-SP referendou as considerações da equipe
de inspeção alegando que as justificativas não eram suficientes para elidir
as irregularidades apontadas.13
O processo foi encaminhado ao TCU, e nesse momento a Incal Incorporações S.A. solicitou vista e apresentou razões de defesa com a justificativa de que a anulação da concorrência e a da escritura de compra e
venda, da forma como proposto pela unidade técnica (SECEX-SP), acarretaria prejuízos de grande monta diretamente ao seu patrimônio. Em sua
opinião, tal situação lhe conferia legitimidade e interesse para a manifestação apresentada.
Em suporte às suas alegações de defesa, a empresa anexou pareceres
encomendados aos juristas Miguel Reale (26 p.), José Afonso da Silva
(29 p.) e Toshio Mukai (30 p.) com a intenção de demonstrar a inexistência
das irregularidades apontadas pelo relatório de inspeção. O argumento central dos três pareceristas era no sentido de que o objeto da concorrência em
questão havia sido uma simples “aquisição de imóvel” na modalidade de
compra de coisa futura (emptio rei speratae), e a conclusão a que chegavam
era a de que havia total regularidade em “todas as etapas do procedimento
licitatório”.14 Segundo Miguel Reale, tratar-se-ia de “aquisição de imóvel
‘no sistema de preço fechado’ ou com um valor fixo para entrega, ‘chaves
na mão’ espécie ‘sui generis’, caso sui generis”.15 De acordo com José
Afonso da Silva, tratava-se de “aquisição de imóvel pronto e acabado, ‘chaves na mão’, ‘inversão financeira’ na classificação orçamentária da despesa
e até ‘caso raro’”.16 E, na opinião de Toshio Mukai, tudo resumia-se a uma
“aquisição de imóvel”.17
Quanto à alegação de que teria ocorrido contratação de empresa estranha
ao procedimento licitatório em descompasso com o art. 40 do Decreto-lei
n. 2.300/86, a contratada apresentou contestação com base novamente no
parecer de Toshio Mukai que, em síntese, sustentava o seguinte: a) a proposta
69
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
formulada pela empresa Incal Indústria e Comércio de Alumínios Ltda.
e acolhida pela administração do TRT 2ª Região já previa que o contrato
seria executado por sua empresa subsidiária, a Incal Incorporações S.A.,
constituída em data posterior à publicação do Edital, e b) que, tendo em
vista o fato de se tratar de negócio típico de direito privado e, por essa
razão, aplicando-se aqui a regra do art. 14, II, do Decreto-lei n. 2.300/86,
não haveria motivo para não se autorizar prática comum, na iniciativa
privada, de contratação de empresa holding para a prestação de objeto,
cuja execução será realizada por sua subsidiária.18
Mais uma vez a SECEX-SP manifestou-se no processo por meio de
parecer emitido pelo Inspetor-Regional de Controle Externo, cujo conteúdo ratificou a proposição feita pela unidade no sentido de regularização
do procedimento licitatório adotado pelo TRT. Em seu parecer, o Inspetor-Regional sustentou a impossibilidade de a Administração Pública celebrar contrato atípico, pois entendia que um órgão do Estado “somente pode
fazer aquilo que a ordem legal o autoriza fazer” – e, no caso, ele não visualizava essa autorização.19
Eis a razão, nos parece, porque a defesa pretendeu qualificar a operação como uma simples aquisição de imóvel, uma compra e venda de bem
futuro, pois esse tipo contratual estava previsto e autorizado pelo arts. 13
e 14 do Decreto-lei n. 2.300/86. Além disso, embora os pareceres contratados façam menção a uma operação “chaves na mão”, não há nenhum
esforço de qualificá-la como um turn key; a razão parece ser que tal caracterização permitiria considerar um contrato de empreitada atípico e, portanto, sujeito às regras referentes ao contrato de obra (arts. 6-11 do
Decreto-lei n. 2.300/86) conforme sustentava a SECEX-SP.
Encaminhados os autos ao Tribunal de Contas da União, o relator do
processo, Ministro Marcos Vinicios Vilaça, solicitou a realização imediata
de Auditoria Ordinária no TRT 2ª Região. Em cumprimento a essa solicitação, foram produzidos: um parecer jurídico da lavra de Ubiracy Torres
Cuoco Júnior (advogado da Caixa Econômica Federal), um parecer econômico-financeiro realizado por Nilson Carlos de Almeida (analista de
aplicações e programas da Caixa Econômica Federal) e um parecer técnico
de autoria de Arnaldo Osse Filho (engenheiro civil).20
70
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Em seu parecer jurídico, o advogado da CEF afirmou que a operação
se tratava de “compra e venda civil”, e enfatizou que “embora defeituosa
a descrição do objeto da licitação, não restou impeditiva da continuidade
do procedimento licitatório”,21 assim, entendia que, apesar das falhas constatadas, não eram as mesmas suficientes para justificar a anulação da licitação, tendo em vista não estar caracterizada a má-fé de qualquer de um
dos envolvidos e não ser possível visualizar qualquer prejuízo à Administração. Com base nessa opinião, defendeu a continuidade do contrato ainda
que presentes certas irregularidades.22
No parecer econômico-financeiro, o analista da CEF apresenta algumas considerações que, embora não se refiram à legalidade da operação,
revelam como a sua estrutura acabou por ampliar desnecessariamente a
exposição da Administração Pública aos riscos do negócio e, consequentemente, criou privilégios injustificáveis à contratada.
Segundo o analista, seria mais adequado, do ponto de vista dos interesses do contratante (Administração Pública), que tivessem sido realizadas
duas concorrências distintas: em primeiro lugar, para a aquisição do terreno
e, depois, já com projeto básico elaborado, para a contratação da construção
do empreendimento. Além disso, destaca o fato de que a empresa selecionada havia sido recentemente constituída e não havia comprovado a necessária capacidade econômico-financeira para assumir o empreendimento.
E, por fim, menciona a total desvinculação entre pagamentos e cronograma
físico, pois no período de abril a julho de 1992, antes mesmo da assinatura
da Promessa de Compra e Venda (que ocorreria somente em 14 de setembro
de 1992), já havia a Administração Pública pago o correspondente a 15%
do total da proposta – e em razão daquela desvinculação, os pagamentos
seriam efetivados independentemente do andamento da obra.23
Também no parecer técnico do engenheiro civil encontra-se opinião
no sentido de que,
“embora a proposta tenha sido estabelecida pelo sistema de preço
fechado, para maior controle, deveria ser separado a parte referente
a aquisição do terreno, execução de projetos e execução da obra”.
E, mais, “as parcelas liberadas semestrais ou anuais deveriam estar
71
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
relacionadas com o cumprimento de determinadas atividades [...].”
Bem como, “deveria ser apresentado um cronograma
físico/financeiro, estabelecendo as datas marcos para o
cumprimento das atividades e liberação de recursos.”24
A justificativa apresentada pelas partes envolvidas (Comissão de Obras
do TRT e Construtora) para a inexistência tanto do projeto básico realizado
previamente à licitação como do cronograma físico-financeiro que vinculasse o andamento da obra aos pagamentos foi exatamente o fato de que a
operação se constituía como uma compra e venda, e não um contrato de
obra (empreitada).
Especificamente sobre o art. 38 do Decreto n. 93.872/86, o parecer de
Miguel Reale defendia que tal artigo seria:
[...] de todo inaplicável ao caso examinado, o qual, salta a olhos vistos,
não se reduz a mero contrato de obras e serviços. Por sinal que, mesmo
na hipótese, a parte final do art. 38 permite o pagamento na forma
prevista no Edital, desde que tomadas as “indispensáveis cautelas ou
garantias”. Como se vê, ainda que, ad absurdum, se quisesse ver no
caso um contrato de obra, que garantia podia haver maior que a outorga
de direitos dominiais sobre terreno destinado à edificação?25
Surge aqui então, no argumento de defesa, uma oposição entre contrato de compra e venda de bem futuro e contrato de obra que tem como
premissa a assunção de que a primeira estrutura contratual (compra e
venda de bem) seria um contrato típico de direito privado, enquanto a
última (construção de obra) seria um contrato tipicamente de direito
público. Essa operação de associação entre tipo contratual e regime aplicável não será consistentemente enfrentada por nenhum dos inúmeros
Ministros que se debruçarão sobre o caso. E, como veremos adiante, nisso
reside muitos dos problemas técnicos envolvidos no caso.
Quanto ao preço total da operação, o parecer técnico, após pesquisa de
mercado, chegava à conclusão de que o preço de aquisição estava 20%
acima dos valores de mercado.26 O que justificaria essa diferença? Talvez
72
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
o fato de que a contratada estava correndo todos os riscos do negócio? Isso
justificaria um aumento do preço. Mas, conforme veremos mais adiante,
apenas o preço foi estabelecido conforme um regime de preço fechado,
“chaves na mão”, pois os riscos de atrasos e alterações, por força das cláusulas do contrato, foram redirecionados à Administração Pública.
Diante dos pareceres apresentados o Ministro Relator solicitou da
então Ministra-Presidente do TRT 2ª Região a apuração detalhada a respeito das liberações de recursos a fim de verificar a consonância dessas
com o estágio atual da obra. O processo foi então encaminhado à Secretaria de Auditoria do TCU para que essa unidade técnica se manifestasse
sobre a execução da obra.27
Em resposta, o Assessor da Secretaria de Auditoria do TCU (SAUDI),
Paulo de Tarso Damásio de Oliveira, manifestou-se no sentido de que no
caso em análise, envolvendo “a aquisição de um imóvel onde será, no
futuro, construído um edifício, cujas obras serão inteiramente financiadas
pela Administração” e que “se destina específica e exclusivamente para
um determinado órgão público”, ter-se-ia:
[...] na verdade, não uma aquisição, mas uma contratação de obra
travestida em aquisição, prática que, se generalizada, seria a negação
e a fuga a todas as normas legais pertinentes à contratação de obras
públicas, com o agravante de que, como é sabido, o custo da realização
de uma obra, seja por administração própria ou contratada, é, de regra,
inferior ao preço de compra e venda do mesmo imóvel pronto.28
E a isso acrescentou:
No caso de que tratam os autos, o fato de o edital de licitação ter
“batizado” o objeto licitado por “aquisição de imóvel” quando todas
as suas características apontam na direção de uma “obra de
engenharia”, não autoriza o enquadramento, por parte da contratante,
do consequente contrato sob a espécie “compra e venda”, com todas
as suas características e simplificações, [...] Pelo contrário, se tal
nomenclatura visou “desburocratizar” o procedimento, às custas de
73
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
abrir mão, a Administração, de todas as prerrogativas e garantias
conferidas pela lei, cremos que deva o Tribunal centrar-se na essência
dos fatos e que, ao julgá-los como são e não como foram designados,
determine, na defesa do interesse público, a cessação e/ou saneamento
de todas as irregularidades decorrentes desse erro primário, conforme
bem apontados pela SECEX-SP, assim como a responsabilização dos
agentes públicos e privados pelos eventuais prejuízos ao erário, que
vierem a ser apurados.29
As características que, segundo o analista, apontam para uma obra de
engenharia são o fato de que o valor do imóvel é em muito inferior ao do
prédio a ser construído e que as despesas foram qualificadas pelas partes
como investimentos em obras e instalações, e não como inversões financeiras em aquisição de imóvel.
Sobre o preço do contrato, o analista, após referir que 97% do montante
correspondia aos projetos e à obra, perguntou o que seria acessório no referido contrato: o terreno a ser adquirido ou o imóvel a ser construído? A tese
da defesa afirmava que o terreno seria o bem principal; uma vez adquirido,
o prédio ali construído seria transferido ao adquirente por força da incidência dos arts. 43 e 547 do CC de 1916. Na opinião do analista:
[não seria] aplicável, ao caso, a conceituação constante do art. 43
do Código Civil, segundo a qual a construção é acessório do terreno.
No que tange à materialidade do fato, é nítido que a parcela mais
expressiva das despesas refere-se às obras, devendo, em nossa
opinião, [...] ser regida pela legislação aplicável à matéria,
especialmente no que tange ao Estatuto de Licitações e Contratos
em vigor. Nesse caso, entendemos nós, o terreno e não a obra
deva ser tido como acessório.30
Outro problema apontado pelo analista da Secretaria de Auditoria do
TCU foi a ausência de garantias idôneas oferecidas pela contratante e a
consequente exposição da Administração Pública ao risco decorrente do
inadimplemento daquela:
74
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
A opção, feita pelo TRT, de realizar a construção de um edifício
mediante uma pretensa operação de compra e venda de coisa futura,
a par das impropriedades já apontadas, bem assim da suspeita de
prejuízo ao erário pela prática de sobrepreço, trouxe consigo um
grande risco, na medida em que implicou na entrega, por parte da
Administração, de uma elevada quantia de recursos públicos, da
ordem de US$ 139,2 milhões, a uma empresa privada desprovida
de patrimônio para responder por uma eventual inadimplência,
sem a exigência de outras garantias idôneas se não uma escritura
de compromisso de venda e compra que, como vimos, somente
se constitui em direito real na condição de vir a exigir o objeto
prometido. Mais grave ainda foi o fato de, no exercício de 1992,
uma parcela de US$ 21,7 milhões terem sido entregues à contratada
sem sequer essa pseudo-garantia.31
O referido analista enfatiza em seu parecer a antieconomicidade gerada
pela forma sui generis adotada, isto é, aquisição de imóvel a ser construído
[...] tendo em vista que as alternativas legais que poderiam ter sido
utilizadas pelo TRT “execução direta ou indireta” da obra pelo preço
de custo mais uma taxa razoável de administração (entre 10% a
20%) do custo total da obra, ensejaria um preço final muito inferior
ao obtido no contrato em estudo.32
Entre as medidas sugeridas, e na hipótese de que o TCU optasse pela
continuidade da execução do contrato como forma de evitar maiores prejuízos à Administração Pública, estava o aditamento do contrato com a
supressão das cláusulas prejudiciais e a inclusão de cláusulas correspondentes ao interesse da Administração Pública. Essas últimas corresponderiam,
segundo o analista, a cláusulas prevendo: a) garantias idôneas e suficientes
quanto ao cumprimento do contrato, conforme o disposto no § 4º do art. 46
do Decreto-lei n. 2.300/86, b) cronograma físico-financeiro que condicionasse a liberação dos recursos ao cumprimento de metas por parte da contratada e c) a imediata transferência da propriedade do terreno ao TRT.
75
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
Ora, quanto à primeira medida há que se sublinhar a inaplicabilidade
do referido artigo à hipótese, pois não se tratava de contrato no qual ocorresse a entrega de bens pela Administração dos quais a contratada ficasse
depositária. Afastada essa hipótese, temos que se a Administração Pública
fosse exigir essas garantias, de acordo com o § 2º do art. 46 do então vigente Decreto-lei n. 2.300/86 elas não poderiam exceder mais do que 5% do
valor do contrato.33
A sugestão de inclusão de cronograma físico-financeiro e a vinculação
dos pagamentos ao cumprimento de etapas nele estabelecidas depende da
prévia desqualificação da operação, na qual ela corresponderia a uma
compra e venda, pois o referido cronograma não é elemento necessário à
configuração daquele tipo contratual. E se à Administração Pública é dada
a liberdade de celebrar contrato de compra e venda de bem imóvel, não
seria possível obrigá-la a adotar a vinculação entre cronograma de obras
e desembolso de recursos.
Por fim, a última sugestão, além de possuir apenas um pequeno efeito
de proteção (diante da apontada desproporção entre o valor do terreno e o
valor atribuído ao projeto e obras), uma vez atendida tornará ainda mais
complicada a solução do caso. Tal medida – a celebração da escritura definitiva de compra e venda do terreno lavrada em 19 de dezembro de 1996
– dará ensejo a um novo embate dogmático quando do segundo julgamento
do caso junto ao TCU e do seu desdobramento no Mandado de Segurança
impetrado junto ao STF.
O Secretário de Auditoria e Inspeções do TCU adotou integralmente o
parecer do analista e propôs que o Tribunal de Contas transformasse a Inspeção Ordinária em Tomada de Contas Especial com vistas a obter o ressarcimento dos valores pagos indevidamente.
Mais uma vez foi dada a vista à empresa contratada. Nessa oportunidade, foi juntado novo parecer jurídico produzido por Toshio Mukai,
especificamente contraditando os argumentos apresentados pelo analista
da Secretaria de Auditoria e Inspeções. Nesse novo parecer, Toshio Mukai
reforçou a ideia de que a escolha do tipo contratual era decorrência do
exercício do poder discricionário da Administração Pública e que, por
essa razão, não caberia ao TCU nenhuma possibilidade de intervir nessa
76
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
escolha e nem mesmo sugerir que o negócio fosse realizado por meio de
outra maneira. Nas palavras do parecerista contratado, o que o analista
do TCU havia sugerido era impraticável, pois “sua pretensão de substituir
a opção discricionária da Administração do Tribunal Regional pela sua
opção desemboca nessa inconstitucionalidade, razão porque é inaceitável,
sob o aspecto jurídico”.34
Em resposta ao parecer de Toshio Mukai, a SECEX-SP foi chamada
mais uma vez a se manifestar. A resposta serviu-se de uma citação de Hely
Lopes Meirelles para sustentar que somente existe discricionariedade
dentro dos limites da lei.35
Importa destacar que tanto o parecer de Toshio Mukai quanto o emitido pela SECEX-SP concordam que dentro dos limites da lei o poder
discricionário da Administração Pública tem seu exercício resguardado
de qualquer interferência externa. O que o texto do acórdão não nos permite visualizar, na forma como tais passagens são referidas, são os argumentos apresentados por ambas as partes para justificar que a decisão da
escolha do tipo contratual estaria dentro ou fora do âmbito da discricionariedade administrativa.
Ao final, o Secretário da SECEX-SP concluiu seu parecer no sentido
da manutenção das orientações anteriormente sugeridas, mas diante de
todo o debate que se estabeleceu sobre o formato contratual escolhido
pelo TRT, acabou por asseverar que:
[...] tornou-se fulcral o magistério do Egrégio Tribunal – o que envolve
possível precedente para toda a Administração Federal – quanto à
admissibilidade da espécie que se pretende seja caracterizada neste
processo como natureza contratual, qual seja: aquisição de imóvel a
construir, muito embora não exista previsão legal sobre a matéria.36
O processo então permaneceu no aguardo da diligência final determinada pelo Ministro Relator. Em atenção à audiência solicitada pelo
então Relator dos autos, foram juntadas as novas justificativas e alegações
de defesa apresentadas pelo TRT 2ª Região e assinadas pelo Sr. Juiz Presidente daquele Tribunal (em maio de 1995), Dr. Rubens Tavares Aidar,
77
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
juntamente com o Presidente da Comissão para Construção do Fórum
Trabalhista de São Paulo, Juiz Nicolau dos Santos Neto.37
Em sua defesa, os responsáveis, no âmbito do TRT-SP, responderam
uma a uma as falhas e/ou irregularidades apontadas no Relatório de Inspeção, baseando-se, em sua quase totalidade, nos mesmos fundamentos
sustentados pelos eminentes Juristas e Advogados que estiveram presentes nos autos. Deram destaque, uma vez mais, dentre outros pontos constantes no processo, ao objeto da licitação e às questões referentes ao
projeto original (bem como à forma de pagamento praticada), além dos
aspectos ligados à falta de inclusão do investimento no plano plurianual
e às alterações introduzidas no projeto.38
Por solicitação do Ministro Relator manifestou-se a Procuradoria-Geral
sobre as questões suscitadas nos autos pelos auditores e analistas do Tribunal, pelos pareceristas da CEF e pelos pareceristas e advogados contratados pela empresa interessada. Em sua opinião, o Procurador pretendeu
demonstrar que, contrariamente ao que sustentaram os defensores da contratada, o próprio TRT entendeu que a operação se caracterizava como
contrato de obra pública, tanto assim que “com exceção da despesa de
1992 (parte destinada à compra do terreno) todos os demais desembolsos,
de 1993 a 1994, foram efetivados por conta da dotação de ‘investimentos’,
classificação destinada a ‘obras e instalações’ e não como ‘inversões financeiras’, consignada para ‘aquisição de imóveis’ (cf. classificação da despesa
quanto à sua natureza).39
Relativamente a esse ponto, os advogados de defesa da contratada já
haviam se manifestado no sentido de que:
A circunstância de terem sido efetivadas as despesas de 1993 a
1994, à conta da dotação de investimentos, classificação destinada
a obras e instalações, teria sido um erro financeiro e contábil, jamais
tendo o condão de desnaturar o contrato firmado pelas partes, pois
tal classificação é ato unilateral do qual não participou a Incal,
não sendo juridicamente possível a alteração de um contrato, que
representa a vontade comum e é lei entre as partes, pelo arbítrio
de um só dos contratantes.40
78
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Após todas as manifestações, o relator do processo no TCU, Ministro
Paulo Affonso Martins de Oliveira, iniciou seu voto recordando que já
naquele momento o referido caso vinha merecendo a atenção especial
da Corte de Contas por quase quatro anos, e que tudo levava a crer que
“o ponto primordial para o desate da matéria em apreço prende-se ao
objeto da licitação, ante a diversificação da essência de cada uma das
modalidades em que o mesmo se desdobrou”.41 Na opinião do Ministro
Relator, não se tratava
[...] de uma simples aquisição de imóvel, mas de objeto contendo
várias hipóteses de oferta, com amplitude de atividades, envolvendo
situações diferentes em cada uma delas. Isto é, amplo, complexo,
diversificado, confuso e sem qualquer objetividade, propiciando,
em consequência, uma verdadeira gama de procedimentos divergentes
que contribuíram para mascarar ilegalidades e irregularidades em
todo o processo licitatório e dificultar a identificação da real
natureza da licitação.42
Seria a adoção de um procedimento complexo, atípico, incomum, algo
ilegal? José Afonso da Silva, no parecer solicitado pela contratada, respondia negativamente a essa pergunta:
O comum mesmo é desapropriar, mas a desapropriação, no caso,
importaria em adquirir prédio inadequado às finalidades da Justiça
do Trabalho. Por isso é que, como já mostramos, a licitação na
forma realizada constituía o meio mais adequado e conveniente
à consecução de imóvel apropriado àquelas finalidades. Mas “o
inusitado, o não comum”, não autoriza apreciar os fatos com critérios
diversos do regime jurídico que os rege [...]. Ou seja, “o fato de se
tratar de um caso raro” não autoriza converter uma licitação para
aquisição de imóvel numa contratação de obra de engenharia [...],
fazendo incidir uma regra (a do art. 6º do Decreto-lei n. 2.300/86)
que se aplica às hipóteses de execução de obra ou prestação de
serviço público.43
79
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
Na tentativa de rebater o argumento exposto anteriormente, o Procurador
retornará à questão acerca da definição de quais seriam os bens principal
e acessório nessa operação de forma a buscar caracterizar qual seria, “em
essência”,44 o objeto principal do contrato:
Dessa forma, constata-se, sem qualquer dificuldade, que a parte
mais importante da licitação não era a aquisição do terreno, mas sim
descobrir um edifício pronto com as características adequadas às
finalidades da Concorrência. Vê-se, então, até mesmo pelo valor
de cada parte distinta da licitação, que é muito fácil identificar qual
delas representa o acessório e qual pode significar o principal.
O procedimento correto e legal do TRT seria, sem sombra de dúvida,
realizar uma licitação para a aquisição do terreno e, em seguida,
outra para a execução das obras de edificação do prédio adequado
à instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento da cidade de
São Paulo. Tal comportamento teria, certamente, evitado todas essas
dificuldades e não impediria que a Administração alcançasse,
integralmente, o objeto pretendido.45
Outro ponto apontado no voto do relator para desqualificar o contrato
como sendo de compra e venda estaria no fato de que, diferentemente do
que sustentava a contratada em sua defesa,46 as obras não seriam executadas
por conta exclusiva da contratada, “visto que dependiam, exclusivamente,
dos recursos do órgão contratante (TRT), isto é, uma obra inteiramente
financiada pelo mencionado licitante”.47 Segundo ele:
Realmente o mal começou pela raiz e maculou todas as etapas do
processo licitatório. Assim, a ausência de prévio projeto básico de
engenharia (art. 6º, DL n. 2.300/86); a não inclusão do investimento
no Plano Plurianual (art. 167, § 1º da C.F.); a inclusão de cláusulas
contratuais que beneficiam apenas uma das partes em detrimento da
Administração-financiadora da quase totalidade do serviço; a previsão
de multa à contratante; a habilitação indevida da licitante, infringindo o
disposto no art. 25, § 2º, item 1, do DL 2.300/86 c/c o art. 6º, alíneas “a”
80
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
e “b”, da Lei n. 5.194/66, e muitas outras falhas apontadas no processo
decorreram, exclusivamente, da opção inicial tomada pelo TRT-SP.48
Em sua defesa, a contratada ressaltou ser “inegável a existência da figura
da ‘compra e venda de coisa futura’, consoante prevê o inciso III do art. 14
do DL n. 2.300/86, que está perfeitamente agasalhada no Código Civil Brasileiro (art. 1.122). Da mesma forma, enfatizaram que a Doutrina entende
que a compra e venda de imóveis deve reger-se pelas normas de direito
privado, atuando a Administração como se particular fosse, sem supremacia
de poder”.49
Para o Ministro Relator, porém, a questão dispensaria qualquer reparo
[...] caso a situação aqui exaustivamente examinada não envolvesse
outros aspectos importantes a considerar, principalmente o alto
risco da Administração que, ao mesmo tempo em que atuou como
se particular fosse – sem supremacia de poder – agiu na condição
de personalidade pública, assumindo graves riscos na qualidade
de financiadora das obras de engenharia em andamento e,
consequentemente, posicionando-se em situação de inferioridade
com supremacia do particular contratado, tendo em vista as
cláusulas abusivas acordadas.50
A questão fundamental parece ser, então, definir se o procedimento mais
adequado é o único que pode ser considerado legal ou, em outras palavras,
se a escolha feita pela administração do TRT 2ª Região por uma forma contratual menos adequada à operação é ilegal em si ou está dentro da margem
de discricionariedade permitida pela lei. Qual a vinculação entre adequação
e legalidade no âmbito dos contratos públicos?
Para o Ministro Relator, não poderia o TRT recorrer à celebração de contrato diverso do contrato de obra pública, pois não possuía autorização legal
para isso. E busca referendar sua opinião citando Hely Lopes Meirelles: “a
lei para o particular significa poder fazer assim, para o administrador
público significa deve fazer assim”.51 Mas não explica porque, nesse caso,
não seria possível sustentar que os arts. 13 e 14 do Decreto-lei n. 2.300/86
81
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
autorizavam a administração do TRT a optar por tipo contratual diverso do
contrato de obra pública. O que o relator apresenta como solução do problema, reconhecendo a ausência de dispositivo legal que expressamente
aborde a questão, é uma defesa da identidade entre adequação e legalidade
calcada numa invocação dos princípios da supremacia e da indisponibilidade
do interesse público.52
Mas essa justificativa parece transformar o problema. Não se trata mais
de uma questão de qualificação do contrato, mas de responsabilidade do
administrador pela escolha de modelo inadequado, ainda que legal.53 A solução do caso não estaria no debate sobre a qualificação, mas sobre o desequilíbrio das prestações estabelecidas em decorrência do modelo escolhido
e dos prejuízos daí advindos para a Administração Pública.
Segundo as cláusulas contratuais estabelecidas, a Administração Pública pagaria na compra e venda maior preço do que o valor corrente num
contrato de empreitada, mas correria mais riscos do que o comum naquele
tipo de contrato. Ou seja, a contratada teria todos os bônus de uma compra
e venda (preço, por exemplo), sem os riscos (como responsabilidade pelo
atraso). Não detectada nenhuma vantagem para a Administração Pública
decorrente da forma como foi estruturado o contrato, podemos afirmar
que os representantes dessa deixaram de cumprir seu mandamento legal
enquanto gestores do interesse público e, por isso, deveriam ser responsabilizados.54 Mas em nenhum momento essa perspectiva recebeu alguma
atenção, ainda que lateral.
No presente caso o relator entendeu, à época, “não estar presente nenhum
indício de improbidade administrativa de parte dos responsáveis”;55 assim
sendo e “considerando as últimas informações a respeito do estágio em que
se encontram as obras do edifício que irá sediar as Juntas Trabalhistas da
cidade de São Paulo” concluiu que: “qualquer determinação desta Corte de
Contas terá de levar em conta esse aspecto, tendo em vista o tempo decorrido durante a tramitação do processo, indispensável à elucidação dos fatos
em toda a extensão necessária, haja vista a complexidade das ocorrências
aqui tratadas”.
De acordo com essa orientação, a decisão foi no sentido de “aceitar, preliminarmente, os procedimentos adotados até a presente data pelo TRT-SP,
82
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
tendo em vista a fase conclusiva em que se encontram as obras do edifício
sede das Juntas de Conciliação e Julgamento da cidade de São Paulo”.56
Essa decisão foi acompanhada da ressalva de que tal posicionamento do
Tribunal de Contas tomado “ante as dificuldades, a esta altura, de se
implementar medidas corretivas e punitivas, não deve servir de estímulo
ou exemplo a nenhum outro órgão ou entidade públicos a praticarem atos
dessa natureza”.57
Para que se tenha uma ideia da grande polêmica travada em torno do
assunto – a decisão não foi unânime – transcreve-se, brevemente, as opiniões constantes dos votos apresentados pelos Ministros no julgamento.
Quanto à aceitação preliminar dos procedimentos, temos que o Ministro Adhemar Paladini Ghisi discordava da decisão, pois considerava como
consumados os procedimentos adotados pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região; assim, tendo em vista a fase conclusiva em que se
encontravam as obras do edifício sede das Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo, propugnava pela aplicação da multa
prevista no art. 58, inciso II, da Lei n. 8.443, de 16 de julho de 1992, a
cada um dos responsáveis, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Já
o Ministro Carlos Átila Álvares da Silva entendia que os procedimentos
deviam ser aceitos em definitivo, pois considerava regulares os procedimentos adotados pelo TRT-SP com fundamento nos arts. 14, inciso III, e
23, inciso IV, do DL n. 2.300/86, tendo em vista, sobretudo, o registro
feito pelo Relator, no sentido de não haver encontrado indícios de improbidade administrativa nesses procedimentos.
Em linha distinta, o Ministro Humberto Guimarães Souto deixava de
acolher a proposta, por entender que o adequado seria determinar a conversão do processo em Tomada de Contas Especial, com vistas à apuração
mais aprofundada dos atos praticados para, se for o caso, aplicar aos responsáveis a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei n. 8.443/92, além
de outras sanções cabíveis.
Por fim, alguns ministros, acompanhando o Ministro Relator, aceitaram com ressalvas os procedimentos adotados pelo TRT 2ª Região: foram
os Ministros Bento José Bugarin e Fernando Gonçalves.
83
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
O Acórdão 45/1999 do Tribunal de Contas da União
No dia 18 de fevereiro de 1998, passados dois anos do julgamento pelo
TCU, ingressa no referido Tribunal expediente de autoria da então Procuradora-Chefe da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, Elizabeth Kablukow Bonora Peinado, informando que:
2.1.2 |
[...] decorridos dois anos [da Decisão n. 231/96-Plenário], tendo
sido ultrapassados os prazos contratuais avençados entre o TRT/SP
e a empresa Incal Incorporações S.A., vencedora da licitação, e já
tendo sido pago pelo Tesouro Nacional praticamente o preço total
do empreendimento [...], muito ainda falta para a entrega da obra,
de relevantíssima importância para esta Capital.58
Dessarte, solicitou que fossem informadas por aquele Tribunal “as medidas a serem adotadas, com vistas ao esclarecimento dos fatos e apuração
das responsabilidades, bem como aquelas porventura já existentes”.
Tal expediente foi autuado, no âmbito da Presidência daquela Corte,
como um processo autônomo,59 e encaminhado à SECEX-SP “para as providências cabíveis”.
A SECEX-SP, destacando a necessidade de verificar-se a “compatibilidade entre a execução dos serviços com a contraprestação pecuniária
devida”, assim como consultar os respectivos documentos, tais como cronograma físico-financeiro, medições, faturas e outros, propôs a realização
de inspeção, “porquanto ser indispensável verificar ‘in loco’ o estágio atual
das obras” ante a relevância dos recursos envolvidos.60
Foram os autos, então, encaminhados ao gabinete do Ministro Adhemar
Ghisi, na condição de Relator dos processos relativos a órgãos do Poder
Judiciário, autuados no biênio 1997/1998. Este, por considerar necessária uma apuração dos novos fatos apontados pela Sra. Procuradora-Chefe,
autorizou a realização da inspeção.61
O relatório elaborado pela SECEX-SP revelou que “conquanto o término
da obra estivesse previsto para novembro de 1996, vêm ocorrendo sucessivas prorrogações de prazo final para entrega do imóvel, mediante termos
aditivos à Escritura de Compromisso de Venda e Compra, de forma que o
84
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
último prazo acordado passou a ser dezembro de 1998”.62 Diante desse fato,
vinha a contratada sofrendo alguma sanção? A resposta chama atenção:
Em que pese a Incal não ter cumprido os prazos estipulados para o
término da obra, especialmente o contido no 2º Termo Aditivo CC –
01/92, qual seja, 31/12/97, não vem sendo-lhe aplicada nenhuma das
espécies de sanção administrativa, seja multa, advertência, ou qualquer
outra dentre as previstas nos arts. 86 e 87 da Lei n. 8.666/93 para o caso
de inadimplemento na execução do contrato. Ao contrário, o TRT/SP
avocou à Incal, mediante cláusula contratual, o direito de redução do
ritmo da obra, em caso de atraso de pagamento. De ressaltar ainda que
todos os termos aditivos celebrados mencionam o atraso do TRT na
liberação dos recursos, e o consequente elastecimento de prazos
oferecidos à Contratada. É cômoda, pois, a situação da contratada, que,
em tendo recebido a quase a totalidade do preço do empreendimento,
não vem cumprindo o contrato no prazo estabelecido, até porque,
consoante referido, inexistem medidas repressivas infligidas pelo TRT
em função da inexecução contratual. [...] No que tange à execução da
obra, a equipe de auditoria – contando com auxílio de arquiteta do
Fundo de Construção da Universidade de São Paulo – FUNDUSP –
constatou que foram desenvolvidas apenas 64,15% das ações
previstas, ‘denotando um descompasso entre os valores devidos
e os valores pagos, os quais, vale lembrar, são da ordem de 98,70%
(destaques nossos)’.63
Ou seja, a assunção do modelo de uma compra e venda de bem futuro
cumulada com a inserção de cláusulas que autorizavam à contratada reduzir
o ritmo da obra e, com isso, atrasar a entrega do prédio permitiu um completo descasamento entre os valores pagos a título de preço e o estágio de
andamento da construção. Mas a situação revelou-se ainda pior para a
Administração Pública, pois além de ampliar o prazo de entrega, os aditivos
contratuais tinham por objetivo aumentar o preço a ser pago.
Em consequência da Segunda Inspeção da SECEX-SP, ocorreu audiência prévia com os responsáveis (Délvio Buffulin, ex-Presidente do TRT
85
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
2ª Região, e Nicolau dos Santos Neto, ex-Presidente da Comissão de Construção do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo), acerca de pontos
considerados relevantes.
Em resposta à questão relativa aos pagamentos antecipados à Incal Incorporacões S.A. e a incompatibilidade entre o montante de recursos liberados,
conforme levantamento da equipe de inspeção, os responsáveis apresentaram como justificativa um estudo produzido a pedido da referida empresa,
o qual teve por objetivo fundamentar a solicitação de revisão contratual com
vistas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
A seguir, em síntese, apresentamos os argumentos presentes no estudo.64
O contrato havia sido estabelecido com cláusula de reajuste integral da
inflação, sendo assegurada a recomposição mensal da equação econômico-financeira, razão pela qual se tornava desnecessária qualquer previsão de
inflação futura. Dessa forma, quando houve a conversão para reais, o contrato não carregava em seus preços nenhuma expectativa de aumento de
preços na economia.
A contratada alegava nesse estudo um prejuízo global de R$ 34.088.871,11,
decorrente de:
“a) aumento de custo correspondente ao aumento do prazo de
entrega e consequente aumento das despesas indiretas e diretas
(R$ 23.478.605,82);
b) alteração do sistema de reajuste de mensal para anual face
o advento do Plano Real65 (R$ 9.080.958,43);
c) criação do Imposto Provisório sobre a Movimentação ou
Transmissão de Valores e Direito de Natureza financeira
(R$ 135.339,06);
d) criação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação
ou a Transmissão de Valores e Direito de Natureza Financeira
(R$ 53.239,12); e
e) retenção na fonte do Imposto de Renda Pessoa Jurídica,
da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, da Contribuição
para Seguridade Social e da Contribuição para o PIS/PASEP
(R$ 1.340.728,68)”.66
86
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Acrescentam os administradores públicos responsáveis pelo contrato que
o aumento de custo referido no item “a” teria decorrido da impossibilidade
de o TRT cumprir o cronograma financeiro do contrato inicial, face à falta
de liberações de verbas. Disso teriam resultado constantes atrasos de pagamentos, os quais determinaram aditamentos objetivando a postergação dos
pagamentos e alteração da data de entrega do empreendimento.
Quanto às alíneas “b” a “e”, os responsáveis pelo contrato sustentavam
ter ocorrido diminuição do valor do contrato em vista da edição de leis posteriores, entre elas o Plano Real, que transformou o reajuste pleno mensal
em anual, bem como a instituição dos impostos, contribuições e retenção
na fonte. Com base exclusivamente nos dados apresentados pela Contratada, apontavam que a somatória dos itens “b” a “e” implicava na diminuição do valor efetivo do contrato original em montante correspondente a
R$ 10.610.265,29.
Para fundamentar o direito de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato celebrado com o TRT 2ª Região, eram invocados,
pela contratada, dispositivos do Decreto-lei n. 2.300/86 e do atual Estatuto
das Licitações, Lei n. 8.666/93, especialmente o preceituado no art. 65,
inciso II, alínea “d”, e §§ 5º e 6º.67 Asseverava ainda que os fatos ocorridos
qualificavam-se juridicamente como:68
a) Fato da Administração, entendido como todo fato ou ato comissivo
ou omissivo do contratante que dificulta ou impede a execução do contrato. A Contratada alegava ter tido prejuízo em razão da prorrogação
do prazo de entrega e das repetidas reduções no ritmo da obra pelo
não cumprimento das obrigações pecuniárias por parte do TRT nas
datas aprazadas;
b) Fato do Príncipe, entendido como determinação estatal posterior e sem
relação direta com o contrato administrativo (por exemplo, a edição de
uma lei), que cria excessiva dificuldade ou impossibilita o cumprimento do mesmo. A Contratada afirmava que tal fato havia se consumado
na criação do IPMF e da CPMF, bem como a Lei n. 9.430, de 27 de
dezembro de 1996, que havia instituído o desconto, na fonte, do imposto
87
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
sobre a renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição para seguridade social e da contribuição para o PIS/PASEP;
c) Fatos Imprevisíveis e Inevitáveis que, por produzirem efeitos sobre a
economia do contrato, alterando-a, autorizam a revisão desse documento de forma a ajustá-lo às circunstâncias supervenientes (cláusula rebus
sic stantibus). Alegava a contratada que a extinção do sistema de reajuste de preços previsto no contrato, em razão da edição do Plano Real,
teria alterado a correlação encargo-remuneração estabelecida inicialmente, configurando, portanto, evento excepcional e imprevisível estranho à vontade das partes (álea econômica extraordinária).
As razões apresentadas pela contratada no referido estudo foram apresentadas pelos responsáveis pelo contrato como justificativa para os aditamentos realizados.69
Em resposta, a SECEX-SP defendeu que não se poderia falar em atraso
de pagamentos, pois teria havido, em verdade, adiantamento de pagamentos,70 fato que, inclusive, teria permitido à contratada ficar “durante quase
dois anos com aproximadamente 21 milhões de dólares em caixa (montante
referente à parte da entrada, conforme apontado no TC n. 700.731/92-0),
sem ter iniciado as obras, pois que, de acordo com a cláusula ajustada, as
obras só teriam início com o pagamento integral da entrada (da ordem de
R$ 34.854.369,07 em 21.10.94)”.71
O argumento acerca da ocorrência de Fato do Príncipe, pela edição de
leis posteriores que teriam onerado em demasia a contratada, foi afastado
pela unidade técnica, que em sua manifestação sustentou que nenhuma das
alterações legais criou ônus insuperável e específico, ou seja, as leis mencionadas pela contratada em sua defesa, na opinião do corpo técnico, não
impuseram à contratada nenhuma impossibilidade econômica para a realização de sua atividade empresarial e, além disso, seus efeitos atingiram toda
a sociedade e não apenas a empresa contratada.72 Bastaria analisar o valor
total do contrato e o montante atribuído ao aumento de custos decorrentes
dessas alterações legislativas e perceber-se-ia que os últimos configuram
um valor ínfimo se comparados ao primeiro.
88
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Uma vez encontrando-se os autos para julgamento pelo Tribunal de
Contas, o Ministro Relator Adhemar Ghisi, em seu voto, manifestou sua
opinião no sentido de que:
[...] o mais relevante de todos os aspectos que se possa vir a suscitar
é o da adequação (ou não) dos pagamentos efetuados à firma Incal,
em face do estágio em que se encontram as obras, posto que de um
lado a imprensa e o senso comum estão a dizer que a totalidade da
obra já se encontra praticamente paga, por outro encontra-se a Incal
a afirmar o contrário, sob o argumento de que o valor original do
contrato não mais poderia subsistir com parâmetro para a aferição
do seu valor, visto que fatos supervenientes teriam modificado
a relação de equilíbrio inicialmente prevalecente.73
O referido Ministro ao converter o valor inicial do contrato para UFIRs,74
chegou à conclusão de que o valor inicialmente pactuado correspondia a
249.298.954,7038 UFIRs. Tomando esse valor, o Ministro concluiu que após
o pagamento efetuado em 16 de março de 1998 (o último dos pagamentos
consoante dados dos autos) seria necessário, para atingir o valor inicial, realizar ainda o pagamento do correspondente a 30.648.793,1325 UFIRs.75 Convertido esse valor para reais, a contratada ainda teria um saldo favorável de
R$ 15.120.214,63. Diante dessa constatação, o Relator concluía ser “pertinente a afirmação da contratada de que os planos econômicos introduzidos
pelo Governo Federal acarretaram o desequilíbrio econômico-financeiro do
contrato, implicando na redução da equação inicialmente pactuada.”76
Quanto à alegação acerca da ocorrência de Fato do Príncipe, o Relator
entendeu que seriam três os requisitos necessários à sua aplicação: a) a
existência de nexo direto de causalidade entre encargo criado (por exemplo, imposto) e os bens vendidos/serviços prestados, b) a imprevisibilidade
do ônus e c) a materialidade do ônus imposto ao particular.77
No caso concreto, envolvendo a criação do Imposto Provisório sobre
a Movimentação Financeira ou a Transmissão de Valores e Direito de
Natureza Financeira (IPMF) e da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira ou a Transmissão de Valores e Direito de Natureza
89
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
Financeira (CPMF), o Relator afirma que, embora configurada a imprevisibilidade, não estaria presente a conexão direta entre encargo e atividade,
pois “tais tributos são de natureza genérica, alcançando a economia do país
como um todo, não possuindo estreita correlação com a produção de bens
ou de serviços específicos”.78 Além disso, em sua opinião, haveria pequena
materialidade desses impostos no cômputo do contrato, ou seja, o aumento
dos custos não seria significativo, pois corresponderia a uma diminuição de
apenas 0,3970% do lucro do negócio.79
Quanto à questão envolvendo a retenção na fonte do Imposto de Renda
Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro (CSSL), da
Contribuição para a Seguridade Social (COFINS) e da Contribuição para
o PIS/PASEP, opinou o relator no sentido de que tal fato “não criou ônus
novos para as empresas, mas apenas antecipou o pagamento de encargos
já existentes”.80
Por fim, quanto à alegação da contratada de que sofreu prejuízos decorrentes do “aumento das despesas indiretas pela necessidade de permanência por período superior ao contratado, aumento das despesas diretas por
aumento do prazo de entrega e a necessidade de demissões para adequação
ao ritmo de trabalho por força de falta de fluxo financeiro compatível com
a necessidade e velocidade do andamento dos serviços”,81 o relator entendeu por desconsiderá-la sob a alegação de que se tais fatos ocorreram se
deram exclusivamente por negligência da contratada:
Ora, uma análise detalhada do “quadro” permite-nos compreender
o raciocínio irreal desenvolvido pela Incal: o prazo inicial para a
execução do contrato expirava em 24/07/1995, quando a obra deveria
ser entregue; assim, todas as despesas incorridas após aquela data
constituiriam prejuízo a ser indenizado pela União. [...] Ressaltei que
o raciocínio é inaceitável, e explico: se as despesas estão sendo
incorridas nesse período, é porque não o foram antes – e deveriam ter
sido. Não houve, assim, aumento de despesa, mas apenas sua diluição
em um tempo maior. Se cumprido o prazo inicial do contrato, todas as
despesas seriam incorridas no período de 14/09/1992 e 24/07/1995.
Ocorre que houve diminuição do ritmo das obras e, olvidaram-se os
90
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
responsáveis pela Incal, que a redução do ritmo das obras também se
faz acompanhar da redução das despesas – pelo menos assim deveria
ter ocorrido, pelas regras da boa administração.82
Por todo o exposto, o relator concluía que de todas as alegações da contratada apenas se poderia admitir como justa a demanda por valor equivalente a 6,21% do valor total do contrato;83 ocorre que a aplicação do mesmo
raciocínio que permitia encontrar essa diferença também permitiria exigir
que, naquele momento, já estivessem concluídos 93,79% da obra.84 No
entanto, as constatações in loco revelavam dados bastante diferentes quanto ao andamento da construção. De acordo com o relatório produzido pela
SECEX-SP em 1998, apenas 64,15% da obra estava concluída.
Cabe destacar que o aludido percentual de 93,79% mencionado anteriormente tinha como base o valor inicial da obra. Valor esse que, segundo parecer de engenharia produzido pela Caixa Econômica Federal,85 poderia
corresponder a um sobrepreço da ordem de 20% em relação aos valores de
mercado praticados à época da contratação.86
Se aceita a opinião desse parecer, teríamos um descompasso ainda maior
entre pagamentos e andamento da obra. Descontado o percentual de 20%,
o valor total do contrato passaria a ser CR$ 125.202.066.666,70. Nessa hipótese, após a conversão para reais, já teria ocorrido o pagamento de cerca de
113% do valor do contrato.87
Não obstante todos esses fatos, o TRT 2ª Região, em 17 de maio de 1998,
representado por seu Juiz Presidente, assinou aditamento obrigando-se a
pagar à Incal, à título de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, o
correspondente a R$ 34.088.871,11.88
Esse aditivo, o quarto celebrado entre as partes,89 foi justificado com
base em documentos fornecidos unilateralmente pela Incal,90 e tinha por
finalidade obter um reequilíbrio econômico-financeiro e prorrogação do
prazo de entrega do imóvel. Em realidade, o quarto aditivo teria sido motivado pela resistência da Comissão de Instalação em firmar novo termo aditivo envolvendo a realização de serviços que, na opinião da contratada, não
estavam previstos na proposta original.91 Ou seja, inicialmente a empresa
contratada exigia novos pagamentos sob a justificativa de que a ela estava
91
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
sendo exigida a realização de serviços não descritos no contrato inicialmente
celebrado; uma vez que seus argumentos não foram aceitos pela Comissão
de Instalação, para quem os serviços estavam previstos no contrato inicial,
a contratada passou a exigir novos pagamentos em vista de justificativa
diversa: a ocorrência de fatos externos ao contrato que teriam tornado seu
cumprimento demasiado excessivo.
De maneira paradoxal, os argumentos jurídicos utilizados pela contratada
para fundamentar sua pretensão à revisão eram essencialmente os arts. 55,
II, “d”, do Decreto-lei n. 2.300/86 e 65, II, “d”, da Lei n. 8.666/93: o primeiro artigo autoriza a alteração do contrato, por acordo das partes, para
restabelecer a relação “entre os encargos da contratada e a retribuição da
Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento,
objetivando a manutenção do inicial equilíbrio econômico financeiro do
contrato”; o segundo estabelece, em similar redação, que os contratos podem
ser alterados
[...] para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente
entre os encargos do contratado e a retribuição da administração
para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento,
objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro
inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis,
ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores
ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força
maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea
econômica extraordinária e extracontratual.
A referência a esses dois artigos, que se tratam de dispositivos presentes
em diplomas que regulam o processo licitatório e os contratos celebrados
na esfera do direito público, poderia implicar a admissão, pela contratada,
de que o contrato celebrado seria, ao final, um contrato administrativo.
Mas cabe lembrar que, conforme vimos anteriormente, toda argumentação
inicial – quando da discussão sobre a adequação do edital e da forma contratual escolhida pelas partes – realizada pela empresa contratada e pelos
responsáveis administrativos pelo processo licitatório foi no sentido de
92
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
que o contrato celebrado era um contrato de direito privado. Essa contradição nunca foi destacada e explorada por nenhum dos dois tribunais que
se debruçaram sobre o caso (TCU e STF).
Mas, uma vez responsabilizados os envolvidos, em vista da má gestão
do interesse público, surge uma questão: quais os efeitos desses atos indevidos sobre o contrato que resulta deles? Como terminar o contrato e recuperar o dinheiro indevidamente pago pela Administração Pública?
Como forma de buscar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela
Administração Pública, além da responsabilização dos administradores
envolvidos, o relator ordenou a citação dos envolvidos a fim de que se manifestassem quanto à conversão dos autos em Tomada de Contas Especial.92
Além da aplicação da sanção punitiva, esse procedimento visa a recuperação
dos valores pagos indevidamente à contratada, pois seria lícito raciocinar
que “se foram concretizados apenas 64,15% da obra, não mais do que
64,15% do valor do contrato seria devido”.93 A diferença maior, equivalente
ao prejuízo causado aos cofres públicos, seria, então, correspondente a R$
57.374.209,84 e, por força da conversão do processo em Tomada de Contas
Especial, poderia ser exigida da empresa contratada.94
Ocorre que, exatamente no momento em que o relator terminava o
exame dos autos e elaborava seu voto,95 chegava a informação, em expediente datado de 25 de março de 1999 e remetido pelo então Presidente do
TRT 2ª Região (Floriano Vaz da Silva), de que o contrato entre o referido
tribunal trabalhista e a construtora Incal havia sido rescindido unilateralmente pelo primeiro nos termos do art. 79, inciso I, da Lei n. 8.666/93 e
do art. 69, inciso I, do Decreto-lei n. 2.300/86.96
Entre as hipóteses referidas por esses artigos como justificativas para a
rescisão unilateral encontram-se: problemas vinculados diretamente ao contrato (tais como a qualidade e o tempo de cumprimento, o cometimento de
faltas e desatendimento de determinações regulamentares), alterações ocorridas na situação jurídica ou econômica da contratada, razões de interesse
público e a ocorrência de caso fortuito ou força maior que impeçam a execução do contrato.97 O acórdão analisado não menciona quais dessas hipóteses teriam sido utilizadas pelo TRT 2ª Região para justificar o ato unilateral
de rescisão.98
93
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
Na opinião do relator, se fazia necessário que a contratante promovesse
a nulidade do contrato nos termos do art. 59 da Lei n. 8.666/93, pois “a rescisão unilateral legitima os pagamentos até então efetuados com base no
contrato, ao passo que a declaração de nulidade, por operar retroativamente,
permite que seja questionada a totalidade dos pagamentos”.99 Eis o motivo
pelo qual na alínea “f” da parte dispositiva buscou-se:
[...] determinar ao TRT – 2ª Região que providencie, em caráter
de urgência, se ainda não o fez, a continuidade das obras mediante
a contratação de empresa idônea, observada a necessidade de novo
procedimento licitatório, promovendo, também, a nulidade do
contrato, nos termos do art. 59 da Lei n. 8.666/93, em vista da
diversidade de efeitos da declaração de nulidade e da rescisão
unilateral do contrato, noticiando ao Tribunal, no prazo de 30
(trinta) dias, acerca das providências adotadas.100
2.2 |
AS
ArrAnCAr
o mAl PelA rAIz:
DISCUSSõES SOBRE NULIDADE E RESCISãO DO CONTRATO
NOS PROCESSOS INSTALADOS JUNTO AO
TCU
E AO
STF
CPI DO JUDICIáRIO
Tanto a decisão proferida pelo STF no corpo do Mandado de Segurança n.
23.560/DF quanto a decisão presente no Acórdão 298/2000 exarada pelo Tribunal de Contas da União se debruçam sobre a seguinte questão: uma vez
detectado o vício do contrato celebrado, como deveria proceder o TRT 2ª
Região? Qual, dentre as soluções legais, seria aquela que produziria menores
danos ao Erário Público? Há aqui, portanto, uma discussão sobre quais pretensões devem ser exigidas para a satisfação do interesse público.
Seria melhor decretar nulo o contrato e reforçar a mensagem de que atos
frutos de corrupção não receberão nenhuma chancela do ordenamento jurídico? Mas, nesse caso, como permanecer com a propriedade do terreno e
do prédio nele construído? Talvez rescindir o contrato unilateralmente seria
a solução mais rápida e, portanto, potencialmente a que permitiria uma redução dos prejuízos com o custo de manutenção de uma obra inacabada? Mas
APóS A CRIAçãO DA
94
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
se por um lado essa solução permitiria à Administração Pública contratar,
de pronto, um terceiro para finalizar a obra, por outro impediria, por força
de seus efeitos não retroativos, a solicitação da devolução dos valores já
pagos. Qual desses vários interesses realiza o interesse público? É possível
satisfazê-los todos?101
A análise das decisões revela claramente que para satisfazer algumas
das pretensões, mormente as relativas à extinção do contrato, os tribunais
optaram por justificativas que impediriam, respeitadas as regras do sistema
jurídico, a satisfação das pretensões relativas à manutenção da propriedade
dos bens e da restituição dos valores pagos a maior. O atendimento a todas
as pretensões somente foi possível pelo recurso a argumentos de autoridade, tais como a referência ao princípio da supremacia do interesse público – que, se nada explica, parece tudo justificar.
O Acórdão 23.560/DF do Supremo Tribunal Federal
Foi contra a decisão do Tribunal de Contas constante no Acórdão 45/99
que a Incal Incorporações S.A. impetrou, no Supremo Tribunal Federal,
mandado de segurança pleiteando a concessão de liminar suspendendo seus
efeitos por alegar que violava a coisa julgada administrativa e implicava
indevida cumulação da nulidade com a rescisão unilateral, já declarada no
mesmo contrato.102
Segundo consta do texto da decisão liminar,103 a empresa, com vistas a
defender a estrita legalidade da licitação, agregou às opiniões até então coletadas (Miguel Reale, José Afonso da Silva e Toshio Mukai) um novo parecer,104 agora de autoria de Ives Gandra Martins.105
Segundo consta do inteiro teor da decisão liminar no MS n. 23.560/DF,
a defesa centrou-se em torno do argumento de que a qualificação dada
ao contrato era adequada e fruto de opção decorrente do “exercício de
legítimo poder discricionário, resultando em negócio jurídico típico de
Direito Privado, submetido, por isso mesmo, à legislação civil”,106 e, portanto, asseverou-se que:
2.2.1 |
[...] o relatório da Inspeção que serviu de base à decisão do Tribunal
de Contas – Acórdão 45/99 – partiu de premissa fática errônea
95
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
quanto à natureza do contrato.107 Isso tudo com vistas à concessão
da segurança para “fulminar o Acórdão 45/99, convalidado pela
Decisão 469/99 do Tribunal de Contas da União, ‘na parte em
que declara a nulidade do contrato celebrado pela Impetrante com
o TRT’”.108
Em sua decisão, o Ministro Relator Marco Aurélio aceita expressamente
as opiniões dos pareceristas contratados pela Impetrante e registra que a
definição da espécie de negócio jurídico está bem amparada por pronunciamentos dos juristas mencionados na inicial.109
Por fim, ao entender que “a Administração Pública realizou negócio
jurídico regido unicamente pelo Direito Civil”, o relator conclui, liminarmente, que a decisão do Tribunal de Contas teria pecado por pretender
declarar a “insubsistência do que pactuado sob a regência do Direito Civil,
olvidando-se a necessidade, estando em jogo interesses de terceiros, de
cidadãos ou de pessoas jurídicas de direito privado, de ter-se procedimento
anulatório implementado perante órgão investido do ofício judicante”.110
Razão pela qual a suspendia de forma provisória e precária.111
Quando do julgamento definitivo do referido Mandado de Segurança,112
o Ministro Marco Aurélio manteve a posição defendida sobre a concessão
da liminar e julgou procedente o pedido da empresa Incal ratificando que
todo o raciocínio por ele desenvolvido “deu-se a partir do envolvimento, na
espécie, de um contrato regido não pelo Direito Público, mas pelo Direito
Privado”,113 qual seja a escritura de venda e compra celebrada pelas partes
em atendimento à ordem contida no acórdão 231/96 do TCU e às posteriores
escrituras de ratificação e re-ratificação formalizadas no mesmo Cartório.114
Em seu voto-vista o Ministro Nelson Jobim decidiu por denegar a segurança sob o argumento de que, em sendo a decisão do TCU uma ordem
mandamental e, portanto, não possuindo efeito desconstitutivo, não haveria
ocorrido, ainda, o efeito que o impetrante pretendia atacar com o writ, ou
seja, não haveria ocorrido a anulação do contrato.115 Assim, o pedido seria,
na opinião do Ministro, incompatível com o caso.116
Em aditamento ao voto, o Ministro Marco Aurélio pretendeu realizar um
esclarecimento com a finalidade de explicar qual era, em sua opinião, o
96
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
alcance do ato do Tribunal de Contas. Endereçando-se ao Ministro Nelson
Jobim, pergunta:
Não lhe parece que aquela Corte de Contas, ao afirmar que são
diversos o instituto da nulidade e o da rescisão do contrato e
determinar ao Tribunal Regional do Trabalho que, ao invés da
anulatória a ser proposta,117 declarasse a nulidade do contrato,
desconheceu, em si, a natureza do contrato firmado?118
Em resposta, o Ministro Nelson Jobim afirmou:
Tentando tomar toda a equação, veja o que se passou, houve
um edital em que aparece a compra e venda, ou seja, ao invés
de contratar a obra, o TRT contrata a compra e venda em quatro
modalidades: imóvel pronto, imóvel em construção, imóvel
com projeto aprovado e imóvel com projeto elaborado. Então
ganha a licitação a Incal. Subsequentemente a isso, lavra-se uma
escritura de promessa de compra e venda que, na leitura – e isto
não é especulação minha – feita por mim isto nada mais é do que
um contrato de obras. Desenvolve-se isso, e os pagamentos são
estabelecidos a partir de um preço que teria sido oferecido pela
Incal, na licitação, e que teria sido vitoriosa; o TCU faz o exame
e verifica a incompatibilidade da situação posta, porque aquilo
era, a juízo do TCU, um contrato de obras e não de compra
e venda.119
E o Ministro Marco Aurélio retorquiu da seguinte forma:
Ministro, essa mudança de enfoque ocorreu após a CPI do Judiciário
e após a exploração da matéria pela mídia. Veja Vossa Excelência
que, em 1996, a partir dos pareceres de José Afonso da Silva, Miguel
Reale, pai, Toshio Mukai e Ives Gandra, assentou-se a valia do
contrato na modalidade compra e venda, regido, portanto, pelo
Direito Civil.120
97
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
Note-se que nas manifestações dos dois Ministros reaparecem tanto
a oposição entre “contrato compra e venda de bem futuro” e “contrato
de obra” quanto a assunção de que a primeira estrutura contratual (compra e venda de bem) seria um contrato típico de direito privado, enquanto
a última (construção de obra) seria um contrato tipicamente de direito
público.
Mas nesse ponto surge um elemento complicador. É correto afirmar
que é possível que a Administração Pública celebre um contrato de compra e venda regido pelo direito administrativo, como deixa clara a presença da regulação desse tipo contratual tanto no Decreto n. 2.300/86
como na Lei n. 8.666/93, assim como é igualmente correto afirmar, com
base na dicção legal,121 que seja qual for o tipo assumido pelo contrato
administrativo a Administração Pública pode declarar-lhe a nulidade. Mas
pode a Administração Pública declarar a nulidade de uma escritura pública de compra e venda registrada em Cartório?
Lembre-se que as partes, em atendimento a ordem constante no Acórdão 231/96, celebraram escritura definitiva de compra e venda na qual
constavam as cláusulas do negócio. Segundo o Ministro Marco Aurélio,
“seria possível a nulidade, caso o contrato fosse para construção de obra,
considerado o art. 59 da Lei n. 8.666/93, mas estamos diante de uma escritura de compra e venda regida pelo Direito Privado”.122
Mas por que se deveria discutir a possibilidade de nulidade da referida
escritura se o que se pretende é a devolução dos valores pagos a maior? A
essa pergunta, o Ministro Sepúlveda Pertence respondeu: “eu acho que
essa quantia exequível nada tem a ver com a nulidade do contrato. Tem
a ver com a diferença entre o que foi pago e o devido”.123 A resposta do
Ministro Marco Aurélio vai em sentido contrário: “Ministro, tem a ver
com a nulidade do contrato, quanto a quem vendeu e recebeu; no tocante
a quem vendeu e sustenta que o que recebeu foi a partir da escritura de
compra e venda. [...] se afastada a nulidade, não há obrigação de devolver [...]”.124
Mas sem a nulidade do contrato, como seria possível a Administração continuar as obras mediante nova licitação, mediante novo contrato? Essa era a
irresignação do Ministro Ilmar Galvão: “vai se admitir que a Administração
98
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
estaria impedida de concluir o edifício?”125 A resposta do Ministro Marco
Aurélio apontou que haveria esse impedimento “até chegar-se à rescisão do
contrato de compra e venda”.126
A essa afirmação o Ministro Ilmar Galvão reagiu da seguinte maneira:
“como não se pode chegar ao absurdo de entender que a Administração
não poderia dar continuidade às obras, é imperioso admitir que a escritura, nessa parte, era um contrato de construção de obra que podia ser rompido pela Administração, unilateralmente”.127
O Ministro Ilmar Galvão propõe uma separação do contrato: há uma parte
da escritura que “é um título aquisitivo do imóvel, é imutável”, e outra parte
que seria alusiva à construção: “agora, pode o Tribunal de São Paulo rescindir
a escritura na parte alusiva à construção? Claro! Senão também não poderia
continuar as obras. E como qualquer empreitada pode ser rescindida, essa
também poderia sê-lo.”128
Mas se o objetivo é buscar a devolução dos valores pagos a maior, a
rescisão não seria suficiente na opinião do Ministro Moreira Alves:
A nulidade é justamente para a obtenção da restituição dos
R$ 169.491.951,16 (cento e sessenta e nove milhões quatrocentos
e noventa mil novecentos e cinquenta e um reais e dezesseis
centavos), porque ela tem eficácia ex tunc, enquanto a rescisão
só tem eficácia ex nunc. Por esse motivo o Tribunal de Contas
determinou a promoção da nulidade, pois já havia a rescisão
e ela não bastava para obter o ressarcimento do prejuízo.129
Mas a retroatividade não implicaria a devolução das obras realizadas à
contratada, como perguntava o Ministro Ilmar Galvão?130 A isso, o Ministro
Moreira Alves respondia: “essa retroatividade é justamente para permitir
que haja o ressarcimento daquilo que foi pago indevidamente. É só para
isso. O problema não é desfazer o que já foi construído, mas recuperar aquilo que indevidamente foi pago.”131
A nulidade não implicaria o desfazimento do que foi construído, mas a
devolução do que foi transferido, ou seja, a devolução do terreno e, por consequência, a devolução do prédio ao vendedor/construtor.
99
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
Ao que tudo indica, tanto o Ministro Marco Aurélio quanto o Ministro
Moreira Alves presumiam uma conexão necessária entre a nulidade do
contrato e a devolução das prestações pagas pela Administração Pública,
ou seja, entre invalidade e enriquecimento sem causa.132
Porém, ocorre que, em sendo o pedido da impetrante dirigido à decisão
do TCU, cabia estabelecer o que essa decisão continha. E, a partir da manifestação do Ministro Sepúlveda Pertence, ficou estabelecido, por maioria,
que a referida decisão tinha conteúdo mandamental, ou seja, não havia
declarado a nulidade do contrato, mas havia ordenado ao TRT que tomasse
providências para obter essa nulidade. O pedido constante no mandado de
segurança estava dirigido à impugnação dessa declaração de nulidade, e
os Ministros entendiam que essa declaração não havia existido; logo, se
denegou a segurança (manteve-se, portanto, a decisão do TCU) sem ter
de se enfrentar o problema relativo à possibilidade de a Administração
Pública, seja por rescisão unilateral, seja por declaração de nulidade, desfazer um contrato registrado no Cartório de Imóveis, ou seja, promover
unilateralmente o cancelamento de efeitos que são, em certa medida, decorrentes de um documento público criado por autoridade pública distinta da
que pretende rescindi-lo ou nulificá-lo.
Mas se era possível ao STF decidir sobre o mandado de segurança sem
enfrentar, diretamente, a questão acerca da validade do contrato, ao TRT
pareceu impossível resolver o problema sem enfrentar a questão “o que
fazer com o contrato?”.
O Acórdão 298/2000 do Tribunal de Contas da União
A questão mencionada no final do item anterior fica clara quando da análise
do inteiro teor do Acórdão 298/2000 julgado pelo TCU apenas dois meses
após a manifestação definitiva do STF sobre o MS 23.560/DF.133 Tratava-se
do julgamento dos Pedidos de Reexame apresentados pelo Tribunal Regional
do Trabalho da 2ª Região (agora sob nova presidência) e pelos interessados
(Nicolau dos Santos Neto, Délvio Buffulin e Ministério Público).
Nesse pedido de reexame surgia, mais uma vez, o tipo contratual escolhido – compra e venda de bem imóvel futuro – como justificativa para as
ações dos envolvidos. Assim, novamente, justificavam-se os pagamentos
2.2.2 |
100
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
antecipados à construtora, mesmo diante do flagrante descompasso entre o
repasse dos recursos financeiros e o estágio da obra. Além disso, a contratada repetia a opinião de Miguel Reale expressa no parecer antes mencionado, ou seja, a opinião de que o próprio art. 38 do Decreto n. 93.872/86134
autorizava esses adiantamentos quando houvesse previsão estabelecida,
acompanhada das indispensáveis cautelas e garantias, ambos requisitos presentes, segundo ele, no caso concreto.135
Em resposta a esse argumento, o Ministro Relator Adylson Motta buscou amparo na opinião de Marçal Justen Filho para sustentar que:
O pagamento antecipado depende da existência de dois requisitos.
Primeiramente, só poderá ocorrer quando previsto no ato
convocatório. Desse modo, amplia-se o universo de competidores,
especialmente aqueles que não disporiam de recursos para custear a
prestação. Todos os competidores terão reduzidos seus custos, e desse
modo a Administração será beneficiada. Porém, a Administração não
poderá sofrer qualquer risco de prejuízo. Por isso, o pagamento
antecipado deverá ser condicionado à prestação de garantias efetivas
e idôneas destinadas a evitar prejuízos à Administração.136
O problema é que esse argumento contém uma contradição interna e desconsidera o regime legal; vejamos mais detalhadamente.
A contradição encontra-se no fato de que se é verdade que a Administração Pública amplia o número de potenciais competidores ao permitir que
possam, uma vez celebrado o contrato, receber pagamentos antecipados em
relação às prestações que devem, também é verdade que o número desses
competidores volta a se reduzir quando a Administração Pública exige
garantias e cautelas idôneas o suficiente para reduzir o risco de prejuízo ao
qual se expõe ao conceder aquela vantagem. Retira-se com uma mão o que
se dá com a outra.
A maior falha do argumento está, entretanto, no fato de não se considerar
o parágrafo 2º do art. 46 do então vigente Decreto-lei n. 2.300/86. Diante
do que estabelece essa regra, temos que, no caso de a Administração Pública exigir garantias, estas não poderiam exceder a 5% do valor do contrato.137
101
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
Ou seja, o argumento utilizado deixa de mencionar que em caso de exigência de garantia o limite legal faria com que a mesma tivesse montante bastante inferior ao risco a que se expunha à Administração.
Em seu pedido de reexame, o TRT 2ª Região (por meio de seu então
Presidente, Floriano Vaz da Silva) apresentou argumentos solicitando a
reconsideração do Acórdão 45/99 do TCU. Em seu pedido, o TRT – 2ª
Região afirmava que, diferentemente do que havia entendido o Tribunal
de Contas da União, a Incal Incorporações S.A. era ainda credora da União.
Outro ponto em relação ao qual solicitou reconsideração era o referente às
medidas ordenadas para a continuidade da obra e para a anulação do procedimento licitatório e do contrato administrativo dele resultante.138
No que dizia respeito à anulação do contrato, o TRT 2ª Região sustentava, com base em parecer de Mário Cammarosano, que diferentemente do
que havia entendido o TCU no acórdão sob reexame era a rescisão unilateral do contrato e não a declaração da nulidade a melhor alternativa com
vistas ao interesse da Administração Pública:
Assim, ainda que juridicamente possa parecer mais adequada a
anulação da licitação e da avença, não se pode olvidar que, do ponto de
vista estritamente do interesse público e da economicidade, verifica-se
ser mais apropriada a rescisão do contrato, a fim de que tanto a obra
iniciada como o bem adquirido permaneçam incorporados ao
patrimônio público.139
Quanto ao primeiro dos pedidos, o Ministro Relator deixou consignado
que, embora tal crédito tivesse sido mencionado no voto do Ministro Relator do Acórdão 45/99, não constava ele da parte dispositiva do referido
acórdão. Por essa razão, não se poderia considerar que tal crédito tivesse
sido declarado existente pelo tribunal.140 Logo, não havendo comando judicial, não haveria gravame à parte e, por consequência, não haveria interesse
de agir.141
Mas, apenas a título de esclarecimento, o Relator deixou consignado que
o Ministro Relator do Acórdão 45/99 não havia declarado a existência desse
crédito, mas tinha apenas sustentado ser
102
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
[...] um exercício hipotético considerar qual teria sido a execução
financeira de todo o contrato se não houvesse a implementação
de tal ou qual plano econômico, se, ao mesmo tempo, não se
considerar qual era a execução física da obra, que se impunha
à contratada como encargo correspondente aos pagamentos
efetivados pela Administração.142
Na análise do pedido de reexame acerca da necessidade de anulação,
o Ministro Relator não pôde deixar de notar que a questão evitada pelo
STF (se o TRT 2ª Região poderia anular o contrato que se constitui em
escritura pública de compra e venda) não poderia ser contornada pelo
TCU.143 E, segundo o referido relator, “com independência de qualquer
consideração pragmática quanto ao que seja mais interessante para este
Tribunal”,144 não havia outra resposta possível senão a de que a hipótese
reclamava a nulidade do contrato.
Elencando os problemas relativos ao referido contrato – envolvendo
sua gênese e execução –,145 o relator afirmou que sua nulidade deveria
ser obtida por meio da obediência do estabelecido no incisos IX e X e §§
1º e 2º do art. 71 da Constituição Federal.146 De acordo com esses dispositivos, teríamos que, diante da recusa do TRT 2ª Região em adotar a
orientação emanada pelo TCU e da inatividade do Congresso Nacional
ou mesmo do Poder Executivo, caberia ao Tribunal de Contas “decidir
a respeito”.
Mantida a decisão, ou seja, mantida a ordem relativa à anulação do
contrato, surgiria, mais uma vez, a necessidade de o TRT 2ª Região se
posicionar em face da determinação do TCU. Mas nessa situação o Ministro Relator vê um impasse, pois:
[...] como poderá o órgão público efetivar medida que ele considera
juridicamente imprópria e cujos pressupostos fáticos são distintos
daqueles que reconheceu existentes para adotar a medida que julgou
conforme ao Direito. Em suma, como poderá o órgão público vir a
ser obrigado a dar à sua vontade um conteúdo contrário ao que julga
conforme ao Direito?147
103
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
Não é possível saber qual a solução proposta pelo Ministro Relator para
a solução desse impasse,148 mas ao que tudo indica ela não se revelou essencial para a resolução do caso, pois ao final o TCU, aceitando os argumentos
apresentados pelo TRT 2ª Região, entendeu por conhecer parcialmente do
pedido de reexame para suprimir a determinação contida na alínea “f” do
Acórdão 45/99 e dirigida ao TRT 2ª Região para que providenciasse
[...] em caráter de urgência, se ainda não o fez, a continuidade das obras
mediante a contratação de empresa idônea, observada a necessidade
de novo procedimento licitatório, promovendo, também, a nulidade
do contrato, nos termos do art. 59 da Lei n. 8666/93, em vista da
diversidade de efeitos da declaração de nulidade e da rescisão
unilateral do contrato, noticiando ao Tribunal, no prazo de 30 (trinta)
dias, acerca das providências adotadas.149
2.3 |
OS
A
CurA PArA todo mAl?
ARGUMENTOS INSUFICIENTEMENTE
TCU E PELO STF
Conforme afirmamos anteriormente, não se pode resumir o caso a um problema de qualificação jurídica equivocada e/ou mal-intencionada que teria
produzido a fuga do regime contratual de direito público. Como também
já sustentamos, temos que as soluções tecnicamente mais adequadas para
os problemas apresentados pelo caso não podem ser obtidas pela simples
recomposição do contrato ao eixo do direito público.
Assim, diferentemente do que o TCU e o STF se esforçaram por fazer,
não se trata de reconduzir a contratação ao bom caminho do qual teria se
desviado quando as partes optaram por um modelo de direito privado. Para
o tratamento do caso, não se pode fugir das regras gerais dos contratos presentes no Código Civil, pelo contrário: é necessário tê-las em mente. O problema proposto pelo caso não deve ser compreendido como derivado de
uma presença indevida das regras do direito privado no campo do direito
público. Mas então como deve ser compreendido?
O caso envolvendo a construção do TRT 2ª Região pode ser entendido
como um problema envolvendo dois tópicos bastante recorrentes dentro
CONSIDERADOS PELOS
104
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
da Teoria Geral do Contrato: a questão da adequação do contrato celebrado
ao regime regulatório e a questão do equilíbrio contratual. O que se pretende demonstrar neste capítulo é que a incapacidade dos tribunais envolvidos em considerar o caso sob a perspectiva da teoria geral dos contratos
não contribuiu para uma solução adequada e ainda adicionou dificuldades
ao problema.
