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E-ISSN: 2236-6725 | P-ISSN: 2179-8095 DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2236672539530 Recebido em: 13/08/2019. Aprovação final em: 30/08/2020. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA FEMININA SOB A ÓTICA DAS ELEITORAS BRASILEIRAS. FEMALE POLITICAL REPRESENTATION FROM THE PERSPECTIVE OF BRAZILIAN WOMEN VOTERS. REPRÉSENTATION POLITIQUE FÉMININE DU POINT DE VUE DES ÉLECTRICES BRÉSILIENNES. REPRESENTACIÓN POLÍTICA FEMENINA DESDE LA PERSPECTIVA DE LAS VOTANTES BRASILEÑAS. Antonio Teixeira de BarrosI : http://orcid.org/0000-0002-3061-8202 Elisabete BusanelloII : https://orcid.org/0000-0003-0214-1977 Anderson Henrique da SilvaIII : https://orcid.org/0000-0002-1842-2725 Antônio Alves Tôrres FernandesIV : https://orcid.org/0000-0002-0249-517X RESUMO: Como as eleitoras brasileiras avaliam a representação política feminina? A sub-representação feminina seria um problema para elas? Com base nessas questões, o artigo analisa as percepções do eleitorado feminino obtidas por meio de survey, com 812 informantes, em 2019. Os principais resultados mostram insatisfação das mulheres com o número de representantes femininas na I Doutor em Sociologia; Professor do Programa de Mestrado em Ciência Política do Centro de Formação da Câmara dos Deputados (Cefor), Brasília, DF, Brasil; E-mail: antonibarros@gmail.com II Mestra em Poder Legislativo pelo Centro de Formação da Câmara dos Deputados (Cefor); Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil; E-mail: elisabete.busanello@camara.leg.br III Graduação em Ciência Política; Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil; E-mail: andersonheri@gmail.com IV Graduação em Ciência Política; Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil; E-mail: fernandes.anttonio@gmail. com 263| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. política, desaprovação das instituições legislativas municipais, estaduais e do Congresso Nacional quanto à atuação parlamentar voltada para as mulheres. Apenas 10% das respondentes conhecem algum partido político que defenda os interesses e direitos das mulheres. Palavras-chave: Representação política feminina; mulheres e política; mulheres no parlamento; eleitoras; Congresso Nacional. ABSTRACT: How do brazilian female voters evaluate women’s political representation? Would female underrepresentation be a problem for them? Based on these issues, this article analyzes the perceptions of female voters obtained through a survey of 812 informants in 2019. The main results show women’s dissatisfaction with the number of female representatives in politics, disapproval of municipal, state and of the national congress regarding parliamentary action aimed at women. Only 10% of respondents know of any political party that defends women’s interests and rights. Keywords: female political representation; women and politics; women in parliament; electors; national congress. RÉSUMÉ: Comment les électrices brésiliennes évaluent-ils la représentation politique des femmes? La sous-représentation des femmes serait-elle un problème pour elles? Sur la base de ces enjeux, l’article analyse les perceptions de l’électorat féminin obtenues grâce à une enquête auprès de 812 informateurs en 2019. Les principaux résultats montrent l’insatisfaction des femmes quant au nombre de représentantes en politique, la désapprobation des institutions législatives municipales, assemblées législatives et du Congrès national sur l’action parlementaire en faveur des femmes. Seuls 10% des répondants connaissent un parti politique qui défend les intérêts et les droits des femmes. Mots clés: représentation politique des femmes; les femmes et la politique; femmes au parlement; les électrices; Congrès national brésilien. RESUMEN: ¿Cómo evalúan los votantes brasileños la representación política de las mujeres? ¿La subrepresentación femenina sería un problema para ellas? Sobre la base de estos temas, el artículo analiza las percepciones de las mujeres votantes obtenidas a través de una encuesta de 812 informantes en 2019. Los principales resultados muestran la insatisfacción de las mujeres con el número de representantes femeninas en política, desaprobación municipal, estatal y del congreso nacional sobre la acción parlamentaria 264| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes dirigida a las mujeres. solo el 10% de los encuestados sabe de algún partido político que defienda los intereses y derechos de las mujeres. Palabras clave: representación política femenina; mujeres y política; mujeres en el parlamento; electoras; congreso nacional brasileño. INTRODUÇÃO A representação de mulheres em Parlamentos é baixa no mundo inteiro. Entretanto, no Brasil, a situação é apontada como crítica por ser uma das menores do mundo. O País ocupa o 132º lugar, num ranking de 189 países, segundo dados da União Interparlamentar (2019). Fica atrás de países como Líbia, Azerbaijão, Gabão, Camboja, Uzbequistão e Jordânia1. Em suma, os dados mostram que a participação das mulheres brasileiras na política também é uma das mais baixas da América Latina e do Caribe. Nesses países, a média é de 25% de mulheres ocupando o parlamento, enquanto no Brasil a média atual é de apenas 14%. Esses dados remetem à complexidade da noção de representação, entendida como um processo cultural, que estabelece identidades individuais e coletivas, além de definir o lugar social dos representantes e dos representados (Woodward, 2012). Por essa razão, o estatuto da representação política pode contribuir para a institucionalização de formas de dominação (Young, 1990). Para a autora, a representação política deveria se associar à noção de perspectiva social, entendida como as posições sociais estruturais que produzem experiências particulares, situadas e contextualizadas, inclusive na política. Isso porque perspectiva social diz respeito ao “ponto de vista que membros de um grupo têm sobre processos sociais por causa de sua posição neles” (Young, 2000, p. 137). A principal vantagem do recurso ao conceito, conforme a própria autora, é que ele captaria a sensibilidade das experiências geradas pela posição de grupo. Assim, quando a mulher conquista o acesso à esfera pública, a perspectiva feminina é capaz de iluminar aspectos da realidade que não estavam visíveis para os homens, exatamente pela ausência 1 A lista completa está disponível em: http://www.ipu.org/wmn-e/classif.htm 265| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. das experiências deles na posição e no lugar social das mulheres. Por essa razão, a inclusão da perspectiva social das mulheres na política torna-se tão importante (Biroli, 2017; Rezende, 2017; Miguel, 2017a, 2017b). Convém registrar que tal conquista se deve