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Verso e Reverso, 30(73):11-22, janeiro-abril 2016
2016 Unisinos – doi: 10.4013/ver.2016.30.73.02
ISSN 1806-6925
As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise
de enquadramento de Carta Capital e Veja
The possible frames for Petrolão: A framing analysis
of Carta Capital and Veja
Carla Candida Rizzotto1
Universidade Federal do Paraná. Rua Bom Jesus, 650, 80035-010, Juvevê,
Curitiba, PR, Brasil. carla_rizzotto@yahoo.com.br
Giulia Sbaraini Fontes2
Universidade Federal do Paraná. Rua Bom Jesus, 650, 80035-010, Juvevê,
Curitiba, PR, Brasil. giuliasfontes@gmail.com
Paulo Ferracioli3
Universidade Federal do Paraná. Rua Bom Jesus, 650, 80035-010, Juvevê,
Curitiba, PR, Brasil. ferracioli.paulo@gmail.com
Resumo. Este artigo tem como objetivo verificar
quais foram os enquadramentos realizados pelas
revistas Veja e Carta Capital a respeito da operação
Lava-Jato. Enquadramento é um conceito amplo,
que começou a ser utilizado no campo da Comunicação nos anos 1980. A primeira definição do termo dentro do campo foi a de Gaye Tuchman (1978),
que dizia que o enquadramento das notícias define
e constrói a realidade; a origem do conceito, entretanto, vem de Erving Goffman (1974), que estudou
o framing sob a ótica das ciências sociais. Foram
analisadas, tendo como base as categorias de Robert Entman (1993), as matérias de capa que faziam
referência ao tema, no período de janeiro de 2014 a
junho de 2015, resultando em 9 matérias da Carta
Capital e 19 matérias da Veja. A análise forneceu
subsídios para se pensar a relação contemporânea
estabelecida entre a mídia e a política, bem como
a pertinência teórica do conceito de enquadramento para a análise da cobertura jornalística dos fatos
políticos.
Abstract. This paper has the goal to verify which
the frames applied by the magazines Veja and Carta
Capital for the Lava-Jato operation were. Framing is
a wide concept, which started to be used in Communication studies in the 1980’s. The first definition
of the concept in this field was from Gaye Tuchman
(1978), who said that news’ framing define and
build the reality; the source of the concept, though,
comes from Erving Goffman (1974), who studied
framing through the approach of social sciences.
The paper was based on Robert Entman’s (1993)
categories to analyse the cover articles from the
magazines that reported about Lava-Jato on the period of January 2014 to June 2015. Nine pieces from
Carta Capital and 19 from Veja were analysed. The
study offered supplies to think about the contemporaneous relationship between media and politics,
and also the theoretical relevance of the framing
concept to the analysis of journalistic approach of
the political facts.
Palavras-chave: Lava-jato, enquadramento noticioso, construção social da realidade.
Keywords: Lava-Jato, frame analysis, social construction of reality.
Professora do PPG em Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Comunicação e Participação Política. Bolsista de pós-doutorado PNPD/Capes.
2
Mestranda do PPG em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná, com bolsa Capes. Membro do Grupo de
Pesquisa Comunicação e Participação Política.
3
Mestrando do PPG em Comunicação da Universidade Federal do Paraná, com bolsa Capes. Membro do Grupo de Pesquisa Comunicação e Participação Política.
1
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 International (CC BY 4.0), sendo permitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
Carla Candida Rizzotto, Giulia Sbaraini Fontes, Paulo Ferracioli
Introdução
Este artigo tem como objetivo verificar
quais foram os enquadramentos realizados
pelas revistas Veja e Carta Capital a respeito do
escândalo da Petrobras, também conhecido
pelo nome de operação Lava-Jato, escolhido
em razão do objeto inicial das investigações:
uma rede de postos de combustíveis e lava-a-jato de veículos usada para lavagem de dinheiro. A investigação se expandiu e passou
a ter foco em um esquema de corrupção na
maior empresa estatal do país, a Petrobras.
As investigações apontam que empreiteiras
formavam um cartel e pagavam propina a
diretores da companhia para garantir a participação em licitações. Essa rede durou mais
de dez anos e envolvia a participação de doleiros, que faziam a intermediação entre os
agentes públicos e particulares. O envolvimento de parlamentares e políticos de destaque sempre foi mencionado pela imprensa,
mas o foro privilegiado, que lhes permite serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal,
retardou a divulgação dos nomes dessas autoridades até que os inquéritos fossem abertos em Brasília.
A análise aqui realizada parte da ideia
inicial, pautada nas imbricações entre o campo político e o midiático, de que o poder de
controlar a opinião pública por parte dos dois
campos – autônomos, porém profundamente
dependentes – se dá de modo mais básico a
partir da questão da mediação. As informações consumidas pelo público não são experimentadas por ele próprio, mas mediadas
pelas empresas de comunicação que o público qualifica como credíveis, e essas empresas
não dão publicidade a todos os fatos necessários para a formação da opinião individual.