A adequação dos instrumentos: edital e contrato
Tomemos a redação do edital novamente. Na descrição do objeto está indicada “a aquisição de imóvel, adequado para instalação de no mínimo 79
Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo, permitindo a
ampliação para instalação posterior de, no mínimo, mais 32 Juntas de Conciliação e Julgamento”150 em uma das quatro modalidades sugeridas:
2.3.1 |
1ª)
Imóvel construído, pronto, novo, ou usado. Nessa hipótese deveria
acompanhar a proposta técnica, projeto de adaptação com o respectivo
prazo de execução e entrega, que atendesse às necessidades das Juntas
de Conciliação e Julgamento, que deveria, em caso de aprovação, ser
implantado pelo concorrente, sob sua total responsabilidade (item
1.1.1 do edital);
2ª)
Imóvel em construção, independentemente do estágio da obra (início,
meio ou fim); deveria acompanhar a proposta técnica, projeto de adaptação com o respectivo prazo de execução e entrega, que atendesse às
necessidades das Juntas de Conciliação e Julgamento que seria, em
caso de aprovação, implantado pelo concorrente sob sua total responsabilidade (item 1.1.2 do edital);
3ª)
Terreno com projeto aprovado que deveria acompanhar projeto de
adaptação que atendesse às necessidades das Juntas de Conciliação e
Julgamento (item 1.1.3 do edital);
4ª)
Terreno com projeto elaborado especificamente para a instalação das
Juntas de Conciliação e Julgamento (item 1.1.4 do edital)”.151
105
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
Na forma como o edital estava estruturado, seria possível que fossem
apresentadas propostas correspondentes a qualquer uma das quatro modalidades sugeridas. Note-se, a princípio, que qualquer uma das modalidades
contratuais que fosse adotada deveria, ao final, implicar a aquisição do imóvel pelo contratante. O que não há ainda, nessa parte do edital, é uma opção
do tipo de bem objeto do contrato, pois dentre essas opções há duas modalidades que se referem à aquisição de imóvel construído ou em construção
(itens 1.1.1 e 1.1.2 do edital) e duas que se referem à aquisição de terreno
com projeto aprovado ou elaborado (itens 1.2.3 e 1.1.4).
Até aquele momento, a licitação se apresentava como destinada à aquisição de imóvel construído ou em construção ou à aquisição de terreno com
projeto aprovado ou elaborado. A adoção de alguma dessas hipóteses envolveria a aquisição de bem futuro? Quer nos parecer que na maioria das opções
os bens que se pretende adquirir já seriam existentes no momento da celebração do contrato. Vejamos: no item 1.1.1, o imóvel já deveria estar construído; no item 1.1.2, a construção já deveria ter sido iniciada; no item 1.1.3,
o terreno, obviamente, já existe, e o projeto, além de já existir, conta com a
necessária aprovação; finalmente, no caso do item 1.1.4, o terreno já existe
e o projeto também, pois já foi elaborado.
Portanto, em apenas uma das hipóteses há uma aquisição de bem que
pode, em certas situações, ser ainda inexistente e, diferentemente do que
se pretendeu, caracterizar a empresa contratada e os agentes responsáveis pela contratação não é a modalidade presente no item 1.1.4, mas no
item 1.1.2.
Nessa hipótese (item 1.1.2) há a possibilidade de aquisição de imóvel
em construção ainda na fase inicial. Mas, ainda assim, não se poderia falar
em uma compra e venda de bem futuro, pois não parece corresponder a
nenhuma das duas formas típicas desse contrato. A primeira dessas formas
corresponde àquela situação na qual o comprador assume o risco de que a
coisa, ao final, não venha a existir (emptio spei),152 a outra modalidade é
aquela na qual o comprador adquire a coisa assumindo o risco acerca de sua
quantidade futura (emptio rei speratae).153 Aliás, conforme se depreende do
texto do item 1.1.2, caberia ao contratado, nessa hipótese, apresentar projeto
de adaptação com o respectivo prazo de execução e entrega.
106
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Nesse sentido, a melhor maneira de se interpretar o objeto do contrato
(aquisição de imóvel adequado à instalação da sede do tribunal) nos termos do próprio edital era a de que: ou a) o referido imóvel, entendido
como prédio, já existia ou já estava em construção ou b) inexistindo prédio nas condições descritas, existia imóvel, entendido como terreno com
capacidade para receber a referida construção (o projeto, nessa hipótese,
deveria demonstrar objetivamente essa capacidade).
Essa interpretação implicaria, obviamente, que se o contratante se
decidisse pelo item 1.1.4 teria optado pela aquisição apenas de terreno e
projeto, mas não de prédio a construir ou construído. Assim, uma vez
adquirido o terreno, haveria necessariamente três opções:
a) adoção do projeto elaborado e contratação de empresa para a construção
do prédio seguindo as instruções do referido projeto;
b) contratação de empresa para a apresentação de novo projeto e construção
do referido imóvel; e
c) contratação de empresa para a confecção de novo projeto seguida de contratação de outra empresa para a construção do prédio seguindo as instruções do referido projeto.
Eis a razão fundamental, porque diferente do que consta na Escritura de
Compromisso de Venda e Compra firmado entre a Incal Incorporações S.A.
e o TRT 2ª Região; esse documento não poderia servir como forma de cumprimento ao Objeto da Concorrência n. 01/92, conforme contido no item
1.1.4 do respectivo Edital, pois não se poderia justificar a aquisição de prédio construído ou a construir com base em item que apenas mencionava
“terreno” e “projeto”.
Para celebrar um contrato que, segundo a vontade declarada das partes,
tinha por finalidade a aquisição de prédio a ser construído, seria necessário
desconsiderar o referido edital sob a justificativa da dispensa da necessidade
de licitação. Interessante observar que esse argumento somente surgirá após
a consulta aos pareceristas, pois até aquele momento os atos realizados pelas
107
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
partes indicam que as mesmas tinham uma interpretação diversa daquela
que depois viriam a sustentar em juízo: quando da celebração da Escritura
de Compromisso de Venda e Compra, as partes afirmam estar dando cumprimento aos termos do edital de licitação e, quando apresentam sua defesa
frente aos tribunais, afirmam que o referido contrato era válido mesmo
não correspondendo aos termos do edital, uma vez que na hipótese, defendiam as partes, a licitação seria dispensável.
Ao que tudo indica, a importância dada ao longo de toda a discussão
judicial à questão da qualificação contratual foi resultado da ênfase dada
ao tema pelos pareceres trazidos pela contratada. Quanto a esse ponto cabe,
portanto, em primeiro lugar, sublinhar que a discussão sobre se o contrato
seria uma compra e venda ou uma empreitada somente faz sentido quando
se está buscando resolver se há a possibilidade de fixar regime de pagamento desvinculado do cronograma físico da obra.
O problema aqui girará em torno da questão do risco de inadimplemento,
pois uma vez celebrada uma compra e venda a fixação das datas de pagamento em descompasso com a data de entrega da obra pode produzir dois
resultados possíveis: ou se beneficia o vendedor com o estabelecimento das
datas de pagamento das prestações pelo comprador de forma que o recebimento da totalidade ou da maior parte do preço ocorrerá antes de a obra
estar terminada, ou se beneficia o comprador com o estabelecimento das
datas de pagamento das prestações de forma que possam ser a totalidade ou
sua maior parte saldada somente após a obra ter terminado.
Em outras palavras, o problema decorrente do contrato de compra e
venda está no fato de que, em princípio,154 o comprador não pode recusar-se
a realizar os pagamentos por entender que a obra está atrasada, pois até a
data de entrega fixada em contrato não se poderia falar em mora e, muito
menos, em inadimplemento absoluto. Isso significa que, na forma como
teria sido celebrado o contrato entre a Incal e o TRT, o comprador teria de
realizar 100% do preço mesmo que acreditasse que a obra estava atrasada,
pois somente na data de entrega é que seria possível constituir o vendedor
em mora ou afirmar seu inadimplemento absoluto.
Mas, uma vez que o prazo de entrega é atingido e há um descompasso
entre o valor pago e o estágio no qual a obra se encontra, a questão acerca
108
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
da qualificação tipológica do contrato torna-se irrelevante, pois o que há
é um problema de inadimplemento, seja do contrato de compra e venda,
seja do contrato de empreitada.
Adotando-se caminho diverso, ainda se poderia perguntar o que é mais
importante: definir qual contrato foi celebrado ou como esse contrato estabelece o regime de prestações entre as partes? No caso envolvendo a construção da sede do TRT 2ª Região, ao que tudo indica, a primeira questão
tomou uma proporção que acabou por impedir o surgimento de considerações relativas à última. Isso reduziu o escopo de soluções que poderiam
ser pensadas para a solução do problema, conforme se pretende demonstrar a seguir.
Em resumo, a partir da análise do regime de preço e de distribuição de
riscos, poder-se-ia afirmar que a Administração Pública celebrou um contrato lesivo, pois havia um total desequilíbrio a privilegiar a contratada.
Ou seja, não se trata da vetusta e indevida discussão acerca dos contratos
privados da administração, pois a opção pela compra e venda não significa,
em si, a escolha de um contrato essencialmente de direito privado. Na escolha do tipo contratual não está implícita a adoção do modelo de regulação
do direito privado.
Em razão da discussão estabelecida em torno da qualificação do negócio
realizado pela Administração, pretendeu-se, em várias oportunidades, resolver a questão recorrendo à ideia de essência, ou seja, com vistas a garantir
que o referido contrato seja regulado pela lei a ele aplicável há que se estabelecer sua verdadeira natureza jurídica.155 Mas como estabelecer a essência
de um contrato? Pela análise das cláusulas estabelecidas pelas partes? Em
sendo assim, há que se dar razão aos argumentos de defesa: o contrato celebrado não possui as cláusulas que comumente estão presentes em um contrato de empreitada, ou mais especificamente, em contrato de obra pública,
mas sim em um contrato de compra e venda.
Mas a opinião do TCU parece ser no sentido de que tal contrato não
podia ter sido celebrado. Nesse sentido, há que se admitir que existiria
uma essência contratual estabelecida pela lei que regula os contratos
públicos (a lei que regula as licitações e contratos administrativos). E,
dessa estrutura, as partes não podem se desviar. Mas, de novo, o problema
109
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
é que a referida lei estabelece tanto a empreitada como a compra e venda
como modelos e não impõe uma preponderância de um sobre o outro, ou
seja, há duas formas pelas quais a Administração Pública pode adquirir
um prédio: poderia adquiri-lo por especificação qualificada como resultado da empreitada ou pela transferência da propriedade do bem na fase
de adimplemento da compra e venda.
Quanto à compra e venda vê-se que, estando prevista na lei de licitações,
se pode dizer que embora correta a afirmação do analista da Secretaria de
Auditoria do TCU, no sentido de que a opção por esse tipo implicaria uma
fuga às normas legais pertinentes à contratação de obra pública, não é verdade, como sustentou a defesa dos envolvidos, que adotado esse tipo o referido contrato sairia completamente do regime de contratação pública.
Como destacamos anteriormente não há nada em nosso ordenamento
legal que autorize ou mesmo permita ao intérprete estabelecer qual o regime aplicável a um contrato (regime civil ou regime administrativo) a partir
da definição do tipo contratual escolhido pelas partes. Pelo contrário, a
simples leitura do Código Civil e dos diplomas legais que instituem normas para licitações e contratos administrativos (Decreto-lei n. 2.300/86 e
Lei n. 8.666/93) obriga a se admitir o oposto, pois tanto a compra e venda
como a empreitada (contrato de obra) são expressamente reconhecidos e
estão regulados nos dois âmbitos. Ou seja, nosso ordenamento jurídico
admite a existência de compra e venda civil e compra e venda administrativa, bem como admite a celebração de um contrato de empreitada de obra
entre dois particulares (regido pelo direito privado) ou entre um particular
e a Administração Pública (regido pelo direito público).
Assim, ainda que a própria lei permitisse a dispensa da licitação para a
aquisição de imóvel (como o fazia o art. 22, X, do Decreto-lei n. 2.300/86) e
indicasse que sempre que possível e conveniente tais contratos de aquisição
deveriam submeter-se às condições semelhantes à do setor privado (art. 14,
III, Decreto-lei n. 2.300/86), temos que entender que, nessa hipótese, continuaria a incidir o art. 6º, parágrafo 1º, do Decreto-lei n. 2.300/86. Explico:
ainda que seja possível a um particular celebrar um contrato envolvendo
a aquisição de um imóvel a ser construído sem a prévia elaboração de um
projeto básico (como ocorre nas operações Turn Key), o mesmo não seria
110
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
possível em contrato envolvendo a Administração Pública por força do que
impõe o referido art. 6º, parágrafo 1º, e, além disso, exatamente porque a
ausência do projeto básico amplia o risco de aumento do preço e dificulta o
controle sobre a contratada não seria conveniente dispensá-lo. Em resumo,
não estariam presentes a possibilidade e a conveniência de contratar um contrato de compra e venda de bem futuro sem a elaboração prévia de projeto
básico, como exigem as regras de contratação pública do referido decreto.
Em sendo um contrato de compra e venda sob o regime administrativo,
poderia ser declarada a nulidade? Sim. E com isso estaria resolvido o problema. E não, pois, segundo o disposto no caput do art. 59 da Lei n. 8.666/93,
a declaração da nulidade teria efeitos ex tunc. E, se isso for verdade, implicaria a obrigação da contratada em devolver o dinheiro, e também implicaria
a obrigação da contratante em restituir o terreno e o prédio nele construído.
Mas, ao que tudo indica, não tem a Administração Pública interesse na
devolução do terreno e do prédio e somente possui interesse na devolução
dos valores pagos a maior fruto, que foram de superfaturamento de serviços
e materiais.
Seria possível interpretar o parágrafo 1º do art. 59 da Lei n. 8.666/93156
de forma a sustentar que ele permitiria justificar que certos efeitos decorrentes
do ato nulo devam ser mantidos em atenção ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa? O referido parágrafo sustenta o dever da Administração Pública em indenizar o particular, pois assume que os atos deste
geraram vantagens que se incorporaram ao patrimônio daquela. A Administração Pública deve pagar ao contratado pelo que este houver executado com
proveito para aquela, até a data em que foi declarada a nulidade. No mesmo
sentido, poder-se-ia sustentar que cabe à Administração Pública solicitar a
restituição dos valores pagos para execução de serviços que não foram executados. Ora, se a lei proíbe que tais pagamentos antecipados sejam feitos,
faz todo sentido que, declarada a nulidade dos atos que lhes autorizaram,
possa a devolução desses valores ser exigida pela Administração.
Ainda dentro da discussão sobre adequação do tipo e regime de riscos no
contrato, temos que de todas as referências às opiniões presentes nos referidos
pareceres destaca-se a passagem de autoria de José Afonso da Silva, na qual
se pode ler:
111
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
No entender da equipe [de inspeção do TCU], o colendo TRT –
2ª Região poderia ter subdividido em etapas distintas a licitação,
no sentido de conseguir primeiramente o terreno, em seguida a
elaboração do projeto básico e finalmente a execução da obra, esta
sim a cargo da empresa vencedora, procedimento que permitiria
estimar o custo final da obra, reduzindo o risco de descontinuidade
do empreendimento. [...] As preferências de órgãos de contas, por
respeitáveis que sejam, não podem, porém, servir de parâmetro para
decidir a legalidade ou ilegalidade de procedimento licitatório.157
(destaques nossos)
Adotado esse juízo, essa citação demonstra que o Ministro Relator realmente o recepcionou;158 tem-se que a escolha da estrutura contratual e a
maior ou menor adequação do regime de riscos que dessa decorre é um juízo
que está isento de um controle de legalidade. Aqui, a qualificação contratual
surge como um espaço de total discricionariedade da Administração Pública.
Não há assim a possibilidade de um controle preventivo por parte das Cortes
de Contas. Nessa esteira, poder-se-ia sustentar que, em princípio, não há ilicitude no ato do administrador público que expõe o erário público a mais
riscos do que seria necessário ou adequado.
Além disso, diferente do que José Afonso da Silva sustentou em seu parecer, a inadequação do tipo adotado pode ser objeto de controle pelos Tribunais de Contas, pois como o Decreto-lei n. 23.000/86 estabelece, em seu art.
3º, caput,159 que o processo licitatório se destina a “selecionar a proposta
mais vantajosa para a Administração”, tem-se que a escolha por um modelo
contratual que amplia os riscos do contratante sem ampliar em igual ou
maior medida suas vantagens não pode ser defendida como ação realizada
dentro do quadrante fornecido pelo referido mandamento legal mas, pelo
contrário, corresponde a um ato de desrespeito ao mesmo.
O equilíbrio contratual: aditivos contratuais,
rescisão e declaração de nulidade
O tema do equilíbrio foi trazido aos autos no enfrentamento dos motivos
que teriam permitido à contratada obter, por meio dos aditivos contratuais,
2.3.2 |
112
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
o aumento dos valores inicialmente estabelecidos no contrato celebrado com
a Administração Pública. Se analisados os argumentos apresentados pela
contratada, é possível perceber, de plano, sua inconsistência.
Tome-se, inicialmente, o argumento acerca do aumento de custo correspondente ao aumento do prazo de entrega e consequente aumento das
despesas indiretas e diretas. Ora, ele contradiz de forma indubitável a qualificação, defendida pela própria contratada, do contrato como sendo de
compra e venda de bem futuro; vejamos mais detalhadamente.
Lembre-se de que a justificativa para a inexistência de projeto básico
e do descasamento – entre as datas de pagamento e o andamento da obra
– era exatamente o fato de, segundo as partes, tratar-se de uma compra e
venda de bem futuro.
Assim sendo, como seria possível, diante do alegado atraso dos pagamentos pela contratante, justificar o atraso da obra e, com base nisso,
solicitar o pagamento das verbas correspondentes ao aumento das despesas?
Não é possível. Se o contrato se constitui como uma compra e venda de bem
futuro, caberia ao vendedor, diante do atraso nos pagamentos, recusar-se a
realizar a transferência do bem, mas não poderia, com base nisso, diminuir
o ritmo da obra e solicitar os consequentes aumentos de custo que essa diminuição poderia causar.160
Isso foi possível, como vimos antes, pela inclusão de cláusula contratual
que concedia à contratada o direito de redução do ritmo da obra, em caso
de atraso de pagamento. Ora, essa cláusula, por mais atípico que se admita
possa ser o contrato, tem como efeito desequilibrar de maneira excessiva
o contrato em prejuízo da administração que, além de ter de realizar os
pagamentos antes de realizadas as etapas de construção, teria de correr os
riscos e incorrer nos custos decorrentes do atraso da obra. Não há nada em
nosso sistema jurídico que permita sustentar que, mesmo no âmbito privado, um contrato atípico possa gerar excessivo desequilíbrio.161
A celebração do contrato entre a Incal e a Administração Pública poderia
nos fazer pensar em uma situação na qual em vez de supremacia a Administração Pública assumiu posição de inferioridade, ou seja, uma situação
compatível com a chamada “lesão contratual”. A solução aqui seria rever
os termos do contrato naquilo em que eles tornam a relação excessivamente
113
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
vantajosa para uma das partes e, por consequência, extremamente onerosa
para a outra.162
A visualização do problema como sendo uma questão de desequilíbrio,
seja de riscos distribuídos ao início do contrato, seja de prestações realizadas ao longo do mesmo, tornaria desnecessária a discussão sobre a extinção
do contrato. Em vez de discutir qual a maneira correta de extinguir o contrato, se rescindindo unilateralmente ou promovendo-lhe a declaração de
nulidade, discutir-se-ia qual o padrão adequado de revisão, ou seja, como
torná-lo equilibrado.
Essa não foi a perspectiva adotada pelo STF, como se vê nos votos dos
Ministros Marco Aurélio e Moreira Alves, quando do julgamento definitivo do Mandado de Segurança n. 23.560/DF. Nesse acórdão, para a resolução do problema acerca da devolução das prestações pagas a maior pela
Administração Pública, deu-se por estabelecida a existência de uma conexão necessária entre decretação de nulidade e obrigação de restituição.
Isso não significaria que, assumida a validade do contrato, pois não poderia o TCU e nem mesmo o TRT declarar a nulidade da escritura pública, a
Administração Pública não poderia recuperar o que entendia ser a indevida
diferença existente entre os valores pagos e o que efetivamente foi entregue?
A implicação dessa conexão entre nulidade e restituição nos levaria a concluir que o direito privado, enquanto conjunto de regras que, na perspectiva
assumida pelos Ministros Marco Aurélio e Moreira Alves, estaria regulando
o contrato em tela, chancelaria essa situação até que se obtivesse a nulidade
da referida escritura pública de compra e venda.
O que os referidos Ministros não parecem perceber é a diversidade de
efeitos decorrentes dos atos realizados pelas partes. Se é verdade que o efeito
translativo da propriedade é decorrência do registro da escritura junto ao
cartório de imóveis nos termos do que estabelecia o então vigente art. 530,
I, do Código Civil de 1916,163 também é verdade que o efeito obrigacional,
correspondente ao adimplemento das obrigações impostas pelo contrato ao
comprador, não guarda conexão alguma com o referido registro.
Mas seria possível recorrer, para a resolução do problema, a um argumento estruturado com base na ideia de equilíbrio? Quer nos parecer que
sim. E isso seria possível, por exemplo, com o recurso às regras relativas
114
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
à garantia contratual contra o vício redibitório compreendidas como mecanismos para evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes; vejamos
mais detalhadamente.
O fundamento das garantias contratuais legais parece estar muito mais
na ideia de equilíbrio contratual do que na ideia de lealdade contratual, tanto
assim que mesmo que o transmitente (aquele sobre quem recai a obrigação
de transferir o bem) atue de acordo com a boa-fé, será possível demandar
pela garantia. O que importa para a atuação das regras relativas às garantias
é o fato de que o devedor prestou, pois se ainda não prestou há que se falar
em inadimplemento. As garantias contratuais atuam por meio das denominadas “obrigações de garantia” cujo conteúdo é a “eliminação de um risco
que pesa sobre o credor”; nessas obrigações, “a simples assunção do risco
pelo devedor de garantia representa o adimplemento de sua prestação”.
Ora, aceitando-se que as partes celebraram compra e venda de bem imóvel,164 seria possível sustentar que, se na data da entrega o comprador identificasse uma desproporção entre o preço pago e o efetivo valor do bem,
estar-se-ia diante da hipótese regulada pelo arts. 1.101, caput e parágrafo
único, 1.102 e 1.105 do então vigente Código Civil de 1916.165 Não seria
necessário desfazer o contrato, mas apenas solicitar um abatimento correspondente à diminuição do valor, o que, no caso em tela, visto que o pagamento do preço já havia sido feito, implicaria impor ao vendedor o dever
de devolver essa diferença.
Relativamente à indenização dos prejuízos e restituição do preço, é importante destacar que não há a necessidade de culpa para que a restituição prevista no art. 1.103 do CC/16166 possa incidir, pois não se trata de constituição
de “dívida” decorrente de inadimplemento, mas de atuação de “garantia”, ou
melhor, “a dívida resulta de ter ocorrido o fato cuja inocorrência se garantiu”.
A restituição não depende da aferição de culpa do outorgante (alienante) porque não se trata de analisar o inadimplemento da obrigação, mas sim de incidência de cláusula legal de garantia prevista para a hipótese de concretização
de risco inerente aos negócios translativos. A garantia é ativada pela perda
de comutatividade (correlação entre o valor pago e o valor efetivo do bem)
decorrente do superfaturamento. Com isso se resolveria, inclusive, o problema relativo tanto à manutenção da propriedade do prédio como aquele
115
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
referente à contratação de terceiro para finalizar a obra. Tendo atuado dolosamente, o vendedor que se beneficiou com esse descompasso, além de
devolver a diferença, poderia ainda ser condenado a, indenizar as perdas e
danos (e entre elas estaria o serviço agora realizado por terceiro).
ConClusão
Havia um conjunto de soluções bastante consistentes e que viabilizariam
a obtenção da satisfação de um conjunto de pretensões jurídicas em benefício da Administração Pública. A compreensão do problema esteve, no
TCU e no STF, sempre associada com um determinado uso dado à distinção direito público-direito privado. Tal uso da distinção acabou por impedir o desenvolvimento apropriado daquele conjunto de soluções.
Não há nada de errado com a distinção em si. Como ocorre com qualquer
instrumento, também com os instrumentos conceituais os erros surgem em
razão do uso que a eles se dá.
A distinção público-privado, como toda classificação, é importante pelo
papel que desempenha na organização do raciocínio, em nível mais abstrato,
e pelo que revela acerca da forma como os problemas são compreendidos,
em nível mais concreto. Porém, concordamos com Raymond Geuss quando
afirma que:
Não existe a distinção público-privado, ou, de todo modo, é um
grande erro pensar que há aqui uma única distinção substantiva que
possa ser feita de maneira a, por meio dela, realizar-se qualquer
tarefa filosófica ou política séria.167
Há, entretanto, que se pensar no propósito da distinção. Como toda
ferramenta, também essa distinção foi criada com algum propósito.168
Usá-la sem essa reflexão prévia é reificá-la – e assim o fazendo, o caso bem
demonstra, a distinção deixa de constituir ferramenta para a resolução do
problema e passa a ser ela mesma o impasse.
Os tribunais aos quais foi entregue a jurisdição do caso adotaram como
premissa a ideia de que seu enfrentamento passava, necessariamente, pelo
tratamento da questão “o contrato celebrado é um contrato público ou
116
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
privado?”. Assim, a distinção direito público vs. direito privado passou a
dirigir parte significativa do trabalho intelectual dos Ministros e influenciou
o tratamento dado a outras distinções, tais como a relativa aos efeitos decorrentes da rescisão e da invalidade do contrato. Em vista disso, deixaram de
considerar normas jurídicas cuja aplicação produziria solução tecnicamente
mais consistente e com conteúdo mais justo.
A demasiada atenção dada à questão “contrato privado vs. contrato
público” impediu que se encontrasse solução satisfatória para questões mais
importantes – entre elas, “como diminuir a exposição da Administração
Pública ao risco de inadimplemento do contrato?”, “como permitir a contratação de terceiro para a finalização da obra e, simultaneamente, recuperar
os pagamentos indevidamente recebidos pela contratada inadimplente?” etc.
Em síntese, vê-se que o uso incompetente das ferramentas jurídicas à disposição não somente falhou por não permitir a resolução adequada do problema, mas falhou por, em certa medida, ampliá-lo.169 Eis o diagnóstico que
se obtém com a análise das decisões do TCU e do STF no Caso TRT.
117
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
notAs
No caso da rescisão unilateral assumia-se que o contrato era válido, e no caso da
decretação da nulidade assumia-se, por óbvio, que era inválido.
1
Quando uma das partes propõe uma revisão, está afirmando que não cumprirá um
ou mais termos do contrato – justamente aquele(s) termo(s) que solicita que sejam alterados
–; simultaneamente, demonstram que pretendem cumprir o contrato – naquele(s) termo(s)
cuja modificação não foi solicitada, bem como os novos termos que, por ventura, seja
introduzidos em vista da revisão.
2
Nas palavras de Geuss (2001, p. 10), essa distinção é uma “concreção ideológica”
formada por componentes tão díspares quanto “fragmentos conceituais, teorias, reações
folclóricas, distinções cruas úteis em contextos práticos altamente específicos, valores
tacitamente assumidos” originados de diferentes fontes e pertencentes a diferentes esferas
que “se juntam historicamente de forma confusa e acumulam em torno de si uma forma de
capital autoevidência, plausibilidade e força motivacional”.
3
Há aqui, na metáfora da contaminação, uma aparente associação entre as
distinções público-privado e limpo/puro-sujo/poluído. A ideia de contágio do direito
público pelo recurso ao modelo de direito privado se apresenta, em si, como sinônimo de
corrupção em sentido amplo, ou seja, como processo que corrompe um anterior estado
de pureza/limpeza. Nesse sentido é a afirmação de Geuss (2001, p. 20): “disgust can
render its objects so magically contagious that they infect anything even indirectly
or ideationally associated with them, causing mild reactions of revulsion even to
representations of disgusting objects, even to the mere knowledge that something disgusting
was taking place”.
4
“Ementa: Considerar válidos os procedimentos adotados até agora pelo TRT-2ª
Região, tendo em vista a fase conclusiva das obras, determinando providências urgentes
ao TRT-SP no sentido de transferir as obras e o terreno para o seu nome, bem como adotar
rigorosa observância às normas e preceitos da Lei n. 8.666/93 no prosseguimento das obras;
e, comunicação ao Órgão de Controle Interno do TRT 2ª Região e dos demais TRT’s que
não procede a invocação de preceitos do C. C. e do C. P. C. em procedimentos licitatórios
por eles realizados, tendo em vista que existe lei específica sobre a matéria” (Proferido em
8 de maio de 1996 nos autos do Processo TC 700.731/92-0).
5
6
118
Acórdão 231/96, p. 2.
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
7
Valor datado de 2 de janeiro de 1992 conforme o Acórdão 231/96, p. 4.
8
Acórdão 231/96, p. 3.
9
Acórdão 231/96, p. 3.
10
Acórdão 231/96, p. 4-5.
11
Acórdão 231/96, p. 5-6.
O referido artigo estabelece que “não será permitido o pagamento antecipado de
fornecimento de materiais, execução de obra, ou prestação de serviço, inclusive de utilidade
pública, admitindo-se, todavia, mediante as indispensáveis cautelas ou garantias, o
pagamento de parcela contratual na vigência do respectivo contrato, convênio, acordo ou
ajuste, segundo a forma de pagamento nele estabelecida, prevista no edital de licitação ou
nos instrumentos formais de adjudicação direta”.
12
13
Acórdão 231/96, p. 7.
14
Acórdão 231/96, p. 8.
15
Parecer de Miguel Reale, p. 12 e 16, apud Acórdão 231/96, p. 8.
16
Parecer de José Afonso da Silva, p. 7, apud Acórdão 231/96, p. 8.
17
Parecer de Toshio Mukai, p. 6, apud Acórdão 231/96, p. 8.
18
Parecer de Toshio Mukai, apud Acórdão 231/ 96, p. 8.
19
Acórdão 231/96, p. 8.
20
Acórdão 231/96, p. 9.
21
Acórdão 231/96, p. 9.
22
Acórdão 231/96, p. 9.
23
Acórdão 231/96, p. 10.
119
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
24
Acórdão 231/96, p. 11.
25
Parecer de Miguel Reale, apud Acórdão 231/96, p. 8.
26
Acórdão 231/96, p. 11.
27
Acórdão, 231/96, p. 12.
28
Acórdão, 231/96, p. 13.
29
Acórdão 231/96, p. 14.
30
Acórdão 231/96, p. 14.
31
Acórdão 231/96, p. 14.
32
Acórdão 231/96, p. 15.
Essa regra foi mantida inalterada na Lei n. 8.666/93, conforme se pode ler no § 2º do
art. 56. O referido estatuto introduziu apenas a possibilidade de ampliação do valor da garantia
de 5% para 10% do valor do contrato quando ficar demonstrado por parecer tecnicamente
aprovado por autoridade competente que obras, serviços e fornecimentos de grande vulto
envolverão alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis (§ 3º do art. 56,
Lei n. 8.666/93).
33
34
Acórdão 231/96, p. 16.
35
Acórdão 231/96, p. 17.
36
Acórdão 231/96, p. 20.
37
Acórdão 231/96, p. 17.
38
Acórdão 231/96, p. 18.
39
Acórdão 231/96, p. 21.
40
Acórdão 231/96, p. 27.
120
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
41
Acórdão 231/96, p. 21.
42
Acórdão 231/96, p. 22.
43
Apud Acórdão 231/96, p. 22.
44
Ver nota 155.
45
Acórdão 231/96, p. 22.
“[...] No caso em tela, a contratada vai executar obra de construção privada em
seu terreno e por conta própria e só depois de pronto o imóvel, com o competente “Habitese”, será definitivamente transferido para o contratante, quando, então, se transformará em
bem público de uso especial (Cód. Civil, art. 66, II)” (José Afonso da Silva, apud Acórdão
231/96, p. 23).
46
47
Acórdão 231/96, p. 23.
48
Acórdão 231/96, p. 27.
49
Acórdão 231/96, p. 27.
50
Acórdão 231/96, p. 27.
51
Acórdão 231/96, p. 28.
[...] somente em casos especialíssimos a Administração pode abrir mão de sua
supremacia e contratar como mero particular. O Administrador, na qualidade de guardião
do interesse público, deve adotar sempre o instrumento contratual mais adequado e seguro
quanto a esse aspecto. Ainda que à míngua de disposições expressas, é imprescindível
invocar os princípios vetoriais da função Administrativa: supremacia do interesse público
e a indisponibilidade deste interesse. (Acórdão 231/96, p. 40).
52
Segundo o Ministro Relator é possível, da leitura dos dispositivos legais
transcritos, constatar que “as características, os cuidados e os detalhes inseridos na
modalidade de compras adéquam-se perfeitamente à aquisição de bens móveis e de imóveis
prontos e acabados, mas não à aquisição de imóvel a construir, conforme o caso constante
dos autos” (Acórdão 231/96, p. 33).
53
121
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
Na dicção do Ministro Relator, o administrador público “tem a obrigação de zelar
pelo fiel cumprimento da lei e pelo regular emprego dos dinheiros públicos colocados sob
sua responsabilidade e responde por qualquer prejuízo causado ao Erário, decorrente de
ação ou omissão de sua parte (DL n. 200/67, arts. 90 e 93)” (Acórdão 231/96, p. 35).
54
55
Acórdão 231/96, p. 35.
56
Acórdão 231/96, p. 35.
57
Acórdão 231/96, p. 35.
58
Acórdão 45/99, p. 10.
TC-001.025/98-8. Ementa: “Auditoria. TRT da 2ª Região SP. Verificação da
compatibilidade entre os cronogramas físico e financeiro das obras de construção do Fórum
Trabalhista SP. Inconsistências de medições, alteração de projetos, assinaturas de aditivos e
contratações sem procedimentos licitatórios. Contrato na modalidade de aquisição ao invés
de obra pública de engenharia. Ausência de prévio projeto básico. Não inclusão do
investimento no Plano Plurianual. Previsão contratual de financiamento de quase a totalidade
do serviço pela contratante. Previsão de multa à contratante. Habilitação indevida de licitante.
Descompasso entre a liberação de recursos e a execução física da obra. Pagamento antecipado.
Ocorrência de prejuízo ante o descompasso na execução financeira. Improcedência das
alegações. Não adoção de providências pelos responsáveis contribuindo para continuidade na
ocorrência de prejuízos. Responsabilidade solidária do engenheiro contratado para
acompanhar a execução da obra. Rescisão unilateral do contrato já promovida pelo referido
TRT. Irregularidades apuradas através de CPI do Judiciário trazem nova dimensão ao prejuízo
então apurado. Multa aos dois ex-presidentes. Conversão em Tomada de Contas Especial.
Nova inspeção ante a superveniência de novos fatos. Remessa de cópia ao CREA, à Comissão
Parlamentar e à Procuradoria da República SP. Determinação. - Contratos administrativos.
Fato do príncipe. Análise das matérias” (Acórdão 45/99. Proferido em 5 de maio de 1999).
59
60
À época, avaliados em R$ 150.000.000,00.
61
Acórdão 45/99, p. 10.
62
Acórdão 45/99, p. 11.
63
Acórdão 45/99, p. 11.
122
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
64
Citado no Acórdão 45/99, p. 15.
65
Lei n. 8.880, de 27 de maio de 1994.
66
Citado no Acórdão 45/99, p. 15.
67
Acórdão 45/99, p. 16.
68
Acórdão 45/99, p. 16.
69
Acórdão 45/99, p. 16.
70
Acórdão 45/99, p. 16.
71
Acórdão 45/99, p. 16.
72
Acórdão 45/99, p. 17-18.
73
Acórdão 45/99, p. 22.
Unidade Fiscal de Referência: fator de correção dos valores dos impostos extinto
em quase todo país no ano de 2000.
74
75
Acórdão 45/99, p. 24.
76
Acórdão 45/99, p. 25.
77
Acórdão 45/99, p. 26.
78
Acórdão 45/99, p. 27.
79
Acórdão 45/99, p. 27.
80
Acórdão 45/99, p. 27.
81
Acórdão 45/99, p. 27.
82
Acórdão 45/99, p. 28.
123
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
83
Acórdão 45/99, p. 29.
84
Acórdão 45/99, p. 29.
85
Constante dos autos do TC-7000.731/92-0.
86
Acórdão 45/99, p. 29.
87
Acórdão 45/99, p. 29.
88
Acórdão 45/99, p. 29.
Os três primeiros aditivos tinham por finalidade declarada a “readequação de
pagamentos e prazos”.
89
Eram eles: a) Programa de conclusão das obras do Fórum Trabalhista da Cidade de
São Paulo, b) fundamentos para o reestabelecimento do equilíbrio econômico, c) notas fiscais
das despesas de todos os meses que compunham o período a ser ressarcido e c) parecer
jurídico de Diógenes Gasparini datado de 4 de junho de 1998.
90
A Comissão de Instalação, criada em 1997, não tinha qualquer vinculação com a
Comissão de Construção do Fórum (presidida por Nicolau dos Santos Neto); seu encargo
principal era adotar providências para a ocupação do prédio pelas Juntas de Conciliação
do Fórum Trabalhista.
91
92
Acórdão 45/99, p. 30.
93
Acórdão 45/99, p. 31.
Acórdão 45/99, p. 31. No referido acórdão também foi solicitada a realização de
nova inspeção junto ao TRT (alínea “d”, p. 31). Os trabalhos de inspeção foram realizados
entre 24 de maio de 1999 e 22 de junho de 1999. Em sua conclusão, a inspeção
demonstrou que o imóvel valia, em seu estágio à época, o equivalente a R$ 62,5 milhões
enquanto teria sido paga, até a rescisão unilateral do contrato pelo TRT, quantia
correspondente a R$ 232 milhões. Por fim, o relatório de inspeção informava que de
acordo com levantamento feito pela Receita Federal pouco mais de R$ 60 milhões foram
efetivamente destinados à obra (MS n. 23.560/DF, STF, Voto-vista do Ministro Nelson
Jobim, p. 323).
94
124
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
95
A data do julgamento está registrada como sendo 5 de maio de 1999.
96
Acórdão 45/99, p. 32.
O elenco de hipóteses referidas pelo art. 69, I, do Decreto-lei n. 2.300/86 é, em
síntese, o mesmo ao qual faz referência o art. 79, I, da Lei n. 8.666/93: o não cumprimento
de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos; o cumprimento irregular de
cláusulas contratuais, especificações, projetos e prazos; a lentidão do seu cumprimento,
levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço
ou do fornecimento nos prazos estipulados; o atraso injustificado no início da obra, serviço
ou fornecimento; a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e
prévia comunicação à Administração; a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a
associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como
a fusão, cisão ou incorporação não admitidas no edital e no contrato; o desatendimento das
determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução,
assim como as de seus superiores; o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas
na forma do parágrafo 1º do art. 67 da Lei n. 8.666/93; a decretação de falência ou a
instauração de insolvência civil; a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;
a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique
a execução do contrato; razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento,
justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está
subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato e,
por fim, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva
da execução do contrato.
97
Acórdão 45/99, p. 32. Há razões para suspeitar que as hipóteses utilizadas foram
aquelas relacionadas à inexecução completa e/ou parcial de cláusulas do contrato, bem
como as relativas ao atraso e lentidão na execução.
98
99
Acórdão 45/99, p. 33.
100
Acórdão 45/99, p. 36.
Sobre o problema relativo à improvável unidade do bem/interesse público, ver
Geuss (2001, p. 97-104).
101
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF, julgado liminarmente em 29 de outubro
de 1999.
102
125
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
103
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF.
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. Embora o parecer de Ives Gandra Martins
possua data de 15 de setembro de 1993, as decisões do TCU emitidas anteriormente ao
acórdão do STF não o mencionam em nenhuma oportunidade. Eis o motivo pelo qual
resolvemos abordá-lo neste momento.
104
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF. A consulta endereçada ao referido jurista
continha, ao que tudo indica, os mesmos questionamentos realizados anteriormente aos
outros três. As questões foram: “1) A licitação em tela é para a aquisição de imóvel pronto
(ou seja, entregue o terreno com edificação acabada) ou, como pretende a Inspetoria do
Tribunal de Contas, para a contratação de obras e serviços de engenharia?; 2) A licitação
obedeceu aos requisitos legais aplicáveis à sua finalidade, ou seja, a aquisição de imóvel
pronto ou, ao contrário, como pretende a Inspetoria do Tribunal de Contas, contratação de
obras e serviços de engenharia? Mais precisamente: poderia o Tribunal Regional do
Trabalho proceder à licitação sem prévio projeto básico elaborado pelo próprio Tribunal?
Esclareça-se que, com a proposta, foi apresentado anteprojeto elaborado por profissionais
devidamente habilitados perante o CREA. É o registro do CREA-SP requisito legal
intransponível para a habilitação da licitante, à vista de como a consulente formulou a sua
proposta?; 3) Em que medida as alterações mínimas do projeto, exigidas pela Prefeitura,
implicam alterações do objeto da licitação em exame?; 4) Tendo em vista o objeto da
licitação, a licitante deve outorgar o domínio e a posse do imóvel pronto ou, como pretende
a Inspetoria, deve desde logo transferir a posse do terreno?; 5) Considerando o objeto da
licitação, o pagamento de parcelas mediante recibo de sinal e princípio de pagamento ou
mediante assinatura de contrato deve ser considerado como pagamento de parcelas do
preço de aquisição do imóvel pronto ou, então, como pretende a Inspetoria, pagamento de
serviço ou despesas? Os pagamentos efetuados dependiam de contraprestação de serviços?
Os pagamentos à consulente foram validamente efetuados?; 6) É a escritura pública forma
adequada à celebração de compromisso de compra e venda do objeto da licitação? A
escritura de compromisso de compra e venda merece ser anulada por ter sido celebrada
após a data prevista no Edital, considerando-se, inclusive, o atraso do Tribunal Regional
do Trabalho no pagamento da totalidade de entrada? Os eventos relacionados na Cláusula
XIII da escritura de compromisso de venda e compra podem ser considerados como de
‘força maior’, ou, como pretende a Inspetoria, ‘previsíveis e evitáveis’, tendo em vista que
resultam de normas e leis?; 7) A proposta apresentada indicava que o empreendimento
seria executado pela consulente, a quem foi adjudicada a licitação. É a subsidiária terceiro
estranho ao procedimento licitatório, como pretende a Inspetoria? É válida sua
contratação?”. Licitação para a aquisição de imóvel pronto pelo Tribunal Regional do
105
126
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Trabalho de São Paulo – Preenchimento dos requisitos legais – Autonomia Administrativa
do Poder Judiciário – Responsabilidade civil do estado por erro no exame dos aspectos
jurídicos – Parecer. Documento resgatado, em 12 de abril de 2013, disponível no site
<http://www.gandramartins.adv.br/parecer/detalhe/id/PA00955>.
106
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF.
107
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF.
108
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF.
109
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF.
110
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF.
111
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF.
O julgamento definitivo do MS n. 23.560/DF deu-se em Sessão Plenária ocorrida
em 20 de setembro de 2000 e teve acórdão assim ementado: “Administrativo. Edital de
aquisição de imóvel e contrato de promessas de compra e venda. Órgão Público. Inspeção
pelo Tribunal de Contas da União que constatou irregularidades no contrato; na execução
da obra e incompatibilidade entre os cronogramas físico e financeiro. Decisão do TCU
para determinar à autoridade competente que decrete a nulidade do contrato (art. 59, da
Lei n. 8.666/93). Decisão com efeito mandamental. Ausência de efeitos desconstitutivos
dos negócios jurídicos. Limites da decisão para não interferir no processo anulatório.
Mandado de Segurança indeferido” (Relator para o acórdão Ministro Nelson Jobim).
112
113
MS n. 23.560/DF, p. 294.
Celebrada em 19 de dezembro de 1996 no 14º Tabelião Vampré, São Paulo (MS
n. 23.560/DF, p. 309).
114
115
MS n. 23.560/DF, p. 326-330.
116
MS n. 23.560/DF, p. 330.
Por “anulatória” o Ministro quis significar a ação anulatória da escritura pública
de compra e venda que deveria ser proposta por força da rescisão unilateral do contrato
117
127
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
levada a cabo pela Presidência do TRT, conforme dá conta a informação constante no
Acórdão 45/99 do TCU.
118
MS n. 23.560/DF, p. 331.
119
MS n. 23.560/DF, p. 332.
120
MS n. 23.560/DF, p. 334.
Art. 49, caput e parágrafo único do Decreto-lei n. 2.300/86 e art. 59, caput e
parágrafo único da Lei n. 8.666/93.
121
122
MS n. 23.560/DF, p. 343.
123
MS n. 23.560/DF, p. 342.
124
MS n. 23.560/DF, p. 342 e 344.
125
MS n. 23.560/DF, p. 351.
126
MS n. 23.560/DF, p. 351.
127
MS n. 23.560/DF, p. 351.
128
MS n. 23.560/DF, p. 352.
129
MS n. 23.560/DF, p. 353.
130
MS n. 23.560/DF, p. 354.
131
MS n. 23.560/DF, p. 354.
Essa conexão entre declaração de nulidade e recuperação de pagamentos já
realizados aparece pela primeira vez no voto do Ministro Relator Adhemar Paladini Ghisi,
no Acórdão 45/99 do TCU. Naquele momento, ao se manifestar sobre a rescisão unilateral
do contrato levada a cabo pelo TRT 2ª Região, assim se manifestou o relator: “Não obstante
a adoção de tais providências, creio que assim deve o TCU, nesta oportunidade, determinar
à autoridade administrativa competente que seja decretada a nulidade do referido contrato,
132
128
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
uma vez que a rescisão unilateral legitima os pagamentos até então efetuados com base no
contrato, ao passo que a declaração de nulidade, por operar retroativamente, permite que
seja questionada a totalidade dos pagamentos. Vale frisar que tal declaração evidentemente
não desonerará a Administração da obrigação de indenizar pelos serviços eventualmente
prestados”(Acórdão 45/99, p. 32). O ministro não explica porque a rescisão unilateral, que
pode ser inclusive motivada por descumprimento contratual (por exemplo, a não entrega
de bem ou a não realização de serviço contratado), impediria à Administração Pública
exigir a devolução dos valores adiantados à contratada em vista do cumprimento de
obrigações que, ao final, não foram realizadas.
Acórdão 298/2000. Julgado pelo Plenário do TCU em 29 de novembro de 2000 e
assim ementado: “Auditoria. TRT 2ª Região SP. Obras de construção do Fórum Trabalhista
de São Paulo. Pedidos de reexame, interpostos pelo Ministério Público junto ao TCU, por
dois responsáveis e pelo TRT 2ª Região, contra acórdãos que, dentre outras providências,
aplicaram multa aos responsáveis e determinaram a conversão do processo em tomada de
contas especial, em razão das irregularidades no processo licitatório, contrato, projeto básico,
pagamentos. Conhecimento. Negado provimento os recursos dos responsáveis. Provimento
parcial ao recurso do TRT 2ª Região para suprimir alínea do acórdão. Considerado extinto o
recurso interposto pelo MP TCU ante desistência formulada. Ciência aos interessados e órgãos
de controle. Mandado de segurança impetrado, junto ao STF, pela empresa Incal visando à
sustação dos efeitos das decisões do TCU que declararam a nulidade do contrato da empresa
com o TRT. Pedido de liminar acatado. Indeferimento no mérito. Direito Administrativo. Ato
administrativo vinculado. Natureza administrativa das decisões do TCU. Anulação de contrato.
Comentários” (Ministro Relator Adylson Motta).
133
Diploma que dispõe sobre a unificação dos recursos de caixa do Tesouro Nacional
e que, portanto, estabelece procedimentos para o recebimento de receitas assim como para
o empenho, a liquidação e o pagamento das despesas a cargo do Tesouro Nacional.
134
135
Parecer de Miguel Reale, apud Acórdão 298/2000, p. 10.
Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 4ª ed., p. 355 apud
Acórdão 298/2000, p. 16.
136
Essa regra foi mantida inalterada na Lei n. 8.666/93, conforme se pode ler no
parágrafo 2º do art. 56. O referido estatuto introduziu apenas a possibilidade de ampliação
do valor da garantia de 5% para 10% do valor do contrato quando ficar demonstrado por
parecer tecnicamente aprovado por autoridade competente que obras, serviços e
137
129
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
fornecimentos de grande vulto envolverão alta complexidade técnica e riscos financeiros
consideráveis (parágrafo 3º do art. 56, Lei 8.666/93).
138
Acórdão 298/2000, p. 11.
139
Acórdão 298/2000, p. 12.
140
Acórdão 298/2000, p. 39.
141
Acórdão 298/2000, p. 39.
142
Acórdão 298/2000, p. 40.
“Na argumentação condutora do indeferimento do mandado de segurança,
mencionou-se que não seria aquele o momento apropriado para decidir-se, ao dar
cumprimento à determinação que recebeu deste Plenário, o TRT 2ª Região poderia
simplesmente promover a decretação administrativa da nulidade do contrato ou, ao
contrário, deveria propor ação específica para alcançar tal fim – como sustentado na
impetração” (Acórdão 298/2000, p. 42).
143
144
Acórdão 298/2000, p. 42.
145
Acórdão 298/2000, p. 42-43.
“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com
o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] XI – assinar prazo para
que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei,
se verificada ilegalidade; [...] X – sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado,
comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. § 1º No caso de
contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que
solicitará de imediato ao Poder Executivo as medidas cabíveis. § 2º Se o Congresso
Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas
no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.”
146
147
Acórdão 298/2000, p. 44.
O referido voto encontra-se injustificadamente interrompido no documento obtido
junto ao sítio do referido Tribunal.
148
130
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
149
Acórdão 298/2000, p. 48.
150
Acórdão 231/96, p. 3.
151
Acórdão 231/96, p. 3.
No Código Civil de 1916, que vigorava quando da publicação do edital, esse
contrato estava descrito no art. 1.118: “Se o contrato for aleatório, por dizer a coisas
futuras, cujo risco de não virem a existir assuma o adquirente, terá o direito o alienante a
todo o preço, desde que de sua parte não tenha havido culpa, ainda que delas não venha a
existir absolutamente nada”. Essa modalidade contratual está atualmente descrita no art.
458 do Código Civil de 2002: “Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou
fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro
direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha
havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir”.
152
No Código Civil de 1916, essa modalidade estava descrita no art. 1.119: “Se for
aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a
existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de
sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha existir em quantidade inferior à
esperada”. No Código Civil de 2002, essa modalidade está descrita no art. 459: “Se for aleatório,
por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em
qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte
não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada”.
153
Não abordaremos aqui a possibilidade de se recorrer à doutrina do Inadimplemento
Antecipado.
154
“Quando a nomenclatura confunde, há que se buscar a essência das coisas para
que se saiba como lidar com elas: que remédio administrar à doença, que comida dar ao
animal ou, na presente situação, que lei aplicar ao fato administrativo.” (apud Acórdão
231/96, p. 13).
155
156
No Decreto-lei n. 2.300/86 tratava-se do caput e parágrafo único do art. 49.
157
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF.
158
Decisão liminar em MS n. 23.560/DF.
131
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
O atual art. 3º da Lei n. 8.666/93, embora tivesse optado por redação ligeiramente
diferente, mantinha esse objetivo: “a licitação destina-se a garantir a observância do
princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a
Administração, e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios
básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade,
da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento
objetivo e dos que lhes são correlatos”. A redação atual, alterada por força da Lei n. 12.349
de 15 de dezembro de 2010, apenas introduziu como um dos objetivos a “promoção do
desenvolvimento nacional sustentável”.
159
Além disso, há que se destacar, como fez o Ministro Adhemar Ghisi (Acórdão
45/1999, p. 16), que, no presente caso, a contratada ficou durante quase dois anos com
aproximadamente US$ 21 milhões em caixa (montante referente à parte da entrada,
conforme apontado no TC n. 700.731/92-0), sem ter iniciado as obras, pois que, de acordo
com a cláusula ajustada, as obras só teriam início com o pagamento integral da entrada
(da ordem de R$ 34.854.369,07 em 21.10.94).
160
Mesmo a recente menção expressa à licitude da atipicidade contratual veio, em
nosso sistema jurídico, acompanhada da ressalva de que tais contratos devem obedecer as
regras gerais aplicáveis a qualquer contrato – entre elas, obviamente, o princípio do
equilíbrio contratual (art. 425, CC/02: “É lícito às partes estipular contratos atípicos,
observadas as normas gerais fixadas neste Código”).
161
Em outra oportunidade, refletindo sobre situação aparentemente oposta
(partindo da presumível superioridade da Administração Pública), observei que “nos
contratos administrativos, assim como nos demais contratos nos quais há desproporção
de poderes entre as partes, há que se considerar de que forma é possível garantir um
determinado equilíbrio entre os interesses em jogo, além do que há considerar qual a
medida de equilíbrio/desequilíbrio é justificável em vista da concretização dos
interesses dos contratantes e de outros que lhes transcendam” (PINTO JUNIOR, Mario
Engler; CORRêA, André Rodrigues (org.), 2013, p. 90-91). Como o caso do TRT ilustra
de forma perfeita, por vezes o problema da revisão do contrato se impõe por força não
da superioridade da Administração Pública, mas, pelo contrário, por força da efetiva
inferioridade na qual se encontra a Administração Pública quando contrata com agentes
econômicos, e isso por inúmeras razões (poder de mercado, corrupção de agentes
públicos etc.). Esse é um problema para o qual tanto a legislação sobre licitações e
contratos administrativos quanto a doutrina administrativista não parecem, infelizmente,
ter dado muita atenção.
162
132
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Adquire-se a propriedade imóvel, segundo o inciso I do referido artigo, “pela
transcrição do título de transferência no Registro de Imóvel” (Atual artigo 1.245, CC/02).
163
“As compras, sempre que possível e conveniente, deverão submeter-se às
condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado” (art. 14, III, Decreto
2.300/86, e art. 15, III, Lei n. 8.666/93).
164
165
Atuais arts. 441, caput e parágrafo único, 442 e 443, CC/02.
166
Atual art. 443, CC/02.
“There is no such thing as the public/private distinction, or, at any rate, it is a deep
mistake to think that there is a single substantive distinction here that can be made to do
any real philosophical or political work.”(GEUSS, 2001, p. 106).
167
“Rather, first we must ask what this purported distinction is for, that is, why we
want to make it at all.” (GEUSS, 2001, p. 107).
168
“The unreflective use of distinctions such as this one [public-private] restricts our
possibilities of perceiving and understanding our world. It also can have the effect of casting
a vague glow of approbation on highly undeserving features of our world or possible courses
of action (or, alternatively, of shinning the blinding light of unwarranted suspicion on
possibilities we would do well to consider sympathetically).”(GEUSS, 2001, p. 10).
169
133
[sumário]
2. PreConCeItos, Presunções e Prejuízos:
referênCIAs
:
:
:
:
BOBBIO, Norberto. Dalla struttura alla funzione – nuovi studi di teoria del diritto.
Milão: Edizioni di Comunità, 1977.
CORRêA, André Rodrigues. A meio caminho entre o topo das montanhas e o fundo
das planícies: qual o lugar da “Razão de Estado” no Contrato Administrativo. In:
PINTO JUNIOR, Mario Engler; CORRêA, André Rodrigues (org.). Cumprimento de
contrato e razão de Estado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 90-91
GEUSS, Raymond. Public Goods, Private Goods. New Jersey: Princeton University
Press, 2001.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos
administrativos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
134
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
3.
dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
DESCONSIDERAçãO DA PERSONALIDADE JURíDICA
E FALêNCIA NO CASO TRT
Gisela Ferreira Mation
Introdução
Se “a corrupção ocorre na interface entre os setores público e privado”
(ROSE-ACKERMAN, 1997, p. 31), é também verdade que o direito privado
tem um papel a desempenhar quando se discute formas de prevenção e combate à corrupção. Esquemas de corrupção sofisticados e desvio de ativos utilizam, na maioria das vezes, instituições de direito privado, e estruturam-se
a partir das suas regras. Além disso, o uso de pessoas jurídicas para esconder
operações de corrupção é um fenômeno frequente.1 Se há um papel para o
direito privado na “construção” de um esquema de corrupção, será que o
mesmo pode ser dito do processo de responsabilização por essa prática?
O Caso TRT nos dá a oportunidade de analisar essa questão em relação
à desconsideração da personalidade jurídica e ao direito falimentar.2 As
considerações aqui tecidas resultam principalmente da análise da falência
da Construtora Ikal Ltda (doravante referida como “Construtora Ikal”)3,
ainda que outros processos relacionados ao Caso TRT também tenham
relevância para a discussão sobre as contribuições do direito privado, em
especial a ação declaratória de anulação de títulos de crédito ajuizada
pelo Grupo OK Construções e Incorporações Ltda., que também discute
desconsideração de personalidade jurídica.
As políticas de prevenção e combate à corrupção buscam, por um lado,
diminuir os incentivos para que os agentes econômicos se envolvam em
esquemas de corrupção e, por outro, caso esse esforço preliminar não tenha
sido bem-sucedido, facilitar a investigação de atos de corrupção cometidos
e maximizar a recuperação de ativos relacionados ao esquema fraudulento.
Os dois institutos de direito privado analisados servem propósitos bastante distintos, mas se relacionam de maneira clara com os desafios que se
impõem ao sistema de justiça ao lidar com um caso de corrupção.
135
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
A desconsideração da personalidade jurídica (entendida, de forma geral,
como a extensão “dos efeitos de certas e determinadas relações de obrigações [...] aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica”4) pode servir como instrumento para a investigação e recuperação
de ativos em casos de corrupção. A Asset Recovery Initiative – em estudo
recente contendo uma série de recomendações para prevenir o uso de estruturas jurídicas para esconder ativos e cometer atos fraudulentos – aponta o
aumento da transparência das pessoas jurídicas e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica como dois elementos fundamentais
do combate à corrupção e da recuperação de ativos.5
Além disso, uma vez que um esquema de corrupção é descoberto, é possível que uma série de atores e instituições do sistema da justiça busquem,
concomitantemente e de forma não coordenada, a responsabilização dos
envolvidos e a restituição dos recursos desviados com a fraude em questão.
Essa situação pode levar a uma “corrida” entre as diferentes esferas e atores
pelos bens dos envolvidos, sem que existam regras claras para a coordenação desses esforços. O processo falimentar busca resolver situação semelhante: um dos principais objetivos da falência é coordenar a distribuição
dos ativos de um devedor insolvente entre os seus credores, de acordo com
um conjunto de regras, impedindo que ganhe “quem for mais rápido” e
visando proteger a coletividade dos credores de um mesmo devedor.
Ademais, a prevenção de atos fraudulentos é um dos objetivos das instituições de direito privado. Um dos desafios que se impõem a esse ramo
do direito é adaptar-se às novas maneiras de fraudar e à imensa criatividade
dos que se propõem a estruturar uma operação fraudulenta. Por essa razão,
há necessidade de avaliar constantemente a adequação das regras de direito
privado às formas de estruturação de fraude, que estão em permanente
transformação. Nesse sentido, é pertinente o comentário de Miranda Valverde (1962, p. 17) ao Decreto-lei n. 7.661/45 (a antiga Lei de Falências),
que é um dos diplomas normativos relevantes para o Caso TRT:
Uma lei de falências gasta-se depressa no atrito permanente com
a fraude. Os princípios jurídicos podem ficar, resistir, porque a sua
aplicação não se esgota nunca. As regras práticas, que procuram
136
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
impedir o nascimento e o desenvolvimento da fraude, é que devem
com esta evoluir. Contra a fraude à lei é preciso opor a lei contra
a fraude. As brechas, que os ardilosos artifícios conseguem com o
tempo abrir na lei, por mais fechada que seja, necessitam de reparos.
Conforme se verá adiante, a utilização dos dois institutos (a falência
e a desconsideração da personalidade jurídica) no Caso TRT mostra
algumas das lacunas na sua regulamentação e disparidades entre os operadores do direito ao articularem os seus princípios e regras. Não se pretende neste capítulo analisar de forma normativa a desconsideração da
personalidade jurídica e a falência, nem fornecer respostas doutrinárias
para as questões que se colocam à sua aplicação. Pretende-se analisar
esses institutos a partir da observação de como foram articulados no
Caso TRT e refletir a respeito das consequências práticas das formulações doutrinárias, lacunas normativas e características estruturais do sistemas de justiça para o fim específico de combate à corrupção. Assim,
mais do que fornecer respostas, o objetivo do artigo é apontar quais
foram as questões que afetaram a utilização da desconsideração da personalidade jurídica e da falência no Caso TRT, e, por consequência, a
responsabilização dos envolvidos e a recuperação de ativos em um grande caso de corrupção.
Conforme se verá a seguir, os mecanismos de prevenção e combate à
fraude dos institutos da falência e da desconsideração da personalidade jurídica são medidas de exceção – sua aplicação é esporádica e restrita a casos
específicos. Assim, um dos grandes desafios do direito privado em relação
à fraude é produzir regras específicas que se adequem à “evolução” das formas de se estruturar uma operação fraudulenta e sejam flexíveis para se
adaptar a novas situações fáticas, mas que imponham garantias materiais e
processuais aos sujeitos dos mecanismos da falência e da desconsideração
da personalidade jurídica.
3.1 |
defInIção
dos InstItutos jurídICos:
DESCONSIDERAçãO DA PERSONALIDADE JURíDICA E FALêNCIA
Falência é o processo judicial que tem como objetivo a distribuição do
137
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
patrimônio de um devedor insolvente entre os seus credores, de acordo
com critérios estabelecidos pela lei. Assim, o regime do direito de falência
busca, por um lado, arrecadar todos os bens do falido e impedir que qualquer ativo a ele pertencente tenha destino diverso do processo falimentar,
e, por outro, organizar o processo e as regras segundo as quais os credores
obterão a satisfação do seu crédito. A nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência enuncia, em seu art. 47, o objetivo do processo falimentar:
“a falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades,
visa preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos
produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa”.
Para atingir esses objetivos, a lei prevê uma série de mecanismos e
princípios: constatada a insolvência do devedor de acordo com determinados critérios e procedimentos, seus bens passam a ser administrados por
um terceiro nomeado pelo juiz (o síndico)6, e as ações ajuizadas contra
ele passam, de forma geral, a correr no mesmo juízo em que corre o processo falimentar (comumente chamado de juízo universal da falência)7.
Com a decretação da falência, consideram-se vencidas todas as dívidas
do devedor8, devendo o juízo falimentar publicar edital anunciando tal
decretação e convidando os credores do falido a requerer o reconhecimento de seu crédito nesse juízo9, em processo comumente chamado de habilitação de crédito. Além disso, é papel do Ministério Público fiscalizar o
processo de falência e zelar pelo cumprimento da lei.10 A lei também prevê
a ação revocatória, que permite a revogação de ato do falido durante determinado período anterior à decretação da falência.11
A desconsideração da personalidade jurídica, por sua vez, surgiu no
direito brasileiro pela atuação dos tribunais12 e posteriormente foi codificada em diversos diplomas normativos, entre eles o Código Civil13, o
Código de Defesa do Consumidor14 e a Lei Antitruste15. Para compreender
a desconsideração, é necessário entender o seu pressuposto: a personalidade jurídica. Trata-se de ficção jurídica, criada para separar o patrimônio
da sociedade e do sócio, gerando um sistema de incentivos que contribuiu
para o desenvolvimento da economia industrial (REQUIÃO, 2002). A teoria da desconsideração da personalidade jurídica se aplica aos casos em
que o acionista ou sócio utiliza a pessoa jurídica para fim diverso do seu
138
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
objeto social, ou em que há confusão entre o patrimônio da sociedade e
o patrimônio dos seus sócios.
A combinação dos institutos da desconsideração da personalidade jurídica e falência torna a sua aplicação um tanto mais complexa. Ainda que
a desconsideração da personalidade jurídica em processos de falência seja
amplamente reconhecida pela jurisprudência16, muitas controvérsias existem em relação ao seu cabimento e ao procedimento para sua aplicação.
Nas cortes brasileiras, a desconsideração da personalidade jurídica no
âmbito da falência é frequentemente referida com a expressão “extensão
dos efeitos da falência”.17
Algumas das controvérsias relativas a esse tema dizem respeito à determinação das implicações práticas da desconsideração da personalidade jurídica nos casos de falência, ou da extensão dos efeitos da falência. A extensão
dos efeitos da falência à sociedade empresária controladora da falida significa que o patrimônio da controladora responde pelas obrigações da falida
ou que a controladora será considerada como se falida fosse?
Para Lobo (2009, p. 64), por exemplo, a extensão da falência de uma
sociedade a outra teria “idênticas consequências jurídicas, econômicas,
administrativas e políticas”, ou seja,
[...] a socidade para a qual foram estendidos os efeitos tem seu
estabelecimento lacrado, suas atividades paralisadas e seus bens e
direitos arrecadados, custodiados e avaliados; seus administradores
perdem o direito de gerir os bens sociais e deles dispor [...]; as
dívidas da sociedade se vencem antecipadamente [...].
A partir desse entendimento a respeito do que significa a extensão dos
efeitos da falência, o autor critica a utilização da desconsideração da personalidade jurídica na falência e afirma que “existem dispositivos na LSA
e na LRFE que alcançam idênticos objetivos sem ‘quebrar’, indevidamente, sem previsão e amparo legal, nenhuma sociedade do grupo econômico ao qual pertença a sociedade falida”.
No mesmo sentido, Toledo (2004, p. 153-154) faz referência ao art. 81 da
LFR para dizer que “a falência da sociedade com sócios de responsabilidade
139
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
ilimitada acarreta também a falência destes” e que, portanto, “a extensão
da falência é determinada apenas nessa hipótese e exclusivamente para os
sócios de responsabilidade ilimitada”.
Salomão, por sua vez, ao atualizar obra de Comparato, rejeita a interpretação proposta por Campos Salles de Toledo com base no art. 81, mas
adota posição contrária à utilização da desconsideração da personalidade
jurídica no âmbito da falência por motivo teleológico:
A desconsideração não é admissível na falência não porque
não seja possível a extensão dos efeitos da falência ao sócio
limitadamente responsável. Em caso de desconsideração, o
sócio de responsabilidade limitada é equiparado ao sócio de
responsabilidade ilimitada. Bastaria, portanto, aplicar-lhe
diretamente o art. 81 da Lei de Falências. [...]
O real motivo que deve guiar a não vinculação da teoria da
desconsideração da falência da sociedade é teleológico.
Desconsideração e falência são conceitos antinômicos.
A desconsideração é um método para permitir exatamente
a continuação da atividade social.
A consequência da subordinação da desconsideração à insolvência
seria a imposição aos credores de uma difícil escolha: a tentativa
de receber o seu crédito excluiria necessariamente a continuação
da sociedade e das relações comerciais (COMPARATO;
SALOMÃO FILHO, 2008, p. 437-438).
Cumpre destacar que não está claro se os tribunais brasileiros necessariamente compartilham tal entendimento a respeito das implicações da
extensão dos efeitos da falência (de que a pessoa física ou jurídica a quem
se estende os efeitos da falência será considerada como falida). No Agravo
de Instrumento n. 521.791-4/2-00, a Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou o seguinte:
Em qualquer hipótese de propositura de ação de responsabilização,
de desconsideração da personalidade jurídica e de extensão da
140
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
falência, a sua eventual procedência só pode ter consequências
patrimoniais, ou seja, sujeitando os bens do sócio, controlador
ou administrador, ao pagamento das obrigações sociais, mas não
o sujeitando à condição de falido. Não se sujeita o acionista
controlador de sociedade anônima à condição de falido porque
continua vigorando o princípio da autonomia da pessoa jurídica. [...] A
falência de uma socidade empresária projeta, claro, efeitos sobre os seu
sócios. Mas não são eles os falidos e, sim, ela. Recorde-se mais uma
vez, que a falência é da pessoa jurídica, e não dos seus membros.18
Ainda que exista discussão a respeito das implicações e a possibilidade
de extensão dos efeitos da falência (discussão que depende, conforme
ressaltado anteriormente, do que se entende por “extensão dos efeitos da
falência”), a arrecadação do patrimônio dos que seriam parte legítima em
ação de desconsideração da personalidade jurídica é reconhecida pela
doutrina.19 Mesmo os que rejeitam a extensão dos efeitos da falência (em
geral, por entender que ela implicaria a falência do sócio ou do administrador a quem se estendem os efeitos) costumam reconhecer a possibilidade de responsabilizar o sócio ou administrador pelas obrigações da
falida:
É claro que, se o sócio ou acionista controlador for pessoa jurídica,
não se deve decretar a sua falência ou a extensão dos efeitos da falência
da controlada à controladora, nem lacrar os estabelecimentos da
controladora, nem encerrar suas atividades, nem “torrar” em público
leilão os bens integrantes do seu ativo, porquanto não é este o escopo
da teoria da desconsideração, nem a finalidade do art. 50 do Código
Civil, mas pura e simplesmente coobrigá-la à completa e total
reparação dos danos provocados ao patrimônio de terceiros. (LOBO,
2009. p. 69).
Destaca-se que mesmo se considerarmos apenas a responsabilização do
sócio ou administrador pelas obrigações da falida (e não a decretação da
falência do sócio ou do administrador a quem se estendem os seus efeitos),
141
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
é razoável supor que os operadores do direito tenham mais cautela na desconsideração da personalidade jurídica no âmbito de um processo falimentar
do que numa ação civil comum, e esse pode ter sido um fator relevante nas
discussões nos autos da falência da Construtora Ikal. Em geral, em ação
civil comum, é muito mais fácil prever as consequências da desconsideração e o tamanho do débito pelo qual o terceiro passará a responder. Na
falência, as consequências da desconsideração podem ser muito mais
sérias: a determinação da dívida total da falida pode levar anos, e é possível
que a sociedade empresária ou a pessoa natural a quem foram estendidos
os efeitos da falência respondam com todo o seu patrimônio pelo passivo
da empresa falida.
Quando da falência da Construtora Ikal, foi apresentado pedido de desconsideração da personalidade jurídica e extensão dos efeitos da falência,
que conta com mais de vinte volumes e cerca de 350 incidentes, dos quais
334 são habilitações de crédito. Destaca-se a seguir os principais fatos relativos à falência da Construtora Ikal que podem ajudar a compreender a utilização da desconsideração e da falência nos casos de corrupção.
A deCretAção dA fAlênCIA dA ConstrutorA IkAl
A Construtora Ikal era empresa do Grupo Monteiro de Barros20, e no
momento da decretação de sua falência tinha como sócios Monteiro de Barros Investimentos S.A., Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Corrêa Teixeira Ferraz. De acordo com seus sócios, a empresa foi contratada pela
Incal Incorporações S.A., vencedora da licitação relativa à obra do TRT, para
realizar a construção do prédio.21 Essa era, segundo seus sócios, “a empresa
com mais encargos em relação ao restante do grupo de empresas”.22
Em 25 de fevereiro de 1999, a Trox do Brasil – Difusão de Ar, Acústica,
Filtragem, Ventilação Ltda. – requereu a falência da Construtora Ikal, pelo
não pagamento de duplicatas no valor de R$ 69.778,16. O pedido foi distribuído à 8ª Vara Cível da comarca de São Paulo, sob o n. 99.019813. Ocorre,
no entanto, que a sede da Construtora Ikal havia sido transferida para Brasília logo antes do ajuizamento da falência, e a 8ª Vara Cível de São Paulo
determinou a redistribuição do feito à Brasília. Contra essa decisão, a Trox
do Brasil interpôs Agravo de Instrumento, que foi provido23; como se verá
3.2 |
142
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
a seguir, a competência da vara paulistana foi confirmada pelo Superior
Tribunal de Justiça. Destaca-se que foram apresentados outros pedidos
de falência contra a Construtora Ikal, ajuizados por Gerdau S.A. (Processo
000.99.003903-0, 8ª Vara Cível de São Paulo) e Comercial França Ltda
(Processo 000.98.052730-9, 8ª Vara Cível SP), que posteriormente foram
reunidos no processo falimentar ajuizado pela Trox do Brasil.
A Construtora Ikal e seus sócios alegaram que à época do pedido de
falência a empresa possuía os valores requeridos para a Trox do Brasil,
mas que a falência foi causada pela indisponibilidade de bens decretada
nos autos da Ação Civil Pública n. 98.36590-7, em trâmite perante a 12ª
Vara da Justiça Federal de São Paulo24 (e descrita no Capítulo 1 deste
livro). Os sócios consideraram a indisponibilidade dos bens da empresa,
decretada nos autos da Ação Civil Pública, como causa do não pagamento
dos títulos que resultaram na decretação da falência.
A decretação da quebra ocorreu apenas em dezembro de 2000. A falida
e seus sócios buscaram atacar a decisão que decretou a falência da Construtora Ikal pelos mais variados meios processuais: além de diversos recursos contra a decisão perante o Tribunal de Justiça de São Paulo25, houve
até Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada perante
o Supremo Tribunal Federal por Fábio Monteiro de Barros, requerendo a
suspensão da liminar que determinou a indisponibilidade de seus bens e
da decisão que decretou a falência da Construtora Ikal26, e Reclamação
no Superior Tribunal de Justiça contra o juízo da 8ª Vara da Comarca de
São Paulo.27
O perito contador e a síndica apresentaram seus relatórios em 1º de
março e 1º de junho de 2004, respectivamente.28 À época, o passivo da
falida somava mais de R$ 1,7 milhões, e inúmeras habilitações de crédito
ainda se encontravam pendentes. No passivo da falida, destaca-se o crédito da União decorrente de indenização por força de danos causados ao
erário e improbidade administrativa.29
Tanto o perito quanto a síndica constataram diversas irregularidades
nas atividades da falida, conforme relatado na seção a seguir, e a síndica
requereu a instauração de inquérito judicial para apurar a ocorrência de
crimes falimentares.
