OPSIS - Revista do NIESC, Vol. 5, 2005
DO ROMANCE FOLHETINESCO ÀS TELENOVELAS
Maria Imaculada Cavalcante1
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo traçar
um rápido percurso do processo de
transformação do romance folhetinesco,
desde a sua veiculação pelos jornais
brasileiros do século XIX, passando pelas
radionovelas dos anos 40 do século XX,
à vitória das telenovelas que, nas quatro
últimas décadas, vêm se tornando o
produto mais marcante da narrativa de
massa do Brasil.
ABSTRACT
This work aims at draw up a route of the
serial
novel’s
(roman-feuilleton)
transformation since its transmission by
Brazilian newspapers of the 19th century,
going by the 40s’ radio soap of the 20th
century to the victory of soap operas
that, in the last four decades, are being
the most important product of mass
narrative in Brazil.
O romance folhetinesco surge na França do século XIX, em
pleno movimento romântico, estreitamente ligado à literatura de massa,
sendo que o produto dessa literatura encontra-se diretamente
relacionado ao mercado consumidor. Para entendermos esse fato,
precisamos compreender as profundas mudanças ocorridas na sociedade
européia a partir da segunda metade do século XVIII. Com a revolução
burguesa e industrial, surgia uma sociedade móvel, aberta às
possibilidades de mudanças. Construía-se um mundo mercantilizado,
onde tudo, até mesmo as artes, transformavam-se em mercadoria, em
objeto de compra e venda.
Daí a necessidade que sentiam os escritores da primeira
metade do século XIX em retratar essa nova forma de pensar a arte. O
desafio colocado para eles era a representação do todo social e seu
processo de mudança. Cabia à literatura criar uma nova imagem do
mundo social que se adequasse às novas demandas da produção e
circulação de mercadoria. O produto da literatura deveria, também,
transformar-se em material de consumo, agradável e vendável ao público
consumidor dos centros urbanos.
Dessa nova forma de se pensar a literatura, podemos citar
como exemplo o francês Eugène Sue, um dos pioneiros do romance
folhetinesco, autor de folhetins de sucesso como Mistérios de Paris e O
1
Professora Doutora, leciona Literatura Brasileira no Curso de Letras do Campus de
Catalão - UFG. Cursou Mestrado em Teoria da Literatura, na Universidade Federal
de Goiás e Doutorado na Universidade Estadual Paulista-Campus de Araraquara,
defendendo tese sobre o poeta romântico Álvares de Azevedo.
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judeu errante. Em seus romances, Sue procurou combinar a ficção com
o fato real. Tentou satisfazer o gosto do leitor consumidor criando
obras de imaginação e de intrigas que o distraísse, tornando as histórias
divertidas e variadas, sem fugir, contudo, da veracidade dos fatos. Na
verdade, suas narrativas se baseavam na transferência romanesca daquilo
que o leitor já acompanhava pelos jornais e revistas. O lugar-comum
tornou-se o traço marcante desse tipo de romance, sem nenhum traço
de originalidade literária, atendendo a todo tipo de leitor, dos mais aos
menos avisados literariamente.
Segundo Luiz Roncari “Eugène Sue se propunha a escrever
uma outra história, diferente daquela oficialmente estabelecida, veiculada
pelos organismos reconhecidos pelo Estado e pela boa
sociedade”.(1995:481) É por isso que os romances de Sue
transformaram-se no modelo de literatura folhetinesca, intimamente
ligados à diversão e ao entretenimento. Apesar de ter obtido grande
sucesso popular, sua obra foi ignorada pela crítica, por não fugir ao
lugar-comum da técnica romanesca.
Essa nova forma de contar histórias tem, no jornal, o seu
veículo natural de publicação. O folhetim é, desde o seu nascimento, o
romance publicado no rodapé dos jornais, por sua vez, vendidos a
preços baixos e com grande tiragem, sofrendo grande influência da
produção jornalística voltada para o gosto do público urbano. Segundo
Muniz Sodré:
A expressão (roman-feuilleton) origina-se no
jornal La Presse, de Émile de Girardin, por
volta de 1836. O La Presse simboliza a
imprensa industrializada francesa do século XIX,
pelo uso mais racional da publicidade e de
técnicas avançadas de impressão. A essa
imprensa de grande tiragem, germe da moderna
indústria cultural, nasce atrelado o folhetim –
aquilo que Flaubert chamaria (em Bouvard et
Pécuchet) de “literatura industrial”. Trata-se,
na verdade – vale acrescentar -, de uma literatura
não legitimada pela escola ou por instituições
acadêmicas, mas pelo próprio jogo de mercado.