A influência na opinião pública por parte
da esfera comunicacional é caracterizada pelo
poder de pautar o real. Afinal, sob o aspecto
cognitivo apenas consideramos reais, além
das coisas tangíveis, os acontecimentos oferecidos pela compilação de mundo realizada pela mídia: “neste peculiar idealismo da
sociedade contemporânea podemos afirmar,
com lógica, mas também com assombro, que
o real é o midiático e o midiático é o real.”
(Gomes, 2004, p. 326). Então, “tudo que não
conhecemos através de nossa experiência direta são invenções que adquirem o valor de
realidade à medida que são aceitas por consenso” (Badia e Clua, 2008, p. 120). Levando
em conta essa percepção, adotam-se como
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base teórica deste artigo as teorias construtivistas do jornalismo, especialmente na voz
de Gaye Tuchman (1983), além da Teoria da
Agenda, ponto inicial das discussões sobre o
enquadramento, metodologia escolhida para
a análise empírica aqui realizada.
A notícia como construção social
da realidade
As vertentes mais tradicionais da sociologia colocam que os atores sociais têm a sua
consciência produzida a partir de sua socialização e das características da estrutura social.
Para as vertentes interpretativas, por outro
lado, esse processo é de troca. A sociedade
ajuda, sim, a moldar a consciência dos atores
sociais. Mas, ao mesmo tempo, apreendendo
os fenômenos, as pessoas os constroem coletivamente, dando forma ao mundo social.
Aplicando essas visões à notícia, aparecem duas vertentes. A partir da sociologia
tradicional, autores como Roshco (1975 in
Tuchman, 2002) dizem que as definições do
que é notícia dependem da estrutura da sociedade. A seleção feita pelos jornalistas do
que é ou não notícia refletiria, dessa maneira, as preocupações e os interesses da própria
estrutura social. Olhando por esse ângulo, as
notícias dificilmente seriam capazes de produzir mudanças nessa estrutura, pois permanecem dependentes dela.
Do outro lado, está a abordagem interpretativa, que concebe a notícia como fruto do
trabalho dos jornalistas e dos veículos informativos. Por essa visão, ao mesmo tempo em
que é produto da estrutura social, a notícia
participa de transformações nessa realidade.
Enquanto transforma, ela também é transformada. Essa visão é abordada por Tuchman
tanto em La Producción de La Notícia (1983)
quanto em As Notícias Como Uma Realidade
Construída, capítulo do livro Comunicação e
Sociedade (2002), organizado por João Pissarra
Esteves.
No artigo citado, de 2002, Tuchman reitera
sua visão da notícia como uma janela para o
mundo. Esse conceito atribui ao jornalista a
definição do que é ou não notícia, já que ele
faz um recorte da realidade – um quadro –
nos relatos, algo que não é simplesmente
dado pela estrutura social. A cada decisão,
afirma a autora, os jornalistas reiteram o que
acham ser digno de uma notícia a partir de
normas que são invocadas e, simultaneamente, reinventadas.
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Da forma semelhante, defende esta abordagem
que as notícias não espelham a sociedade. Ajudam a constituí-la como um fenômeno social partilhado, dado que, no processo de descrição de um
acontecimento, as notícias definem e moldam este
acontecimento; tal como as histórias noticiosas
interpretaram e construíram o período inicial do
moderno movimento feminista, como uma atividade de ridículas incendiárias de soutiens (Tuchman, 2002, p. 92).
A autora coloca que essa visão deriva do
trabalho de Alfred Schutz (in Tuchman, 2002),
que fala a respeito da chamada “atitude natural”. Segundo ele, no mundo cotidiano, os atores sociais aceitam os fenômenos como dados,
diferentemente da postura fenomenológica do
“por entre parêntesis”, proposta por Husserl
(in Tuchman, 2002). Aplicando essa ideia para
o jornalismo, Tuchman (2002) coloca que os leitores podem até duvidar da veracidade dessa
ou daquela notícia, mas que a existência das
próprias notícias em si nunca é posta em causa.
Nessa “atitude natural”, dessa forma, os
atores observam permanentemente o mundo, em busca de aprendizado e da criação
de significações. Os jornalistas, portanto, trabalham para dar significado à realidade ao
identificar certos tópicos como notícias. Duas
características da “atitude natural” descritas
pelos etnometodólogos estão nesse processo:
a reflexividade e a indexicalidade. A primeira se refere ao pertencimento dos relatos dos
acontecimentos à própria realidade que eles
descrevem. Já a segunda trata da capacidade
de atribuir novos sentidos a relatos aplicando-os em outros contextos. Segundo Tuchman
(2002), essas duas características são inerentes
ao caráter público da notícia e também ao próprio trabalho informativo.
