coleção
Relações
Internacionais
R I
O
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
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FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO
Presidente
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A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública
vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a inalidade de levar à sociedade
civil informações sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática
brasileira. Sua missão é promover a sensibilização da opinião pública nacional para os
temas de relações internacionais e para a política externa brasileira.
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R I
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Impresso no Brasil 2014
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Relações internacionais : olhares cruzados / Organizadores: Corival Alves do
Carmo [et al]. – Brasília : FUNAG, 2013.
623 p. - (Coleção relações internacionais)
ISBN: 978-85-7631-492-9
Trabalhos apresentados no II Seminário Internacional de Pesquisa e Extensão
e Relações Internacionais.
1. Relações internacionais. 2. Política internacional - teoria. 3. Economia
internacional. 4. Relações internacionais - América Latina. 5. Segurança internacional - América do Sul. 3. Política externa - Brasil. 4. Política externa - teoria. I.
Carmo, Corival Alves do. II. Série.
CDD 327
Bibliotecária responsável: Ledir dos Santos Pereira, CRB-1/776.
Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Lei nº 10.994, de 14/12/2004.
rAymond Aron: dos limites do
ConHeCimento HistóriCo à teoriA
dAs relAções internACionAis1
Eduardo Mei
Doutor em História pela UNESP (Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho) (2009), pósgraduado em
Filosoia (UNICAMP, 19872003) e graduado em Ciências Sociais
pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) (1986).
Atualmente é professor de Sociologia do curso de Relações
Internacionais (RI) da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
(FCHS) da UNESP (Universidade Estadual Paulista). Atua
principalmente nos seguintes temas: Sociologia e História da
1
Neste texto, retomo parte de minha tese de doutorado: Teoria da história e relações internacionais:
dos limites da objetividade histórica à história universal em Raymond Aron. Franca: Unesp, 2009.
Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/poshistoria/emei.pdf>.
53
Eduardo Mei
Guerra e das Relações Internacionais; Raymond Aron; relações civil
militares; Teorias das Ciências HistóricoSociais, neokantismo e
historicismo; Teoria da Estratégia. É membro do Grupo de estudos
de Defesa e Segurança (GEDES) da UNESP e iliado à Associação
Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).
54
H
á 30 anos – em Paris, no dia 17 de outubro de 1983 –
falecia o ilósofo, sociólogo e publicista francês Raymond
Aron. Intelectual renomado e protagonista dos principais
debates políticos do pósguerra, deiniuse a si mesmo como um
“espectador engajado” (ARON, 1981). Aron iniciou sua carreira
como ilósofo, defendendo em 1938 uma tese de doutorado que,
ao inal da vida, ele mesmo ajuizou obscura e controversa (ARON,
1986, pp. 1301). Refugiado em Londres durante a Segunda Guerra
Mundial, sob a pressão das circunstâncias, iniciou sua carreira
de analista da conjuntura na revista gaullista La France Libre.
Os artigos, publicados entre 1940 e 1944, foram compilados em três
livros em 1944 e 1945 e, posteriormente, reunidos nas Chroniques
de Guerre, em 1990. Com o im da guerra e o início da chamada
Guerra Fria, Aron afastouse provisoriamente da academia e
iniciou uma longa carreira de editorialista na imprensa francesa
que durou até 1981. Semanalmente, ele redigia um comentário
sobre a política internacional, ensejando uma longa relexão que se
consubstanciaria nas suas obras sobre as relações internacionais.
Além disso, Aron dedicouse a vários outros temas: política,
ideologias, sociedades industriais, economia. Provavelmente por
isso, como disse um estudioso, “a amplitude da obra de Raymond
Aron sempre desesperou os comentadores” (HOFFMANN, 1983).
Destarte, nestas breves páginas, meus objetivos são
necessariamente limitados: 1) traçarlhe uma sucinta biograia
intelectual; 2) apresentar os elementos essenciais da sua teoria
das relações internacionais; 3) expor os elementos ilosóicos que
55
Eduardo Mei
fundamentam essa teoria. A biograia intelectual fazse necessária
para situar tanto a dedicação de Aron ao estudo das relações
internacionais quanto a sua relexão ilosóica. Pode parecer
estranho, à primeira vista, que a teoria das relações internacionais
anteceda suas bases ilosóicas – como um edifício construído sem
alicerces. Com esta escolha, espero não desalentar, já nos primeiros
passos, os leitores com a árida relexão ilosóica que orienta a
produção intelectual de Aron, iniciando o excurso pelos caminhos
mais brandos e deixando o terreno escorregadio e acidentado para
o esforço inal.
I.