143
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
Arrecadação e desvio de bens
O perito contador da falência da Construtora Ikal apresentou seu relatório resultante da análise dos livros contábeis da falida em 1º de março de
2004.30 Constatou diversas irregularidades, tais como desvio de bens,
supressão de livros obrigatórios, falta de escrituração fiscal a partir de março
de 1997 e de balanços encerrados do período de 31 de dezembro de 1992 a
21 de dezembro de 1995, além da ausência parcial de escrituração contábil
entre 1996 e 2000. Apenas no balanço ocorrido no final do ano 1995, constava um total de mais de R$ 7 milhões como créditos com pessoas jurídicas coligadas31 e mais de R$ 30 milhões sob a rubrica de aplicações
financeiras à International Real Estate. Por fim, tendo em vista as irregularidades encontradas, o perito concluiu existirem indícios de que os sócios
da falida praticaram diversos crimes falimentares.
Em 1º de junho de 2004, foi apresentado pela síndica o relatório previsto
no art. 103 do Decreto n. 7.661/45. Os bens arrecadados nos autos da falência foram um veículo, valores depositados em contas correntes e imóveis.32
O passivo da empresa apurado até então era de aproximadamente R$ 1,7
milhões – havia, contudo, dezenas de habilitações de crédito ainda pendentes. A síndica concluiu o relatório indicando quais os crimes falimentares deveriam ser apurados e solicitou a instauração de inquérito judicial
para esse fim.
O sócio Fábio Monteiro de Barros afirmou que a falida possuía equipamentos que permaneciam na obra do Tribunal Regional do Trabalho33;
porém, tendo sido oficiado, o Tribunal Regional do Trabalho afirmou que
os bens que se encontravam no local pertenciam à Incal Incorporações S.A.
De acordo com os sócios, a falida tinha aplicações em moeda nacional
na empresa International Real State Investment Company, com sede no
Panamá. Destaca-se que o sócio Fábio Monteiro de Barros afirmou ter sido
procurador da empresa no Brasil “por aproximadamente dois ou três anos,
sem, no entanto, praticar nenhum negócio em seu nome”.34 O sócio José
Eduardo afirmou que “a falida efetuava pagamentos a terceiros a pedido da
empresa International, sem verificar a origem de tais negócios”.35
Foi instaurado inquérito judicial em incidente do processo falimentar
contra Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz,
3.2.1 |
144
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
pela prática dos crimes de “despesas gerais do negócio ou de natureza injustificável; inexistência dos livros obrigatórios; falta de apresentação do balanço, desvio de bens e destruição total ou parcial de livros obrigatórios”.36 O
Ministério Público requereu o reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição. Em 3 de outubro de 2005, o juízo falimentar concedeu o pedido do Ministério Público37, com base no art. 182 da nova
Lei de Recuperação de Empresas e Falências, que prevê a prescrição de
dois anos a partir da data da quebra.
Desconsideração da personalidade
jurídica: pedidos e recursos
As discussões a respeito da desconsideração da personalidade jurídica da
Construtora Ikal, que visa estender os efeitos da falência a outras empresas
do Grupo Monteiro de Barros e para o Grupo OK, indicam algumas das
lacunas na definição do instituto e dos seus requisitos probatórios e implicações processuais, especialmente no que diz respeito à sua utilização nos
casos de falência. Tais indefinições geraram insegurança e morosidade na
sua aplicação. Conforme explicado na seção anterior, as cortes brasileiras
frequentemente utilizam, no âmbito da falência, os termos “desconsideração da personalidade jurídica” e “extensão dos efeitos da falência” de
forma conjunta ou intercambiável, sem fazer distinção entre o significado
de cada uma dessas expressões; não foi diferente no caso da falência da
Construtora Ikal e, portanto, será feita referência a cada um desses termos
conforme sua utilização nos autos.
Além de grande cautela tanto no pedido de desconsideração da personalidade jurídica quanto na extensão dos efeitos da falência (em especial
por parte do Ministério Público, como se verá a seguir) e também na decisão – o que pode em parte ser explicado pela magnitude dos efeitos da
extensão da falência – percebe-se que, em muitas ocasiões, não se tem
respostas claras para questões como: qual procedimento deve ser seguido
para a desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da falência?
Quais os requisitos probatórios para a concessão do pedido de desconsideração nesses casos? As empresas ou pessoas coligadas devem ser intimadas ou citadas e, portanto, incluídas no polo passivo da ação?
3.2.2 |
145
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
A extensão dos efeitos da falência foi inicialmente requerida pelo
Ministério Público, em 10 de março de 2001, em manifestação afirmando que
[...]analisando os contratos sócias [sic] da Construtora Ikal nota-se
que esta é mera ficção jurídica de seu mentor intelectual e, como se vê
dos documentos encartados, [...] preparador para a prática de delitos
contra o erário público, posto que tem a formação ficta de Fábio
Monteiro consigo mesma, ou seja, com o Grupo Fábio Monteiro, do
qual é Presidente. [...] Nesta visualização, e desde que tenha credores
suficientes para se formar a massa de credores, entendo que haverá
necessidade de estender os efeitos da falência para esta dita pessoa
jurídica Monteiro de Barros Investimentos S.A., já que a Ikal (ou
Incal) nada mais é do que um braço da controladora ora citada.38
Em seguida, a síndica reitera o pedido de desconsideração da personalidade jurídica.39 Entre as razões que embasam seu pedido, a síndica argumenta que Monteiro de Barros Investimentos é controladora da falida, que
ambas as empresas têm a mesma sede em São Paulo e ambas tiveram suas
sedes alteradas para Brasília na mesma época, “a fim de prejudicar eventuais
credores que quisessem cobrar suas dívidas”.40 Ademais, nessa ocasião, a
síndica requereu a extensão dos efeitos da falência para a Incal Incorporações S.A., SLG S/A, Monteiro de Barros Empreendimentos Imobiliários e
Participações “tendo em vista que seus diretores, seu endereço e seu objeto
social são os mesmos da falida”41; e IEPê Agroindustrial de Açúcar e Álcool
Ltda., “tendo em vista que a falida é sócia da empresa”.42
O Ministério Público solicitou o arrolamento dos bens das empresas referidas pela síndica.43 O juiz determinou o arrolamento dos bens das empresas
IEPê, Recreio e Veras, mas, em relação às outras empresas, afirmou que
era “desnecessária tal providência, pois seus endereços coincidem com a
sede da falida, a qual já foi lacrada”.44
Em 13 de fevereiro de 2002, a síndica reiterou os pedidos de extensão
anteriores e requereu que a extensão também fosse concedida em relação à
empresa BFA Empreendimentos e Construções, com fundamento no fato
146
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
de os seus sócios serem também sócios da falida e de a empresa ter o
mesmo endereço que a Construtora Ikal.45
Em junho de 2002, atendendo a pedido do Ministério Público, foi determinada a intimação das empresas Incal Incorporações, SLG S.A., Monteiro de Barros Empreendimentos Imobiliários e Participações Ltda., IEPê
Agroindustrial de Açúcar e Álcool Ltda., CMB do Brasil Ltda. e BFA
Empreendimentos e Construções, para que se manifestassem sobre o
pedido de extensão dos efeitos da falência, e sua inclusão no polo passivo
da falência.46
A Monteiro de Barros Investimentos S.A. apresentou embargos de declaração contra tal decisão, alegando contradição entre a intimação para apresentar defesa e a inclusão no polo passivo, além de falta de previsão legal
para o procedimento adotado pelo juízo falimentar. Os embargos foram
rejeitados em 22 de novembro de 2002, por decisão que apontava, entre as
suas razões, o seguinte:
[O pedido de desconsideração] somente poderá ser examinado
pelo juízo após a citação e o decurso do prazo de defesa de todas
as empresas envolvidas, motivo pelo qual, inclusive porque não há
citação a quem não participa do processo, foi determinada a inclusão
no polo passivo da ação da embargante e das demais pessoas jurídicas
referidas pela síndica e pelo Ministério Público.
Por outro lado, é de interesse público que terceiros tenham
conhecimento, através dos registros do Distribuidor Cível, do pedido
pendente de extensão dos efeitos da falência em relação à embargante
e demais empresas relacionadas na decisão impugnada.47
Conforme reiterado pela juíza da 8ª Vara de São Paulo, em decisão
posterior, a decisão para inclusão das referidas empresas no polo passivo
da falência foi “de mero expediente”, não havendo
[...] qualquer decisão quanto à desconsideração da personalidade
jurídica da falida, mesmo porque houve preocupação em se garantir
o contraditório e a ampla defesa, de forma que somente seria
147
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
proferida decisão propriamente dita após a manifestação de todos
os interessados.48
A IEPê Agroindustrial de Açúcar e Álcool Ltda. interpôs Agravo de
Instrumento contra a decisão que determinou a inclusão no polo passivo,
solicitando liminar para “suspender todo o processo de falência”.49 O
magistrado relator do recurso, o Desembargador Arthur del Guércio, descreveu que a decisão atacada, “atendendo a pedido formulado pela síndica, determinou a [inclusão da Agravante] no polo passivo daquela ação,
aplicando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica sem indicar
os motivos justificadores de tal decisão”. Em 23 de maio de 2003, foi deferida a liminar para suspender o processo falimentar. Para fundamentar sua
decisão, o desembargador relator afirmou apenas que “as razões recursais
evidenciam o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, o que indica
a necessidade de concessão da liminar. Concedo-a pois”.50 Em cumprimento
à determinação da liminar, o juízo de primeiro grau suspendeu a falência,
inclusive no que diz respeito à arrecadação de bens.51
O Agravo de Instrumento foi finalmente julgado em 11 de maio de 2005.
Porém, a decisão só foi juntada aos autos da falência no segundo semestre
de 2006.52 A 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São
Paulo deu provimento ao Agravo de Instrumento, afirmando que a decisão
que desconsiderou a personalidade jurídica da agravante “não apontou quais
os atos ou fatos que pudessem fornecer indícios da fraude perpetrada” e que,
até o momento, não haviam sido identificados “atos que indicassem, com a
segurança que o caso requer, que as pessoas mencionadas no r. despacho
agravado utilizaram-se da pessoa jurídica para praticar fraudes, que poderiam
causar prejuízo aos credores”.53 O acórdão destaca, no entanto, que “havendo
novos elementos concretos o pedido poderá ser novamente apreciado”.54
Cumpre destacar que o relator do caso, Desembargador Arthur del Guércio, foi afastado do Tribunal de Justiça de São Paulo em abril de 2013 por
suspeita de corrupção, por decisão do Órgão Especial do tribunal, posteriormente confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça. Alega-se que o
desembargador pedia de R$ 20 a R$ 35 mil a advogados e seus clientes,
antecipando que votaria a seu favor em processos em andamento. De acordo
148
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
com uma das testemunhas envolvidas no caso, o desembargador chegou a
pedir R$ 120 mil para convencer os desembargadores de sua câmara a
mudarem de ideia em relação a um caso e a votar a favor da parte.55 O
Ministério Público Federal instaurou inquérito criminal no Superior Tribunal de Justiça para apurar as alegações.56
Destaca-se também que – contra a mesma decisão de primeiro grau –
a Monteiro de Barros Investimentos S.A. havia interposto agravo de instrumento. Após ter sido concedida a liminar no Agravo interposto pela
IEPê, a Monteiro de Barros protocolou a desistência do recurso. No relatório do acórdão que homologa a desistência, o desembargador relator
desse recurso descreve a decisão atacada, diferentemente do que ocorreu
no agravo julgado pela 7ª Câmara de Direito Privado, como tendo deferido o pedido de inclusão da agravante no polo passivo e determinado a
sua citação para apresentar defesa em relação a pedido de desconsideração da personalidade jurídica.57
Assim, uma decisão de primeiro grau que não acolhia o pedido de desconsideração, mas apenas determinava a citação de determinadas empresas
para se manifestar a esse respeito, foi revista em segundo grau como se
tivesse decidido pela desconsideração. Além de a decisão liminar ter suspendido a falência por mais de dois anos, com o acórdão, o processo falimentar originário passou assim a ser limitado pelo Agravo de Instrumento
interposto pela IEPê, em que, nas palavras do próprio juiz de primeiro grau,
“foi dado provimento para afastar a extensão dos efeitos da falência”.58
Posteriormente, o Ministério Público requereu a “manifestação da Dra.
Síndica Dativa do pedido de extensão dos efeitos da quebra para o Grupo
OK e bens particulares de Luiz Estevão, ‘Lalau’ & Cia”.59 Em outra manifestação, afirmou que aguardava o pronunciamento da síndica “sobre a
desconsideração da personalidade jurídica da empresa falida e extensão
dos efeitos às outras empresas e aos sócios particulares e, principalmente,
ao sócio oculto Luiz Estevão e aos demais que estão envolvidos nos desvios da obra do TRT”, e junta cópias de peças das ações penais relacionadas ao Caso TRT.60 No entanto, não foram encontrados indícios de que
a possibilidade de arrecadação dos bens de “Luiz Estevão, Lalau & Cia.”
tenha sido discutida mais profundamente.
149
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
Cumpre destacar que, por meio de ofício, foram requeridas e juntadas
cópias de outros processos judiciais relacionados às irregularidades nas
operações das empresas do Grupo Monteiro de Barros. As cópias juntadas
são, em sua maior parte, denúncias e aditamentos de denúncia apresentados pelo Ministério Público Federal para apuração dos crimes relacionados ao Caso TRT,61 e relatam, por exemplo, diversas transferências
irregulares feitas da Construtora Ikal Ltda. para o Grupo OK.62 As denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal relatam com detalhes
o caminho percorrido pelo dinheiro público no esquema do Caso TRT, e
fazem referência específica ao fato de que empresas do Grupo Monteiro
de Barros transferiam recursos ao exterior, contabilizando a transferência
como investimentos feitos com a intermediação da International Real
Estate Company S.A.63 Em uma Representação Criminal contra Fábio
Monteiro de Barros Filho, José Eduardo Correa Teixeira Ferraz e João
Júlio Cesar Valentini, por falta de pagamento de tributos, o Ministério
Público Federal relata de que forma a Construtora Ikal Ltda., ao fazer
“investimentos” na International Real Estate Investment Company S.A.,
contabilizava supostos rendimentos produzidos por tais investimentos
nos livros da empresa (impactando, portanto, o seu lucro contábil), mas
excluía tais rendimentos para fins de apuração do lucro real e da base de
cálculo da contribuição social sobre o lucro.64
Com base na decisão proferida no Agravo de Instrumento n. 298.0964/1-00, as empresas do Grupo Monteiro de Barros afirmaram em diversas
ocasiões que não existiriam fatos novos que ensejariam a desconsideração
da personalidade jurídica, em relação ao momento em que foi decidido o
Agravo.65 Chegaram a argumentar, inclusive, que
[...] os documentos juntados aos autos pelo MP são anteriores à
decretação da falência e não constituem fatos novos, aliás qualquer
apuração de fraude na falência deve ser feita através de inquérito
falimentar, o que não ocorreu e portanto já teve decisão [...]
declarando a prescrição.66
Em 18 de setembro de 2007, a síndica apresentou o quadro geral de
150
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
credores parcial, dado que muitas habilitações de crédito continuavam pendentes à época, e requereu a sua substituição por motivo de foro íntimo.67
O novo síndico, em seguida à sua nomeação, apresentou nova petição
pela desconsideração da personalidade jurídica, requerendo a extensão dos
efeitos da falência com base na “caracterização de grupo econômico, independentemente do cometimento de fraude”.68 Para verificar a ocorrência
de grupo econômico entre a Construtora Ikal e as outras empresas já mencionadas, o síndico requereu determinadas diligências, como a expedição
de ofício à Delegacia da Receita Federal solicitando suas declarações de
imposto de renda e a expedição de mandado de constatação para verificar
as condições de funcionamento e atividades de cada uma delas.
Por diversas vezes, as empresas às quais se pretendia estender os efeitos
da falência e os sócios da falida levantaram argumentos utilitaristas em
relação à desconsideração da personalidade jurídica, afirmando que a
extensão só poderia ocorrer se trouxesse benefícios à massa falida e, portanto, seria necessário constatar se o passivo da falida não poderia ser pago
a partir de seus próprios ativos e se as outras empresas possuiriam bens e
ativos que poderiam contribuir para a massa.69 Argumentou-se ainda que,
dada a indisponibilidade dos bens de diversas das empresas e dos sócios,
a extensão dos efeitos da falência não seria benéfica.70
Decisão sobre a desconsideração
da personalidade jurídica
Em decisão de 5 de março de 2007, a juíza que presidia a falência da Construtora Ikal analisou os pedidos de extensão apresentados – com exceção
do pedido contra a empresa IEPê, por conta da decisão no Agravo de Instrumento n. 298.096-4/1-00.71
Em relação às outras empresas não sócias da falida, o juízo falimentar
afirmou que “não há até a presente data qualquer demonstração nos autos
da falência de transferência de bens da falida para tais empresas, cuja personalidade jurídica não se confunde com a dos seus sócios ou da falida”.72
Entre os argumentos que fundamentam a rejeição do pedido de desconsideração, está o fato de que determinados atos, como a suposta venda
de ações da Incal Incorporações S.A. para o Grupo OK, ocorreram antes
3.2.3 |
151
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
do termo legal da falência e “em consequência, eventual irregularidade
cometida extrapola o âmbito da presente falência”.73 O mesmo argumento
foi levantado em relação às transferências de bens da falida às empresas
coligadas: “todos esses pagamentos [apurados pelo contador da massa falida] foram efetivados antes do termo legal da falência”.74 Destaca-se que a
lei e a jurisprudência de segunda instância não estabelecem qualquer relação
entre o termo legal da falência e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica.
Em relação aos sócios, foram solicitadas novas diligências para melhor
exame da matéria. Em decisão de 2 de março de 2008, a juíza da 8ª Vara Cível
de São Paulo afastou a desconsideração da personalidade jurídica em relação
à sócia Monteiro de Barros Investimentos S.A., considerando que não foram
encontrados bens em nome da empresa e que, portanto, “a decretação da
extensão dos efeitos da falência apenas causaria prejuízo à economia e celeridade processual, com a prática de atos inúteis para a massa falida”.75
Em maio de 2012, diversos imóveis da falida foram levados a leilão e
arrematados por um total de mais de R$ 4 milhões.76 Em abril de 2013,
data de conclusão deste capítulo, muitas habilitações de crédito ainda
estavam em andamento e, portanto, ainda não existia quadro geral de credores completo.
ConsIderAções fInAIs
Este capítulo buscou, a partir da narrativa do Caso TRT, apontar algumas
das dificuldades práticas e dogmáticas que podem surgir na tentativa de utilizar os institutos da falência e da desconsideração da personalidade jurídica
em resposta a fraudes relacionadas a esquemas de corrupção.
As dificuldades dogmáticas dizem respeito à interpretação jurídica tanto
de questões processuais – como a inclusão de outras empresas no polo passivo da falência e citação para apresentar defesa ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica – quanto de questões de direito material –
como os requisitos para desconsideração e a possibilidade de extensão dos
efeitos da falência.
As dificuldades práticas estão relacionadas, entre outros fatores, ao volume e à complexidade de questões envolvidas num processo de falência, à
152
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
morosidade do Judiciário em geral e, mais especificamente, à longa duração dos processos de falência (agravada ainda mais pelo eventual abuso
do sistema recursal), à suspeita de corrupção no Judiciário e aos obstáculos
à arrecadação de bens e até à citação de partes no processo.
Desde a decretação da falência da Construtora Ikal, que é o marco inicial
da narrativa deste capítulo, o quadro normativo que regula a desconsideração da personalidade jurídica e a falência evoluiu significativamente, assim
como algumas das questões institucionais apontadas. A possibilidade de
desconsideração da personalidade jurídica foi introduzida de forma expressa no texto do Código Civil de 200277, e seus aspectos processuais são
objeto do projeto de lei para o novo Código de Processo Civil78. A falência, por sua vez, passou a ser regulada pela Lei n. 11.101/2005, a nova
Lei de Recuperação Judicial e Falência, que além de trazer novas regras
materiais para o instituto provocou mudanças institucionais. Estudo
recente realizado pela Direito Rio (Escola de Direito da Fundação Getulio
Vargas no Rio de Janeiro) revela que a duração média dos processos de
falência diminuiu após a promulgação da nova Lei de Falências.79 Em
São Paulo, foram criadas varas especializadas em falências e recuperações judiciais.80 A jurisprudência sobre desconsideração da personalidade
jurídica e falência consolidou-se nas cortes brasileiras.
O sucesso da utilização dos dois institutos de direito privado discutidos
neste capítulo como instrumentos no combate à corrupção depende da
superação de problemas institucionais do sistema de justiça brasileiro e de
interpretação do ordenamento jurídico. Apesar dos avanços recentes, a inovação na estruturação de esquemas fraudulentos é constante e, portanto, o
desafio que se impõe ao direito privado é permanente.
153
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
notAs
Em estudo recente, a Stolen Asset Recovery Initiative (2011, p. 2) apontou o
uso de uma ou mais pessoas jurídicas para ocultar a “trilha do dinheiro” (money trail)
como uma das características comuns na maioria dos mais de 150 casos de corrupção
estudados.
1
Independentemente da crítica existente à distinção tradicional entre direito público
e direito privado, tais institutos são tipicamente discutidos no âmbito do direito comercial
e tendem a não ser abordados pela literatura sobre corrupcão – mais concentrada na
regulação do Estado e dos servidores públicos.
2
Processo n. 99.19813-8, em trâmite perante a 8ª Vara Cível do Foro Central de
São Paulo.
3
Código Civil: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento
da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos
de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares
dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
4
5
Cf. Stolen Asset Recovery Initiative (2011).
Decreto-lei n. 7.661/45, arts. 40, 62 e 63. Esses dispositivos encontram
equivalência na Lei n. 11.101/2005, arts. 103, 108 e 22, I e III.
6
7
Decreto-lei n. 7.661/45, art. 7º, § 2º, equivalente ao art. 76 da Lei n. 11.101/2005.
8
Decreto-lei n. 7.661/45, art. 25, equivalente ao art. 77 da Lei n. 11.101/2005.
Decreto-lei n. 7.661/45, arts. 14, V, e 80. Esses dispositivos são equivalentes ao
art. 99, IV e parágrafo único da Lei n. 11.101/2005.
9
10
Decreto-lei n. 7.661/45, art. 210.
11
Decreto-lei n. 7.661/45, art. 55, equivalente ao art. 130 da Lei n. 11.101/2005.
12
Ver, por exemplo, Justen Filho (1987, p. 54).
154
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
13
Código Civil, art. 50.
14
Código de Defesa do Consumidor, art. 28.
15
Lei n. 8.884/94, art. 18.
Ver, por exemplo, Superior Tribunal de Justiça, REsp 1125767/SP, Relatora
Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 09/08/2011: “PROCESSO CIVIL.
FALêNCIA. EXTENSÃO DE EFEITOS. POSSIBILIDADE. PESSOAS FÍSICAS. GRUPO
ECONÔMICO. DEMONSTRAÇÃO. AUSêNCIA. CITAÇÃO PRÉVIA. NECESSIDADE.
1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propósito comum,
promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos, mas com intuito substancial de
desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder
Judiciário também inove sua atuação, no intuito de encontrar meios eficazes de reverter
as manobras lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos. 2. É possível ao juízo
antecipar a decisão de estender os efeitos de sociedade falida a empresas coligadas na
hipótese em que, verificando claro conluio para prejudicar credores, há transferência de
bens para desvio patrimonial. Não há nulidade no exercício diferido do direito de defesa
nessas hipóteses.”
16
Ver, por exemplo, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 16.105-GO,
Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, v.u. 22/09/2003;
Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 12.872-SP, Superior Tribunal de Justiça,
3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, v.u. 24/06/2002; Agravo de Instrumento
n. 564.612-4/4-00, Relator Desembargador Pereira Calças, Câmara Especial de Falências e
Recuperações Judiciais TJSP, v.u. 27/08/2008; Apelação Cível com Revisão n. 459.764-4/300, Relator Desembargador Carlos Stroppa, 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP, v.u.
19/06/2007.
17
Agravo de Instrumento n. 521.791-4/2-00, Câmara Especial de Falências e
Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 27/08/2008.
18
19
Ver, por exemplo, Bezerra Filho (2009, p. 185).
Autos do Processo Falimentar, fls. 1.472-1.473. Termo de Declaração do art. 34 do
Decreto-Lei n. 7.661/45, Fábio Monteiro de Barros. Segundo termo de declaração, o grupo
de empresas era constituído pela falida e pelas seguintes empresas: Monteiro de Barros
Investimentos S.A., Incal Incorporações, Monteiro de Barros Construções e Incorporações,
20
155
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
Recreio Agropecuária, Monteiro de Barros Escritório Imobiliário, SGL S.A., IEPê
Agroindustrial de Açúcar e Álcool Ltda. e Rádio Cidade Pedreira Ltda.
21
Autos do Processo Falimentar, fls. 1.472-1.473.
Autos do Processo Falimentar, fls. 1472-1473. Termo de Declaração do art. 34 do
Decreto-Lei n. 7.661/45, Fábio Monteiro de Barros. Segundo termo de declaração, o grupo
de empresas era constituído pela falida, pela Monteiro de Barros Investimentos S.A., pela
Incal Incorporações, Monteiro de Barros Construções e Incorporações, Recreio Agropecuária,
Monteiro de Barros Escritório Imobiliário, SGL S.A., IEPê Agroindustrial de Açúcar e
Álcool Ltda., Rádio Cidade Pedreira Ltda.
22
Agravo de Instrumento n. 170.130.4/4, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP,
Relator Desembargador Aguillar Cortez, julgado em 26/10/2000.
23
Ver Autos do Processo Falimentar, fl. 1.472. Termo de Declaração do art. 34 do
Decreto-lei n. 7.661/45, Fábio Monteiro de Barros. Fls. 1.478-1.479, Termo de Declaração
do art. 34 do Decreto-lei n. 7.661/45, José Eduardo Correa Teixeira Ferraz.
24
Em pesquisa no site do TJSP foram identificados os seguintes recursos contra a
quebra da Construtora Ikal: Agravo de Instrumento n. 191.454-4/8-01, 4ª Câmara de Direito
Privado do TJSP, Relator Desembargador Mohamed Amaro, julgado em 09/08/2001.
Agravo Regimental n. 191.454-4/8-01, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator
Desembargador Mohamed Amaro, julgado em 08/02/2001; Agravo Regimental n. 197.9764/3-01, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Aguillar Cortez, julgado
em 26 de abril de 2001; Agravo de Instrumento n. 197.976-4/1-00, 4ª Câmara de Direito
Privado do TJSP, Relator Desembargador Aguillar Cortez, julgado em 20/09/2001; Agravo
de Instrumento n. 191.454-4/0-02, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator
Desembargador Aguilar Cortez, julgado em 22/11/2001; Embargos de Declaração n.
197.976-4/5-02, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Aguillar
Cortez, julgado em 22/02/2002; Apelação Cível n. 242.069-4/4-00, 7ª Câmara de Direito
Privado do TJSP, Relator Desembargador Arthur del Guércio, julgado em 04/12/2002.
25
Supremo suspende julgamento de recurso do proprietário da Ikal, Notícias STF,
disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=59124&
caixaBusca=N>. Acesso em: 15 de agosto de 2002.
26
27
156
Decisão monocrática na Reclamação n. 894-SP, Relatora Ministra Nancy
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Andrighi, 06/02/2001.
Autos da Falência, fl. 2.744. Relatório do Perito Contador, datado de 1º de março
de 2004.
28
Tal crédito foi referido no Agravo de Instrumento n. 591.981-4/7-00, 7ª Câmara
de Direito Privado do TJSP, Relator Desembargador Natan Zelinschi de Arruda, julgado
em 27/08/2008. O Agravo diz respeito à intimação pessoal da União, por não ser o crédito
tributário, e relata que atos pertinentes à arrematação e ao cancelamento da averbação de
indisponibilidade dos bens durante a dissolução da CPI, foram realizados sem a intimação
da Procuradoria.
29
Autos da Falência, fl. 2.744. Relatório do Perito Contador, datado de 1º de março
de 2004.
30
Autos do Processo Falimentar, fl. 2.742. As empresas coligadas referidas são
“Incal Incorporações, Monteiro de Barros Construções, Monteiro de Barros Investimentos,
Recreio Agropecuária e Monteiro de Barros Empreendimentos.”
31
A respeito da confusão patrimonial da Construtora Ikal e em relação à arrecadação
de bens no âmbito da falência, cumpre destacar que o juízo em que tramitava ação de alimentos
movida pela mulher e pelas filhas de um dos sócios da empresa havia determinado que o
aluguel de um dos imóveis da falida fosse depositado em juízo para pagamento das autoras.
Após a decretação da falência, e enquanto não se procedia a venda dos imóveis, a massa falida
buscou arrecadar aluguel dos ocupantes dos imóveis pertencentes à falida. Em agravo
interposto pelos sócios da falida, foi decidido (em segredo de justiça) que o interesse das filhas
deveria prevalecer sobre o dos credores. Autos da Falência, fls. 2.980-2.984.
32
33
Autos do Processo Falimentar, fl. 1.474. Declaração de Fábio Monteiro de Barros.
34
Autos do Processo Falimentar, fl. 1.476. Declaração de Fábio Monteiro de Barros.
Autos do Processo Falimentar, fl. 1.479. Declaração de José Eduardo Correa
Teixeira Ferraz.
35
Art. 186 do Decreto-lei n. 7.661/45:
“Será punido o devedor com detenção, de seis meses a três anos, quando concorrer com
a falência algum dos seguintes fatos: […]
36
157
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
II - despesas gerais do negócio ou da emprêsa injustificáveis, por sua natureza ou vulto,
em relação ao capital, ao gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras
circunstâncias análogas; […]
VI - inexistência dos livros obrigatórios ou sua escrituração atrasada, lacunosa,
defeituosa ou confusa;
VII - falta de apresentação do balanço, dentro de sessenta dias após à data fixada para
o seu encerramento, à rubrica do juiz sob cuja jurisdição estiver o seu estabelecimento
principal.”
37
Incidente n. 299 do Processo n. 99.019813-8, Decisão de 3 de outubro de 2005,
fl. 837.
38
Autos da Falência, fls. 407-408.
39
Autos da Falência, fl. 1.278.
40
Autos do Processo Falimentar, fls. 1.279-1.280.
41
Autos do Processo Falimentar, fls. 1.281-1.282, itens, 17, 19 e 21.
42
Autos do Processo Falimentar, fl. 1.282.
43
Autos do Processo Falimentar, fls. 1360 e verso.
44
Autos do Processo Falimentar, fl. 1.370. Despacho de 21 de setembro de 2001.
45
Autos do Processo Falimentar, fls. 1.608-1.609.
46
Despacho de 20 de junho de 2002, Autos do Processo Falimentar, fls 1.783-1.784.
47
Despacho de 22 de novembro de 2002, Autos do Processo Falimentar, fl. 1.946.
48
Despacho de 18 de março de 2008, Autos do Processo Falimentar, fls. 4.341-4.350.
Petição de IEPê Agroindustrial de Açucar e Álcool Ltda., datada de 29 de maio
de 2003. Autos do Processo Falimentar, fl. 2.228.
49
50
158
Autos do Processo Falimentar, fl. 2.233.
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
51
Autos do Processo Falimentar, fl. 2.236.
Autos da Falência, Despacho de 5 de setembro de 2006, fls. 3.250-3.252, solicitando
com urgência cópia do agravo.
52
Agravo de Instrumento n. 298.096-4/1-00, Relator Desembargador Arthur del
Guércio, 7ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 11/05/2005.
53
54
Idem.
Ver “TJ-SP afasta desembargador suspeito de pedir dinheiro a advogados”, Folha
de S. Paulo, 3 de abril de 2013.
55
Ver “STJ afasta desembargador Arhur Del Guércio do TJ-SP”, Consultor Jurídico,
15 de maio de 2013.
56
Agravo de Instrumento n. 277.079.4/0, 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP,
Relator Desembargador Ruiter Oliva, julgado em 17 de junho de 2003.
57
58
Decisão de 5 de março de 2007, Autos da Falência, fl. 4.347.
Manifestação do Ministério Público, 10 de julho de 2006. Autos da Falência, fls.
3.237v-3.238.
59
60
Autos da Falência, fls. 3.487 e verso. Manifestação do Ministério Público.
Autos da Falência, fls. 3.587 e ss. Petições de Aditamento de Denúncia nos Autos
n. 2000.61.81.001198-1, datadas de 4 de julho de 2000; Aditamento de Denúncia nos
Autos n. 2000.61.81.001198-1, datada de 14 de dezembro de 2000; Petição de requerimento
da prisão preventiva de Nicolau dos Santos Neto, datada de 10 de janeiro de 2001;
Denúncia apresentada em face de Nicolau dos Santos Neto, datada de 10 de janeiro
de 2001.
61
Ver Auto da Falência, fls. 3.610-3.612, 3.628-3.629, 3.631, indicando transferências
feitas em nome da Construtora Ikal Ltda., e Auto da Falência, fls. 3.616 e ss, a respeito da
falta de justificativa para as transferências.
62
63
159
Autos da Falência, fls. 3.644-3.649.
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
64
Autos da Falência, fls. 3.703-3.705.
Ver, por exemplo, petição de IEPê Agroindustrial de Açúcar e Álcool Ltda., fls.
3.776-3.777.
65
Petição da Construtora Ikal, datada de 9 de abril de 2007, Autos da Falência, fls.
3.784-3.786.
66
67
Autos da Falência, fl. 3.979.
68
Autos da Falência, fl. 4.012.
Autos do Processo Falimentar, fl. 1.696. Petição ajuizada por Construtora Ikal
Ltda. e Fábio Monteiro de Barros, datada de 5 de abril de 2002. “A extensão para outras
empresas, do mesmo grupo econômico, só é lídima quando necessariamente trará
benefícios à massa. Ainda não foi realizado o quadro de credores da massa falida, para se
saber precisamente qual o valor do passivo da empresa. Ainda não foi realizada a satisfação
do ativo, para verificar se os bens da empresa falida, seus créditos, ano comportam o efetivo
pagamento, lembrando que todos estes bens e créditos estão indisponíveis por ato judicial.
Da mesma forma, não foram avaliados [sic] nestes autos, se as empresas que sofreriam da
extensão, possuem bens, créditos e débitos, para saber se a extensão seria benéfica ou não
para a massa.”
69
Ver, por exemplo, Petição ajuizada por José Eduardo Correia Teixeira Ferraz,
datada de 5 de abril de 2002. Autos do Processo Falimentar, fls. 1.718-1.719.
70
Note-se que, ao se referir aos pedidos, a decisão relata somente os que foram feitos
contra pessoas jurídicas, e não contra as pessoas físicas de Fábio Monteiro de Barros e
José Eduardo Correa Teixeira Ferraz. Cf. Autos da Falência, fl. 3.729.
71
72
Autos da Falência, fl. 4.347.
73
Autos da Falência, fl. 4.346.
Autos da Falência, fl. 4.347. Destaca-se que a desvinculação entre a ação revocatória,
cujo cabimento é determinado pelo termo legal, e a desconsideração da personalidade
jurídica na falência foi afirmada posteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp
1180714 / RJ, 4ª Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 05/04/2011:
74
160
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
“1. A desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória
falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências.
A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio
jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude
a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no
desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento
dos credores, agora em igualdade de condições” (arts. 129 e 130 da Lei n. 11.101/2005 e
art. 165 do Código Civil de 2002).
2. A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na
ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia
relativa da própria pessoa jurídica – rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da
empresa –, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia
patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.”
75
Autos da Falência fls. 4.484-4.485.
76
Autos da Falência, fls. 4.823-4.824.
Código Civil: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento
da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos
de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares
dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
77
Ver, por exemplo, o Projeto de Lei n. 8.046/2010, aprovado pelo Senado Federal em
dezembro de 2010, que trata da desconsideração da personalidade jurídica no seu art. 77. A
esse respeito, ver também BUENO, apud BRUSCHI et al., 2012, p. 117-128.
78
Série “Pensando o Direito: Análise da Nova Lei de Falências”, n. 22/2010. Ministério
da Justiça, p. 23.
79
Resolução n. 200/2005, expedida em 23 de março de 2005 pelo Órgão Especial
do Tribunal de Justiça de São Paulo.
80
161
[sumário]
3. dIreIto PrIvAdo e CombAte à CorruPção:
referênCIAs
:
:
:
:
:
:
:
:
:
:
:
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falências
comentada. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
COMPARATO, Fabio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da
sociedade anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito
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LOBO, Jorge. “Extensão da falência e o grupo de sociedades”. Revista de Direito do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, vol. 79, abr./jun.,
Rio de Janeiro, 2009, p. 62-71.
REQUIÃO, Rubens. “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”.
Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 91, n. 803, set. 2002, p.751-64.
ROSE-ACKERMAN, Susan. “The political economy of corruption”. In: Corruption
and the global economy. Institute for International Economics, 1997.
SÉRIE PENSANDO O DIREITO: ANÁLISE DA NOVA LEI DE FALêNCIAS, n.
22/2010. Ministério da Justiça.
SCARPINELLA BUENO, Cássio. “Desconsideração da personalidade jurídica no
projeto de Novo Código de Processo Civil. In: BRUSCHI, G. et al. (orgs.). Direito
Processual Empresarial. São Paulo: Elsevier, 2012, p. 117-128.
STOLEN ASSET RECOVERY INITIATIVE. The puppet masters – How the corrupt
use legal structures to hide stolen assets and what to do about it. Banco Mundial,
UNODC, 2011.
TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. “A desconsideração da personalidade
jurídica na falência”. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo, vol. 43, n.134, abr./jun. 2004, p. 222-33.
VALVERDE, Trajano de Miranda, Comentários à Lei de Falência. 3.ed. São Paulo:
Forense, 1962.
162
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
4.
reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
EqUILIBRANDO A INTERDEPENDêNCIA DE
JURISDIçõES COM A UTILIzAçãO DE DIFERENTES
ESTRATéGIAS JURíDICAS1
Rochelle Pastana Ribeiro
Introdução:
ALTERNATIVAS JURíDICAS
DISPONíVEIS PARA
A RECUPERAçãO DE ATIVOS NO ExTERIOR
As demonstrações da predisposição dos países para bloquear os produtos
da corrupção enviados ao exterior não tem sido garantia de que esses ativos
serão, de fato, devolvidos aos cofres nacionais de onde foram roubados.2
Embora o caso Abacha seja frequentemente citado como um caso de sucesso, a Nigéria levou quase sete anos para recuperar 500 milhões de dólares
enviados para Suíça,3 e muitos outros ativos ligados ao caso ainda continuam sob bloqueio em países como Luxemburgo e Liechtenstein.4 Dos
cinco a dez bilhões5 de dólares desviados por Ferdinand Marcos, que fugiu
em 1986, somente 684 milhões foram recuperados pelas Filipinas em 2003,
mais de 17 anos após o começo das investigações.6 Já no caso Duvalier, os
5,7 milhões de dólares encontrados em bancos suíços continuam bloqueados
desde 1986.7
Em grande medida, o sucesso na recuperação dos recursos desviados e
enviados ao exterior depende, além da vontade política dos diferentes agentes, da adoção de estratégias jurídicas efetivas que consigam fazer com
que as diferentes ordens jurídicas domésticas se comuniquem e superem
suas diferenças.8
Hoje, as estratégias jurídicas disponíveis9 podem ser divididas entre aquelas que envolvem (1) iniciar ações judiciais no país onde o crime foi cometido
e enviar pedidos de cooperação jurídica internacional a outras jurisdições
para obter a repatriação, ou (2) dar início ou se habilitar em processos judiciais perante tribunais estrangeiros. Para facilitar a compreensão, o primeiro
grupo de estratégias será denominado “recuperação por meio de cooperação
163
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
jurídica internacional”, e o segundo, “recuperação direta”, conforme definição adotada pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.10
Para se solicitar a recuperação de ativos baseada em procedimentos
iniciados domesticamente11, em geral, faz-se necessária uma decisão de
perdimento de bens, seja decorrente de uma ação penal, dependente da
condenação criminal do réu12, ou de ação civil13, o chamado perdimento
civil ou ação de extinção de domínio.14 Como os ativos a serem recuperados
se encontram em outra ou outras jurisdições, assim como parte das provas
que sustentarão a origem ilícita desses bens, em qualquer um dos tipos de
ação, penal ou civil, a recuperação de ativos será dependente de alguma
forma de cooperação jurídica internacional15 – daí a classificação desse tipo
de estratégia –, seja para obter informações e provas, seja para dar cumprimento a ordens judiciais domésticas em jurisdições estrangeiras.16
A vantagem de se dar início a procedimentos judiciais domésticos está
ligada, em especial, ao impacto social que uma condenação por corrupção
pode ter na construção das instituições democráticas, bem como em prevenir o cometimento de novos ilícitos.17 Ademais, o conhecimento da legislação doméstica e dos instrumentos investigativos disponíveis pode facilitar
a coleta de provas que levarão a uma condenação final e ao perdimento
dos bens.18 No que se refere à cooperação jurídica internacional, todavia,
é bom ressaltar que algumas jurisdições somente acolhem pedidos de assistência jurídica mútua visando o perdimento e a devolução dos bens quando
estes estão baseados em processos criminais,19 o que torna, nesses casos,
a ação penal preferível à ação civil para a obtenção da colaboração de
outros países.20
O primeiro obstáculo enfrentado por estratégias de cooperação jurídica
internacional é a existência de uma base legal, que pode ser um tratado bilateral ou multilateral, uma lei nacional dispondo sobre o processamento de
pedidos de cooperação pela autoridade requerida ou simplesmente a reciprocidade. A ausência de uma base legal apropriada pode atrapalhar ou
mesmo impedir o correto processamento do pedido.21 Como será discutido
adiante em relação ao Caso TRT, a ausência de tratado bilateral com os Estados Unidos à época impediu que o Estado brasileiro contasse com essa alternativa para a recuperação dos ativos naquele país.
164
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Outra dificuldade que pode ser enfrentada ao se adotar essa estratégia
é a necessidade de se cumprir o requisito da dupla-incriminação, isto é, a
conduta que deu origem ao pedido também deve ser crime no país requerido.22 Ademais, a possibilidade de se iniciar um processo criminal doméstico pode não estar disponível porque o autor do crime pode ter morrido,
fugido ou conta com algum tipo de imunidade à jurisdição.23 A efetividade
das estratégias baseadas em ações domésticas dependerá sempre da capacidade e da vontade política das autoridades locais de processar e punir os
autores dos crimes e ir atrás dos ativos ilícitos.24 Outra exigência comum
para o recebimento de pedidos de cooperação jurídica internacional é a
demonstração de que o processo doméstico atendeu aos princípios do devido processo legal e do respeito aos direitos humanos.25
Já as estratégias de recuperação direta compreendem a possibilidade
de que um Estado participe em processos judiciais em tribunais estrangeiros por meio do ajuizamento de ações privadas em outra jurisdição26 –
solução mais comum em países de common law – ou de sua habilitação
como vítima ou terceiro interessado em ação criminal ou de perdimento
civil que tenha sido iniciada no outro país “contra as autoridades corruptas,
seus associados ou contra os ativos ilícitos identificados”27 –, solução
mais própria de países de civil law.
O ajuizamento de ações privadas em cortes estrangeiras normalmente
demanda a contratação de advogados habilitados naquela jurisdição.28
Ademais, devem estar amparadas em alguma forma de responsabilidade
civil, quebra de contrato ou enriquecimento ilícito.29 Como mencionado
por Brun et al, em ações privadas, os litigantes têm a vantagem de ter um
controle mais amplo dos procedimentos e maior acesso a bens que podem
estar registrados em nome de terceiros.30 Por outro lado, litigar em outra
jurisdição pode ser excessivamente caro, não apenas por causa dos honorários, mas também em relação aos custos relacionados à execução de
atos de investigação e outras medidas processuais no exterior.31 Outra
desvantagem são os obstáculos impostos pelo sigilo bancário ao acesso
de informações sobre a localização de bens em ações civis.32
Outros tipos de estratégias de recuperação direta são a representação
perante autoridades competentes no exterior para que estas deem início
165
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
a uma investigação criminal própria33, ou o apoio a uma investigação criminal já em curso nesses países.34 A interação entre jurisdições nesses
casos pode ocorrer por meio do “compartilhamento de provas incriminatórias e dos autos dos processos”35, mediante resposta a eventuais pedidos
de cooperação jurídica internacional enviados pelas autoridades estrangeiras ou, quando possível, participando como terceiro interessado (assistente de acusação, vítima ou partie civile) no processo criminal no outro
país.36 A recuperação de ativos nesses casos pode ser obtida por uma
ordem direta do tribunal37, pelo reconhecimento de que o Estado onde o
crime foi cometido seria vítima do crime e, portanto, faria jus a uma compensação, ou por meio de acordo entre as duas jurisdições.38
Em geral, as estratégias supramencionadas, seja as de cooperação jurídica internacional, seja as de recuperação direta, não são mutuamente
excludentes.39 No Caso TRT-SP, como será discutido, mais de uma estratégia foi adotada. Na verdade, na maioria dos casos, as estratégias têm
se provado complementares. Algumas experiências de sucesso baseadas
na utilização das referidas estratégias inspiraram os países a codificá-las
em convenções multilaterais.
Desde a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 (Convenção de Viena de 1988), já era exigido dos países que habilitassem seus ordenamentos jurídicos internos
para receber pedidos de cooperação jurídica internacional para fins de confisco de bens40 e consequente repatriação. A recuperação de ativos por
meio da cooperação jurídica internacional, tendo a Convenção de Viena
como base, poderia ocorrer seja por meio da execução direta (homologação) da sentença estrangeira41 ou por meio do auxílio direto42 (respectivamente, os incisos i e ii da alínea “a” do art. 4 da Convenção). A Convenção
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção
de Palermo) de certa forma repete essas possibilidades no art. 13, parágrafo 1, alíneas“a” e “b”.
Da forma como se redigiu os artigos da Convenção de Viena e de
Palermo, todavia, entendia-se que ficava a cargo do país requerido escolher o procedimento para a execução do pedido de cooperação que melhor
se adequasse ao sistema jurídico nacional. A aceitação de apenas uma
166
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
forma de execução dos pedidos de cooperação jurídica internacional deixava lacunas na prática, conforme explica Claman:
[...] onde um país tem apenas autoridade legal para dar execução a uma
ordem estrangeira de confisco, mas não pode iniciar sua própria ação
em resposta a um pedido estrangeiro, este pode não estar apto a dar
assistência efetiva a um País Requerente que não possui um réu para
processar criminalmente. De forma semelhante, onde uma nação não
está apta a dar execução a uma ordem estrangeira, a cooperação
jurídica internacional pode se frustrar nos casos em que dar início a um
procedimento de confisco independente pelo País Requerido se mostre
muito caro ou quando o desafio de litigar fatos ou questões complexas
da legislação estrangeira torne a ação mal sucedida.43
A redação dada ao art. 54 da Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção (Convenção de Mérida) tenta sanar essas lacunas, prevendo
novamente as duas formas de execução de pedidos de cooperação jurídica
internacional para fins de confisco, com a diferença de que não mais é
facultado aos Estados-parte escolher entre executar o pedido por meio de
auxílio direto ou de homologação de sentença estrangeira, como previsto
nas demais convenções citadas. A redação dada a esse artigo passa a atribuir ao Estado-vítima – requerente – a faculdade de escolher entre uma
ou outra alternativa. Portanto, para pedidos baseados na Convenção de
Mérida, ao Estado requerido cabe apenas superar as divergências entre
os diferentes sistemas jurídicos e adequar o ordenamento jurídico nacional a ambas as possibilidades.
Embora, na prática, as estratégias de recuperação direta já houvessem
sido utilizadas com sucesso em alguns casos44, foi somente com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, mais especificamente no art.
53, que essas alternativas foram definitivamente inseridas num instrumento
internacional. Esse artigo passa a demandar que os Estados-parte ajustem
seus ordenamentos jurídicos para que seus tribunais estejam preparados para
decidir em diferentes tipos de ações iniciadas por Estados estrangeiros visando a repatriação de ativos, como ações civis para reconhecer a legítima
167
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
propriedade dos bens, ações de reparação civil e ações criminais reconhecendo esse Estados como vítimas e legítimos destinatários dos bens
obtidos ilicitamente por atos de corrupção.
4.1 |
o
ProCesso de reCuPerAção
CAso trt-sP
Como o Caso TRT-SP foi iniciado antes que as Convenções de Palermo
ou de Mérida tivessem sido concluídas, os erros e acertos dos diferentes
atores no caso contribuíram para enriquecer a jurisprudência internacional, cujas melhores práticas foram compiladas nas ditas Convenções.
A grande importância do Caso TRT, todavia, está no fato de que esse
foi o primeiro caso em que o Brasil conseguiu obter a repatriação de parte
dos ativos enviados ilicitamente ao exterior – e continua sendo até hoje,
ao lado do caso Banestado, no qual foram recuperados cerca de 3,5 milhões
de dólares45, um dos raros exemplos em que esse tipo de medida foi obtido
com sucesso, apesar de existirem algumas centenas de procedimentos de
recuperação de ativos em trâmite no país.46
Quais fatores que tornaram esse caso um exemplo de relativo sucesso? E, mais importante, por que, mesmo levando mais de 14 anos, foi
possível obter a repatriação dos ativos enviados para a Suíça antes do
trânsito em julgado do processo criminal no Brasil? Essas são algumas
questões que a análise das estratégias de recuperação de ativos adotadas
no caso podem responder.
Os primeiros indícios da existência de bens no exterior adquiridos por
Nicolau dos Santos Neto com os recursos desviados da obra do TRT surgiram de uma investigação feita pelo Ministério Público Federal e pela
CPI e, em especial, por meio da entrevista de Marco Aurélio Gil de Oliveira47, ex-genro do juiz, a uma revista de grande circulação no Brasil. Os
indícios apontavam para a existência de um apartamento em um prédio
de luxo em Miami, o Bristol Towers, e contas bancárias mantidas nos EUA
e na Suíça.
A primeira providência tomada pela CPI foi enviar, em abril de 1999,
um pedido para obter mais informações sobre o referido apartamento em
Miami. Embora as autoridades dos EUA tenham esclarecido que não
de AtIvos no
168
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
poderiam responder ao pedido sem autorização do proprietário do imóvel,
informaram que detalhes do contrato de compra e venda poderiam ser obtidos junto ao registro público. Descobriu-se então que o apartamento que
Marco Aurélio Gil de Oliveira havia alegado ser de Nicolau dos Santos Neto
estava em nome da empresa Hillside Trading, registrada nas Bahamas.
Uma vez identificado o bem, em abril de 2000, foi dado início de fato
ao processo para recuperação dos ativos desviados pelos réus do Caso
TRT-SP e enviados ao exterior, por meio do envio de uma carta rogatória
para os EUA solicitando o sequestro do apartamento.48 Todavia, peculiaridades do sistema jurídico estadunidense à época exigiam que quaisquer
medidas visando ao confisco de bens fossem objeto de uma decisão emanada de autoridade judicial local e, portanto, deveriam ser objeto de pedido
de auxílio direto, a ser executado naquele país por meio das autoridades
locais de persecução penal, ou alvo de ação civil própria de confisco.
Como faltava base legal mais sólida para a solicitação de um pedido de
auxílio direto, uma vez que o Tratado de Assistência Jurídica Mútua entre
Brasil e Estados Unidos somente entrou em vigor em 2001, as autoridades
brasileiras, por meio da Advocacia-Geral da União, foram levadas a adotar,
em relação aos bens localizados nos EUA, uma estratégia de recuperação
de ativos direta, por meio da contratação de escritório de advocacia naquele
país para ajuizar ação civil visando o confisco do apartamento.49
A primeira grande vitória no caso foi obtida em 27 de agosto de 2001,
com a decisão da Eleventh Circuit Court decretando o perdimento civil do
apartamento no Bristol Towers em Miami e repatriação do valor ao Brasil,
por considerar que “os valores utilizados para adquirir a propriedade eram
valores pertencentes à República Federativa do Brasil, e ilegalmente desviados pelos réus mediante o abuso de posição de confiança”.50 O valor
devolvido ao Brasil com a venda do apartamento foi aproximadamente
US$ 870.000,00.
A contratação de escritório de advocacia nos Estados Unidos também
foi essencial para a obtenção de informações nas Bahamas sobre a offshore
utilizada para aquisição do apartamento,51 bem como para tornar mais
ágil o diálogo entre as autoridades brasileiras e estrangeiras, facilitando
a execução dos pedidos de cooperação jurídica internacional, como o
169
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
rastreamento e quebra do sigilo bancário de contas mantidas pelos réus
naquele país. Foram justamente os extratos obtidos com as quebras de sigilo
bancário das contas nos EUA que comprovaram que volumosos depósitos
realizados nas contas de Luis Estevão em bancos norte-americanos eram
em seguida transferidos para contas em nome de Nicolau dos Santos Neto
em bancos suíços.
Antes mesmo da descoberta pelas autoridades brasileiras das contas na
Suíça em nome do juiz, os diversos artigos publicados pela imprensa no
Brasil levaram o Procurador-Geral do cantão de Genebra a iniciar uma
investigação preliminar por lavagem de dinheiro contra Nicolau dos Santos
Neto e sua esposa (art. 305bis do Código Penal Suíço).52 Em maio de 1999,
as autoridades suíças, no âmbito da referida investigação, ordenaram o
sequestro dos valores depositados nas citadas contas53, e em seguida enviaram carta rogatória ao Brasil para obter cópia da documentação que comprovasse a relação entre os valores sequestrados e os atos de corrupção
noticiados na imprensa.54
De porte da carta rogatória suíça e dos extratos bancários obtidos nos
EUA demonstrando transferências entre 1992 e 1994 (período em que teria
ocorrido parte dos desvios da obra do TRT) das contas de Luis Estevão para
as contas suíças de Nicolau dos Santos Neto, o juiz federal de primeira instância no Brasil enviou pedido de cooperação jurídica internacional para a
Suíça também solicitando o sequestro dos valores depositados nas contas e
a sua repatriação para o Brasil.55
Em julho de 2000, o juiz de instrução do cantão de Genebra admitiu
o pedido brasileiro,56 que teve como base legal a Lei Federal Suíça de
Cooperação Jurídica Internacional (EIMP). Os fundos passaram então a
estar submetidos a um duplo bloqueio – por ordem do processo penal
aberto na Suíça e em função do pedido de cooperação jurídica internacional do Brasil.
Nessa mesma decisão, foi apreciada e autorizada preliminarmente uma
primeira tentativa das autoridades brasileiras visando obter a repatriação
imediata dos bens. Para o juiz de instrução, as autoridades brasileiras haviam
conseguido demonstrar o provável nexo entre os atos cometidos no Brasil
e o dinheiro mantido na Suíça.
170
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
De fato, em 1997, a Suprema Corte Federal Suíça havia proferido decisão histórica no caso Marcos, entendendo que a EIMP admitia a repatriação
antecipada em casos excepcionais.57 A repatriação antecipada, segundo a
Suprema Corte, submetia-se a dois testes: a presença de elementos que permitam a renúncia pela Suíça de decisão transitada em julgado de tribunais
do país requerente e a inexistência de direitos de terceiros que impeçam a
repatriação. Em relação ao primeiro teste, a renúncia de decisão definitiva
no país requerente é possível quando “as circunstâncias são tão claras que
a origem ilícita dos bens é indisputável, situação na qual não faria sentido
demandar decisão de sequestro ou restituição” definitiva.58
Entretanto, no Caso TRT, a decisão de repatriação proferida em primeira
instância foi derrubada logo em seguida pela Câmara de Acusação do cantão
de Genebra, por não existir no Brasil uma “decisão definitiva e executória”.
Segundo a Câmara, “a proveniência ilícita dos valores não estava demonstrada no pedido de forma indubitável”59, requisito necessário para a renúncia
de decisão definitiva. O primeiro teste estabelecido pela Suprema Corte
Federal no caso Marcos não estaria, portanto, satisfeito no caso brasileiro.
Em 2001, baseando-se na experiência da Nigéria que, poucos anos
antes, havia conseguido se habilitar como terceiro interessado (partie civile) na ação criminal movida na Suíça contra a família Abacha, obtendo
desdobramentos positivos para a recuperação dos recursos desviados pelo
ex-presidente60, as autoridades brasileiras aliaram aos pedidos de cooperação jurídica internacional uma estratégia de recuperação direta, mediante
a contratação de escritório de advocacia na Suíça para representar os interesses brasileiros na ação criminal por lavagem de dinheiro em trâmite
naquela jurisdição.
Em março de 2004, com o auxílio dos advogados contratados na Suíça,
o país ensaiou pela segunda vez obter a repatriação antecipada por meio do
procedimento de cooperação jurídica internacional, argumentando que as
provas já existentes nos autos esclareciam a origem ilícita dos bens, não se
fazendo necessária uma decisão definitiva no país-vítima.61 A essa altura,
já existia decisão de primeira instância no Brasil condenando os réus.62
Entretanto, novamente a repatriação concedida em primeira instância
na Suíça foi revertida pela Câmara de Acusação, sob o argumento de que
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[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
o pedido de restituição antecipada não havia obedecido o trâmite previsto
na EIMP (lei de processamento de pedidos de cooperação na Suíça), que
demandava sua transmissão por via diplomática; além disso, a decisão condenatória pelo Judiciário brasileiro não era definitiva, não existindo elementos novos no caso em relação à decisão já dada em outubro de 2000.63 Com
essa segunda decisão da Câmara de Acusação, a possibilidade de repatriação
exclusivamente baseada em estratégias de cooperação jurídica internacional
passou a ser essencialmente dependente do trânsito em julgado no Brasil.
Passados oito anos da decisão inicial de bloqueio por parte do Ministério
Público suíço, sem que houvesse decisão condenatória transitada em julgado no Brasil, Nicolau dos Santos Neto formulou pedido para o levantamento do sequestro dos valores depositados nas contas suíças.
A primeira providência tomada pela Justiça suíça foi então solicitar às
autoridades brasileiras informações sobre o andamento do processo penal
no Brasil. As autoridades suíças aproveitaram para informar que o sequestro seria levantado caso a autoridade estrangeira – no caso, o Brasil – não
estivesse em posição de obter o perdimento penal dos bens. Em 4 de abril
de 2005, contudo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região havia confirmado a condenação de Nicolau dos Santos Neto,64 e a referida decisão foi
transmitida via cooperação jurídica internacional.
Com base nas informações enviadas pelo Brasil, o Tribunal Federal
Suíço, em novembro de 2007, rejeitou em última instância o pedido de
levantamento do sequestro, entendendo que a complexidade do processo
em trâmite no Brasil, sujeito a vários graus de jurisdição, justificava a duração da medida constritiva, e que a demora não poderia ser atribuída à eventual inércia das autoridades brasileiras ou suíças.65
Nesse ínterim, as autoridades de persecução penal suíças deram prosseguimento às investigações criminais por lavagem de dinheiro supostamente
perpetrada por Nicolau dos Santos Neto e sua esposa naquele país. Em outubro de 2007, a fase de instrução do referido processo penal foi concluída.66
Respondendo a um pedido formulado pelos advogados contratados pelo
Estado brasileiro nos autos dessa ação penal, em 28 de abril de 2009, o
Ministério Público da República e do cantão de Genebra determinou o confisco em favor do Brasil dos valores depositados67 nas contas suíças.68
172
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Foi determinado ainda o pagamento de uma compensação (creance compensatrice)69 à República Federativa do Brasil, correspondente aos valores
depositados nas citadas contas, mas delas transferidos para outras jurisdições
antes da data da primeira decisão de sequestro proferida em 1999, os quais
totalizaram US$ 2.153.628,50.70 Essa decisão foi confirmada pelo Tribunal
de Polícia de Genebra em 13 de janeiro de 2010, que entendeu que as provas
existentes na ação penal em curso na Suíça eram suficientes para confirmar
que os valores depositados nas contas de Nicolau dos Santos Neto pertenciam a uma organização criminosa.
Segundo a legislação suíça,71 os produtos sob poder de uma organização
criminosa estão sujeitos a uma presunção de ilicitude. Há, portanto, uma
inversão do ônus da prova nesses casos, cabendo ao réu demonstrar a origem
lícita dos bens para evitar o confisco. A Suprema Corte Federal Suíça já
havia decidido, em fevereiro de 2005, que a inversão do ônus da prova em
relação a bens pertencentes a organizações criminosas era aplicável também
a casos de cooperação jurídica internacional, o que permitiu, à época, o
retorno antecipado à Nigéria dos bens bloqueados no caso Abacha.72
O argumento de que os valores depositados nas contas pertenceriam a
uma organização criminosa foi então repetido pelos advogados73 do Estado
Brasileiro na ação penal por lavagem de dinheiro em curso na Suíça, e então
acatado pelo Tribunal de Polícia de Genebra. Para o Tribunal, ainda que a
condenação de Nicolau dos Santos Neto fosse passível de recurso no Brasil,
“não parece questionável que, de fato, crimes foram cometidos naquele país
que deram origem aos valores sequestrados no âmbito desse processo, em
vista das condenações já ocorridas e das provas juntadas aos autos, que estabeleceram à satisfação que as infrações foram realizadas”.74
Ainda segundo a Corte, Nicolau dos Santos Neto não teria conseguido
provar que os bens mantidos na Suíça poderiam ser compatíveis com o
salário de juiz recebido entre 1992 e 1994 – e, portanto, não teria conseguido reverter a presunção de ilicitude dos ativos depositados em suas contas. A decisão de confisco dos valores depositados na Suíça e a consequente
repatriação ao Brasil tornou-se definitiva com a decisão do Tribunal Federal de 21 de agosto de 201275, que rejeitou o recurso interposto por Nicolau
dos Santos Neto.
173
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
Embora autorizada a repatriação antecipada pelos tribunais suíços, o efetivo retorno dependia ainda de providências a serem tomadas em relação ao
pedido de cooperação brasileiro, uma vez que os valores, como já dito anteriormente, foram submetidos a um duplo bloqueio. Uma alternativa possível
seria a transmissão por meio da autoridade central brasileira76 da desistência
por parte da autoridade requerente brasileira do pedido de cooperação solicitando o confisco de bens, uma vez que o retorno já estaria garantido pela
decisão na ação penal na Suíça. Em julho de 2013, foi anunciada a repatriação definitiva dos recursos mantidos na Suíça, no total de US$ 4,7 milhões.77
4.2 |
o
legAdo do
CAso trt:
COORDENANDO AS ESTRATéGIAS DE RECUPERAçãO DE ATIVOS
A primeira lição extraída do Caso TRT é a constatação de que as estratégias de cooperação jurídica internacional e de recuperação direta são de
fato complementares e, se usadas de forma coordenada, tendem a facilitar
ou ao menos tornar mais expedito o processo de repatriação de ativos.
No caso do apartamento localizado nos Estados Unidos, não foi possível,
à época, basear o sequestro e a consequente recuperação de ativos em um
pedido de cooperação jurídica internacional por falta de base legal. Por outro
lado, certamente as provas obtidas com as quebras de sigilo requeridas por
meio de assistência jurídica mútua ajudaram na instrução da ação civil iniciada pelo Estado brasileiro e no convencimento das cortes norte-americanas
de que os recursos utilizados na compra do apartamento eram oriundos dos
desvios ocorridos na obra do TRT-SP.
Os mesmos extratos obtidos com o levantamento do sigilo bancário,
remetidos também por meio de cooperação jurídica internacional para Suíça,
foram essenciais para demonstrar na investigação penal naquele país que
as remessas provenientes das contas de Luiz Estevão de Oliveira para as
contas de Nicolau dos Santos Neto ocorriam em datas próximas78 à liberação dos recursos referentes ao contrato de execução da obra do fórum trabalhista, estabelecendo algum nexo entre os ilícitos cometidos e os recursos
depositados na Suíça.
A cooperação jurídica internacional entre Brasil e Suíça também permitiu
que as provas colhidas na ação penal brasileira fossem compartilhadas com
174
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
a ação penal suíça, auxiliando ainda na comprovação da existência de uma
organização criminosa constituída com o fim de desviar os recursos federais, fato fundamental para a autorização da repatriação antecipada.
Essas são apenas algumas evidências de que a adoção exclusiva de
estratégias de recuperação direta não elimina a interdependência entre
os processos em curso em diferentes jurisdições.79 A própria corte suíça,
respondendo a alegação de Nicolau dos Santos Neto de que a extensão do
sequestro feria o princípio da celeridade, justificou que a demora na conclusão da investigação penal por lavagem de dinheiro naquele país seria
decorrente da complexidade do caso e da dependência direta dos procedimentos em curso no Brasil.80 Do mesmo modo, somente após a confirmação da condenação em segunda instância pelo TRF da 3ª Região, o Tribunal
de Polícia de Genebra passou a considerar inquestionável a ocorrência dos
ilícitos cometidos no Brasil. Portanto, a longa duração do processo penal
no Brasil teve sim influência direta no desenrolar da ação penal suíça.
Apesar dessa interpendência entre as diferentes jurisdições, a repatriação
no caso analisado foi assegurada, em grande medida, em função dos avanços legislativos e jurisprudenciais do sistema jurídico suíço. Desde 1994,
a legislação suíça contém a tipificação de organização criminosa, que permite a inversão do ônus da prova em relação à origem dos bens à disposição
da dita organização. Como reconhecido pela Suprema Corte Suíça no caso
Marcos,81 crimes praticados por organizações criminosas, em especial os
de corrupção, apresentam engenharia tão sofisticada de lavagem de dinheiro, envolvendo uma mescla com bens de origem lícita, que praticamente
impedem o estabelecimento de vínculo direto entre cada um dos ativos
identificados sob domínio da organização e as condutas ilícitas específicas
praticadas por seus membros. Daí a necessidade de se estabelecer uma presunção legal geral da origem ilícita dos ativos, afastada mediante prova em
contrário apresentada pelo réu.
A legislação suíça permite ainda o confisco de bens de valor equivalente,
na forma do pedido de compensação previsto no art. 71 do CP. Como visto,
esse dispositivo é aplicado nas situações em que os ativos ilícitos não estejam mais disponíveis para sequestro e confisco. Essa previsão é particularmente importante nos casos em que, apesar da prova do cometimento da
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[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
infração penal e da quantificação do proveito obtido, o produto do crime
tenha se dissipado. Sem essa previsão, o patrimônio lícito do réu não poderia ser alcançado, em função da ausência de nexo entre o crime e os ativos,
a despeito da existência de prova de que o autor desfrutou das infrações
cometidas e enriqueceu ilicitamente.
Sem o conhecimento específico dos advogados contratados na Suíça,
dificilmente o Brasil teria condições de utilizar em seu favor os citados dispositivos legais e o desenvolvimento jurisprudencial (especialmente considerando os casos Marcos e Abacha) para obter, via recuperação direta, a
repatriação dos ativos. Estaria, portanto, até a presente data à mercê do
trânsito em julgado do processo penal no Brasil.
Todavia, ao se adotar estratégias de recuperação direta nem sempre é
simples demonstrar que o Estado estrangeiro foi de fato lesado diretamente
pelo cometimento dos crimes, ainda que a origem ilícita dos ativos seja
indiscutível. No caso do TRT, a condição de vítima da República Federativa
do Brasil foi de relativamente fácil comprovação, uma vez que os recursos
utilizados para a construção do prédio eram federais.
Por outro lado, no caso Propinoduto, que envolveu crimes de corrupção
praticados por auditores fiscais da Receita Federal e fiscais de renda do
Rio de Janeiro, pareceu ao Tribunal Federal Suíço que os ilícitos cometidos
teriam lesado mais os cofres do estado do Rio de Janeiro que os cofres
federais. Apesar da discussão jurídica acerca da possibilidade ou não de
um estado da federação se fazer representar diretamente em tribunais
estrangeiros sem a intermediação da União, como o Rio de Janeiro não
havia se habilitado como parte civil na ação penal por lavagem de dinheiro,
o Tribunal Federal Suíço negou a repatriação dos ativos à República Federativa do Brasil, a despeito da condenação transitada em julgado na citada
ação penal.82
Por fim, cabem algumas considerações sobre limites materiais e humanos que podem incidir sobre as estratégias de recuperação de ativos. No
Caso TRT-SP, especificamente, existiam indícios de que outros ativos ilícitos teriam sido enviados a Espanha, França, Líbano e Bahamas.83 Apesar dessas evidências preliminares, pouco ou nenhum esforço foi despendido
para rastrear, bloquear e confiscar esses ativos. Uma justificativa pode ser
176
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
os limitados recursos disponíveis para as autoridades de persecução penal
para dar prosseguimento a essa busca, pois naturalmente já enfrentam uma
excessiva carga de trabalho. Portanto, pode ser que tenha ocorrido uma escolha consciente de se concentrar esforços em jurisdições que ofereceriam
maiores possibilidades de repatriação e investir mais recursos em procedimentos domésticos de perdimento de bens. Outra razão pode ter sido a falta
de treinamento dessas autoridades em relação aos procedimentos necessários para a recuperação de ativos no exterior. Assim, após receber respostas
vagas ou negativas por meio de consultas informais84, essas autoridades
podem ter enfrentado dificuldades em encontrar novos caminhos para prosseguir com as buscas nessas jurisdições.
Todas essas dificuldades podem explicar a ausência de uma diversidade
maior de exemplos em que a recuperação de ativos foi exitosa. As particularidades e a magnitude de cada caso é que determinarão, ao final, quais
as estratégias jurídicas que atenderão melhor ao equilíbrio entre os custos
materiais e humanos e as chances de êxito.
177
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
notAs
O presente texto foi em grande parte baseado na pesquisa realizada pela autora
para a elaboração da dissertação obrigatória para a obtenção do título de mestre do
Programa de Mestrado em Direito Internacional Público da Universidade de Leiden. As
opiniões expressas aqui são pessoais e não necessariamente representam a opinião dos
órgãos públicos nos quais a autora trabalha ou trabalhou.
1
Essa predisposição pode ser verificada, por exemplo, nas ordens de bloqueio que
seguiram os eventos da chamada Primavera Árabe. O Conselho Federal Suíço determinou o
bloqueio de todos os bens que o ex-presidente da Tunísia, Zine al-Abidine Ben Ali, mantinha
no país uma semana após sua renúncia. O bloqueio suíço foi seguido por ação semelhante
da Áustria e da União Europeia, em 29 e 31 de janeiro de 2011, respectivamente. No caso
do ex-presidente do Egito, Hosni Mubarak, a ordem de bloqueio pela Suíça foi preparada
com antecedência e anunciada na noite em que ele deixou o poder. Mesmo em casos mais
antigos, como o do ex-presidente do Haiti, Jean-Claude Duvalier, o Conselho Federal utilizouse mais de uma vez do seu poder constitucional para manter os bens do ex-ditador congelados
após derrotas judiciais do pedido de cooperação jurídica do Haiti nos tribunais suíços.
Vide Conseil Federal Suisse, 19 jan. 2011. News24 (2011); New York Times, 1 February
2011; Conseil Federal Suisse, 2 feb. 2011.
2
3
Daniel e Maton (2008), p. 69.
4
Ibid., p. 69 e 77.
5
StAR Initiative (2007), p. 20.
6
StAR Initiative, Ferdinand Marcos – case study.
7
Basel Governance, Duvalier assets cannot (yet) be returned to Haiti, 3 February
2010.
8
Gray, Scott e Stephenson (2011), p. 5.
Não serão tratadas neste texto estratégias eminentemente políticas, como a
negociação diplomática para a repatriação.
9
10
178
Arts. 53 e 54.
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Aqui entendida como referente à jurisdição em que foi cometido o crime que deu
origem aos recursos.
11
No Brasil, assim como em grande parte dos países de civil law, o perdimento penal
de bens é aquele considerado como efeito da condenação, conforme previsão do art. 91,
II, do Código Penal. Em outras jurisdições, o perdimento pode ser declarado em ação civil
independente iniciada somente após a confirmação da condenação em um processo
criminal. Hofmeyr (2008), p. 136.
12
13
Brun et al. (2011), p. 9.
Em geral, nos países que possuem esse instituto em suas ordens jurídicas, a decretação
do perdimento civil depende exclusivamente da demonstração da origem ilícita do bem, sem
que seja necessária a condenação ou até mesmo a identificação do autor do crime. A principal
vantagem desse tipo de perdimento é que normalmente demanda um standard de prova menos
exigente. Assim, enquanto a condenação criminal demanda uma prova da autoria “além da
dúvida razoável” (beyond reasonable doubt), o perdimento civil demanda que a origem ilícita
dos bens seja provada com base no “balanço de probabilidades” (balance of probabilities).
Ademais, algumas jurisdições aceitam a extinção de domínio retroativa, isto é, decretada sobre
bens adquiridos ilicitamente mesmo antes que a lei tenha entrado em vigor.
14
Aqui o termo é utilizado em seu sentido amplo, como sugerido por Brun, Gray,
Scott e Stephenson, incluindo cooperação informal, cartas rogatórias ou pedidos de auxílio
direto e pedidos de extradição (2011), p. 6.
15
16
Ibid., p. 9.
17
Ibid., p. 11.
18
Ibid., p. 11.
Exemplos de países que não recebem pedidos de cooperação baseados em ações
civis ou administrativas são: Argentina (vide FATF and GAFISUD, Argentina. Mutual
Evaluation Report, 22 October 2010, p. 192), Luxemburgo (vide FATF, Luxembourg.
Rapport d’évaluation mutuelle, 19 Février 2010, p. 245) e Alemanha (FATF, Germany.
Mutual Evaluation Report, 19 February 2010, p. 283).
19
20
179
Brun et al. (2008), p. 11 e Hofmeyr (2008), p. 145. A Convenção das Nações
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
Unidas contra a Corrupção, a chamada Convenção de Mérida, tenta em seu art. 43 remediar
a impossibilidade de cooperação em ações civis e administrativas, ao recomendar que
pedidos de cooperação jurídica internacional, nos crimes tratados na convenção, sejam
aceitos ainda que baseados em ações não-penais. Todavia, essa não é uma previsão
obrigatória para os países partes da convenção, mas, como dito, apenas uma recomendação.
O Tribunal Federal Suíço, por exemplo, ao julgar o último recurso dos réus em
relação à admissibilidade do pedido de cooperação no caso Duvalier e autorizar o desbloqueio
dos bens do ditador fez um verdadeiro desabafo em relação à inadequação da Lei Suíça de
Cooperação Jurídica em Matéria Penal (Loi Fédérale sur l’Entraide Internacionale em Matière
Pénale – EIMP) para casos de corrupção em países como o Haiti. Segundo a corte: “A
recuperação dos ativos de ditadores depostos enfrenta diversos obstáculos. Os Estados
vítimas deste tipo de conduta se confrontam com problemas particulares: eles podem ter uma
relação ambígua com o regime deposto e não dispõem frequentemente de um aparelho
judiciário capaz de assegurar de maneira eficaz e respeitosa dos direitos humanos a
persecução dos antigos responsáveis e o confisco de seus bens [...] Nesse contexto, as
condições impostas pela EIMP parecem muito restritas para esse tipo de caso. A duração dos
procedimentos, as dificuldades da prova podem constituir – como na espécie – obstáculos
insuperáveis. É ao legislador a quem cabe realizar correções e aperfeiçoamentos necessários
para dar conta das particularidades desses processos” (tradução livre do francês). Tribunal
Fédéral Suisse. 1C _374/2009, §7.