(Sodré,1985: 10, grifos do autor)
A partir do aparecimento do romance folhetinesco, surgem
diferentes abordagens críticas da produção literária, o que vem a se
caracterizar em “literatura culta” e ‘literatura de massa”. Como sinônimo
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desta última, temos as expressões “folhetim” e, atualmente, “best-seller”.
Apesar dessa diferenciação entres as duas literaturas, nada impede que
uma literatura “culta” possa tornar-se popular e alcançar altos índices
de vendagem, ao mesmo tempo que uma literatura de massa pode
conter um certo grau de literariedade, sendo também consumida por
leitores cultos. Mas o que caracteriza essa literatura de massa é a sua
estreita relação com o consumo, sem ligar-se a nenhuma escola literária.
O seu estímulo de produção está atrelado ao jogo econômico do
mercado editorial. Todavia, nesse estudo em particular, não nos interessa
tecer considerações entres esses dois tipos de literatura, mas estabelecer
o processo de transformação do romance folhetinesco do século XIX,
passando pelas radionovelas e chegando às telenovelas brasileiras.
No Brasil, o gosto pela leitura de romances veio antes do
surgimento de uma produção romanesca nacional. Difundiu-se aqui,
o gosto pela leitura de romances europeus, principalmente os franceses,
ganhando um público maior, justamente pelo interesse comercial de
editores e autores, que viam na ampliação de vendagem, maiores
possibilidades de faturamento. No entender de Luiz Roncari:
Foi a difusão do gosto e interesse pelo romance,
numa camada receptiva que se ampliava,
principalmente junto ao público feminino das
famílias das capitais, que levou muitos a se
dedicarem ao gênero. Ao longo das décadas de
30 e 40 do século XIX, foram vários os poetas
e intelectuais que experimentaram o trabalho
com a prosa, a novela curta e o romance, ainda
mais quando os jornais passaram a publicar, nos
seus rodapés, os folhetins. (Roncari, 1995: 487).
Confirmando as palavras de Roncari, Alfredo Bosi afirma
que o público leitor brasileiro do século XIX era mais restrito que o
atual, contudo, um público à procura de entretenimento, pois “eram
moços e moças provindos das classes altas, e, excepcionalmente, média;
eram os profissionais liberais da corte ou dispersos pelas
províncias.”(Bosi, 1994:128). Em 1843 Teixeira e Sousa publicou o
que é considerado o primeiro romance brasileiro O filho do pescador. Mas
o grande sucesso veio no ano seguinte, 1844, com a publicação de A
moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo. José de Alencar2, num escrito
memorialístico de 1873, referiu-se ao romance de Macedo como sendo
2
ALENCAR, José de. “Como e porque sou romancista”. In: Obra Completa, Rio de
Janeiro: Aguilar, 1960, vol. 1, p. 132-134.
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de grande repercussão e sucesso junto a ele e a seus colegas estudantes
de direito em São Paulo.
No Brasil, a literatura culta do século XIX é indissociável da
literatura folhetinesca, pois os jornais eram quase que os únicos meios
de publicação da produção literária da época, pelo fato de praticamente
não existirem editoras especializadas em publicação de livros, e também
porque o jornal era mais barato e, portanto, mais acessível que o livro.
Romances que não tinham características estruturais de folhetim foram
publicados em jornal, e alguns, sem conseguir alcançar sucesso de
público, como foi o caso de Memórias póstumas de Braz Cubas, de Machado
de Assis, dentre outros.