As notícias registram a realidade social e são simultaneamente um produto dessa mesma realidade, na medida em que fornecem aos seus consumidores uma abstração seletiva intencionalmente
coerente, mesmo podendo descurar certos pormenores. Quando os consumidores de notícias leem
ou veem notícias, acrescentam-lhes pormenores
– mas não necessariamente aqueles que foram suprimidos na construção da história. A abstração e
a representação seletivas da informação, e a atribuição reflexiva de significado aos acontecimentos
enquanto notícias são características naturais da
vida cotidiana (Tuchman, 2002, p. 96).
A autora cita como exemplo da influência
da notícia na realidade o caso Watergate. Se
as conspirações não tivessem vindo a público,
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por meio dos veículos de comunicação, os processos judiciais a respeito do caso poderiam
não ter sido iniciados. Em última instância, o
presidente dos EUA na época, Richard Nixon,
poderia não ter renunciado. A notícia, assim,
tem a capacidade de tornar os acontecimentos
públicos e estabelecer as definições de como
eles serão encarados pela sociedade.
Para que uma ocorrência se transforme
em acontecimento e, por sua vez, um acontecimento se transforme em notícia, entretanto,
é preciso que o jornalista organize a realidade
que está a sua volta e da qual ele mesmo faz
parte. Essa organização aparece refletida no
enquadramento dado à notícia, conforme será
visto a seguir.
Duas dimensões do agendamento
A Teoria da Agenda, que tem como seu
marco inicial o estudo de Chapel Hill realizado por Maxwell McCombs e Don Shaw (1972),
evoluiu a partir da tentativa de explicar a influência que a comunicação de massa exerce
na opinião pública. Sua primeira contribuição
foi a comprovação de que os tópicos enfatizados nas notícias da mídia acabam por ser considerados importantes também pelo público,
ou seja, a mídia estabelece a agenda pública,
o que pode ser considerado o estágio inicial da
formação da opinião pública. McCombs (2009)
ressalta, todavia, que essa influência não é premeditada, mas resulta da necessidade que os
veículos possuem de selecionar, dentre tantos,
alguns poucos tópicos como os mais salientes
do momento.
As evidências sobre a influência midiática
providas pela Teoria da Agenda estão fundamentadas em diversas pesquisas de opinião
pública entrecruzadas com análises de conteúdo de notícias efetivamente veiculadas na
mídia; além de experimentos laboratoriais,
em que ocorrem manipulações dos conteúdos
midiáticos de maneira que possam ser feitas
comparações entre os resultados. Mas também
faz parte dessas evidências o fato de que a opinião pública também sofre outras importantes
influências, e não é unicamente formada pelos
veículos de massa (McCombs, 2009).
Partindo da tese de Lippmann (1920), que
explica que os veículos noticiosos atuam como
janelas que definem nosso mapa cognitivo
do mundo, e que, portanto, a opinião pública
não responde à influência do ambiente social,
mas sim do pseudoambiente construído pela
mídia, a Teoria da Agenda se posiciona con-
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trariamente à lei das mínimas consequências,
enfatizando o forte efeito que a comunicação
de massa exerce no público. Contudo, “a Teoria da Agenda não é o retorno à teoria da bala
ou hipodérmica sobre os poderosos efeitos
da mídia. Nem os membros da audiência são
considerados autômatos esperando para serem programados pelos veículos noticiosos”
(McCombs, 2009, p. 24).
De acordo com a disponibilidade psicológica do indivíduo para perceber e dedicar atenção às mensagens da mídia, ocorre a primeira
dimensão do agendamento: a transferência da
saliência do objeto, quer dizer, os temas que
recebem ênfase na cobertura midiática acabam
por se tornar importantes também para o público. A segunda dimensão do agendamento
trata da transmissão da saliência do atributo,
ou seja, como o indivíduo compreende os aspectos da cobertura de determinado tópico.
De maneira esquemática, pode-se dizer que,
na primeira dimensão, a mídia diz ao indivíduo sobre o que pensar, enquanto, na segunda
dimensão, ela diz como pensar sobre os assuntos (McCombs, 2009).
Para compreender o agendamento de
atributos, é essencial discorrer a respeito do
processo de enquadramento (framing). Assim
como o fotógrafo escolhe uma parte menor
de um plano geral para enquadrar, de forma
a passar uma mensagem, o jornalista também
seleciona um aspecto percebido da realidade
e o enfatiza de tal maneira a torná-lo mais saliente. O enquadramento é a metodologia escolhida para a análise da cobertura noticiosa
realizada pelos veículos Veja e Carta Capital e
será detalhado no próximo item.
Enquadramento noticioso
O conceito de enquadramento é amplo. No
campo da Comunicação, ele começou a ser
utilizado nos anos 1980, porém, sem uma fundamentação teórico-conceitual definida para
a ideia de frame. Dos anos 1990 em diante, os
pesquisadores passaram a buscar uma estruturação conceitual para a área. Atualmente, há
diferentes noções do termo, de acordo com paradigmas distintos.