em grande medida à atuação dos movimentos de mulheres ao longo do século passado e durante o século atual. Outra contribuição relevante para o debate é o conceito de política de presença, de Anne Phillips (2001). Para ela, a exclusão política desafia o entendimento tradicional da representação política das mulheres, baseada na percepção arraigada de que a chave da boa representação política estaria nos programas ideológicos de governo e nas ideias compartilhadas entre representantes e representados sem qualquer referência à identidade das/os representantes. Contra isso, cada vez mais é afirmada a necessidade de presença física dos grupos excluídos nos locais de decisão, o que se traduz frequentemente na adoção de cotas eleitorais, a fim de assegurar a presença efetiva de representantes dos grupos minoritários na política, como no caso das mulheres. Assim, a autora contrapõe a política de presença à política de ideias, chamando atenção para uma efetiva qualidade da representação de minorias pela via da primeira. Esse breve panorama mostra um pouco da complexidade das questões envolvidas no debate sobre (sub)representação política feminina, cenário no qual o Brasil se destaca pela baixa presença de mulheres no sistema representativo, conforme demostrado acima. É com base nesse horizonte analítico que o artigo apresenta como objetivo examinar a percepção das próprias mulheres sobre o tema. A partir de um survey com 812 informantes, aplicado no mês de março de 2019, com questões fechadas e abertas. É oportuno ressaltar que se trata de um estudo original, focado especificamente na percepção das eleitoras, ou seja, das representadas. Afinal, como as mulheres brasileiras avaliam a atual configuração do sistema representativo? O que elas consideram mais relevante do ponto de vista da atuação de seus/suas representantes? Como elas avaliam o desempenho das câmaras municipais de vereadores, das assembleias legislativas e do Congresso Nacional no que se refere à defesa dos direitos femininos? 266| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes O artigo está dividido em quatro seções. Na primeira são abordados os fatores que explicam a sub-representação feminina na política. A segunda apresenta um balanço sobre a participação das mulheres no contexto eleitoral brasileiro. A terceira descreve os procedimentos metodológicos e a quarta contém a apresentação e análise dos dados, seguida das conclusões. FATORES DA SUB-REPRESENTAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA O que significa afirmar que existe sub-representação feminina no Brasil? Por que as mulheres estão sub-representadas na política se elas constituem a maioria da população? Quais são os motivos que vêm mantendo-as afastadas da política? Que fatores estão envolvidos nesse debate? A literatura registra uma grande variedade de perspectivas analíticas e aponta que são diversos os fatores envolvidos. O primeiro aspecto consensual refere-se às consequências culturais do longo período de submissão a uma estrutura patriarcal conservadora (Biroli, 2017; 2018). Tal estrutura impôs dificuldades específicas e relevantes para a inserção da mulher no campo da política, como a insegurança frente aos sistemas dominados pelos homens, o desconhecimento das regras do mundo público, os condicionamentos culturais/ psicológicos e as práticas partidárias excludentes (Pérez, 2015; Etchevarren, 2017; Barry, 2019). Na realidade, trata-se de uma tríplice divisão do trabalho que desfavorece e sobrecarrega as mulheres. A primeira compreende o trabalho formal ou externo, pago e integral, cujas regras favorecem a inserção masculina. A segunda é relativa ao âmbito doméstico, cujas atividades, culturalmente são atribuídas às mulheres. A terceira diz respeito à combinação da jornada externa com a doméstica, no caso das mulheres que conseguem inserção no mercado formal. Dessa forma, instituiu-se um princípio estruturante básico dessa economia política, separando o trabalho “produtivo” e o “reprodutivo” ou tornando-os complementares, mas de forma desfavorável às mulheres (Fraser, 2006, p. 233). 267| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. Conforme Biroli (2016), a oposição entre doméstico e público ajuda a explicar as diferenças de papeis femininos (associados à esfera privada) e masculinos (associados à esfera pública), sendo este último mais valorizado, em função da longa construção sociocultural, que ainda hoje se perpetua devido à força das estruturas de dominação masculina. Dessa forma, a literatura registra que a subordinação feminina foi naturalizada pelas sociedades conectada às atividades ligadas à natureza, já que a mulher gera, dá à luz e amamenta (Pulhez, 2015, p. 129). Aos homens, nunca se pergunta como fazem para equilibrar família e trabalho, ou filhos e política. Já em relação às mulheres são frequentes os questionamentos. Até o interesse pela política é considerado inusitado, uma vez que a maioria das pessoas não o tem (principalmente as mulheres), e se torna ainda mais grave se elas abdicam de ter uma família em razão disso (Lewis, 2015, p. 30). A maternidade se torna um determinante biológico da identidade das mulheres que as afasta da vida pública, seja no trabalho, seja na política. Fraser sumariza os fatores da sub-representação feminina, mostrando como as duas faces do gênero - a econômico-política e a cultural-valorativa - se entrelaçam para se reforçarem entre si: as normas culturais sexistas e androcêntricas estão institucionalizadas no Estado e na economia e a desvantagem econômica das mulheres restringe a “voz” das mulheres, impedindo a participação igualitária na formação da cultura, nas esferas públicas e na vida cotidiana. O resultado é um círculo vicioso de subordinação cultural e econômica (Fraser, 2006, p. 234). Como assinala Bourdieu (1997), a dominação masculina é uma das bases culturais que sustentam e reproduzem os modelos políticos, sociais e culturais vigentes. Para o autor, o processo de socialização política abrange a transmissão de valores, conceitos, ideologias, concepções e comportamentos ocorrendo, sobretudo, através de instituições como família, escola, religião, universidade, partidos políticos, etc. Em linha similar de pensamento, Rendel (2018) e Potechi (2019) chamam atenção para alguns dos elementos da socialização diferenciada das mulheres, destacando-se a definição sexual dos 268| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes papeis sociais; o sistema educacional e as chamadas carreiras tradicionais ‘’femininas’’, ligadas, em geral, ao cuidado, bem-estar, educação e saúde; aos preconceitos, mitos e tabus difundidos pelos meios de comunicação de massa (sobretudo no que tange à reprodução da representação dos papeis sociais); a influência da religião