A imprensa oficial surge no Brasil só a partir do século XIX,
com a vinda da Família Real para a Colônia. Ao chegar no Rio de
Janeiro, em 1808, Dom João VI decretou a criação da Imprensa Régia,
revogando uma ordem de 1706 que proibia a impressão de panfletos,
jornais, revistas, livros, papéis avulsos, enfim, qualquer tipo de edição
no Brasil. Só circulava, clandestinamente, nos grandes centros, alguns
diários de notícias e panfletos que, segundo Capelato “esses pequenos
jornais tinham duração efêmera” (1988, p.38). Portanto, a nossa primeira
editora foi estatal: a Imprensa Régia. Tardiamente ingressávamos na
atividade editorial. De acordo com Gustavo Barbosa:
Depois do México, 1520, o Peru publicava seu
primeiro livro em 1584, os Estados Unidos em
1639, a Guatemala em 1660, a Argentina em
1700, Cuba em 1723 e a Colômbia em 1738. É
de 1747 o primeiro livro impresso no Brasil:
Exame de bombeiros. Seu autor, o general José
Fernandes Pinto Alpoim, obteve licença régia
para publicá-lo, 70 anos antes da abertura política
e econômica promovida por Dom João VI.
(Barbosa,1984: 68)
Não foi esse livro sobre técnica de como apagar incêndios
que fez com que a publicação de livros se tornasse a expressão de
nossas letras. O romance romântico sim, através das publicações
constantes em jornais, fez do folhetim o instrumento que ingressou o
país em uma nova ordem cultural. Os escritores do Romantismo, com
seus ideais nacionalistas, voltaram-se para os problemas de seu tempo
e do seu país.
O romance do século XIX, no Brasil, mesmo sofrendo a
influência da literatura produzida nos países europeus, principalmente
a França, seguiu seu próprio caminho, ajustando-se à realidade política
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e econômica da época. O desenvolvimento e a popularização de nossa
literatura deveu-se, principalmente, à transferência da família Real e
toda a sua corte de Portugal para o Rio de Janeiro, em 1808, então
capital da Colônia, provocando algumas mudanças de ordem geral no
cotidiano do brasileiro, e que contribuíram para o desenvolvimento
cultural da nação: o funcionamento de tipografias, até então proibidas
na colônia; a fundação da Biblioteca Nacional; a criação da Imprensa
Régia; a implantação de escolas de Ensino Superior e a fundação da
Academia de Belas Artes. Todas essas inovações resultaram em grandes
transformações, levando o país a se inserir no mundo moderno e
divulgando os novos ideais apregoados pelo movimento romântico, já
consolidado na Europa.
Os primeiros jornais aqui publicados foram a Gazeta do Rio
de Janeiro e o Correio Brasiliense, que circularam entre 1808 a 1822. A
primeira revista foi O Patriota, editada entre 1813 e 1814. A partir daí,
com a liberdade do prelo, foram criados jornais por todo o país,
envolvendo intelectuais das mais diversas áreas de conhecimento. Os
jornais estudantis também apareceram com bastante freqüência, visto
ser a Academia o lugar privilegiado para a discussão dos novos caminhos
tomados pelo país. Os jovens intelectuais brasileiros se encontravam
nas academias, principalmente nas Faculdades de Direito de São Paulo
e Recife, e buscavam o reconhecimento literário ao divulgar seus
trabalhos nesse meio de comunicação.
O espaço conseguido pelos escritores na imprensa criou
condições para o rápido desenvolvimento de nossa literatura romântica.
Os jovens escritores encontraram um clima propício para a elaboração
de uma literatura nova, não mais aos moldes de Portugal, mas inspirados
na literatura européia, principalmente a francesa, a inglesa e a alemã.
De escritores como Alexandre Dumas, Charles Dickens, Walter Scott e
outros, partiram receitas aqui adaptadas. E nessa linha folhetinesca,
enquadram-se romances de Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo
Guimarães, José de Alencar e outros.