Raymond Aron nasceu em Paris, em 1905; foi o terceiro ilho
de uma abastada família judia assimilada e, desde tenra idade,
testemunhou os debates apaixonados sobre o caso Dreyfus. Seus
ancestrais eram industriais do ramo têxtil da Alsácia e seu pai,
professor de direito na Escola Superior de Ensino Comercial e na
de Ensino Técnico. Tendo feito seus estudos iniciais com brilho,
em 1924 Aron ingressou em Filosoia na Escola Normal Superior,
panteão da intelectualidade parisiense na qual fez amizade com
JeanPaul Sartre entre outros. Aron foi um ardoroso paciista
(ARON, 1982, p. 28) até a ascensão do nazismo, no início da
década de 1930, e socialista até 1947. De fato, “em 1925 ou 1926”,
Aron aderiu à quinta seção parisiense da Séction Française de
l’Internationale Ouvrière (SFIO), “para contribuir pela melhoria
das classes desfavorecidas” (ARON, 1983, p. 53; SIRINELLI,
1984). Em um artigo publicado em 1926, intitulado “Ce que pense
la jeunesse universitaire d’Europe. France”, Aron é taxativo: suas
simpatias iam para o Partido Socialista. J.B. Sirinelli resume
o posicionamento de Aron: “contra a guerra, ‘mal absoluto’ –
insistimos – o principal ‘meio de luta’ é a ‘entente internacional
da classe operária’” (apud SIRINELLI, 1995, p. 61). Cinco anos
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Raymond Aron: dos limites do conhecimento histórico
à teoria das relações internacionais
depois, em resenha ao livro Au-delà du marxisme, de Henri de Man,
Aron pondera que o socialismo deve “voltar a ser uma realidade
espiritual”, “considerar como seu dever supremo salvar os valores e
a própria humanidade do desastre” e “realizando uma internacional
verdadeira, […] impedir uma nova guerra” (apud SIRINELLI, 1995,
p. 98). Cinco décadas depois, Aron observaria
[…] meu sistema de valores espontâneo, aquele que
ingenuamente me levara ao Partido Socialista, permaneceu
o mesmo. Simplesmente, o mundo mudara e minhas
opiniões se adaptaram à realidade. Procurei servir aos
mesmos valores em circunstâncias diferentes e por ações
diferentes. Sinto que fui iel a mim mesmo, a minhas ideias,
a meus valores e a minha ilosoia. Ter opiniões políticas
não signiica ter deinitivamente uma ideologia, mas tomar
decisões justas em circunstâncias que se alteram. Não
estou querendo dizer que não me enganei mais ou menos
frequentemente. Mas não traí meus valores e minhas
aspirações de juventude. (ARON, 1982, p. 208)
Essas observações servemnos para desfocar a imagem que a
maioria tem de Aron como conservador e cético.
Aron concluiu sua licenciatura em Filosoia com a monograia
“La notion de intemporalité dans la philosophie de Kant: Moi
inteligible et liberté”, orientada por Léon Brunschivicg e, depois de
prestar o serviço militar, dirigiuse, em 1931, à Alemanha para dar
continuidade aos seus estudos. O impacto da ascensão do nazismo
sobre ele será brutal. Só então, diante do antissemitismo crescente
do regime nacionalsocialista, ele reconhecerá sua condição de
judeu. É, portanto, num contexto de grave crise econômica e
política que Aron entrará em contato com a obra de Max Weber e o
neokantismo “historicista” alemão. A Alemanha ainda fervilhava
com o conlito dos métodos [Methodenstreit] (FREUND, 1965,
57
Eduardo Mei
p. 6) das chamadas Geisteswissenschaften que se iniciara no im
do século XIX. O contato com esse debate levouo a afastarse da
postura ilosóica de Léon Brunschivicg (LEBRUN, 2001, p. 74), seu
orientador de tese que, embora também professasse o neokantismo,
concebiao como uma ilosoia estritamente intelectualista, que
descurava da relexão política. Weber, ao contrário, desvendalhe
as especiicidades e os riscos da política. Já em 1935, Aron registra
sua admiração pelo mestre alemão:
A originalidade e a grandeza de Weber concerne primeiramente ao fato de que ele foi e quis ser, simultaneamente,
homem político e cientista […] O historiador pesquisa no
passado as evoluções únicas nas quais os homens engajaram
seu destino. A política é a teoria e a arte das escolhas sem
retorno. […] Nem a ciência nem a realidade impõe nenhuma
lei; a ciência incapaz de profecia ou de visão total deixa ao
homem uma total liberdade; cada um decide por si. (ARON,
1961b, pp. 81-2)
Sob a inluência de Weber e do neokantismo “historicista”
alemão, Aron redigirá sua tese de doutorado, uma versão daquilo
que Dilthey denominara “Crítica da Razão histórica”. Na tese,
intitulada “Introduction à la philosophie de l’histoire: Essai sur les
limites de l’objectivité historique”, Aron desferiu uma severa crítica
ao positivismo durkheimiano, então dominante na academia
francesa, propugnando os “limites da objetividade histórica”.
Todavia, sua versão da ilosoia da história ensejava uma relexão
sobre a “história universal”, como procurarei mostrar na parte III
deste texto.