21
Brun et al. (2008), p. 11 e Hofmeyr (2008), p. 138. Em casos de pedidos baseados
no crime de lavagem de dinheiro, por exemplo, a lista de crimes antecedentes da jurisdição
requerida pode ser restrita. Em outros casos, em especial em paraísos fiscais, ilícitos fiscais
não estão tipificados, o que impede a cooperação baseada unicamente em crimes contra a
ordem tributária em que nenhuma fraude seja investigada.
22
23
Brun et al. (2011), p. 11 e Greenberg, Samuel, Grant e Gray (2009), p. 15.
24
Brun et al. (2011) supra, p. 11.
No caso Duvalier, essas exigências por parte das autoridades suíças impediram o
recebimento do pedido de cooperação jurídica internacional por vários anos, resultando
na decisão de desbloqueio dos bens em 15 de maio de 2002. Tribunal Fédéral Suisse. 1C
_374/2009.
25
26
180
Ibid., p. 12 e Hofmeyr (2008), p. 145.
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
27
Brun et al. (2008), p. 13.
28
Ibid., p. 12 e Hofmeyr (2008), p. 145.
29
Brun et al. (2008), p. 12.
30
Ibid., p. 12-13.
Ibid., p. 12 e Monfrini (2008), p. 41. De acordo com Hofmeyr, “um investigador
experiente pode custar até US$ 18.000,00 por dia, adicionados aos custos dos melhores
advogados” (tradução livre do inglês). (2008), p. 145.
31
Em muitos países o sigilo bancário somente pode ser quebrado em ações criminais.
Vide também Monfrini (2008), p. 42.
32
33
Ibid., p. 13.
34
Ibid., p. 13.
35
Ibid., p. 13.
36
Ibid., p. 13. Vide também Bertossa (2003), p. 182.
37
Brun et al. (2011), p. 8 e 13.
38
Ibid., p. 13.
Em algumas jurisdições, não é possível iniciar simultaneamente uma ação penal e
uma ação de extinção de domínio. Ademais, alguns sistemas jurídicos não permitem que
uma investigação criminal seja iniciada se alguns fatos já são objeto de uma ação penal em
outra jurisdição.
39
40
Art. 4, (a) i e ii.
A previsão dessa alternativa tentava adequar-se aos sistemas jurídicos de Estados
que aceitam que suas autoridades atuem como extensão da jurisdição estrangeira. Claman
(2008), p. 342.
41
181
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
Essa solução era destinada ao Estado em que “direitos de propriedade requerem
que decisões de confisco afetando ativos localizados em suas jurisdições sejam emitidas
por suas próprias cortes.” Ibid., p. 342.
42
43
Tradução livre do inglês. Claman (2008), p. 343.
44
No caso Abacha, por exemplo.
45
Estadão, 9 de novembro de 2007; e G1, 29 de agosto de 2012.
Segundo estimativa de julho de 2011 do então Coordenador-Geral de Recuperação
de Ativos do Ministério da Justiça, Leonardo Ribeiro. Entrevista informal concedida em 7
de abril de 2011.
46
47
Pinheiro e Lima, 28 abril de 1999.
Informações obtidas por meio de entrevista informal com a então Diretora do
Departamento Internacional da Advocacia-Geral da União, Danielle Aleixo Reis do Valle
Souza, realizada em 6 de abril de 2011.
48
49
Idem.
Federative Eleventh Judicial Circuit Court. 27 August 2001. Case Number: 200021649-CA-01. 2.
50
De acordo com a Danielle Aleixo Reis do Valle Souza, ex-diretora do DPI/AGU,
a ausência de tratado de cooperação jurídica internacional com as Bahamas e o rigor das
leis locais de sigilo dificultaram a coleta de informações sobre a Hillside Trading, as quais
somente foram obtidas com a subcontratação de escritório na ilha pelo escritório contratado
pela AGU nos EUA.
51
52
Tribunal Penal Federal. RR.2007.131., Faits, §A.
53
Aproximadamente CHF 7 milhões.
54
Tribunal de Police de Genéve. 13 janvier 2010. §3.
55
Tribunal Penal Federal. RR.2007.131. supra §B.
182
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
56
Ibid. §C .
57
Tribunal Federal. 123 II 595. 10 décembre 1997. §B.
58
Ibid. §4f.
Tribunal Penal Federal. RR.2007.131. §C e Tribunal de Police de Geneve. 13
janvier 2010. §23.
59
A Nigéria conseguiu decisão favorável a sua admissão como terceiro interessado
em 3 de dezembro de 1999 (vide Daniel e Maton (2008), p. 67) e a sua participação na
referida ação penal teria facilitado o rastreamento de US$ 645 milhões na Suíça, bem como
várias outros valores enviados para outras jurisdições como Luxemburgo, Liechtenstein e
Jersey, os quais foram posteriormente objeto de pedidos de cooperação jurídica internacional
de bloqueio por parte das autoridades de persecução penal suíças (vide Monfrini (2008),
p. 50-54).
60
61
Tribunal Penal Federal. RR.2007.131. §E.
62
Ação Penal n. 2000.61.81.001248-1 e n. 2000.61.81.001198-1.
63
Tribunal Penal Federal. RR.2007.131. §E.
64
TRF 3ª Região, Apelação Criminal n. 200061810011981.
65
Tribunal Penal Federal. RR.2007.131. § 3.2.2.
66
Tribunal de Police de Genève. 13 janvier 2010. §9.
Os arts. 218G e 218H do Código de Processo Penal do Cantão de Genebra atribuía
competência ao Ministério Público de se pronunciar sobre confisco na ausência de
condenação e desde que essa decisão fosse passível de recursos a uma autoridade judicial.
67
68
Tribunal de Police de Genève. 13 janvier 2010.
A compensação foi deferida porque se provou no processo criminal suíço que
transferências foram realizadas das referidas contas para contas pertencentes a empresas
em Miami, Nova York e Ilhas Cayman entre 1994 e 1999. De acordo com o art. 71 do
69
183
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
Código Penal Suíço: “se os ativos sujeitos ao perdimento não estão mais disponíveis, a corte
poderá conceder uma compensação ao Estado referente à soma de equivalente valor.”
70
Tribunal Federal. Arret du 21 août 2012. Cour de droit Penal. 6B_688/2011.
Faits A.
Art. 72 do Código Penal Suíço: Confisco de bens de uma organização criminosa. A
corte ordenará o confisco de todos os bens sujeitos ao poder de disposição de uma organização
criminosa. No caso de bens de uma pessoa que participa ou auxilia uma organização criminosa
(Art. 260ter), presume-se que os bens estão sujeitos ao poder de disposição da organização
até prova em contrário.
71
72
Ire Cour de droit public, 1A.215/2004, 7 février 2005. 131 II 169.
Não por coincidência, o Brasil contratou o mesmo escritório que representou a
Nigéria no caso Abacha. BBC, “The dictator hunter.” 3 de março de 2011. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/worldservice/programmes/2011/03/110301_outlook_enrico_monfri
ni.shtml>. Acesso em: 30de março de 2013.
73
74
Tribunal de Police de Genève. 13 janvier 2010.
75
Tribunal Federal. 6B_688/2011.
Nesse caso específico, o Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação
Jurídica Internacional do Ministério da Justiça.
76
O Globo. “Governo consegue repatriar US$ 4,7 milhões desviados pelo ex-juiz
Nicolau dos Santos Neto.” 9 de julho de 2013. Disponível em <http://oglobo.globo.com/pais/
governo-consegue-repatriar-us-47-milhoes-desviados-pelo-ex-juiz-nicolau-dos-santosneto-8970322#ixzz2YZvABblj>. Acesso em: 22 de julho de 2013.
77
78
Tribunal de Police de Genève. 13 janvier 2010. Item 6.2.
Uma das principais razões que impediu a repatriação dos ativos no caso Duvalier
foi a completa inércia das autoridades haitianas, que por diversos motivos, políticos e
jurídicos, somente conseguiram dar início a um procedimento doméstico de confisco em
2007, apesar de o bloqueio na Suíça ter sido decretado em 1986. Vide Basel Institute on
Governance, Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier.
79
184
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Tribunal de Police de Geneve. Procureur Generale vs. Nicolau dos Santos Neto et
Maria da Gloria Bairão dos Santos. Chambre 4. 13 janvier 2010. 3.
80
81
1re Cour de droit public de Tribunal Fédéral Suisse, 10 décembre 1997. 5b.
82
Tribunal Penal Federal. 27 octobre 2011. SK.2008.17, item 2.5.
Segundo informações obtidas em entrevista informal, com a advogada da União,
Danielle Aleixo Reis do Valle Souza, que atuou no caso.
83
De acordo com a então Diretora do Departamento Internacional da AGU, Danielle
Aleixo Reis do Valle Souza, consultas informais teriam sido realizadas nos citados países
por meio das embaixadas brasileiras. Essas consultas preliminares, todavia, teriam recebido
respostas negativas. Nesse caso, as autoridades de persecução penal podem ter presumido
que os indícios da existência desses bens eram falsos ou os ativos teriam sido transferidos
antes que o Brasil pudesse tomar qualquer ação legal para repatriá-los e, portanto, o envio
de pedidos de cooperação seria infrutífero.
84
185
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
referênCIAs
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186
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
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TRIBUNAL PENAL FEDERAL. Arrêt du 27 novembre 2007. IIe Cour des plaintes.
Nicolau Dos Santos Neto Contre Juge D’instruction du Canton de Genève, partie
187
[sumário]
4. reCuPerAção dos AtIvos do CAso trt-sP:
:
adverse Entraide internationale en matière pénale au Brésil. Durée de la saisie
conservatoire (art. 33 a OEIMP). N.de dossier: RR.2007.131.
_______. Jugement du 27 octobre 2011. Cour des affaires pénales. SK.2008.17.
188
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
5.
A gestão dA PrIsão de
nIColAu dos sAntos neto
Carolina Cutrupi Ferreira
Introdução
Este capítulo se propõe a descrever a atuação das instituições do sistema
de justiça criminal na gestão da prisão preventiva e execução provisória
da pena de Nicolau dos Santos Neto.
O texto percorre a trajetória da prisão do ex-juiz, decretada no mês de
abril do ano 2000 e em vigor até junho de 2014. O período é marcado por
inúmeros recursos apresentados pela defesa e pelo Ministério Público
Federal (MPF) para determinar sua alocação: se em prisão domiciliar, nas
dependências da Polícia Federal ou no sistema penitenciário comum. A
argumentação da defesa baseia-se na saúde frágil do ex-juiz e na sua idade
avançada (à época da decretação, Nicolau tinha 73 anos). Já o MPF recorre
aos laudos periciais de Nicolau realizados por órgãos públicos que indicam
a possibilidade de tratamento de saúde dentro do sistema prisional.
No final do ano de 2006, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região
(TRF da 3ª Região) confirmou as sentenças condenatórias proferidas em
primeiro grau. Desde então, o MPF requer, em seus pedidos, que Nicolau
deixe a prisão domiciliar para cumprimento da pena no sistema penitenciário, uma vez que dispositivos das sentenças condenatórias determinaram a abertura de processo de execução provisória das penas. Por outro
lado, a defesa sustenta que recursos contra as condenações ainda estão
pendentes de julgamento de recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ); portanto, o juiz continuaria em prisão cautelar, e não cumprindo pena.
A prisão de Nicolau ganhou relevo no Caso TRT, pois o juiz foi o único
dos réus recolhido ao cárcere e também o único a quem foi negado o direito de aguardar o trânsito em julgado da condenação em liberdade. Os
demais acusados foram presos preventivamente por poucos dias, enquanto
as idas e vindas da prisão de Nicolau perduram mais de 12 anos.
189
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
A mobilização do Ministério da Justiça – em especial a Polícia Federal
–, do MPF e da justiça federal na alocação do juiz na prisão cautelar (carceragem da Polícia Federal, sistema penitenciário ou em prisão domiciliar)
e no cumprimento da pena de prisão estão presentes durante todo o período. Os entraves para custodiá-lo em sua residência ou no sistema prisional
brasileiro evidenciam as dificuldades dos órgãos do sistema de justiça em
lidar com um réu dotado de tantas peculiaridades, dentre as quais o direito
à prisão especial, o poder aquisitivo elevado, a idade avançada e, conforme
argumenta a defesa, a saúde debilitada.
A atuação intensa na gestão dessa prisão vem refletindo o desgaste institucional sofrido pelas instituições envolvidas. A Polícia Federal procurou
Nicolau por sete meses até que o ex-juiz se entregasse para cumprimento
do mandado de prisão preventiva.1 Nos últimos anos, relatou-se divergências entre Nicolau, familiares e agentes da Polícia Federal que vigiam o
cumprimento da prisão domiciliar. O MPF busca, em inúmeros recursos,
obrigá-lo a cumprir pena no sistema prisional. A justiça federal de 1º grau,
por sua vez, manifesta-se no sentido de que o ex-juiz não deveria permanecer em prisão domiciliar, mas “tendo em vista que as instâncias superiores
decidiram pela mantença do mesmo nesta condição”, acata a determinação
dos Tribunais Superiores.2 Por outro lado, a mais recente decisão do TRF
da 3ª Região, entendeu que não cabia ao juiz da execução criminal determinar a prisão domiciliar e, sob tal fundamento, determinou o retorno de
Nicolau ao sistema penitenciário.3 Outro fator peculiar ao caso foi sua repercussão social e midiática que, em certa medida, refletiam aspirações no combate à “impunidade”. Dias após chegar à carceragem da Polícia Federal,
logo após sua rendição, moradores de Higienópolis amarraram uma faixa
na frente do prédio da PF com a seguinte inscrição: “dois pesos, duas medidas. Rico: justiça e cana light; pobre: justiça e cana dura”.4
A possibilidade de uma figura de autoridade – como um juiz de direito
– ser presa foi encarada por alguns setores como estímulo no combate à
corrupção do país. Um exemplo foi o pronunciamento do presidente da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Jayme Chemello, que, ao ser entrevistado sobre o tema, disse: “acho que ele [Nicolau]
deveria pelo menos sentir um pouco o que significa a cadeia”.5
190
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
A extensa cobertura jornalística dos primeiros anos de prisão resultou
em um conjunto de informações bastante relevantes sobre o encaminhamento dos processos judiciais (todos em segredo de justiça) e da manutenção da reclusão de Nicolau. Esse material é a principal fonte empírica
deste capítulo, cujo relato se baseia em 322 reportagens jornalísticas coletadas no Acervo do jornal Folha de S. Paulo entre janeiro de 2000 e abril
de 2013. Essas informações foram complementadas com decisões judiciais
sobre Nicolau disponíveis no acompanhamento do processo de execução
provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181, e em dezenas de ações e recursos impetrados no TRF da 3ª Região, no Superior Tribunal de Justiça (STJ)
e no Supremo Tribunal Federal (STF).6
A narrativa a seguir divide-se em três grandes tópicos. O primeiro narra
a interação entre Ministério da Justiça, Polícia Federal, Ministério Público
e justiça federal durante o período em que Nicolau esteve foragido da justiça. O segundo tópico aborda as principais movimentações desses órgãos
para determinar a alocação do ex-juiz até as sentenças condenatórias. Por
fim, o último tópico traz os principais aspectos sobre o início do processo
de execução provisória que teve início em 2007.7
A fugA e A rendIção
O juiz Casem Mazloum, da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo, expediu
duas ordens de prisão contra o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. A primeira,
de 25 de abril de 2000, relacionava-se com a acusação da prática do crime
de evasão de divisas. A segunda ordem de prisão foi expedida em 4 de
maio de 2000, pela acusação dos crimes de estelionato, formação de quadrilha, peculato e corrupção passiva.8 O fundamento das prisões preventivas
baseou-se na garantia da ordem pública e na “magnitude do dano causado”.9
Após a decretação da prisão cautelar, divulgou-se na imprensa que o
juiz estaria foragido desde 25 de abril do mesmo ano. Entre abril e dezembro, a Polícia Federal promoveu inúmeras investigações e diligências
sobre pessoas que estariam ajudando Nicolau a permanecer foragido.
Dentre os procedimentos adotados pela PF, consta a inclusão do nome
do acusado no Sistema Nacional de Procurados e Impedidos (Sinpi). Após
a decretação da prisão, o juiz Mazloum expediu a ordem à PF de notificar
5.1 |
191
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
todos os postos de fronteira que Nicolau estaria impedido, por determinação judicial, de deixar o país.
A fuga de Nicolau teve grande repercussão midiática, levando as
diversas autoridades envolvidas a manifestar-se publicamente sobre o
tema, e explicitou as dificuldades institucionais para sua captura e rendição. Em julho de 2000, quando a Polícia Federal estava em busca do juiz,
o então ministro da Justiça, José Gregori, afirmou que Nicolau não era
“nenhum facínora, nem um bandido que está habituado a se esconder
desde a adolescência”. Em outra ocasião, o então superintendente da Polícia Federal, Agílio Monteiro, afirmou que a instituição estaria sob pressão
no caso da procura a Nicolau: “estamos sendo muito cobrados com essa
situação”. “A PF está trabalhando dia e noite para que o mandado de prisão seja cumprido o mais rápido possível”.10
As buscas realizadas pela Polícia Federal envolveram mais de 20 cidades em cinco estados brasileiros. Muito embora o passaporte de Nicolau
tenha sido entregue à justiça brasileira, equipes de policiais e de adidos
militares brasileiros do Paraguai, Argentina e Colômbia foram enviadas à
Interpol para auxiliar outros países na investigação.11
Após três meses de buscas, o superintendente da Polícia Federal se
reuniu com dirigentes da Interpol para entregar-lhes dossiês com o resultado das investigações policiais de Nicolau dos Santos Neto e de Salvatore Cacciola, também foragido da justiça.12 Agílio Monteiro Filho disse
que recebeu da Interpol a promessa de “empenho máximo” para localizar
ambos os foragidos.13
Outra medida adotada pelo Ministério da Justiça foi a divulgação de
cartazes “procura-se”. No cartaz, a foto do ex-juiz era acompanhada de seu
nome completo e apelido (“Lalau”), além do timbre do Ministério, a informação de que existiam dois mandados de prisão contra ele e o número 0800
da Polícia Federal para receber denúncias sobre seu paradeiro. Segundo o
Ministério da Justiça, 50 mil cartazes coloridos foram distribuídos em superintendências da Polícia Federal, especialmente em aeroportos, rodoviárias,
bancos, agências dos correios e delegacias de polícia .14
Em notícia de 18 de agosto de 2000, o jornal Folha de S. Paulo indicou
ter apurado que o governo federal chegou a discutir a possibilidade de
192
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
oferecimento de recompensa de R$ 30 mil por pista que levasse à captura
do ex-juiz. A informação foi negada pelo Ministério da Justiça, que justificou com a ausência de previsão orçamentária para a medida.
Em diversas ocasiões, o então ministro José Gregori negou que houvesse
negociações entre o Ministério da Justiça e Nicolau para que ele se entregasse à polícia.15 Em 17 de novembro, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, afirmou que “certamente não pode haver acordo”
entre o ministro da Justiça, José Gregori, e os advogados do ex-juiz, a fim
de que ele se entregasse: “acordo não. Ele tem é que ser preso”. Para o expresidente, “quem está sendo perseguido e quem está sendo acusado de ter
malversado o dinheiro público não pode ter o benefício de um acordo”.16
No mesmo dia da declaração do ex-presidente, o ministro José Gregori
confirmou que foi procurado pelo advogado do ex-juiz para “acertar a
apresentação de seu cliente”. Segundo Gregori, o contato teve caráter de
“sondagem e de abertura de canal”. “A conversa foi no sentido de saber,
se realmente houver uma apresentação (do ex-juiz), qual será a reação
(da Justiça)”.17
Nos dias que antecederam a rendição, a cobertura midiática relatou os
entraves nas tratativas para sua prisão. Um dos impasses seria a possibilidade de se tirar fotografias quando o ex-juiz fosse preso. Segundo notícia
da Folha, para o governo, e especialmente para o Ministro José Gregori, “a
foto é uma ‘questão de honra’. A prisão resolveria parte do desgaste que o
ministro – e a própria PF – vem sofrendo. Para os advogados, representaria
uma humilhação”.18
A reportagem mencionou ainda outras condições na negociação, como
não expor o ex-juiz à execração pública e não algemá-lo, além da exigência
de que ele não entrasse no camburão da PF e se entregasse à noite, ficando
em cela especial. “O ministério avalia que não seria privilégio dar esses
direitos a Nicolau, que tem mais de 70 anos e curso superior”.19
Ainda assim, o Ministro José Gregori e o ex-presidente FHC negaram a
existência de negociações com Nicolau. À véspera da rendição deste, FHC
disse, por meio de porta-voz, que “qualquer foragido tem de ser preso”.20
Em 8 de dezembro de 2000, sete meses após as decretações da prisão
preventiva, o advogado do ex-juiz entrou em contato com o então delegado
193
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
da Polícia Federal, Roberto Precioso, manifestando desejo de apresentar seu
cliente. O advogado pediu que o delegado o acompanhasse até o local onde
Nicolau se encontrava. Após conversa, o delegado contatou o Ministério da
Justiça e a direção-geral da Polícia Federal, que lhe deram autorização para
cumprir as determinações legais de lavratura do auto de apresentação e
exame de corpo de delito.
O delegado e o ex-juiz combinaram de se encontrar em um motel de
estrada entre as cidades de Dom Pedrito e Bagé, no Rio Grande do Sul. Lá,
Nicolau se rendeu assinando um termo de rendição espontânea. A seguir,
foi conduzido de avião para São Paulo, onde fez exame de corpo de delito
e transferido para uma carceragem da Polícia Federal no bairro de Higienópolis, onde ficou em cela especial.21
A chegada de Nicolau na carceragem exigiu um forte esquema da Polícia Federal, que usou um “policial dublê” para despistar a atenção dos
repórteres e evitar possíveis agressões que pudessem ocorrer durante sua
transferência entre a sede da Polícia Federal e a carceragem. A principal
preocupação da polícia era a quantidade de pessoas que aguardavam a
saída do ex-juiz. Segundo a Polícia Militar, “foram apreendidos pedaços
de paus, cabos de vassoura e pedras entre as pessoas que acompanhavam
a movimentação”.22
Já no momento da rendição relatou-se a debilidade do estado de saúde do
ex-juiz. Segundo o advogado de Nicolau, “ele já é uma pessoa de 70 anos e
toma medicação apropriada. A lei lhe garante a prisão especial e, se houver
necessidade de um médico examinando-o periodicamente, isso é permitido”.23 O porta-voz da Polícia Federal disse, no mesmo dia, que o ex-juiz
está “abatido e mais magro, e não foi submetido a nenhuma plástica”.24
O Ministério da Justiça divulgou nota oficial sobre a prisão, enfatizando
que o juiz “não contará com nenhuma regalia, tendo direito por força de
seu grau à prisão especial”. Ao final, a nota indicava o esforço do Estado
brasileiro na solução do caso:
A imensa visibilidade nacional do caso que envolve o juiz e sua
fuga por mais de 200 dias ensejou críticas e mesmo indignação da
opinião pública que, agora, deverá extrair do episódio, a lição de
194
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
que, no Brasil novo e democrático que estamos construindo, não
há lugar para a impunidade e que, cedo ou tarde, mas com a certeza
das coisas inevitáveis, os que tiverem contas a ajustar com a
Justiça – usem colarinho branco ou camiseta – serão alcançados
pela firmeza da lei, sem violência, mas com o rigor de todas as
suas consequências.25
5.2 |
PrIsão
esPeCIAl nA
PolíCIA federAl
e CondenAções nA justIçA federAl
Os primeiros dias de prisão de Nicolau foram intensamente relatados pela
mídia. Nicolau foi alocado em uma cela de seis metros quadrados com “um
colchão de solteiro e uma cadeira encostada na parede”,26 com direito a receber alimentação da própria família e visitas, além de um banho de sol por
dia.27 Predominaram reportagens sobre o cardápio na carceragem – arroz,
feijão, bife à parmegiana, acelga com bacon, salada de alface e queijadinha
de sobremesa28 – refeição recusada pelo ex-juiz.29 Em outra ocasião, após
nova recusa de refeição, “os policiais mostraram a marmita recusada por
Nicolau aos jornalistas, que decidiram entregar a dois mendigos. Ao saber
que se tratava do jantar do ex-juiz, um dos mendigos [...] perguntou: ‘onde
está o dinheiro que o Lalau roubou? Está na Suíça?’”.30
Em 1º de janeiro de 2001, o então juiz Casem Mazloum expediu ordem
ao ex-Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Marco
Vinício Petrelluzzi, determinando a transferência de Nicolau para um presídio militar no prazo de 24 horas, sob pena de prisão. A partir dessa
determinação, reuniões foram realizadas entre Petrelluzzi e Nagashi Furukawa (ex-Secretário de Administração Penitenciária do Estado de São
Paulo), com a ciência do ex-Ministro José Gregori. Em princípio, refutou-se a ordem do juiz Mazloum para transferir Nicolau a um presídio da
Polícia Militar, sob o fundamento de que “quartel não é local para preso
ficar”, segundo Petrelluzzi.31
A ordem de transferência da justiça federal provocou atrito no poder executivo paulista. O Secretário de Segurança Pública considerou “inadequado”
o procedimento do juiz, e chegou a afirmar publicamente que representaria
195
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
Mazloum na corregedoria da justiça federal. A urgência da transferência –
cujo fundamento seria a “questão de segurança” – também foi questionada:
“causa-me espanto essa urgência que justifica um juiz ameaçar de prisão
um secretário de Estado”, afirmou Petrelluzzi.32 Contra a ordem de Mazloum, o Secretário conseguiu, por meio de recurso no TRF, mais 48 horas
para definir a transferência de Nicolau.
Ao final, o ex-juiz foi transferido para a 77ª Delegacia de Polícia, passando a dividir cela com outros dois presos. Segundo a defesa, o local estaria
em desacordo com o que a lei prevê para uma cela especial: “o Estado tem
que dar estrutura para o que a lei determina. Se isso não ocorre, a justiça
tem que conceder prisão domiciliar”.33
A situação causada pela prisão do ex-juiz e a exigência da defesa do
direito de mantê-lo em prisão especial levou ao debate público a proposta
de reforma legislativa para abolir tal previsão. Originalmente, a prisão especial era regulada pelo Decreto n. 38.016/55, que dispõe sobre as prerrogativas do beneficiado. Tal decreto foi revogado em 1991, mas os critérios
continuaram referência aos juízes para a concessão da prisão especial. À
data do retorno de Nicolau à Polícia Federal, o Ministro José Gregori afirmou que “com a clientela [dessas celas] aumentando, estamos nos defrontando com uma situação de privilégio, que tem de ser revista”.34
No mesmo dia da transferência, a defesa ingressou com pedido de
habeas corpus no STJ, requisitando a prisão domiciliar de Nicolau com
base na justificativa de que o Estado não possuía estabelecimento condizente com os requisitos legais da prisão especial. De acordo com o pedido,
a prisão domiciliar deveria se estender “ao menos até que se encontre local
adequado ao cumprimento da prisão especial”.35 No dia seguinte, o STJ
negou a concessão de prisão domiciliar em liminar, mas determinou o retorno de Nicolau às dependências da Polícia Federal.36
A decisão pelo retorno de Nicolau à Polícia Federal foi alvo de críticas pelo Secretário de Segurança Pública, ao afirmar que “parece que querem criar a prisão especialíssima. [...] A PF diz que não tem condições de
ficar com o preso, que estava atrapalhando o serviço, estava criando transtorno. Parece que, se tirar da PF das suas funções burocráticas, ela se
sente transtornada”.37
196
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Em 15 de janeiro de 2001, expediu-se a terceira ordem de prisão preventiva contra Nicolau pelo crime de sonegação fiscal, determinando que ele
fosse recolhido “à casa de detenção ou a outro estabelecimento penitenciário”. A juíza da 6ª Vara Criminal Federal determinou sua prisão ante a possibilidade de nova fuga do acusado. Segundo a juíza, a fuga poderia causar na
população “um sentimento de impunidade e descrédito nas instituições estatais encarregadas de assegurar a justiça e segurança no meio social”.38 Contra
a ordem, a defesa ingressou com pedido de habeas corpus no TRF da 3ª
Região que, em liminar, decidiu pela manutenção de Nicolau na Polícia Federal e, no mérito, pela concessão da ordem.39 Ainda assim o ex-juiz continuou
preso, em razão dos outros dois pedidos de prisão da 1ª Vara Federal.
Novo pedido de prisão domiciliar foi apresentado à 1ª Vara Criminal
Federal em 22 de junho, no qual se alegava a debilidade da saúde do ex-juiz,
cujo laudo pericial detectou depressão profunda, hipertensão e inchaço nas
pernas.40 O então juiz Casem Mazloum concedeu a prisão domiciliar provisória; Nicolau deveria passar por nova avaliação médica dali a 30 dias.
Decidiu-se que Nicolau deveria permanecer em sua residência sob vigilância
de agentes da Polícia Federal, e só poderia sair escoltado para realizar exames e tratamentos médicos.41
Após 17 dias em prisão domiciliar, o TRF da 3ª Região julgou procedente pedido liminar de mandado de segurança interposto pelo MPF para
revogá-la.42 Como principais fundamentos da decisão, a relatora mencionou o desvio da função da Polícia Federal, que monitorava a residência
do ex-juiz 24 horas por dia; o incentivo à impunidade, por manter um juiz
aposentado em casa, e o fato de Nicolau receber o mesmo tratamento que
recebia na carceragem da Polícia Federal.43 No dia seguinte, o STJ concedeu
ordem de habeas corpus para que ele voltasse para casa. Para o relator da
ação, o Ministro Nilson Naves, não seria possível “determinar a privação
de liberdade de alguém por meio de um mandado de segurança”.44
Trinta dias após o início da prisão domiciliar, laudo médico foi realizado
pelo Instituto de Medicina Social e Criminológica (Imesc), atestando a
possibilidade de tratamento ambulatorial da hipertensão e depressão de
Nicolau dentro do sistema prisional. A partir desse laudo, a prisão domiciliar
de Nicolau foi suspensa, e o juiz federal da 1ª Vara Criminal determinou
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[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
que ele fosse recolhido à cela comum, e não à carceragem da Polícia Federal. Um habeas corpus impetrado no STJ requerendo a prisão domiciliar
foi denegado, e o ex-juiz permaneceu na Polícia Federal.45
Manutenção da prisão após condenação
Em 28 de junho de 2002, Nicolau dos Santos Neto foi condenado pelo
juiz Casem Mazloum à pena de oito anos de reclusão pelos crimes de tráfico de influência e lavagem de dinheiro. A sentença determinou sua transferência imediata para uma colônia de trabalho agrícola e a devolução de
R$ 1,92 milhão. Decidiu-se pelo seu impedimento de exercer cargo público por 16 anos, além da possibilidade de que ele recorresse da condenação
em liberdade.
Após a decisão, a Secretaria de Administração Penitenciária determinou
a transferência de Nicolau para o Instituto Penal Agrícola de Bauru. Contudo, manifestações do MPF e da defesa contribuíram para a manutenção
de Nicolau na Polícia Federal. A juíza responsável entendeu que “a transferência para o estabelecimento prisional de regime semiaberto implicaria
em execução provisória, e tal hipótese não é possível quando a sentença
ainda não se tornou definitiva”.46 Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a
decisão atende ao pedido dos advogados de defesa de Nicolau, que não
queriam a transferência dele para Bauru (343 km a noroeste de São Paulo)
devido à grande distância entre esta cidade e a capital do Estado, onde
moram os parentes do juiz aposentado.47
Em 18 de julho de 2003, decisão em liminar do STJ determinou a transferência para prisão domiciliar, pois o laudo pericial de Nicolau teria
demonstrado “o risco que corre o paciente ao permanecer nas dependências
da Polícia Federal em São Paulo, sem o devido tratamento e acompanhamento médico”.48 A decisão também enfatizou que o parecer elaborado
pelo Delegado de Polícia Federal responsável pelo caso indicou que não
haveria, na Polícia Federal, “local condizente com os ditames da lei” para
acomodar o ex-juiz. A decisão liminar foi mantida pela Corte Especial do
STJ em fevereiro de 2004 pelos mesmos fundamentos.
Em abril de 2005, o TRF da 3ª Região reformou a sentença do juiz de
primeiro grau e aumentou as penas impostas a Nicolau pelos crimes de
5.2.1 |
198
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
tráfico de influência e lavagem de dinheiro, além de condená-lo pelo crime
de evasão de divisas.49 Ao final, o ex-juiz foi condenado a 14 anos de reclusão e pagamento de 600 dias-multa. Meses depois, sobreveio nova condenação pelo crime de sonegação de imposto de renda entre 1995 e 1999, a
pena de sete anos e seis meses de reclusão mais multa.50
Em maio de 2006, à véspera de esgotar-se prazo prescricional, o TRF
da 3ª Região condenou o ex-juiz a 26 anos e seis meses de reclusão pelos
crimes de peculato, estelionato e corrupção passiva, mais o pagamento
de multa de R$ 1,2 milhão.51
o IníCIo do ProCesso de exeCução ProvIsórIA
O Código de Processo Penal dispõe que o cumprimento da sanção criminal
terá início após o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 669).52
No entanto, admite-se a possibilidade de “execução provisória” quando a
sentença for irrecorrível para o Ministério Público, mesmo pendentes de
julgamento recursos da defesa.53 Provimentos do Conselho Superior da
Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo da Corregedoria Geral
de Justiça de São Paulo regulam a utilização das “guias de recolhimento
provisória”, remetidas às varas de execuções criminais para acompanhar
os autos de cumprimento da pena de condenado preso “em decorrência de
prisão processual ou logo depois de noticiada a prisão”.
Em síntese, enquanto não for juntada aos autos a certidão de trânsito
em julgado da sentença condenatória, considera-se a prisão como cautelar,
e a execução como provisória. As críticas a tal procedimento baseiam-se
na violação ao princípio constitucional da não culpabilidade (art. 5º, inciso
LVII) e aos dispositivos da Lei de Execução Penal (LEP), que condicionou
o cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença condenatória,
que valerá como título executivo judicial.54,55
Outro aspecto relevante sobre o tema é que a Lei n. 8.038/90 dispõe
expressamente que os recursos extraordinário e especial serão recebidos
apenas no efeito devolutivo.56 Ou seja, não há suspensão do andamento
do processo principal até o julgamento de recurso interposto pela defesa.
Mesmo que a matéria seja apreciada pelos tribunais superiores, o processo
principal continuará em andamento. Sobre o tema, o Superior Tribunal de
5.3 |
199
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
Justiça (STJ) editou no ano de 2002 a Súmula 267: “a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”.
Por anos o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não havia impedimento à execução da sentença quando pendente apenas recursos sem efeito suspensivo. Em fevereiro de 2009, o Tribunal mudou seu posicionamento,
firmando precedente no sentido de que a execução da pena privativa de
liberdade antes do trânsito em julgado da condenação ofende o princípio da
não culpabilidade, excetuada a hipótese da privação da liberdade acompanhada da demonstração de sua natureza cautela. Nesse sentido, “os preceitos
veiculados pela LEP, além de adequados à ordem constitucional vigente,
sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP”.57
A definição sobre o cabimento de execução provisória é objeto de divergência de MPF e defesa de Nicolau dos Santos Neto durante todo o período
em que ele está preso. Após as condenações, os três processos de execução
iniciaram tramitação na 1ª Vara Criminal.
Em janeiro de 2007, o MPF requereu o cumprimento da pena de Nicolau
no sistema penitenciário. De acordo com o MPF, o cumprimento de sua
pena teria se iniciado em 19 de dezembro de 2006, encerrando-se assim a
prisão cautelar. A decisão da juíza da 1ª Vara Federal determinou a transferência do ex-juiz para a carceragem da Polícia Federal, “à espera de uma
vaga no sistema prisional”.58
A defesa de Nicolau recorreu da decisão em habeas corpus ao TRF da
3ª Região para a manutenção da prisão domiciliar sob o fundamento de que
a condenação seria provisória, com recursos pendentes no STJ contra as
sentenças condenatórias, além da idade avançada do juiz (à época com 78
anos) e o diagnóstico de problemas de locomoção, saúde e depressão.59
Embora o fundamento da defesa baseie-se na possibilidade de reforma
da condenação, a prisão domiciliar somente era aplicável aos condenados,
em situações excepcionais. À época, as regras sobre concessão de prisão
domiciliar restringiam-se às hipóteses do art. 117 da Lei de Execução Penal,
admitida como forma de cumprimento de pena aos condenados com mais
de 70 anos, acometidos de doença grave, às condenadas com filho menor
ou deficientes físicos ou mentais ou condenadas gestantes.60
200
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Uma decisão de liminar proferida pelo TRF determinou o retorno de
Nicolau à prisão domiciliar, condicionada “a tratamento médico adequado,
com acompanhamento constante de profissional especializado da área de
psiquiatria, considerando que a perícia médica constatou quadro depressivo
que está sendo tratado de forma insuficiente”.61
Em julho de 2007, o MPF requereu novamente a transferência do ex-juiz ao sistema penitenciário após um laudo da Coordenação de Saúde
da Secretaria de Administração Penitenciária constatar que Nicolau não
estaria sofrendo de depressão grave, mas de “reação de ajustamento tipo
depressivo”.62
Após provimento do pedido pelo juízo do primeiro grau e transferência
para a Polícia Federal, o TRF da 3ª Região determinou novamente o retorno
do ex-juiz à prisão domiciliar. O relator sustentou que Nicolau teria idade
avançada e problemas de saúde que justificariam a decisão.63
Como se viu anteriormente, a responsabilidade pela manutenção da prisão de Nicolau é da Polícia Federal, que providenciou um espaço para
acomodá-lo na carceragem de São Paulo e, posteriormente, passou a vigiar
externamente a residência do réu, assim como é responsável pela escolta
antes, durante e após o término dos exames periciais.
Meses após o retorno de Nicolau à prisão domiciliar, o MPF apontou
uma série de falhas na vigilância realizada por agentes da Polícia Federal.
O MPF requereu ao juízo da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo a troca
de todos os agentes responsáveis pela vigilância por agentes que ainda não
haviam trabalhado no caso, além de solicitar um rodízio dos agentes a cada
três meses.
De acordo com reportagem do jornal Folha de S. Paulo, o MPF constatou irregularidades, como a ausência de agentes da PF de plantão na residência do ex-juiz. Das seis visitas feitas por oficiais de Justiça em dias e
horários diferentes, em apenas uma havia um agente da Polícia Federal.
“‘Essa falha grave no serviço de custódia e outras omissões, levaram o
MPF a pedir as mudanças na forma de se executar a custódia do ex-juiz’,
disse o MPF em nota”.64
O MPF fez novo pedido de providências à justiça federal em abril de
2008, requerendo a abertura de procedimento disciplinar para apurar a
201
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
conduta de policiais federais responsáveis pela custódia do preso.
Segundo o MPF, a Polícia Federal não relatou à justiça acidente ocorrido com Nicolau em sua residência no ano de 2005, nem o motivo pelo
qual os policiais não encaminharam o ex-juiz ao hospital. A Polícia também não teria relatado que, em fevereiro de 2007, o ex-juiz foi submetido
a uma pequena intervenção cirúrgica em sua residência, o que só foi descoberto após pedido do MPF para que relatasse outros acidentes. “Ou os
policiais não tiveram ciência dos acontecimentos ou entenderam por não
os trazer ao conhecimento da Justiça Federal e do MPF”, afirmou o procurador da República responsável pelo caso.65
Em resposta ao requerimento do MPF, o juiz da 1ª Vara de Execuções
Criminais determinou que a Polícia Federal “deverá permanecer em tempo
integral no interior da residência do réu, bem como acompanhá-lo no caso
de saída, somente com autorização judicial”. Nesse sentido, requer à defesa
que seja providenciado local adequado para os policiais da vigilância; um
cômodo da casa onde se cumpre a pena, com banheiro e uma vaga na garagem, “para os policiais federais permanecerem diariamente, ficando desde
já advertidos que para que seja cumprida a ordem de prisão domiciliar é
absolutamente necessária a vigilância interna da Polícia Federal”.66
Em despachos posteriores, requereu-se “vaga cedida no estacionamento
da residência do réu, e [...] se há possibilidade de que seja fornecida alimentação para os agentes diariamente, a fim de que não abandonem a vigilância”67 e adequação “da rede elétrica no cômodo atualmente utilizado
pelos policiais federais, a fim de serem instalados um refrigerador do tipo
‘frigobar’ e um forno elétrico”.68
Uma notícia veiculada em dezembro de 2008 revelou que a defesa de
Nicolau requereu à justiça federal o uso da tornozeleira eletrônica com sistema GPS, que permitiria o monitoramento dos passos dele, via satélite,
pela Polícia Federal. A reportagem indicou que “a Procuradoria tende[ria]
a concordar com o pedido”.69
Um despacho judicial questionou o MPF sobre a origem das informações divulgadas pelo jornal Folha de S. Paulo, uma vez que o processo
estava em segredo de justiça e a residência de Nicolau era vigiada internamente 24 horas pela Polícia Federal. O juiz questionou:
202
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
1) quem autorizou a entrada da reportagem, já que não foi
protocolado pedido perante este Juízo e quem os recebeu.
2) onde colheram a informação de que a tornozeleira eletrônica
será utilizada pelo apenado e que será “estreada” neste ano, além
do preço informado.
3) onde colheram a informação da quantidade de policiais que
fazem a escolta “por mês”.
4) onde colheram a informação sobre a lista de reclamações do
MPF e falhas na custódia de Nicolau pela Polícia Federal.
5) quem informou que a Polícia Federal não respondeu
requerimento do MPF sobre acidente ocorrido com o apenado
no ano de 2005.70
Não foi possível localizar a resposta ao ofício da 1ª Vara Criminal. Contudo, despachos posteriores indicaram a permanência da vigilância da
Polícia Federal, cuja autoridade relatou nos autos do processo que “a custódia constante tem gerado gastos elevados ao Estado, bem como situações
de conflito entre os envolvidos (apenado, familiares e policiais)”.71 Quanto
ao monitoramento eletrônico, o juiz do processo de execução provisória
mencionou que “solicitou as tornozeleiras eletrônicas, mas como o apenado cumpre pena em regime de prisão domiciliar a Secretaria de Administração Penitenciária informou não ser possível o fornecimento”.72
Um fato que evidenciou os conflitos envolvendo Nicolau e os agentes
da Polícia Federal foi a denúncia de que o ex-juiz teria “colocado câmeras
para monitoração da Polícia Federal”, “e que o apenado exigiu pessoalmente a recolocação da câmera, no exato local onde se encontrava, contrariando a orientação do policial responsável pela fiscalização da custódia
domiciliar”. Além disso, foi requerido que entregasse as mídias com as gravações para destruição, mas o ex-juiz não cumpriu a ordem judicial, sendo
reconhecido o cometimento de falta grave, nos termos do art. 50, inciso VI
da Lei de Execução Penal, “subvertendo o objetivo e as finalidades da fiscalização da pena”.73
Há poucas informações disponíveis sobre o direito de Nicolau à progressão de regime ou livramento condicional. Sabe-se que os pedidos de
203
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
progressão para o regime semiaberto com pedido de trabalho externo foram
denegados pelo juízo de primeiro grau em março de 2009, sob o fundamento de que ainda não haviam sido expedidas as guias de recolhimento
de execução e porque “persistem os motivos que ensejaram a decretação
da prisão preventiva”.74 No mês de setembro de 2010, requereu-se a concessão de livramento condicional, mas não foi possível encontrar a decisão
sobre o pedido.
No ano de 2012, laudo pericial indicou “evolução no quadro clínico do
sentenciado de leve a moderada gravidade”, concluindo que, “do ponto
de vista psiquiátrico, nada há que impeça o cumprimento da pena em regime fechado”.75 Contudo, o juízo de primeiro grau considerou o fator da
idade avançada de Nicolau (83 anos) para justificar a manutenção da prisão domiciliar.76
Em 13 de março de 2013, o MPF ingressou com uma Reclamação no
STJ pedindo a execução definitiva da pena do juiz aposentado Nicolau
dos Santos Neto, pelas condenações aos crimes contra a ordem tributária.
A reclamação solicita que a juíza federal da 1ª Vara Criminal execute a
decisão condenatória e a emissão da certidão de trânsito em julgado. Nessa
ocasião, o MPF reafirmou que a decisão transitou em julgado e, logo, seria
possível o cumprimento da pena definitiva.77
Dias depois, em seu site oficial, o MPF publicou tabelas com os prazos prescricionais das condenações dos envolvidos no Caso TRT. Segundo a notícia,
[...] por ter sido sentenciado quando já tinha mais de 70 anos, o
prazo de prescrição para o ex-juiz é contado pela metade e, por isso,
até maio do ano que vem, se não forem julgados todos os recursos
que seus advogados movem nos tribunais superiores, ocorrerá a
prescrição e Nicolau não poderá mais ser responsabilizado pelos
crimes que foi condenado.78
Paralelamente, o MPF interpôs agravo em execução penal no TRF da
3ª Região, recorrendo da decisão do juiz da 1ª Vara Criminal que deferiu a
manutenção da prisão domiciliar de Nicolau com fundamento em medida
204
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
cautelar da Lei n. 12.403/2011.79 Para o MPF, a referida lei alterou o Código de Processo Penal exclusivamente em relação às prisões cautelares, não
sendo aplicável, pois, às prisões em fase de execução – ainda que provisória, como seria o caso dos autos.
Em março de 2013, o Tribunal decidiu revogar a prisão domiciliar e
determinar a imediata transferência do recorrido ao sistema penitenciário,
desde que com condições adequadas a sua peculiar situação pessoal (pessoa com mais de oitenta anos de idade), ou, quando não, a “hospital penitenciário que possibilite adequado tratamento de saúde”.80
A defesa recorreu ao STJ, argumentando que o ex-juiz cumpre “a mais
longa prisão provisória da história do Brasil” e requer o retorno à prisão
provisória pelo cumprimento de mais de um sexto da pena.81 Em decisão
liminar, o Relator Ministro Og Fernandes renegou pedido de liberdade.82
A defesa fez pedido de reconsideração, alegando, dentre outros, o excesso
de lotação da penitenciária na qual Nicolau foi alocado. Ainda assim, o
ministro manteve a prisão em regime fechado.83
Após a decisão do TRF da 3ª Região, o juiz de primeiro grau determinou a alocação de Nicolau em “unidade prisional de regime fechado” e a
realização de exame médico, com urgência, para atestar o atual estado de
saúde do réu, a fim de analisar se deveria retornar à prisão com cela especial até o trânsito em julgado da condenação (LC n. 35/79, art. 33, inciso
III) ou ser removido a Hospital Penitenciário de Custódia e Tratamento,
que possibilitasse adequado tratamento de saúde.84 Nicolau foi transferido
para a penitenciária de Tremembé (140 km de São Paulo).
O último andamento registrado no processo de execução provisória data
de 26 de março de 2013, uma decisão na qual o juiz da 1ª Vara Criminal
determinou a conversão da execução provisória em definitiva, “expedindo-se mandado de prisão em relação à condenação que consta da execução
penal”. Para o juiz, a decisão do STJ de maio de 2012, que determinou “a
imediata execução do julgado, independentemente da publicação do acórdão e da eventual interposição de outro recurso”, substitui a necessidade
da certidão de trânsito em julgado.85
Em 2 de abril de 2013, o Supremo Tribunal Federal emitiu certidão de
trânsito em julgado da condenação do ex-juiz pelo crime de lavagem de
205
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
dinheiro. As outras condenações ainda estão pendentes de julgamento dos
recursos interpostos pela defesa nos tribunais superiores (STJ e STF).
Em junho de 2014, a pena de Nicolau foi extinta por indulto coletivo86
concedido a todos condenados a pena privativa de liberdade superior a
oito anos que, até 25 de dezembro de 2012, tivessem completado sessenta
anos de idade e cumprido um terço da pena.87 A decisão foi do juiz da 1ª
Vara de Execuções Criminal de Taubaté, que passou a julgar a execução
de Nicolau, após o trânsito em julgado da condenação.
ConsIderAções fInAIs
A narrativa da prisão cautelar e do início do cumprimento da execução provisória de Nicolau dos Santos Neto permite visualizar, dentre outros aspectos, a forma de atuação dos órgãos do sistema de justiça brasileiro na gestão
da prisão de um ex-juiz federal.
Esse complexo arranjo de processos e atribuições da Polícia Federal,
Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, Ministério Público Federal e Justiça Federal – enfim, todo o processo, como vimos
– implicou uma série de decisões sobre o local de acomodação do ex-juiz e
o atendimento aos parâmetros mínimos da prisão especial e às necessidades
básicas do ex-juiz em seu tratamento de saúde.
A atuação simultânea desses órgãos revelou áreas de atrito sobre a
necessidade de sua custódia e a forma mais adequada de acomodá-lo, seja
em sua residência, na Polícia Federal ou no sistema prisional paulista.
Um exemplo contundente é a determinação judicial, no início da prisão
cautelar, que o Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo
providenciasse a transferência de Nicolau para um presídio militar, sob
pena de prisão.
Tais obstáculos na manutenção da prisão de Nicolau evidenciam a dificuldade do sistema de justiça brasileiro em conceber a privação de liberdade
a um réu com qualificação pela idade e saúde debilitada e com prerrogativas legais decorrentes do exercício da magistratura. O exemplo mais nítido
desse descompasso foi a mudança nos dispositivos legais que regulam a
prisão especial. À época da prisão de Nicolau, o então Ministro da Justiça
teria se manifestado no sentido de que a prisão especial consistiria em uma
206
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
situação de privilégio e que deveria ser revista. A proposta de lei, aprovada
no Congresso Nacional, passou a definir que, nas hipóteses cabíveis, a diferença de tratamento do preso comum consistirá exclusivamente no direito
a uma cela distinta e ao transporte em separado.
Esses indícios reforçam que as instituições são dinâmicas, e os próprios
arranjos institucionais podem ser modificados e aprimorados a partir de
situações concretas. No caso da prisão de Nicolau dos Santos Neto, é de
se questionar, em primeiro lugar, a necessidade de imposição a uma sanção
prisional (seja em regime fechado ou em prisão domiciliar) por mais de 12
anos, no âmbito de um processo de execução provisória que, pela possibilidade de mudança nas penas definitivas, impede a aplicação de benefícios
como a unificação e detração das penas. O cálculo só poderá ser homologado com o trânsito em julgado de todas as referidas condenações, e não
há previsão de que isso aconteça.
Por fim, um segundo aspecto a ser considerado é a necessidade de se
conceber procedimentos adequados para uma gestão de sanção prisional,
na qual os órgãos atuantes possam articular processos e tomadas de decisão
que permitam avaliar a pertinência ou não da manutenção da prisão ou a
escolha por formas de custódia e de cumprimento de pena mais eficazes e
menos custosas para o Estado. Como indicado ao longo do capítulo, a custódia de Nicolau trouxe consigo altos custos políticos e financeiros para o
Estado, a exemplo da necessidade de alocação de policiais federais no interior de sua residência e a recente descoberta de que eles próprios estariam
sendo monitorados pelo ex-juiz.
207
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
notAs
Segundo reportagem da rede de televisão britânica BBC, “desde que desapareceu,
em abril, o ex-juiz fez com que as autoridades dançassem uma ciranda [...]”. “A falha das
autoridades em pegá-lo é um embaraço e uma piada nacional”. Prisão é destaque no
website da BBC. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 de dezembro de 2000. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de novembro
de 2012.
1
Despacho judicial de 22 de abril de 2008 no processo de execução provisória n.
0000202-92.2007.4.03.6181: “Friso que este Juízo mantem pacífico entendimento de que
não deve permanecer na prisão domiciliar o réu Nicolau dos Santos Neto. Contudo, tendo
em vista que as instâncias superiores decidiram pela mantença do mesmo nesta condição,
não podem ser penalizados os familiares que residem com o apenado.”
2
TRF da 3ª Região, Agravo em execução penal n. 0010249-86.2011.4.03.6181, Relator
Desembargador Luiz Stefanini, j. 18/03/2013.
3
Só, ex-juiz come lentilhas no réveillon. Folha de S. Paulo. São Paulo, 2 de janeiro
de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u3360.shtml>.
Acesso em: 19 de novembro de 2012.
4
CNBB defende que Nicolau fique preso. Folha de S. Paulo. São Paulo, 15 de
dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc151
2200021.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
5
Vale ressaltar que não foram objetos de análise os pedidos relacionados ao
comparecimento de Nicolau dos Santos Neto a atos processuais, como a suspensão de
interrogatório, oitiva de testemunhas ou recursos sobre a competência por foro por
prerrogativa de função. A maior parte dos acórdãos estava indisponível, e por tal motivo
recorreu-se às informações presentes apenas no acompanhamento processual de cada ação
ou recurso. Para um quadro completo das ações e recursos envolvendo Nicolau dos Santos
Neto ver Anexo 1 (Processos e Recursos 1998-2013). O tema foro por prerrogativa de
função é tratado em detalhe no Capítulo 8 – O impacto das normas sobre foro especial no
Caso TRT.
6
Para uma linha do tempo do processo de execução e seu percurso por diferentes
instituições do sistema de justiça, ver Anexo 4, disponível em: hdl.handle.net/10438/12028.
7
208
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Busca ao juiz Nicolau completa três meses amanhã. Folha de S. Paulo. São Paulo,
24 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u3320.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
8
Polícia Federal completa hoje 3 meses sem achar juiz Nicolau dos Santos. Folha
de S. Paulo. São Paulo, 25 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/brasil/ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
9
PF está sob pressão por causa de juiz Nicolau, diz superintendente. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 26 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/brasil/ult96u3433.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
10
SILVEIRA, Wilson. É impossível prever prisão de Nicolau, diz PF. Folha de S. Paulo,
São Paulo. 28 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
brasil/ult96u3504.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
11
Salvatore Cacciola foi proprietário do Banco Marka e condenado por gestão
fraudulenta e coparticipação em crime de peculato, após o banco ter sido socorrido em
1999 por ocasião da flutuação cambial. Preso em 2000 pela Polícia Federal, obteve
concessão de habeas corpus pelo STF para responder ao processo em liberdade, quando
saiu do Brasil e passou a viver na Itália. Rede de Escândalos – Banco Marka/FonteCindam.
Veja. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/includes/casomarkafonte-cidam-box1.html>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
12
Enquanto permaneceu foragido, a defesa de Nicolau recorreu aos tribunais para
requerer a revogação da prisão preventiva. A defesa recorreu ao STJ depois que o TRF da
3ª Região denegou a ordem a dois habeas corpus em favor do ex-juiz. Requereu a anulação
do julgamento realizado pela turma do TRF, que decidiu pela manutenção do pedido de
prisão preventiva, ante a necessidade de garantir a ordem pública, em razão de “fatos que
abalam a credibilidade que a sociedade precisa ter em suas instituições, causam forte
repulsa social e afetam a tranquilidade pública”.
No STJ, o pedido liminar do HC 14270 foi negado pelo juiz Relator Fernando Gonçalves,
sob o fundamento de que “é público e notório que o paciente, após a decretação de sua prisão,
evadiu-se do distrito da culpa, não podendo em consequência o provimento cautelar requerido
desempenhar a função instrumental de preservação da liberdade de locomoção física”. O
mérito, julgado em dezembro de 2000, decidiu-se, por maioria, pela manutenção da decisão do
TRF da 3ª Região que manteve a prisão preventiva. O Relator da ação reforçou o argumento de
que a acusação de desvio de vultosa quantia dos cofres públicos causou “repercussão negativa
13
209
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
na opinião pública”, o que justificaria a prisão para assegurar a ordem pública. (HC 14.270,
Relator Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, j. 12/12/2000, DJU 19/03/2001).
SILVEIRA, Wilson. Ministro descarta recompensa por Nicolau. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 18 de agosto de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
brasil/ult96u4714.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
14
Gregori desmente negociação para juiz Nicolau se entregar. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 26 de setembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
brasil/ult96u7017.shtmll>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
15
FRANÇA, William. Não pode haver acordo para prisão de Nicolau, diz FHC. Folha
de S. Paulo, São Paulo, 18 de novembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/fsp/brasil/fc1811200003.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
16
LIMA, Raquel. Gregori confirma negociar apresentação de Nicolau. Folha de
S. Paulo, São Paulo, 18 de novembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/fsp/brasil/fc1811200002.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
17
PF centra buscas a Nicolau no interior de SP. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5 de
dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/folha/brasil/ ult96u11974.
shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
18
GASPAR, Malu. Foto dificulta acordo com Nicolau. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 2 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/
fc0212200009.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
19
FHC nega negociação para que Nicolau se entregue à polícia. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 7 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/brasil/ult96u12138.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
20
Saiba como foi a rendição do ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 de
dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u12196.
shtml> Acesso em: 19 de novembro de 2012.
21
CHRISTOFOLETTI, Lillian. PF usou dublê para transferir Nicolau. Folha de S.
Paulo, São Paulo, 10 de dezembro de 2000. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/
fsp/brasil/fc1012200018.htm> Acesso em: 19 de novembro de 2012.
22
210
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Ex-juiz chorou ao se entregar. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8 de dezembro de
2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ ult96u12205.shtml>.
Acesso em: 19 de novembro de 2012.
23
CALASSO, Lúcia. Nicolau está abatido e não fez plástica, diz porta-voz da PF. Folha
de S. Paulo, São Paulo, 8 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.
com.br/folha/brasil/ult96u12191.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
24
Leia íntegra da nota de Gregori sobre a prisão de Nicolau. PF. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 8 de dezembro de 2000. Disponível em: < http://www1.folha. uol.com.br/folha/
brasil/ult96u12191.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
25
CHRISTOFOLETTI, Lillian. Cela de Nicolau tem só seis metros quadrados. Folha
de S. Paulo, São Paulo, 9 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.
com.br/fsp/brasil/fc1012200018.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
26
Ex-juiz deve ficar em cela no subsolo do prédio. Folha de S. Paulo, São Paulo,
9 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/
ult96u12209.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
27
CALASSO, Lúcia. Ex-juiz deve almoçar bife à parmegiana. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 9 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
brasil/ult96u12217.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
28
Nicolau recusa o almoço da Polícia Federal. Folha de S. Paulo, São Paulo,
9 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u12221.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
29
Nicolau recusa estrogonofe da PF e prato vai para mendigos. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 10 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol. com.br/folha/
brasil/ult96u12242.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
30
Folha de S. Paulo. Nicolau pode ser transferido hoje; Estado deve escolher local
de prisão”. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://
www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u13144.shtml>. Acesso em: 19 de novembro
de 2012.
31
32
211
FREIRE, Sílvia. Secretário não revela para onde Nicolau será transferido. Folha de
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
S. Paulo, São Paulo, 2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/brasil/ult96u13159.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
A comumente denominada “prisão especial” refere-se ao direito assegurado às
pessoas que, pela relevância do cargo, função, emprego ou atividade ou pelo grau de
instrução, podem ficar presas em caráter cautelar, em cela ou estabelecimento penal diverso
do cárcere comum, até o julgamento final ou o trânsito em julgado da decisão penal
condenatória. A prisão especial está prevista no Código de Processo Penal e na Lei
Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/79). O art. 295 do Código de
Processo Penal determina que “serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição
da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva, VI –
os magistrados”. Já o art. 33 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional indica que são
prerrogativas do magistrado “ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de EstadoMaior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial competente, quando
sujeito a prisão antes do julgamento final” (inc. III). Ministro José Gregori critica existência
de celas especiais. Folha de S. Paulo, São Paulo, 6 de janeiro de 2001. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/ult96u13346.shtml>; CALASSO, Lúcia.
Nicolau está triste com más condições da cela, diz advogada. Folha de S. Paulo, São Paulo,
3 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u1
3212.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
33
Em 30 de janeiro de 2001, o Projeto de Lei n. 4.201/2001 é encaminhado pelo
Poder Executivo à Câmara dos Deputados, propondo nova regulamentação sobre o tema.
Segundo a exposição de motivos, “a diferença de tratamento do preso comum consistirá
exclusivamente no direito a uma cela distinta e ao transporte em separado”. “O projeto
de lei [...] vem atender aos reclamos da sociedade no sentido de que as pessoas que
praticaram crimes não gozem de regalias que afrontam a todos os cidadãos de bem”. O
projeto foi aprovado e transformado na Lei n. 10.258/2001, que alterou o art. 295 do
Código de Processo Penal.
34
Presidente do STJ define na quinta habeas corpus de Nicolau. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 3 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/
ult96u13221.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
35
O pedido liminar do HC 15.648 foi parcialmente deferido pelo então presidente do
STJ Paulo Costa Leite. De acordo com a decisão, a prisão domiciliar só foi requerida em
função da transferência prisional, que se concretizou antes da protocolização do pedido de
habeas corpus. “No caso, verifica-se que a questão nuclear centra-se na alegada inadequação
36
212
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
das instalações do local para onde o paciente foi transferido. Até que essa questão seja
definitivamente apreciada [...], impõe-se, na esteira do que antes afirmei, tornar o paciente
à situação em que se encontrava, ou seja, recolhido a dependências da Polícia Federal de
São Paulo”. Em 19 de junho de 2001, dia em que a Sexta Turma do STJ julgaria o mérito
da ação, a defesa de Nicolau apresentou pedido de desistência do habeas corpus, que foi
acatado pelos Ministros. STJ, HC 15.648, Sexta Turma, Relator Ministro Fernando
Gonçalves, j. 04/01/2001, DJU 01/02/2001.
Secretário critica transferência de Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5
de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u13297.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
37
CHRISTOFOLETTI, Lillian. Ex-juiz tem terceira ordem de prisão expedida em SP.
Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/folha/brasil/ult96u13872.shtml>. Acesso em: 9 de novembro de 2012.
38
TRF da 3ª Região, HC 10.855, Relatora Des. Fed. Suzana Camargo, Quinta Turma,
j. 24/01/2001, DJ 06/02/2001.
39
Família do juiz Nicolau reforça segurança da casa. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 1º de julho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u21856.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
40
FREIRE, Sílvia. Nicolau chora ao receber notícia da prisão domiciliar. Folha de S.
Paulo, São Paulo, 29 de junho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
brasil/ult96u21815.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
41
TRF da 3ª Região, liminar em MS n. 222.805, Relator Des. Fed. Theotonio Costa,
j. 16/07/2001.
42
ROVAI, Giuliana. PF já está na casa de Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo,
16 de julho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u22387.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
43
STJ, liminar HC 17.804, Relator Ministro Nilson Naves, j. 16/07/2001, DJ
29/08/2001. STJ concede habeas corpus e Nicolau volta para casa. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 17 de julho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/
ult96u22432.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
44
213
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
STJ, HC 19.315, Relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, j. 20/11/2001, DJ
22/02/2002.
45
Juiz Nicolau evita transferência e continua na PF. Folha de S. Paulo, São Paulo,
12 de julho de 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ folha/brasil/
ult96u34583.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
46
Juiz Nicolau evita transferência e continua na PF. Folha de S. Paulo, São Paulo,
12 de julho de 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ brasil/
ult96u34583.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
47
A decisão do STJ reproduz o seguinte trecho do laudo pericial de Nicolau: “‘o
paciente no presente momento encontra-se com depressão reativa grave, hipertensão
arterial e labirintopatia. Seus sintomas são: choro fácil, depressivo, não quer mais viver
e fala muito em suicídio. Está em uso de vários medicamentos para hipertensão arterial,
labirintite e vasos dilatadores coronários. Deambula com muita dificuldade. Encontrase no presente momento num quarto da Polícia Federal sem ventilação (ar poluído com
aroma de fungos), o quarto é muito frio. Para fazer suas necessidades fisiológicas e sua
higiene pessoal tem que se locomover à distância com muita dificuldade. O banho
também à distância é gelado provocando vasoconstricção em suas artérias. Isto posta
face sua idade avançada de 74 anos está sujeito a contrair uma pneumonia. Devido sua
idade, stress emocional, depressão, poderá ser acometido de ‘acidente vascular cerebral
ou infarto do miocárdio’. O caso necessita de uma solução rápida e urgente para evitar
que tais eventos se realizem”. (STJ, HC 29.642, Relator Ministro Francisco Peçanha
Martins, j. 18/02/2004, DJE 03/05/2004).
48
Em algumas oportunidades, a defesa requereu o reconhecimento de conexão
entre as ações penais julgadas pelo juiz Casem Mazloum e o esquema de venda de
decisões judiciais pelo qual foi condenado, com o intuito de anular as condenações
impostas a Nicolau. De acordo com síntese do caso formulada na decisão do HC 57.789,
Mazloum “presidiu o processo de Nicolau dos Santos Neto [e] foi condenado pelo
envolvimento no esquema de venda de sentenças judiciais, sendo, inclusive, expulso da
Magistratura”. A defesa “infere irregularidade na ação penal em que o paciente foi
condenado, porquanto o corréu Luiz Estevão teria sido beneficiado pelo magistrado
federal”. Em duas oportunidades o STJ afastou a relação entre os processos de Nicolau
e aqueles em que Mazloum era réu. No HC 57.789 se decide que “a conclusão a que
chegaram os impetrantes, quanto ao suposto interesse do juiz federal na condenação do
paciente, deve ser afastada. [...] A sentença que condenou o paciente na ação penal n.
49
214
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
2000.61.81.001198-1 não integrou o corpo de delito da ação penal n. 128 em que era réu
Casem Mazloum, juiz sentenciante naquela primeira ação, não se pode afirmar que houve
interesse na condenação de Nicolau por parte da quadrilha da qual Casem era integrante”.
O mesmo fundamento é mantido no julgamento (HC 49.425. STJ, HC 57.789, Relatora
Ministra Jane Silva, j. 14/10/2008, DJE 28/10/2008; STJ, HC 49.425, Relatora Ministra
Jane Silva, j. 02/10/2008, DJE 20/10/2008).
CHRISTOFOLETTI, Lillian. Justiça amplia pena de Nicolau para 14 anos. Folha
de S. Paulo, São Paulo, 12 de julho de 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.
com.br/fsp/brasil/fc0504200504.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
50
TRF da 3ª Região, Apelação Criminal 1.248, Relatora Des. Fed. Suzana
Camargo, j. 03/05/2006, DJ 25/07/2006. BARBAR, Tathiana. Tribunal condenada
Nicolau a 26,5 anos de prisão. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3 de maio de 2006.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u78174.shtml>. Acesso em:
19 de novembro de 2012.
51
“Art. 669: Só depois de passar em julgado, será exequível a sentença, salvo: I –
quando condenatória, para o efeito de sujeitar o réu a prisão, ainda no caso de crime
afiançável, enquanto não for prestada a fiança; II – quando absolutória, para o fim de
imediata soltura do réu, desde que não proferida em processo por crime a que a lei comine
pena de reclusão, no máximo, por tempo igual ou superior a oito anos.”
52
O Provimento n. 653/99 do Conselho Superior da Magistratura dispôs que “a
guia de recolhimento provisória será expedida quando do recebimento de recurso da
sentença condenatória, desde que o condenado esteja preso em decorrência de prisão
processual, devendo ser remetida ao Juízo de Execução Criminal” (art. 1º). Já o Provimento
n. 15/99 da Corregedoria Geral de Justiça dispôs que “recebido o recurso, será expedida
guia de recolhimento provisória, obedecido o modelo oficial, com cópia das peças do
processo referidas no subitem 32.1, que será remetida ao Juízo competente para a
execução, desde que o condenado esteja preso em decorrência de prisão processual ou
logo depois de noticiada a prisão. Deverá ser anotada na guia de recolhimento expedida
nestas condições a expressão ‘PROVISÓRIA’, em sequência da expressão guia de
recolhimento.” (art. 2º).
53
“Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade,
se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para
a execução.” (Lei n. 7210/84, art. 105).
54
215
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
“Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o
Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, promoverá a
execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades
públicas ou solicitá-la a particulares.” (Lei n. 7210/84, art. 147).
“Art. 164. Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que
valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados,
a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear
bens à penhora.” (Lei n. 7210/84, art. 164).
Sobre as críticas ao processo de execução provisória, ver Tucci (2000); Wunderlich
e Carvalho (2007, p. 447-52).
55
“Art. 27. Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada, será
intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista pelo prazo de quinze dias para apresentar
contra-razões
§ 2º – Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo”. (Lei
n. 8038/90, art. 27).
No mesmo sentido dispõe o Código de Processo Penal:
“Art. 637. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados
pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a
execução da sentença.”
56
57
Habeas Corpus 84.078, Relator Ministro Eros Grau, j. 05/02/2009 e DJ 26/02/2010.
Justiça transfere ex-juiz Nicolau para prisão em regime fechado. Folha de S.
Paulo, São Paulo, 24 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://www1.folha. uol.com.br/
folha/brasil/ult96u88930.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
58
Em reportagem ao jornal Folha de S. Paulo, a defesa do advogado manifestou-se
sobre o tema: “Pense numa pessoa de 78 anos. Agora, imagine-a presa. Assim, é fácil
entender porque a prisão pode implicar uma pena de morte”. “Respeito a decisão judicial,
mas meu cliente está com problemas de locomoção, alimentação e depressão. Espero que
ele tenha saúde para suportar tudo isso”. CHRISTOFOLETTI, Lillian. Defesa usa idade e
estado de saúde para tentar soltar Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 26 de janeiro de
2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u13872.shtml>.
Acesso em: 19 de novembro de 2012.
59
60
216
A partir da edição da Lei n. 12.403/2011, a prisão domiciliar também tornou-se
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
uma modalidade de medida cautelar, aplicável quando o agente for maior de 80 anos,
extremamente debilitado por motivo de doença grave, imprescindível aos cuidados
especiais de pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência ou gestante a partir do
7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. No despacho de 26 de julho de 2011 no
processo de execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181 consta que a defesa de
Nicolau fez pedido de prisão domiciliar com base na lei de 2011, que foi deferida na
ocasião, “haja vista que o requerente possui 83 anos de idade. Vale salientar que a nova
lei é aplicável por se tratar de prisão cautelar, e não cumprimento de pena, pois nenhuma
das condenações transitou em julgado”.
Trecho presente em despacho de 12 de fevereiro de 2007 no processo de execução
provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181, em referência ao julgamento em liminar no HC
2007.03.00.005592-3, Relator des. Federal Baptista Ferreira, j. 29/01/2007. O julgamento
de mérito manteve a prisão domiciliar, sob os mesmos fundamentos da decisão liminar.
(HC 2007.03.00.005592-3, Relatora Des. Federal Suzana Camargo, j. 26/02/2007, DJE
29/05.2007).
61
Ex-juiz Nicolau volta à carceragem da PF em São Paulo. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 30 de julho de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u316231.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
62
TRF da 3ª Região, Habeas Corpus 2007.03.00.084748-7, Relator Des. Baptista
Pereira, j. 29/10/2007).
63
MPF aponta falhas na vigilância da prisão domiciliar do ex-juiz Nicolau. Folha de
S. Paulo, São Paulo, 4 de dezembro de 2007. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/brasil/ult96u351267.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
64
Em resposta ao pedido do MPF, o juiz responsável requereu a expedição de “mandado
de constatação para que os Oficiais de Justiça desta vara, em revezamento, dirijam-se à
residência do apenado onde cumpre prisão domiciliar, em dias e horários diversos, inclusive,
final de semana, a fim de constatar a presença de policial federal no local, colhendo o nome
e n. de matrícula do mesmo. Os Oficiais não deverão avisar com antecedência a visita, nem
marcar dia ou hora para retorno.” (Despacho de 24 de setembro de 2007 no processo de
execução provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181).
Procuradoria faz novo pedido à Justiça para corrigir falhas na custódia do ex-juiz Nicolau.
Folha de S. Paulo, São Paulo, 1º de abril de 2008. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/folha/brasil/ult96u387904.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
65
217
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
Despacho de 4 de abril de 2008 no processo de execução provisória n. 000020292.2007.4.03.6181.
66
Despacho judicial de 19 de junho de 2008 no processo de execução provisória n.
0000202-92.2007.4.03.6181.
67
Despacho judicial de 29 de abril de 2010 no processo de execução provisória n.
0000202-92.2007.4.03.6181.
68
Despacho judicial de 16 de julho de 2012 no processo de execução provisória n.
0000202-92.2007.4.03.6181 indicou que o juízo requereu tornozeleira eletrônica ao exjuiz, “mas como o apenado cumpre pena em regime de prisão domiciliar a Secretaria de
Administração Penitenciária informou não ser possível o fornecimento. O Departamento
de Polícia Federal informou não possuir tais equipamentos”.
CHRISTOFOLETTI, Lillian. Polícia vigiará juiz Nicolau por tornozeleira eletrônica. Folha
de S. Paulo, São Paulo, 30 de dezembro de 2008. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/fsp/brasil/fc3012200809.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
69
Despacho judicial de 20 de fevereiro de 2009 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
70
Despacho judicial de 11 de março de 2011 no processo de execução provisória n.
0000202-92.2007.4.03.6181.
71
Despacho judicial de 16 de julho de 2012 no processo de execução provisória n.
0000202-92.2007.4.03.6181.
72
Decisão judicial de 17 de maio de 2012 no processo de execução provisória n.
0000202-92.2007.4.03.6181. Para o juiz da causa, “o apenado inobservou os deveres
previstos nos incisos II e V, do artigo 39 da LEP, quais sejam: obediência ao servidor e
respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se, bem como execução do trabalho,
das tarefas e das ordens recebidas. Ora, após contatada a existência de monitoração, o
apenado exigiu, pessoalmente, a recolocação do equipamento, desobedecendo e deixando
de cumprir a ordem do agente policial que encontrava-se no local para vigiá-lo”.
No despacho de 16 de julho de 2012, é relatado que a defesa aduziu que “nunca houve mídia
de monitoração, apenas câmera simples, sem áudio ou gravação, e que não poderiam ser
entregues a este Juízo. Alega que a falta grave se deu em razão da não entrega das mídias pela
defesa, e que o réu nunca foi intimado para defender-se ou mesmo para entregar as mídias”.