A primeira definição do termo dentro do
campo da Comunicação foi de Gaye Tuchman
(1978): “as notícias impõem um enquadramento que define e constrói a realidade”. A origem
do conceito, entretanto, vem de Erving Goffman (1974), que estudou o framing sob a ótica
das ciências sociais, tratando da organização
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das experiências dos indivíduos por meio das
interações cotidianas.
O uso mais frequente do conceito de enquadramento no campo da Comunicação e,
especialmente, nas pesquisas na área do Jornalismo é relacionado a análises de conteúdo.
Observando enunciados e discursos, o pesquisador procura compreender como a realidade
foi enquadrada a partir de uma perspectiva
específica. Dessa maneira, os frames possuem
uma dimensão política: eles podem definir
problemas e propor soluções, ou mesmo fazer
julgamentos morais sobre um tema. O enquadramento, de acordo com Entman (1993), não
está só no emissor. O framing, para ele, perpassa todo o processo comunicativo, envolvendo
interlocutores, texto e cultura.
Diante desse panorama, é objetivo deste
artigo realizar análise de enquadramento das
notícias publicadas a respeito do escândalo
da Petrobras nas revistas Veja e Carta Capital
ao longo do ano de 2014 e primeiro semestre
de 2015. Fazem parte do corpus da pesquisa
as matérias de capa que fizeram referência ao
tema dentro do referido período, totalizando
9 matérias na Carta Capital e 19 na Veja. A
pesquisa é conduzida através das categorias
sugeridas por Entman (1993), quais sejam: a
definição particular do problema, interpretação causal, avaliação moral e recomendação
de tratamento. Essas categorias geraram um
livro de códigos elaborado a partir da observação da descrição do fato, por meio da utilização de elementos linguísticos e imagéticos, da
caracterização dos envolvidos e referência às
bases partidárias e dos julgamentos e possíveis
consequências.
Em primeiro lugar, foram identificadas as
fontes, bem como as citações de fala pública,
ou seja, declarações oriundas de materiais públicos não elaboradas exclusivamente para a
matéria em questão. Para os dois itens, serviram os seguintes códigos: (i) autoridades, sejam elas do poder executivo ou da Petrobras;
(ii) políticos; (iii) Ministério Público; (iv) investigados pela operação; (v) analistas independentes, como professores universitários e consultores, e (vi) populares e testemunhas.
Em seguida, foi verificado se a matéria
promovia ou não a definição do problema,
e, nos casos positivos, foram identificados os
problemas a seguir: (i) envolvimento de todos
os partidos no esquema de corrupção; (ii) a
impunidade dos corruptores, que influencia
o aparecimento de mais casos de corrupção;
(iii) futuro (político) da Petrobras em jogo; (iv)
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As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise de enquadramento de Carta Capital e Veja
efeitos da operação no mundo político, ressaltando que as investigações estão gerando
efeitos na disputa político-partidária; (v) esvaziamento do discurso da esquerda, sinalizando que a esquerda deve pensar em uma nova
forma de governo, abandonando a política de
coalisões; (vi) a relação promíscua entre empresas e políticos, e (vii) tentativa de sabotar a
operação Lava-Jato.
Relacionados à definição do problema, em
seguida aparecem a descrição das suas causas
e o apontamento de possíveis soluções. Para
as causas, foram percebidas: (i) falta de punição adequada; (ii) o uso político das delações;
(iii) o envolvimento de todos os partidos na
corrupção, que, em algumas matérias, havia
aparecido como problema, mas, em outras, é
apontado como causa de outro problema descrito, e (iv) descrevendo o projeto de poder do
PT como causador dos casos de corrupção. Verificou-se, ainda, o apontamento das seguintes
soluções: (i) agilidade da justiça na identificação e punição dos envolvidos; (ii) a proibição
de doação de empresas; (iii) a continuidade
das investigações, mostrando confiança no trabalho de Moro e Janot4, e (iv) a construção de
uma nova esquerda.
Por último, como julgamento moral ou
posicionamento diante do problema descrito,
percebeu-se: (i) ceticismo; (ii) esperança de
punição dos envolvidos; (iii) defesa do patrimônio nacional, ou seja, impedir que a Petrobras ou o executivo percam a importância, e
(iv) condenação prévia do PT como principal
responsável pela corrupção.
A relação entre os problemas, suas causas
e possíveis soluções é diversa, possibilitando
que, para um mesmo problema, sejam descritas causas diferentes, que uma mesma relação
causal seja apontada para problemas diversos,
ou ainda, que uma única solução seja considerada ideal para resolver problemas não equivalentes. Acreditamos que o encadeamento entre
essas categorias seja mais bem compreendido
a partir da descrição exemplificativa de uma
matéria analisada.