Entrementes, desde 1936, Aron achava que os aliados
perderam todas as chances de deter Hitler e que a guerra era
inevitável (ARON, 1982, pp. 38 e ss.). Pouco tempo depois da
defesa de sua tese de doutorado em 1938, às vésperas da Anschluss,
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Raymond Aron: dos limites do conhecimento histórico
à teoria das relações internacionais
Aron é convocado para defender a França da ameaça alemã. Após
o rápido malogro francês, Aron resolve que, devido à sua condição
de judeu, seria mais seguro refugiar-se na Inglaterra. Em Londres,
engaja-se no La France Libre, publicando análises e artigos do
“esforço de guerra” francês. O fracasso do liberalismo econômico,
a crise das democracias ocidentais, e a guerra deflagrada por um
regime totalitário fundado no princípio da superioridade racial
impunham severas reformas. De fato, segundo Aron,
[…] seria preciso aproximar o capitalismo tal como ele
evoluiu, do comunismo tal como ele será considerando
os homens que historicamente tem a chance e o fardo de
realizá-lo. Mas o segundo termo nos escapa. Entre as
previsões fragmentárias e a totalidade futura, subsiste
uma margem imensa, a da ignorância, e talvez da liberdade.
(ARON, 1986b, p. 412)
Durante a guerra, Aron mantém a crítica do capitalismo
de mercado, defesa da democracia e condenação dos regimes
totalitários. É o que se lê no artigo “Burocratie et fanatisme”,
publicado em 1941:
Exige-se, e amanhã exigir-se-á da administração estatal que
assegure um emprego total da mão de obra disponível,
que impeça o escândalo da queima de sacas de café ou
de trigo ao lado de milhões de seres insuficientemente
nutridos. Na fase de reconstrução, ou seja, por um período
extremamente longo, o Estado terá de dirigir parcialmente,
e além desse período, terá ao menos de controlar a vida
econômica. A democracia política deverá se adaptar a essa
situação, tão diferente daquela na qual ela nasceu, ela terá
ao mesmo tempo de manter a burocracia eficaz e lhe fixar
limites, “terá de salvar o essencial disto que não se renuncia
a denominar direitos do homem. (ARON, 1990, pp. 464-5).
59
Eduardo Mei
O reformismo e a defesa de um regime socialmente mais justo
pairavam sobre um impasse que perdurará até 1947. O avanço do
Estado de Bemestar social na Europa ocidental e a socialização
forçada do Leste europeu deiniriam as escolhas e decisões de Aron
no pósguerra.
Ao término da guerra, Aron recusa uma cadeira de Sociologia
em Bordéus para dedicarse ao publicismo, primeiramente no jornal
Combat, em seguida no Le Figaro. Nesse período, ele dedicase a
compreender as guerras do século XX, notadamente em Le Grand
Schisme (1948) e Les Guerres en chaine (1951) e reúne copiosos
artigos publicados em jornais e revistas em livros de combate
ideológico contra o que ele julgava ilusões dos simpatizantes do
bolchevismo: Polémiques (1955) e L’opium des intellectuels (1955).
Somente em 1955 ele retornará à universidade, assumindo
por meio de concurso uma cadeira de Sociologia na Sorbonne.
De volta à academia, sua produção intelectual será intensa.
Os cursos ministrados sobre as sociedades industriais e As etapas
do pensamento sociológico (1967) são publicados na década de 60.
Datam também dos anos 60 e 70 seus consagrados estudos
sobre as relações internacionais: Paix et guerre entre les nation
(1962); République impériale. Les Etats-Unis dans le monde 1945-1972 (1973); Penser la Guerre, Clausewitz, 2 tomos (1976). Nos
anos 80, Aron publica Le Spectateur engagé (1981) e Mémoires. 50
ans de rélexion politique (1983). Além dessas obras, a bibliograia de
Aron conta com inúmeras obras póstumas e livros com compilações
de artigos, contabilizando 600 artigos acadêmicos e cerca de 4.000
artigos de jornal (COLQUHOUN, 1986, p. 2). Notavelmente, uma
relexão sobre as relações internacionais perpassa todas elas.
II.
A guerra e suas consequências atraíram a atenção de Raymond
Aron para as “relações internacionais”. A ilosoia da existência
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Raymond Aron: dos limites do conhecimento histórico
à teoria das relações internacionais
histórica aroniana culmina numa relexão sobre a humanidade
em devir – a limitada objetividade histórica revelandose
paulatinamente na aventura humana sobre a Terra. No pósguerra,
a análise da política internacional ensejará o estudo da alternância
de paz e guerra entre as nações. Destarte, no Tableau de la diplomatie
mondiale en 1958, Aron pondera que “ainda que esteja há muito
tempo em uso, a expressão ‘diplomacia mundial’, aplicase com
exatidão ao real apenas depois de 1945” (ARON, 1958, p. 85). No
século XIX, havia uma economia mundial, mas não uma diplomacia
mundial. A guerra de 191418, não foi mundial, embora seus
efeitos reverberassem no mundo inteiro por meio dos impérios
coloniais europeus. A guerra de 193945, inicialmente dividida em
duas frentes distintas e relativamente autônomas, tornouse uma
delagração mundial apenas no inal de 1941, com a entrada dos
EUA no conlito, marcando “a uniicação efetiva das hostilidades
e, do mesmo modo, do campo diplomático” (ARON, 1958, p. 86).