73
218
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Assim consta na decisão de 26 de março de 2009 no processo de execução
provisória n. 0000202-92.2007.4.03.6181: “com relação ao pedido de progressão ao regime
semi-aberto, mantenho a decisão de fls. 335/339 do apenso II, acrescentando que é
incabível encaminhar o apenado para trabalho externo durante o período diurno, em face
do seu precário estado de saúde, atestado mensalmente por seus médicos (fls. 2635/2638),
estado este que o mantém em prisão domiciliar”.
74
O laudo médico de 28 de maio de 2012 concluiu que “Examinando, do ponto de
vista psiquiátrico, sem alterações significativas. Em relação ao exame psiquiátrico
anterior, houve melhora nos aspectos depressivos, expressa na aparência, postura corporal,
fluência verbal e psicomotricidade. Portanto, dada a atual avaliação, não se justifica a
prisão domiciliar. Há que se considerar o fator idade, pois aos 83 anos, a capacidade de
adaptação está diminuída correndo o risco de reagir com sintomatologia mais grave às
mudanças drásticas”. Nesse sentido, o juiz de execuções criminais decidiu pela
permanência do réu em prisão domiciliar com a fiscalização da Polícia Federal no local.
(Decisão judicial de 31 de agosto de 2012 no processo de execução provisória n. 000020292.2007.4.03.6181).
75
Despacho judicial de 20 de julho de 2012 no processo de execução provisória n.
0000202-92.2007.4.03.6181.
76
LEITÃO, Matheus. Procuradoria tenta execução definitiva de pena do ex-juiz
Nicolau. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19 de março de 2013. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/1249080-procuradoria-tenta-execucao-definitivade-pena-do-ex-juiz-nicolau.shtml>. Acesso em: 2 de abril de 2013.
77
PORTAL MPF. Procuradores alertam que todos os crimes de Nicolau podem
prescrever até maio de 2014. MPF, 22 de março de 2013. Disponível em: <http://noticias.pgr.
mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_criminal/procuradores-alertam-que-todos-oscrimes-do-ex-juiz-nicolau-podem-prescrever-ate-maio-do-ano-que-vem>. Acesso em: 4 de
abril de 2013.
78
79
Sobre a decisão do juiz da 1ª Vara Criminal, ver nota 60.
A decisão pela revogação da prisão domiciliar de Nicolau baseou-se em três
fundamentos, (i) a incompetência do Juízo das Execuções Criminais para converter a
prisão cautelar em prisão domiciliar, (ii) favorável estado de saúde atual do sentenciado,
conforme laudo médico pericial recentemente realizado e (iii) falta grave cometida pelo
80
219
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
sentenciado, em total descumprimento aos princípios vigentes na Lei de Execução Penal.
O Tribunal entendeu que a prisão domiciliar, tal como prevista pela Lei n. 12.403/2011,
é instituto de natureza processual e não de execução criminal. Assim, sem o trânsito em
julgado das condenações, “eventuais alterações em sede de medidas cautelares são da
competência do juízo natural do feito principal”. Quanto ao estado de saúde de Nicolau,
decidiu-se que “havendo conclusão médica oficial dando conta de ser desnecessária a
custódia domiciliar do recorrido, entendo que, alterado o quadro fático anterior que
possibilitou referida benesse ao sentenciado, não subsiste mais qualquer razão para ser
mantida, devendo o acusado retornar ao cárcere, ainda que submetido a cuidados especiais
em razão de sua idade avançada”. Por fim, quanto ao reconhecimento de falta grave, foi
mantida a decisão do juiz de primeiro grau, pois “restou comprovado que o apenado
monitorou, de forma clandestina e com finalidade injustificada, por período de tempo
indeterminado, a atividade dos agentes policiais responsáveis pela fiscalização de sua
prisão domiciliar, possivelmente com a gravação das conversas entre eles travada”. (TRF
da 3ª Região, Agravo em execução penal n. 0010249-86.2011.4.03.6181, Relator
Desembargador Luiz Stefanini, j. 18/03/2013).
O pedido da defesa para progressão de regime baseia-se na Súmula 716 do STF, que
admite a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime
menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
81
STJ, Habeas Corpus 267.160, Relator Ministro Og Fernandes, pedido liminar j.
27/03/2013.
82
STJ, Habeas Corpus 267.160, Relator Ministro Og Fernandes, pedido de
reconsideração j. 02/04/2013.
83
Despacho judicial de 25 de março de 2013 no processo de execução provisória n.
0000202-92.2007.4.03.6181.
84
A comunicação ao Tribunal de origem sobre a imediata execução ao julgado,
independentemente da publicação do acórdão e da eventual interposição de outro recurso,
foi indicada no julgamento dos Embargos de Declaração no Agravo Regimental em agravo
de instrumento no Recurso Especial 1078842/PE, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior,
Sexta Turma, j. 22/11/2011, DJ 19/12/2011 . A decisão foi mantida no julgamento de novos
embargos de declaração, de Relatoria da Desembargadora convocada Alderita Ramos de
Oliveira, j. 15/05/2012.
85
220
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
86
Autos n. 1050211, 1ª Vara de Execuções Criminal de Taubaté.
87
Decreto n. 7.873, assinado em 26 de dezembro de 2012, por Dilma Rousseff.
221
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
referênCIAs
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AGêNCIA FOLHA. PF está sob pressão por causa de juiz Nicolau, diz
superintendente. Folha de S. Paulo. São Paulo, 26 de julho de 2000. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u3433.shtml>. Acesso em:
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BARBAR, Tathiana. Tribunal condenada Nicolau a 26,5 anos de prisão. Folha de S.
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DECISÃO de 26 de março de 2009 no processo de execução provisória n. 000020292.2007.4.03.6181
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[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
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DECISÃO judicial de 17 de maio de 2012 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
DECISÃO judicial de 31 de agosto de 2012 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
DESPACHO de 24 de setembro de 2007 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
DESPACHO de 4 de abril de 2008 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
DESPACHO judicial de 11 de março de 2011 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
DESPACHO judicial de 16 de julho de 2012 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
DESPACHO judicial de 19 de junho de 2008 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
DESPACHO judicial de 20 de fevereiro de 2009 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
DESPACHO judicial de 20 de julho de 2012 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
DESPACHO judicial de 25 de março de 2013 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
DESPACHO judicial de 29 de abril de 2010 no processo de execução provisória
n. 0000202-92.2007.4.03.6181.
FOLHA DE S. PAULO. CNBB defende que Nicolau fique preso. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 15 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/fsp/brasil/fc1512200021.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
______. Ministro José Gregori critica existência de celas especiais. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 6 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/folha/brasil/ult96u13346.shtml>.
______. Nicolau pode ser transferido hoje; Estado deve escolher local de prisão. Folha
de S. Paulo. São Paulo, 2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http:// www1.folha.uol.
com.br/folha/brasil/ult96u13144.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
______. PF centra buscas a Nicolau no interior de SP. Folha de S. Paulo. São Paulo,
5 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
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______. Polícia Federal completa hoje 3 meses sem achar juiz Nicolau dos
Santos. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 de julho de 2000. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de
novembro de 2012.
223
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
:
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______. Prisão é destaque no website da BBC. Folha de S. Paulo. São Paulo, 12
de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
______. Secretário critica transferência de Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 5
de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u13297.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
______. Só, ex-juiz come lentilhas no réveillon. Folha de S. Paulo. São Paulo,
2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u3360.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
FOLHA NEWS. Busca ao juiz Nicolau completa três meses amanhã. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 24 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
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de São Paulo, São Paulo, 24 de janeiro de 2007. Disponível em:
224
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
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<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u88930.shtml>. Acesso em: 19 de
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______. MPF aponta falhas na vigilância da prisão domiciliar do ex-juiz Nicolau.
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<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u351267.shtml>. Acesso em:
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______. Nicolau recusa estrogonofe da PF e prato vai para mendigos. Folha de S.
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______. Nicolau recusa o almoço da Polícia Federal. Folha de S. Paulo. São Paulo,
9 de dezembro de 2000. Disponível em: <.http://www1.folha.uol.com.br/folha/
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______. Presidente do STJ define na quinta habeas corpus de Nicolau. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 3 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/brasil/ult96u13221.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
______. Procuradoria faz novo pedido à Justiça para corrigir falhas na custódia do
ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 1º de abril de 2008. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u387904.shtml>. Acesso em: 19 de
novembro de 2012.
______. Saiba como foi a rendição do ex-juiz Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 08
de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
ult96u12196.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
______. STJ concede habeas corpus e Nicolau volta para casa. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 17 de julho de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/brasil/ult96u22432.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
FRANÇA, William. Não pode haver acordo para prisão de Nicolau, diz FHC.
Folha de S. Paulo. São Paulo, 18 de novembro de 2000. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1811200003.htm>. Acesso em: 19
de novembro de 2012.
FREIRE, Sílvia. Nicolau chora ao receber notícia da prisão domiciliar. Folha de S.
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______. Secretário não revela para onde Nicolau será transferido. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 2 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/brasil/ult96u13159.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
225
[sumário]
5. A gestão dA PrIsão de nIColAu dos sAntos neto
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GASPAR, Malu. Foto dificulta acordo com Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 2
de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/
fc0212200009.htm>. Acesso em 19 de novembro de 2012.
HABEAS CORPUS 84.078, Relator Ministro Eros Grau, j. 05/02/2009 e DJ
26/02/2010.
HC 14270, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, j. 12/12/2000, DJU
19/03/2001.
HC 2007.03.00.005592-3, Relatora Des. Federal Suzana Camargo, j. 26.02.2007,
DJE 29.05.2007.
HC 49.425. STJ, HC 57.789, Relatora Ministra Jane Silva, j. 14.10.2008,
DJE 28.10.2008; STJ, HC 49.425, Relatora Ministra Jane Silva, j. 02.10.2008,
DJE 20.10.2008.
LEITÃO, Matheus. Procuradoria tenta execução definitiva de pena do ex-juiz
Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 19 de março de 2013. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/poder/1249080-procuradoria-tenta-execucaodefinitiva-de-pena-do-ex-juiz-nicolau.shtml>. Acesso em: 2 de abril de 2013.
LIMA, Raquel. Gregori confirma negociar apresentação de Nicolau. Folha de S.
Paulo. São Paulo, 18 de novembro de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.
com.br/fsp/brasil/fc1811200002.htm>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
PORTAL MPF. Procuradores alertam que todos os crimes de Nicolau podem prescrever
até maio de 2014. MPF, 22 de março de 2013. Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.
gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_criminal/procuradores-alertam-que-todosos-crimes-do-ex-juiz-nicolau-podem-prescrever-ate-maio-do-ano-que-vem>. Acesso
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ROVAI, Giuliana. PF já está na casa de Nicolau. Folha de S. Paulo. São Paulo, 16 de
julho de 2001 . Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
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SILVEIRA, Wilson. É impossível prever prisão de Nicolau, diz PF. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 28 de julho de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
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SILVEIRA, Wilson. Ministro descarta recompensa por Nicolau. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 18 de agosto de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
brasil/ult96u4714.shtml>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
STJ, Habeas Corpus 267.160, Relator Ministro Og Fernandes, pedido liminar
j. 27.03.2013.
STJ, Habeas Corpus 267.160, Relator Ministro Og Fernandes, pedido de
reconsideração j. 02.04.2013.
STJ, HC 15.648, Sexta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, j. 04.01.2001,
226
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
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DJU 01.02.2001.
STJ, HC 19.315, Relator Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, j. 20.11.2001, DJ
22.02.2002.
STJ, HC 29.642, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, j. 18.02.2004, DJE
03.05.2004.
STJ, liminar HC 17.804, Relator Ministro Nilson Naves, j. 16.07.2001, DJ
29.08.2001).
TRF da 3ª Região, Agravo em execução penal 0010249-86.2011.4.03.6181, Relator
Des. Luiz Stefanini, j. 18.03.2013.
TRF da 3ª Região, Apelação Criminal 1248, Relatora Des. Fed. Suzana Camargo,
j. 03.05.2006, DJ 25.07.2006.
TRF da 3ª Região, Habeas Corpus 2007.03.00.084748-7, Relator Des. Baptista
Pereira, j. 29/10/2007.
TRF da 3ª Região, HC 10855, Relatora Des. Fed. Suzana Camargo, Quinta Turma,
j. 24.01.2001, DJ 06.02.2001.
TRF da 3ª Região, liminar em MS n. 222.805, Relator Des. Fed. Theotonio Costa,
j. 16.07.2001.
TUCCI, Rogério Lauria. Inconstitucionalidade do Provimento n. 653/99 do Conselho
Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça. Boletim IBCCRIM, n. 86, São
Paulo, janeiro/2000.
VEJA (revista). Rede de Escândalos – Banco Marka/FonteCindam. Veja. Disponível
em: <http://veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/includes/caso-markafontecidam-box1.html>. Acesso em: 19 de novembro de 2012.
WUNDERLICH, Alexandre; CARVALHO, Salo de (org.). Crítica à Execução Penal.
Crítica à execução antecipada da Pena. A Revisão da Súmula 267 pelo STJ. 2. ed.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 447-452.
227
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
6.
o CAso trt nA mídIA:
SISTEMA DE DIREITO CRIMINAL E OPINIãO PúBLICA1
José Roberto Franco Xavier
Introdução
O nosso propósito neste capítulo é discutir, de forma resumida, os efeitos
de uma forte midiatização em um caso penal. Tomamos aqui o caso do
ex-juiz Nicolau dos Santos Neto como ponto de partida, ou melhor, apenas como pretexto para trazer uma breve reflexão sobre a suscetibilidade
do sistema de direito criminal2 ao circo midiático que se forma a respeito
de certos casos criminais.
O nosso propósito aqui não é, portanto, nos aprofundarmos no “caso
Nicolau”. Não temos o intuito de nos determos na análise do desenrolar
do processo, tampouco pretendemos tratar das inúmeras manifestações
midiáticas sobre o caso. Para nossos propósitos, apenas interessa-nos o
caso de Nicolau dos Santos Neto como pretexto para uma reflexão sobre
o comportamento do sistema de direito criminal perante um evento criminal bastante midiatizado. A análise que faremos com base no caso é apenas
uma parte (contida no item 6.3) pequena da breve reflexão aqui desenvolvida sobre o impacto de fatores externos (mídia e opinião pública3, particularmente) na tomada de decisão de juízes criminais.
No processo de elaboração deste curto capítulo, começamos os trabalhos
folheando as reportagens do jornal Folha de S. Paulo que incluíam o nome
do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. Sabendo da repercussão que o caso
teve na mídia desde o fim dos anos 1990, queríamos saber mais sobre a
construção do personagem Nicolau neste jornal. Para nossa surpresa, o
escárnio público em torno do nome desse personagem não transparece pela
leitura das matérias do periódico. As reportagens sóbrias da Folha de S.
Paulo dão conta sobretudo das suspeitas de desvio de verbas na construção
da nova sede do TRT (reportagens do final dos anos 1990) e, mais à frente,
da “fuga” do juiz. No entanto, sabemos bem que o tom deste jornal não era
uma unanimidade, e o achincalhe público do ex-juiz-réu era moeda corrente
229
[sumário]
6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA
(fato cuja relevância é mencionada nos processos criminais do juiz – ver
item 6.3). Só para ficar em um exemplo, a revista Veja (que não consultamos de forma sistemática), em sua primeira reportagem sobre o ex-juiz,
traz um título bastante sugestivo: “Dom Nicolau, lau, lau, lau, lau”. O
“Dom”, já sugerindo um tom mafioso para o personagem, e a repetição da
sílaba final para reforçar um nome “que será difícil de esquecer”.
Todavia, ao final da leitura de várias das reportagens da Folha de S.
Paulo onde aparecia o nome do juiz Nicolau, o que acabou chamando
nossa atenção foi um texto em que esse personagem é apenas mencionado
como exemplo um tanto longínquo. Já distanciado da celeuma da época
em que o acontecimento aparecia na mídia, em 2012 o caso Nicolau vira
apenas mais um exemplo de evento midiático passado. E é nesse contexto
que o caso é citado en passant em uma reportagem sobre casos midiáticos
e o seu impacto na justiça criminal. É essa a ideia relevante para o nosso
argumento aqui. Trata-se da noção de que uma forte midiatização dos processos criminais contribui sobremaneira para se determinar tanto a condenação do réu quanto para se estabelecer penas mais severas do que
normalmente seriam dadas. Vejamos o que diz a breve reportagem de
Eduardo Geraque, na Folha de S. Paulo de 8 de junho de 2012, que utilizaremos como pretexto para desenvolver nosso argumento:
Clamor popular impede júri técnico, dizem especialistas
O clamor popular em torno de alguns crimes, como a morte e o esquartejamento do executivo Marcos Kitano Matsunaga, 42, impede um julgamento técnico para esses atos, afirmam especialistas.
“Em casos assim, aquilo que talvez fosse juridicamente menos importante,
passa a ser essencial para a sociedade”, diz Roberto Podval, criminalista
acostumando a participar de júris midiáticos.
Ele atuou, por exemplo, no julgamento do caso Isabella, na defesa de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta da menina. Os
dois foram condenados a mais de 30 anos de prisão.
No caso de Elize Matsunaga, que confessou ter matado o marido, diretor
do grupo Yoki, com um tiro, sua sentença também deve ser definida por
um júri popular.
230
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
“A autoria do crime está definida. O Júri vai discutir a motivação”,
afirma Podval.
O criminalista compara o assassinato do executivo da Yoki ao caso do exmédico Farah Jorge Farah, que é seu cliente. Em 2003, ele matou e esquartejou uma paciente dele, Maria do Carmo Alves.
Julgado em 2007, Farah recebeu pena de 13 anos, mas não foi preso.
Ele aguarda a apelação de seu advogado em liberdade, após obter um
habeas corpus no STF. Podval, perante os jurados, defendeu a tese da
legítima defesa.
Como o esquartejamento é “estarrecedor”, nas palavras do advogado Alberto
Toron, o réu, nessas situações, entra quase condenado no júri. Ele atuou
como assistente de acusação a Suzane von Richthofen e defendeu o ex-juiz
Nicolau dos Santos Neto.
De acordo com o criminalista, “o clamor popular” inflado pela mídia, cria
um rolo compressor, que pode influenciar para os dois lados. [...]
Embora o artigo não seja muito preciso, a ideia geral nos parece bastante clara. Em casos de forte “clamor público”, fica difícil resistir ao “rolo
compressor midiático” na hora de condenar e de determinar uma pena. O júri
agiria sob forte influência de uma pré-construção midiática do caso, dificultando a análise de argumentos técnicos que se oporiam a essa pré-construção.
Em outras palavras, um elemento externo ao processo teria um papel determinante no desfecho do julgamento. A cobertura midiática de um crime,
quase que invariavelmente no sentido de maior punição, impediria uma
análise isenta, tanto por parte do júri quanto por parte do juiz.
Essa representação da justiça criminal, bastante generalizada na sociedade, é o nosso ponto de partida aqui. Tentemos expandir um pouco a ideia
desse extrato para fazer o nosso argumento, ou seja, se a reportagem sustenta
que a justiça criminal pode ser influenciada pela pressão midiática em processos em que há a participação do júri. Será que podemos dizer também
que os juízes criminais são passíveis de se sentirem pressionados pela mídia,
a ponto de suas decisões serem modificadas? O artigo da Folha dá conta de
uma representação social da justiça criminal, em casos julgados pelo júri,
fortemente influenciada pela repercussão midiática do crime. De nossa
231
[sumário]
6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA
parte, ampliamos esse cenário para tratar de uma representação social da
justiça criminal, no que concerne à atividade dos juízes, suscetível também
de ser influenciada pelo circo midiático de certos crimes. A ideia sobre a
qual nos debruçaremos aqui, e que é bastante difundida, é essa que representa a justiça criminal – pensando especificamente em juízes (e menos em
membros do MP ou na polícia) – como vulnerável em casos de grande notoriedade: suas decisões seguirão as manifestações da mídia e a pressão da
opinião pública. Em outras palavras, queremos trabalhar com a noção segundo a qual uma forte pressão popular e midiática tem impacto sobre as decisões do sistema de direito criminal. Será mesmo fundada essa noção (de
senso comum) que pretenderia que o clamor popular em crimes de grande
repercussão influenciaria as decisões criminais? Será que os juízes se veem
encurralados pela pressão midiática a ponto de modificar o andamento do
processo ou mesmo a pena do acusado?
Estas questões não têm uma resposta simples e necessitam ser melhor
analisadas. Nas páginas seguintes, trataremos de nuançar o problema e de
trazer elementos, retirados do material empírico de nossa tese de doutorado,4
que possam mostrar como as decisões na justiça criminal sentem os efeitos
da pressão midiática e da opinião pública, mas que nem por isso se deixam
determinar por essas pressões.
6.1 |
umA
ConsIderAção PrelImInAr:
A DIFICULDADE DE MANIPULAR UM SISTEMA COMPLExO
Quando pensamos na influência que a opinião pública ou a mídia possam
eventualmente exercer nas decisões tomadas no âmbito do sistema de direito criminal, geralmente estamos fazendo uma representação que simplifica
significativamente a questão. O que ocorre no mais das vezes é que observamos a exploração midiática dos crimes, sobretudo em casos de grande
repercussão, e temos dificuldade em ver como um juiz poderia não se deixar impactar por aquela construção da mídia. Com muita frequência, antes
mesmo do início do processo o acusado é retratado de tal maneira que fica
difícil concebermos a total imparcialidade do sistema de direito criminal
tanto no andamento do processo quanto no seu desfecho (com uma decisão
sobre a condenação e a eventual pena).
232
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
No caso do juiz Nicolau, por não se tratar de um delito violento, não há
a construção de um personagem perigoso, como acontece com frequência
– mas nem por isso o enredo deixa de se revelar bastante atraente para a
exploração midiática. Um personagem incomum no banco dos réus (rico,
influente e juiz), implicado em um enredo de um gigantesco desvio de verba
pública. Em um país cuja onipresente corrupção é recorrente tema de indignação coletiva (por mais que os cidadãos indignados sejam frequentes protagonistas de pequenas corrupções cotidianas), pegar um suposto corrupto
desse porte “com a mão na massa” é certamente um prato cheio para a
exploração da mídia. A grande desigualdade social e os problemas crônicos
no trato íntegro da coisa pública são um perfeito pano de fundo para a construção de um personagem inescrupuloso, que com seus atos causou grande
prejuízo para a sociedade e que, portanto, merece a execração pública.
Em face de um tal cenário, com uma midiatização massiva do suposto
evento criminal, como poderia o sistema de direito criminal não conceber
de antemão um réu culpado e merecedor de uma pena tão severa quanto possível? Não haveria aqui uma inevitável vulnerabilidade da justiça criminal,
sendo o fato de levar em conta a pressão da mídia e do público uma inelutável consequência de uma pressão irresistível?
Podemos dizer, tendo em conta uma análise que desenvolvemos em
outro trabalho (XAVIER, 2012), que se por um lado a pressão midiática
gera efeitos no processo, por outro é certo que a mídia e a opinião pública
não são capazes de determinar uma decisão de um magistrado criminal.
Em outras palavras, não podemos dizer que uma pressão específica da
mídia e da opinião pública não tenha efeitos para o sistema de direito criminal (voltaremos à questão um pouco mais adiante), mas podemos, sim,
afirmar que a mídia e a opinião pública não são capazes de determinar especificamente uma decisão jurídica nos termos exatos pretendidos.5
Para que o leitor possa compreender de onde vem essa afirmação, fazse necessário um rápido esclarecimento sobre a dificuldade em se determinar o comportamento de sistemas complexos e autônomos.6 Digamos,
de início, que as explicações do tipo “causa-efeito” são amplamente insuficientes para dar conta da complexidade de certos sistemas sociais, como
é o caso do sistema de direito criminal. Em outras palavras, querer explicar
233
[sumário]
6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA
uma decisão judicial (uma decisão, portanto, de um sistema complexo e
autônomo) pelas pressões (externas ao sistema) é promover um enorme
exercício de simplificação, desprezando o funcionamento do sistema e o
conjunto de suas variáveis internas. Se dissermos que um juiz qualquer
condenou um réu ou aumentou uma pena em virtude do clamor da opinião
pública, estamos nos colocando em uma posição bastante delicada. A
menos que, em um cenário bastante improvável, o magistrado declare na
sentença tê-lo feito (a despeito das limitações jurídicas que um tal procedimento comporta e da forte probabilidade de ver sua decisão modificada
por um tribunal), é extremamente difícil estabelecer essa relação. E mesmo
quando é possível estabelecer algum nexo entre a pressão de fora e a decisão interna ao sistema, há uma gama tão extensa de variáveis que entram
nessa equação que a palavra causalidade torna-se absolutamente inútil em
termos explicativos.
Vamos tentar ser um pouco mais claros. Para se entender o impacto da
midiatização nas decisões judiciais, é preciso abandonar essa explicação
que pretende que uma pressão no sentido x, y ou z vai implicar uma decisão
x, y ou z pelo sistema de direito criminal. Tal explicação falha por não levar
em conta a enorme complexidade desse sistema, com todas as variáveis
(elementos do caso, normas jurídicas, jurisprudência, reflexões jurídicas e
representações sociais dos atores que atuam no caso etc.) que possam exercer um papel na decisão judicial. Devemos, então, lançar mão de outro tipo
de relação para nos ajudar a entender a ligação entre a mídia e a opinião
pública, de um lado, e a justiça criminal, de outro. O modelo que nos parece
adequado aqui é o “estímulo-reação”. Vejamos como Bateson o distingue
do modelo “causa-efeito”:
When one billiard ball strikes another, the motion of the second is
energized by the impact of the first, and such transferences of energy
are the central subject matter of dynamics. We, however, are not
concerned with event sequences which have this characteristic. If I
kick a stone, the movement of the stone is energized by the act, but if
I kick a dog, the behavior of the dog may indeed be partly conservative
— he may travel along a Newtonian trajectory if kicked hard enough,
234
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
but this is mere physics. What is important is that he may exhibit
responses which are energized not by the kick but by his metabolism;
he may turn and bite (BATESON, 1972, p. 171).
Este trecho de Bateson é bastante esclarecedor para nos darmos conta
da simplificação que promovemos quando pretendemos sustentar que
uma pressão externa ao sistema de direito é capaz de determinar uma resposta precisa. Eis, então, a dificuldade: em muitos problemas sociológicos
não podemos pensar em termos de reações mecânicas, pois as consequências não podem ser explicadas pela causa. No exemplo de Bateson, como
podemos explicar a reação do cachorro? Tendo em conta o chute sofrido
ou o conjunto de mecanismos físicos e “psíquicos” ativados após a agressão? Certamente o chute pode ser associado à existência de um efeito, mas
ele não explica (e nem permite prever) qual efeito aparecerá. Podemos prever que algo acontecerá depois do chute (uma mordida, um latido, uma
fuga etc.), mas não exatamente o quê. Em outras palavras, qualquer que
seja o efeito, só podemos compreendê-lo a partir dos processos internos
(fisiológicos e cognitivos) do cachorro.
Da mesma forma, a superexposição de um caso criminal na mídia e a
pressão que esta exerce sobre o sistema de direito criminal não pode ser
uma explicação para as decisões dos magistrados. O sistema é demasiado
complexo para que uma reação possa ser explicada simplesmente pela pressão externa. Há todo um circuito interno no sistema, todo um conjunto de
comunicações (manifestação das partes, elementos do processo, normas
jurídicas, jurisprudência etc.) que tem de ser levado em conta para se explicar uma decisão jurídica. A pressão da mídia e da opinião pública em um
caso criminal pode encontrar no sistema tanto um magistrado mais suscetível ao clamor público quanto um que lhe seja absolutamente refratário
no momento de decidir. Essa mesma pressão pode ou não causar açodamentos no processo, o que pode, mais adiante, levar a nulidades que se
mostram contrárias a uma pressão por (no mais das vezes) punição severa
e rápida. Em resumo, pretender uma relação de influência causal direta
entre pressões externas e decisões no âmbito do penal é simplificar e distorcer a complexidade do problema.
235
[sumário]
6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA
Além dessa dificuldade de explicar o que se passa dentro do sistema
de direito criminal pelas pressões que lhe são externas, há também uma
reflexão interna (dos magistrados) que cria grandes obstáculos para a
aceitação do clamor popular nas decisões jurídicas. É sobre essas reflexões que nos debruçaremos a seguir.
6.2 |
A
resIstênCIA do sIstemA de
dIreIto CrImInAl à Pressão externA
Feita essa ressalva teórico-metodológica preliminar, gostaríamos agora de
mostrar, a partir de dados empíricos, como a pressão da mídia e da opinião
pública encontra resistências na tomada de decisão de juízes. Vamos mostrar rapidamente, a partir de relatos desses operadores jurídicos, que em
diferentes momentos de um caso penal a pressão da opinião pública se faz
sentir, mas nem por isso as decisões vão no sentido desejado pelo clamor
midiático. Os extratos a seguir são retirados de nossa tese de doutorado,7
em que buscávamos compreender as relações entre a opinião pública e o
sistema de direito criminal. Para tanto, formamos um banco com 42 entrevistas semiestruturadas com juízes e membros do MP (tanto federais como
estaduais, de primeira e também de segunda instância) de vários estados
no Brasil. As respostas subsequentes, com os dados anonimizados, provêm
então desse banco de dados.
Vejamos, por exemplo, o extrato de um juiz criminal que comenta a sua
atitude quando recebe um processo criminal de um réu bastante retratado
na mídia por seu status e por sua frequência em casos criminais:
Esse negócio de maus antecedentes é até um caso interessante. Eu
peguei um processo de um sujeito muito conhecido por frequentar
páginas policiais e do qual todo mundo tem uma opinião formada a
favor ou contra [...] Uma pessoa bastante conhecida por processo
criminal. E quando eu peguei eu falei “nossa, mas esse safado ‘tá’
também agora cometendo crime contra o sistema financeiro, como
é que ele conseguiu? Onde que ele arranjou espaço pra isso?” [Mas]
no fim acabei absolvendo o sujeito porque eu falei “não, isso aqui
não faz sentido, ele só teria prejuízo se praticasse o crime na forma
236
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
que ‘tá’ na denúncia e tudo”. Eu fui com uma cabeça de achar que
o sujeito era realmente [...] um crápula, um não sei o quê, e acabei
falando “não, nesse caso especificamente eu acho que não é caso,
realmente não teve uma conduta inadequada”, e assim por diante.
E acabei absolvendo. [...] Muitas vezes analisando o processo
friamente assim com a porta fechada muda a opinião e não acho que
essa questão de opinião pública seja tão relevante.” (Juiz 4).
Esse tipo de reação entre os nossos entrevistados foi bastante frequente.
Trata-se mesmo de um lugar comum para um grande número de operadores do direito. A pressão da mídia e da opinião pública criam de fato prénoções e pré-julgamentos, mas o treinamento jurídico para se fazer uma
análise “fria” do processo permite um razoável distanciamento do ruído
externo. Em face de informações processuais que contradizem a imagem
midiática, o magistrado tem um elemento bastante sólido onde ancorar
sua decisão, o que permite que ele se proteja de uma eventual repercussão
negativa da mídia.
A recusa desses estímulos externos ao processo, da mídia e da opinião
pública se dá em grande parte por uma representação generalizada dos
operadores jurídicos, do público como uma categoria ao mesmo tempo
bastante ignorante em matéria de direito e demasiadamente punitiva. Essa
representação aparece claramente em uma passagem da entrevista com o
Juiz 5:
Eu não acho que eu, como juiz, tenho que estar preocupado com o
que a maioria do povo pensa. [Se for pelo que a] maioria do povo
pensa, todo mundo vai querer prisão perpétua ou coisa que o valha,
endurecimento das penas etc. e tal. Mas eu acho importante que o
público saiba como funciona, mas eu não acho que eu tenho que me
guiar num processo ou noutro em razão disso (Juiz 5).
O Juiz 14 também partilha dessa visão de um público punitivo. No extrato a seguir, ele defende a ideia de que as dificuldades cotidianas da vida e
a desigualdade social são elementos que acarretam uma punitividade no
237
[sumário]
6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA
público que é nociva para o sistema de direito criminal. A pena criminal, no
seu modo de ver, funciona como a vingança das injustiças cotidianas. Vejamos o seu argumento:
A sociedade brasileira de uma maneira geral tem um sentimento,
uma necessidade, de ver as pessoas presas. Ela tem um sentimento
de vingança muito grande. [...] O que eu sinto [...] é o desejo de
vingança que a sociedade tem. Vingança pela miséria, pela
dificuldade, por tudo, pela sua vida. E a sociedade vê em qualquer
pessoa que tenha relevo, que tenha um nome... uma autoridade no
Brasil é sinônimo de... se for indiciado, por exemplo, um deputado
todo mundo vai querer que ele vá preso. Se for suspeito de algum
crime um juiz, aí a população quer que vá preso, nesses casos. E
no outro caso, que é o caso do crime violento, o crime estarrecedor,
o crime que choca muito, as pessoas querem ver essa pessoa punida,
morta, presa, seja lá o que for. Então esse clamor público é muito
leigo e parte muito do sentimento, na minha opinião, de vingança da
sociedade. Vingança pela vida que tem, pela impunidade que grassa
no país, o sentido de impunidade, o sentimento de impunidade que
a população sente, a população tem. Então quando acontece alguma
coisa que chama a atenção todo mundo quer se vingar, quer que
prenda. E é a lei, esse sentimento é um sentimento que na minha
opinião não deve ser levado em consideração, a população é leiga,
é bem desproporcional. [...] Se fosse deixar para a opinião pública
decidir não cabia gente nas cadeias [...] nunca saía preso das
penitenciárias. O clamor público pra mim funciona negativamente
na justiça brasileira (Juiz 14).
Vemos claramente, portanto, que o Juiz 14 representa o clamor público
como um elemento problemático do qual a justiça criminal deve manter
distância. Trata-se de um elemento carregado de uma carga emotiva, que
quer a punição criminal como compensação pelas dificuldades cotidianas
na vida. O juiz vê tanto o réu de status social elevado quanto o de crimes
violentos como dois bodes expiatórios preferenciais para satisfazer o desejo
238
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
de vingança do público. Dessa forma, nessa representação do público, cabe
à justiça criminal manter distância e se fechar ao apelo punitivo do público,
que é bastante nocivo para o bom andamento de um processo penal.
Tendo em vista o grau de irracionalidade do público e da mídia (tal como
representados pelos magistrados), uma solução para se proteger dessa pressão punitiva é valorizar os próprios elementos do ordenamento jurídico. No
extrato a seguir, o Juiz 6 argumenta que, em face da instabilidade da opinião
pública, a Constituição tem de ser o parâmetro para as decisões jurídicas.
Vejamos como ele expõe a questão:
Eu acho que nós temos a Constituição, que ela é o parâmetro que
deve ser seguido. É lógico que a interpretação vai variando com
o tempo, mas é uma coisa muito mais sólida do que a fluidez da
opinião pública, do que se pensa sobre determinadas coisas. Então
eu acho que a opinião pública ela é difusa, fluida, ela não... ela muda
e as pessoas esquecem os momentos, é muito fácil você distorcer
fatos que são evidentes. [...] Se o juiz for levar em conta isso e não
outros elementos eu acho que ele vai acabar se perdendo (Juiz 6).
Vemos, portanto, como a opinião pública é frequentemente considerada
problemática e rejeitada quando se trata de tomar decisões no sistema de
direito criminal. Tendo em vista a complexidade das tomadas de decisão no
interior do sistema, em que se levam em conta os detalhes do caso (tal como
descritos no processo), o ordenamento jurídico e a jurisprudência, em casos
análogos há outros pontos de sustentação da decisão que não passam por
considerações externas ao sistema jurídico.
Tendo em vista essa recorrente rejeição da opinião pública nas decisões jurídicas, em determinado momento começamos a nos questionar
sobre a representação dos magistrados acerca da ideia de democracia no
âmbito da justiça criminal. Tendo em vista que uma representação bastante difusa na sociedade de um poder democrático está associada à legitimidade do poder como resposta à opinião pública,8 começamos a nos
questionar se os magistrados se sentiam sensibilizados com uma eventual
crítica que sustentasse que eles faziam parte de um poder antidemocrático
239
[sumário]
6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA
por ignorar o clamor público. Para vários deles, a questão da democracia,
no sentido de participação popular (levando em conta uma representação
de senso comum), é bastante problemática e não pode ser tomada no
mesmo sentido que tem para o sistema político. Em outras palavras, uma
representação de democracia que funciona para o sistema político, em que
a participação do público é fundamental – do ponto de vista da legitimidade –, não funciona no caso do sistema jurídico. Vejamos como dois de
nossos entrevistados elaboram sobre o tema:
[...] o Executivo e o Legislativo, pela sua própria estruturação, são
poderes democráticos. Então eles devem uma prestação de contas à
sociedade muito maior porque senão o governante ou o parlamentar
não vai se reeleger [...]. O Judiciário já foi pensado para que não fosse
assim; ele é um poder que não é democrático e eu acredito que ele não
deveria ter a pretensão de ser democrático. Esse negócio de eleger juiz
que nem nos Estados Unidos não faz muito meu gênero, justamente
pra tentar evitar um pouco que ele tenha de dar uma satisfação direta
para a opinião pública. Não digo para a sociedade, mas para a opinião
pública. E obviamente o judiciário é estruturado de forma que, na
cúpula, tenha uma certa influência política um pouco maior, possa
responder a esses anseios, uniformizar o entendimento daquilo que
poderia ser um bando de malucos aí embaixo cada um fazendo uma
coisa. Mas eu acho que ele não é [democrático] e isso é correto. Não
deve ser um poder democrático do ponto de vista de se submeter, ainda
que periodicamente, a uma chancela da opinião pública (Juiz 4).
Nesse extrato vemos claramente como o juiz afasta a questão da democracia do sistema jurídico. O atendimento ao clamor popular é uma preocupação do legislativo e do executivo que passa a quilômetros de distância
das operações do sistema jurídico. Há, difundida entre uma boa parte dos
atores do sistema, uma representação, segundo a qual essa visão (bastante
presente para o senso comum) de democracia popular, de resposta às pressões externas ao sistema é no fundo conflitante com uma outra concepção
de justiça democrática calcada na independência do juiz criminal.
240
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
O Juiz 14, que citamos na sequência, nos permite melhor entrever uma
concepção de justiça democrática razoavelmente difusa entre os magistrados. Ele se manifesta sobre a questão defendendo uma representação de
democracia que faz bem o papel de proteger o sistema de direito criminal
das pressões da mídia e da opinião pública. Vejamos o que ele diz:
Reformulando a pergunta, a gente não pode acusar a justiça penal
de ser antidemocrática se ela se recusa a ouvir o clamor que vem de
fora? Como o senhor vê essa questão?
Não, não acho que é antidemocrática, não. Como eu lhe disse,
o clamor público é demonstrado pela imprensa de acordo com o
que a imprensa quer e não com o que a população quer, são coisas
diferentes. Mas mesmo que fosse a população que queira aquilo ali
[...], aí não é uma questão de democracia... [Afinal], a questão de
democracia também [...] é [outra coisa]. Por que a democracia o que
é? O respeito às leis. O princípio básico da democracia é o Estado
de Direito. Você tem que ter respeito àquelas leis do Estado, você
tem que respeitar. Então na hora que você desrespeita a lei pra
atender o clamor popular você não está sendo democrático, você
não está respeitando a lei, [...] você está fugindo de um dos princípios
da democracia, basilar inclusive, que é o império das leis e é mesmo.
[...] Se você atende o que o clamor popular [quer] em detrimento
da lei, você está fugindo, aí é outro inverso. É complicado, é uma
questão complicada, eu falo em democracia principalmente por esse
respeito, você viver num Estado que você tem aquela segurança
jurídica (Juiz 14).
Vemos aqui mais uma vez a construção da ideia de democracia na justiça
penal em oposição ao atendimento ao clamor popular. O argumento central
desse juiz é a segurança jurídica: o clamor popular deseja soluções que não
encontram correspondentes na legislação penal (ou que exacerbam penas
previstas), de forma a causar instabilidade no sistema de direito criminal.
O atendimento à opinião pública é, dessa forma, uma afronta à previsibilidade da sanção criminal e, nesse sentido, torna-se antidemocrático.
241
[sumário]
6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA
Em resumo, o nosso ponto a esse respeito é simplesmente dizer que há
uma construção interna dos operadores do direito de uma noção de democracia no âmbito do sistema jurídico que se opõe a uma visão de democracia (de senso comum) de atendimento ao clamor popular. Devemos dizer
que aqui há, de certa forma, um paradoxo (ainda que um pouco superficial). Quando a mídia e a opinião pública exigem o atendimento de
suas reivindicações, elas o fazem frequentemente se escorando em uma
representação de “soberania popular”, de atendimento aos anseios da
população. Atender ao clamor público seria uma demonstração de um
poder democrático. Essa representação coloca um problema: uma “justiça democrática”, no sentido de uma justiça que atende às reivindicações populares (entendidos aqui como manifestações decorrentes de
eventos penais), corre um grande risco de ser uma “justiça antidemocrática”, no sentido de ser inclemente e de pouco respeitar os direitos dos
acusados. Uma justiça democrática seria, então, uma justiça que responde prontamente ao clamor público ou uma justiça que o afasta para
garantir os direitos do acusado? Se por um lado esse paradoxo pode causar certo incômodo (para os magistrados), com uma imagem antidemocrática que o sistema de direito criminal projeta, por outro lado a questão
pode ser resolvida a partir de uma reflexão interna que coloca em evidência a independência do magistrado e a segurança jurídica como fundamentais para uma outra (e mais conveniente) representação da
democracia na justiça criminal.
A mídIA e A oPInIão PúblICA no CAso nIColAu
Passamos agora para uma análise bastante rápida do caso de Nicolau dos
Santos Neto, fazendo menção à repercussão do processo na opinião pública.
O propósito é apenas mostrar o tipo de reação que um caso de repercussão
pode causar no processo, bem como demonstrar que uma pressão punitiva
pode, muitas vezes, causar o resultado contrário ao pretendido.
Um primeiro exemplo que nos chama a atenção é o impacto que o escárnio público do acusado teve no processo de lavagem de dinheiro. Em que
pese a condenação pública do acusado e do linchamento midiático promovido, a pressão por penas severas teve aqui um efeito bastante interessante.
6.3 |
242
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Toda a repercussão do caso e o escárnio público do acusado resultaram em
uma diminuição de pena. Vejamos como o juiz do caso tratou a questão:
O acusado, conforme tornou-se público e notório, na véspera do início
deste processo e durante o seu transcurso, passou a ser alvo de toda
sorte de agressões morais por veículos de comunicações escritas,
televisivas e radiofônicas (antes de qualquer decisão condenatória –
o que, mesmo assim, também seria ilegal), bem como personagem em
jogos pela Internet onde simulavam-se agressões físicas à sua pessoa,
ridicularização em cânticos natalinos, marchas carnavalescas etc.,
como se não mais possuísse personalidade jurídica, e que por isso
estariam franqueadas as violações à sua honra e dignidade. Isto,
sem dúvida, muito se assemelhou àquela referida pena vigente
na antiguidade e na idade média.
Pela ocorrência desse fato, que considero juridicamente muito
relevante, reduzo a pena em 2 (dois) anos, com fulcro no art. 66
do CP, o que redunda na sua descensão para 5 (cinco) anos de
reclusão (Sentença do processo 2000.61.81.001248-1 da 1ª Vara
Federal Criminal de São Paulo, p. 59).
Há aqui algo de grande importância: o escárnio público antes e durante
o processo gera um efeito de atenuação da pena. Em outras palavras, o sistema de direito criminal se apropria de um evento que lhe é externo (a pressão midiática e o escárnio público) para utilizá-lo na sua tomada de decisão,
mas não faz na forma (e no sentido) que se poderia esperar, tendo em vista
que se trata de um clamor punitivo. O fator externo tem, portanto, um peso
na decisão, mas esse peso só existe se e quando o sistema, por sua própria
autonomia, decide levá-lo em consideração. Não há, retomando o que já
dissemos, uma influência externa direta (no sentido de se determinar o que
se passa dentro do sistema), mas há uma influência mediada e filtrada pelos
operadores jurídicos que se ocupam do caso. O que é mais interessante aqui
é, portanto, o fato de que o ruído externo (no sentido de denegrir o réu)
acaba por gerar um efeito na direção inversa àquela comumente atribuída
à opinião pública (de maior punição).
243
[sumário]
6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA
O tribunal acaba por ter um entendimento diferente desse do juiz do
caso. Em face da atenuação de pena concedida em virtude do sofrimento
acarretado ao réu pelo escárnio público, o tribunal entende que o juiz levou
em consideração um argumento não pertinente e que não se encaixava em
uma possível interpretação de circunstância atenuante. Vejamos o que diz
o tribunal:
Ora, na situação em exame, verifica-se que o MM. Juiz ‘a quo’
aplicou a apontada circunstância atenuante ao argumento de ter
o apelante sofrido violação à sua honra e dignidade, ao argumento
de ter sido exposto perante a mídia de forma invasiva e agressiva.
Entretanto, entendo que a situação mencionada não se enquadra
na hipótese elencada no art. 66 do Código Penal, considerando que
circunstância relevante que enseja a aplicação desse dispositivo
legal diz respeito, conforme os exemplos mencionados, a uma
conduta do apelante praticada antes ou depois do crime, que de
tal forma lhe dignifique ao ponto de ensejar uma certa ‘clemência’
por parte do julgador. E, no caso em tela, não noticia os autos tenha
o apelante praticado nenhuma conduta dessa natureza.
Portanto, sob esse ângulo enfocado entendo não ser caso de
aplicação do artigo 66 do Código Penal, motivo pelo qual, também
sob esse ângulo enfocado, dou provimento ao recurso ministerial,
para o fim de afastar a aplicação da apontada circunstância
atenuante inominada. (Acórdão 1248 do TRF da 3ª Região)
O que o tribunal faz aqui é requalificar o clamor externo como ruído
sem relevância jurídica, ou seja, como elemento não pertinente ao processo decisional do caso. O art. 66, que deu ensejo a diminuição da pena pelo
juiz, reformada pelo tribunal, diz apenas o seguinte: “a pena poderá ser
ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior
ao crime, embora não prevista expressamente em lei”. No entanto, podemos ver claramente que é o próprio tribunal (em termos teóricos, diríamos
que é o sistema de direito criminal) que constrói uma interpretação (“uma
conduta do apelante praticada antes ou depois do crime, que de tal forma
244
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
lhe dignifique ao ponto de ensejar uma certa ‘clemência’ por parte do julgador”) que afasta o reconhecimento da pressão externa ao sistema como
atenuante. O dispositivo legislativo é de tal forma amplo que há aqui uma
grande margem de manobra para se precisar o seu conteúdo. Em resumo,
o reconhecimento da relevância jurídica pelo juiz de primeira instância
(baseado em um artigo de lei que dá amplas possibilidades de precisão
de sentido) da midiatização e do achincalhe público da imagem do réu
não encontra respaldo na decisão do tribunal, que prefere ignorar as manifestações midiáticas sobre o caso.
Em que pese esse posicionamento distinto nas duas instâncias, podemos
dizer, em termos analíticos, que as duas manifestações são exemplos da
autonomia do sistema de direito criminal. Quando o juiz de primeira instância leva em conta um elemento externo, ele o faz na forma e no sentido
que lhe parecem convenientes (e não seguindo a pressão exercida pela
mídia). O tribunal, por sua vez, também exerce sua autonomia ao ignorar
o clamor externo, tanto para punir com mais vigor quanto para considerar
a mesma atenuante que o juiz do caso. Não há, portanto, em momento
algum, uma sujeição a uma imposição externa. O fator externo pode ou
não ser visto pelo sistema de direito criminal, mas em nenhum momento
ele se torna vinculante nas decisões internas ao sistema.
notAs fInAIs
O nosso propósito aqui foi o de mostrar o quão grande e bem estruturada
a resistência do sistema de direito criminal pode ser quando submetida a
pressões da mídia e da opinião pública. Vimos, por um lado, a dificuldade
metodológica em se explicar um evento em um sistema complexo, a partir
de uma causa externa; e, por outro lado, vimos como os magistrados estão
bem equipados teoricamente para bloquear as pressões do clamor público
que lhes chegam.
Devemos, no entanto, confessar que é possível detectar efeitos da pressão
da opinião pública e da mídia na tomada de decisão do sistema de direito
criminal. Em nossa pesquisa de doutorado (XAVIER, 2012), encontramos
efeitos no andamento do processo (maior celeridade), na decisão de prisão
preventiva e até mesmo no momento de quantificar a pena. Não temos espaço
245
[sumário]
6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA
aqui para detalhar essa questão. O ponto central neste trabalho é apenas este:
se é possível que fatores externos causem um certo impacto nas decisões da
justiça criminal, esta trata-se todavia de um sistema bastante resistente e
equipado para se proteger do grande circo midiático que se forma acerca de
certos casos penais.
246
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
notAs
Agradeço às colegas Maíra Rocha Machado e Luisa Ferreira pela leitura e pelas
críticas a uma primeira versão deste capítulo. Agradeço também à FGV DIREITO SP por
me acolher no período de elaboração deste texto e à Fapesp pelo financiamento de minha
pesquisa de pós-doutoramento (da qual este pequeno texto extrai elementos).
1
A utilização da expressão “sistema de direito criminal” aqui tem um propósito.
Preferimos, seguindo os trabalhos de Pires (1998, 1999, 2004, 2006 e 2008), falar em direito
criminal e não em direito penal, com o intuito de não naturalizar a pena como resposta
indissociável do crime. O uso do termo “sistema” também tem um propósito. Ao longo do
texto, embora não elaboremos a questão, tratamos o sistema de direito criminal como um
subsistema do sistema jurídico, considerando-o como um sistema autopoietico seguindo o
quadro teórico de Niklas Luhmann (1984 [1995] e 2004). Isso implica um sistema fechado
operacionalmente, isto é, que produz internamente os elementos essenciais para a sua
reprodução, e que guarda uma autonomia com relação ao seu ambiente. Não iremos nos
estender sobre a questão, pois ela foge ao escopo do capítulo, mas é importante deixar
claro para o leitor o substrato teórico que nos norteia.
2
Um leitor mais exigente notará a falta de definição desses termos ao longo do
capítulo. Julgamos que essa definição seria prescindível aqui, pois a compreensão do texto
não necessita dessas precisões. No entanto, para uma análise mais exigente e aprofundada,
ver Xavier (2012).
3
Onde tratamos exatamente do problema da influência da opinião pública sobre o
sistema de direito criminal (Xavier, 2012).
4
Em um dos processos envolvendo o réu Nicolau dos Santos Neto, fica claro o
efeito que a mídia teve na decisão do juiz, assim como fica patente que o efeito é muito
diferente daquele que o clamor punitivo deixaria antever. Voltaremos a essa questão no
item 6.3.
5
Autônomos no sentido luhmanniano do termo, que embora observem e estejam
abertos cognitivamente aos estímulos do seu ambiente, são sistemas que não podem ser
determinados por fatores externos. Eles produzem internamente suas comunicações e,
dessa forma, decidem sobre o que lhes concerne e o que não é lhes é pertinente.
6
7
247
Ver Xavier (2012).
[sumário]
6. o CAso trt nA mídIA: sIstemA de dIreIto CrImInAl e oPInIão PúblICA
Se essa é uma boa ou má representação, ou ainda, se ela é uma representação
exclusiva ao sistema político, são considerações a parte. O nosso argumento aqui é
simplesmente o fato de que existe na sociedade uma representação que identifica a
democracia com a opinião pública, e que essa representação pode extravasar apenas o
sistema político, que deveria ser democrático nesses termos.
8
248
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
referênCIAs
:
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:
:
:
:
:
:
:
:
:
BATESON, Gregory. Steps to an Ecology of Mind. Northvale: Jason Aronson, 1972.
DEBUYST, C.; DIGNEFFE, F.; PIRES, A., Histoire des Savoirs sur le Crime et la
Peine, vol. 2. Bruxelas: De Boeck Université, 1998.
_______. “Alguns obstáculos a uma mutação ‘humanista’ do direito penal”.
Sociologias, vol. 1, n. 1, 1999, p. 64-95.
_______. “A racionalidade penal moderna, o público e os direitos humanos na
modernidade tardia”. Novos Estudos CEBRAP, n. 68, p. 39-60, 2004.
_______. “Tomber dans un piège? Responsabilisation et justice des mineurs”.
DIGNEFFE, F.; MOREAU, T. (org.). La responsabilité et la responsabilisation dans
la justice pénale. Bruxelas: Larcier, 2006, p. 217-241.
_______. “Programme de recherche de la Chaire de recherche du Canada en
Traditions juridiques et rationalité pénale”. Documento não publicado. Ottawa:
Chaire de Recherche du Canada en Traditions Juridiques et Rationalité Pénale, 2008.
LUHMANN, Niklas. Social Systems. Stanford: Stanford University Press, 1995.
_______. “L’opinion publique”. Politix, n. 14, 2001, p. 25-59.
_______. Law as a social system. Oxford: Oxford University Press, 2004.
PIRES, Alvaro P. “La formation de la rationalité pénale moderne au XVIIIe siècle”.
XAVIER, José Roberto F. La réception de l’opinion de l’opinion publique par le
système de droit criminel. Tese de Doutorado. Ottawa: University of Ottawa.
249
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
7.
o Controle judICIAl dA CorruPção
e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
REFLExõES A PARTIR DO CASO TRT
Paulo Eduardo Alves da Silva
Susana Henriques da Costa
Introdução
A narrativa do Caso TRT feita neste livro é estarrecedora e, ainda assim,
tem grandes chances de ser mais um corriqueiro exemplo de como é o
processamento dos casos de corrupção perante os órgãos públicos de controle no Brasil. Isolados os dados relativos ao contexto e ao jogo político
praticado no País – aparentemente determinantes para o caso, mas que
não nos arriscaremos a analisar –, a narrativa revela com precisão, entre
outros temas, a complexidade e aparente incoerência do modelo processual vigente no Brasil, nos âmbitos administrativo e judicial. Este capítulo
pretende esclarecer aspectos da tramitação processual e apresentar as
razões que, plausíveis ou não, sustentam as regras que compõem esse
modelo, especialmente no seu âmbito judicial.
Dada a profusão de instituições envolvidas, caminhos trilhados e resultados obtidos (e não obtidos) no caso, foi difícil organizar as reflexões
em torno de uma única linha ou tema. Tentaremos nos orientar pela
seguinte questão central: como funcionou, do ponto de vista processual,
o sistema de justiça brasileiro no Caso TRT? Quais os pontos de estrangulamento e de eficiência procedimentais revelados nesse caso?
Da abordagem central será possível derivar perguntas específicas
sobre o desenho processual, do tipo: como foram utilizados as impugnações e os recursos e que efeitos tiveram no desenvolvimento do caso? O
que significa, tecnicamente, o fenômeno chamado de “trânsito em julgado” e que efeitos a sua ausência tem gerado no caso? Paralelamente,
como os diversos órgãos de controle (Tribunal de Contas, Comissão Parlamentar de Inquérito e Ministério Público) utilizaram mecanismos de
interação no nível processual? Outra reflexão parte do modo como foi
251
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
construído e aproveitado o conjunto probatório produzido no caso, especialmente a partir da interação ou desarticulação entre os órgãos de
controle envolvidos. Por fim, nos questionamos em que medida as regras
que definem quem pode e quem deve ser parte nesse tipo de processo (as
chamadas legitimidade ativa e passiva) responderam pelos resultados obtidos. A legitimidade processual, tal qual desenhada pelo sistema (ativa e
passiva) para o combate à corrupção, trouxe problemas ou facilitou o
desenrolar do processo? Haveria algum impacto se o sistema reconhecesse
foro de prerrogativa de função aos réus no processo de improbidade?
7.1 |
A
demorA do ProCesso e seus resultAdos:
PROVIMENTOS DE URGêNCIA, RECURSOS E COISA JULGADA
Uma das mais evidentes impressões que se tem pela leitura da narrativa do
Caso TRT é a demora na sua solução. Para irmos além de uma constatação
genérica, precisamos compreender o funcionamento do sistema processual
brasileiro, especialmente a oportunidade para o uso de recursos, acusados
como o principal fator da morosidade da Justiça brasileira, e a importância
do fenômeno chamado de “trânsito em julgado” ou “coisa julgada”.
As normas que regulam os processos judiciais no Brasil atendem a
duas exigências supremas e, não raro, excludentes: assegurar o legítimo
direito de defesa e produzir uma decisão justa em tempo razoável. Não
seria exagero afirmar que tais valores compõem a própria noção moderna
de justiça: decisão justa, poderíamos definir, seria aquela que, além de
produzir alguma sensação comum de justiça, se funde na lei e assegura
às partes acusadas oportunidades para se defender. Por uma exigência
contemporânea, decisão justa é também aquela proferida em um prazo
considerado razoável, conforme locução incluída em nossa Constituição
Federal por ocasião da chamada Reforma do Judiciário (CF/88, art. 5º,
inciso LXXVIII, com redação dada pela EC n. 45, de 2004).
O direito de defesa, componente essencial da ideia moderna de justiça,
é exercido tanto quando a parte se defende das acusações que lhe são feitas como quando impugna, por meio de recursos, as decisões que lhe
prejudicam. A possibilidade de impugnar decisões judiciais é uma garantia contra os erros dos juízes, assegurada desde os ordenamentos mais
252
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
antigos. Os recursos se justificam, segundo alguns, na inexorável falibilidade humana e, segundo outros, no intuito de controle dos órgãos
inferiores pelos superiores. Como esclarece a dogmática processual, “à
conveniência da rápida composição dos litígios, para o pronto restabelecimento da ordem social, contrapõe-se o anseio de garantir, na medida
do possível, a conformidade da solução ao direito. [...] Ante a inafastável
possibilidade de erro judicial, adotam as leis posição intermediária: propiciam remédios, mas limitam-lhes os casos e as oportunidades de uso.”
(MOREIRA, 2008, p. 229).
O ordenamento brasileiro criou um sistema amplo e complexo de
recursos. Toda decisão implica, em alguma medida, o acolhimento do
pedido de uma parte ante a resistência de outra, a qual, por conta do sempre presente risco de erro na decisão, tem o direito de pedir o seu reexame
por outro órgão julgador – geralmente de instância superior. Não somente
decisões finais, mas também as intermediárias (tecnicamente, “interlocutórias”) podem ser impugnadas. E a decisão que julga o recurso, porque
também é uma decisão passível de erro, igualmente pode ser objeto de
impugnação – se bem que em hipóteses mais restritas.
A justificativa dos recursos, como a da coisa julgada, não é exclusivamente jurídica, mas também política. Há recursos para que haja justiça,
e, simetricamente, a justiça somente se considerará feita quando, ao final
de um procedimento regular, se exaurem as oportunidades de defesa (e
de recurso) previstas em lei. Como a decisão final será a decisão justa
(assim se espera...), ela (e apenas ela) tem o poder (e a necessidade) de
se tornar definitiva e imutável. Pensando na projeção que qualquer julgamento tem sobre relações futuras, o sistema não se preocupa em apenas
definir um litígio, no sentido de lhe colocar um fim, mas em como se certificar que aquele fim é justo e, então, como torná-lo definitivo.
A ideia de “trânsito em julgado”, recorrente no Caso TRT, nasce dessa
busca pela imutabilidade dos julgamentos. “Transitar em julgado” significa que a decisão proferida percorreu incólume o prazo para as
impugnações que lhe poderiam ser feitas. A decisão não foi impugnada
e, portanto, pode ser considerada definitiva – ou, tecnicamente, torna-se
“coisa julgada”1. A coisa julgada é um fenômeno exclusivo da atividade
253
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
jurisdicional que, inclusive, a diferencia dos pronunciamentos dos demais
poderes do Estado (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1998, p.
134). A lei ou o decreto executivo podem ser revogados, mas a decisão
judicial, passados os dois anos do prazo para a ação rescisória, não pode
mais ser alterada. Julgamentos proferidos no âmbito administrativo
podem até transitar em julgado formalmente (no sentido de percorrerem
incólumes as oportunidades de impugnação), mas não são contemplados
com o mesmo grau de imutabilidade material que a lei atribui ao pronunciamento judicial.
A coisa julgada marca o ponto de equilíbrio entre a possibilidade de
se rever julgamentos errôneos com a segurança que é necessário conferir
às relações jurídicas e sociais – ambas, vale registrar, conquistas dos julgamentos da modernidade ante os medievais. Tecnicamente, é definida
como a particular qualidade de imutável (definitiva, intangível, incontestável...) que a decisão, ou melhor, os seus efeitos adquirem após trânsito
em julgado (LIEBMAN, 2007, passim). É considerada um valor supremo
no ordenamento brasileiro, que, assim como o direito adquirido e o ato
jurídico perfeito, nem mesmo a lei pode alterar (CF, art. 5º, inciso XXXVI).
Está condicionada ao exaurimento dos recursos e tem o poder de conferir
ao julgamento força de lei: segundo o Código de Processo Civil, coisa
julgada é a “eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não
mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário” e “a sentença [transitada em julgado] [...] terá força de lei nos limites da lide e das questões
decididas” (arts. 467 e 468 da Lei n. 5.869, do Código de Processo Civil
[CPC] de 1973).
Na narrativa do Caso TRT, a única decisão executada em matéria civil
não é judicial, mas administrativa: a do Plenário do TCU que, na segunda
oportunidade em que analisou o caso, condenou os acusados ao pagamento de quase R$ 170 milhões. Mesmo que se entenda que se trata do
julgamento definitivo do TCU, essa decisão não tem o condão de formar
coisa julgada material pois não se trata de pronunciamento judicial.
Embora tenha sido executada judicialmente (ação de execução fundada
em título executivo extrajudicial), resta sempre a possibilidade de que o
Judiciário reexamine a condenação e os seus termos quando apresentada
254
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
defesa pelo executado – por meio de embargos à execução ou objeções
de preexecutividade, que, explique-se, não são recursos contra decisões,
mas defesas contra acusações.2 Invariavelmente, isso postergará a consumação das medidas executivas de ressarcimento e restituição de quantia
ao erário.
No âmbito penal, com mais justificativa, os julgamentos só podem ser
executados quando se tornarem definitivos. O princípio da presunção de
inocência, outra conquista dos julgamentos modernos, foi consagrado na
Constituição Federal brasileira por fórmula que não deixa dúvidas: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória” (art. 5º, inciso LVII). Até o trânsito em julgado da
condenação de Nicolau dos Santos Netos por lavagem de dinheiro, em
2013, a narrativa do caso deixa bem claro que os raros decretos de prisão
tinham caráter cautelar e não de execução de um julgamento proferido.
A verdade é que os sistemas de justiça modernos, no âmbito cível e
penal, foram construídos sob a premissa de que apenas decisões definitivas podem ser executadas. Isso nasceu como uma condição de justiça,
conquistada após um longo período em que os julgamentos eram executados rapidamente, mas sem qualquer consideração dos argumentos de
defesa nem oportunidades de reconsideração e reexame. Contudo, colidem com a premência contemporânea pela justiça em prazo razoável, e
têm colocado em xeque a plenitude daquela.
Os sistemas processuais têm buscado equilibrar esse antagonismo por
meio das chamadas tutelas de urgência, gênero no qual se inserem as tais
decisões liminares. As decisões “liminares”, assim chamadas porque proferidas preliminarmente ao término do processo, compensam a espera
pela via crucis recursal e pelo trânsito em julgado. Diferentemente do
senso comum, o julgamento final não é a única fonte de resultados concretos para as partes. Muito antes dele, as liminares podem trazer
resultados substanciais, especialmente nos casos urgentes (daí o nome
técnico “tutelas ou provimentos de urgência”). Esses resultados, embora
provisórios e teoricamente reversíveis, são bastante concretos e potencialmente geradores de uma confortável fruição de efeitos positivos para
o beneficiário da decisão.
255
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
A contrapartida à possibilidade de decisões preliminares, provisórias
mas materialmente úteis, é o direito da parte prejudicada impugnar tais
decisões. Variam os modelos processuais conforme permitam impugnações quebradas/parciais ou não – ou seja, pedidos de reexame sobre
pontos específicos de cada decisão proferida no caso ou recursos apenas
do julgamento final. O sistema brasileiro pode ser considerado de ampla
recorribilidade, pois se adere à primeira opção: praticamente toda a decisão judicial brasileira, salvo raríssimas exceções, pode ser impugnada
pela parte sucumbente e passar por algum reexame de outro órgão de julgamento. Uma consciência da falibilidade humana ou uma forma de
controle? Ambos.
Vale lembrar que cada nova impugnação será devidamente processada,
com oportunidades para defesa, uma nova apreciação e outra decisão –
por sua vez, também impugnável, só que de forma mais restrita. Não convém aqui detalhar como isso acontece. Importa ter em mente que, até que
sejam interpostas, discutidas e decididas essas impugnações, o processo
não chega ao seu fim. Não estaríamos equivocados ao compreender esse
atraso como um ônus pela ampla possibilidade que o sistema confere do
uso das decisões judiciais liminares, que são imediatas, mas não são definitivas.
Do ponto de vista prático, portanto, o manuseio proficiente de decisões
liminares e de recursos tem sido determinante para o resultado material
dos litígios. No Caso TRT, ambos foram utilizados em abundância por
ambas as partes. E a Justiça, sem convicção sobre a quem afinal assistia
razão, acolheu requerimentos de ambas. Resultado natural: decisões em
sentidos opostos e a indefinição do caso, que nunca chega ao tal “trânsito
em julgado”. Atendendo ao polo ativo, determinou-se, por exemplo, a
suspensão de pagamentos previstos em contratos, o bloqueio de bens e a
prisão preventiva dos envolvidos. Em prol dos réus, vetou-se que decisão
administrativa do TCU bloqueasse bens, impediu-se o repatriamento de
bens e permitiu-se a réus condenados recorrer em liberdade. Independentemente da legitimidade e do acerto de tais decisões, o fato de se
fundarem em um juízo de probabilidade e não na certeza de uma conclusão final impõe limites à sua execução: permite-se benefícios materiais
256
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
salvo aqueles irreversíveis. Resta a percepção de indefinição, de que o
caso demora a chegar ao fim.
O modo como a Justiça é organizada também contribui para adiar o trânsito em julgado e intensificar a sensação de indefinição. Como o poder
judiciário brasileiro é estruturado em três (ou quatro) diferentes instâncias,3
o que seriam decisões finais acabam sendo tratadas como provisórias porque
proferidas pelas instâncias intermediárias (primeira e segunda instâncias).
Embora proferidas ao término de um procedimento, sofrem o risco de reversão se acolhido um eventual recurso interposto pela parte contrária. No Caso
TRT, os chamados “embargos de declaração” e a “apelação” subtraem o
caráter definitivo das sentenças condenatórias das ações civis públicas,
mesmo que elas tenham demorado mais de 10 anos para serem proferidas
(de 1998 a 2011).
Em suma, os processos judiciais podem gerar, durante todo o seu
curso, muitas decisões provisórias antes que se chegue a um julgamento
que possa ser considerado definitivo. Embora reversíveis, as decisões
prévias podem gerar algum benefício (ou prejuízo) para os envolvidos,
mas apenas o julgamento definitivo poderá gerar resultados imutáveis –
o que se denomina “coisa julgada”4.
Variam, conforme a lei, o grau de fruição possível pelas decisões liminares
e julgamentos não definitivos (de primeira e segunda instâncias). Em geral,
vigora a regra de que as liminares não podem produzir resultados irreversíveis (CPC, art. 273, § 2º.) e de que as sentenças, quando apeladas, têm sua
eficácia suspensa (CPC, art. 520). As ações que visam apurar atos de improbidade administrativa (Lei n. 8.429, de 1992) têm regra específica: a lei autoriza a decretação cautelar do sequestro de bens do agente ou terceiro
indiciado/acusado e o bloqueio de bens, conta bancária e aplicações financeiras mantidas no exterior (art. 16)5 e permite a indisponibilidade liminar
dos bens do executado (art. 7º)6, mas exige o trânsito em julgado para as sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos (art. 20)7.
Nesse ponto, portanto, o cerne do problema é mais o marco legal específico
do que a ferramenta processual ou o funcionamento da máquina judiciária.
No Brasil, as decisões liminares têm sido efetivamente utilizadas nos
casos de combate à corrupção levados à Justiça. Pesquisa recente que
257
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
coordenamos, em 2010 e 2011, com apoio da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, avaliou uma amostra nacionalmente
representativa de acórdãos proferidos em ações de improbidade administrativa que tramitaram na Justiça brasileira entre 2005 e 2010. Uma de suas
conclusões indica que os tribunais brasileiros efetivamente deferem mais
do que indeferem requerimentos de medidas liminares. No caso dos requerimentos de indisponibilidade de bens, os dados indicam cerca de 66% de
deferimento contra 33% de indeferimento; nos casos de afastamento do
agente, cerca de 60% contra 40%, e, nos casos de sequestro de bens, 66%
contra 33% aproximadamente (BRASIL, 2011, p. 68 e ss.). A pesquisa também coletou dados sobre as principais dificuldades na obtenção dessas
decisões liminares que, segundo os atores entrevistados envolvidos nessas
ações em focus group, seriam, principalmente, a dificuldade na comprovação da urgência da medida (o chamado periculum in mora), a ausência de
critérios uniformes de avaliação dos conceitos subjetivos usados pela lei
(moralidade, por exemplo) e a dificuldade de se delimitar precisamente o
valor desviado, exigido por alguns juízes para a concessão das medidas
(BRASIL, 2011, p. 47 e 43, respectivamente).
Em geral, as decisões liminares proferidas em ações de improbidade
administrativa são confirmadas nos julgamentos finais. Segundo a mesma
pesquisa, as ações de improbidade administrativa tramitadas no Brasil
entre 2005 e 2010 foram julgadas integralmente procedentes em 49% dos
casos e parcialmente procedentes em 15% dos casos, aproximadamente
(BRASIL, 2011, p. 59). As principais sanções aplicadas aos atores condenados são a multa, o ressarcimento de danos e a suspensão de direitos
políticos e, em alguns casos, a proibição de contratar com o Poder
Público. A perda dos bens acrescidos ao patrimônio pessoal do agente e
da função pública são resultados possíveis menos frequentes. Em geral,
como veremos a seguir, esses resultados são relacionados à especial dificuldade de comprovação do enriquecimento ilícito, o que restringe, do
ponto de vista jurídico, a possibilidade das condenações à devolução de
valores, o que acaba sendo feito por meio da figura jurídica do ressarcimento de danos (BRASIL, 2011, p. 601 e 161).
258
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
fIgurA 7.1
SANçõES
APLICADAS NAS SENTENçAS CONDENATóRIAS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
FUNDADAS NO ART.
9º
DA
LEI
DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
MULTA CIVIL (23,24%)
PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA (9,15%)
PERDA DE BENS E VALORES ACRESCIDOS (7,04%)
PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER
PÚBLICO (14,08%)
PROIBIÇÃO DE RECEBER INCENTIVOS OU BENEFÍCIOS
FISCAIS OU CREDITÍCIOS, DIRETA OU INDIRETAMENTE,
AINDA POR INTERMÉDIO DE PESSOA JURÍDICA DA
QUAL SEJA SÓCIO MAJORITÁRIO (10,56%)
RESSARCIMENTO DOS DANOS (19,72%)
SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS (16,20%)
FONTE:
259
[sumário]
(BRASIL, 2011).
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
fIgurA 7.2
SANçõES
APLICADAS NAS SENTENçAS CONDENATóRIAS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
FUNDADAS NO ART.
10
DA
LEI
DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
MULTA CIVIL (19,68%)
PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA (6,86%)
PERDA DE BENS E VALORES ACRESCIDOS (2,52%)
PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER
PÚBLICO (17,62%)
PROIBIÇÃO DE RECEBER INCENTIVOS OU BENEFÍCIOS
FISCAIS OU CREDITÍCIOS, DIRETA OU INDIRETAMENTE,
AINDA POR INTERMÉDIO DE PESSOA JURÍDICA DA
QUAL SEJA SÓCIO MAJORITÁRIO (13,27%)
RESSARCIMENTO DOS DANOS (23,11%)
SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS (16,93%)
FONTE:
260
[sumário]
(BRASIL, 2011).
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
fIgurA 7.3
SANçõES
APLICADAS NAS SENTENçAS CONDENATóRIAS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
FUNDADAS NO ART.
11
DA
LEI
DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
MULTA CIVIL (25,91%)
PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA (8,18%)
PERDA DE BENS E VALORES ACRESCIDOS (0,45%)
PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER
PÚBLICO (18,86%)
PROIBIÇÃO DE RECEBER INCENTIVOS OU BENEFÍCIOS
FISCAIS OU CREDITÍCIOS, DIRETA OU INDIRETAMENTE,
AINDA POR INTERMÉDIO DE PESSOA JURÍDICA DA
QUAL SEJA SÓCIO MAJORITÁRIO (16,14%)
RESSARCIMENTO DOS DANOS (10,45%)
SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS (20%)
FONTE:
(BRASIL, 2011).
Assim, não seria da ausência de previsão nem da falta de uso das ferramentas disponíveis que padece o controle judicial da corrupção no Brasil.
Do ponto de vista jurídico-formal, há meios processuais para que atos de
improbidade e corrupção sejam imediatamente impedidos por decisão judicial quando houver indícios da sua prática. E, do ponto de vista prático, os
tribunais brasileiros majoritariamente acolhem requerimentos com essa finalidade; pode-se até arriscar a dizer que confirmam as decisões liminares nos
julgamentos definitivos.
É possível que a sensação de injustiça geralmente associada ao combate
à corrupção não decorra da falta, mas do excesso de instrumentos processuais
e na eficiência do seu uso – o que não deixa de ser contraditório do ponto de
vista das conquistas do regime democrático. Seria necessário investigar, por
exemplo, se as decisões liminares, largamente utilizadas, têm sido de fato
úteis ou eficientes em preservar uma situação até que proferida a decisão
261
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
final. Pode acontecer, por exemplo, que a busca pela intervenção judicial seja
tardia ou o julgamento final demore em demasia, deteriorando a situação
protegida pela decisão liminar. Uma liminar de indisponibilidade ou sequestro será ineficaz se não conseguir preservar valores suficientes para ressarcir
o dano ao erário ou sustentar a devolução integral da quantia apropriada.
A demora para se requerer a decisão liminar pode decorrer de deficiente
articulação entre as instituições incumbidas do controle administrativo. A
demora no julgamento do caso, que também pode tornar ineficaz a liminar
concedida, é imputável ao sistema processual e de justiça e pode estar associada à exagerada permissão legal para que as partes recorram ou ao uso
abusivo de recursos pela defesa no caso concreto. Para minimizar a demora,
seria preciso alterar a lei para reduzir as oportunidades de recursos e convencer as partes, inclusive por advertências e punições, a não recorrer
quando não têm razão. Desnecessário observar aqui que são medidas de
difícil digestão, cuja evidente impopularidade desencoraja até os seus mais
engajados defensores.