Segundo Alfredo Bosi, o gênero por excelência do século
XIX foi o romance, principalmente o romance de costume burguês,
alcançando um público ávido de leituras que revelassem as novas
condições de vida do homem:
Gênero entre todos contemplado foi o
‘romance’, “a revolução literária do Terceiro
estado” (Debenedetti). Os ingleses, que se
anteciparam ao resto da Europa na marcha da
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Revolução Industrial, já dispunham, no século
XVIII, de narradores de costumes burgueses
(Fielding, Richardson); os românticos
acresceram-lhes a ficção histórica (Scott,
Manzoni, Dumas, Hugo, Herculano) e o
romance egótico-passional (Stendhal, Lamartine,
George Sand, Garrett, Camilo), for mas
acessíveis ao novo público leitor composto
principalmente de jovens e de mulheres, e
ansioso de encontrar na literatura a projeção dos
próprios conflitos emocionais. O romance foi,
a partir do Romantismo, um excelente índice
dos interesses da sociedade culta e semiculta do
Ocidente. A sua relevância no século XIX, se
compararia, hoje, à do cinema e da televisão.
(Bosi, 1994: 97, grifos do autor).
Esse novo leitor queria algo ligado a seu cotidiano, desejava
reconhecer a própria história romanceada, o que propiciou o
desenvolvimento de uma literatura que viesse ao encontro do anseio
de evasão desse público. Daí o porquê do romance folhetinesco ter
alcançado grande sucesso. Contudo, ao atender o gosto do leitor popular,
quase sempre, este gênero sofreu um empobrecimento estético, visto
que esse público estava à procura de entretenimento, fato “que explica,
quase sempre a polaridade realismo-idealismo que acompanha o
romance da época” (Bosi, 1994: 129). O primeiro romance folhetinesco
brasileiro a fazer sucesso de público foi A moreninha, de Joaquim Manuel
de Macedo. Macedo foi um exemplo típico de escritor folhetinista,
“descobriu logo alguns esquemas de efeito novelesco, sentimental ou
cômico, e aplicou-os assiduamente até as suas últimas produções no
gênero” (Bosi, 1994: 130).
Segundo Muniz Sodré, existe uma diferença entre o
folhetinista e o escritor, o primeiro, obedecendo ao gosto popular de
contar histórias, e o segundo, com projeto mais elaborado do texto,
pois:
O fato é que, na obra de um mesmo escritor,
pode-se encontrar textos de natureza claramente
folhetinesca ou ‘de massa’. O José de Alencar
de Senhora não é o mesmo de A viuvinha,
assim como o Machado de Assis de Dom
Casmurro não é o mesmo de Iaiá Garcia ou
Helena. (Sodré, 1985:12, grifo do autor)
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Alguns princípios básicos podem ser detectados nessa
literatura folhetinesca: a atualidade informativo-jornalística, as histórias
contadas para comover ou informar, o namoro difícil ou impossível, o
mistério sobre a personagem principal, o desvendamento final do
mistério, o conflito entre o dever e a paixão, os cacoetes de uma
personagem secundária, as situações de comicidade, a linguagem
coloquial. O que importa mesmo são os conteúdos e, portanto, a intriga
com sua estrutura clássica de princípio-tensão, clímax, desfecho e catarse.
A crítica social aparece como algo externo à ficção, que se insere no
texto para dar uma maior verossimilhança, sem, contudo, acrescentarlhe questões relativas a estética literária. Curiosidade e entretenimento,
prazer e diversão, estas são as fórmulas mágicas do folhetim. Procurase prender a atenção do leitor através de exploração de temas como:
amor, sexo, aventura, mistério, morte. Segundo Muniz Sodré, “o público
é mais numeroso quando o produto folhetinesco é verdadeiro, isto é,
quando o texto obedece às características intrínsecas do gênero. E o
traço principal, aquele capaz de gerar emoções e projeções junto ao
leitor, é a permanência do mito heróico”. (Sodré, 1985: 18)
Uma das formas mais consagradas do folhetim é o romance
sentimental que atravessa o século XIX e continua atuando até hoje
em romances populares, tais como séries editadas em forma de livro
de bolso como: Sabrina, Júlia, Momentos íntimos, direcionados a um público
feminino de pouca escolaridade e baixo poder aquisitivo. Os chamados
best-sellers, também seguem a mesma fórmula, porém, bem mais
elaborados, e com melhor editoração, atendendo a um público com
maior grau de escolaridade e melhor poder aquisitivo.