Na matéria da Carta Capital de 1 de abril
de 2015, intitulada “O ônus coletivo”, por
exemplo, o texto aborda a questão sob a ótica do esvaziamento do discurso de esquerda. O PT, como grande partido de esquerda
que alcançou o poder e foi alvo de inúmeros
escândalos, gerou uma percepção de que a
esquerda não é mais uma alternativa. Isso é
exemplificado pela reportagem ao narrar um
xingamento sofrido por um ciclista, baseado
na mera suposição de que andar de bicicleta
é ser de esquerda e, portanto, estar envolvido na corrupção que destrói o Brasil. A causa
apontada para esse problema pela revista é o
uso político das investigações, principalmente
o vazamento de trechos isolados das delações
premiadas e dos testemunhos. Assim, mesmo
que a investigação aponte o envolvimento de
diversos partidos, é o PT quem sempre ganha
destaque, o que leva ao desencantamento com
o partido. O texto aborda a questão de maneira cética, destacando a incapacidade do PT em
assumir seus erros e o espaço já tomado pelos
evangélicos e líderes conservadores. A solução
que a Carta Capital propõe seria a construção
de uma nova esquerda, ou seja, a reunião de
parcela da sociedade que comungue desses
ideais e construa um projeto viável e que respeite os valores de esquerda.
Em seguida, apresenta-se o resultado comparativo da análise realizada, a fim de esclarecer o enquadramento de cada uma das revistas, verificando como as diferentes posições
ideológicas assumidas por cada veículo transparecem nas suas páginas.
Discussão dos resultados: a Lava-Jato
nas páginas de Veja e Carta Capital
A primeira diferença notável diz respeito
ao espaço dedicado ao assunto. Enquanto na
Carta Capital o assunto recebeu destaque de
capa em 9 edições no período analisado, na
Veja a capa foi dedicada à Lava-Jato 19 vezes.
As 19 matérias da Veja ocuparam um espaço
de 155 páginas, o que representa uma média
de pouco mais de 8 páginas por matéria, sendo que a maior – “Como o PT está afundando
a Petrobras” – foi apresentada em 16 páginas.
As 9 matérias de Carta Capital totalizaram 95
páginas, com uma média um pouco maior que
a de Veja, de 10,5 páginas. A maior delas ocupava 17 páginas.
Quanto às fontes utilizadas, é possível visualizar as diferenças no Gráfico 1.
A Carta Capital não cita fonte alguma em
3 matérias (mais de 30% do total), e a Veja não
cita fontes em 5 das 19 matérias (pouco mais
Na Carta Capital, a menção direta a Moro e Janot ocorria constantemente, enquanto a Veja nem sempre personificava os
responsáveis pelas investigações.
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Carla Candida Rizzotto, Giulia Sbaraini Fontes, Paulo Ferracioli
Gráfico 1. Fontes utilizadas.
Graph 1. Sources used.
de 26% do total). O que mais chama atenção é
o grande espaço que a Veja dedica aos investigados, usados como fonte em 9 matérias; enquanto a Carta Capital não os cita nenhuma
vez. A Veja também é a única a conceder espaço para populares e testemunhas.
É frequente também a utilização de falas
públicas, originadas em outros contextos que
não o da elaboração da reportagem, como se
vê no Gráfico 2.
A Veja não utiliza nenhuma fala pública em
7 matérias, e a Carta Capital não o faz em 3
matérias. Nota-se que esse é um recurso bastante utilizado pela Veja – 25 vezes –, sendo
que a maior parte das vezes são citadas falas
de políticos e dos investigados pela operação.
A Carta Capital utiliza com uma frequência
menor, tendo dado espaço 3 vezes a políticos,
uma a autoridades, uma ao Ministério Público
e uma aos investigados.
Passando agora às categorias de Entman, o
ponto de partida da análise se localiza na de-
finição do problema, que se divide em 7 códigos, conforme mostra o Gráfico 35.
Aí notamos que a Carta Capital definiu o
problema com igual frequência para o envolvimento de todos os partidos, a impunidade dos
corruptores, o futuro da Petrobras e os efeitos
da operação no mundo político. O esvaziamento do discurso de esquerda aparece com
uma frequência um grau abaixo, enquanto a
relação promíscua entre empresas e partidos e
a tentativa de sabotar a operação Lava-Jato não
aparecem nenhuma vez. A Veja, ao contrário,
apresenta como problema a relação promíscua
entre empresas e partidos na maior parte das
vezes (10 vezes), dando pouco ou nenhum espaço para o envolvimento de todos os partidos, a impunidade dos corruptores, a tentativa
de sabotar a operação e, como era de se esperar
de um veículo que assume uma posição ideológica à direita, o esvaziamento do discurso de
esquerda. As duas publicações tratam de maneira equivalente, em termos de frequência, as
Optou-se pela utilização de um bubble chart, uma vez que esse tipo de gráfico relaciona três variáveis:
no eixo x, estão localizados os códigos; no eixo y, a frequência de acontecimentos em números absolutos.