no processo de socialização política das novas gerações. A socialização diferenciada das mulheres reafirma, portanto, a existência de fatores multicausais que explicam a baixa participação política delas e a sub-representação (Pinto, 2017; Nijensohn, 2018). Além dos fatores culturais, o sistema partidário é considerado uma variável predominante no acesso das mulheres ao parlamento (Norris, 1993; 2013; Norris; Lovenduski, 1995; Matland, 2002; Norris; Inglehart, 2003; Schmidt, 2003; Álvares, 2008: Lovenduski; Hills, 2018). Esses estudos ressaltam que, nas democracias representativas, o sistema partidário exerce a função de gatekeeping, ao selecionar e recrutar candidaturas a partir de suas próprias regras e estatutos. Portanto, para as mulheres conquistarem vagas no Parlamento, há um processo decisório anterior que passa pelos líderes partidários de maior influência, geralmente homens (Barry, 2019; Gilmore, 2019; Jaramillo, 2019). Ademais, o processo de seleção de candidaturas nem sempre é transparente e democrático, mas personalista e discricionário, de acordo com os critérios dos “caciques” partidários. Dessa forma, “as mulheres estão inseridas, mais uma vez, adversamente”, pois, “elas são consideradas como os ‘tampões’ para as cotas, as candidaturas não são legitimadas e, de fato, tratadas como efetivamente competitivas por parte significativa do staff partidário” (Matos, 2010, p.43). Os partidos, por sua vez, não assumem sua responsabilidade nesse processo e costumam alegar que são poucas as mulheres dispostas a assumirem o compromisso de se candidatar (Caviglia; Marinsalta, 2019; Martínez Ossa; Navia, 2019). Dessa constatação, “tendem a derivar dois tipos de conclusões: não há mais candidatas porque não há interesse das mulheres em se apresentar; e isto ocorre porque estas não se interessam por política”. Neste caso, “a responsabilidade é posta sobre as mulheres, como um problema de livre e particular escolha individual e não um problema da democracia” (Araújo, 2006, p.2). 269| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. Vários estudos recentes reforçam a tese da relação causal existente entre financiamento eleitoral e sucesso nos pleitos, revelando o papel marginal das mulheres nas redes de financiamento pelos partidos (Sarmento; Osório, 2014; Cervi, 2015; Heiler et al., 2016; Speck; Cervi, 2016; Junckes et al., 2019). Análise de Pinto e Silveira (2018, p. 207) acerca da trajetória de 62 deputadas federais com carreiras longevas demonstrou que “suas carreiras políticas longevas seguem caminhos tradicionais de políticos homens e este achado constitui-se uma das principais razões da escassa presença das mulheres na vida política brasileira”. O desafio de corrigir os déficits democráticos decorrentes da sub-representação seria ainda uma forma de promover uma democracia mais justa, mediante o reconhecimento e a representação efetiva dos segmentos sociais minoritários, cujas vozes não encontram ressonância nas arenas parlamentares (Young, 2006). Ainda, para Miguel e Biroli (2010), a correlação entre a igualdade formal de direitos e a ausência virtual de representantes mulheres nos espaços de poder revela a existência de barreiras estruturais e institucionais como o acesso à candidatura, o sistema eleitoral e a estrutura partidária (a qual é alvo de política de cotas em outros países, as quais visam impactar a quantidade de eleitas). Para os autores, a permanência desses fatores é observada “quando se constata que as promessas de inclusão universal não são cumpridas e que há padrões de concentração de poder que se reproduzem nas democracias existentes” (Miguel; Biroli, 2010, p.654). Outro ponto apontado pelos autores é o fato de que a vontade de participar da política eleitoral se concentra em estratos determinados da população, como as camadas com maior escolaridade e os profissionais liberais, de forma que o gênero se torna uma variável independente, pois a participação das mulheres nesse cenário se deve ao fato de ter aumentado a participação delas nesses estratos (Miguel, 2017a, 2017b). Nessa linha argumentativa, os diagnósticos que mostram a continuidade da sub-representação feminina se alinham à tese de Bourdieu (1997), pois estão associados aos fatores socioculturais que levam os homens a uma atuação predominante no espaço públi270| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes co e suas respectivas arenas de poder e de decisão. As mulheres, por sua vez, em função das estruturas de dominação masculina, permanecem como agentes sociais destinadas prioritariamente ao espaço privado e ao cotidiano doméstico (Biroli, 2016). Em suma, tanto o discurso político quanto as práticas eleitorais concorrem para a manutenção desse cenário no qual as mulheres permanecem fora do exercício de cargos públicos e da arena parlamentar (Miguel, 2000). É oportuno mencionar aqui a iniciativa da política de cotas, a fim de tentar ampliar a presença de mulheres nas arenas políticas. Apesar de não ter alcançado plenamente os resultados almejados, a adoção da política afirmativa de cotas eleitorais para mulheres no Brasil foi outra contribuição expressiva (Miguel, 2000; Araújo, 2006; Bolognesi, 2012). A construção da medida se iniciou com o projeto de lei apresentado pela então deputada Marta Suplicy (PT-SP), em 1995, discussão que resultaria mais adiante outras modificações da Lei nº 9.504/97, que garantiram a partir das eleições de 2010 uma cota de 30% das candidaturas de partidos destinadas a mulheres, assim como 10% do tempo do partido no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral. Nessa perspectiva, Rezende (2017, p.1199) refere que à demanda pela eleição de mais mulheres deve ser agregada a discussão sobre as regras e procedimentos que regulam sua atuação, uma vez que essas podem limitá-la ou torná-la mais efetiva do ponto de vista da representação de mulheres. Avaliando a distribuição de recursos legislativos (vagas em comissões legislativas e presidências de comissões e da Mesa Diretora) entre legisladoras e legisladores, pode-se constatar que essa ocorre de forma desigual. Como argumentam Marins (2018) e Hemmings (2018), ainda falta incorporar ao debate político sobre a atuação feminina no espaço público as necessárias ambivalências inerentes ao feminino. Se de um lado, a consciência pública acerca das desigualdades sexuais e de gênero tem crescido, por outro, tem havido pouca evolução nas práticas políticas que incluem as mulheres. Na maioria dos projetos políticos, elas continuam a ser cooptadas por agendas que contribuem 271| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. para manter a supremacia das estruturas políticas, a exemplo dos partidos, conforme mencionado acima. Afinal, na maioria das vezes, os partidos tomam as mulheres como agentes da política que convém aos homens (Vazquez; García, 2018). Assim, o empoderamento político das mulheres é regulado pela própria lógica da dominação masculina, aqui representada pelos partidos (Cornwall, 2018; Scott, 2018). UM BALANÇO DA PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NO CONTEXTO ELEITORAL BRASILEIRO Conforme levantamento sobre os pleitos recentes (2014 e 2016), a eleição de mulheres é considerada baixa em todas as esferas (Gráfico 1). Destaca-se o percentual de 21% de deputadas distritais, mas trata-se de um caso isolado, visto que se refere à Câmara Distrital do Distrito Federal. Em seguida estão as senadoras, com 17%, seguidas pelas vereadoras e prefeitas, com 13,49% e 11,63%, respectivamente. Gráfico 1: Representação feminina recente no cenário nacional Fontes: - Relatório “Mais Mulheres na Política”, Bancada Feminina do Congresso Nacional, 2014, 2ª ed., pg. 40. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/2a-edicao-do-livreto-mais-mulheres-na-politica Site do TSE eleições 2016 para prefeitas e vereadoras. Disponível em: <http://www. tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais>. Acesso em: 20/04/19. 272| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes No Congresso Nacional a representação feminina é historicamente muito baixa, apesar dos avanços nas eleições mais recentes. Aqui, será aprofundada um pouco mais a questão da sub-representação parlamentar no âmbito federal, pela relevância do Poder Legislativo em termos de formulação, aprovação, revisão e fiscalização de políticas públicas para as mulheres. Levantamento histórico confirma como tem sido lenta a evolução do número de cadeiras ocupadas por mulheres no Congresso Nacional. Como mostra o Gráfico 2, a sub-representação tem sido, historicamente, mais expressiva no Senado, apesar da baixa representação na Câmara também ser um dado relevante. Gráfico 2 - Mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados e Senado Federal (1932-2018) Fontes: Simões (2006) e Rocha (2015) relativo ao período de 1934-2010. Portais do SF e CD relativo ao período de 2014-2018, disponíveis em: <https://www25.senado.leg.br/web/senadores/legislaturas-anteriores/-/a/55/ por-sexo> <https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA /56 4035-BA NCA DA-FEM I N I NA-NA- CA M A R A-SOBE -DE -51-PARA-77-DEPUTADAS.html>. Acessos em: 23/04/19. Em termos percentuais, considerando-se o período mais recente, os indicadores continuam a mostrar uma representação numericamente pouco expressiva, como se lê no Gráfico 3, com percentuais máximos de 15% na Câmara dos Deputados - CD e 16% no Senado Federal - SF. 273| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. Gráfico 3- Mulheres eleitas para o Congresso Nacional (1982-2018) Fonte: Período de 1982 a 2014 no Relatório “Mais Mulheres na Política”, p. 21. Bancada Feminina do Congresso Nacional. Disponível em: https://www12.senado.leg. br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/2a-edicao-do-livreto-mais-mulheres-na-politica. * Período de 2018 portais da CD e SF. * Somando-se as 7 eleitas com as 6 que já estavam em exercício totalizam 13 senadoras que, em termos percentuais, representam 16% da composição atual do Senado Federal. Considerando o contexto recente, apresentamos um panorama sobre a representação parlamentar feminina durante a 54ª (20112015) e 55ª (2015-2019) Legislatura, com um quadro comparativo por região, estado e partido (Quadros 1, 2 e 3). Os dados mostram que, em todos os cenários e mediante todas as variáveis consideradas, a sub-representação é incontestável. 274| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes Quadro 1: A representação parlamentar por região geográfica (2011-2019) Total SF Senadoras Total de Mulheres CD+SF Total CD Deputados Deputadas Total SF Senadores Senadoras Total de Mulheres CD+SF Mulheres Total CD+SF 2015-2019 Senadores Senado Federal 2015-2019 Deputadas Câmara Federal 2015-2019 Deputados Mulheres Total CD+SF 20112015 Total CD Senado Federal 2011-2015 Região Câmara Federal 2011-2015 N 65 55 10 24 20 4 14 64 50 14 23 19 4 18 CO 41 37 4 12 10 2 6 41 37 4 12 10 2 6 NE 151 140 11 28 25 3 14 151 141 10 28 25 3 13 SE 179 164 15 12 11 1 16 180 162 18 12 10 2 20 S 77 72 5 9 7 2 7 77 72 5 9 7 2 7 Totais 513 468 45 85 73 12 57 513 462 51 84 71 13 64 Obs: Conforme Portal do Senado Federal, no período 2011-2015 houveram 85 senadores titulares em exercício, e, em 2015-2019, 84. Fonte: Elaboração dos autores, com dados dos portais da CD e do SF, 2011-2019. No caso das regiões, proporcionalmente, a região Sudeste é que a que apresenta melhor desempenho do ponto de vista quantitativo, com um total de dezesseis mulheres no Congresso Nacional no período 2011-2015, e, vinte parlamentares, no período de 2015-2019 (Quadro 1). Em relação aos estados, os que apresentam maior desempenho no Congresso Nacional, no período 2011-2015, foram: SP, ES e RJ. O primeiro com 7 congressistas e os demais com 4. Para SP, contudo, trata-se de um número pouco expressivo, em termos proporcionais, uma vez que são 73 cadeiras no Congresso Nacional (70 na CD e 3 no SF). No período de 2015-2019, as unidades federativas que mais tiveram mulheres no Congresso Nacional são SP, RJ, MG, PA, BA e TO. O primeiro com 7, o segundo com 6, o terceiro com 5, e, os três últimos, com 4 parlamentares cada (Quadro 2). No período de 2011-2105, doze estados possuem uma representante feminina no Senado Federal (AM, BA, GO, MS, PA, PR, RN, RR, RS, SP, SE, TO); de 2015-2019, além desses doze estados, 275| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. o ES também passou a ter uma senadora, como mostra o Quadro 2. Ainda, em 2011-2015, na Câmara dos Deputados os estados de MS, MT e SE não elegeram representantes femininas, e, essa situação também ocorreu no Senado Federal com relação ao AC, AL, AP, CE, DF, ES, MA, MG, MT, PB, PE, PI, RJ, RO e SC (Quadro 2). No período 2015-2019, os estados de AL, ES, MT, PB e SE não elegeram deputadas. No Senado Federal, os estados de AC, AL, AP, CE, DF, MA, MG, MT, PB, PE, PI, RJ, RO e SC não elegeram representantes femininas (Quadro 2). Quadro 2: A representação parlamentar por estado da Federação (2011-2019) UF Deputados Deputadas Total SF Senadores Senadoras Total Mulheres (CD+SF) Total CD Deputados Deputadas Total SF Senadores Senadoras Total Mulheres (CD+SF) Período 2015-2019 Total CD Período 2011-2015 AC 8 6 2 3 3 0 2 8 7 1 3 3 0 1 AL 9 7 2 3 3 0 2 9 9 0 3 3 0 0 AM 8 7 1 3 2 1 2 8 7 1 3 2 1 2 AP 8 5 3 4 4 0 3 8 5 3 4 4 0 3 BA 39 38 1 3 2 1 2 39 36 3 3 2 1 4 CE 22 21 1 3 3 0 1 22 20 2 3 3 0 2 DF 8 6 2 3 3 0 2 8 7 1 3 3 0 1 ES 10 6 4 3 3 0 4 10 10 0 3 2 1 1 GO 17 15 2 3 2 1 3 17 15 2 3 2 1 3 MA 18 17 1 3 3 0 1 18 17 1 3 3 0 1 MG 53 52 1 3 3 0 1 53 48 5 3 3 0 5 MS 8 8 