Só então é possível falar numa “diplomacia total” (ARON, 1958,
pp. 8594) e em uma “história universal”, pois a “uniicação do
campo diplomático” é acompanhada da “difusão de certas formas
de organização técnica ou econômica” – isto é, da mundialização
das sociedades industriais (ARON, 1961, pp. 3367). O homem
assiste atônito à “aurora da história universal” (ARON, 1961,
pp. 30545). A compreensão da aventura humana envolveria,
portanto, uma relexão sobre as relações internacionais. Em
suma, a “aurora da história mundial” enseja uma relexão sobre as
relações internacionais.
Paz e guerra entre as nações (1962) tornouse uma obra de
referência no estudo das relações internacionais, embora tenha
sido considerada desde seu lançamento obra densa e difícil,
principalmente entre aqueles que detêm a hegemonia na área:
os estadunidenses. A obra dividese em quatro partes: “teoria”;
“sociologia”; “história” e “praxeologia”. A “Teoria” estabelece as
61
Eduardo Mei
bases conceituais do tema, inspirandose em Clausewitz e Weber,
Aron formula as bases idealtípicas de sua relexão. A “Sociologia”
e a “História” inspiramse em Weber. A “Sociologia” considera
os “elementos suscetíveis de se reproduzir” ou regularidades.
O esforço aí consiste em recusar qualquer perspectiva monocausal
(economicista ou geopolítica, por exemplo) e visa ponderar
“probabilisticamente” os possíveis efeitos de regularidades como
o espaço, o número, a população, os recursos, etc. A “História”,
por sua vez, considera a originalidade ou o especíico de cada
conjuntura. Essa conjunção leva a um cálculo de probabilidades que,
entretanto, deixe uma margem de liberdade aos atores políticos.
Como ponderara na Introduction à la philosophie de l’histoire,
O homem de ação utiliza simultaneamente a sociologia e a
história, já que pensa sua decisão ao mesmo tempo numa
situação única e global e em função de elementos suscetíveis
de se reproduzir, portanto isoláveis. As regras elementares
tornam previsíveis as consequências do evento que a ação
do indivíduo vai introduzir na trama do determinismo. Mas
a singularidade da situação deixa lugar para a iniciativa
e para a inovação, ao mesmo tempo em que ela precisa
as regularidades parciais. O homem de ação exige tanto
essas regularidades quanto esses acasos. Sem estes, ele seria
reduzido ao papel de executor do destino. Sem aquelas, ele
seria livre mas cego e, por conseguinte, impotente. (ARON,
1986b, p. 292)
Examinadas as perspectivas a partir dessa análise sócio
histórica, Aron examina na “Praxeologia” as opções que restam à
ação, mormente dos chefes de Estado, diplomatas e militares.
O propósito de Aron em Paz e guerra é “elaborar a teoria de
um subsistema social” (ARON, 1972, pp. 34972). O seu foco são
as relações interestatais e, portanto, poderíamos dizer que Paz
62
Raymond Aron: dos limites do conhecimento histórico
à teoria das relações internacionais
e guerra é uma teoria dessas relações, uma teoria do subsistema
“relações interestatais”. De fato, ele pondera, já em 1967 (ARON,
1972, p. 361), que poderiam objetar que sua obra se aplica apenas
às relações interestatais e, quando muito, nos momentos de crise,
e que ele confundira o subsistema interestatal com o subsistema
internacional. Porém, Aron procura dissipar essa confusão, pois
ele considera as relações interestatais o essencial das relações
internacionais:
No que concerne aos milênios de história das sociedades
complexas, a deinição teórica que escolhi parece-me mais
próxima da realidade, mais conforme a experiência,
mais instrutiva e mais fecunda. Toda deinição que não
reconhecesse o caráter especíico das relações internacionais
devido à legitimidade do recurso à força por parte dos
atores, negligenciaria simultaneamente um dado constante
das civilizações – constância cujos efeitos têm sido imensos
no curso da história – e a importância humana da atividade
militar. (ARON, 1972, p. 361).
Até os seus últimos escritos, Aron se ocupará em justiicar
essa escolha teórica.
Para deinir a especiicidade das relações internacionais, Aron
parte da deinição weberiana de Estado. O Estado é a instituição
que reivindica com êxito o monopólio da violência legítima
dentro de determinadas fronteiras. Aron não nega as diiculdades
dessa deinição. “A delimitação real é, às vezes, mais difícil que a
conceitual”. Essa diiculdade se apresenta nas sociedades arcaicas,
naquelas de tipo feudal, nos diferentes agrupamentos que se
reservam o recurso à violência, tais como tribo, aldeia, clã, etc.