Porém, já que o número de textos analisados de cada um dos veículos não é equivalente, faz-se necessário
demonstrar também a porcentagem de aparecimento de tal código para cada revista, o que é feito por meio
do tamanho das bolhas.
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As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise de enquadramento de Carta Capital e Veja
Gráfico 2. Fala pública.
Graph 2. Public speech.
Gráfico 3. Definição do problema.
Graph 3. Problem definition.
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implicações da operação no mundo político e
o futuro da Petrobras. Em termos de conteúdo,
entretanto, quando a Veja define o problema
em relação ao futuro da Petrobras, há um enfoque predominante em mostrar como o PT estruturou uma rede que permitisse o desvio de
dinheiro público e sua perpetuação no poder,
enquanto a Carta Capital se preocupa com a
possibilidade de privatização da empresa.
A cada um desses problemas está ligada
uma ou mais causas, que são relacionadas no
Gráfico 4.
A Carta Capital não apresenta as causas
do problema em uma das matérias, intitulada
“As 750 obras de Youssef”, na qual traz uma
relação com todas as obras em que Youssef se
envolveu, e apenas no parágrafo final apresenta esperança nas investigações. Nas demais, a
causa mais frequente é o uso político das delações, seguido da falta de punição adequada e
do envolvimento de todos os partidos.
Já a Veja, que também não apresenta relações causais em uma das matérias, cita uma
única vez a falta de punição adequada como
causa da impunidade dos corruptores (problema 2); o envolvimento de todos os partidos
aparece como causa em 4 matérias, uma vez relacionado ao futuro da Petrobras (problema 3),
duas vezes gerando efeitos no mundo político
(problema 4) e uma vez ocasionando a relação
promíscua entre empresas e partidos (problema 6); mas a causa que mais aparece é o projeto de poder do PT, em um total de 15 vezes.
Por exemplo, na reportagem “Os segredos do
empreiteiro”, do dia 25 de fevereiro de 2015, o
projeto de poder do PT é apontado como causa da relação promíscua entre os partidos: “As
agruras dos PT com o petrolão são fruto do
mesmo pecado original que produziu o escândalo do mensalão: a ideia assombrosa de que o
partido pode se servir do Estado como se fosse
sua propriedade, das leis como se existissem
apenas para os outros e das instituições como
bombeiros de suas eternas crises”.
O item seguinte diz respeito à proposição de
possíveis soluções para os problemas apontados. Duas matérias da Carta Capital não apontam solução alguma, enquanto oito matérias da
Veja também se eximem de pontuar possíveis
saídas para as situações descritas. As restantes
geraram o resultado apresentado no Gráfico 5.
Ambas as publicações falaram que a continuidade das investigações representa o
melhor caminho possível para solucionar os
problemas descritos, demonstrando confiança na operação do Ministério Público, como
exemplifica o seguinte trecho, da reportagem
da Veja de 29 de abril de 2015, “Empreiteiro arrasta Lula para o meio do escândalo”: “Dependendo da decisão, a segunda turma do STF,
presidida pelo ministro Teori Zavascki, pode
mudar os rumos da operação Lava-Jato”. As
duas também apontaram, ainda que em menor
grau, que uma maior agilidade da justiça poderia dar conta de resolver a impunidade dos
corruptores – no caso da Veja – ou de garantir punição adequada para todos os partidos
envolvidos – no caso da Carta Capital. Esta
Gráfico 4. Causas do problema.
Graph 4. Causal interpretation.
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As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise de enquadramento de Carta Capital e Veja
Gráfico 5. Soluções para o problema.
Graph 5. Treatment recommendation.
última propõe, ainda, a proibição de doações
de empresas como solução para a impunidade
dos corruptores (“A doce vida do corruptor”,
de 23 de abril de 2014) e a construção de uma
nova esquerda como maneira de resolver o esvaziamento do discurso de esquerda (“Os papéis de Duque”, de 1 de abril de 2015).
A última categoria analisada (Gráfico 6) – e
sem dúvidas a que fornece maiores indicativos
sobre as diferenças ideológicas dos dois veículos jornalísticos – trata do julgamento moral,
ou seja, da maneira como as revistas se posicionam política ou ideologicamente diante do
problema descrito.
A Carta Capital demonstrou, na maior parte das vezes (55,5%), estar esperançosa de que
os envolvidos no escândalo de corrupção serão punidos. Outras vezes, saiu em defesa do
patrimônio nacional, ressaltando a importância do poder executivo e da Petrobras como
empresa pública. Demonstrou, também, em
duas matérias, seu ceticismo em relação ao andamento do caso, como exemplifica a reportagem “O poder do doleiro”, de 16 de abril de
2014, que diz: “O ecumenismo de Youssef é
uma arma deste jogo. Quem terá coragem de
investigar a fundo um doleiro acusado de lavar 10 bilhões de reais e que tem sido generoso
com todos os espectros políticos há no mínimo
duas décadas? Talvez a máxima prevaleça: as
CPIs ladram, Youssef passa”.