0 3 2 1 1 8 7 1 3 2 1 2 MT 8 8 0 3 3 0 0 8 8 0 3 3 0 0 PA 17 16 1 4 3 1 2 17 14 3 4 3 1 4 PB 12 11 1 4 4 0 1 12 12 0 4 4 0 0 276| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes PE 25 23 2 3 3 0 2 25 24 1 3 3 0 1 PI 10 9 1 3 3 0 1 10 8 2 3 3 0 2 PR 30 28 2 3 2 1 3 30 28 2 3 2 1 3 RJ 46 42 4 3 3 0 4 46 40 6 3 3 0 6 RN 8 6 2 3 2 1 3 8 7 1 3 2 1 2 RO 8 7 1 4 4 0 1 8 6 2 3 3 0 2 RR 9 8 1 3 2 1 2 8 6 2 3 2 1 3 RS 30 28 2 3 2 1 3 31 30 1 3 2 1 2 SC 16 15 1 3 3 0 1 16 14 2 3 3 0 2 SP 70 64 6 3 2 1 7 70 64 6 3 2 1 7 SE 8 8 0 3 2 1 1 8 8 0 3 2 1 1 TO 8 7 1 3 2 1 2 8 5 3 3 2 1 4 57 513 462 51 84 71 13 64 Total 513 468 45 85 73 12 Fonte: Elaboração dos autores, com dados dos portais da CD e do SF, 2019. Obs.: Conforme dados do Portal do Senado Federal, no período de 2011-2015 estiveram em exercício 85 Senadores, e, no período 2015-2019, 84 senadores. Quanto aos partidos, as maiores bancadas também dominam do ponto de vista da representação feminina, ou seja, o PT e o PMDB, com 11 e 8 cadeiras no Congresso, no período 2011-2015, e, 10 e 8, no período 2015-2019, respectivamente, conforme o Quadro 3. Cabe explicitar que a Câmara dos Deputados se compõe de 513 deputados, eleitos pelo sistema proporcional em cada Estado e no Distrito Federal. O número de vagas de cada unidade da Federação é proporcional à população. Atualmente, cada estado pode eleger de 8 (mínimo) a 70 (máximo) deputados, conforme estabelecido pela Constituição Federal, no art. 45, com regulamentação da Lei Complementar 78, de 1993. No caso do Senado, o número de vagas é fixo, ou seja, três senadores por estado. A justificativa é que a Câmara representa a população e por isso a representação deve ser proporcional à população, enquanto o Senado representa cada unidade da Federação. 277| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. Quadro 3: A representação parlamentar por partido político (2011-2019) Total mulheres (CD+SF) Senadoras Senadores Total SF Deputadas Deputados Total CD Total mulheres (CD+SF) 2015-2019 Senadoras Total SF Senadores Deputadas Deputados Partidos Total CD 2011-2015 PMDB 70 63 7 21 20 1 8 55 49 6 20 18 2 8 PTB 18 18 0 5 5 0 0 17 16 1 2 2 0 1 PDT 15 13 2 4 4 0 2 20 19 1 4 2 2 3 PT 83 75 8 12 9 3 11 62 54 8 9 7 2 10 DEM 25 24 1 6 4 2 3 41 39 2 4 3 1 3 PCdoB 15 9 6 2 1 1 7 10 5 5 1 1 0 5 PSB 29 24 5 5 4 1 6 25 23 2 5 3 2 4 PSDB 51 48 3 13 11 2 5 52 46 6 11 11 0 6 PTC 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 PSC 13 11 2 1 1 0 2 7 6 1 0 0 0 1 PMN 1 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 PRP 2 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 PPS 8 8 0 0 0 0 0 8 6 2 0 0 0 2 PV 9 8 1 0 0 0 1 3 2 1 0 0 0 1 PTdoB 3 2 1 0 0 0 1 0 0 0 1 0 1 1 PP 42 39 3 5 4 1 4 52 51 1 5 4 1 2 PSTU 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 PCB 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 PRTB 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 PHS 0 0 0 0 0 0 0 4 3 1 0 0 0 1 PSDC 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 PCO 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 PTN 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 PSL 0 0 0 0 0 0 0 8 8 0 0 0 0 0 278| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes PRB 10 10 0 1 1 0 0 20 18 2 0 0 0 2 PSOL 3 3 0 2 1 1 1 6 5 1 1 0 1 2 PR 31 29 2 5 5 0 2 41 36 5 5 5 0 5 PSD 41 40 1 1 1 0 1 35 34 1 4 4 0 1 PPL 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 PEN 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 PROS 19 17 2 0 0 0 2 9 7 2 0 0 0 2 SDD 21 Cidada- 0 nia Avante 0 21 0 0 0 0 0 9 9 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 2 2 0 0 0 0 0 0 0 0 5 5 0 0 0 0 0 Rede Podemos Patriotas SEM PARTIDO 0 0 0 0 0 0 0 2 2 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 16 13 3 4 3 1 4 0 0 0 0 0 0 0 4 4 0 0 0 0 0 2 2 0 1 1 0 0 1 1 0 4 4 0 0 TOTAIS 513 468 45 85 73 12 57 513 462 51 84 71 13 Fonte: Elaboração dos autores, com dados dos portais da CD e do SF, 2019. 64 METODOLOGIA Esta seção descreve os procedimentos metodológicos utilizados por esse artigo para a análise descritiva de como as mulheres avaliam a sua representação no âmbito do legislativo brasileiro. Para execução da análise foi elaborado um questionário possuindo 10 questões abertas de múltiplas escolhas (ver apêndice), na qual a respondente poderia em algumas questões escolher uma ou mais respostas. Por sua vez, a unidade de análise foi constituída de mulheres eleitoras, ou seja, acima de 16 anos. Segundo a Justiça Eleitoral, nas eleições de 2018 as mulheres representavam 53% do eleitorado, ou seja, 76.534.83 eleitoras (TSE, 2018). Portanto, foi calculada uma amostra não-probabilística com base no modelo de cálculo amostral de Kish (1995), com intervalo de 279| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. confiança de 95% e variância máxima (p=0,5): Onde n é o tamanho da amostra, N é o tamanho da população e e especifica o erro amostral, dado por 1-precisão. Com base nesse cálculo obtivemos as metas amostrais que constam na tabela abaixo, com uma amostragem de 400 respondentes: Tabela 1– Cálculo Amostral Tamanho da População N 7.348.450 e 0,05 e² 0,0025 95% Tamanho da Amostra n= 400 Fonte: Elaboração própria, com base em Kish (1995). Apesar de não ser representativa, a amostra final incluiu mulheres das cinco regiões geográficas do Brasil, com idade de 16 a 60 anos, com vários níveis de renda e escolaridade. A aplicação do questionário se deu mediante divulgação nas redes sociais digitais, como Facebook, Twitter e WhatsApp. O período de aplicação do questionário foi de 01 a 30 de março de 2019. Os surveys eletrônicos ou websurveys constituem uma emergente modalidade de pesquisa, cuja amostragem não-probabilística é definida como sendo do tipo bola de neve (Baltar; Brunet, 2012). A denominação se deve à difusão dos questionários pelas redes de contato dos respondentes, sendo que cada um repassa para seus amigos virtuais e assim sucessivamente. Embora haja limitações, trata-se de um instrumento importante para o acesso às pessoas distantes, como no caso da pesquisa em questão, cujas informantes estão dispersas em todo o país. Devido às reconhecidas limitações dos websurveys, 280| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes adotamos como medida para reduzir os vieses (bias), a duplicação da amostragem final, totalizando 812 informantes. Por fim, as técnicas utilizadas neste trabalho foram estatística descritiva e correlação de Pearson. A análise de dados utilizou o software estatístico R Studio (versão 1.2.1335) e tabuladas e analisadas pelo Microsoft Office Excel 2013. Visando a replicabilidade dos dados (King, 2015) e prol da transparência da comunidade científica, o banco de dados utilizado encontra-se disponíveis através do OSF2. ANÁLISE DOS DADOS O Gráfico 4 e Tabela 2 mostram um panorama do perfil das informantes da pesquisa, com todas as faixas etárias contempladas, todos os níveis de escolaridade, renda e região. Quanto à idade, é mais expressivo o segmento de 21 a 49 anos. No item escolaridade prevalecem ensino médio e curso superior incompleto. Prevaleceram respondentes da região sudeste (26%) e nordeste (23,7%) (Gráfico 4). Gráfico 4 – Perfil das informantes Fonte: dados da pesquisa 2 Este banco encontra-se está disponível on-line em: <https://osf.io/zup2b/?view_only=27c3ee9b2fd4440393f80e7f92ed3c29> . Acessado em 26 de agosto de 2020. 281| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. A Tabela 2 mostra que as informantes possuem como ocupação principal serem estudantes (25,2%), do lar (17,6%), empregadas do setor privado (15,5%) e servidoras públicas (12,8%), além de aposentadas (11,7%) e desempregadas (9,1%) (Tabela 2). Tabela 2 – Ocupação das informantes OCUPAÇÃO N % Estudante 193 25,2 Do lar 135 17,6 Empregada setor privado 117 15,5 Servidora pública 98 12,8 11,7 Aposentada 90 Desempregada 70 9,1 Não informado 46 5,6 812 100 TOTAL Fonte: Dados da pesquisa. A Tabela 3 mostra que há quase unanimidade das informantes quanto à percepção de que o atual percentual de mulheres no Congresso Nacional é insatisfatório. Somando as duas principais alternativas (totalmente insatisfatório e insatisfatório) temos 98,10%. É oportuno esclarecer que no enunciado da pergunta, o questionário apresentava a informação que a Bancada Feminina representava 10% do total de deputados e senadores na época da aplicação do questionário. Tabela 3 – Avaliação sobre o percentual de mulheres que ocupam cadeiras no parlamento RESPOSTAS N % O número é totalmente insatisfatório 598 73,3 O número é insatisfatório 200 24,8 O número é satisfatório 6 0,7 Não sei avaliar 4 0,5 Sem resposta 4 0,5 812 100 TOTAL Fonte: Dados da pesquisa. 282| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes Essa avaliação se refere aos três níveis legislativos: atuação da câmara de vereadores, de assembleias legislativas e do Congresso Nacional, conforme Gráfico 5. Gráfico 5 – Percentual de Satisfação da Participação Feminina com a atuação da Câmara Municipal, da Assembleia Legislativa e do Congresso Nacional Fonte: Dados da pesquisa. Foram feitas correlações entre as variáveis socioeconômicas das correspondentes com suas percepções sobre representação feminina no nível da Câmara dos Vereadores, Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional. A Tabela 4 abaixo sumariza os principais achados. Tabela 4 – Correlação entre percepção de atuação sobre representação das políticas das mulheres na Câmara dos Vereadores, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional com a Renda Percepção de representação política das mulheres Câmara dos Vereadores Assembleia Legislativa Congresso Nacional Fonte: Dados da pesquisa *Nível de significância de % 5. Renda -0.195* -0.169* 0.230* Como podemos observar, quando correlacionamos a avaliação da atuação da Câmara dos Vereadores em relação à represen283| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. tação da política das mulheres com a renda, temos uma correlação estatisticamente positiva fraca de 0.195 (p-valor<0.05). Também na mesma direção, quando correlacionamos a percepção de atuação do Congresso Nacional sobre a representação política das mulheres e renda temos uma correlação estatisticamente positiva de 0.230 (p-valor<0.05). Ou seja, tanto a percepção de representação política das mulheres em nível municipal, quanto nacional correlacionadas com a sua renda, é muito baixa. Entretanto, quando analisamos a mesma percepção em nível estadual com a renda, temos uma correlação negativa fraca de -0.169 (p-valor<0.05). Isto é, quanto maior renda, mais negativa é percepção de atuação das Assembleias Legislativas em relação à representação política das mulheres. É bastante elevado o percentual de informantes que declarou ter votado em mulheres nas eleições mais recentes, com 71,7%, como demonstrado na Tabela 5. Esse dado é aparentemente coerente com a percepção de que a quantidade de deputadas e senadoras é insatisfatória. Entretanto, o percentual de respostas daquelas que afirmaram ter votado em mulheres para esses dois cargos (deputadas federais 11,3% e senadoras 2,8%) é muito baixo (Tabela 6), revelando uma incoerência entre o discurso e o voto efetivo. Tabela 5 - Nas eleições mais recentes, você votou em mulheres? RESPOSTAS N % Sim 576 71,7 Não 222 27,6 Não lembro 5 0,6 Sem resposta 9 1 812 100 TOTAL Fonte: Dados da pesquisa. Talvez pelo maior número de candidatas ao cargo de vereadora, este seja o cargo mais votado pelas respondentes, com 74,4%, como exposto na Tabela 6. Depois aparecem as prefeitas, deputadas estaduais e deputadas federais. Isso se explica também pelo percen284| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes tual de candidaturas, que é muito maior no caso de vereadoras do que dos demais cargos. Tabela 6 - Se você votou em mulheres nas eleições mais recentes, indique o cargo RESPOSTAS N % Vereadora 506 74,4 Prefeitas 117 17,2 Deputadas estaduais 91 13,4 Deputadas federais 77 11,3 Presidente da República 76 11,2 Nenhuma 75 11 Senadoras 19 2,8 Governadoras 10 1,5 971 100 TOTAL3 Fonte: Dados da pesquisa. Apesar da baixa presença de mulheres nas instituições políticas, elas parecem exercer uma atuação política com ampla visibilidade para as eleitoras. Como se lê na Tabela 7, 29,83% das respondentes afirmaram conhecer vereadoras, 21,42% conhecem deputadas estaduais e 15,50% conhecem deputadas federais. A despeito da grande visibilidade do cargo de Presidente da República, exercido até 2016 pela ex-presidente Dilma Rousseff, apenas 2,74% das eleitoras marcaram tal alternativa. Talvez a explicação seja o fato de se tratar de ex-presidente, ou seja, que não estava mais em exercício no momento de aplicação do questionário. Em termos percentuais, 2,89% das respondentes afirmou conhecer governadoras, e isso parece ser um percentual baixo, entretanto, ressalva-se que há apenas uma governadora em exercício em 2019 (Tabela 7). 3 As respondentes podiam marcar mais de um cargo. 285| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. Tabela 7 - Você conhece mulheres que ocupam cargo público? RESPOSTAS N % Vereadoras 610 29,83 Deputadas estaduais 438 21,42 Deputadas federais 317 15,50 Prefeitas 262 12,81 Senadoras 252 12,32 Governadoras 59 2,89 Presidente da República 56 2,74 Nenhuma 47 2,30 Sem resposta 4 0,20 TOTAL 2045 100 Fonte: Dados da pesquisa. As informantes podiam marcar várias alternativas. Como exposto na Tabela 8 é expressivo o percentual de informantes que consideram que “Mulheres eleitas representam melhor o eleitorado do que os homens”, com 64,7%. As eleitoras que avaliam que não faz diferença se o representante eleito é homem ou mulher representam 35,2% da amostra. O expressivo percentual relativo à opinião de que mulheres representam melhor o eleitorado feminino do que homens correlaciona-se tanto com a noção de perspectiva social (Young, 1990), quanto de política de presença (Phillips, 2001). Tabela 8 - Em relação à representação política, ou seja, como parlamentares atuam em prol de seu eleitorado, você considera que RESPOSTAS N % Mulheres eleitas representam melhor o eleitorado do que os homens Para mim não faz diferença se o representante é homem ou mulher na representação do eleitorado feminino Homens eleitos representam melhor o eleitorado feminino Sem resposta TOTAL Fonte: Dados da pesquisa. 515 64,7 280 1 4 812 35,2 0,1 0,5 100 286| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes As eleitoras reproduzem os estereótipos da representação feminina associados à chamada política do cuidado ou política do desvelo (Miguel, 2001, 2012). Essa percepção é expressa na Tabela 9, com ampla margem de respostas relativas a temas como família, cultura, educação, saúde e meio ambiente. Para o autor, essa visão institui e reproduz um estatuto moral diferenciado para as mulheres. Trata-se, portanto, de uma visão que trata a atuação política feminina como algo desinteressado e altruísta, resultado de uma socialização política diferenciada e diminuída, limitando-se ao cuidado, um treinamento social que se inicia na vida doméstica. No entanto, essa visão estereotipada funciona como uma mola estrutural para perpetuar “a inserção subordinada das mulheres no mundo da política, na medida em que o cartão de ingresso é exatamente a negação da ação em defesa dos próprios interesses” (Miguel, 2001, p.253). Essa visão estereotipada reforça a tendência de “guetização” da atuação política feminina, fruto de uma divisão sexual do trabalho legislativo que restringe a participação das mulheres a alguns temas de menor prestígio no âmbito da organização interna das casas legislativas. Assim, as mulheres permanecem como “estranhas no ninho”, sem voz e sem poder de decisão no que se refere aos grandes temas da agenda legislativa. A atuação delas se limita à chamada soft politics em detrimento da hard politics (Marques; Lima, 2018). É oportuno mencionar ainda as contribuições críticas de Tronto (1993) sobre o tema em questão. O autor contesta a associação automática do cuidado com a atuação das mulheres. Em sua visão, estabeleceu-se de forma equivocada uma visão generalizada que associa diretamente as mulheres ao cuidado, sem base histórica ou empírica. Afinal, conforme sua análise, os homens também exercem atividades diretamente vinculadas ao cuidado, como os médicos, psicólogos, psiquiatras, entre outras profissões. Logo, sua conclusão é que a referida generalização cumpre uma função ideológica, na medida em que perpetua formas estereotipadas de exploração de gênero. 287| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. Tabela 9 - Temas em relação aos quais as mulheres são melhores na atuação parlamentar TEMAS Família Cultura Educação Saúde Meio Ambiente Turismo Trabalho e Emprego Direitos Humanos e Minorias Direito e Justiça Esportes Defesa do Consumidor Ciência e Tecnologia Fiscalização e Controle Orçamento público Sistema Eleitoral Segurança Pública Transportes Relações Exteriores e Defesa Nacional Agricultura e Pecuária Indústria e Comércio Minas e Energia TOTAL 4 Fonte: Dados da pesquisa. N 709 596 551 335 314 209 141 106 101 59 59 44 39 37 30 30 29 25 25 23 19 3481 % 89,4 75,2 69,5 42,2 39,6 26,4 17,8 13,4 12,7 7,4 7,4 5,5 4,9 4,7 3,8 3,8 3,7 3,2 3,2 2,9 2,4 100 A atuação das representantes femininas no campo da formulação de políticas públicas em prol das mulheres é o que as informantes consideram mais relevante, conforme mostra a Tabela 10. Essa percepção corresponde às alternativas “Votar a favor de projetos que favoreçam as mulheres” (85,3%) e “Apresentar projetos de leis com temática específica em relação à mulher” (74,6%). Ambas correspondem também à função de legislar. Essa perspectiva se explica certamente pelo déficit normativo no que se refere à defesa e proteção dos direitos das mulheres, além da lentidão da tramitação de propostas voltadas para esse fim (Barros, 2015). Conforme o autor, algumas das bandeiras da chamada 4 As respondentes podiam marcar mais de um tema. 288| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes “bancada do batom”, na época da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), levaram décadas para serem aprovadas, como o combate à violência doméstica, com a Lei Maria da Penha, em 2006. Convém salientar que até a denominação “bancada do batom” é pejorativa e depreciativa. Tabela 10 - O que você considera mais importante para um parlamentar eleito (homem ou mulher) ser considerado um bom representante das mulheres? RESPOSTAS N % Votar a favor de projetos que favoreçam as mulheres Apresentar projetos de leis com temática específica em relação à mulher 681 85,3 591 74,1 Defender os direitos das mulheres em seus discursos Participar de movimentos sociais que defendam causas das mulheres 268 33,6 256 32,1 Empregar mulheres em seu gabinete 39 4,9 1835 100 TOTAL 5 Fonte: Dados da pesquisa. É baixo o percentual de informantes que conhece partidos políticos que defendam os direitos das mulheres. A Tabela 11 revela que apenas 10% respondeu afirmativamente. Tabela 11 - Você conhece algum partido político que defenda os direitos das mulheres? RESPOSTA Não Não sabe especificar Sim Sem resposta TOTAL Fonte: Dados da pesquisa. N 394 322 87 9 812 % 49,1 40,1 10,8 1,1 100 Os partidos mais citados são todos considerados de esquerda: PT, PSOL e PCdoB, conforme exposto na Tabela 12. Esses resultados reforçam a perspectiva de perda de centralidade dos partidos políticos no que se refere à conexão com os in5 As respondentes podiam marcar mais de um fator. 289| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. teresses dos eleitores e a personalização da política. Embora ainda sejam considerados “guardiães da democracia” (Levitsky; Ziblat, 2018), há uma generalizada falta de confiança na atuação dos partidos, percebidos pela população como agentes de corrupção política, motivados apenas pelos próprios interesses (Barros; Martins, 2018). Tabela 12 – Partidos mencionados PARTIDO PT PSOL PCdoB PMDB PSDB PMB PV PSC REDE PDT PTdoB PSTU PRB TOTAL Fonte: Dados da pesquisa. N 31 31 15 5 4 4 3 2 2 1 1 1 1 101 % 30,7 30,7 14,9 5,0 4,0 4,0 3,0 2,0 2,0 1,0 1,0 1,0 1,0 100 A fragmentação partidária é outro fator que contribui para o baixo conhecimento da população acerca dos partidos, cujo total registrado na Justiça Eleitoral atualmente é de 35 legendas (Speck; Campos, 2014). CONCLUSÕES O artigo teve como objetivo realizar um estudo exploratório sobre a percepção das eleitoras acerca da representação política feminina. Esse ângulo de análise tem como mérito a possibilidade de exame da atuação política de mulheres sob a ótica das cidadãs que, em tese, poderiam se beneficiar da presença feminina na política, es290| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes pecialmente no parlamento. Afinal, ninguém melhor do que as próprias mulheres para avaliarem como elas se sentem representadas na política, quando se trata do sistema representativo eleitoral. Os resultados mostram que a percepção dominante é a de que o sistema representativo é excludente no que se refere à atuação das mulheres nas casas legislativas. Isso se reflete no percentual de respostas de 98,10% de que a representação feminina no Congresso Nacional é insatisfatória. Tal insatisfação também contempla os legislativos municipais e estaduais, levando à conclusão de que o sistema representativo está em desacordo com os anseios das eleitoras em todos os níveis e não apenas no que se refere ao Congresso Nacional. O que se deduz das percepções das informantes é que elas sentem falta de uma política de presença mais intensa das mulheres, a fim de proporcionar um debate capaz de incorporar a perspectiva social do eleitorado feminino. Esses dados remetem ao amplo debate existente na literatura sobre essa questão, conforme foi abordado na primeira parte do texto. Se essa discussão ocupa um espaço privilegiado na agenda de pesquisa sobre representação política feminina, a pesquisa mostra que a relevância dessa agenda já faz parte também do repertório discursivo das eleitoras brasileiras. Trata-se, portanto, de um sinal positivo, em termos de efetividade do debate público sobre o tema. Quanto ao que elas consideram mais relevante do ponto de vista da atuação de seus/suas representantes, destaca-se a função de legislar, ou seja, apresentar e aprovar projetos em favor dos direitos e dos interesses das mulheres. Como já foi ressaltado, essa visão reflete a deficiência de legislação com esse propósito, além do baixo interesse interno das instituições legislativas pela agenda que contempla temas de interesse das mulheres. Além disso, essa agenda enfrenta dificuldade no que diz respeito à celeridade da tramitação. Chama atenção a reprodução da visão estigmatizada da atuação das mulheres no campo da política do cuidado, reduzindo a atuação delas a uma agenda de menor importância no âmbito geral da política. Soa paradoxal, portanto. Ao mesmo tempo que as informantes percebem a sub-representação feminina, concordam com uma atuação que segue os cânones patriarcais e machistas da “guetização” da 291| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. atuação das mulheres. Temas como família, cultura e educação são apontados como especialidades femininas, reproduzindo a polarização entre a soft politics como o campo delas e a hard politics como o campo masculino. Destaca-se ainda a falta de identificação partidária das informantes. Apenas 10,8% responderam que conhecem partidos que defendem direitos das mulheres. Entre as legendas apontadas destacam-se as agremiações de esquerda, reforçando os estudos que mostram maior afinidade dessas agremiações com as perspectivas feministas, a defesa de maior representação feminina e uma agenda voltada para os direitos e os interesses desse segmento (Pinto, 2018; Rezende, 2017). Convém ressaltar que mesmo no caso dos partidos de esquerda a identificação das eleitoras consultadas é baixa. Considerando a existência de 35 legendas atualmente registradas na Justiça Eleitoral e a amplitude do espectro ideológico de tais agremiações, os dados mostram que esses partidos estão muito distantes dos anseios e das aspirações políticas das mulheres. A falta de prioridade para a inclusão das mulheres na política partidária e o baixo interesse em construir uma agenda política capaz de contemplar os interesses do eleitorado feminino certamente constituem obstáculos evidentes ao aperfeiçoamento da representação feminina na política brasileira. REFERÊNCIAS ÁLVARES, M. L. 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Deputadas estaduais Deputadas federais Prefeitas Senadoras Governadoras Presidente da República Nenhuma 3) Em relação à representação política, ou seja, como parlamentares atuam em prol de seu eleitorado, você considera que: Mulheres eleitas representam melhor o eleitorado do que os homens Para mim não faz diferença se o representante é homem ou mulher na representação do eleitorado feminino Homens eleitos representam melhor o eleitorado feminino 4) Marque os temas em relação aos quais você considera que as mulheres são melhores na atuação parlamentar Família Cultura Educação Saúde Meio Ambiente Turismo Trabalho e Emprego Direitos Humanos e Minorias Direito e Justiça Esportes Defesa do Consumidor Ciência e Tecnologia Fiscalização e Controle Orçamento público Sistema Eleitoral Segurança Pública Transportes Relações Exteriores e Defesa Nacional Agricultura e Pecuária Indústria e Comércio Minas e Energia 5) Nas eleições mais recentes, você votou em mulheres? Sim 298| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Antonio Teixeira de Barros; Elisabete Busanello; Anderson Henrique da Silva; Antonio Alves Torres Fernandes Não Não lembro 6) Se você votou em mulheres nas eleições mais recentes, indique o cargo Vereadora Prefeitas Deputadas estaduais Deputadas federais Presidente da República Senadoras Governadoras Nenhuma 7) Indique o que você considera mais importante para um parlamentar eleito (homem ou mulher) ser considerado um bom representante das mulheres Votar a favor de projetos que favoreçam as mulheres Apresentar projetos de leis com temática específica em relação à mulher Defender os direitos das mulheres em seus discursos Participar de movimentos sociais que defendam causas das mulheres Empregar mulheres em seu gabinete 8) Como você avalia a atuação da Câmara Municipal de vereadores de sua cidade em relação à representação política das mulheres? Pouco satisfatória Nada satisfatória Medianamente satisfatória Satisfatória Completamente satisfatória 9) Como você avalia a atuação da Assembleia Legislativa de seu estado em relação à representação política das mulheres? Pouco satisfatória Nada satisfatória Medianamente satisfatória Satisfatória Completamente satisfatória 10) Como você avalia a atuação do Congresso Nacional em relação à representação política das mulheres? 299| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020 Representação política feminina sob a ótica das eleitoras brasileiras. Pouco satisfatória Nada satisfatória Medianamente satisfatória Satisfatória Completamente satisfatória 300| Século XXI, Revista de Ciências Sociais, v.10, no 1, p.263-300, jan./jun. 2020