(ARON, 1972, p. 352). Não obstante, a relação entre os vários
Estados ou “centros autônomos de decisão” implica o “risco de
guerra”, isto é, as relações interestatais desenrolamse à sombra
63
Eduardo Mei
da guerra ou “comportam, por essência, a alternativa da guerra
e da paz” (ARON, 2004, p. 18). Embora a “conduta diplomático
estratégica não tenha um im evidente”, Aron considera que
“a alternativa da paz e da guerra permite elaborar os conceitos
fundamentais das Relações Internacionais” (ARON, 2004, p. 29).
Com efeito, do risco de guerra deriva a distinção entre os âmbitos
interno e externo do Estado: “Enquanto cada Estado tende a
reservar para si mesmo o monopólio da violência, os Estados,
através da história, reconhecendose mutuamente, reconhecem
do mesmo modo a legitimidade das guerras às quais se entregam”
(ARON, 2004, p. 18).
E derivam também os conceitos pertinentes a cada âmbito,
pois, em suas palavras,
A distinção entre as duas condutas, diplomático-estratégica
duma parte, política de alhures, parece-me essencial,
mesmo se múltiplas são suas similitudes. A potência na
cena internacional difere do poder na cena interna, porque
ela não tem a mesma envergadura, não utiliza os mesmos
meios, não se exerce no mesmo terreno. (ARON, 2004,
p. 62)
Partindo da deinição clausewitziana de guerra, segundo a
qual a guerra é a continuação da política com a entremistura de
meios violentos, Aron considera o Estado um “centro de decisão”,
responsável pela “unidade da política externa” que conjuga a
diplomacia à estratégia.
Ora, o monopólio da violência legítima, do uso da força
combinada à lei, tem como contrapartida a maior ou menor
probabilidade de que à dominação política corresponda a obediência
dos dominados. Os diferentes “tipos impuros” de dominação
legítima e os vários graus de obediência correspondem às diversas
proporções em que a força e a lei se combinam historicamente e
64
Raymond Aron: dos limites do conhecimento histórico
à teoria das relações internacionais
nas distintas sociedades. Daí resultam os diversos tipos de Estado
e de regimes políticos (WEBER, 1997, pp. 695 e ss.). Como a
responsabilidade da política externa cabe a quem exerce o poder
de Estado, “os regimes internos dos atores coletivos constituem
uma das variáveis do sistema internacional” (ARON, 1972,
p. 358). Em outras palavras, como os âmbitos interno e externo
da política são interdependentes, a unidade da política externa se
insere num quadro deveras complexo. A trama de relações entre
as várias unidades políticas – a ainidade ou oposição, aliança ou
hostilidade entre elas, e os vários níveis da capacidade de cada
uma de atingir seus objetivos – deine se o sistema internacional
é homogêneo ou heterogêneo, bipolar ou multipolar. Embora
varie histórica e geograicamente, o risco de guerra não pode ser
simplesmente descartado. Os Estados que o fazem delegam a
outros a responsabilidade da defesa do território e abrem mão de
um recurso da política externa.
A conjuntura analisada por Aron em Paz e guerra tinha
as seguintes características: unidade do campo diplomático
estratégico; enfraquecimento da Europa, que se tornara refém
dos “superestados termonucleares” (EUA e URSS); difusão do tipo
europeu de Estado (o Estado moderno, deinido weberianamente);
difusão da sociedade industrial; heterogeneidade dos Estados (nos
variados graus de regimes constitucionaleleitorais e monopólico
partidários); bipolaridade políticoideológica associada à novidade
tecnológica representada pelo armamento termonuclear. As ameaças
que pairavam sobre a Europa ocidental, segundo Aron, eram o
holocausto nuclear e os blindados soviéticos. Não obstante,
o armamento nuclear era um inibidor da escalada da tensão entre
EUA e URSS, uma vez que as consequências da utilização do artefato
nuclear eram imprevisíveis e os estrategistas consideravam que a
guerra nuclear implicaria na destruição mútua dos contendentes
– tratavase da “mútua destruição assegurada”.
65
Eduardo Mei
Passados mais de 50 anos, a conjuntura se apresenta muito
distinta. Primeiramente, a bipolaridade políticoideológica evanesceu
a partir dos anos 90. A bipolaridade termonuclear foi substituída
pela difusão da tecnologia nuclear. As novidades tecnológicas
não mais representam um impasse estratégico. Antes ampliam
desmesuradamente, em vez de inibirem, as possibilidades da
violência militar (bombardeios “cirúrgicos”, guerra cibernética,
drones, elevada letalidade dos armamentos leves, etc.). Por
outro lado, com muitas restrições podemos falar em unidade
do campo diplomático. Durante a Guerra Fria, a bipolaridade
ideológica reverberava em todo mundo, e internamente em cada
país. Hoje os temas efetivamente globais – aquecimento global,
efeito estufa, crise econômica, desregulação inanceira, crime
organizado internacional – não alteram substantivamente as
agendas nacionais. Enim, as relações internacionais não são mais
exclusivamente interestatais; há novos atores em cena e o Estado
perdeu parte do seu protagonismo com o avanço do neoliberalismo.