Contudo, não é certo que os recursos sejam os maiores responsáveis
pela demora dos processos judiciais. Recente pesquisa realizada pelo IPEA
com apoio do Conselho Nacional de Justiça (IPEA, 2011) sugere o oposto.
Segundo os dados, uma típica ação de execução fiscal na Justiça Federal
brasileira contém, em média, 0,03 recurso de agravo, 0,13 recurso de apelação e 0,02 recurso especial ou extraordinário – ou seja, não se chega à
média de um recurso por processo. Também não é muito representativo o
uso de mecanismos de defesa: 0,04 objeção de pré-executividade e 0,07 de
embargo de devedor ou de terceiro (IPEA, 2011, p. 21). Similarmente, nos
juizados especiais federais, o “recurso inominado” é interposto em apenas
25% do total de ações, e o uso de outros recursos é praticamente desprezível: 1,4% de recursos de agravo, 3,3% de embargos declaratórios e 1,1%
de casos de interposição de recurso especial (IPEA, 2012). O que sustenta
o senso comum de demora causada pelos recursos é limitado aos casos em
que eles são utilizados, o que não é a maioria. No casos dos JEFs, o uso do
recurso inominado acontece em um quarto dos casos (24,9%), mas quando
utilizado gera com um acréscimo substancial no tempo total de tramitação:
de 493 dias para 1.032 dias, em média (IPEA, 2012, p. 152).
262
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
É previsível que nos litígios envolvendo corrupção e improbidade administrativa o uso das ferramentas recursais, pela sua própria natureza, seja
mais frequente e mais intenso do que em execuções fiscais e ações de juizados especiais. O Caso TRT é um exemplo: o uso das decisões liminares e
dos recursos aconteceu no âmbito político (a CPI decretou a indisponibilidade de bens de Nicolau, o que veio a ser entendido como fora de suas competências pelo Supremo Tribunal Federal), no âmbito administrativo (o TCU
também determinou a indisponibilidade de bens dos responsáveis, em sua
segunda fase de apreciação do caso, em janeiro de 2001) e, naturalmente,
pela Justiça. Até a conclusão da narrativa do caso, haviam sido interpostos
a favor ou contra o réu Nicolau dos Santos Neto a quantia de 27 recursos
de agravo perante o TRF, 13 perante o STJ e 10 perante o STF, bem como
6 apelações cíveis e 7 criminais junto ao TRF e 4 recursos especiais, além
de 7 mandados de segurança e nada menos que 49 habeas corpus – que não
são recursos, mas serviram como tal. De fato, é um número considerável de
impugnações para um só caso, mesmo que compartilhado por processos distintos – administrativos e judiciais cíveis e criminais.
Evidentemente, isso gerou um acréscimo substancial ao tempo total de
tramitação do feito – e, consequentemente, no trânsito em julgado. As ações
penais foram propostas em 2000, sentenciadas em 2002 e confirmadas em
2006, com interposição de recurso ao STJ em 2007. As ações cíveis tiveram
andamento bem mais lento e ainda estão longe de um ponto de chegada:
foram propostas em 1998 e apenas em 2011 exauriram a primeira instância.
Foram interpostos recursos contra essas sentenças, com a consequente reabertura de múltiplas possibilidades de novos recursos de agravo, embargos
de declaração; futuramente, deve haver interposição de recursos especiais
e extraordinários ao STJ e STF, respectivamente.
Há duas outras hipóteses para justificar a demora no Caso TRT: a lentidão nos trâmites internos de cada órgão e o baixo nível de articulação entre
eles. Ambas refletem o funcionamento deficiente da máquina do Estado.
Nessa linha, o problema parece derivar da falência do modelo burocrático
vigente e praticado no Brasil. Os procedimentos prefixados em lei, recomendação básica weberiana, não proporcionam a segurança e a isonomia
imaginados. As minuciosas normas técnicas transformam o processamento
263
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
interno em um complexo e demorado ritual de passagem – que, curiosamente, faz lembrar os julgamentos medievais que justamente acreditávamos ter superado com a plêiade de garantias processuais.
Por fim, o compartilhamento de competências entre as esferas do governo e dentro de cada uma delas, outra recomendação teórica, resulta em uma
sobreposição de atividades com decisões contraditórias e espaços vazios
de regulação. Basta lembrar que o processamento do Caso TRT foi multiplicado em instâncias administrativas, políticas e judiciais, em cada uma
das quais foram realizadas atividades de investigação, acusação, defesa,
instrução e decisões. Cada uma dessas atividades foi minuciosamente regida por procedimentos preestabelecidos em variado espectro normativo:
Constituição, leis, códigos, normas técnicas etc.
A sensação de injustiça ou inefetividade do controle judicial da improbidade, ainda que desencadeada por algum elemento do processo judicial,
como os recursos e o adiamento do trânsito em julgado, parece ter origem
em algum obstáculo iniciado previamente, no ciclo mais amplo do sistema integrado de controle da corrupção, em seus âmbitos político e
administrativo.
Em resumo, há mais de uma possível explicação para a demora em se
chegar ao “trânsito em julgado” do Caso TRT – essas decorrentes das
peculiaridades do nosso sistema processual, aquelas relacionadas ao
padrão comportamental da litigância e outras ainda derivadas da falência
do modelo burocrático herdado e praticado no Brasil. Ainda que não seja
um problema exclusivo do controle da corrupção no país, a magnitude e
a importância desse tipo de caso, inclusive na configuração da percepção
de justiça no país, justifica o enfrentamento dessas hipóteses e a formulação de propostas verdadeiramente condizentes à realidade do problema
– que, vale dizer, vista a partir da perspectiva ampla que a narrativa do
caso possibilita, torna-se, senão estarrecedora, agora muito mais nítida
e evidente.
7.2 |
A
multIPlICIdAde de órgãos de Controle e suA
InfluênCIA nA formAção do Conjunto ProbAtórIo
O Caso TRT também permite visualizar e analisar a opção do sistema
264
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
jurídico brasileiro pela previsão de múltiplos órgãos de controle da Administração Pública. A natureza do controle exercido é diversificada e vai
do controle meramente administrativo (TCU, Controladorias, Corregedorias), até o judicial civil punitivo (improbidade administrativa) e criminal
– além, é claro, do controle eminentemente político, exercido em regra
pelo Legislativo e suas comissões parlamentares de inquérito. Por não
haver uma jurisdição administrativa autônoma (o chamado “contencioso
administrativo”, adotado, por exemplo, na França), os litígios que envolvem a administração pública podem ser submetidos à apreciação do Poder
Judiciário, duplicando o controle. Além do controle administrativo e judicial, há também a possibilidade de controle político. O caso analisado passou por toda essa variedade de controles.
A narrativa também possibilitou a compreensão da diversidade de funcionamento e interação entre esses órgãos. Alguns se mostraram mais sujeitos a pressões dos atores envolvidos, alterando suas posições no desenrolar
do caso; outros sustentaram uma atuação mais coerente durante todo o processo, mostrando maior grau de independência. Interessante notar também
a influência que a mídia, aliada à opinião pública, tiveram no desenrolar
do caso descrito. Serviram de verdadeiros móveis dos órgãos de controle
estatais que tomaram ciência e efetivamente atuaram a partir das notícias
veiculadas e da pressão política gerada pelas denúncias da imprensa.
Ainda sobre o tema da multiplicidade de órgãos de controle, o Caso TRT
permitiu constatar uma falta de alinhamento de atuação dos atores envolvidos. Em regra, esses órgãos atuaram isoladamente, de acordo com standards
próprios, nem sempre coincidentes. Houve uma espécie de “autonomia” de
atuação que levou, no caso analisado, a divergentes decisões e enquadramentos ético-jurídicos. Basta lembrar que o TCU, inicialmente, entendeu
aceitável o procedimento de construção do prédio do TRT, a despeito das
irregularidades constatadas, ao contrário da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal e do Ministério Público Federal, que desde o início
o reprovaram.
Uma pesquisa sobre coordenação do sistema de controle da Administração Pública Federal, realizada pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), também apoiada
265
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
pelo Ministério da Justiça (BRASIL, 2011), aponta para a existência de
multiplicidade de órgãos de controle no âmbito federal regulados por normas complexas e não necessariamente precisas. É dessa multiplicidade que
decorre a inevitável superposição de atuação que, no Brasil, ocorre de forma
descoordenada e, muitas vezes, contraditória (BRASIL, 2011, p. 30).
A percepção dessas diferenças estruturais talvez possa servir de explicação ao fato de o sistema de justiça ser bastante refratário ao considerar
decisões administrativas e políticas no julgamento de demandas de improbidade. Na mencionada pesquisa sobre a ação de improbidade administrativa, foi constatado que o judiciário pouco leva em conta o julgamento dos
Tribunais de Contas para decidir seja contra, seja a favor dos réus. Dos
processos em que houve análise prévia do Tribunal de Contas, somente em
37,7% das vezes a aprovação ou reprovação das contas foi determinante
para o julgamento prolatado. No restante dos casos (62,3%), a atuação prévia pelo Tribunal de Contas não influenciou de forma decisiva a decisão
judicial (BRASIL, 2011, p. 68). O critério utilizado para identificar esse
caráter decisivo foi a menção a decisões ou pareceres técnicos dos Tribunais de Contas como um dos fundamentos fáticos ou jurídicos para a decisão judicial.8 O Caso TRT ilustra o constatado pela pesquisa, já que a
Justiça Federal concedeu as tutelas de urgência requeridas pelo Ministério
Público, a despeito da decisão de regularidade do procedimento pelo TCU
que até então vigorava.
266
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
fIgurA 7.4
INFLUêNCIA DAS DECISõES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS EM TODOS OS TRIBUNAIS ANALISADOS.
A APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO FOI DETERMINANTE
PARA O JULGAMENTO (37,7%)
A APROVAÇÃO/REPROVAÇÃO DAS CONTAS NÃO
FOI DETERMINANTE PARA O JULGAMENTO (62,3%)
FONTE:
(BRASIL, 2011).
Outro fator que talvez sirva para justificar o dado anterior é o fato de
que o sistema brasileiro de justiça tem a tradição da relativa autonomia
interna das instâncias. Nesse sentido, em regra, é possível a simultaneidade de demandas em diferentes esferas (não há a chamada “litispendência”, que é a concomitância de processos com o mesmo objeto9, (vedada
por lei – CPC, art. 267, V)10; assim, as decisões judiciais não interferem
umas nas outras. As esferas criminal e cível são, em um primeiro momento, independentes. Há exceções, como ocorre com os juízos de certeza
pela absolvição criminal que impedem o ajuizamento da demanda civil11
e com a possibilidade de execução da sentença penal condenatória,12 mas
a regra é a autonomia. Faz sentido na lógica interna do processo, então,
que o Judiciário pouco considere as decisões externas dos demais entes
de controle da Administração, uma vez que é autorizado pelo desenho do
sistema a não se ver atrelado sequer a decisões internas prévias aos casos
que aprecia. Entretanto, sob o signo da eficiência, essa escolha é questionável (DINAMARCO, 2009, p. 319). Como visto anteriormente, a multiplicidade de órgãos de controle com atribuições superpostas, somada a
267
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
atuações “autônomas”, gera um contexto repleto de decisões isoladas,
desarticuladas e, não raramente, conflitantes.
A regra da autonomia, todavia, não significa que o modelo processual
seja completamente alheio a outras espécies de interações internas e externas. Especificamente no Caso TRT, é interessante pontuar o papel que os
diversos órgãos de controle desempenharam na formação do conjunto probatório que fundamentou tanto as decisões liminares quanto as decisões
finais prolatadas pelo Judiciário. Aqui parece que o sistema de justiça caminha não no sentido da autonomia, mas sim no do compartilhamento das
provas produzidas, a despeito da falta de atuação conjunta. Assim, os
órgãos de controle se aproveitam do material probatório disponível, independentemente de quem o tenha produzido.
Em mais de uma ocasião foram adotados procedimentos investigatórios
preparatórios dos processos administrativos e judiciais independentes. Ao
final, os resultados alcançados nesses processos, geralmente, geraram condenações administrativas e judiciais (criminais e civis). Ao que parece, essas
investigações prévias determinaram os resultados alcançados. Foi apontada
a importância, por exemplo, que o relatório da CPI do Senado Federal, que
incluía a quebra do sigilo bancário dos investigados, teve na mobilização
dos órgãos administrativos e judiciais de controle, incluindo alteração pelo
TCU de posicionamento anteriormente adotado. Esse relatório, juntamente com os pareceres técnicos do TCU e os elementos de prova colhidos nas
investigações instauradas pelo Ministério Público, teve um papel imprescindível na construção das condenações posteriores. Tudo foi admitido
e considerado.
Quanto às provas produzidas, portanto, a tendência é a admissão de um
amplo espectro de possibilidades investigatórias que geraram elementos
probatórios essenciais à conclusão do caso, todos admitidos e levados em
conta em processos judiciais posteriormente instaurados. De fato, os dados
colhidos em pesquisa sobre ação de improbidade (BRASIL, 2011) apontam
tendência de ampla admissão de meios de prova típicos e atípicos, mesmo
os que, em um primeiro momento, restringiriam ou mesmo violariam direitos fundamentais à privacidade e à intimidade, como quebra de sigilo bancário e telefônico. Por exemplo, em 82,3% dos casos houve deferimento
268
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
(civil ou criminal) da quebra de sigilo bancário. A mesma pesquisa aponta,
ainda, para uma tendência de permissão do compartilhamento de provas
criminais em processos cíveis. Em 88,2% dos casos em que tais questões
foram discutidas, o compartilhamento foi deferido, e em somente 11,8%
dos casos ele foi negado. Essa tendência inclui a possibilidade de utilização
em âmbito civil de provas restritas à seara criminal, como a interceptação
telefônica (BRASIL, 2011, p. 64-65).
fIgurA 7.5
PERCENTUAL
DE DEFERIMENTO/INDEFERIMENTO DE qUEBRA DE SIGILO BANCáRIO.
FOI DEFERIDA OU NÃO A QUEBRA DO SIGILO
BANCÁRIO (82,3%)
NÃO FOI DEFERIDA OU NÃO A QUEBRA DO SIGILO
BANCÁRIO (17,7%)
FONTE:
269
[sumário]
(BRASIL, 2011).
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
fIgurA 7.6
PERCENTUAL
DE DEFERIMENTO/INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE COMPARTILhAMENTO DE
PROVAS CONSTANTES EM OUTROS PROCESSOS.
FOI DEFERIDO O COMPARTILHAMENTO (88,2%)
NÃO FOI DEFERIDO O COMPARTILHAMENTO (11,8%)
FONTE:
(BRASIL, 2011).
Isso aponta para o fato de que, embora as instâncias de controle atuem
autonomamente e, não raras vezes, desconsiderem decisões alheias – com
exceção da judicial, que é vinculante –, há o reconhecimento do trabalho
reciprocamente realizado na colheita da prova. Trata-se de postura um
tanto quanto contraditória, na medida em que considera a atuação alheia
mas não necessariamente os respectivos standards de julgamento. Isso
pode ser explicado por uma atuação utilitarista dos entes envolvidos, que
não buscam produzir provas já disponíveis em outras investigações, aliada a uma tendência jurisprudencial de aceitação do compartilhamento
probatório, sem que isso signifique a perda da independência e do poder
decisórios que parecem muito caros aos órgãos de controle.
Fica claro que o valor eleito pelo sistema de justiça brasileiro no âmbito
probatório é o da economia. Aqui, o modelo vigente tira vantagem da multiplicidade de órgãos de controle e se apropria de todos os elementos probatórios produzidos, ainda que em espaços não jurisdicionais. A lógica é a
de que todas as informações podem ser trazidas ao processo, mas, ao final,
270
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
a decisão judicial é autônoma (o chamado princípio do “livre convencimento motivado”, que estabelece que o juiz é livre para decidir conforme
apontar sua convicção, desde que apresente os fundamentos da sua decisão)13 e não necessariamente deve ser influenciada pelas prévias decisões
prolatadas no caso. O mesmo elemento probatório, portanto, pode gerar
decisões diversas. Isso parece ser muito claro ao operador do direito, mas
é de difícil digestão para os que não estão acostumados à lógica do sistema de justiça.
7.3 |
os
sujeItos do ProCesso:
ESCOLhAS POLíTICAS qUE SE REFLETEM NA TéCNICA
Outro aspecto no Caso TRT que permite uma análise interessante diz respeito à legitimidade de agir. Tecnicamente falando, definir a legitimidade
de agir em uma demanda judicial é o mesmo que dizer quem são os sujeitos aptos a figurar nos dois polos do processo (ativo e passivo), ou seja,
significa definir a pertinência subjetiva da demanda (LIEBMAN, 1984,
p. 159). Para além do significado técnico jurídico, a legitimidade de agir
traz ínsita um significado político, na medida em que às partes do processo serão conferidos poderes de requerimento de provimentos jurisdicionais e mecanismos probatórios hábeis a convencer o juiz da causa. Em
suma: são as partes legítimas que, em regra, podem participar do processo
em contraditório e influenciar na construção das decisões provisórias e
finais prolatadas no processo pelo juiz. A legitimidade processual, portanto, é uma das técnicas processuais que politicamente legitima (expressão redundante, mas esclarecedora) o exercício do poder estatal e insere
um dado democrático no processo.
Tendo em vista a função da legitimidade processual no modelo jurídico
vigente, a respectiva regra é bastante simples e óbvia: são partes legítimas
aqueles cujos supostos direitos e interesses são debatidos no processo. São
eles os sujeitos mais aptos a trazer ao juiz sua versão dos fatos, e são eles
que estarão sujeitos à decisão judicial final do processo (a chamada “legitimidade ordinária” – CPC, art. 6º).14 São eles, portanto, que devem participar
da construção dessa decisão, oferecendo suas alegações e defesas. É com
base nessa lógica que, em princípio, permite-se que a entidade lesada por
271
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
um ato de corrupção (União, Estados, Municípios, autarquias etc.) proponha
ação de improbidade administrativa em face do agente público causador do
dano ou outro beneficiário direto do ato ímprobo.15 Ninguém melhor que
o suposto lesado para defender seu patrimônio, e ninguém melhor que o
suposto agente causador do dano para refutá-lo.
Ocorre que há na sociedade moderna interesses de natureza pública, com
destacada importância, que demandam proteção especial, inclusive mediados por um procedimento judicial peculiar, destacado da aplicação burocrática da lei com que normalmente é tratada a massa de ações judiciais
individuais. Nesses casos, uma das técnicas processuais utilizadas é a
ampliação da legitimidade processual, com a permissão legal para que
outros entes defendam direitos que originariamente não lhes pertençam. O
intuito é o aprimoramento da proteção.
É o que ocorre com o interesse na probidade administrativa e na integridade do patrimônio público. Para processos de improbidade administrativa, que veiculam essas espécies de interesses, a lei processual ampliou a
legitimidade e permitiu que, além da entidade lesada, o Ministério Público
também proponha as demandas (COSTA, 2008, p. 205-208). Nesses casos,
a previsão de legitimidade extraordinária também se funda na falta de confiança na independência dos procuradores das entidades lesadas, legitimados ordinários, em ajuizar demandas de improbidade administrativa em
face de seus colegas ou mesmo superiores hierárquicos. Foi necessária a
complementação do sistema de legitimidade para a proteção integral dos
interesses envolvidos.
A escolha pelo Ministério Público, por outro lado, fundou-se na previsão
constitucional de defesa dos relevantes valores sociais que o legitimou para
a defesa de interesses metaindividuais da sociedade (CF, art. 127).16 O
Ministério Público ainda é historicamente o titular da ação penal pública, e
com experiência, portanto, na busca pela aplicação do direito punitivo estatal, como também é o caso da demanda cível de improbidade. Trata-se,
porém, de legitimidade extraordinária, já que, ao contrário da entidade pública lesada, o MP não é o detentor do direito discutido no processo.
No Caso TRT, as demandas judiciais (cíveis e criminais) foram todas
propostas pelo Ministério Público. A entidade lesada (Poder Judiciário
272
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Trabalhista) não buscou a tutela do seu interesse e, ao contrário, inicialmente
sustentou a legalidade do procedimento adotado perante o TCU. Esse aspecto
do caso ilustra exatamente o conflito interno que pode existir na entidade
lesada: comandada pelos agentes causadores do dano, não foi capaz de
agir de forma independente na tutela de seus interesses institucionais. Fica
evidenciada, assim, a importância da previsão de legitimados extraordinários para a defesa dos interesses sociais relevantes e a multiplicidade de
legitimados em casos com repercussão política e social marcante. Na pesquisa sobre improbidade administrativa já mencionada (BRASIL, 2011),
constatou-se que cerca de 10% das demandas analisadas foram propostas
pelas entidades lesadas. As demais, foram ajuizadas pelos Ministérios
Públicos Estaduais (58,45%) e Federal (30,44%).
fIgurA 7.7
PORCENTAGEM
DE DEMANDAS PROPOSTAS POR CADA UM DOS COLEGITIMADOS
ATIVOS DA AçãO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - 58,45%
PMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - 30,44%
ENTIDADE LESADA - 9,9%
N/C - 1,21%
FONTE:
(BRASIL, 2011).
Outro debate que o caso analisado traz é sobre a possibilidade e a conveniência política de uma ampliação maior dos legitimados processuais
273
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
ativos para a tutela e articulação de valores sociais. É que o Ministério Público e a entidade lesada são órgãos estatais, e a concessão de legitimidade a
tais entes afasta a possibilidade de participação direta da sociedade civil no
combate judicial à corrupção. Fica aqui o questionamento sobre a possibilidade de ampliação do rol dos legitimados para a inclusão da sociedade
civil e sua respectiva influência no aprimoramento do sistema processual,
do exercício da cidadania e da reflexão sobre a ética pública. No primeiro
workshop da pesquisa sobre improbidade administrativa (BRASIL, 2011),
foi sugerida a inclusão das associações civis como entes legitimados à propositura da demanda de improbidade administrativa, à semelhança do que
já ocorre no âmbito da ação civil pública. A ampliação da legitimidade com
a inclusão de associações ou mesmo pessoas físicas permitiria que fossem
trazidos à apreciação jurisdicional atos de improbidade de ciência privada,
não levados ao conhecimento do Ministério Público. A solução teria o potencial de aumentar a acessibilidade dos conflitos sobre improbidade aos órgãos
jurisdicionais (BRASIL, 2011, p. 42). Porém, a questão é polêmica, pois os
participantes do segundo workshop foram contrários a essa solução, apontando a sua possível ineficiência diante do lento modelo processual brasileiro (BRASIL, 2011, p. 48-49).
Por fim, ainda sobre os sujeitos do processo e a competência dos órgãos
jurisdicionais para o seu julgamento, vale a pena uma breve análise a respeito
do foro de prerrogativa de função. No sistema judicial vigente, os processos
criminais preveem foro de prerrogativa de função aos agentes políticos, dentre outros. Isso significa que, quando os réus forem agentes políticos (detentores de mandato, membros do alto escalão do Executivo, magistrados e
promotores de justiça etc.), as demandas criminais não serão propostas em
primeiro grau de jurisdição, mas sim nos Tribunais (de segundo grau ou Tribunais Superiores). As demandas cíveis de improbidade administrativa,
porém, não seguem a mesma sistemática e devem ser todas propostas em primeiro grau de jurisdição, independentemente de quem seja réu. Em outros
termos, não preveem foro de prerrogativa de função.
Ocorre que há julgamento do Supremo Tribunal Federal (Rcl 2.138/DF)
que altera essa regra e prevê a inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa a alguns agentes políticos, dando um enquadramento diferenciado
274
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
a esses réus (crime de responsabilidade), com o reconhecimento de prerrogativa de foro para julgamento. Ainda não foi definida pela Suprema Corte
a abrangência da decisão, ou seja, não está claro se esse entendimento se
aplica a todos os agentes políticos ou somente alguns deles. Por enquanto,
sabe-se que agentes do alto escalão federal e estadual (Presidente da República, Governadores, Ministros de Estado, Ministros do STF e ProcuradorGeral da República, por exemplo) estão afastados da incidência da Lei de
Improbidade Administrativa, pois se submetem a outro sistema judicial de
controle, o político-administrativo previsto pela Lei n. 1.079/50, a chamada
Lei do Impeachment, que lhes garante foro de prerrogativa de função. O
STF ainda não se pronunciou sobre a aplicabilidade desse entendimento aos
agentes políticos municipais que também, em tese, possuem sistema político-administrativo de controle próprio com previsão de foro de prerrogativa,
previsto pelo Decreto-lei n. 201/67. Caso essa interpretação prevaleça para
todos os agentes políticos, a ação de improbidade ficará bastante esvaziada.
Como medido na pesquisa de improbidade administrativa (BRASIL, 2011),
parcela considerável dos réus em ações de improbidade são agentes políticos
(46,09%), assim entendidos os detentores de mandato eletivo, os ocupantes
de cargos comissionados, os membros da Magistratura e do Ministério
Público (BRASIL, 2011, p. 53).
O Caso TRT introduz dados importantes nesse debate, pois narra as idas
e vindas das investigações e processos criminais, em virtude do fato de
alguns agentes políticos serem investigados/réus. Isso porque o foro de prerrogativa vige enquanto o réu detém o poder político, enquanto ele ocupa o
cargo.17 Depois disso, perde o benefício, o que significa a remessa dos autos
ao novo órgão competente, no primeiro grau de jurisdição. A remessa,
porém, no caso analisado, gerou um retardamento do trâmite procedimental,
o que certamente foi outro fator de demora na definição do caso.
Há inúmeros casos de foro de prerrogativa de função no sistema judicial
brasileiro, todos previstos pela Constituição Federal (CF, arts. 102, 105 e
109). O direito brasileiro, nesse sentido, é bastante pródigo, se comparado
a ordenamentos jurídicos estrangeiros.18 A justificativa para a previsão de
prerrogativa de foro é a garantia de um julgamento diferenciado aos ocupantes de determinados cargos públicos. Nesse sentido, a prerrogativa é
275
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
conferida ao cargo e não aos indivíduos que o ocupam e, por esse motivo,
o benefício cessa com o fim do mandato, a aposentadoria ou outra forma
de vacância.
A prerrogativa de foro, porém, tem ferrenhos opositores, que enxergam
no benefício um atentado ao princípio da igualdade, na medida em que
trata de forma diferenciada os sujeitos processuais. Se a ideia central do
regime republicano é a de que todos sejam igualmente submetidos à lei, a
previsão de formas ou, no caso, de órgãos diferenciados de julgamento é,
em princípio, violadora. Em decorrência da diferença de tratamento que
gera, a prerrogativa de foro é apontada como técnica que possibilita julgamento de conteúdo mais político que jurídico e, por esse motivo, é concedida a detentores de mandatos e ocupantes de cargos públicos com
atribuições decisórias relevantes. Além disso, pode implicar restrição do
número de recursos cabíveis e, consequentemente, do direito de defesa
das partes, pois se o processo se inicia em órgão mais alto na estrutura
organizacional do Judiciário, terá menos degraus a subir.19 A regra, portanto, só se justifica quando constitucionalmente prevista, não admitindo
interpretações ampliativas, que aumentem os cargos ou as hipóteses de
incidência dos benefícios (COMPARATO, 1999, p. 158), como ocorrido
no julgamento da Reclamação 2.138/DF.
A despeito da discussão ideológica que gira em torno do foro de prerrogativa de função, há o aspecto burocrático dessa previsão processual,
claramente ilustrado pelo Caso TRT.20 O foro de prerrogativa, como visto
anteriormente, é transitório; portanto, não raramente vigora por um período limitado da persecução penal. Representa, portanto, um “vai e vem”
procedimental que é fator de evidente ineficiência.
O aspecto da ineficiência e da burocratização merece ser adicionado ao
debate sobre a incidência da lei de improbidade administrativa a agentes
políticos e o respectivo reconhecimento de foro de prerrogativa de função
a parcela de seus réus. Se os processos cíveis já têm tramitação mais lenta
que os criminais, a essa demora deve ser somado o tempo de remessa e do
eventual retorno dos autos nos casos de réus agentes políticos. Para um sistema que já padece de lentidão, é necessário ponderar se o incremento da
burocratização é desejável.
276
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
ConsIderAções fInAIs
O Caso TRT foi um escândalo de corrupção de grande repercussão no Brasil.
A narrativa que introduz este livro permite observar em detalhes a interseção
de diferentes sistemas e atores envolvidos na condução do caso e, em especial, avaliar a dimensão do papel desempenhado pelo sistema de justiça e
os resultados que conseguiu produzir ao lidar com um conflito repleto de
variáveis políticas e jurídicas com vetores apontados para sentidos nem sempre coincidentes. Este capítulo tentou trazer esclarecimentos sobre como
funcionam (ou deveriam funcionar) os instrumentos processuais utilizados
no caso. E, a despeito da perplexidade que o caso gera, nossa conclusão
pode ser considerada otimista.
A análise do caso sugere que o sistema brasileiro de controle da corrupção ainda é extremamente lento e desarticulado, interna e externamente,
mas possui caminhos para a busca de melhores resultados. As tutelas de
urgência têm sido uma ferramenta de destaque nesse desafio. A suspensão
dos pagamentos, bloqueios de bens, restrições de liberdade e outras medidas de urgência adotadas no Caso TRT geraram resultados que, mesmo que
provisórios, não são nada desconsideráveis. Toda justiça até agora produzida e a que ainda se espera que seja feita estão condicionadas ao êxito das
liminares proferidas. Resultados melhores dependeriam não tanto do rendimento do instrumento processual, mas do desempenho do desenho institucional: quanto antes se articularem os atores envolvidos, mais cedo serão
requeridas as tutelas de urgência e maiores as chances de que elas preservem bens para uma execução definitiva; quanto mais intensa essa articulação, mais sólidas serão as provas produzidas e menos chances terão
eventuais recursos interpostos. As condicionantes desses resultados são institucionais, não processuais.
Ainda que se impute a demora na finalização do caso aos recursos e à
dependência do trânsito em julgado, esses instrumentos amparam-se em
justificativas de ordem democrática dificilmente afastáveis. A demora processual gerada pelo mau uso dos recursos afeta litígios de qualquer natureza, não apenas aqueles destinados ao controle da corrupção. Mas a
importância que esse tipo de demanda possui na composição da percepção
pública de justiça justificaria a adoção, ainda que experimental, de medidas
277
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
de limitação dos efeitos dos recursos, bem como a mitigação do condicionamento da execução ao trânsito em julgado (ou ampliação da eficácia
das execuções provisórias).
A paulatina desvinculação do trânsito em julgado pode ser antevista no
recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade
da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010). Em suma, entendeu a Corte que as restrições de direitos políticos cominadas na lei podem
ser implementadas com base em condenações confirmadas por tribunais,
ainda que não se trate de julgamentos definitivos, transitados em julgado.21
E a polêmica restrição aos efeitos dos recursos tem aparecido, ainda que
de forma tímida, nas propostas de reforma do art. 520 do Código de Processo Civil. Segundo essa regra, uma vez interposto e recebido o recurso
de apelação, ficam suspensos os efeitos do julgamento proferido – ou seja,
não se pode fazer nada com a sentença até que seja julgada a apelação. A
solução, porém, parece distante, pois os argumentos centrais do caso, que
são o completo desprestígio às sentenças de primeira instância e o imiscuído intuito de controle dos órgãos superiores sobre os inferiores, praticamente não foram enfrentados nos debates em torno da reforma legal, o
que torna difícil crer em uma mudança verdadeiramente estrutural.
Outro elemento que pareceu determinante na demora e consequente
indefinição do caso, e que também não é exclusivo dos casos de corrupção,
é o fato de que o sistema todo, administrativo e judicial, estrutura-se sob
complicadas e burocráticas regras organizacionais e processuais. Não apenas os procedimentos previstos em lei são extensos e minuciosos, como a
prática de cada ato desse procedimento requer várias rotinas administrativas. É praticamente impossível trilhar o caminho predeterminado em um
tempo “razoável” (SILVA, 2010).
Fica aqui a ponderação sobre a ampliação e a antecipação da articulação
entre as instituições de controle e seu potencial de impacto no aprimoramento do sistema e, consequentemente, dos resultados obtidos no combate
à corrupção. A criação de standards de valoração de condutas comuns, por
exemplo, pode servir de parâmetro para a atuação dos órgãos de controle
e de orientação para a administração pública, que não se veria mais sujeita
a avaliações diferenciadas da mesma realidade jurídica. A atuação conjunta
278
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
e padronizada também é muito mais eficiente para a construção de um
ambiente preventivo de condutas ilícitas, na medida em que significa
maior transparência nas regras do jogo e, consequentemente, diminuição
do controle meramente burocrático e sobreposto.
O Caso TRT, porém, a despeito da atuação isolada e descoordenada dos
órgãos de controle – ou, ao menos, de uma coordenação tardia –, denota
amadurecimento institucional de alguns atores envolvidos, embora todos
ainda sofram bastante influência seja dos interesses em jogo, seja da sociedade civil, via cobertura midiática. Algumas estratégias bem-sucedidas
apontam para esse amadurecimento, tais como as iniciativas de utilização
de mecanismos de cooperação jurídica internacional e repatriamento de
valores, bastante inovadoras para a época. Além disso, é evidente a formação conjunta de um material probatório sólido, que sustentou os julgamentos mais recentes do caso – estes sim, sempre no sentido da condenação
dos réus.
Se, por um lado, observa-se a multiplicidade de atores envolvidos no
combate à corrupção, por outro resta claro que o sistema de justiça não
permite que a sociedade civil – seja na forma associativa, seja via indivíduo/cidadão – atue diretamente como um desses atores. As regras de legitimidade somente dão acesso ao Judiciário àquelas demandas propostas
por entes públicos, em especial, o Ministério Público. À sociedade civil é
resguardada a participação indireta, via denúncias aos órgãos públicos legitimados. Há uma escolha legislativa restritiva nesse campo, muitas vezes
justificada por um temor pelo mau uso dos instrumentos processuais de
punição e pela necessidade de proteção dos agentes públicos contra iniciativas impulsionadas pela má-fé. De outro lado, percebe-se que a Constituição Federal constrói todo um modelo normativo pautado pela busca do
aprimoramento da participação popular no Estado Democrático de Direito
brasileiro (CF, art. 1º), via exercício da cidadania, na definição de seus
valores fundamentais (SILVA, 1999, p. 121-122). Os vetores aqui parecem
não coincidir (legitimidade restrita X ampliação da participação), em especial quando se leva em conta que o combate à corrupção, judicial ou não,
tem um potencial educativo e reflexivo, na medida em que aprofunda o
debate sobre a ética administrativa.
279
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
A dificuldade do modelo processual brasileiro no equacionamento de
valores conflitantes pode também ser vista na discussão sobre a ampliação,
direta ou reflexa (Rcl. 2.138/DF), da competência para julgamento por foro
de prerrogativa de função a agentes políticos réus. De um lado, há a justificativa de que a atividade desenvolvida por determinados cargos merece proteção diferenciada, e as demandas envolvendo seus ocupantes devem ter
julgamento inicial em instâncias superiores da organização judiciária nacional. De outro lado, há a pressão do vetor igualdade, que permeia todo ordenamento jurídico brasileiro e que demanda tratamento isonômico entre os
indivíduos. Esse vetor, ainda, está inserido em um modelo constitucional
republicano de Estado Democrático de Direito, em que todos os agentes
públicos devem se submeter à mesma lei. O Caso TRT aponta, ainda, que a
prerrogativa de foro gera também um tumulto processual indesejável, pois
sua transitoriedade pode ocasionar um “vai e vem” procedimental, aumentando a burocracia judiciária e atrasando a marcha processual.
A escolha axiológica pela previsão de hipóteses de competência por prerrogativa de foro é constitucional e, portanto, inquestionável e legítima. A
ampliação das hipóteses já previstas, porém, é uma escolha político-jurídica
da Suprema Corte brasileira que demandou esforço interpretativo bastante
criativo e que culminou no afastamento da própria incidência da Lei de
Improbidade Administrativa a agentes políticos, evitando, assim, o embate
direto com os valores constitucionalmente reconhecidos mencionados anteriormente (igualdade, eficiência e modelo republicano de Estado).
Como visto, a narrativa do Caso TRT levanta inúmeras possibilidades
de análise e reflexão sobre o sistema de controle judicial da corrupção. A
riqueza na descrição dos fatores e circunstâncias determinantes para o
desenrolar do caso permite visualizar o funcionamento do sistema brasileiro de justiça e apontar sua complexidade e suas idiossincrasias. Além
disso, os elementos trazidos servem para avaliar o desempenho Judiciário
brasileiro como arena de debate da ética administrativa e ilustrar o importante papel que as regras procedimentais e os valores a elas subjacentes
podem ter na construção de um modelo processual democrático.
280
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
notAs
Outra perspectiva para compreender o trânsito em julgado é, de acordo com o
raciocínio exposto, o percurso de todo o procedimento previsto em lei para que se chegue
ao julgamento final. Ambas contêm a ideia de exaurimento procedimental e resultam em
um efeito de imutabilidade, de definitividade.
1
O direito à defesa é garantia constitucional dos acusados em quaisquer processos,
judiciais ou administrativos (CF, art. 5º, LV).
2
Primeira instância, composta de varas monocráticas; segunda instância, de tribunais
estaduais e regionais; e tribunais superiores compostos, entre outros, pelo STF e STJ.
3
É certo que as decisões intermediárias (tecnicamente, “decisões interlocutórias”) não
podem mais ser impugnadas após o prazo de dez dias previsto para a interposição do respectivo
recurso chamado de agravo, mas como a decisão é provisória, nada impede que o órgão
julgador a revise ou a revogue por ocasião de outra decisão interlocutória ou da decisão final.
Para eliminar a confusão, a teoria processual construiu duas categorias: a preclusão, que é a
perda da faculdade de praticar o ato (no caso pelo decurso do tempo), e a coisa julgada, que
é a imutabilidade da decisão (ou dos efeitos da decisão). Na linhagem doutrinária ítalobrasileira, essa distinção é atribuída a Giuseppe Chiovenda, na primeira metade do século XX.
4
Art. 16, LIA. “Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão
representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo
competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido
ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.
§ 1º O pedido de sequestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e
825 do Código de Processo Civil.
§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens,
contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos
da lei e dos tratados internacionais.”
5
Art. 7°, LIA. “Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público
ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo
inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre
bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial
resultante do enriquecimento ilícito.”
6
281
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
Art. 20, LIA. “A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só
se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.”
7
A título de exemplo, veja-se trecho do julgamento proferido pelo Tribunal de
Justiça do Paraná: “Examinado o caso pelo Tribunal de Contas da União, restou arquivado,
salientando que as irregularidades e os vícios constatados não se podem sobrepor ao
evidente ganho público demonstrado nas compras de merenda escolar, ressalvando que os
demais questionamentos suscitados pela equipe auditora constituíram meras falhas de
natureza formal, sem repercussões econômicas ou operacionais. [...] E, por fim, a análise
acurada do Tribunal de Contas da União indica que a finalidade pública foi atingida.”
(TJPR, Apelação Cível n. 96.04.20548-0). Nesse caso, a conclusão do procedimento
administrativo do Tribunal de Contas, no sentido da inexistência de dano ao erário, a
despeito da constatação de algumas irregularidades, foi um dos principais argumentos
utilizados para a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná que manteve o julgamento de
improcedência do pedido da demanda de improbidade administrativa.
8
Art. 301, CPC. “Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar: [...]
V – litispendência;
§ 1º Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação
anteriormente ajuizada.
§ 2º Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir
e o mesmo pedido.
§ 3º Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada,
quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.”
9
Art. 267, CPC. “Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: [...]
V – quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;”
10
Art. 935, CC. “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se
podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando
estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”
11
Art. 475-N, CPC. “São títulos executivos judiciais: [...]
II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;.”
12
Art. 131, CPC. “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e
circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá
indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.”
13
282
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Art. 6º, CPC. “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo
quando autorizado por lei.”
14
Art. 1°, LIA. “Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público,
servidor ou não [...].”
Art. 2°, LIA. “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que
exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”
Art. 3°, LIA. “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que,
mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade
ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”
15
Art. 127. “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”
16
Até 1999 vigia a Súmula 394 do STF, prevendo que: “cometido o crime durante o
exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função ainda que o
inquérito ou ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”. Após a revogação
da Súmula, a perda do cargo passou a gerar a remessa do processo às instâncias ordinárias.
17
O Ministro Sepúlveda Pertence, em voto no julgamento da questão de ordem n. 687,
ponderou que “poucos ordenamentos jurídicos são tão pródigos quanto a vigente Constituição
brasileira na outorga da prerrogativa de foro (v.g., CF 88, art. 102, I, b e c; 105, I, a; 109, I,
a; 96, III; 27, § 1° e 29 X, sendo certo ainda ser consolidada na jurisprudência que tanto a
lei processual federal quanto as constituições estaduais e a lei orgânica da Justiça Eleitoral
podem criar outras hipóteses, de cujo âmbito se tem ressalvado apenas a competência do
Júri)” (STF, Pleno, Inq 687 – QO, Rel. Ministro Sidney Sanches, DJ 25.8.99).
18
Toda essa discussão foi recentemente retomada no julgamento da Ação Penal n.
470, o chamado “Mensalão”, caso em que, por maioria, o STF entendeu pela concessão
de prerrogativa de foro a réus não incluídos na previsão constitucional em benefício da
eficiência da instrução processual.
19
Como relatado: “No início de 1999, o Ministério Público Federal dá início a um
segundo conjunto de ações relacionadas ao Caso TRT, especificamente na esfera penal. O
primeiro inquérito criminal sobre o caso é autuado na Corte Especial do Superior Tribunal
20
283
[sumário]
7. o Controle judICIAl dA CorruPção e o modelo ProCessuAl brAsIleIro:
de Justiça em maio. Em 16 de fevereiro de 2000, diante da revogação da Súmula 394 do
STF, a Corte Especial do STJ, por unanimidade, declina a competência e determina a
remessa desse inquérito à 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Depois da instauração
do Inquérito n. 258 no STJ, mas antes da remessa para a 1ª instância, é instaurado inquérito
no STF para apurar os fatos relacionados à CPI, cujo investigado era Luiz Estevão de
Oliveira Neto (STF, Inq. 1595). Mas, como em 28 de junho de 2000, Luiz Estevão teve
seu mandato cassado pelo Senado Federal, foi determinada a remessa do Inquérito 1595 à
Justiça Federal de 1º grau em São Paulo, pois o inquérito passou a alcançar ‘cidadão
comum’. Assim, os autos também são encaminhados para a 1ª Vara da Justiça Federal em
São Paulo.”
Ações declaratórias de constitucionalidade ns. 29 e 30 (ADCs 29 e 30) e ação
direta de inconstitucionalidade (ADI. 4.578), julgadas pelo Supremo Tribunal Federal em
16 de fevereiro de 2012.
21
284
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
referênCIAs
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:
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:
:
:
:
:
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Administração Pública federal”. Pensando o Direito, n. 33. Brasília: Ministério da
Justiça, 2011 (Relatório de Pesquisa).
_______. “Eficácia do sistema de combate à improbidade administrativa”. Pensando
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CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do
processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
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Direito Público, n. 25, São Paulo, 1999, p. 153-159.
COSTA, S. H. O processo coletivo na tutela do patrimônio público e da moralidade
administrativa: ação de improbidade administrativa, ação civil pública e ação
popular. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
DINAMARCO, C. R. Instituições de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009.
IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O custo unitário do processo de
execução fiscal na Justiça Federal – relatório de pesquisa. Brasília: IPEA, 2011.
_______. “Acesso à Justiça Federal: dez anos de juizados especiais”. Série Pesquisas do
CJF, n. 14. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012.
LIEBMAN, E. T. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa
julgada. Trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
_______. Manual de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
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a 565. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo:
Malheiros, 1999.
SILVA, P. E. A. da. Gerenciamento de processos judiciais. São Paulo: Saraiva,
2010.
285
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
8.
o ImPACto dAs normAs sobre
foro esPeCIAl no CAso trt
Luisa Moraes Abreu Ferreira
Introdução
De 1999 até hoje, houve pelo menos três grandes alterações nas regras que
determinam as hipóteses de cabimento do foro especial por prerrogativa
de função.1 Não bastassem as mudanças, as regras em si, quando vinculadas
ao exercício do cargo público, geram alterações na competência durante o
trâmite processual. A extensão e restrição da prerrogativa e sua aplicação
no tempo é matéria constante nos tribunais.
Como será descrito adiante, as alterações dizem respeito a três questões
principais: (i) o foro especial é relativo a julgamento de qualquer tipo de
crime ou apenas a crimes relacionados a atos adminstrativos do agente?; (ii)
o foro especial contempla atos de improbidade?; (iii) o foro especial se mantém após o agente deixar o cargo?
O debate sobre o tema é extenso, e há diversos projetos em trâmite voltados a limitar a prerrogativa.2 Nas justificações das propostas de emendas
constitucionais, argumenta-se que o instituto fere o princípio da isonomia3
(justificativa mais frequente) e que gera impunidade4 e falta de credibilidade nas instituições5. O impacto mais direto do foro especial no andamento
dos processos criminais e ações de improbidade, no entanto, é pouco discutido. Os autores que escrevem sobre o tema muitas vezes se limitam a
criticar ou elogiar o instituto, com base em princípios de direito.6
Este capítulo tem como objetivo analisar o impacto do marco normativo do foro especial por prerrogativa de função – considerando suas alterações nas últimas décadas – no caso da construção do fórum trabalhista
em São Paulo (o Caso TRT). Para isso, será feita uma descrição do percurso do instituto do foro especial de 1923 (primeiro precedente encontrado sobre o tema na base de dados online do STF) até 2012, data da
conclusão deste capítulo. Em seguida, serão estudados os pedidos, ações
e recursos discutindo competência para processar e julgar as ações civis
287
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
públicas e criminais do Caso TRT para verificar o impacto das regras de
foro especial sobre os processos.
8.1 |
evolução
normAtIvA dAs regrAs de foro esPeCIAl
Desde 1923...
Por muitos anos, os tribunais estenderam o foro por prerrogativa de função
para os crimes cometidos durante o exercício funcional, ainda que o inquérito ou a ação penal fossem iniciados após a cessação do exercício.7 Em
1964, esse entendimento dá origem à Súmula 394 do STF8, mas o primeiro
precedente citado pelo Tribunal é de 19239.
Em uma das decisões que deu origem à Súmula, o relator, Ministro Victor
Nunes Leal, assim justificou o foro especial: os tribunais “de maior categoria” teriam “maior capacidade de resistir à eventual influência do próprio
acusado” e “às influências que atuarem contra ele”. Seria, assim, “uma garantia bilateral, garantia contra e a favor do acusado”. De acordo com o Ministro,
cessada a função pública, permaneceria a possibilidade de outra pessoa “tentar exercer influência sobre quem vai julgar o ex-funcionário ou ex-titular
de posição política, reduzido então, frequentemente, à condição de adversário
da situação dominante”.10 A garantia seria, ainda assim, necessária.
Mesmo após a Constituição de 1988, o STF veio mantendo a orientação da Súmula 394.11
Até que, em 1999, o STF cancelou a Súmula.
8.1.1 |
1923 A 199912
qualquer crime cometido durante o exercício funcional (mesmo que não relativo a
atos administrativos do agente), ainda que o inquérito ou a ação penal tenha início
após a cessação do exercício
“Parece-me, porém, que é chegada
a hora de uma revisão do tema”13
Ao examinar denúncia por falsidade ideológica contra o ex-Deputado
Federal Jabes Pinto Rabelo,14 é suscitada Questão de Ordem acerca da
8.1.2 |
288
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
competência do STF para julgar o caso. O relator, Ministro Sydney Sanches, vota pelo cancelamento da Súmula, sob o argumento de que a Constituição de 1988 “não é explícita em contemplar, com a prerrogativa de
foro perante essa Corte, as autoridades e mandatários, que, por qualquer
razão, deixaram o exercício do cargo ou do mandato”.15
São levantados, ainda, os seguintes argumentos: a prerrogativa de foro
visa garantir o exercício do cargo e não proteger quem o exerce; o regramento brasileiro da matéria não vai de encontro com o direito comparado;
as regras de prerrogativa não devem ser interpretadas ampliativamente, ante
o princípio da igualdade; dificuldade de o STF exercer suas competências
tendo de atuar como juízo de 1º grau; a defesa do ex-Deputado será ainda
mais ampla com quatro instâncias.
O Ministro Sepúlveda Pertence também vota pelo cancelamento da
Súmula, mas por motivos diferentes. Argumenta que seria impossível
negar que, para a tranquilidade no exercício do cargo, “mais importa têlo assegurado para o julgamento futuro dos seus atos funcionais do que
no curso da investidura, quando outras salvaguardas o protegem”. 16
Argumenta também que a doutrina da Súmula 394 estava tão enraizada
no constitucionalismo brasileiro que sua abolição (e não sua preservação) é que reclamaria texto expresso da Constituição. Para ele, o problema estaria no teor literal da Súmula que, ao permitir a continuidade
da prerrogativa de foro em todos os casos de crimes cometidos durante
o exercício funcional, vai além do que a jurisprudência pretendeu retratar. As decisões que deram origem à Súmula, segundo ele, dizem respeito
a fatos ocorridos em razão do cargo. Diante disso, propôs a edição de
nova Súmula, com o seguinte teor: “cometido o crime no exercício do
cargo ou a pretexto de exercê-lo, prevalece a competência por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados
após a cessação daquele exercício funcional”. Os Ministros Nelson
Jobim, Ilmar Galvão e Néri da Silveira acompanham esse entendimento,
mas ficam vencidos.17
O STF cancela a Súmula 394, e à decisão é atribuído efeito ex nunc,
para que todos os atos praticados e decisões proferidas com base na Súmula 394 continuassem válidos.
289
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
Em 2002, três anos depois da decisão do STF, dois movimentos distintos resultam em nova ampliação do foro especial: (i) é aprovada a Lei
n. 10.628/02, que altera o CPP para estender novamente a prerrogativa
para os procedimentos iniciados após a cessação do exercício e equiparar
a improbidade administrativa à esfera penal para esses fins, e (ii) é ajuizada Reclamação, para que se reconheça que é competência do STF julgar Ministro de Estado com base na Lei de Improbidade.18
1999 A 2002
qualquer crime cometido durante o exercício funcional (mesmo que não relativo
a atos administrativos do agente), desde que o inquérito ou a ação penal tenha
início antes da cessação do exercício
A reação legislativa: alteração do CPP
O Projeto de Lei para alteração do art. 84 do CPP, “concedendo, assim,
foro especial de processo e julgamento (foro privilegiado) a ex-autoridade
titular de cargo publico”, de autoria do então Deputado Federal Bonifácio de Andrade, teve tramitação rápida: foi encaminhado para a CCJ em
abril de 2002 e lá foi apresentado substitutivo que foi levado à mesa e promulgado na véspera do Natal do mesmo ano.19
O relator do parecer da CCJ, Deputado André Benassi, opina pela constitucionalidade do Projeto de Lei (para “recompor garantias e direitos”),
mas propõe duas alterações: (i) restrição do foro especial apenas “para atos
administrativos do agente” e (ii) extensão do foro especial para atos de
improbidade administrativa.
Na justificação, cita trecho do voto do Ministro Sepúlveda Pertence no
julgamento da Questão de Ordem que cancelou a Súmula 394 e conclui que
“o que se deseja é manter a prerrogativa de foro especial unicamente para
o julgamento dos atos compreendidos nas atribuições administrativas do
agente público, não interferindo de tal forma no julgamento dos crimes
comuns”. Para defender a extensão para as ações de improbidade, argumenta
que a condenação implica sanções graves, e por isso também deve comportar as mesmas garantias.
8.1.3 |
290
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
É nesse mesmo parecer que o problema da demora do julgamento dos
casos de corrupção é expressamente mencionado pela primeira vez (pelo
menos, em decisões judiciais ou nas justificações dos projetos de lei aprovados). Para defender o foro especial mesmo após cessada a função pública, o Deputado cita a necessidade de evitar demoras decorrentes da remessa
dos autos às instâncias competentes após o abandono do cargo pelo agente
público.
O projeto substitutivo é aprovado, e a Lei n. 10.628 é promulgada, em
24 de dezembro de 2002. Três dias depois, a Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público (Conamp) ajuíza ADI contra os dois parágrafos do art. 84 do CPP, acrescentados pela Lei n. 10.628.20 A ADI será
julgada apenas em 2005.
2002 A 2005
Crime ou ato de improbidade, cometido durante o exercício funcional, relativo a
atos administrativos do agente, ainda que o inquérito ou a ação penal tenha
início após a cessação do exercício
O quadro a seguir indica as mudanças trazidas pela nova lei:
quAdro 8.1
COMPARAçãO DA REDAçãO DO ART. 84, DO CPP, ANTES E DEPOIS DA LEI N. 10.628/2002.
redAção AnterIor
redAção novA: LEI N. 10.628/2002
Art. 84.
A competência pela prerrogativa
de função é do Supremo Tribunal
Federal e dos Tribunais de Apelação,
relativamente às pessoas que devam
responder perante eles por crimes
comuns ou de responsabilidade.
Art. 84.
A competência pela prerrogativa
de função é do Supremo Tribunal Federal,
do Superior Tribunal de Justiça, dos
Tribunais Regionais Federais e Tribunais
de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, relativamente às pessoas que
devam responder perante eles por crimes
comuns e de responsabilidade.
291
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
§ 1º
A competência especial por prerrogativa
de função, relativa a atos administrativos
do agente, prevalece ainda que o
inquérito ou a ação judicial sejam
iniciados após a cessação do exercício
da função pública (objeto de ADI)
§ 2º
A ação de improbidade, de que trata a
Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992,
será proposta perante o tribunal
competente para processar e julgar
criminalmente o funcionário ou
autoridade na hipótese de prerrogativa
de foro em razão do exercício de função
pública, observado o disposto no § 1º.
(objeto de ADI)
Novo tipo de populismo?
A questão volta para o STF
Enquanto ainda tramitava o Projeto de Lei no Congresso, é ajuizada, pela
AGU, Reclamação perante o STF para que se reconheça “que constitui usurpação da competência do STF julgar Ministro de Estado por crime de responsabilidade, processando agente político com base na Lei de Improbidade
nas instâncias ordinárias”.21
O pedido é feito após sentença condenatória em Ação de Improbidade Administrativa ajuizada contra Ronaldo Sardemberg, então Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), sob a acusação
de ter utilizado aviões da FAB para fins pessoais. O argumento para o
pedido é o de que, apesar de inexistir previsão expressa, os delitos previstos na Lei n. 8.429/92 são crimes de responsabilidade e, por meio de
interpretação analógica, a competência para julgá-los também deveria
ser do STF. 22 De acordo com a AGU, os Ministros de Estado submetem-se a regime especial de responsabilidade, e a eles não se aplicariam
8.1.4 |
292
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
as regras comuns da Lei de Improbidade, apenas as relativas aos crimes
de responsabilidade.23
É deferida medida liminar para suspender a eficácia da sentença condenatória e sustar a tramitação do processo (à época em fase de apelação).
Segundo o Ministro Nelson Jobim, “a simples possibilidade de superposição
ou concorrência de regimes de responsabilidade e, por conseguinte, de possíveis decisões colidentes exige uma clara definição na espécie”.24
O julgamento da Reclamação pelo plenário tem início em novembro de
2002. O Ministro Nelson Jobim vota pela procedência da Reclamação, sob
o argumento de que a ação de improbidade é ação por crime de responsabilidade e não seria possível aceitar “bis in idem que se pratica em detrimento
da competência dessa Corte”.25 Após quatro votos acompanhando o relator
(pela competência do STF), o Ministro Carlos Velloso pede vista dos autos
e só há decisão de mérito em julho 2007: além dele, pediram vista os Ministros Joaquim Barbosa (2005) e Eros Grau (2007).26
Entre a decisão liminar e o julgamento, são recebidas petições de entidades da sociedade civil27 manifestando inconformismo com a posição
favorável à atribuição de competência ao STF para julgar agentes políticos;
também são recebidos ofícios de diversas comarcas do País, requerendo
informações sobre o andamento do julgamento ou cópias dos votos proferidos até então.
Ao retomar o julgamento após quase dois anos, o Ministro Carlos Velloso
vota pela improcedência da Reclamação, sob o argumento de que “isentar
os agentes políticos da ação de improbidade administrativa seria um desastre para a administração pública”.28 Em seu voto, cita consequências práticas negativas que resultariam de eventual acolhimento da tese da AGU,
a partir de dados recebidos por membros do Ministério Público, dentre
eles (i) ofício enviado pela Vice-Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça, relatando que, em 2002, havia 4.191 Ações
Civis Públicas em andamento em 14 estados brasileiros e (ii) ofícios enviados pelos Subprocuradores-Gerais da República, com quadro de agentes
políticos que respondem a inquéritos civis e ações de improbidade na Justiça Federal, no STJ e no STF: 32 ex-Ministros de Estado; 35 parlamentares
e ex-parlamentares; um ex-Presidente da República; dez Governadores e
293
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
ex-Governadores; 448 Prefeitos; 34 magistrados; e dois membros do
Ministério Público Federal.
Há novo pedido de vista e a questão é suspensa até 2007.29
O julgamento das ADIs pelo STF
Enquanto isso, tramitava no STF a ADI ajuizada pelo Conamp dois dias
após a promulgação da Lei que alterou o art. 84 do CPP.30 Três eram os
principais fundamentos da ADI: (i) os limites da competência dos tribunais
estão no texto constitucional (federal ou estadual), e o legislador ordinário
não pode ultrapassá-los, acrescentando nova competência ao rol exaustivo
posto na Constituição; (ii) o legislador ordinário interpretou a questão de
forma diferente da posição já firmada pelo STF quando cancelou a Súmula
394. Se o STF já decidiu que o texto constitucional não contempla hipótese
de prorrogação do foro por prerrogativa de função quando cessado o exercício, o legislador não pode fazê-lo; (iii) no que diz respeito à extensão
para as ações de improbidade administrativa, o legislador pretendeu “travestir-se de poder constituinte”, uma vez que a questão estava sob análise
do STF, na Reclamação 2.138 (mencionada no item anterior).
É requerida liminar para suspensão das normas questionadas, porque
“a remessa imediata para os tribunais de milhares de ações em andamento
perante a Justiça de primeira instância, em virtude da vigência de ambos
os parágrafos impugnados, é consequência desastrosa”.31
Mesmo antes de requerer informações, foram recebidos ofícios da Presidência da República e da AGU, argumentado que a ADI deveria ser julgada
imediatamente (nos termos do art. 12 da Lei n. 9.868/99). Na visão deles, no
entanto, o periculum in mora estaria na possibilidade oposta, isto é, se juízes
de primeiro grau continuassem julgando ações de improbidade e depois fossem declarados incompetentes pelo STF com o julgamento da Reclamação
2.138, do STF (que, naquele momento, estava com 5 votos favoráveis).
A liminar é indeferida pelo Ministro Ilmar Galvão, que decidiu que a
conclusão do julgamento da Reclamação não depende da concessão da liminar e que “tampouco pode ser considerada razão suficiente para a suspensão
da eficácia da lei impugnada a provável remessa de milhares de ações da
espécie para os diversos tribunais”.32
8.1.5 |
294
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
O julgamento começa em 2004, com o voto do relator, Ministro Sepúlveda
Pertence, julgando a ADI procedente para declarar a inconstitucionalidade
dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP.
Com relação à extensão do foro especial após a cessação da função
pública, o Ministro decide que lei ordinária não é instrumento apto a alterar
jurisprudência assente do STF, fundada direta e exclusivamente na interpretação da Constituição.33
Sobre a competência para julgamento das ações de improbidade, argumenta que a Ação de Improbidade é civil e que o Tribunal jamais deduziu
de sua competência originária para processos penais a de conhecer de ações
civis. Ressalta, ainda, que eventual acolhimento da tese da Reclamação não
prejudica nem é prejudicado pela inconstitucionalidade do § 2º do art. 84
do CPP. Segundo ele, a Reclamação trata de competência para julgar crimes
de responsabilidade, matéria bem mais restrita que a de julgar autoridades
por crimes comuns (e não abarca membros do Congresso Nacional).34
O julgamento é interrompido por pedido de vista do Ministro Eros Grau,
e, em pouco mais de um ano, o STF recebe mais de 50 ofícios de juízes de
primeiro grau requerendo informações sobre eventual julgamento da ação.
Em setembro de 2005, as duas ADIs são julgadas procedentes, por maioria.35 O acórdão foi publicado mais de um ano depois da decisão e, novamente, o STF recebeu dezenas de ofícios de juízes de primeiro grau
requerendo cópia do acórdão.
2005 A 2007
qualquer crime cometido durante o exercício funcional (mesmo que não relativo
a atos administrativos do agente), desde que o inquérito ou a ação penal tenha
início antes da cessação do exercício
E, finalmente, o julgamento
da Reclamação pelo STF
Após novos pedidos de vista, o julgamento é retomado em 2007. Na ocasião, quatro dos Ministros que haviam votado já estavam aposentados e
seus sucessores não poderiam participar do julgamento.36 Assim, o Ministro
8.1.6 |
295
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
Marco Aurélio suscita Questão de Ordem para que o plenário vote acerca
do sobrestamento da Reclamação para aguardar-se o julgamento de outro
processo do qual participariam todos os Ministros, para não se correr o
risco de o Tribunal, em seguida, decidir de forma oposta.37
A Questão de Ordem é rejeitada por maioria e, ao retomar-se o julgamento, os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence
acompanham o voto do Ministro Carlos Velloso e decidem pela competência dos juízes de primeiro grau para processar e julgar ação civil por
improbidade administrativa ajuizada em face de agentes políticos.
Mas a maioria já estava formada, e em posição contrária: como mencionado, cinco Ministros já tinham votado, em 2002, pela competência
do STF. Assim, depois de quase cinco anos de julgamento, o STF julga
procedente a Reclamação e determina a competência da Corte para julgar
ações de improbidade relativas a agentes políticos.
Discussões intermináveis
A figura a seguir busca representar graficamente essas alterações das normas de foro especial por prerrogativa de função ao longo dos anos.38
8.1.7 |
296
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
fIgurA 8.1
EVOLUçãO
NORMATIVA DO FORO ESPECIAL POR
PRERROGATIVA DE FUNçãO ENTRE
1923
E
2013.
1923 - 1999
– QUALQUER CRIME COMETIDO DURANTE O EXERCÍCIO FUNCIONAL;
– MESMO QUE NÃO RELATIVO A ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE;
– AINDA QUE O INQUÉRITO OU A AÇÃO PENAL TENHA INÍCIO APÓS A CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO.
1999: STF CANCELA SÚM. 394
1999 - 2002
– QUALQUER CRIME COMETIDO DURANTE O EXERCÍCIO FUNCIONAL;
– MESMO QUE NÃO RELATIVO A ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE;
– DESDE QUE O INQUÉRITO OU A AÇÃO PENAL TENHA INÍCIO ANTES DA CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO.
2002: ART. 84 DO CPP
2002 - 2005
– CRIME OU ATO DE IMPROBIDADE COMETIDO DURANTE O EXERCÍCIO FUNCIONAL;
– RELATIVO A ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE;
– AINDA QUE O INQUÉRITO OU A AÇÃO PENAL TENHA INÍCIO APÓS A CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO.
2006: ADIS 2.797 E 2.860
2005 - 2007
– QUALQUER CRIME COMETIDO DURANTE O EXERCÍCIO FUNCIONAL;
– MESMO QUE NÃO RELATIVO A ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE;
– DESDE QUE O INQUÉRITO OU A AÇÃO PENAL TENHA INÍCIO ANTES DA CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO.
2007: RCL 2.138
2007 - ?
– CRIME OU ATO DE IMPROBIDADE COMETIDO DURANTE O EXERCÍCIO FUNCIONAL;
– MESMO QUE NÃO RELATIVO A ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE;
– DESDE QUE O INQUÉRITO OU A AÇÃO PENAL TENHA INÍCIO ANTES DA CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO.
297
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
A figura resume alterações legislativas e a ratio decidendi das principais decisões do STF sobre o tema, mas a questão é ainda mais complexa:
apenas a título de exemplo (e só no STF), é possível citar discussões sobre
(i) atração, por conexão ou continência, de processo do corréu ao foro por
prerrogativa de função de um dos denunciados39, (ii) alcance do cancelamento da Súmula 394 pelo STF a ex-Prefeitos40 ou (iii) competência para
o julgamento de ações populares contra agentes políticos41.
Mesmo sobre questões expressamente decididas pelo STF, discute-se
sobre aplicação da lei no tempo. Pelo menos até 2010, cinco anos após o julgamento das ADIs, há decisões sobre as mesmas questões já decididas (prerrogativa de foro nos inquéritos ou ações iniciados após cessação da função e
em ações de improbidade administrativa), em recursos baseados em entendimentos anteriores do STF ou na lei considerada inconstitucional.42
Como não poderia deixar de ser, o impacto da existência da regra de
foro por prerrogativa de função e de suas alterações no “Caso TRT” foi
emblemático.
o foro Por PrerrogAtIvA de função no CAso trt
O impacto prático das regras e das alterações normativas em matéria de
foro por prerrogativa de função foi mencionado poucas vezes pelos atores
(do judiciário e legislativo) durante os processos decisórios do percurso
narrado nos itens anteriores.43 Embora diversas organizações compostas
por membros do judiciário, do ministério público e da sociedade civil
tenham se manifestado nas ADIs e na Reclamação, a preocupação com o
impacto das normas apareceu pouco na argumentação jurídica das decisões e justificações.
Um estudo detido desse impacto em um caso concreto, portanto, pode
contribuir para uma análise fundada da pertinência do foro especial por prerrogativa de função.
A pesquisa a respeito das decisões e recursos envolvendo a discussão
sobre foro especial restringiu-se às duas ações penais principais (“processo
de corrupção”44 e “processo de lavagem de dinheiro”45) e ações de improbidade (“ACP Ikal”46 e “ACP Grupo OK”47) do caso. Apesar de todos
esses processos estarem sob sigilo, foi possível fazer um mapeamento dos
8.2 |
298
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
processos originados em cada ação penal e ter acesso aos andamentos e à
maior parte das decisões no STF e STJ, já que as bases de dados desses tribunais disponibilizam essas informações. Os sites da Justiça Federal e do
TRF da 3ª Região disponibilizam os andamentos e a parte dispositiva de
algumas decisões.48
Com isso, a pesquisa foi feita a partir de peças que integram os anexos
aos recursos interpostos aos tribunais superiores e do andamento resumido
dos processos, além de algumas decisões publicadas nas bases de dados.
As ações de improbidade
Em 1997, o MPF em São Paulo instaura o Inquérito Civil Público n. 07/97,
“com a finalidade de se apurar e adotar as providências cabíveis com referência a ilegalidades, superfaturamento e desvio de verbas públicas ocorridos na contratação da empresa Incal Inc. SA (Incal) pelo Tribunal Regional
do Trabalho (TRT) para a construção do Fórum Trabalhista de 1ª Instância
da Cidade de São Paulo”.49 A partir dos documentos obtidos no Inquérito
Civil, o MPF ajuizou ação cautelar inominada com pedido de medida liminar50 para impedir que o tesouro nacional continuasse realizando pagamentos à Incal. Em seguida, o MPF ajuizou a primeira Ação Civil Pública de
improbidade do caso,51 que tinha no polo passivo, entre outros, o então
Senador Federal Luiz Estevão e o Juiz do TRT Délvio Buffulin.
O primeiro questionamento da competência da primeira instância foi
feito ao STJ por Délvio Buffulin,52 que argumentou que o ajuizamento das
ações cautelar e civil pública representaria usurpação da competência do
Tribunal. De acordo com o pedido, a prática de atos de improbidade possibilitaria a aplicação de sanções idênticas às criminais e, por isso, o Juiz
teria prerrogativa de foro para ser julgado pelo STJ.
Em dezembro de 1999, a Corte Especial do STJ, por maioria (nove
ministros ficaram vencidos), julga improcedente a Reclamação. De acordo
com a decisão, não há competência originária expressa para o STJ julgar
ação civil contra agentes públicos, mas que “de lege ferenda, impõe-se a
urgente revisão das competências jurisdicionais”.53 É interposto Recurso
Extraordinário contra a decisão, admitido pelo STF em Agravo de Instrumento.54 O Ministro Marco Aurélio, relator do Recurso Extraordinário,55
8.2.1 |
299
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
decide, em 2003, que o julgamento “envolve a elucidação da constitucionalidade do § 2° do artigo 84 do Código de Processo Penal”, e aguarda o
julgamento das ADIs para decidir. É apenas em 2008 que o Ministro nega
seguimento ao Recurso, alegando que a decisão do STJ (impugnada havia
quase dez anos) estaria em “harmonia com o precedente do Supremo (na
ADI)”. O MPF interpôs Agravo Regimental contra essa decisão. Até a conclusão deste capítulo, em janeiro de 2013, o Recurso Extraordinário ainda
estava em andamento.
Enquanto isso, em junho de 1999, o MPF em São Paulo instaura novo
inquérito civil público, agora para investigar a participação do Grupo OK,
porque, após o ajuizamento da primeira ACP,
[...] tornou-se de conhecimento público, através da Comissão
Parlamentar de Inquérito que investiga o Poder Judiciário, a
existência de vultosos repasses de verbas, possivelmente oriundas
do TRT, patrocinados pela INCAL e sua subsidiária IKAL,
ao Grupo OK, este participante da licitação que deu origem
à contratação da primeira empresa.56
Em seguida, Luiz Estevão de Oliveira Neto ajuíza Reclamação no STF,57
alegando a nulidade da portaria do MPF/SP que instaurou o segundo inquérito civil público, porque seu único objetivo era o de investigar a ocorrência
de fraude à licitação (capitulada, na época, no art. 335 do Código Penal) por
parte do Grupo OK. Como Luiz Estevão estava à frente dos negócios da
empresa na época, a competência seria do STF. Poucos dias depois, em julho
de 1999, é deferida a liminar para suspender, até o julgamento final da
Reclamação, a eficácia da Portaria do MPF que instaurou o inquérito civil
público. De acordo com a decisão do Ministro Celso de Mello, o fato investigado atrai a competência do STF, “pouco importando haja sido rotulado
de civil público. Sobrepõe-se ao aspecto formal a realidade, o tema de fundo,
o objetivo colimado.”
O Procurador-Geral da República interpõe agravo regimental contra
essa decisão, alegando que “o inquérito civil público instaurado validamente pela publicação da mencionada Portaria do Ministério Público
300
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Federal não busca esclarecer a autoria e a materialidade de crime, mas,
tão somente, apurar fato com a finalidade de fixar responsabilidade
civil”.58 O Ministro Celso de Mello reconsidera a decisão que deferiu a
liminar, restaurando, até o final do julgamento da Reclamação, a eficácia
da Portaria que instaurou o inquérito civil público.59 Não há decisão de
mérito, porque, em 2000, é instaurada a ACP,60 e o pedido da Reclamação
é considerado prejudicado.
Durante o trâmite das Ações Civis Públicas em primeiro grau (a conexão
das ações foi reconhecida pelo TRF da 3ª Região, para julgamento simultâneo61), diversos foram os pedidos dos réus para que o processo fosse sobrestado até o julgamento da Reclamação 2.138 ou das ADIs, mas as ACPs não
foram suspensas.
Mais adiante – e em razão do julgamento da Reclamação 2.138 pelo STF
–, novamente foi requerido o reconhecimento da incompetência da Justiça
Federal de primeiro grau. Na sentença da ACP da Incal, proferida em outubro de 2011, a juíza entendeu que a Reclamação 2.138 não alcança ex-juiz,
mas tão somente Ministro de Estado.62
A tabela a seguir sintetiza as informações sobre o impacto do foro
especial nos processos de improbidade:
tAbelA 8.1
IMPACTO
DO FORO ESPECIAL NAS AçõES DE IMPROBIDADE.
Recursos ou ações
2 Reclamações; 1 Recurso Extraordinário;
1 Agravo de Instrumento; 2 Agravos Regimentais.
Interrupção do andamento
Inquérito Civil Público fica suspenso por quatro
meses, no início das investigações por liminar
concedida na Rcl. 1110, STF.
Recursos em trâmite
Recurso Extraordinário interposto contra
a Rcl. 591 ainda está em trâmite no STJ.
Deslocamentos
Nenhum.
301
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
Inquéritos criminais
Em maio de 1999, é autuado o primeiro inquérito na Corte Especial do
STJ.63 O investigado era Nicolau dos Santos Neto, aposentado.64 Depois
de quase um ano, diante da revogação da Súmula 394 do STF, a Corte Especial do STJ, por unanimidade, declinou a competência e determinou a
remessa do inquérito à Seção Judiciária de São Paulo.65
Depois da instauração do inquérito no STJ, mas antes da remessa para
a primeira instância, é instaurado novo inquérito: dessa vez, no STF,
para apurar os fatos relacionados à CPI cujo investigado era Luiz Estevão de Oliveira Neto.66
Diante da decisão que determinou a remessa do seu inquérito do STJ
para a primeira instância, a defesa de Nicolau dos Santos Neto interpôs
Reclamação ao STF,67 alegando que a competência para investigação a
ele relacionada é do STF, em razão de conexão probatória com a investigação de Luiz Estevão. A Reclamação foi julgada improcedente em junho
de 2000, pois não haveria conexão instrumental ou probatória entre as
duas investigações.68
Corriam os dois inquéritos, um em primeira instância (Nicolau dos Santos Neto) e outro no STF (Luiz Estevão), quando, em 28 de junho de 2000,
Luiz Estevão teve seu mandato cassado pelo Senado Federal. Depois de
um mês, foi proferida decisão69 declinando a competência do Inquérito
1595 à Justiça Federal de primeiro grau em São Paulo70. Na decisão, o
Ministro Marco Aurélio cita acórdão proferido na Questão de Ordem no
Inquérito n. 687, que cancelou a Súmula 394 do STF. Os autos são então
encaminhados para a 1ª Vara da Justiça Federal de São Paulo.