A Veja, por sua vez, de maneira numericamente equivalente, se mostrou às vezes cética,
às vezes com esperança que as investigações
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resultem em punição adequada. Porém, na
maioria de suas reportagens de capa – quase 79% – condenou previamente o PT como
exclusivo responsável pelos acontecimentos,
frequentemente personificado nas figuras de
Dilma Rousseff e Lula, como é possível perceber até mesmo nos títulos de capa: “Como o
PT está afundando a Petrobras” (9 de abril de
2014), “Eles sabiam de tudo” (29 de outubro
de 2014, em uma referência à Dilma e Lula,
na polêmica capa da véspera do segundo turno das eleições presidenciais), “A operação
Lava-Jato e o PT” (10 de dezembro de 2014)
e “Empreiteiro arrasta Lula para o meio do
escândalo” (29 de abril de 2015). Este trecho
é significativo: “Por razões que precisam ser
diligentemente apuradas, Lula e Dilma usaram seu poder – ou deixaram de usá-lo – de
uma maneira que, ao fim e ao cabo, favoreceu o grupo que extraía propinas de obras da
Petrobras” (“De: Paulo Roberto, Para: Dilma
Rousseff”, 26 de novembro de 2014). Duas semanas depois, acusação semelhante acontece:
“O doleiro [Alberto Youssef] já afirmou que o
ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff sabiam da existência da quadrilha na
Petrobras. As novas declarações indicam que,
além de saberem, eles podem ter se beneficiado política e eleitoralmente do esquema”
(“A operação Lava-Jato e o PT”, 10 de dezembro de 2014). A condenação de Lula apareceu
até em um infográfico na matéria do dia 4 de
fevereiro de 2015, “Reação em Cadeia”, que
dizia: “Na conta de Lula – Os principais en-
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Gráfico 6. Julgamento moral.
Graph 6. Moral evaluation.
volvidos no caso do petrolão têm em comum
a ligação estreita com o ex-presidente”.
De maneira geral, a relação que mais aparece nas matérias analisadas em Veja é a que encadeia o problema número 6, “relação promíscua
entre empresas e políticos”, com a causa número 4, “projeto de poder do PT”. O que se pôde
perceber é que os textos da revista enquadram a
corrupção na Petrobras como o problema principal, na forma de troca de favores entre políticos e empreiteiros. De acordo com a revista, o
dinheiro seria utilizado para financiar as campanhas eleitorais. A matéria de 25 de fevereiro
deste ano, por exemplo, diz: “Com mais de uma
década de parceria com o PT, Ricardo Pessoa se
ressente da falta de solidariedade dos políticos
que, garante ele, receberam ajuda financeira em
campanhas”. Tais políticos, de acordo com o
texto, seriam integrantes do Partido dos Trabalhadores, que, depois da prisão do empreiteiro,
o deixou sem apoio.
A troca de favores entre empresários e
políticos com dinheiro público seria, então,
a maneira que o PT encontrou de garantir a
sua permanência no poder. A revista compara o “Petrolão” ao escândalo do “Mensalão”,
que comprava o apoio dos parlamentares
no Congresso também com dinheiro desviado do Estado. Dentro dessa relação, aparece
constantemente o julgamento moral número
4, “condenação prévia do PT”. Por mais que
as próprias investigações tenham apontado a
participação de políticos de outros partidos, a
publicação coloca o Partido dos Trabalhadores
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como principal mentor do esquema, sem provas judiciais e com base, principalmente, nas
falas dos investigados em acordos de delação
premiada. O argumento é de que, na delação,
o investigado assina um termo em que se compromete a dizer a verdade e provar tudo o que
disse, em troca de ter uma diminuição na sua
punição. Esse julgamento aparece na maioria
dos textos, algumas vezes acompanhado do
número 2, “esperança na punição dos envolvidos”.
Na Carta Capital, por sua vez, as definições
do problema mais identificáveis corresponderam ao envolvimento político de todos os partidos na corrupção e ao futuro da Petrobras em
jogo. As reportagens analisadas ou debatiam
a premissa de que todos os agentes políticos
se envolvem em práticas corruptas ou analisavam as implicâncias das investigações na empresa estatal.
As causas desses problemas foram a falta de punição adequada dos envolvidos, em
decorrência da lentidão e ineficiência do Poder Judiciário e dos outros atores envolvidos
e que acaba por estimular a permanência de
comportamentos ilícitos; e o uso político das
delações, como os vazamentos seletivos, que
foi apontado pela publicação como uma prática que poderia interferir no andamento das
eleições e na situação econômica da Petrobras
(especificamente com o fortalecimento do discurso que pede a privatização da companhia).