Diante de mudanças tão profundas, o que a obra de Raymond
Aron nos tem a ensinar? Sem dúvida, uma leitura atenta das suas
diversas obras muito nos ensina, desde que deixemos de lado os
preconceitos dogmáticos e a esclerose ideológica. A conceituação
idealtípica das relações internacionais, a inspiração em Weber e
Clausewitz, a recusa dos dogmatismos monocausais, o exercício
de interpretação da conjuntura, são altamente relevantes e atuais
para a compreensão do mundo conturbado em que vivemos.
A ponderação de que os Estados vivem à sombra da guerra não
vale nem univocamente nem universalmente. Cada subregião
do globo tem características próprias que devem ser analisadas
sem dogmatismo. Todavia, mesmo tendo tudo isso em conta,
a compreensão das relações internacionais não faz jus a Aron se
não examinarmos os fundamentos ilosóicos de sua relexão.
Proponhome a analisar seus elementos a seguir.
66
Raymond Aron: dos limites do conhecimento histórico
à teoria das relações internacionais
III.
Segundo Raymond Aron, sua tese de doutorado assenta
as bases da sua visão de mundo, a sua “ilosoia da existência
histórica”. Em suas Memórias, ele narra a inspiração dessa ilosoia:
Como, francês, judeu, situado em um momento do devir,
posso conhecer o conjunto do qual sou um átomo, entre
centenas de milhões? Como posso apreender a realidade
de outro modo que de um ponto de vista, um entre
outros inumeráveis? Donde segue uma problemática
quase kantiana: até que ponto sou capaz de conhecer
objetivamente a História – as nações, os partidos, as
ideias cujos conlitos preenchem a crônica dos séculos – e
meu tempo? Uma crítica da razão histórica ou política
deveria responder a essa interrogação. Essa problemática
comportava uma outra dimensão: o sujeito, em busca da
verdade objetiva, é imerso na matéria que ele quer explorar
e que o penetra, de cuja realidade, enquanto historiador ou
economista, ele extrai o objeto cientíico. Adivinhei pouco a
pouco minhas duas tarefas: compreender ou conhecer minha
época tão honestamente quanto possível, sem jamais perder
consciência dos limites do meu saber; destacar-me do atual
sem, entretanto, me contentar com o papel de espectador.
(ARON, 1983, p. 53)
A compreensão da humanidade em devir, isto é, do mundo
em que vivemos – por sinal muito conturbado nestes dias –, deve
ser coerente com a teoria da história formulada na Introduction.
O propósito de formular uma Crítica da Razão histórica levao a
colocar os limites das ciências históricosociais entre margens
estreitas: pretende traçar, de um lado, os limites da objetividade
histórica, de outro, os limites do relativismo histórico. Assim,
Aron ensaia formular uma epistemologia simultaneamente
67
Eduardo Mei
antipositivista e antirrelativista (ARON, 1983, pp. 122 e 152;
MESURE, 1986, pp. 4718).
Segundo Aron, os positivistas pretendiam atingir a
neutralidade cientíica fazendo do conhecimento histórico uma
mera coleção de fatos submetidos à pesquisa causal. Contra o
positivismo, Aron faz duas críticas principais: 1) Ilusão objetivista:
ao negar a ação do sujeito no processo cognitivo, omite o problema
da objetividade histórica. Pretendendo simplesmente reproduzir
o dado, numa atividade meramente passiva, o positivista não
percebe que sua atividade recria o objeto desde o início, quando
formula as questões a serem resolvidas pela pesquisa e seleciona
o material a ser investigado; 2) Monismo interpretativo: a
ilusão objetivista impede o historiador positivista de formular
a possibilidade de uma multiplicidade de interpretações,
estreitamente ligada à pluralidade de perspectivas. Essa segunda
omissão o impede de colocarse o problema da objetividade
histórica: como a pluralidade de interpretações não implica a
relatividade e arruína a objetividade do conhecimento? Percebe
se então que o antipositivismo, se praticado irreletidamente,
poderia “precipitar a teoria do conhecimento histórico de uma
tese objetivista em uma antítese subjetivista e relativista, e
inalmente cética” (MESURE, 1986, p. 473).