8.2.2 |
Ações penais
Na data da chegada do Inquérito 1.595 do STF à 1ª Vara, já havia denúncia nos autos, relativa aos crimes de peculato, estelionato, corrupção passiva e formação de quadrilha (“processo de corrupção”71). E, em 16 de
março de 2000, é oferecida denúncia contra Nicolau dos Santos Neto
pelo crime de lavagem de dinheiro (“processo de lavagem”72). Ambas as
ações penais foram sentenciadas no mesmo dia, 26 de junho de 2002, pelo
Juiz Federal da 1ª Vara Criminal. Apenas Nicolau dos Santos Neto foi
8.2.3 |
302
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
condenado – por tráfico de influência, em um processo, e lavagem de
dinheiro, no outro.
Ao longo de 2002 e no começo de 2003, os autos permaneciam em primeiro grau para julgamento dos Embargos de Declaração e juntada de
razões e contrarrazões do MPF e dos acusados. Diante da promulgação da
Lei n. 10.628/2002, a defesa requer remessa de ambas as apelações ao STJ.
Nas duas ações penais, foram proferidos despachos semelhantes, indicando
que a competência para o julgamento das apelações seria do TRF da 3ª
Região, “eis que por estar o processo em fase recursal compete ao E. TRF da
3ª Região decidir se é incompetente ou não para julgar os recursos, de modo
que os autos deverão ser para lá remetidos”.73 Também é requerida a revogação da prisão de Nicolau dos Santos Neto, porque teria sido proferida por
juiz incompetente. O pedido foi indeferido, “pois quando de sua decretação,
bem como da prolação da sentença condenatória, situações estas ocorridas
antes da entrada em vigor da Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002, este
Juízo era competente para processar e julgar o feito”.
Após essa decisão, o processo de corrupção foi remetido ao STJ74, e o
de lavagem foi remetido ao TRF da 3ª Região75. Nenhuma das decisões disponíveis esclareceu a razão da mudança de entendimento do juízo de primeiro grau, e também do encaminhamento para dois tribunais diferentes.76
A partir desse momento, os processos tomam rumos distintos.
Processo de corrupção:
apelação criminal e recursos
Os autos do processo de corrupção são distribuídos à Corte Especial do
STJ77 em junho de 2003. Antes de qualquer movimentação, o MPF requer
a devolução dos autos ao TRF da 3ª Região, alegando a inconstitucionalidade do art. 84, § 1º, do CPP, com a redação dada pela Lei n. 10.628/2002.
Em outubro de 2003, a Corte Especial determina que a apelação seja julgada pelo TRF da 3ª Região, porque o STJ teria apenas competência originária, não podendo servir como tribunal de cassação.
Como em grande parte das decisões mencionadas neste livro, a votação
não foi unânime: onze ministros entenderam pela competência do TRF da
3ª Região, e ficaram vencidos outros cinco ministros: quatro declararam
8.2.4 |
303
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
a competência do STJ e um declarou a competência do STF. Temos, portanto, em um caso concreto, o STF divido entre três órgãos possíveis para
julgar uma apelação criminal – e, como consequência, diversos recursos
contra a decisão.
Fábio Monteiro de Barros interpõe Reclamação, alegando usurpação
da competência do STF.78 A liminar é negada em janeiro de 2004 pelo
Ministro Nelson Jobim. Ao contrário do imaginado, a decisão não se fundamentou no fato de já haver sentença de primeiro grau ou em uma eventual inconstitucionalidade dos parágrafos no art. 84 do CPP: o Ministro
entendeu que os atos de Luiz Estevão não foram praticados em decorrência do exercício do mandato e, por isso, o STF não teria competência para
julgar a apelação.79
É interposto agravo regimental contra essa decisão, sob o argumento de
que “o crime de corrupção passiva, em caráter continuado, imputado a um
Senador da República diz respeito a um injusto penal personalíssimo, cujo
sujeito ativo só pode ser um servidor público, na acepção penal do termo,
que inclui os agentes políticos”.80 Em fevereiro de 2004, é negado seguimento ao agravo, alegando-se que, independente da capitulação jurídica,
ao Senador foram imputados atos tipificados como crimes comuns praticados no exercício da atividade empresarial de construção civil, desvinculada da atividade parlamentar.81 Não há notícia de outra decisão nesse
processo, que foi arquivado em abril de 2004. É possível que tenha havido
desistência do pedido.
Enquanto a Reclamação de Fábio Monteiro de Barros ainda estava em
andamento, é interposta Reclamação por Luiz Estevão de Oliveira Neto,
sob os mesmos fundamentos.82 A liminar é indeferida, e é negado seguimento ao Agravo Regimental. A decisão citou o precedente da Reclamação
2.538 e acrescentou que, em razão da absolvição de Luiz Estevão, “não se
verifica qualquer possibilidade de lesão irreparável que justificasse a suspensão da ação penal”. Em novembro de 2004, Luiz Estevão requer a desistência do pedido, e a Reclamação é arquivada.
Ainda aguardava-se a remessa do processo para o TRF, quando em
janeiro de 2005 é distribuído habeas corpus ao STF83 no qual os impetrantes, advogados de Luiz Estevão, requerem a concessão da ordem para
304
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
que seja declarada a competência do STJ para conhecer e julgar a apelação, anulando-se o acórdão que determinou a remessa dos autos da Ação
Penal n. 247 ao TRF da 3ª Região.
No dia seguinte (e quase um ano e meio depois da decisão do STJ), o
Ministro Nelson Jobim, então presidente do STF, defere a liminar para suspender os efeitos do acórdão do STJ e impedir a remessa da ação penal ao
TRF da 3ª Região, até julgamento final. De acordo com o Ministro, a superveniência da Lei n. 10.628/2002 prorrogou a competência do STJ, que antes
era do TRF, para o julgamento dos recursos de apelação interpostos pelo MPF
e por Nicolau dos Santos Neto, e determinou que “enquanto não decididas a
ADI 2.797 e a ADI 2.860, permanecem vigentes as alterações introduzidas
no art. 84 do CPP, pela Lei n. 10.628/02”.84
O julgamento do habeas corpus começa em abril de 2005, com voto da
relatora Ministra Ellen Gracie deferindo o habeas corpus. Em seguida, é
acolhida preliminar de sobrestamento do feito, a fim de se aguardar o julgamento, pelo Plenário, das ADIs n. 2.797 e 2.860, em que se discute a constitucionalidade da Lei n. 10.628/2002. A Turma determina que se oficie ao
Presidente do STF a existência desse habeas corpus sobrestado, aguardando-se o referido julgamento.
Enquanto vigente a liminar no habeas corpus de Luiz Estevão, Nicolau
dos Santos Neto também interpõe Reclamação ao STF85 contra a mesma
decisão do STJ na Ação Penal n. 247. A liminar é indeferida em abril de
2005, sob os mesmos fundamentos da Reclamação ajuizada por Luiz Estevão: não há correlação inequívoca entre os atos imputados a Luiz Estevão
e o exercício do cargo de Senador da República. Nicolau dos Santos Neto
desiste do pedido, e a Reclamação é arquivada.
Em setembro de 2005, após o julgamento das ADIs 2.797 e 2.860 pelo
STF, o então relator da Ação Penal no STJ, Ministro Peçanha Martins, encaminha os autos ao Ministro Presidente, recomendando a remessa dos autos
ao TRF.86 Assim, em setembro de 2005, mais de três anos após a sentença de
primeiro grau, o Ministro Presidente do STJ, Edson Vidigal, determina a
remessa dos autos ao TRF para julgamento das apelações.
Em outubro de 2005, a relatora do HC 85.433 do STF, Min. Ellen Gracie,
julga prejudicado o pedido em razão da conclusão do julgamento das ADIs.
305
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
A apelação é julgada em maio de 2006. Em decisão unânime, a Turma julgadora rejeita todas as preliminares e dá parcial provimento ao recurso da acusação, condenando Fábio Monteiro de Barros, Luiz Estevão e José Eduardo
Ferraz a penas que variavam entre 26 e 31 anos de prisão. A condenação
impôs, também, o pagamento de multas que iam de R$ 900 mil a R$ 3 milhões.
A preliminar de incompetência do juízo de primeiro grau foi rejeitada
com fundamento nas ADIs julgadas pelo STF um ano antes. Nos termos do
acórdão: “correto foi o processo e julgamento da ação penal perante a Justiça
Federal de Primeiro Grau e, agora, o exame do recurso por este Tribunal,
pois a alteração procedida na legislação foi considerada inconstitucional
pela Suprema Corte”. A incompetência da primeira instância para o julgamento do caso é alegada em Recurso Extraordinário interposto contra esse
acórdão. É negado seguimento ao recurso no TRF, e dentre outros recursos,
a defesa de Nicolau dos Santos Neto interpõe Agravo de Instrumento ao
STF.87 Dentre as alegações, sustenta-se ofensa ao art. 5º, LIII, da CF, em
razão da competência originária do STJ.
Em 5 de março de 2010, decisão monocrática da Ministra Ellen Gracie
nega seguimento ao agravo porque a controvérsia acerca da competência para
o processamento do feito teria sido dirimida com base na legislação infraconstitucional, “sendo incabível o apelo extremo para tratar da matéria”88.
Contra essa decisão, são opostos Embargos de Declaração e de Nulidade. Em 6 de junho de 2011, o Ministro Marco Aurélio rejeita os Embargos
de Nulidade. Até a conclusão deste capítulo, em janeiro de 2013, os Embargos de Declaração não tinham sido julgados e também não havia sido iniciada a execução da sentença. Os autos permanecem fisicamente no TRF
da 3ª Região, e aguarda-se o trânsito em julgado de recursos nos Tribunais
Superiores para remessa à primeira instância para o início da execução.
Processo de lavagem:
apelação e (mais) recursos
Como relatado, após proferida sentença de primeiro grau os autos são
remetidos ao TRF em 2003, para julgamento das apelações.
Antes do julgamento, em março de 2005, é distribuída Reclamação
no STF ajuizada pela defesa de Nicolau dos Santos Neto,89 buscando o
8.2.5 |
306
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
reconhecimento da competência do STF para julgar os recursos da Ação
Penal. A Turma julgadora do TRF rejeita todas as preliminares e dá parcial provimento ao recurso da acusação para aumentar a pena de Nicolau
para 14 anos de reclusão. O julgamento é realizado antes da declaração
de inconstitucionalidade dos parágrafos do art. 84, do CPP. O argumento
para a rejeição da preliminar foi o de que o STJ já havia apreciado a questão na Ação Penal 247 (processo de corrupção). Dessa decisão, são interpostos Recurso Especial e Extraordinário. Ainda, diante do julgamento
da apelação, a defesa de Nicolau dos Santos Neto protocolou pedido de
desistência da Reclamação no STF. Os autos foram remetidos ao STJ, em
20 de abril de 2006, para julgamento de Recurso Especial,90 e até a conclusão do capítulo não retornaram à primeira instância para execução da
sentença. O Recurso Especial foi rejeitado pelo STJ e, no momento,
aguarda-se remessa dos autos ao STF para julgamento de Agravo de Instrumento contra a decisão.
A tabela a seguir sintetiza as informações sobre o impacto do foro
especial nos procedimentos criminais:
tAbelA 8.2
IMPACTO
DO FORO ESPECIAL NOS PROCESSOS CRIMINAIS.
Recursos/ ações
5 Reclamações; 2 Agravos Regimentais;
3 Recursos Extraordinários; 1 habeas corpus;
3 Recursos Extraordinários; 1 Recurso Especial;
1 Agravo de Instrumento; 1 Embargo de
Declaração; 1 Embargo de Nulidade.
Interrupção do andamento
Apelação do processo de corrupção é enviada
para o STJ no começo de 2003 e só é remetida
ao TRF 3ª Região para julgamento no final
de 2005.
Recursos em trâmite
Recurso Especial admitido no STJ para discutir a
questão da competência do processo de lavagem;
Embargos de Declaração no STF em decisão que
impediu seguimento de recurso interposto contra
307
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
a parte da apelação que não declarou nulidade
por incompetência do TRF 3ª Região.
Deslocamentos
Inquérito de Nicolau dos Santos Neto é remetido
da Corte Especial do STJ para a Justiça Federal
de SP após revogação da Súmula 394, do STF;
inquérito de Luiz Estevão no STF é remetido para
a Justiça Federal de SP após a cassação do
mandato; Apelação do processo de corrupção é
remetida para julgamento pelo TRF da 3ª Região
após quase três anos de discussões sobre
competência.
vAle A PenA?
Ao longo de todo o percurso normativo das regras de foro privilegiado,
pouquíssimas foram as vezes em que houve preocupação com os efeitos
das decisões. O processo decisório – no legislativo e judiciário – criou
um sistema confuso, errático e praticamente impeditivo do funcionamento do judiciário.
Nos processos estudados, a discussão sobre competência gerou dezenas
de recursos e ações91 e deslocou os autos de órgão quatro vezes92, sem
contar com os deslocamentos gerados em razão da admissão de recursos
(como Especial e Extraordinário); também interrompeu os processos por
um total de quase quatro anos e, por fim, gerou recursos que impedem o
trânsito em julgado da apelação criminal. A conclusão do processo é praticamente inviabilizada.
O problema parece relacionar-se menos a cada decisão individual e mais
à obscuridade da regra. Além disso, o impacto negativo da regra no andamento do processo também pode ser atribuído ao “caráter itinerante” (OLIVEIRA, 2008, p. 202) dos inquéritos e das ações criminais em relação a
esses agentes, em razão da frequente alteração ao longo do processo.
O diagnóstico é de Matthew Taylor e Vinicius Buranelli (2007), que ao
estudarem seis casos conhecidos de corrupção no Brasil (quase todos mencionados em reportagem do jornal Folha de São Paulo) apontam para a
falta de arranjo institucional coordenado entre os órgãos que participam do
8.3 |
308
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
processo de accountability nas suas três fases, monitoramento, investigação
e sanção.
O efeito prático é, justamente, o enfraquecimento da capacidade de o
sistema criminal reforçar a validade das normas. Aliás, o emaranhado de
entendimentos e leis apresentado gera caos normativo, efeito central se
considerarmos a finalidade de estabilização contrafática das expectativas
normativas. Nos casos de corrupção, essa função ganha relevo, devido à
repercussão e ao impacto dos processos – e das condutas em si, claro –
no meio social.
309
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
notAs
A prerrogativa de função é “critério de definição de competência entre órgãos
jurisdicionais de natureza diversa”. No momento de definição da competência, a prerrogativa
de função determinará os casos em que a competência originária (isto é, a competência inicial
para julgamento, em oposição à recursal) será dos tribunais de segundo grau (TJ e TRF) ou
superiores (STJ ou STF) (BADARÓ, 2012, p. 168).
1
Em pesquisa nos sistemas de busca do Senado (<www.senado.gov.br/atividade>) e
da Câmara (<www.camara.gov.br/sileg/default.asp>) por propostas de emendas constitucionais
ativas com assunto “foro especial” ou “foro privilegiado”, foram encontradas seis Propostas
de Emenda Constitucional, todas com o objetivo de limitar a prerrogativa: No Senado, PEC
10/2012, PEC 81/2007 e PEC 109/2011 e, na Câmara, PEC 142/2012, PEC 470/2005 e PEC
130/2007.
2
3
PEC 10/2012, PEC 109/2011, PEC 130/2007, PEC 81/2007 e PEC 142/2012.
4
PEC 109/2011 e PEC 81/2007.
5
PEC 470/2005.
Cf. MAZZILLI, 2003; MARCÃO, 2003; COUTO, 2003; ALVARENGA, 2001;
WALD e MENDES, 1988.
6
Essa orientação resultou de interpretação dos artigos 59, I; 62; 88; 92; 100; 101,
I, “a”, “b” e “c”; 104, II; 108; 119; VII; 124, IX e XII da Constituição Federal de 1946 e
das Leis n. 1.079/50 (define os crimes de responsabilidade do Presidente da República,
dos Ministros de Estado, dos Ministros do STF, do Procurador-Geral da República e fixou
respectivo processo) e 3.258/59 (estende aos prefeitos municipais o disposto na Lei n.
1.079/50). Em nenhum caso havia indicação expressa de subsistência da competência
originária depois de exercidos o cargo ou mandato.
7
“Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência
especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam
iniciados após a cessação daquele exercício.” Aprovada na sessão plenária de
03/04/1964 e publicada no DJ de 08/05/1964, p. 1.239; DJ de 11/05/1964, p. 1.255; DJ
de 12/5/1964, p. 1.279.
8
310
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Recurso Criminal n. 491 do STF, DJ de 15/12/1923, em que figurou como
recorrente o ex-Presidente Epitácio Pessoa.
9
10
Reclamação n. 473 do STF, DJ de 19/11/1964.
11
Nesse sentido, HC n. 69.156/SP, julgado em 29/04/1992 (RTJ 140/932).
A orientação foi mantida durante a vigência de cinco Constituições: 1934, 1937,
1946, 1967 e 1988.
12
Ministro Sydney Sanches, relator do acórdão que, em Questão de Ordem, cancelou
a Súmula 394 (Inq 687/SP QO, julgado em 25/08/1999, p. 250).
13
14
Inq 687/SP QO, julgado em 25/08/1999.
15
Idem, p. 250-251.
16
Idem, p. 263.
A votação pelo cancelamento da Súmula foi unânime. Em relação à proposta de
Sepúlveda Pertence de limitar a prerrogativa de função para casos em que o crime é
cometido “no exercício do cargo” (ou seja, crime decorrente de ato administrativo do
agente), foi rejeitada por 7 a 4. O relator, seguido pela maioria, ponderou que “talvez seja
mais difícil separar os casos em que o ato foi praticado realmente no início do mandato,
ou se for a dessa atuação” (Idem, p. 270).
17
18
Reclamação 2.138, STF.
Informações sobre a tramitação do Projeto e inteiro teor do parecer da CCJ
disponíveis em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao
=46203>, acesso em 21 de novembro de 2011.
19
ADI 2.797, STF. A ela foi apensada outra ADI, com os mesmos fundamentos,
ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (ADI 2.860, STF).
20
21
Reclamação 2.138, STF, p. 99 do acórdão.
22
Idem, p. 100 do acórdão.
311
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
Nos termos do pedido da AGU: “admitir que um juiz do primeiro grau de jurisdição
possa fazer pesar sobre um Ministro de Estado a sanção da perda dos direitos políticos e a
perda do cargo, até em sede liminar, em primeira instância de jurisdição, não é consentâneo
com o sistema de proteção da liberdade de agir do agente político” (idem, p. 101 do acórdão).
23
O Ministro cita na decisão diversos trechos do artigo “Competência para julgar
ação de improbidade administrativa”, publicado em 1998, em que Gilmar Ferreira Mendes
e Arnoldo Wald defendem a incompetência absoluta dos juízes de primeiro grau para julgar
ação de improbidade em relação a Ministros de Estado e membros de Tribunais Superiores
e do Tribunal de Contas da União.
24
Em seu voto, o Ministro Nelson Jobim também fez considerações a respeito da
sentença de primeiro grau: “O paradigma estabelecido na sentença é preocupante. Permite
a juiz de primeiro grau, após provocação do Ministério Público, avaliar o uso de bens
públicos no interesse público. Assim, é possível que qualquer dos integrantes venha a
responder a uma ação de improbidade porque se dirigiu à Universidade de Brasília em
carro oficial. Ou – o que seria ainda mais caricato – que um dos integrantes do TSE viesse
a ter os seus direitos políticos cassados porque foi visto às 3:00 horas da manhã com carro
oficial em frente a qualquer restaurante brasiliense, olvidando-se que aquele ministro
acabara de sair de uma das longas sessões da justiça eleitoral. É de pasmar esse novo tipo
de populismo!” (Reclamação 2.138, STF, p. 16 do voto do Ministro Nelson Jobim).
25
Enquanto os autos estavam com o Ministro Carlos Velloso, seu pedido de vista é
renovado sob a justificativa de estar ele aguardando o julgamento das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade 2.797 e 2.860.
26
Como, a Associação Nacional dos Procuradores da República, a Associação
Londrinense dos Registradores, Escrivães e Notários; a Associação dos Serventuários da
Justiça do Estado do Paraná.
27
28
Reclamação 2.138, STF, p. 14 do voto do Ministro Carlos Velloso.
Em uma das sessões de julgamento referente ao caso, o Ministro Gilmar Mendes
ponderou que, nessa ação “pedido de vista rimou com perdido de vista” (Reclamação
2.138, STF, p. 373 do acórdão).
29
ADI 2.797, STF, à qual, como mencionado, foi apensada a ADI ajuizada pela AMB
(ADI 2.860, STF).
30
312
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
31
ADI 2.797, relatório do acórdão.
32
ADI 2.797, STF, p. 257-258 do acórdão.
33
Idem, p. 282-287 do acórdão.
34
Idem, p. 287-292 do acórdão.
Ficaram vencidos os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Ellen Gracie. Em maio
de 2012, o pleno julgou Embargos de Declaração modulando os efeitos da decisão do STF,
para preservar a validade dos “atos processuais que eventualmente tenham sido praticados
em ações de improbidade, inquéritos e ações penais, contra ex-ocupantes de cargos com
prerrogativa de foro, sem deslocamento da competência para o Supremo Tribunal Federal
dos processos que ainda estão em curso” (ATA n. 13, de 16/05/2012. DJE n. 103, divulgado
em 25/05/2012). O acórdão não tinha sido publicado até a conclusão deste capítulo.
35
Não participaram da votação a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Ricardo
Lewandowski, Eros Grau e Carlos Britto.
36
37
ADI 2.797, STF, p. 359-370 do acórdão.
Não há pretensão de esgotamento do tema ou de que seja a única representação
possível. Em 2007, por exemplo, o pleno do STF entendeu que a competência para julgamento
de atos de improbidade cometidos por agentes políticos é do STF, mas como isso se deu
em controle difuso de constitucionalidade, não significa que todos os Tribunais acataram
o entendimento. Trata-se, portanto, de simplificação gráfica, para auxiliar a compreensão
das mudanças.
38
Cf., por exemplo, Inq 2.424, Rel. Ministro Cezar Peluso, julgamento em 26/11/2008,
Plenário, DJE de 26/03/2010, HC 91.224, Rel. p/ o ac. Ministra Cármen Lúcia, julgamento
em 15/10/2007, Plenário, DJE de 16/05/2008. Vide: Inq 2.718-QO, Rel. Ministro Ricardo
Lewandowski, julgamento em 20/08/2009, Plenário, DJE de 27/11/2009; HC 94.224-AgR,
Rel. Ministro Menezes Direito, julgamento em 12/06/2008, Plenário, DJE de 12/9/2008; Pet
3.838-Agr, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgamento em 5/6/2008, Plenário, Informativo 509.
39
Cf., por exemplo, RE 289.847, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento em
28/11/2000, Primeira Turma, DJ de 02/02/2001; HC 87.656, Rel. Ministro Sepúlveda
Pertence, julgamento em 14/03/2006, Primeira Turma, DJ de 31/03/2006.
40
313
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
Cf., por exemplo, RTJ 121/17, Rel. Ministro Moreira Alves – RTJ 141/344, Rel.
Ministro Celso de Mello – Pet 352-DF, Rel. Ministro Sydney Sanches – Pet 431-SP, Rel.
Ministro Néri da Silveira – Pet 487-DF, Rel. Ministro Marco Aurélio – Pet 1.641-DF, Rel.
Ministro Celso de Mello.
41
Cf., por exemplo, RE 601.478-AgR, Rel. Eros Grau, julgamento em 16-3-2010,
Segunda Turma, DJE de 09/04/2010; RE 439.723, Rel. Ministro Celso de Mello, decisão
monocrática, julgamento em 24/11/2009, DJE de 17/12/2009; AI 747.195-AgR, Rel. Ministra
Cármen Lúcia, julgamento em 09/06/2009, Primeira Turma, DJE de 07/08/2009; ACO 853,
Rel. Cezar Peluso, julgamento em 08/03/2007, Plenário, DJ de 27/04/2007; Inq 1.376-AgR,
Rel. Ministro Celso de Mello, julgamento em 15/02/2007, Plenário, DJ de 16/03/2007.
42
Nos documentos acessados pela pesquisa, apenas em três ocasiões houve menção
a possíveis consequências práticas do desenho institucional do foro especial: (i) no
cancelamento da Súmula 394, o STF decide modular os efeitos da decisão para não atingir
processos já em andamento; (ii) no parecer da CCJ sobre a pretendida alteração no art. 84
do CPP, o Deputado cita a necessidade de evitar demoras decorrentes da remessa dos autos
às instâncias competentes após o abandono do cargo pelo agente público; (ii) o Ministro
Carlos Velloso, ao ser o primeiro a julgar improcedente o pedido na Reclamação 2.138,
STF, mencionou dados apresentados pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de
Justiça e Subprocuradores-Gerais da República com o número de processos que seriam
afetados pela decisão.
43
Ação Penal 2000.61.81.001198-1, 1ª Vara Criminal Federal em São Paulo. Nicolau
dos Santos Neto, Luiz Estevão, José Eduardo Correa Ferraz e Fábio Monteiro de Barros
denunciados por corrupção e outros crimes.
44
Ação Penal, 2000.61.81.001248-1, 1ª Vara Criminal Federal em São Paulo.
Nicolau do Santos Neto denunciado por crime de lavagem de dinheiro.
45
Ação Civil Pública n. 98.0036590-7, 12ª Vara Federal em São Paulo. Ajuizada
pelo MPF contra Nicolau dos Santos Neto, Luiz Estevão, Fábio de Barros, José Eduardo
Ferraz, Délvio Buffulin, Antonio Carlos Gama, Incal Incorporações S/A, Monteiro de
Barros Investimentos S/A, Fábio Monteiro de Barros Filho, José Eduardo Ferraz,
Construtora Ikal Ltda., Incal Ind. e Com. de Alumínio Ltda.
46
Ação Civil Pública n. 2000.61.00.012554-5, 12ª Vara Federal em São Paulo.
Ajuizada pelo MPF contra Grupo OK Construções e Incorporações, Grupo OK
47
314
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Empreendimentos Imobiliários Ltda., Saenco Saneamento e Construções Ltda., OK Óleos
Vegetais Indústria e Comércio Ltda., Ok Benfica Companhia Nacional de Pneus,
Construtora e Incorporadora Moradia Ltda. – Itália Brasília Veículos Ltda., Banco OK de
Investimentos S/A, Agropecuária Santo Estevão S/A, Luiz Estevão de Oliveira Neto,
Cleucy Meireles de Oliveira, Jair Machado Silveira, Lino Martins Pinto e Maria Nazareth
Martins Pinto.
Apenas os andamentos da apelação n. 2000.61.81.001198-1, no TRF da 3ª Região,
não estavam disponíveis.
48
49
Inicial da Ação Civil Pública n. 98.0036590-7, 12ª Vara Federal de São Paulo.
50
Ação Cautelar n. 93.0032242, 12ª Vara Federal de São Paulo.
51
ACP n. 98.0036590-7 (ACP Incal).
52
Reclamação 591, STJ.
53
Acórdão na Reclamação 591, DJ de 15/05/2000.
54
AI 398.505, STF.
55
RE 377.114, STF.
Portaria n. 4, de 1º de junho de 1999, do Ministério Público Federal, publicada no
Diário da Justiça de 28 de junho de 1999, Seção 1, à página 323.
56
57
Rcl. 1.110, STF.
58
Relator da decisão (relatório da decisão no AG da Rcl 1.110).
Cf. trechos da decisão: “Com efeito, não se pode perder de perspectiva, neste
ponto, que a competência originária do Supremo Tribunal Federal, por qualificar-se como
um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencialmente constitucional – e
ante o regime de direito estrito a que se acha submetida – não comporta a possibilidade de
ser estendida a situações que extravasem os rígidos limites fixados, em numerus clausus,
pelo rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da Carta Política, consoante adverte a doutrina
[...] mostra-se irrecusável, ante a existência dos precedentes mencionados, que falece
59
315
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
competência originária a este Tribunal para processar e julgar ações civis públicas
eventualmente ajuizadas contra agentes públicos, como os Deputados Federais e os
Senadores da República, que, em sede penal, possuem prerrogativa de foro perante a
Suprema Corte.” (decisão na Reclamação 1.110, do STF).
A Ação Civil Pública é ajuizada contra o Grupo OK e distribuída por dependência
à primeira, na 12ª Vara Federal Criminal de São Paulo (ACP 2000.61.00.012554-5).
60
61
AI 2000.03.00.033614-0, TRF 3ª Região.
Sentenças publicadas no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região em 16
de outubro de 2011.
62
63
Inquérito 258, STJ.
Nicolau dos Santos Neto presidiu o TRT da 2ª Região até setembro de 1992, quando
se afastou do cargo para assumir a “Presidência da Comissão de Obras do TRT”. Ele
permaneceu nessa posição até julho de 1998, quando completou 70 anos e aposentou-se.
64
65
Autos n. 2000.61.81.001198-1, 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
66
Inquérito 1.595, STF.
67
Rcl 1.420, STF.
68
Ficou vencido o Ministro Marco Aurélio.
69
Não é possível saber se a decisão foi provocada ou proferida de ofício.
Cf. trecho da decisão: “Tendo em conta a cassação de mandato de Senador, o móvel
da prerrogativa de foro não subsiste. Hoje, este processo alcança cidadão comum, sem
qualificação suficiente a autorizar o processamento do inquérito sob a direção maior do
Supremo Tribunal Federal.” (Decisão do Ministro Marco Aurélio no Inquérito 1.595, STF).
70
71
Autos 2000.61.81.001198-1.
A denúncia foi distribuída à 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo por
dependência, e a ação penal foi autuada sob o n. 2000.61.81.001248-1.
72
316
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Despacho publicado em 13/02/2003 nos autos n. 2000.61.81.001248-1 (fl. 4.320)
e despacho publicado em 15/05/2003, 2000.61.81.001198-1 (fl. 15553/15554).
73
74
“23/05/2003 - Remessa externa ao STJ através do ofício n. 2443/03”.
75
“27/02/2003 - Remessa externa ao TRF 3ª Região, com 14 volumes”.
Uma hipótese possível para a remessa do processo de lavagem para o TRF
(enquanto o de corrupção foi para o STJ) é a de que o crime de lavagem não seria
considerado “ato administrativo do agente”, nos termos da nova redação do art. 84, do
CPP. Mas se trata de mera especulação.
76
77
Ação Penal 247, STJ.
Reclamação 2.538, STF. Além disso, foram opostos Embargos Infringentes e dois
Recursos Extraordinários.
78
Cf. trecho da decisão: “[...] Uma coisa é o ato praticado quando do exercício do
mandato e sem relação com o mandato. Outra, é o ato praticado em decorrência do
exercício do mandato e relativo a tal exercício. [...] As condutas, objeto da acusação, nada
têm com o exercício do mandato de Senador. São atos da vida empresarial do ex-Senador
Luiz Estevão de Oliveira Neto. Por isso é irrelevante se foram, ou não, praticados no
período em que se encontrava o acusado no exercício de mandato parlamentar. O relevante,
neste momento, é que o acusado não é titular de qualquer mandato parlamentar. A
constitucionalidade, ou não, da L. 10.628/02 em nada altera a situação do caso. Nego a
liminar” (decisão que negou liminar na Reclamação 2.538, STF).
79
80
Relatório da decisão que negou seguimento ao Agravo Regimental na Rcl. 2.538.
81
Decisão que negou seguimento ao Agravo Regimental na Rcl. 2538.
82
Reclamação 2.561, STF.
83
Habeas Corpus 85.433, STF.
84
Decisão que deferiu medida liminar no habeas corpus 85.433, STF.
85
Reclamação 3.179, STF.
317
[sumário]
8. o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt
Cf. trecho da manifestação: “[...] Sucederam-se inúmeros recursos opostos pelos
réus, inclusive do HC 85.433, perante o STF, que mereceu deferimento liminar proferido
pelo Presidente do STF, Ministro Nelson Jobim, determinando fosse sustado o envio dos
autos ao TRF da 3ª Região, por mim indicado e por V. Exa. determinado. [...] Ocorre que
ontem foi concluído o julgamento das ADIs 2.797 e 2.860 tendo o STF consagrado o voto
do E. Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, proferido em sessão de 22.09.2004, [...] Não
mais subsistindo a lei, apresso-me a indicar novamente a V. Exa. que promova a remessa
do processo ao E. TRF da 3ª Região, para julgamento das apelações, em cumprimento à
decisão da Corte Especial.” (Manifestação do Ministro Peçanha Martins, na Ação Penal
247, STJ, recomendando a remessa dos autos ao TRF).
86
87
Agravo de Instrumento 681.668, STF.
88
Decisão monocrática do AI 681.668, STF.
89
Reclamação 3.180, STF.
90
Recurso Especial 851.387, STJ.
É possível citar, pelo menos, 24 recursos e ações apenas discutindo a questão, sem
contar com inúmeros pedidos feitos durante o trâmite dos processos.
91
Citando apenas o processo de corrupção: na fase de inquérito foi do STF para a 1ª
instância da Justiça Federal. Em apelação, subiu para o STJ e depois foi remetido para o
TRF 3ª Região para julgamento.
92
318
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
referênCIAs
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319
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
9.
leI n. 8.666/93: UMA RESPOSTA
à CORRUPçãO NAS CONTRATAçõES PúBLICAS?1
André Janjácomo Rosilho
Introdução
O caso do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, detalhadamente
descrito no primeiro capítulo desta coletânea, foi um dos maiores e mais
divulgados escândalos de corrupção envolvendo contratações públicas na
história do Brasil. O episódio, por diversas vezes, foi manchete dos principais veículos de comunicação, e gerou verdadeira comoção popular.2
O marco inicial da trajetória do caso está no ano de 1992, com a publicação do Edital n. 01/92, que teve por objeto “a aquisição de imóvel, adequado para instalação de no mínimo 79 Juntas de Conciliação e Julgamento
da Cidade de São Paulo, permitindo a ampliação para instalação posterior
de no mínimo mais 32 Juntas de Conciliação e Julgamento”. A licitação
tomou por base a legislação vigente à época – o Decreto-lei n. 2.300, de
21 de novembro de 1986 –, foi realizada na modalidade concorrência3 e
previu que o objeto da proposta poderia ser, alternativamente: i) um imóvel
construído, pronto, novo ou usado; ii) um imóvel em construção, independentemente do estágio da obra; iii) um terreno com projeto aprovado que
deveria acompanhar projeto de adaptação que atendesse às necessidades
das Juntas; ou iv) um terreno com projeto elaborado especificamente para
a instalação das juntas de Conciliação e Julgamento4.
A abrangência do objeto da licitação, segundo o próprio edital, deveuse principalmente à escassez de espaços físicos em São Paulo que pudessem suportar a magnitude do empreendimento.
Apesar do elevado número de interessados em participar do certame –
29 empresas retiraram o edital –, apenas três formalizaram propostas. E,
dentre elas, uma foi desqualificada.5 O resultado é que a disputa ficou restrita a apenas dois licitantes.6
O curioso é notar que o objeto da licitação foi, ao fim e ao cabo, adjudicado a uma quarta empresa que sequer havia participado do certame.7
321
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
Era sócio desta empresa um dos proprietários da Incal Indústria de Comércio de Alumínio – uma das duas licitantes qualificadas – e um terceiro
que, após a assinatura do contrato para a construção do TRT de São Paulo,
transferiu 90% de suas cotas ao Grupo OK Construções e Incorporações
S/A – empresa líder do “Consórcio OK/Velloso”, o segundo licitante qualificado para disputar o contrato do TRT.
O que se observa é que, como ficou comprovado, não houve efetiva disputa entre os licitantes. A verdade é que a licitação foi direcionada por
meio de acordo entre os competidores – o que também viabilizou outras
práticas ilícitas, tais como o superfaturamento do contrato. A manipulação
do procedimento licitatório estava, portanto, no cerne do esquema de corrupção envolvendo a construção do TRT de São Paulo.
O dirigismo infelizmente não é incomum na seara das contratações
públicas. Ao contrário, é prática muito difundida. No entanto, apesar de
esse ser um fenômeno relativamente rotineiro, seria razoável imaginar
que escândalos da magnitude do Caso TRT pudessem dar origem a movimentos de reforma na legislação sobre licitações e contratos. Afinal, a
reação mais natural à descoberta da ocorrência de práticas ilícitas talvez
seja a tentativa de mudar as regras do jogo – no caso, as normas jurídicas
do Decreto-lei n. 2.300/86, que regulava os procedimentos prévios à adjudicação de contratos –, com a finalidade de coibi-las.
Como afirma Rose-Ackerman (2001, p. 287), “os escândalos de corrupção são uma oportunidade de mobilizar o apoio em favor de mudanças
institucionais que teriam pouco brilho por si mesmas”8, de modo que, se
os dirigentes políticos estiverem comprometidos com reformas estruturais,
“a utilização inteligente dos escândalos pode gerar apoio público em prol
de mudanças custosas e de ações do governo que, de outro modo, seriam
impopulares. A imprensa livre pode produzir um clamor público que aumente o estímulo em favor da reforma” (idem).
Motivado pela provocação de Rose-Ackerman e pelo diagnóstico do
Caso TRT – do qual se depreende que o direcionamento do contrato relativo
à construção do TRT de São Paulo esteve na origem do escândalo de corrupção –, este capítulo se propõe a investigar se a edição da Lei n. 8.666/93
– diploma normativo que revogou o Decreto-lei n. 2.300/86 – teria alguma
322
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
relação (próxima ou remota) com notórios episódios de corrupção nas contratações públicas. Em síntese, pretende-se aqui debater as seguintes indagações: a Lei n. 8.666/93 teria sido produto direto ou indireto de algum
escândalo de corrupção no âmbito das contratações públicas? Em caso de
resposta positiva, que tipo de impacto o escândalo teria tido na construção
da nova legislação sobre licitações e contratos? Quais são os objetivos e
as características da Lei n. 8.666/93?
Para cumprir essa tarefa, valho-me da análise do processo legislativo
da Lei n. 8.666/939, nele procurando identificar: i) as razões que levaram
à edição da Lei, ii) os objetivos que o diploma perseguiu, iii) os problemas que procurou solucionar, iv) os grupos de interesse envolvidos na
reforma legislativa e v) o modelo de licitações públicas que instituiu10.
Também levei em conta o conteúdo das normas da Lei n. 8.666/93 e,
quando pertinente, os comentários da doutrina sobre seus dispositivos.
O caso do TRT de São Paulo não teve influência, ao menos direta, na
edição da Lei n. 8.666/93 (até mesmo pelo fato de o projeto de lei que a originou ter começado a tramitar no Congresso Nacional em 1991, e o caso do
TRT só ter se tornado público com a instauração da Comissão Parlamentar
de Inquérito, em 1999). No entanto, a análise do processo legislativo que
resultou na Lei n. 8.666/93 mostrou que a descoberta e a investigação de
outro notório escândalo de corrupção envolvendo contratações públicas
teve, sim, influência decisiva na reforma do sistema brasileiro de licitações
e contratos. Trata-se do conhecido caso PC Farias, que resultou na abertura
do processo de impeachment do Ex-Presidente da República Fernando Collor de Mello e na posterior cassação dos seus direitos políticos.
O interessante é que o caso do TRT e o caso PC Farias, apesar de obviamente terem peculiaridades e envolverem fatos distintos, são, essencialmente, idênticos: ambos têm sua origem no direcionamento de contratos
públicos a pessoas determinadas, consubstanciando quebra da lisura nos procedimentos licitatórios, à época regulados pelo Decreto-lei n. 2.300/86. O
pano de fundo, portanto, é o mesmo.
A reconstrução do processo legislativo da Lei n. 8.666/93 associada à
análise das suas normas revelou ainda que, apesar do discurso moralizante
do período, a reforma do sistema de licitações e contratos não foi conduzida
323
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
de modo a verdadeiramente combater a corrupção. Esse debate ficou em
segundo plano.
A realidade é que a Lei n. 8.666/93, no curso do seu processo legislativo,
foi cooptada por grupos de interesses que modularam os procedimentos
licitatórios de modo a atender a seus próprios pleitos. O resultado é que a
Lei, além de não ter atacado eficazmente o problema da corrupção nas contratações, acabou engessando o Estado e trazendo consequências negativas
para a gestão pública.
A reformA dA leI gerAl de lICItAções
Em 10 de junho de 1991, o então Deputado Federal Luis Roberto Ponte
(PMDB-RS) apresentou ao plenário da Câmara dos Deputados o Projeto
de Lei n. 1.491, que instituía normas para licitações e contratos da administração pública, regulamentando o art. 37, inciso XXI, da Constituição
Federal.11,12 É certo que esse não era o único projeto de lei que procurava
regulamentar as licitações públicas. Outros foram propostos, anteriores
e posteriores a ele, mas, por razões que escapam ao objeto deste capítulo,
não tiveram força política para tramitar autonomamente no Congresso
Nacional13; todos os demais foram atraídos pela força gravitacional do
Projeto de Lei n. 1.491/91, sendo a ele apensados14.
Merece destaque o período no qual o PL n. 1.491/91 foi proposto: o Presidente da República Fernando Collor de Mello, empossado no dia 15 de
março de 1990, completava pouco mais de um ano de governo, e, desde o
início do ano de 1991, começavam a surgir suspeitas de compras superfaturadas em sua administração. As desconfianças pouco a pouco foram
ganhando consistência, e, em 1º de junho de 1992, o Congresso Nacional
decidiu instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar supostas irregularidades no relacionamento entre Paulo César Farias, conhecido
como PC Farias, e o governo Collor. Essa sequência de eventos, como é
amplamente conhecido, resultou na abertura do processo de impeachment
do Presidente da República e na sua posterior cassação.
O ambiente político vivido pelo Congresso Nacional e a eclosão de
uma série de escândalos envolvendo o governo criaram uma espécie de
janela de oportunidade para que fosse alterado o diploma normativo que
9.1 |
324
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
regulamentava justamente o grande foco de corrupção do momento: as
contratações públicas.
Essa percepção é corroborada pelo interessante depoimento do Senador Gerson Camata (PDC-ES), quando da tramitação do PL n. 1.491/91
no Senado Federal.15 Apesar de relativamente longo, penso ser elucidativa a sua transcrição:16
Sr. Presidente, Srs. Senadores, venho acompanhando a tramitação
deste projeto de lei, que, no final, é uma fusão de inúmeras iniciativas
com o mesmo objetivo, juntamente com o Senador Elcio Álvares,
que foi o Relator da Comissão criada para analisar irregularidades
no relacionamento das empreiteiras com o Governo Federal. Aquela
comissão originou-se de denúncias feitas em Belo Horizonte pelo
Deputado Antônio Pontes, denúncias essas que antecipavam
o resultado a que chegou a CPI do PC [Farias]. Na verdade, as
denúncias feitas pelo Deputado Pontes eram um preâmbulo daquilo
que toda a CPI do PC acabou descobrindo, depois a Comissão
Especial de Investigação do Senado acabou confirmando e o Plenário
do Senado acabou decidindo. [...] chegamos agora [...] a um projeto
importante, fundamental e que continua o trabalho que o Congresso
Nacional fez através da CPI das Empreiteiras, da CPI do PC, logo
a seguir, nas investigações que a Câmara Federal promoveu, as
investigações presididas pelo Senador Elcio Álvares na Comissão
Especial de impeachment do Senado. Esse trabalho deve continuar
e prossegue exatamente nesta manhã, quando o Senado vai votar
o substitutivo do Senador Pedro Simon, que traça normas, coíbe
abusos, acerta situações, impõe uma legislação mais rigorosa do
que o caduco Decreto n. 2.300, sobre as licitações federais.
O trecho transcrito revela que o caso PC Farias não foi apenas o estopim
da reforma do sistema brasileiro de contratações públicas, tal como as inúmeras referências dos parlamentares a esse episódio sugerem.17 A descoberta
desse caso de corrupção endêmica no governo federal foi o início de um
longo processo de investigação, diálogos e acordos que tiveram como ápice,
325
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
ou etapa final, a aprovação de uma nova legislação sobre licitações públicas
que fosse capaz de moralizar e coibir abusos no relacionamento entre a
administração pública e a iniciativa privada. Nesse sentido, é emblemático
o final de um dos discursos do Senador Gerson Camata:
Depois da votação do impeachment, esse é o passo [aprovação da nova
lei de licitações] mais importante que o Congresso Nacional dá na
tentativa de se “passar o Brasil a limpo” e de melhorar as condições
da moralidade pública e da administração pública brasileira.18
É curioso notar nos debates legislativos que os parlamentares, de um
modo geral, viam na aprovação da nova lei sobre licitações públicas uma
forma de responder às demandas da sociedade: de um lado, por mais lisura na conduta do governo, e do outro, por justiça ante a descoberta de
incontáveis falcatruas nas contratações públicas. Além disso, fica patente
nos discursos dos congressistas a crença de que a lei – representando o
direito como um todo – seria capaz de cercar a corrupção e de moralizar
a administração pública brasileira. Para ilustrar essas observações, transcrevo um excerto da fala do Senador Elcio Álvares (PFL-ES)19 e outro
da fala do Senador Pedro Simon (PMDB-RS)20:
O Poder Legislativo não pode ficar insensível ao clamor público.
Quando existe clamor público, como foi a Carta de Belo Horizonte,21
é sinal de que alguma coisa está errada, e V. Exª [fazendo referência
ao Senador Gerson Camata] tem sido o intérprete, com muita
objetividade, desses clamores que vêm do Espírito Santo. [...] Nesse
sentido, o substitutivo Pedro Simon é claro, transparente e nos dá uma
tranquilidade total de que, se alguma coisa houver, não será mais com
a complacência do texto legal, conforme ocorria à sombra do Decreto
n. 2.300 [destaque nosso]. (Elcio Álvarez)
Esse projeto [substitutivo do Senado Federal ao PL n. 1.491/91]
é duro. Pessoas vão gritar, vão espernear. Penso que não devemos
ter um projeto mole, com furos, com saída para tudo quanto é lado.
Vamos votar um projeto que é bastante duro e que talvez necessite
326
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
ser amaciado. Agora, isso aqui é duro, dá cadeia, dá penas
inafiançáveis [destaque nosso]. (Pedro Simon)
Por que reformAr o deCreto-leI n. 2.300/86?
O Decreto-lei n. 2.300/86, muito provavelmente em razão dos escândalos
de corrupção envolvendo contratações públicas, era visto pelos parlamentares como a fonte de todos os males, o responsável pela “onda de corrupção, de desmoralização da função pública do país inteiro”.22
Os congressistas enxergavam na legislação vigente até o momento um
sem número de “furos”, seja porque o diploma tinha baixa densidade normativa e deixava uma excessiva margem de discricionariedade para o agente público – como fica implícito na fala do Senador Pedro Simon23 –, seja
porque o Decreto-lei era detalhista demais e, em razão disso, dava azo às
mais variadas interpretações, abrindo margem para a corrupção proliferar
– como defendeu o Deputado Federal José Luiz Maia (PDS-PI)24.
No curso do processo legislativo, emergiram temas do Decreto-lei n.
2.300/86 apontados pelos parlamentares como problemáticos e que, dessa
maneira, precisariam ser corrigidos. O primeiro deles, já mencionado anteriormente, diz respeito à possibilidade de se contratar diretamente, por
inexigibilidade de licitação, os serviços técnicos de natureza singular com
profissionais ou empresas de notória especialização.25
Como aponta o Senador Pedro Simon, esse dispositivo, ao dar ao administrador público a discricionariedade para decidir o que se enquadraria ou
não no conceito de “notória especialização”, a seu ver abria uma válvula
de escape para a corrupção.26
Outro ponto do Decreto-lei n. 2.300/86 ressaltado nos debates legislativos refere-se ao tipo de licitação denominada preço-base, prevista em seu
art. 37, inciso IV27, e que o PL n. 1.491/91 tentou, em um primeiro momento,
manter em seu art. 44, inciso IV28. Na licitação por preço-base, em linhas
gerais, a administração pública fixava um valor inicial e estabelecia, em
função dele, limites mínimos e máximos de preços a serem, posteriormente,
detalhados no edital de licitação.
O Deputado Federal Israel Pinheiro (PRS-MG), em mais de uma ocasião, bradou contra o tipo de licitação por preço-base. Em linhas gerais,
9.2 |
327
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
o Deputado alegou que esse modelo de licitação dependia invariavelmente da elaboração de um cauteloso projeto executivo por parte da administração pública – algo não obrigatório de acordo com o Decreto-lei n.
2.300/86. Assim, segundo o parlamentar, sem dispor dos estudos técnicos
necessários a administração “chutava” um preço máximo para a licitação.
Consequentemente, era comum que as empresas participantes do certame
licitatório ajustassem suas propostas de modo que ocorresse um empate,
levando a disputa a ser resolvida por sorteio.29
Nem todos os parlamentares manifestaram-se contrariamente ao tipo
de licitação por preço-base, proveniente do Decreto-lei n. 2.300/86. O
Deputado Aloizio Mercadante (PT-SP) defendeu a manutenção da indicação do preço mínimo por parte da administração e a possibilidade de o
licitante ofertar preço inferior a ele, desde que o PL n. 1.491/91 também
incorporasse o chamado performance bond (seguro-garantia) para proteger o poder público em caso de inadimplemento contratual.30
O último dos aspectos problemáticos do Decreto-lei n. 2.300/86 salientado pelos congressistas diz respeito aos limites preestabelecidos em lei para
as modalidades de licitação (convite, tomada de preços e concorrência), no
art. 21,31 e a possibilidade de parcelar a execução de obras ou serviços.
O Senador Gerson Camata alertou para uma prática que, segundo o
parlamentar, costumava ser recorrente. O poder público segmentava determinadas obras ou serviços em tantas partes quantas fossem necessárias
para realizar uma série de convites ou tomadas de preços (modalidades
licitatórias menos complexas e que envolvem um grau de competição entre
os licitantes menor do que na concorrência), ao invés de apenas uma concorrência – o que, pelo valor da obra ou serviço, em sua integralidade,
seria obrigatório.32
Apesar de os congressistas terem apontado alguns dos pontos controversos do Decreto-lei n. 2.300/86, temos a impressão de que a grande
razão para revogá-lo recaiu sobre o simples fato de complexos sistemas de
corrupção nas contratações públicas (baseados no direcionamento e no
superfaturamento de contratos) terem proliferado a despeito da sua existência. Tudo indica que o problema não estava neste ou naquele dispositivo,
mas na manutenção de um diploma normativo que, apesar da tentativa de
328
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
regulamentar as compras governamentais, tivesse permitido o alastramento de práticas ilícitas. Em outras palavras, os casos de corrupção que
deram origem às investigações e às CPIs não teriam passado de pretextos
para se alterar a legislação vigente.
A tramitação do PL n. 1.491/91
Quase um ano após a sua propositura e antes de se iniciarem os debates
parlamentares acerca de seu conteúdo, o PL n. 1.491/91 foi submetido à
tramitação em regime de urgência por votação em plenário. Isso fez com
que a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (Deputado Relator Tidei de Lima – PMDB-SP) e a Comissão de Constituição,
Justiça e Redação (Deputado Relator Roberto Magalhães – PFL-PE) tivessem de se manifestar com brevidade; os deputados deveriam propor, desde
logo, as emendas modificativas do conteúdo do PL.33
A polêmica suscitada pelo PL n. 1.491/91 foi tamanha que até o momento da elaboração do primeiro parecer da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público haviam sido propostas perto de 900 emendas
parlamentares, existindo, inclusive, um substitutivo ao PL elaborado pelo
Deputado Tidei de Lima.
Após a leitura e publicação de dois pareceres das Comissões, intercalados
por votações e discussões parlamentares em plenário e a apresentação de
quatro substitutivos ao PL n. 1.491/91, a redação final do projeto de lei foi
aprovada e o texto foi enviado para a apreciação do Senado Federal.
No Senado, o Senador Pedro Simon (PMDB-RS), nomeado relator da
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, expediu um minucioso parecer analisando os dispositivos do Projeto de Lei da Câmara n. 59/92 (numeração do PL n. 1.491/91 no Senado), resultando na sua aprovação por meio
de um novo substitutivo. A Comissão de Serviços e Infraestrutura, cuja relatoria coube ao Senador Júlio Campos (PFL-MT), aprovou integralmente o
projeto de lei apresentado pelo Senador Pedro Simon, seguindo-se à proposição de emendas parlamentares. Após a apresentação de outro substitutivo
e de novos pareceres das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e
de Serviços e Infraestrutura, o PLC n. 59/92 foi enviado de volta à Câmara
dos Deputados.
9.2.1 |
329
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
Vale ressaltar que:
O Tribunal [de Contas] se engajou institucionalmente nos trabalhos
de formulação [do substitutivo], encaminhando um anteprojeto
para subsidiar a preparação do Substitutivo do Senado.34 O grupo
de trabalho constituído na relatoria, integrado por técnicos da
Assessoria da Câmara, do Executivo e do TCU, desempenhou papel
chave no processo de formulação. A criação desse grupo resultou de
articulações informais de Simon e sua equipe. Coordenado por Paulo
Roberto Silvério35, seus integrantes eram assessores e técnicos do
Congresso, TCU e Executivo, com experiência em licitações.
(FERNANDES, 2010, p. 134)
O substitutivo do Senado Federal causou intenso mal-estar na Câmara
dos Deputados, tendo sido, de imediato, rejeitado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, agora sob a relatoria do Deputado
Walter Nory (PMDB-SP). A Comissão de Constituição, Justiça e Redação,
por seu turno, aprovou o substitutivo, mas com ressalvas. O Deputado Luis
Roberto Ponte, de modo a convencer seus pares de que o substitutivo do
Senado Federal piorava o projeto de lei por ele proposto, elaborou um curioso documento intitulado “O que, na verdade, contém o substitutivo do Senado ao projeto de lei que institui normas para licitações e contratos da
administração pública”36. Esse documento teve papel decisivo no curso do
processo legislativo.
Assim, tendo a Câmara dos Deputados decidido manter o PL n. 1.491/91,
com algumas modificações sugeridas pelo substitutivo do Senado Federal,
seguiu-se a votação dos destaques propostos pelos deputados – por meio
dos quais seria possível aprovar ou rejeitar a redação e o conteúdo de dispositivos específicos do projeto de lei. Finda a votação dos destaques, o PL
n. 1.491/91 foi aprovado e enviado à sanção do Presidente da República.
É interessante notar que o tal projeto de lei foi fruto do pleito das empreiteiras que, segundo Fernandes (2010, p. 128-129), estavam insatisfeitas com
supostas restrições à participação de empresas de construção civil em licitações. Aliás, não foi por outra razão que a Câmara Brasileira da Indústria
330
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
da Construção – entidade que foi presidida por Pontes entre 1986 e 1992 e
que congrega os Sindicatos da Construção Civil – passou a abertamente
defender a ampliação da participação dessas empresas nas licitações por
meio da revisão das regras sobre o tema. No Congresso Nacional, Pontes
foi a voz das empreiteiras.
leI n. 8.666/93
Ao dIAgnóstICo do Congresso nACIonAl?
A Lei Geral de Licitações e Contratos é um diploma normativo extenso,
minucioso e detalhista, possuindo 126 artigos e incontáveis parágrafos, incisos e alíneas.
Logo em um primeiro olhar, chama atenção a sua abrangência. Ninguém
parece ter ficado de fora. Suas normas devem ser observadas de maneira praticamente uniforme pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios (a
chamada administração direta) e também pelos fundos especiais, autarquias,
fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e
demais entidades controladas direta ou indiretamente pelos entes da federação (administração indireta).37 É notável sua intenção de universalizar o dever
de licitar, amarrando às suas disposições toda a administração pública.38
A Lei não se limitou, no entanto, a dizer quem deveria observá-la; disse
também o que estaria sujeito às suas disposições. Assim, todos os contratos39
pertinentes a obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões
e locações passaram a ter de ser precedidos de licitação, na forma da Lei n.
8.666/93, ressalvadas hipóteses expressamente apontadas no próprio texto
legal40. Como que procurando impedir qualquer tipo de “fuga”, a Lei inseriu
coisas bastante distintas em seu bojo, ampliando significativamente a obrigatoriedade de se licitar, em relação à legislação anteriormente vigente.
É curioso notar que a própria Lei fixou um contrapeso ao seu ímpeto
universalizante ao elencar uma extensa série de hipóteses de dispensa e
inexigibilidade de licitação – casos em que se autoriza a contratação direta,
sem prévio procedimento licitatório. Foram previstas, no texto original,
quinze hipóteses de dispensa41 e três de inexigibilidade42.
Os procedimentos licitatórios, segundo anuncia a própria Lei na sua
redação original, foram pensados de modo a se atingir fins específicos:
9.3 |
331
quAl
foI A resPostA normAtIvA dA
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
garantir a observância do princípio constitucional da isonomia – ou igualdade – e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração, tudo
em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório – o edital
– e do julgamento objetivo.43 Dito de outro modo, pretendeu-se evitar
favoritismos por parte da administração – que deverá tratar os licitantes
com isonomia – e impulsionar o poder público a fazer bons negócios –
que, segundo a lógica da Lei, são aqueles em que há menor dispêndio de
recursos públicos.44
Para tanto, essa Lei previu impedimentos aos agentes públicos45 – procurando limitar seu espaço de liberdade –, traçou uma série de definições, elencou modalidades licitatórias46 – tais como concorrência, tomada de preços e
convite, apartando-as de acordo com o valor das contratações –, desenhou
um minucioso processo de habilitação47 – etapa na qual os participantes da
licitação devem demonstrar que estão aptos a serem contratados pelo poder
público em vistas do objeto contratual48 – e traçou procedimentos para o julgamento e a adjudicação do contrato ao vencedor49.
Em linhas muito gerais, essa é a estrutura e o discurso normativo da Lei
n. 8.666/93. Cabe, agora, lançar para esse mesmo diploma um olhar mais
cético, para além do seu discurso, atentando para os detalhes. A aposta deste
capítulo é que eles revelam que essa Lei, com muita sutileza, trai seus objetivos declarados.
A leI n. 8.666/93 PArA Além do
dIsCurso normAtIvo: COMBATE à CORRUPçãO?
A Lei n. 8.666/93 representou a continuidade e o aprofundamento de um
modelo legal do tipo maximalista, cujas origens estão no Decreto-lei n.
2.300/86 (diploma normativo com base no qual foi contratada a construção
do novo TRT de São Paulo), apostando na ideia de que as normas, se precisas, detalhistas, objetivas e bem direcionadas, seriam capazes de gerar,
quase que automaticamente, boas contratações.50 O atual estatuto das licitações e contratos, por meio de uma intensa normatização, buscou, em tese,
as mesmas metas perseguidas pelo diploma normativo que o precedeu:
9.4 |
332
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
reduzir a discricionariedade da administração pública no processo de escolha de seus fornecedores – reflexamente tornando-o mais objetivo – e valorizar o princípio da isonomia entre os competidores, ampliando o acesso
ao mercado público.
Com a finalidade de revelar a face oculta dessa Lei, focamos em uma
peculiaridade da sua história.
A reforma jurídica no sistema de contratações públicas que resultou na
aprovação da Lei n. 8.666/93, tal como apontado na introdução do capítulo,
foi a primeira realizada em um ambiente verdadeiramente democrático.
Lendo essa assertiva, alguém poderia se perguntar: de que forma a vigência
de um regime democrático poderia ter impactado no conteúdo da atual Lei
de Licitações?
O fato de o PL ter iniciado sua tramitação por iniciativa de um parlamentar, sem qualquer tipo de coordenação do processo da reforma ou de
planejamento prévio, permitiu que os interesses setoriais privados – as
empreiteiras, por exemplo – se organizassem e pressionassem o Congresso
Nacional pela concessão de benefícios. O ambiente democrático viabilizou,
ainda, que não somente os grandes interesses econômicos fossem atendidos
– ou ao menos ouvidos –, mas também as pequenas e médias empresas. A
pulverização do núcleo de poder – antes concentrado nos ministérios e
agora também espalhado por todo o Congresso Nacional – facilitou a permeabilidade da reforma a pontos de vista que, até então, não tinham encontrado eco nas reformas jurídicas.
Some-se a isso o fato de que o governo passava por um dos mais conturbados períodos de sua história, tornando-o significativamente mais vulnerável e menos capaz de se articular para fazer valer, na reforma da legislação,
o ponto de vista do gestor público. Penso, então, que a instabilidade e a
desorganização do governo nesse período – que estava mais preocupado em
se consolidar no poder e em fazer as instituições funcionarem dentro da normalidade – contribuíram para que a gestão pública praticamente não fizessem parte dos debates sobre a reforma e para que os interesses privados
tivessem mais espaço de atuação.
Como resultado, cremos ser possível afirmar com relativa segurança
que houve uma captura do processo legislativo por certos grupos seto333
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
riais, que foram capazes de aprovar um diploma normativo amplamente
favorável a seus interesses. Procuraremos demonstrá-lo a seguir.
Considerando o diagnóstico de que a corrupção – cujo epicentro estaria na liberdade de que supostamente gozava a administração para dirigir
os resultados das licitações – deveria ser combatida a qualquer custo, o
Congresso Nacional, capturado, adotou uma solução bastante curiosa.
Valendo-se do discurso corrente à época da crença no Direito (e nos seu
potencial transformador) e de ampla valorização da importância das regras
e dos princípios jurídicos,51 buscou anular a capacidade de manobra da
administração pública, decidindo, de antemão, os critérios e procedimentos
que pretensamente conduziriam à melhor contratação pública. Entretanto,
o que escapou à percepção da comunidade jurídica como um todo – mas
não a dos potenciais beneficiados pelas contratações públicas! – foi que as
normas haviam sido moldadas de modo a atender não ao interesse do público, mas daqueles que foram capazes de influir no processo legislativo.
Tratou-se de uma estratégia engenhosa e catastrófica do ponto de vista da
gestão pública.52 Afinal, o dirigismo nas contratações, ao invés de ser combatido, foi, em verdade, chancelado. As normas jurídicas haviam sido moldadas de tal modo que para se dirigir as licitações bastaria segui-las à risca.
Sob a aparência de terem sido postas rígidas regras para um jogo competitivo
e probo, criou-se, na realidade, uma licitação de dados viciados; os procedimentos foram pré-programados para levarem sempre ao mesmo resultado.53
O pior é que essa solução normativa foi – e em boa medida continua
sendo – aplaudida pela comunidade jurídica, pois, ao menos em tese, atendeu o pleito pela valorização das regras e princípios jurídicos (por parte dos
políticos e pela imprensa), visto que praticamente anulou a esfera de liberdade da administração pública, declarando ser, em alto e bom tom, portadora
(com exclusividade, diga-se de passagem) da moralidade – e, por fim, pelos
órgãos de controle – já que o fato de ser altamente procedimentalizada viabilizou a realização de um rigoroso controle burocrático.
O que se observa é que o discurso que permeia a Lei n. 8.666/93 enfeitiçou boa parte dos que com ela lidam, vestindo-a com uma espécie de túnica
sacrossanta, dificultando, enormemente, justificar reformas mais profundas no sistema brasileiro de contratações públicas – já que tais reformas são
334
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
vistas, quase que automaticamente, como verdadeiros golpes à moralidade,
como tentativas de se desfazer a muralha erigida com a suposta finalidade
de barrar a corrupção.
A realidade, portanto, é outra: a atual Lei Geral de Licitações e Contratos
não se preocupa efetivamente com a boa contratação (barata, de qualidade,
rápida, eficiente, proba etc.), mas em garantir a determinados segmentos
acesso facilitado ao mercado público. A grande questão que se põe é: quem
teria sido o grande beneficiado?
A resposta a essa indagação não é simples. No entanto, a observação
conjunta do processo legislativo da Lei n. 8.666/93 e da forma pela qual
suas normas foram moldadas levam a crer que a categoria das empreiteiras emergentes – ou seja, as empreiteiras de médio porte já estabelecidas
no mercado e que aspiravam crescer – foram as que mais se beneficiaram
com a edição da atual Lei de Licitações. Elencaremos as razões que nos
levaram a essa conclusão.
A primeira delas refere-se a uma significativa mudança surgida com a
edição da Lei n. 8.666/93. O Decreto-lei n. 2.300/86 determinava que a
execução das obras e serviços deveria ser programada na sua totalidade
e que o seu parcelamento seria, em geral, proibido. O diploma normativo
abria exceção à regra apenas na hipótese de insuficiência de recursos ou
de haver comprovado motivo de ordem técnica.54
A vigente Lei de Licitações posicionou-se de maneira diferente. De
acordo com sua redação atual, apesar de a execução das obras e serviços
ter de ser programada na sua totalidade, determinou-se que ela fosse dividida em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis – desde que preservada a modalidade de licitação.55
A fragmentação de obras e serviços é um nítido incentivo legal à participação de pequenas e médias empresas – tanto entrantes como aquelas já
estabelecidas no mercado. Dessa forma, projetos que, em função de sua
magnitude, antes naturalmente ensejariam a contratação de grandes empreiteiras, agora poderiam ser levados adiante por um conjunto de empresas menores.
Observa-se que, em tese, esse dispositivo beneficiaria tanto pequenas
quanto médias empreiteiras, não sendo, portanto, suficiente para se afirmar
335
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
peremptoriamente que as emergentes teriam sido as mais privilegiadas pela
Lei n. 8.666/93.
A segunda razão diz respeito aos critérios legais de qualificação econômico-financeira, voltados a testar a “saúde” da empresa concorrente.56
A Lei n. 8.666/93, em sua redação original, determinou que a administração
apenas pudesse exigir dos licitantes a demonstração de serem financeiramente capazes em face do compromisso que assumiriam caso lhes fossem
adjudicado o contrato.57
O diploma normativo reforçou a determinação do inciso XXI do art. 37
da Constituição – segundo o qual, somente seria permitido fazer exigências
de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações –, restringindo significativamente os instrumentos
da administração para averiguar a capacidade econômica da empresa frente
ao projeto. As pequenas e médias empreiteiras (entrantes ou já estabelecidas no mercado) teriam, segundo esta regra, acesso mais facilitado ao mercado público.
A terceira razão refere-se ao seguro-garantia.58 A redação final do PL
determinou que o seguro-garantia fosse mandatório apenas para as obras
e serviços de grande vulto; ele seria facultativo para as empreitadas de
médio e pequeno vulto. Reforçou-se, ainda, que o poder público não poderia contemplar custo ou valor de cobertura que impedisse ou até mesmo
restringisse a participação de qualquer interessado na licitação. Nota-se,
assim, que o Congresso Nacional pretendeu a qualquer custo impedir que
a administração, nas suas contratações, fizesse exigências que fossem prejudiciais aos interesses das empreiteiras de menor porte – na teoria, pequenas e médias.59
A quarta razão liga-se a exigências legais de qualificação técnico-operacional60, demandando que os licitantes demonstrem já ter executado, no
passado, obras e serviços em quantitativos mínimos das parcelas de maior
relevância técnica e prazo – que foram aprovadas pelo Congresso Nacional
e posteriormente vetadas pelo Executivo61. É importante lembrar que “os
vetos produziram efeito oposto ao pretendido, pois não eliminaram a exigência de atestados de aptidão da própria empresa, os quais estão expressamente previstos no art. 30-II c/c § 1º, bem assim no art. 33-III. Resultou
336
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
do veto, apenas, a supressão dos limites quanto a quantidades e prazos das
obras e serviços objeto dos atestados.” (SUNDFELD, 1994, p. 126)
Se exigidos, os requisitos de qualificação técnico-operacional, em função da demanda de o licitante demonstrar experiência prévia compatível
com o objeto licitado em obras e serviços, tenderiam a excluir as pequenas
e as médias empreiteiras entrantes (sem prévia experiência) das competições. Em tese, eles beneficiariam as médias empreiteiras emergentes – já
estabelecidas no mercado e com pretensão de crescimento – e, reflexamente, as grandes empresas.
Destacaremos, ainda, três outras características da Lei n. 8.666/93 que
reforçam a tese de que se procurou, via texto de lei, manipular os procedimentos licitatórios em prol de um grupo em específico.
A primeira delas liga-se à ordem dos procedimentos licitatórios. Disse
a Lei n. 8.666/93 que a licitação deve começar pela fase de habilitação para
somente então serem julgadas as propostas dos licitantes, excluindo-se, de
plano, as empresas sem condições de serem contratadas.62 Dessa forma,
são avaliadas apenas as propostas dos habilitados. Duas importantes consequências disso decorrem: limita-se o número de propostas de preço que
serão conhecidas pelo poder público e, em virtude da rigidez formal e da
demora dos procedimentos, incentiva-se a litigância entre os proponentes
– já que eles têm a possibilidade de inabilitar uns aos outros.
A segunda característica é a de que as propostas dos licitantes, uma vez
feitas, são imutáveis. Determinou a referida Lei que elas deveriam ser
apresentadas em envelopes fechados, abertos em sessão pública, sem oportunidade para uma fase de descontos.63 Trata-se, assim, de uma competição controlada em que se bloqueia a instauração de disputas acirradas
entre os licitantes.
A terceira característica refere-se à figura da proposta inexequível.64 Buscando impedir a participação de aventureiros nos procedimentos licitatórios
que tenderiam a “mergulhar” os preços das propostas, instituiu-se um mecanismo que permitiria à administração, na teoria, evitar que os preços baixassem demais. Trata-se, assim, de mais um “freio” à competição na medida em
que há a possibilidade de ser fixado um piso para os preços, abaixo do qual
se presume que o licitante seria incapaz de entregar o objeto contratado.
337
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
Os elementos anteriormente elencados correspondem às balizas legais
responsáveis por conduzir as contratações às empreiteiras emergentes.
Falta, no entanto, conectar os pontos esparsos de modo a dar mais fluidez
ao raciocínio.
O parcelamento das obras e serviços aumentou o acesso ao mercado
público, fragmentando-o e multiplicando as oportunidades de negócios para
as empresas de menor porte. Criou-se, porém, um problema: com o aumento do tamanho do bolo, como reparti-lo? Como garantir que às empreiteiras
emergentes – cujos interesses encontraram maior eco no Congresso Nacional – fosse dada a maior fatia? A estratégia adotada dividiu-se em duas
frentes principais.
A primeira delas consistiu em excluir do certame licitatório, de plano,
aqueles passíveis de serem eliminados. Dessa forma, estabeleceu-se que
competição só poderia ocorrer entre os habilitados e, como requisito de
habilitação, exigiu-se a demonstração de capacitação técnico-operacional
por meio de atestados. As pequenas empreiteiras e médias empreiteiras
entrantes foram, portanto, postas à margem do grande mercado público de
obras e serviços.
A segunda frente focou-se em evitar que as médias empreiteiras emergentes fossem excluídas do certame licitatório. Para tanto, a legislação
escalou uma série de “armas” de defesa. De um lado, impediu-se que as
exigências de qualificação econômico-financeiras fossem duras demais
de modo que somente as grandes empreiteiras fossem habilitadas. De outro
lado, restringiu-se a possibilidade de a administração exigir garantias dos
licitantes, o que dificultaria o acesso das médias empreiteiras emergentes
ao mercado público. Outra barreira levantada pela legislação para evitar
a exclusão destas empreiteiras foi a autorização legal para que a administração declarasse inexequível a proposta daqueles que “mergulhassem”
os preços – tidos, em geral, como aventureiros. Também se procurou controlar a competição nas licitações públicas determinando que as propostas,
uma fez feitas, fossem imutáveis – refiro-me aos envelopes lacrados contendo
as ofertas de preços. Trata-se de um mecanismo que limita a disputa e facilita
acordos entre os licitantes, visto que se sabe, de antemão, o universo de competidores. Além disso, vê-se que a legislação, apesar de declaradamente dar
338
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
preferência ao critério de julgamento pelo menor preço, não o leva efetivamente a sério.
Observa-se, assim, que os setores sociais, ao notarem que a reforma se
faria por meio do direito – e não de práticas administrativas – encontraram
um caminho rápido e relativamente simples para a obtenção de benefícios: conseguir inserir na Lei de Licitações normas simpáticas a seus interesses, fazendo o possível para cristalizá-los no texto legal.
9.5 |
A leI n. 8.666/93
CrIou boAs soluções PArA
os ProblemAs no sIstemA de ContrAtAções PúblICAs?
A resposta à indagação deste item é, a meu ver, negativa. A Lei n. 8.666/93,
com o suposto objetivo de combater a corrupção nas contratações públicas
(dirigismos), amarrou toda a administração pública (direta e indireta da
União, estados e municípios) a um rígido conjunto de regras viciadas –
porque moldadas para atender a pleitos de grupos de interesses que foram
capazes de influir no processo legislativo. O dirigismo nas contratações
públicas acabou sendo chancelado no plano normativo.
Mas, essa não é a única razão pela qual afirmo que a resposta da Lei n.
8.666/93 ao diagnóstico de 1992 teria sido ruim. A Lei n. 8.666/93, pelo
fato de ser maximalista – e, portanto, ter retirado toda (ou quase toda) a
discricionariedade da administração para decidir como melhor contratar
nos casos concretos –, trouxe consequências negativas para a gestão pública. A superlegalização, a meu ver, não é positiva (ao menos em manteria
de licitações públicas). Procurarei deixar claro esse ponto de vista.
A premissa sobre a qual o maximalismo se sustenta – a de que um modelo legal detalhista, minucioso, abrangente e que antecipasse para a lei uma
série de soluções administrativas fosse quase que automaticamente capaz
de gerar boas contratações públicas – é falsa. Esse tipo de modelo legal,
em razão de sua própria estrutura, parece ser pouco capaz de produzir boas
contratações, independentemente do sentido que se atribua a esse termo
(contratações probas, rápidas, eficientes, baratas etc.). Alguns elementos
conduzem a essa conclusão.
O primeiro deles refere-se à impossibilidade de uma lei fixar, de antemão,
uma política de contratações públicas completa e acabada, que tente prever,
339
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
na minúcia, todas as possibilidades de comportamentos – dos agentes públicos e dos licitantes –, e de resultados.
Para utilizar a linguagem de Sabel65, o maximalismo pressupõe a existência de um limitado grupo de “principais” – no caso, o governo ou o
Congresso Nacional – que seja capaz de antever a melhor solução para problemas concretos, deixando pouca margem de manobra para “correções de
percurso”. A questão é que o melhor remédio para uma determinada doença
hoje pode não o ser no futuro.
O segundo deles diz respeito ao fato de textos legislativos minuciosos
e excessivamente detalhistas e exaustivos geralmente darem azo a interpretações muito restritivas e apegadas à literalidade do texto legal. Afinal
de contas, em se tratando de um diploma normativo com essas características, nada mais lógico do que pensar que o que não está explícito é proibido. Assim, reforça-se, por via interpretativa, a imobilidade de um modelo
legal que já tendia à perenidade por suas características estruturais.