O posicionamento predominante da revista era a esperança de punição dos envolvidos,
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As molduras possíveis para o Petrolão: uma análise de enquadramento de Carta Capital e Veja
uma vez que as matérias deixavam claro que
as investigações continuariam e iriam descobrir novas irregularidades, a serem punidas
pelo Judiciário. Esse posicionamento está intimamente relacionado com a solução apontada
com mais frequência pelo semanário, que é a
continuidade das investigações. A publicação
deixa claro que o trabalho da Força-tarefa de
procuradores e de policiais federais é a solução para o problema apontado. As citações
constantes e nominais ao juiz Sérgio Moro e
ao procurador geral da República Rodrigo Janot embasam, ainda mais, a crença na solução
desses problemas que afetam a democracia
brasileira.
Considerações finais
Os dados aqui apresentados não apontam
grandes surpresas, afinal, é sabido que as duas
revistas possuem posições ideológicas opostas
– esta foi, inclusive, a razão da escolha delas
como objetos desta pesquisa. Da Veja, de direita, era esperada a condenação do PT como
grande responsável pelos casos de corrupção
que assolam o país. Da Carta Capital, de esquerda, já se podia prever que o foco das matérias não recaísse sobre o PT, mas que outras
causas fossem apontadas para o problema da
corrupção.
Ainda assim, a análise mostrou a maneira
como as publicações utilizam os recursos jornalísticos para construir o enquadramento. A
utilização frequente dos investigados como
fonte pela Veja, por exemplo, se opõe ao tratamento que a Carta Capital dá a esses personagens, aos quais não é atribuída nenhuma
credibilidade para embasar as matérias. Por
outro lado, esperava-se que o enquadramento
da Carta Capital acompanhasse o discurso de
esquerda, que insiste em mostrar como a investigação desrespeita os direitos básicos dos
envolvidos e viola várias regras de processo
penal. Porém, neste ponto, percebeu-se que a
Carta Capital, assim como a Veja, dá crédito à
Força-tarefa e ao juiz Sérgio Moro.
A importância desta análise recai no fato
de que ela forneceu subsídios para se pensar
a relação contemporânea estabelecida entre
a mídia e a política. Tendo como base as teorias construtivistas do jornalismo, foi possível
observar que as notícias moldam os aconteci-
mentos, se constituindo como um “fenômeno
social partilhado” (Tuchman, 2002, p. 92). É
por isso que o mesmo acontecimento é enquadrado de maneiras tão diferentes pelos dois
veículos.
Fundamental ressaltar, porém, que os
acontecimentos, ainda que formados por elementos exteriores ao sujeito, só adquirem sentido por meio do sujeito, ou seja, é o sujeito
quem constrói e reconhece o acontecimento,
por meio de um processo de intertextualidade, relacionando um fato com outros fatos, e
assim determinando o acontecimento como
fenômeno social (Alsina, 2009, p. 116). A interação da mídia com a sociedade, então, se dá
em um processo circular: o fato social é visto
pela mídia como um acontecimento, então é
transformado em notícia e transmitido para a
sociedade, que enxerga esse produto midiático
como um acontecimento social.
Partindo da visão de Alsina (2009), a notícia é sempre um produto mediado pela instituição comunicativa, ou seja, por meio do
enquadramento dos acontecimentos, a mídia
expressa a sua própria valoração do fato. Com
base nas concepções acerca do acontecimento
e da notícia, pode-se perceber que o jornalista
desempenha, além dos já tradicionais papéis
de selecionador (gatekeeper) e de defensor (advocate)6, também o papel de produtor da realidade social.
Mas mesmo diante de tais conclusões, não
podemos cair na falácia explicada por Gomes
(2004) de assumir a fragilidade intelectual e
moral do público, definindo-o como uma esfera passiva, e, de outro lado, assumir a maldade
deliberada dos proprietários das empresas de
comunicação em manipular a opinião pública.
Os receptores constroem uma compreensão
de si mesmos, do tempo e do espaço por meio
da sua interpretação dos conteúdos simbólicos
mediados (Thompson, 2008).
Como mérito da pesquisa, destaca-se, especialmente, a pertinência teórica do conceito
de enquadramento para a análise da cobertura jornalística dos fatos políticos. Ainda que
seja um conceito em construção, como visto,
ele é capaz de fornecer um instrumental eficiente para compreender como o jornalismo
procede na transformação do fato social em
notícia. Essa base teórico-metodológica pode
ser útil para a análise da cobertura das mais
Este modelo surgiu no contexto da discussão a respeito do mito da objetividade jornalística e prega que o comunicador
não é um indivíduo acético, mas intencional.
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diferentes temáticas, consolidando esse modelo analítico como uma via de desenvolvimento
do campo de pesquisa em comunicação e política.
Referências
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Construction of Reality. New York, The Free Press,
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p. 91-104.
Submetido: 05/10/2015
Aceito: 12/01/2016
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