Enfrentado, portanto, o positivismo, colocase para Aron a
necessidade de superar o relativismo. Na conclusão da Philosophie
critique de l’histoire, ao encerrar suas análises das “Críticas da Razão
histórica” de Dilthey, Rickert, Simmel e Weber, Aron lamenta seu
total fracasso:
[…] todos nossos autores acabam assim na relatividade da
ciência histórica, e nesse sentido a tentativa da Crítica
da Razão histórica termina num fracasso. Não se chega a
demonstrar, pela relexão transcendental, a verdade supra-histórica da ciência do passado. (ARON, 1987, p. 306)
68
Raymond Aron: dos limites do conhecimento histórico
à teoria das relações internacionais
O juízo que Aron faz de Weber em particular merece nossa
atenção, haja vista que sem dúvida este foi o autor que mais o
inluenciou: “(…) sua doutrina leva, pelas visões de conjunto, a um
relativismo absoluto, que exprime um ceticismo radical a respeito
de toda ilosoia” (ARON, 1987, p. 289).
Os limites dessa solução levaram Aron a tentar formular
outras saídas mais satisfatórias. Em 1946, num artigo intitulado
“La philosophie de l’histoire” (ARON, 1961), Aron airma:
“O relativismo histórico é superado a partir do momento em que
o historiador deixa de pretender um distanciamento impossível,
reconhece seu ponto de vista e, por conseguinte, colocase em
posição de reconhecer as perspectivas alheias” (ARON, 1961, p.
21). Todavia, como nota Sylvie Mesure, a superação do relativismo
desenvolveuse na obra de Aron, ao menos de maneira implícita,
no sentido da formulação de valores universalizáveis:
Na medida em que, contra o positivismo, se reconheceu
que o trabalho interpretativo supõe escolhas, decisões
inseparáveis dos valores do historiador, a própria
possibilidade de reconhecer a uma interpretação uma
validade maior do que a uma outra parece suspensa no
reconhecimento de alguns valores como suscetíveis de
orientar de maneira menos parcial a reconstituição:
uma interpretação será tanto mais objetiva quanto ela
parecerá orientada para valores que possam em direito ser
partilhados pelo conjunto da humanidade. Tal nos parece
ser a formulação última à qual a obra de R. Aron conduziu
o problema da objetividade histórica. (MESURE, 1986,
p. 476)
Assim, se a superação do positivismo exige que o
pesquisador, ao reconstruir a história, supere a ilusão objetivista
e o monismo interpretativo, a superação do relativismo exige
69
Eduardo Mei
que essa reconstrução seja pautada não, por assim dizer, por
uma curiosidade aleatória, mas que formule questões passíveis
de serem consideradas universalmente válidas. A superação do
relativismo histórico remete, pois, a uma história universal.
A conclusão da história inacabada que é o homem seria a “conciliação
da humanidade e da natureza, da essência e da existência” (ARON,
1986b, p. 429).
Entretanto, sustentar ilosoicamente a possibilidade dessa
superação exigiria um grande esforço intelectual de Aron, a
ponto de ele mesmo julgar posteriormente que o resultado não
era plenamente satisfatório e que era preciso corrigir o excessivo
relativismo atribuído à Introduction (ARON, 1986, p. 167).
A superação do relativismo, proposta por Aron na Introduction,
desdobravase em duas variantes: ou superase o relativismo por
meio da decisão, corroborada pela relexão mas condicionada
historicamente, já que limitada pelo conhecimento sempre
parcial que temos da realidade; ou por meio da própria relexão da
humanidade em devir como âmbito no qual a superação apresenta
se progressivamente (ARON, 1986b, pp. 40137). A primeira
solução nos leva à pergunta: a “História” que Aron apresenta das
relações internacionais ainda é válida? Suas escolhas e decisões
ainda se justiicam? As profundas mudanças que se processaram no
mundo após a sua morte requerem uma retiicação na sociologia das
relações internacionais que ele formulara ou ela ainda permanece
aplicável à nova situação? A segunda solução, por sua vez, nos
remete novamente à “ideia” de uma história universal. O estudo
da alternância de paz e guerra articulase com as ideias kantianas
de paz e de sociedade civil perfeita (o reino do direito), enquanto
ins da razão. Cabe, então, indagar se essa articulação confere à
relexão aroniana a objetividade histórica possível nos estreitos
limites do conhecimento humano. O estudo da alternância de
guerra e paz logra superar o relativismo ou manifesta apenas mais
70
Raymond Aron: dos limites do conhecimento histórico
à teoria das relações internacionais
uma perspectiva (ocidental, francesa e judia) na “pluralidade de
interpretações possíveis”?
O colapso da União Soviética, e sua reconversão ao modelo
ocidental de sociedade industrial, põe im também à bipolaridade.