O terceiro elemento conecta-se – e em alguma medida decorre – dos
anteriormente citados. O maximalismo, ao transferir poderes decisórios da
administração pública para o Legislativo, bloqueia a inovação da gestão e
das práticas administrativas. Isso porque a administração, em desejando testar novas estratégias e ideias, choca-se, quase que inevitavelmente, com a
rigidez da Lei de Licitações e Contratos. As inovações, para que sejam
implementadas, acabam tendo de passar pelo crivo do Legislativo, por meio
de alterações legais.
É interessante observar que o sistema de licitações públicas nem sempre
assumiu feições maximalistas. A configuração desse modelo legal, com as
características e peculiaridades dadas pela Lei n. 8.666/93, é produto de
uma trajetória de reformas jurídicas; como em um romance em cadeia, é
apenas um dos capítulos do livro, possuindo laços de continuidade – mais
ou menos evidentes – com os que o precederam.
ConClusão
Este capítulo se propôs a olhar criticamente para o mundo das licitações e
contratos, procurando conhecer melhor a reforma legislativa que desaguou
na Lei n. 8.666/93, a Lei Geral de Licitações e Contratos. Buscou-se, a
340
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
partir da provocação do Caso TRT, identificar eventuais correlações entre
reforma legislativa e corrupção em matéria de contratações públicas.
Verificou-se que, ao menos no âmbito das contratações públicas, RoseAckerman parece ter razão ao afirmar que escândalos de corrupção criam
oportunidades para mudanças institucionais que tenham pouco apoio político
ou que sejam impopulares, viabilizando reformas estruturais importantes.
Não se nega que a Lei de Licitações tenha, de fato, trazido avanços importantes para a administração pública. Um deles foi conseguir incorporar a licitação à cultura administrativa – o que, por si só, não é pouca coisa.
Ocorre que a Lei n. 8.666/93 não se preocupou efetivamente com o combate à corrupção. A realidade é que, enquanto tramitava no Congresso
Nacional, grupos de interesses se valeram de uma janela de oportunidade
para, baseados no discurso de combate à corrupção, criar distorções no sistema de licitações e contratos em benefício próprio. Além de terem dado
origem a um “jogo de dados viciados”, acabaram amarrando a administração a rígidas regras procedimentais, comprometendo significativamente a
gestão pública.
341
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
notAs
Este capítulo é fruto, em boa medida, da pesquisa que desenvolvi no Mestrado
em Direito e Desenvolvimento, na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas – FGV DIREITO SP. A pesquisa encontra-se disponível no link a seguir:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/8824/20111018%20-%20Vers
%C3%A3o%20Final%20Disserta%C3%A7%C3%A3o%20%28dep%C3%
B3sito%29%20.pdf?sequence=5>. O trabalho, modificado e ampliado, será publicado pela
Malheiros Editores sob o título Licitação no Brasil.
1
No primeiro capítulo, informa-se que a revista Veja divulgou o episódio pela
primeira vez em 20 de abril de 1999. O acontecimento, a partir de então, passou a ganhar
crescente repercussão nos meios de comunicação. No dia 2 de agosto de 2000, por
exemplo, o rosto de Nicolau dos Santos Neto, magistrado envolvido no escândalo,
estampou a capa da Veja, na qual constava os seguintes dizeres: “Anatomia de um crime:
os bastidores do mais escandaloso golpe já aplicado no Brasil”.
2
Trata-se da modalidade de licitação com maior abertura para competição, dela
podendo participar quaisquer interessados que demonstrem possuir requisitos mínimos de
qualificação exigidos no edital para a execução do objeto (Decreto-lei n. 2.300/86, art. 20,
§ 1º).
3
4
Fls. 175 do Edital n. 01/92.
5
Trata-se da “Empreendimentos Patrimoniais Santa Gisele Ltda.”.
São eles “Consórcio OK/Augusto Velloso” e “Incal Indústria e Comércio de
Alumínio Ltda.”.
6
Trata-se da “Incal Incorporações S.A.”. No Capítulo 1 – Narrativa do Caso TRT,
temos: “sobre o TRT haver contratado uma empresa que não participou do processo
licitatório, o relatório da CPI [referência à Comissão Parlamentar de Inquérito do Judiciário]
indica que ‘houve tentativa de explicação deste fato pelo Sr. Fábio Monteiro de Barros Filho
[um dos sócios da empresa que ganhou a licitação], em seu depoimento à CPI, quando disse
que a associação do Grupo Monteiro de Barros com a Incal Alumínios para fundar a Incal
Incorporações, responsável pelo empreendimento, já estava prevista desde antes do resultado
da licitação’ (CPI 2000, 63)”. Vale ressaltar que o Tribunal de Contas da União decidiu,
posteriormente, que a contratação da empresa não participante da licitação foi ilegal.
7
342
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
8
Tradução livre.
O processo legislativo iniciou-se com o Projeto de Lei n. 1.491/91, de autoria do
Deputado Federal Roberto Ponte.
9
O autor obteve os documentos relativos à tramitação do PL n. 1.491/91 por meio
de uma consulta via e-mail à Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.
10
Redação da Constituição Federal da época (antes da modificação promovida pela
Emenda Constitucional n. 19 de 1998): “Art. 37. A administração pública direta, indireta
ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e
publicidade e, também, ao seguinte: [...] XXI – ressalvados os casos especificados na
legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo
de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com
cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica
e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
11
Vale lembrar que Luis Roberto Ponte é historicamente ligado ao setor empresarial
das empreiteiras, tendo sido ele mesmo proprietário de uma média empreiteira. Foi VicePresidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (RS, 1977-1980);
Vice-Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (1980-1983); Presidente
da Comissão de Política e Relações no Trabalho da Câmara Brasileira da Indústria da
Construção (1980-1983); Presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (RS,
1980-1989); Vice-Presidente do Centro das Indústrias do Rio Grande do Sul (1983);
Primeiro-Vice-Presidente e Presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção
(1983-1992). Informações disponíveis em: <www.camara.gov.br> (sítio eletrônico da
Câmara dos Deputados, seção de biografias).
12
Fernandes (2010, p. 123) afirma que “A discussão de propostas para uma nova lei
[de licitações] ocorria desde a aprovação de dispositivos na Constituição de 1988 que
prescreviam a regulamentação das licitações (EC.4). A atuação do deputado Roberto Ponte,
líder empresarial da construção civil, mobilizou os empresários desse setor para a abertura
do mercado das licitações públicas.”
13
Na Câmara dos Deputados, foram apensados ao PL n. 1.491/91 os seguintes
projetos de lei: 2.864/92 (Aloizio Mercadante); 5.093/90 (Antonio Carlos Mendes Thame);
14
343
[sumário]
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1.561/91; 5.433/90 (Senador Mauricio Correa); 6.124/90 (Senador Márcio Lacerda);
860/91 (Deputado Rubens Bueno); 1.593/91 (poder executivo); 2.215/89 (Deputado
Adhemar de Barros Filho); 1.251/88 (Deputado Nilson Gibson); 2.019/89 (Deputado José
Carlos Coutinho); 1.643/89 (Deputado Luiz Salomão); 2.577/89 (Deputado Ricardo Fiúza);
2.320/89 (Deputado Costa Ferreira); 2.884/89 (Deputado Nelton Friedrich); 6.103/90
(Deputados Luiz Salomão e Nelton Friedrich); 1.939/91 (Deputado Maviael Cavalcanti);
1.546/91 (José Santana de Vasconcelos); 2.795/92 (Deputados Edison Fidelis e Luis
Roberto Ponte). No Senado Federal foram apensados ao PL n. 1.491/91 os seguintes
projetos de lei: 136/91; 336/91; 55/92; 61/92 (CPI – Obras Públicas); 47/92 (Fernando
Henrique Cardoso); 95/90 (originado na Câmara dos Deputados); e o anteprojeto de lei do
Tribunal de Contas da União (Aviso n. 436/TCU, de 10/06/92).
Quando um projeto de lei da Câmara dos Deputados é enviado para a apreciação
do Senado Federal, a ele é atribuída uma nova numeração. Como pode ser observado no
Diário do Congresso Nacional, Seção II, 25/06/92, p. 5145, o PL n. 1.491/91, no Senado
Federal, foi classificado como Projeto de Lei da Câmara n. 59/92.
15
16
Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 596-597.
O Deputado Federal Tidei de Lima (PMDB-SP), por exemplo, ao argumentar em
prol do endurecimento da nova legislação sobre contratações públicas, afirma o seguinte:
“é justamente para evitar que aqueles que construíram essa situação de hoje no Brasil,
como o Sr. Paulo César Farias, tenham condições de operar com tranquilidade. Com esse
texto, terão dificuldades de fazer isso” (Diário do Congresso Nacional, Seção I, 17/06/92,
p. 13638). O Deputado Federal Elcio Álvares (PFL-ES) mencionou o seguinte: “quando
foi redigida a carta de Belo Horizonte, [em] que participaram vários empreiteiros da
construção civil, [ela, a carta] provocou um impacto no país. É importante, hoje, fazermos
um registro histórico. Naquela época, já se comentava com insistência que o Sr. Paulo
César Farias aparecia em várias transações como intermediário de obras públicas, fazendo
com que as grandes empreiteiras nacionais se submetessem a sua influência no governo.
[...] Confesso, sinceramente, foi um dos momentos mais dolorosos quando percebemos
que à sombra do Decreto n. 2.300 eram feitos vários artifícios no sentido de laquear a
administração e todos aqueles que quisessem realmente gerenciar os negócios do Estado
com honestidade” (Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 598). Por fim,
vale mencionar a manifestação do Deputado Federal Jones Santos Neves (PL-ES): “’todos
estamos sendo hipócritas aqui’. Com essas palavras, Sr. Presidente, o Sr. PC Farias, na
CPI do PC, estarreceu a Nação. [...] Nas entranhas do processo contra o Ex-Presidente
Collor, o que se viu, cristalinamente, foi que o dinheiro sujo da corrupção jorrava, aos
17
344
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
borbotões, sobretudo através dos procedimentos das licitações públicas. [...] Lamento
abordá-lo aqui e agora. Mas, se há um momento político adequado para refuçar coisas
desagradáveis, constranger alguns e talvez insultar outros, limpando entretanto, o nosso
caminho rumo ao futuro sadio para a Nação, o momento é este: o momento em que a
Câmara dos Deputados irá disciplinar de vez esta obscura e escusa questão das licitações
públicas” (Diário do Congresso Nacional, Seção I, 29/04/93, p. 8326).
18
Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 600.
19
Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 599.
20
Diário do Congresso Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 665.
A “Carta de Belo Horizonte”, como noticia Fernandes (2010, p. 128-129), foi uma
iniciativa de Luis Roberto Ponte, deputado e líder empresarial, e “[...] lançava uma
denúncia de corrupção generalizada na administração pública, embora adotasse tom
cauteloso de crítica ao governo Collor: advertia contra a disseminação de um sistema de
corrupção (CBIC, op cit.). O setor se apresentava como diretamente atingido e forçado ao
posicionamento público como reação à escalada de ‘proposituras de extorsão que se
generalizam’. A Carta se referia ao risco de retaliações a empresários ‘peitados’ pelo
sistema. Alertava a que ‘se não se evitar o alastramento desse cancro, certamente quem a
ele não se ‘adaptar’ perderá todas as oportunidades de trabalhar, verá secarem as verbas
para as suas obras e terá fechadas as portas para novas contratações’. Apelava à reação
coletiva do setor, por meio do ‘protesto e da decisão de denunciar cada atravessador que
surgir no nosso caminho’. Defendia uma legislação ‘mais clara e adequada’ para ‘conseguir
maior racionalidade, coerência, objetividade e transparência nos procedimentos de
licitação, contratação e fiscalização de obras e serviços de construção’.”
21
Trecho da fala do Senador Gerson Camata extraído do Diário do Congresso
Nacional, Seção II, 22/01/93, p. 597.
22
Ao responder a uma provocação do Senador Eduardo Suplicy, o Senador Pedro
Simon afirmou o seguinte: “Nobre Senador Eduardo Suplicy, a notória especialização
rechaçada em inúmeras assentadas dos Ministros do Tribunal de Contas da União, quando
tratada no art. 23 do malfadado Decreto-Lei n. 2.300, tem sido motivo dos maiores
escândalos, pois o melhor engenheiro, no critério subjetivo do administrador, acaba, muitas
vezes, por ser sempre o seu melhor amigo.” (Diário do Congresso Nacional, Seção II,
22/01/93, p. 674).
23
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9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
Ao propor uma emenda substitutiva do PL n. 1.491/91, o Deputado afirmou:
“consideramos, no entanto, que o ideal sobre o assunto, que já está bastante codificado no
Decreto-Lei n. 2.300/86, seria um projeto menos detalhado para evitar “furos”. Em geral
é sobre o excesso de detalhes que o fraudador e corrupto se debruça para encontrar
caminhos esquecidos. Os detalhes em qualquer concorrência devem ser escritos no Edital
por uma Comissão de Licitação que se reclinará nas indicações de um órgão técnico”
(Diário do Congresso Nacional, Seção I, 28/05/92, p. 10.945).
24
É o que dispunha o Decreto-Lei n. 2.300/86, após as alterações promovidas pelo
Decreto-Lei n. 2.348/87: “Art. 23. É inexigível a licitação, quando houver inviabilidade
de competição, em especial: [...] II – para a contratação de serviços técnicos enumerados
no art. 12, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização”.
25
26
Ver nota 23.
Art. 37. “O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de
licitação ou responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação,
os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores
exclusivamente nele referidos. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, constituemse tipos de licitação: [...] IV – a de preço-base, em que a Administração fixe um valor
inicial e estabeleça, em função dele, limites mínimo e máximo de preços, especificando
no ato convocatório”.
27
Redação original do PL n. 1.491/91: “Art. 44 – O julgamento das propostas será
objetivo, devendo a Comissão de Licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em
conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato
convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos. Parágrafo 1º – Para
os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação para obras, serviços e compras, exceto
nas modalidades de concurso e leilão: [...] IV – a de preço-base, em que a Administração
fixa um valor inicial e estabelece em função dele limites mínimo e máximo de preços
aceitáveis, especificados e explicitados no ato convocatório, caracterizando o mês e o ano
a que se referem”. A versão original do PL n. 1.491/91 pode ser encontrada no seguinte
endereço eletrônico: <http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=192797>.
28
Confira-se: “[...] precisamos acabar com a figura do preço-base. Cabe ressaltar
que isso é o que há de mais grave no projeto [n. 1.491/91]. O preço-base existe nos países
do Primeiro Mundo com a finalidade de balizar e informar as empresas concorrentes. O
Governo, que é a autoridade competente, estabelece um preço-base. Aqui no Brasil,
29
346
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
quiseram adotar uma técnica que eu condeno e que está repetida neste projeto – ela vem
do Decreto-Lei n. 2.300: o Governo não faz o cálculo do projeto executivo. Como tem
pressa da execução da obra, coloca-a em licitação sem o projeto executivo. Diz que o
preço-base é “X”, e qualquer empresa pode entrar com “X” menos 15%, tal como
aconteceu com o metrô de Brasília e com a Linha Vermelha, no Estado do Rio de Janeiro,
que não tem projeto final de engenharia. Resultado: todas as firmas entraram com o mínimo
de 15% do preço-base. E o que aconteceu? Fizeram um sorteio”. (Diário do Congresso
Nacional, Seção I, 28/05/92, p. 10926).
Veja-se: “[...] acreditamos que é possível manter o preço mínimo, desde que haja
o seguro obrigatório exclusivamente para esse caso. Dessa forma, o Poder Público estará
protegido diante de eventual contrato, com a segurança de um seguro, o performance bond,
como existe hoje na Europa e nos Estados Unidos. Podemos trabalhar com o preço-base,
desde que seja permitido o lance mínimo, assegurado através de uma carta de fiança de
seguro [...]”. (Diário do Congresso Nacional, Seção I, 28/05/92, p. 10926).
30
Decreto-Lei n. 2.300/86: “Art. 21. As modalidades de licitação, a que se referem
os incisos I a III do artigo anterior, serão determinadas em função dos seguintes limites,
tendo em vista o valor estimado da contratação: I – para obras e serviços de engenharia:
a) convite até CZ$ 1.500.000,00 b) tomada de preços até CZ$ 15.000.000,00 c)
concorrência acima de CZ$ 15.000.000,00; I – para compras e serviços não referidos no
item anterior: a) convite até CZ$ 350.000,00 b) tomada de preços até CZ$ 10.000.000,00
c) concorrência acima de CZ$ 10.000.000,00.
31
Confira-se: “O que os prefeitos estão fazendo hoje? [...] Com uma carta-convite,
eles chamam três amigos e dizem assim: ‘fulano, você apresenta o preço tal, que você vai
ganhar; depois o outro ganha a outra; e, aí, você nos arranja tantos por cento’. Eles estão
fazendo o seguinte: [...] ‘tomada de preço para terraplanagem do terreno onde será
construída a escola’; vai no limite. Então ganha o amigo dele, vai lá e terraplana. Diz assim:
‘tomada de preço para o fornecimento de tijolos e telhas para a construção da escola’; vai
no limite. Ele não faz licitação. Depois: ‘tomada de preço para obras de construção de
alicerce’. Então, com cinco tomadas de preço, ele faz uma obra de 10 bilhões de cruzeiros”.
32
Segundo Fernandes (2010, p. 131), “A atuação articuladora de Ponte e seu trânsito
junto às lideranças possibilitaram a tramitação rápida e aprovação do projeto na Câmara.
A negociação contou com participação da CBIC [Câmara Brasileira da Indústria da
Construção] e dos seus sindicatos filiados, que conseguiram apoio para o núcleo de
dispositivos contra o direcionamento que reputavam de importância chave”.
33
347
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
“Simon havia conduzido recentemente a relatoria do projeto da Lei Orgânica do
TCU (Lei n. 8.443, de 16 de julho de 1992). Essa circunstância propiciou o aproveitamento
dos contatos que estabeleceu com o Tribunal para os trabalhos da nova lei de licitações”.
34
“Silvério trabalhou por doze anos como técnico do TCU, acompanhando processos
de licitação, antes de se tornar assessor de carreira do Senado”.
35
Diário do Congresso Nacional, Seção I, 16/04/93, p. 7576. A importância desse
documento transcende o processo legislativo. Ele revela, em verdade, a visão que um setor
do Congresso tinha sobre qual deveria ser a função de uma lei de licitações no sistema
brasileiro de contratações públicas.
36
37
Lei n. 8.666/93, art. 1º e parágrafo único.
Vale ressaltar que a ideia de que a administração deveria contratar mediante
licitação nem sempre foi tão difundida como nos dias de hoje. Houve um tempo em que o
âmbito de incidência dos procedimentos licitatórios era substancialmente menor.
38
A Lei n. 8.666/93 dá ao termo “contrato” um significado bastante amplo. No
parágrafo único do seu art. 2º, ele é definido como sendo “[...] todo e qualquer ajuste entre
órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de
vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual
for a denominação utilizada”.
39
40
Lei n. 8.666/93, art. 2º.
Lei n. 8.666/93, art. 24, incisos I a XV. Para exemplificar as hipóteses de
contratação direta, transcrevo o seguinte dispositivo: “Art. 24. É dispensável a licitação:
[...] IX – quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos
casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa
Nacional”.
41
Lei n. 8.666/93, art. 25, incisos I a III. Para exemplificar as hipóteses de
inexigibilidade (quando a licitação é impossível), transcrevo o seguinte dispositivo: “Art.
25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: [...]
II – para a contratação de serviços técnicos [...], de natureza singular, com profissionais
ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de
publicidade e divulgação”.
42
348
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
43
Lei n. 8.666/93, art. 3º.
A Lei n. 8.666/93 prevê praticamente como critério único de julgamento para as
licitações o de menor preço. Os de julgamento baseados na técnica ou na técnica e preço
têm aplicabilidade bastante residual.
44
45
Lei n. 8.666/93, art. 3º, § 1º.
46
Lei n. 8.666/93, art. 22.
47
Lei n. 8.666/93, arts. 27 ao 33.
48
Lei n. 8.666/93, arts. 38 a 53.
49
Lei n. 8.666/93, arts. 38 a 53.
Opõe-se ao modelo legal maximalista o minimalista, segundo o qual à lei caberia
apenas a tarefa de traçar a disciplina básica dos institutos jurídicos, não se atendo a
minúcias. Isso não significa, no entanto, que o minimalismo necessariamente leva à
desregulação. A opção do minimalismo é por dar menos densidade jurídica às leis, nada
impedindo que no plano infralegal (composto por regulamentos, decretos, portarias,
instruções etc.) seja baixada uma regulação densa e minuciosa.
50
Essa visão onipotente do direito está muito presente em outro diploma normativo
aprovado pouco tempo antes da Lei de Licitações: a Constituição Federal de 1988. Nela,
há uma série de normas de cunho transformador (parcela da doutrina atribui a elas um
caráter programático) voltadas a modificar a realidade pelo Direito. Exemplifico
transcrevendo uma norma da Constituição: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”.
51
Alexandre Ribeiro Motta, em sua dissertação de mestrado, chega a conclusão
semelhante, ainda que por outras razões: “[...] partindo-se da combinação entre uma
legislação conceitualmente pobre, uma elevada preocupação com a corrupção, um sistema
jurídico excessivamente burocrático e interpretações restritivas, chega-se à formação de
uma cultura de compras públicas muito aferrada aos ritos e pouco compromissada com os
resultados”. (2010, p. 155).
52
349
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
Trata-se, por óbvio, de uma generalização cujo objetivo é destacar uma
característica da realidade; apesar de distorcê-la em alguma medida, penso que é relevante
para permitir melhor visualizá-la.
53
54
Decreto-lei n. 2.300/86, art. 7º, § 1º.
Lei n. 8.666/93, art. 23, §§ 1º e 2º. Como as modalidades de licitação são definidas
pela lei com base no valor das contratações, o risco de se permitir o parcelamento
indiscriminado da execução das obras e serviços seria o de se alterar a modalidade de
licitação inicialmente aplicável. Desse modo, evitar-se-ia que uma licitação na modalidade
de concorrência fosse transmutada em uma licitação na modalidade de convite – sobre a
qual, na teoria, recaem menos exigências legais.
55
A qualificação econômico-financeira, de modo geral, é o mecanismo usado pela
Lei n. 8.666/93 para avaliar a “saúde” das empresas licitantes. Trata-se de um dos requisitos
exigidos para a habilitação. (Lei n. 8.666/93, art. 31).
56
57
Lei n. 8.666/93, art. 31, § 1º.
Trata-se de uma modalidade de garantia passível de ser exigida daqueles que
participarem do certame licitatório, aumentando-se, assim, os mecanismos à disposição
do poder público voltados a assegurar a execução da obra ou do serviço pelo ente privado.
58
O seguro-garantia não integrou a Lei n. 8.666/93 em sua redação original, haja
vista o veto do Presidente da República. Essa modalidade de garantia só foi inserida na
Lei n. 8.666/93 com a posterior edição da Lei n. 8.883/94.
59
Trata-se de outro requisito exigido pela Lei no processo de habilitação. A
qualificação técnico-operacional destina-se a verificar, com base na demonstração de
experiência prévia, se os licitantes efetivamente serão capazes de entregar o objeto do
contrato na hipótese de vencerem o certame licitatório.
60
61
Lei n. 8.666/93, art. 30, § 1º, “b”.
62
Lei n. 8.666/93, art. 43, incisos I a V.
63
Lei n. 8.666/93, art. 43, inciso III e IV.
350
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
64
Lei n. 8.666/93, art. 44, § 3º.
65
Charles Sabel é professor de Law and Social Science na Columbia Law School
(EUA).
351
[sumário]
9. leI n. 8.666/93: umA resPostA à CorruPção nAs ContrAtAções PúblICAs?
referênCIAs
:
:
:
:
:
FERNANDES, Ciro Campos Christo. Política de compras e contratações: trajetória
e mudanças na administração pública federal brasileira. Tese de Doutorado. Rio de
Janeiro, Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação
Getulio Vargas, 2010.
MOTTA, Alexandre Ribeiro. O combate ao desperdício no gasto público: uma
reflexão baseada na comparação entre os sistemas de compra privado, público
federal norte-americano e brasileiro. Dissertação de mestrado. Instituto de
Economia da Universidade Estadual de Campinas, 2010.
ROSE-ACKERMAN, Susan. La Corrupción y los Gobiernos – causas,
consecuencias y reforma. Buenos Aires, Siglo XXI de Argentina Editores, 2001.
SABEL, Charles. Beyond principal-agent governance: experimentalist
organizations, learning and accountability. In: ENGLEN, Ewald; DHIAN HO,
Monika Sie (eds.). De Staat van de Democratic voorbij de Staat. WRR Verkenning
3 Amsterdam: Amsterdam University Press, 2004. Disponível em:
<http://www2.law.columbia.edu/sabel/papers.htm>.
SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo – de acordo com as
Leis 8.666/93 e 8883/04. São Paulo: Malheiros, 1994.
352
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
10.
PArA ConCluIr: UMA AGENDA DE PESqUISA
EM DIREITO A PARTIR DO CASO TRT
Maíra Rocha Machado
Para concluir esse percurso sobre a atuação do sistema de justiça no Caso
TRT, o objetivo deste capítulo final é apresentar e discutir brevemente
alguns temas que emergiram no decorrer do livro como particularmente
urgentes para a agenda de pesquisa em direito, no campo do enfrentamento da corrupção no Brasil. Espera-se que a narrativa do caso e cada
um dos textos que integram esta coletânea tenham realizado boas descrições sobre os arranjos jurídicos, as etapas processuais, os debates doutrinários e as disputas jurisprudenciais envolvidas no Caso TRT. Espera-se,
também, que tenham oferecido novas pistas para a compreensão do funcionamento das instituições do sistema de justiça, bem como de suas relações com a sociedade civil.
Mas há ainda muito por fazer no campo descritivo.
Em primeiro lugar, a realização de outros estudos de caso de corrupção
com componentes diferentes dos analisados aqui ajudaria a distinguir os
aspectos particulares desse caso concreto daqueles que podem ser identificados em outros casos com características semelhantes; aqueles envolvendo atores e instituições das esferas municipal ou estadual, que tenham
contado com a atuação da corporação policial na fase de investigação, que
não tenham sido submetidos à CPI ou alcançado grande repercussão midiática seriam particularmente interessantes. Do mesmo modo, casos posteriores à entrada em vigor das convenções internacionais de Palermo e
Mérida, bem como do fortalecimento do sistema antilavagem de dinheiro,
que envolvam outras operações econômicas, modalidades de negócio e
setores poderiam acrescentar novos elementos ao panorama da cooperação
internacional e do repatriamento de ativos derivados da corrupção.
Em segundo lugar, temos ainda um longo caminho a percorrer antes que
possamos responder a questões muito simples sobre o que e como decidem
os tribunais sobre inúmeros temas fundamentais aos problemas jurídicos
353
[sumário]
10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt
debatidos neste livro. Isso se deve, em parte, à escassez de pesquisas empíricas em direito sobre a atuação dos tribunais. Em que pese a notável transformação que vem ocorrendo nos últimos dez anos – como mostra a
ampliação das possibilidades de financiamento de pesquisas empíricas e o
desenvolvimento de fóruns de debate e intercâmbio entre pesquisadores,
entre outros fatores –, o acervo de trabalhos sobre a atuação dos tribunais
ainda está se constituindo.1 De outro lado, o modo como os tribunais organizam e disponibilizam o material digital – em função do uso feito pelas partes
ou pelo próprio tribunal, sem maiores preocupações com o acesso tanto do
público quanto do pesquisador em direito – impõem altos custos humanos
e materiais para uma pesquisa de sistematização jurisprudencial sobre os
fundamentos e o conteúdo de decisões sobre determinado tema. Há vários
pontos importantes aqui, desde a sofisticação das ferramentas de busca até
o alcance dos próprios acervos digitais que nem sempre contam com a totalidade das decisões proferidas por determinado tribunal.
Mas, nem todas as questões podem ser respondidas com pesquisas empíricas em direito. Há problemas teóricos muito difíceis que têm bloqueado
de maneira muito intensa a compreensão e a reflexão sobre alguns pontos
discutidos ao longo deste livro. Tais problemas tornam-se mais visíveis
quando deixamos o registro descritivo para elaborar juízos avaliativos
sobre diferentes aspectos da atuação do sistema de justiça.2 Por exemplo:
a pena de 31 anos de reclusão imposta a Luiz Estevão é adequada? É razoável que uma ação civil pública leve 11 anos para ser julgada em primeira
instância? Ou, de modo mais global, é possível afirmar que o sistema de
justiça brasileiro funcionou bem no Caso TRT? Vale notar que, em casos
como esses, as pesquisas de sistematização de decisões e fluxos processuais
podem indicar que esses períodos de tempo são excessivos ou, ao contrário,
são bastante comuns em casos semelhantes, mas não nos oferecem critérios
e parâmetros para avaliar se são adequados, razoáveis, bons ou ruins, se
funcionam bem ou mal diante dos custos que impõem ao Estado e à sociedade civil. Não se trata de minimizar a relevância desse tipo de pesquisa,
ao contrário: o que se busca enfatizar é que esse modelo não é capaz de
responder algumas questões que também precisam ser formuladas pelos
pesquisadores em direito.
354
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Estão elencadas a seguir algumas questões que este livro aponta como
cruciais para a agenda de pesquisa em direito, comprometida com o aprimoramento da performance das instituições do sistema de justiça e da qualidade da prestação jurisdicional no campo do enfrentamento da corrupção.
A referência ao engajamento foi utilizada de propósito para explicitar que
a abordagem apresentada aqui não valoriza a neutralidade como sinônimo
de desinteresse. Mas anunciar o comprometimento não significa, como
explica Pires, colocar-se “a reboque” de determinado grupo ou “aceitar tudo
a partir de um ponto de vista determinado”. De acordo com essa abordagem,
devemos identificar e explicitar nossos interesses e “conservar a liberdade”
de nos deslocar, nos divergir e de criticar (PIRES, 2008, p. 83).
Enfim, os três conjuntos de questões esboçados abaixo foram formulados
com o objetivo de aguçar a curiosidade e o interesse de pesquisadores e,
sobretudo, deixar ampla margem para desenhar as estratégias metodológicas
mais interessantes para enfrentá-los. Todas compartilham um mesmo ponto
de partida: as formulações que naturalizam os conceitos jurídicos ou cristalizam respostas antigas, indiferentes à disputa permanente que envolve o
processo de aplicação do direito, são frequentemente inadequadas e necessariamente insuficientes.3
10.1 |
A
sImultAneIdAde de ProCedImentos
PArA sAnCIonAr os mesmos fAtos
No Caso TRT, a ação civil pública e o processo criminal sobre o mesmíssimo
desvio de verbas na construção do fórum correram de modo paralelo por
muitos anos. Coincidem os fatos, mas não coincidem os réus. Como vimos,
a ação civil pública alcança também as pessoas jurídicas que, de acordo com
a Constituição Federal, apenas poderiam ser acusadas de crimes ambientais.
O processo criminal começou depois e foi concluído bem antes, mas a
medida de bloqueio de bens que tirou as construtoras do mercado – como
mostrou o texto de Gisela Mation, Capítulo 3 deste volume – foi determinada logo na cautelar que deu início à ação civil pública.
É possível identificar uma certa complementariedade entre as duas
esferas no caso concreto? E isso seria suficiente para justificar duas ações,
por parte do mesmo Ministério Público Federal (ainda que em Câmaras
355
[sumário]
10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt
diferentes), duas instruções probatórias sob a égide da mesma Justiça Federal (ainda que em seções diferentes)? Qualquer resposta que parta da premissa de que há uma diferença ontológica entre o “crime” e a “improbidade”
encontra no Caso TRT uma prova empírica da inadequação desse tipo de
distinção: o objeto das duas ações é exatamente o mesmo. Cada conjunto
normativo e cada procedimento construirá, à sua maneira, aquela mesma
fraude à licitação. As sanções aplicáveis em um e outro caso serão distintas,
como serão também as possibilidades de cooperação jurídica internacional,
como nos mostrou Rochelle Ribeiro, no Capítulo 4 deste livro.
Um mapa dos efeitos e implicações da simultaneidade de ações civis
públicas e processos criminais sobre os mesmos fatos ainda está para ser
produzido, mas o Caso TRT fornece alguns elementos importantes para
essa tarefa.4 Observando as sentenças proferidas em um e outro processo,
é possível perceber que as decisões fazem referências aos demais procedimentos em curso ou concluídos, mas ignoram seus resultados para fins
de determinação tanto das sanções aplicáveis quanto da imposição de
outras obrigações, como o dever de reparar o dano. Como mostra o Anexo
3 – Quadro de sanções, reparação do dano e multas foram impostas na
sentença criminal, na civil e na administrativa proferida pelo Tribunal de
Contas da União. Nenhuma dessas decisões leva em consideração as sanções proferidas pelas demais esferas.
A questão que se coloca, então, poderia ser formulada da seguinte maneira: quando observamos a atuação do sistema de justiça como um todo – e
não o trabalho isolado de cada um dos órgãos –, esse modelo pode ser considerado satisfatório? Ou, ao contrário, a duplicidade – ou triplicidade – de
procedimentos e sanções opera de modo disfuncional e eleva substancialmente os custos de investigação e responsabilização dos casos de corrupção
no País? Esse modelo tem vantagens, se comparado a outros nos quais dois
conjuntos de regras e instituições são competentes para atuar sobre o mesmo
fato concreto?5
Se observarmos o Caso TRT, como justificar o trabalho que será
empreendido com as apelações e demais recursos, liquidação e execução
da sentença da ação civil pública? Diante do cumprimento do acordo do
Grupo OK, de Luiz Estevão, com a Advocacia-Geral da União, a falência
356
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
das outras empresas que figuram como ré, a prisão de Nicolau dos Santos
Neto e o repatriamento dos valores confiscados na Suíça, o que resta para
ação civil pública?
10.2 |
o
trânsIto em julgAdo e
o Ponto fInAl no mundo jurídICo
O Caso TRT parece mostrar que o trânsito em julgado não é um momento
processual ao qual se chega, quase involuntariamente, por se esgotarem os
prazos para novos recursos. Ao contrário, ele emerge no caso como uma
decisão. A certidão do STF emitida em 2 de abril de 20136 ilustra bem esse
ponto: não que outros recursos não pudessem ter sido admitidos; até poderiam, mas tendo em vista que vários deles já tinham sido interpostos e denegados, estava também aberta a possibilidade de o Judiciário decidir pelo
ponto final. Como mostra Carolina Ferreira, no Capítulo 5 deste volume, o
período que transcorreu entre a decretação da prisão preventiva de Nicolau
dos Santos Neto, em 2000, e a primeira certidão de trânsito em julgado, em
2013, foi marcado por uma intensa batalha judicial relativa ao local e às
condições da preventiva, bem como do conjunto normativo aplicável à situação de “execução provisória”. Como revela Ferreira, um dos principais objetos da disputa diz respeito ao momento a partir do qual as regras e benefícios
previstos na Lei de Execução Penal passam a ser aplicáveis à privação de
liberdade imposta a Nicolau dos Santos Neto.
De todo modo, trata-se da única decisão judicial no Brasil que transitou
em julgado – todos as demais aguardam o julgamento de recursos, não
apenas na esfera penal e civil, mas também na ação de falência, como nos
mostra Gisela Mation, no Capítulo 3 deste volume. O Anexo 1 – Processos
e recursos (1998-2013) ilustra claramente um sistema de justiça caracterizado pela “ampla recorribilidade”, para utilizar expressão de Paulo Silva
e Susana Costa, no Capítulo 7 desta obra. O quadro de processos e recursos
envolvendo Nicolau dos Santos Neto, detalhado por tipo e ano, permite
visualizar, entre outras coisas, as diferenças e semelhanças na postura
recursal da acusação e da defesa e os períodos em que a atividade recursal
foi mais intensa, além dos tipos de recursos utilizados com maior frequência, bem como as fases processuais que geraram mais questionamentos às
357
[sumário]
10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt
instâncias superiores. Como se vê no Anexo 1, Nicolau dos Santos Neto
figura no polo ativo do quádruplo de recursos em que figura no polo passivo, excetuando-se os processos em trâmite na primeira instância.7 Os
agravos de instrumento foram, de longe, o recurso mais utilizado: 75 no
total, dos quais 52 no Tribunal Regional Federal. A quantidade de habeas
corpus ficou um pouco abaixo disso, totalizando 49. Desde que o caso
começou até o início de 2013, quando o levantamento foi concluído, dos
189 recursos dirigidos aos tribunais, 49 ainda estavam em andamento.
Mas o número de recursos não constitui o único fator a impactar o tempo
de tramitação dos processos – e a longa espera pelo trânsito em julgado das
decisões. Como mostra Luisa Ferreira, no Capítulo 8 deste livro, algumas
regras, como as que dispõem sobre foro privilegiado, podem ter elevado
impacto na tramitação de casos concretos. A partir de uma análise minuciosa
das ações civis públicas e dos processos criminais do Caso TRT, ela identificou que o debate sobre quem era competente para julgar o caso gerou ao
menos 24 recursos e ações, sem contar com vários pedidos formulados no
decorrer dos processos. Ademais, esses processos foram deslocados para
outras instâncias quatro vezes – excetuadas as situações nas quais o deslocamento ocorreu em virtude da admissão de recursos. Em virtude disso, os
processos foram interrompidos por um total de quase quatro anos. Isto é,
para além de todos os questionamentos sobre a própria permanência do
peculiar modelo brasileiro de definir a competência para julgar as pessoas
que exercem funções políticas, é necessário ainda levar em conta o impacto
que essas regras podem ter na tramitação processual.
Diante desse quadro é interessante notar que novas legislações passaram
a estabelecer outros marcos processuais – anteriores ao trânsito em julgado
– e lhes atribuir efeitos até então associados, unicamente, à decisão definitiva. O exemplo mais emblemático é a Lei da Ficha Limpa. A partir de um
projeto de lei de iniciativa popular, que contou com 1,3 milhão de assinaturas, a legislação brasileira foi modificada para admitir, entre outras coisas,
que uma pessoa condenada por decisão judicial proferida por órgão judicial
colegiado não pudesse concorrer às eleições.8 Até então, a inelegibilidade
dependia, justamente, do trânsito em julgado da decisão. A nova regra alcança as pessoas condenadas por corrupção, mas também crimes ambientais,
358
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
financeiros e contra a saúde pública, entre outros. A constitucionalidade da
nova lei foi questionada no Supremo Tribunal Federal. Um dos principais
temas levados à deliberação foi o afastamento da exigência do trânsito em
julgado, considerado pelos ministros desfavoráveis à nova regra uma violação ao princípio da presunção de inocência. Dois anos após a entrada em
vigor da nova lei, a Lei da Ficha Limpa foi declarada constitucional e integralmente mantida por sete votos a quatro.9
De certa forma, a Lei da Ficha Limpa cria um incentivo aos réus que
tenham interesse em recuperar a elegibilidade. Como a proibição de participar de eleições permanece por oito anos após o cumprimento da pena –
e esta exige o trânsito em julgado da condenação – quanto antes a decisão
for definitiva, melhor. Ainda é cedo para avaliar se a Lei da Ficha Limpa
causará esse tipo de efeito. Além disso, a elegibilidade não é um fator atrativo em todos os casos de corrupção. De todo modo, a Lei da Ficha Limpa
estabelece um tipo de arranjo jurídico que escapa das duas vias que frequentemente aparecem no debate sobre essa questão: alteração legislativa
voltada a, de um lado, reduzir as possibilidades de recorrer ou, de outro,
criar contraincentivos ao uso excessivo de recursos (ver Paulo Silva e Susana Costa, autores do Capítulo 7 deste volume).
O acordo celebrado entre a Advocacia-Geral da União e o Grupo OK,
de Luiz Estevão, também constitui um exemplo de um arranjo jurídico inovador capaz de fazer frente aos desafios que o modelo recursal brasileiro
impõe ao trânsito em julgado das decisões. Como mostrou o Capítulo 1 –
A narrativa do Caso TRT, o acordo diz respeito ao processo de execução
das condenações impostas pelo TCU em relação às quais tramitavam inúmeros recursos voltados a questionar desde a legitimidade da decisão até
o montante dos valores penhorados. Nas bases do acordo, além do pagamento total da multa e de quase metade do valor principal devido aos cofres
públicos, estava a obrigação do Grupo OK de desistir de recursos, renunciando aos embargos.
Tais exemplos convidam à construção de uma agenda de pesquisa que
reflita sobre arranjos mais complexos para lidar com essa diversidade de
questões. É importante notar, ademais, que o problema do tempo de tramitação processual reveste-se de características muito distintas quando
359
[sumário]
10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt
os réus não dispõem de recursos para contratação de advogados que possam questionar sistematicamente as decisões. Apenas para ilustrar essa
outra dimensão do problema, de acordo com informações divulgadas no
início de 2012, dos 413.236 casos examinados pelo “Mutirão Carcerário”
do Conselho Nacional de Justiça, 36.673 já tinham cumprido suas penas
e 72.317 estavam em regime penitenciário inadequado. Como assinala
Foley, “isso significa que mais de 100 mil pessoas estavam sendo injustamente detidas ou mantidas em condições excessivamente duras em relação
à pena de prisão que receberam” (2012, p. 44). Ou seja, em nosso País,
em um vastíssimo número de situações, a atividade recursal precisa ser
garantida e intensificada – e não restringida.
A construção dessa agenda talvez deva começar pelo esforço de identificar e sistematizar as situações nas quais o trânsito em julgado de uma
determinada decisão não constitui uma exigência incontornável à produção
de determinados efeitos. Além do vasto campo de possibilidades das medidas cautelares – tanto na esfera penal quanto civil, como mostram Carolina
Ferreira (Capítulo 5), e Paulo Silva e Susana Costa (Capítulo 7) neste livro
–, há também as situações nas quais simplesmente modifica-se o parâmetro
de exigência ou os mecanismos de afirmação de determinados direitos.
Além dos exemplos já citados no decorrer desta seção, o texto de Rochelle
Ribeiro (Capítulo 4) ilustra muito bem esse ponto: o apartamento de Miami
e o montante na Suíça retornaram ao Brasil não de modo cautelar ou provisório, mas definitivo, mesmo sem a ocorrência do trânsito em julgado
das decisões no País.
ImPunIdAde? Como AvAlIAr
os resultAdos do CAso trt?
Ainda que tenhamos vários anos pela frente até a conclusão e o arquivamento de todos os processos relacionados ao Caso TRT, o período coberto
pelo Capítulo 1 e pelos estudos que integram esta coletânea parece ser suficiente para arriscarmos algumas palavras sobre o “saldo” da atuação do
sistema de justiça.
O primeiro desafio para as pesquisas interessadas em discutir os resultados da atuação do sistema de justiça, sobretudo em casos de corrupção,
10.3 |
360
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
diz respeito ao caráter muito rudimentar dos “indicadores de sucesso” disponíveis. Como vimos no decorrer deste livro, no enfrentamento à corrupção,
a palavra de ordem é o combate à impunidade. A utilização extraordinariamente difundida do termo impunidade entre atores do sistema de justiça,
cientistas sociais, sociedade civil e mídia é capaz de revelar, por si só, a limitação das chaves analíticas para realizar avaliações sobre a atuação do sistema de justiça em relação a casos concretos.10
Nos incontáveis documentos nos quais o termo apareceu, o grande temor
de que o caso “terminasse em impunidade” invariavelmente referia-se à
garantia de que a sanção prisional fosse executada no interior de instituições
penais. Combater a impunidade é garantir “cana dura” e que o réu possa “sentir a cadeia”, como diziam cartazes em Higienópolis e a declaração da CNBB
em relação à prisão de Nicolau dos Santos Neto (ver Capítulo 5). O termo
impunidade apareceu também em notas oficiais do Ministério da Justiça e
em decisões judiciais. O modo como se buscou efetivar a prisão do juiz –
uma vez preso, deveria se garantir que ele não cumprisse a prisão preventiva
em seu domicílio – ilustram de modo muito contundente esse enorme consenso ao redor da “reclusão em regime fechado”. Não surpreende que o Brasil
ocupe o 4º lugar no ranking dos países que mais encarceram no mundo.11
Como mostra o Anexo 3 – Quadro de sanções, o Caso TRT envolveu
várias outras sanções que atingiram tanto a dimensão econômica – multas
e reparação do dano – quanto o exercício de direitos – inelegibilidade, perda
da função pública e proibição de contratar com o poder público.12 Isso sem
falar nas sanções reputacionais que, especialmente no caso de Nicolau dos
Santos Neto, alcançaram proporções sem precedentes nos grandes escândalos de corrupção do País.13 Não parece adequado afirmar que se trata de
sanções inócuas, toleráveis ou facilmente equacionáveis pelos réus, do ponto
de vista financeiro. Vale lembrar que Nicolau dos Santos Neto contratou
advogados que se empenharam para manter o dinheiro na Suíça, e que Luiz
Estevão, muito provavelmente, só se dispôs a celebrar o acordo e começar
a pagar porque a penhora de imóveis, aluguéis e créditos do Grupo OK estava impactando seus negócios.
Mas, mesmo considerando por um momento que somente a pena de
prisão é relevante para a avaliação dos resultados da atuação do sistema
361
[sumário]
10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt
de justiça, qual a lição do Caso TRT? A fuga de Nicolau dos Santos Neto
é razão suficiente para justificar a diferença de tratamento em relação a
Luiz Estevão? Mesmo para os que apostam na prisão como exemplo e
forma de prevenir a prática de novos crimes, o desfecho, até o momento,
distinto em relação aos diferentes réus coloca em dúvida a adequação do
modelo de justificação e aplicação de penas.
Esse saldo da atuação do sistema de justiça no Caso TRT, ainda que provisório, escancara a permanência de mecanismos sancionatórios muito difíceis de compreender e justificar na atualidade. O modo como definimos as
sanções criminais permanece parado no tempo, com pouquíssimas modificações desde nossa primeira codificação criminal no início do século XIX.
O elemento que merece destaque nesse ponto diz respeito à centralidade da
pena de prisão e, muito particularmente, da privação de liberdade em regime
fechado por longos períodos como a sanção “por excelência” do sistema de
justiça. Esse arranjo parece deixar poucas brechas para os mecanismos de
responsabilização inovadores, que contemplem outros tipos de pena e que
prestigiem mais fortemente a reparação do dano aos cofres públicos.14
Se no âmbito da criação de novos desenhos jurídicos para garantir a
reparação do dano e o repatriamento dos valores enviados ao exterior é
possível identificar conquistas importantes no decorrer da última década,
o círculo vicioso que aposta na redução da atuação do sistema de justiça
à pena de prisão parece não dar sinais de se enfraquecer. Poucas semanas
antes da conclusão deste livro, o enfrentamento à corrupção marcou presença nos protestos de junho de 2013. Em cartazes e sondagens de opinião, o fim da corrupção ou o “combate à impunidade” esteve presente
entre as demandas por educação, saúde, mobilidade urbana, reforma política, reforma da polícia, entre tantas outras que ecoaram no decorrer das
manifestações.15 Estava lá a corrupção entre os “cinco pactos” articulados
às pressas entre o governo federal e os governos estaduais.16 Poucos dias
depois, o Senado reaviva projeto de lei que transforma a corrupção em
crime hediondo e eleva as penas previstas para esses crimes (PLS
204/2011). Em 26 de junho, o projeto foi discutido e aprovado em turno
único, e enviado à apreciação da Câmara dos Deputados.17 O novo texto
aumenta de dois para quatro anos a pena mínima prevista a vários dos tipos
362
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
penais de corrupção e, ao classificá-los como crimes hediondos, elimina
a possibilidade de exercício de direitos no decorrer da execução da pena.
Mais do mesmo. E muito distante do fortalecimento dos recursos humanos
e materiais para as dezenas de instituições que trabalham no controle e na
apuração de responsabilidades, dos programas de incentivo à coordenação interinstitucional, da valorização de projetos comprometidos com a
transparência das contas públicas e de uma série de outras ações e metas
que vêm sendo debatidas pelos próprios atores do sistema de justiça comprometidos com o enfrentamento da corrupção no Brasil.18
363
[sumário]
10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt
notAs
Para um primeiro balanço sobre essas transformações recentes, ver Alexandre
Cunha e Paulo Silva (2013). Sobre o “atraso relativo” da pesquisa em direito, em face das
ciências humanas no Brasil, ver Marcos Nobre (2003). Para uma reflexão sobre a pesquisa
empírica a partir de decisões judiciais no País, ver Rodriguez e Ferreira (2013). Sobre o
judiciário e o sistema de justiça, em um sentido mais amplo, a referência é Oliveira (2012).
1
Tem-se em mente aqui a distinção proposta por Blackburn (1994, p. 77 e ss.) entre
três tipos de juízos: os juízos de observação – ou descritivos, acrescentamos – visam
constatar (ou pretendem constatar) a existência de uma coisa ou uma relação entre coisas,
eventos ou pessoas. Os juízos de avaliação visam fazer uma apreciação subjetiva a
propósito de qualquer coisa qualificando-a como sendo boa/má, melhor/pior, justo/injusto.
São mais exigentes que os primeiros, pois dependem da explicitação do parâmetro ou
critério utilizado para observar como boa ou ruim uma lei, uma decisão ou um programa
governamental. Por fim, estão os juízos de prescrição que, por sua vez, visam aconselhar
ou desaconselhar alguma coisa, recomendando que ela seja ou não empreendida. Pensando
em termos de construção de projetos de pesquisa, cada um desses juízos pode exigir a
construção de estratégias metodológicas diferentes.
2
Para mais detalhes sobre a atenção redobrada que precisamos desenvolver para
evitar a naturalização dos institutos e conceitos jurídicos, ver Garcia (2011) e Machado e
Machado (2013, p. 333-335). Sobre a desnaturalização de categorias como tarefa central
do jurista, ver Rodriguez (2012, p. 62-64).
3
Interessante notar que esse tema não integra a agenda acadêmica, mas foi objeto de
discussão e recomendação na ENCCLA (Encontro Nacional de Combate à Corrupção e à
Lavagem de Dinheiro) que, desde 2003, reúne representantes de diversos órgãos públicos para
elaborar estratégias de aprimoramento da atuação tanto na esfera governamental quanto
judicial. Em 2011, o Encontro aprovou recomendação nos seguintes termos: “A Estratégia
Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA recomenda ao
Ministério Público Federal, do Distrito Federal e dos Estados unificar a atribuição cível e
criminal relativa à corrupção e à improbidade administrativa, criando ofícios de procuradorias
e promotorias especializados em combate à corrupção, em primeiro e segundo graus de
jurisdição.” (Recomendação 03/2011 ENCCLA). As metas, ações e recomendações da
ENCCLA estão disponíveis no site do Ministério da Justiça. Para um balanço da atuação e
significado da iniciativa na construção de políticas públicas de enfrentamento à corrupção e
à lavagem de dinheiro, ver Machado (2011).
4
364
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Veja-se, por exemplo, o caso da sonegação de impostos em que regras e instituições
penais e tributárias podem ser acionadas para intervir sobre a mesmíssima sonegação. Esse
campo sofreu alterações substanciais na última década justamente para impedir a intervenção
simultânea e não coordenada de duas esferas do direito sobre um mesmo fato. Para um
balanço sobre as transformações do campo penal tributário ver, por exemplo, os textos
reunidos na coletânea coordenada por Tangerino e Garcia (2007).
5
6
STF, ARE 681.742.
Como nos mostra Carolina Ferreira, no Capítulo 5 deste volume, a atuação
recursal do Ministério Público foi particularmente intensa na disputa pelo local em que
Nicolau dos Santos Neto deveria cumprir a prisão preventiva. Voltaremos a esse ponto
na próxima seção.
7
8
Trata-se da Lei Complementar n. 135/2010.
O julgamento proferido em 16 de fevereiro de 2012 reuniu a ação direta de
inconstitucionalidade (ADI n. 4.578) ajuizada pela Confederação Nacional das Profissões
Liberais a duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADC ns. 29 e 30) propostas
pelo Partido Popular Socialista e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil. Além do acórdão, um informativo com resumos dos votos de cada um dos ministros
encontra-se disponível no site do Supremo Tribunal Federal, em <http://www.stf.jus.br/
portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=200495> (último acesso em: 24 de julho
de 2013).
9
Apenas como ilustração, o termo impunidade aparece por volta de 20 vezes na
coletânea de Power e Taylor (2011), em seis dos dez capítulos que compõem o livro. Em
nenhum caso a utilização desse vocábulo decorre de algum tipo de crítica ou
questionamento sobre o tipo de expectativa que ele impõe à atuação do sistema de justiça.
Ao contrário, o termo é frequentemente empregado para descrever uma atuação
disfuncional e que precisa ser corrigida. As referências são usualmente “ao sentimento”
ou “à sensação de impunidade” causadas pela omissão ou atuação equivocada de normas
ou instituições. Trata-se de contagem manual, sem qualquer pretensão de exaustividade.
10
De acordo com o World Prison List 9th edition, publicado periodicamente pelo
International Centre of Prison Studies, o Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos da
América, da China e da Rússia. Disponível em: <http://www.prisonstudies.org/images/
news_events/wppl9.pdf>. Acesso em: 26 de julho de 2013.
11
365
[sumário]
10. PArA ConCluIr: umA AgendA de PesquIsA em dIreIto A PArtIr do CAso trt
Como discutido na primeira seção deste capítulo, várias delas aplicadas em
duplicidade, indiferentes às sanções definidas em outros procedimentos.
12
Para um balanço e suas repercussões no processo criminal, ver o texto de José
Roberto Xavier, Capítulo 6 deste volume.
13
Sobre o “enigma da crítica repetitiva à prisão” – que vem sendo observada desde
a metade do século XIX – e sobre a ausência de ideias institucionalizadas capazes de dar
suporte às sanções não prisionais ver Pires (2013, p. 306 e 310). Esta última questão é
tematizada também em Pires (1999).
14
Apenas como ilustração, ver a coletânea de cartazes selecionados pelo Tumblr.
Disponível em: <http://cartazesdosprotestos.tumblr.com>. Acesso em 26 de julho de 2013.
Sobre as sondagens de opinião, em pesquisa publicada no dia 24 de junho de 2013, o Datafolha
aponta que a corrupção aparece em terceiro lugar na lista de principais reivindicações dos
paulistanos: com 17%, a reivindicação contra a corrupção aparece depois da melhoria
da saúde, com 40%, e da educação, com 20% das respostas espontâneas coletadas três
dias antes em todos os bairros da cidade. Disponível em <http://datafolha.folha.uol.com.br/
opiniaopublica/2013/06/1300362-paulistanos-defendem-continuidade-de-protestos-e-focoem-saude-e-educacao.shtml>. Acesso em: 26 de julho de 2013.
15
16
Sobre este ponto, ver Nobre (2013, p. 1).
Sob o número PL 5900/2013, o projeto aguarda deliberação do Plenário desde 9 de
julho. De acordo com o histórico de tramitação do projeto na Câmara, a matéria não foi
apreciada “por acordo dos Srs. Líderes”. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=583945>. Acesso em: 25 de julho de 2013.
17
Para uma lista muito competente e apta a subsidiar o debate sobre lacunas e desafios
institucionais muito concretos a serem enfrentados nesse campo, ver relatório anual da
ENCLLA sobre as metas, ações e recomendações formuladas e debatidas entre as dezenas
de órgãos públicos que se encontram anualmente desde 2013. Ver nota 4 deste capítulo.
18
366
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
referênCIAs
:
:
:
:
:
:
:
:
:
:
:
:
:
:
BLACKBURN, Pierre. Logique de l’argumentation. 2. ed. Quebec: Éditions du
Renouveau Pédagogique, 1994.
CUNHA, Alexandre; SILVA, Paulo Eduardo (org.). Anais do I Encontro de Pesquisa
Empírica em Direito. Rio de Janeiro: IPEA, 2013.
FOLEY, Conor. “O Mutirão Carcerário (a força-tarefa prisional)”. Outro sistema é
possível: a reforma do Judiciário no Brasil. Brasília: International Bar Association et
Ministère de la Justice, 2012, p. 28-45.
GARCIA, Margarida. “Des nouveaux horizons épistémologiques pour la recherche
empirique en droit: décentrer le sujet, interviewer le système et ‘désubstantialiser’ les
catégories juridiques”. Les Cahiers de droit, vol. 52, n. 3-4, 2011, p. 417-459.
MACHADO, Maira. “Similar in Their Differences: transnational legal processes
addressing money laundering in Brazil and Argentina”. Law & Social Inquiry. vol. 37,
issue 2, 2012, p. 330–366.
MACHADO, Marta; MACHADO, Maíra. “O direito penal é capaz de conter a
violência?” Manual de sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 327-349.
NOBRE, Marcos. Choque de democracia. Razões da revolta. São Paulo: Companhia
das Letras, 2013.
OLIVEIRA, Fabiana Luci (org.). Justiça em foco: estudos empíricos. Rio de Janeiro:
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PIRES, Alvaro. “Naissance et développement d’une théorie et ses problémes de
recherche”. In : DUBÉ, GARCIA E MACHADO (ed.). La rationalité pénale moderne.
Reflexions théoriques et explorations empiriques. Ottawa: PUO, 2013, p. 289-323.
______. “Sobre algumas questões epistemológicas de uma metodologia geral para as
ciências sociais”. In: PIRES (org.). A pesquisa qualitativa. Enfoques epistemológicos e
metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 43-94.
______. “Alguns obstáculos humanistas à mutação do direito penal”. Sociologias, n. 1,
ano 1, p. 64-95.
RODRIGUEZ, José Rodrigo. “Para uma pedagogia da incerteza: a dogmática juridical
como experimento e imaginação”. Dogmática é conflito. Uma visão crítica da
racionalidade jurídica. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 55-74.
______ ; FERREIRA, Carolina Cutrupi. “Como decidem os juízes? Sobre a
qualidade da jurisdição brasileira”. Manual de sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 255-268.
TANGERINO, Davi; GARCIA, Denise (coord.). Direito Penal Tributário. São Paulo:
Quartier Latin, 2007.
367
[sumário]
Anexos
ANExO
1
ProCessos
e reCursos
(1998-2013)1
InformAções dAs CertIdões
OU CPF DE NICOLAU DOS SANTOS NETO)
justIçA federAl
1ª InstânCIA
trf
stj
stf
Total de Processos ou Recursos
15
102
59
28
Ativo
0
75
51
22
Passivo
15
27
8
2
Outro
0
0
0
4
Arquivado
1
76
45
19
Em movimento
14
26
14
9
Ação Civil Pública
1
0
0
0
Ação Civil Pública
de Improbidade
1
0
0
0
Ação Penal
3
0
1
0
Agravo de Execução Penal
0
4
0
0
Agravo de Instrumento
0
27
13
10
Agravo de Instrumento
em Recurso Especial
0
25
1
0
Apelação Cível
0
6
0
0
Apelação Criminal
0
7
0
0
Carta Rogatória
0
0
1
1
Cautelar Inominada
0
1
0
0
Conflito de Competência
0
1
3
0
Cumprimento de Sentença
1
0
0
0
Exceção de
Impedimento Criminal
0
1
0
0
(PESqUISA DE PROCESSOS PELO NOME
Polo
Trâmite
Tipo de
Processo
ou Recurso
368
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
Ano
369
Exceção de
Suspeição Cível
0
1
0
0
Execução de
Título Extrajudicial
1
0
0
0
Execução Fiscal
4
0
0
0
Execução Penal
3
0
0
0
Habeas Corpus
0
14
29
6
Incidentes Criminais
1
0
0
0
Inquérito
0
0
1
0
Mandado de Segurança
0
6
0
1
Petição/Ação/Medida
Cautelar
0
0
1
1
Petição Cível
0
3
0
0
Reclamação
0
1
5
4
Recurso em
Habeas Corpus
0
0
0
3
Recurso em
Sentido Estrito
0
5
0
0
Recurso Especial
0
0
4
0
1998
1
2
0
0
1999
0
4
1
2
2000
2
12
2
4
2001
2
14
9
2
2002
0
9
3
0
2003
1
9
14
2
2004
1
1
3
0
2005
0
3
3
4
2006
0
4
6
1
[sumário]
Anexos
2007
1
13
3
1
2008
1
5
4
2
2009
2
8
5
4
2010
2
6
3
5
2011
0
0
1
0
2012
1
8
1
0
Em razão da abrangência ampla da pesquisa por nome, as certidões
em questão também localizaram processos nos quais Nicolau dos Santos
Neto figura como parte, mas que não se relacionam com o caso sob análise, conforme descrito na tabela a seguir. Os três primeiros processos
referem-se à denúncia de fraude a concursos públicos, na qual Nicolau
foi processado. Os dois últimos dizem respeito a uma ação de reajustes
de remuneração, proventos ou pensão proposta por ele. As informações
foram extraídas do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
<http://www.trf3.jus.br>.
ProCesso ou
ProCedImento
trIbunAl
número
Justiça Federal
de 1ª Instância
0010249-34.1994.403.6100
Conflito de Competência
TRF 3ª Região
0046679-49.1994.4.03.0000
Agravo de Instrumento
TRF 3ª Região
0022644-58.1994.4.03.6100
Apelação Cível
TRF 3ª Região
0034518-35.1997.4.03.6100
Apelação Cível
TRF 3ª Região
0056058-42.1997.4.03.6100
Ação Civil Pública
370
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
ANExO
2
CoberturA
jornAlístICA:
ACERVO DIGITAL DA FOLhA DE SãO PAULO
(1998-2013)2
tAbelA 1
BUSCA
POR
“NICOLAU
DOS
SANTOS NETO”. NOTíCIAS
E
CAPAS.
1998
1999 2000 2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011 2012
2013
TOTAL
notíCIAs
1
35
256 99
23
21
24
16
8
14
7
1
2
5
5
2
519
CAPAs
-
3
18
1
-
2
1
1
2
-
-
-
1
0
0
33
totAl
1
38
274 103 24
21
26
17
9
16
7
1
2
6
5
2
552
4
tAbelA 2
BUSCA
PELOS NOMES DAS PESSOAS FíSICAS E JURíDICAS.
PERíODO
DE INTENSA COBERTURA
(1999-2000)
E PERíODO TOTAL
(1998-2013).
monteIro
fábIo monteIro
InCAl
de bArros
ConstrutorA
nIColAu dos
de bArros fIlho
InCorPorAções
InvestImentos
IkAl
sAntos neto
1999 - 2000
41
26
1
10
312
Total
1998 - 2012
52
26
1
13
552
371
[sumário]
Anexos
ANExO
3
quAdro
de sAnções
SAnçõES
DEFInITIVAS
E/Ou
EXECuTADAS
referênCIA
PEnAL:
PEnAL:
(ATé AGOSTO
TCu (MuLTAS)
1ª InSTânCIA
2ª InSTânCIA
ACP
ACóRDãO
AçõES
APELAçõES
AçõES CIVIS
163/2001, (TC-
PENAIS N.
CRIMINAIS N.
PúBLICAS N.
001.025/98-8)
2000.61.81.0011
2000.61.81.0011
98.0036590-7 E
98-1 E
98-1 E
2000.61.00.0125
2000.61.81.0124
2000.61.81.0124
54-5 E
8-1
8-1
APELAçõES
DE 2014)
nICOLAu DOS
• CONDENADO
AçãO PEnAL n.
APELAçãO
ACP n.
• U$ 4,7
SAnTOS nETO
COMO
2000.61.81.012
CRIMInAL n.
98.0036590-7
MILhõES
RESPONSáVEL
48-1
2000.61.81.012
• CONDENADO
BLOqUEADOS
SOLIDáRIO
• ART. 1º, V, E
48-1
COMO
NA SUíçA
PELO
PARáGRAFO 1º, II,
• ART. 22,
RESPONSáVEL
RETORNAM
PAGAMENTO
DA LEI 9.613/98
PARáGRAFO
SOLIDáRIO
AO BRASIL.
• 5 ANOS DE
úNICO, DA LEI
POR DANOS
• qUASE
RECLUSãO
N. 7.492/86
MATERIAIS
U$ 800 MIL
E ART. 1º, C.C. O
E MORAIS E
REFERENTES AO
PAR. 1º, I E II DA
MULTA CIVIL
APARTAMENTO
LEI N. 9.613/98
• PERDA DOS
DE MIAMI
• 14 ANOS
BENS E VALORES
AO BRASIL
DE RECLUSãO
ACRESCIDOS
DA UNIãO DE
• MULTA:
ILICITAMENTE
TODOS OS
R$ 600.000,00
• SUSPENSãO
DE DInHEIRO
• REGIME
DOS DIRETOS
TRANSITOU
ExISTENTES
INICIALMENTE
POLíTICOS
EM JULGADO
EM BANCOS
FEChADO
POR DEz ANOS
EM 2013.
DE R$
169.491.951,15
• MULTA DE
R$ 10 MILhõES.
• MULTA:
R$ 960.000,00
• EFEITO DA
CONDENAçãO:
PERDA EM FAVOR
VALORES
NO ExTERIOR
E DOS IMóVEIS
LOCALIzADOS
EM MIAMI/EUA
CRIMInAL n.
2000.61.81.001
• PROIBIçãO
DE CONTRATAR
COM O PODER
PúBLICO
E NA CIDADE
198-1
DE GUARUJá/SP
• CONDENAçãO
BENEFíCIOS
POR PECULATO,
AçãO PEnAL n.
OU INCENTIVOS
ESTELIONATO
2000.61.81.001
FISCAIS
E CORRUPçãO
• CONSOLIDAçãO
• 26 ANOS
DA PERDA DA
E SEIS MESES
FUNçãO PúBLICA
198-1
• ART. 332,
“CAPUT”, DO CP
372
APELAçãO
[sumário]
DE PRISãO
OU RECEBER
• COnDEnAçãO
POR LAVAGEM
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
• 3 ANOS DE
EM REGIME
• CONDENAçãO
RECLUSãO
FEChADO
CONFIRMADA
• MULTA:
• MULTA:
R$ 960.000,00
R$ 900.000,00
EM APELAçãO.
TOTAL APóS
unIFICAçãO
• 8 ANOS
DE RECLUSãO
• MULTA: R$
1.920.000,00
• REGIME
INICIAL:
SEMIABERTO
luIz estevão
APelAção
ACP n.
CAssAção
COMO
CrImInAl n.
2000.61.00.012
do mAndAto
RESPONSáVEL
2000.61.81.001
554-5
NO SENADO E
SOLIDáRIO PELO
198-1
• CONDENADO
ABSOLVIDO
PAGAMENTO DE
• CONDENADO
POR 10 ANOS
• CONDENAçãO
COMO
POR PECULATO,
RESPONSáVEL
• ACordo
• MULTA DE 10
ESTELIONATO,
SOLIDáRIO
entre o
MILhõES
CORRUPçãO,
POR DANOS
gruPo ok
FALSIDADE
MATERIAIS
e A Agu
IDEOLóGICA
E MORAIS E
NA AçãO
E FORMAçãO
MULTA CIVIL
DE ExECUçãO
R$ 169.491.951,15
DE qUADRILhA
• PERDA DOS
• 31 ANOS
BENS E VALORES
DE RECLUSãO
ACRESCIDOS
• MULTA:
ILICITAMENTE
CERCA DE
• SUSPENSãO
R$ 3 MILhõES
DOS DIRETOS
• EFEITO DA
CONDENAçãO:
POLíTICOS
POR DEz ANOS
PERDA DE
• PROIBIçãO
VALORES
DE CONTRATAR
DEPOSITADOS
COM O PODER
EM CONTAS
PúBLICO OU
IRREGULARES NO
RECEBER
ExTERIOR.
BENEFíCIOS
OU INCENTIVOS
FISCAIS
• CondenAção
ConfIrmAdA
em APelAção.
373
INELEGIBILIDADE
[sumário]
REFERENTE à
CONDENAçãO
DO TCU:
R$ 168 MILhõES
RECOLhIDOS
AOS COFRES
PúBLICOS ATé
JULhO DE 2014.
Anexos
FABIO
MánTEIRO DE
BARROS
APELAçãO
ACP n.
COMO
CRIMInAL n.
98.0036590-7
RESPONSáVEL
2000.61.81.001
• CONDENADO
SOLIDáRIO PELO
198-1
COMO
PAGAMENTO DE
• CONDENAçãO
RESPONSáVEL
R$ 169.491.951,15
POR PECULATO,
SOLIDáRIO
• MULTA DE
ESTELIONATO,
POR DANOS
R$ 10 MILhõES.
CORRUPçãO,
MATERIAIS
FALSIDADE
E MORAIS E
IDEOLóGICA
MULTA CIVIL
E FORMAçãO
• PERDA DOS
DE qUADRILhA
BENS E VALORES
• 31 ANOS
ACRESCIDOS
DE RECLUSãO
ILICITAMENTE
• MULTA:
• SUSPENSãO
CERCA DE
DOS DIRETOS
R$ 2,4 MILhõES
POLíTICOS
• EFEITO DA
POR DEz ANOS
CONDENAçãO:
• PROIBIçãO
PERDA DE
DE CONTRATAR
VALORES
COM O PODER
DEPOSITADOS
PúBLICO OU
EM CONTAS
RECEBER
IRREGULARES NO
BENEFíCIOS
ExTERIOR.
OU INCENTIVOS
• CONDENADO
ABSOLVIDO
FISCAIS
• CONDENAçãO
CONFIRMADA
EM APELAçãO.
josé eduArdo
teIxeIrA
ferrAz
374
APelAção
ACP n.
COMO
CrImInAl n.
98.0036590-7
RESPONSáVEL
2000.61.81.001
• CONDENADO
SOLIDáRIO PELO
198-1
COMO
PAGAMENTO DE
• CONDENAçãO
RESPONSáVEL
R$ 169.491.951,15
POR PECULATO,
SOLIDáRIO
• MULTA DE
ESTELIONATO,
POR DANOS
R$ 10 MILhõES
CORRUPçãO,
MATERIAIS
FALSIDADE
E MORAIS E
IDEOLóGICA
MULTA CIVIL
E FORMAçãO
• PERDA DOS
DE qUADRILhA
BENS E VALORES
• 27 ANOS E OITO
ACRESCIDOS
MESES
ILICITAMENTE
DE RECLUSãO
• SUSPENSãO
• MULTA:
DOS DIRETOS
R$ 1,2 MILhãO
POLíTICOS
• EFEITO DA
POR DEz ANOS
• CONDENADO
ABSOLVIDO
[sumário]
ESTUDOS SOBRE O CASO TRT
CONDENAçãO:
• PROIBIçãO
PERDA DE
DE CONTRATAR
VALORES
COM O PODER
DEPOSITADOS
PúBLICO
EM CONTAS
OU RECEBER
IRREGULARES NO
BENEFíCIOS
ExTERIOR.
OU INCENTIVOS
FISCAIS
• CondenAção
ConfIrmAdA
em APelAção.
375
[sumário]
Anexos
notAs
Os dados se baseiam em certidões emitidas pelos Tribunais entre 10 e 15 de fevereiro
de 2013, as quais listaram todos os processos e recursos a partir do nome Nicolau dos Santos
Neto, bem como seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da
Fazenda, sendo que apenas os processos relacionados ao Caso TRT foram colocados na
primeira tabela do Anexo 1.
1
Os dados foram coletados no acervo digital da Folha de S. Paulo. Alcançam desde a
primeira notícia envolvendo o caso, em 5 de dezembro de 1998, até 1º de julho de 2013.
2
376
[sumário]
sobre os autores
andré JanJácomo rosilho
Mestre eM Direito e DesenvolviMento pela escola De Direito De são paulo
Da FunDação Getulio varGas – FGv Direito sp. coorDenaDor Do curso De
Direito constitucional Da socieDaDe Brasileira De Direito púBlico – sBDp.
andré rodrigues corrêa
proFessor Da GraDuação eM Direito e Do proGraMa De pós-GraDuação (MestraDo
proFissional) eM Direito Da escola De Direito De são paulo Da FunDação Getulio
varGas – FGv Direito sp. Doutor eM Direito pela universiDaDe FeDeral Do rio
GranDe Do sul. pós-Doutor pela university oF eDinBurGh school oF law (olD
colleGe). post-Doctoral Fellow no eDinBurGh institute For aDvanceD stuDies
in the huManities.
carolina cutrupi Ferreira
Mestre eM Direito pela escola De Direito De são paulo Da FunDação Getulio
varGas – FGv Direito sp. pesquisaDora Do núcleo De estuDos soBre o criMe
e a pena Da FGv Direito sp e Do núcleo Direito e DeMocracia Do centro
Brasileiro De análise e planejaMento – ceBrap.
gisela Ferreira mation
Mestre eM Direito (ll.M.) pela harvarD law school e MestranDa eM Direito
constitucional pela universiDaDe De são paulo. Bacharel eM Direito pela escola
De Direito De são paulo Da FunDação Getulio varGas – FGv Direito sp.
José roberto Franco Xavier
pesquisaDor De pós-DoutoraDo (Bolsista Fapesp) Da escola
paulo Da FunDação Getulio varGas – FGv Direito sp.
De
Direito
De
são
luisa moraes abreu Ferreira
GraDuaDa eM Direito pela escola De Direito De são paulo Da FunDação
Getulio varGas – FGv Direito sp. MestranDa eM Direito penal pela FaculDaDe
De Direito Da universiDaDe De são paulo. pesquisaDora Do núcleo De estuDos
soBre o criMe e a pena Da FGv Direito sp. aDvoGaDa eM são paulo.
maíra rocha machado
proFessora associaDa na escola De Direito De são paulo Da FunDação
Getulio varGas – FGv Direito sp. possui GraDuação eM Direito pela
universiDaDe De são paulo, DoutoraDo eM FilosoFia e teoria Geral Direito
pela universiDaDe De são paulo e pós-DoutoraDo pela cáteDra canaDense
De pesquisa eM traDições juríDicas e racionaliDaDe penal Da universiDaDe
De ottawa.
paulo eduardo alves da silva
proFessor Doutor Da FaculDaDe De Direito De riBeirão preto Da universiDaDe
De são paulo. pesquisaDor visitante Do instituto De pesquisa econôMica
aplicaDa – ipea.
rochelle pastana ribeiro
especialista eM políticas púBlicas e Gestão GovernaMental
Da FazenDa.
lotaDa no
Ministério
susana henriques da costa
proFessora Doutora Da FaculDaDe De Direito Da universiDaDe De são paulo.
proMotora De justiça no estaDo De são paulo. MeMBro Do instituto Brasileiro
De Direito processual – iBDp e MeMBro Do centro Brasileiro De pesquisas
juDiciais – ceBepej.