Embora a Rússia seja ainda uma potência nuclear, sua zona de
inluência declinou consideravelmente e classiicar o mundo como
multipolar parece hoje mais apropriado. Com o im da URSS, os
EUA têm, ao mesmo tempo, mais margem de manobra diplomático
estratégica e menos motivação para agir, tendo em vista que
não há mais a hostilidade políticoideológica e os dois gigantes
do socialismo são hoje economias de mercado. Nesse sentido, a
chamada burguesia gerencial faz as vezes dos diplomatas e adidos
militares. Teria o sistema interestatal perdido sua primazia nas
relações internacionais? Seria o caso de fundamentar a sociologia
das relações internacionais em outras bases? O sistema interestatal,
a unidade diplomáticoestratégica da política externa e o risco de
guerra teriam perdido a importância? Talvez não seja possível nem
adequado dar uma resposta categórica a essas questões.
Primeiramente, é preciso considerar que com o im da
bipolaridade o risco de guerra diminuiu em algumas regiões,
mas aumentou em outras. Nas regiões em que o risco de guerra
aumentou, a deinição diplomáticoestratégica da política externa
está na ordem do dia. Porém, em muitos casos, o Estado já não
protagoniza a guerra, e os beligerantes buscam não o seu im, mas
sua continuidade para “viver da guerra”. A guerra passa a ser um
meio de vida e não apenas da política o que nos obriga a reconsiderar
a teoria clausewitziana da guerra (MEI, 2013; MÜNKLER, 2005).
Nas regiões em que o risco de guerra diminuiu ou pode até ser
considerado nulo, parece haver espaço para virtualmente todo
tipo de transação internacional. Todavia, não podemos descartar
a hipótese de que o esgotamento de recursos naturais essenciais,
a fome e diásporas provocadas por distúrbios climáticos ou
71
Eduardo Mei
perseguições religiosas turvem esse cenário relativamente pacíico.
Com efeito, com o aprofundamento da crise econômica iniciada em
2008, os conlitos se intensiicaram em muitas regiões do mundo.
Além disso, embora os tratados internacionais estejam ganhando
força, a deinição do Estado como único detentor do monopólio de
violência legítima dentro de determinadas fronteiras permanece
válida. Porém, se as relações interestatais não perderam sua
importância no mundo atual, tudo indica que ao menos perderam
sua centralidade: não é mais possível deinir o campo diplomático
mundial a partir da hostilidade declarada ou velada entre os dois
superestados. Talvez seja demasiado até considerar a existência
de um “campo diplomático mundial”, pois embora haja problemas
essencialmente mundiais, tais como o aquecimento global e o efeito
estufa, seus efeitos, lamentavelmente, ainda são muito débeis na
agenda internacional. Em suma, ao que parece, embora a teoria
aroniana das relações interestatais ainda seja válida, sua aplicação
é atualmente mais limitada. A sociedade mundial tornouse tão
complexa que talvez seja necessário usar de mais cautela ao falar
em teoria das relações internacionais.
Por outro lado, toda obra de Aron deiniuse no pósguerra
por “escolhas” e “decisões” que não mais se justiicam. Com efeito,
Aron engajouse, em 1947, pelo bloco ocidental e, abandonando o
socialismo, tornouse mais e mais liberal com o passar dos anos.
Ao posicionarse pelo bloco ocidental, Aron optava pela “democracia”
e pelo “pluralismo” em detrimento dos regimes “totalitários” e
“monocráticos” impostos pela União Soviética, sempre frisando,
entretanto, que se posicionava por um entre dois modelos
imperfeitos de sociedade industrial. Entretanto, esse engajamento
de Aron ocorre no período que Hobsbawm denominou “era de ouro”
do século XX, época em que a industrialização é crescente em boa
parte do mundo ocidental, os países semiperiféricos modernizam
se, a Europa se recupera da Segunda Guerra Mundial com o auxílio
dos Estados Unidos e os direitos políticos, sociais e econômicos
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Raymond Aron: dos limites do conhecimento histórico
à teoria das relações internacionais
avançam. Hoje, ao contrário, assistimos a uma crise econômica
brutal que abala os fundamentos ideológicos do neoliberalismo, ao
esgotamento de um modelo de exploração intensiva da natureza
paralelamente a um contraste abominável entre países devastados
pela fome e miséria e uma elite que consome muito mais do que
é sustentável do ponto de vista ambiental. É derrisório airmar
que o capitalismo ocidental é o sistema econômico menos pior de
sociedade industrial ou que as democracias ocidentais (na verdade,
plutocracias eleitorais) são os regimes políticos menos piores.
A atual conjuntura exige uma severa crítica dos sistemas
econômicos e regimes políticos atuais, e não o combate quixotesco
aos velhos moinhos e aos fantasmas do passado.
A obra de Aron inspira e exige muito mais que sua cômoda
classiicação entre os teóricos “realistas” das relações internacionais
sugere. A exigência de superação do relativismo nos obriga a
criticar as “patriotadas” e ir muito além do prosaísmo das leituras
ingênuas e dogmáticas da realidade. Porém, se a formulação
teórica dessa exigência parece plausível, como na prática logramos
tal superação? Deixo ao leitor que procure uma resposta para essa
indagação.
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Eduardo Mei
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