Os princípios desse gênero romanesco costumam ser os
mesmos, e têm seus mandamentos para o sucesso, como aponta os dez
“Mandamentos da fotonovela”, da revista Sétimo Céu, 1959:
1) só pessoas bonitas farão os papéis principais;
2) os trajes e os ambientes serão, de preferência,
luxuosos; 3) a linguagem, tanto quanto possível,
trará imagens poéticas, pois é preciso um pouco
de literatura; 4) as histórias, sempre românticas,
conterão um drama que corra paralelo. Podem
ser incluídos: roubo, revólver, mulher perversa
(madrasta), tentativa de homicídio, etc. Haverá,
contudo 2/3 de amor (romance) e 1/3 de drama,
no máximo; 5) é proibido falar-se em adultério.
Nada que fira a lei poderá ser estimulado; 6) a
história deverá girar em torno de pessoas que
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pertençam a níveis sociais diferentes. As mocinhas
sonham em se transformar em princesas...;7) cenas
mais fortes convencem: briga, rapto, afogamento
e, na parte amorosa, um pouco de cinema: nas
cenas de amor de maior intensidade, corpos em
pose sensual, mas sem exagero!; 8) a idéia de
grandiosidade: improvisar festas ou bailes, colocar
muita gente em cena, tudo isso valoriza a
apresentação; 9) o fim deve ser sempre em estilo
‘final feliz’, sem precisar de beijo, necessariamente;
10) sempre será estimulada a vitória do bem sobre
o mal, jamais se admitindo histórias de princípios
morais duvidosos.(Apud Sodré, 1985:48)
Segundo Sodré (1985, p. 48), essas regras são flexíveis
segundo a moral da época, mas podemos observar que, em essência,
elas não mudam. Esses aspectos, guardando as diferenças dos meios
de expressão, podem ser vistos, não só nos romances folhetinescos,
mas nos meios de comunicação: o rádio, o cinema, a televisão, a história
em quadrinhos, a fotonovela. A passagem do folhetim jornalístico para
outros meios de comunicação, implica na elaboração de outros códigos,
mas não muda a sua estrutura básica enquanto literatura folhetinesca.
Nos anos de 1940, o romance folhetinesco vai dar lugar às
novelas de rádio. Segundo Ciro Marcondes Filho nessa época, “o rádio
era o meio de comunicação de ampla penetração no cotidiano dos
lares” (1988:19) e os programas de música, de variedades e as
radionovelas passaram a fazer parte da programação principal das
emissoras. Em 1941, no Brasil, ia ao ar a primeira radionovela nacional,
de Leandro Branco e Gilberto Martins, intitulado Em busca da felicidade,
editada durante 25 meses pela Rádio Nacional. “O sucesso era absoluto:
48 mil cartas de ouvintes só no primeiro mês. E o ‘merchandising’ não
se fez esperar – a Colgate patrocinava tudo e ainda enviava fotos de
artistas com resumos da novela” (Sodré,1985: 62). Mas o grande sucesso
aconteceu em 1950 com O direito de nascer. E foi precisamente com essa
radionovela que a televisão brasileira começou, no mesmo ano, a
produzir sua primeira versão de telenovela. O que se fazia, na verdade,
era uma radionovela televisionada, pois a TV ainda não havia
conquistado sua linguagem. Tudo acontecia ao vivo, sem gravação,
quase que um palco de teatro que era levado ao ar diariamente. O
espaço ainda era o estúdio da emissora de rádio. O sucesso de O direito
de nascer, na televisão, foi estrondoso, tanto que o poder da imagem
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resultou na vitória da telenovela, contudo, a telenovela continuou por
um bom tempo atrelada à radionovela.
Nos anos de 1960, com o avanço tecnológico da televisão, a
radionovela começou a entrar em decadência. “Em 1963, a extinta
TV Excelcior criava a primeira telenovela brasileira: 2-5499 Ocupado. A
partir daí se iniciaria aquela que seria o gênero que mais atrairia o público
e que mais emoções produziria” (Marcondes Filho, 1988: 59). A
telenovela seguiu o mesmo caminho da radionovela e, fazendo um
maior sucesso por unir som e imagem, tornou-se um programa
permanente e indispensável em todos os lares brasileiros.
Foi graças à influência de uma agência de publicidade
estrangeira que a televisão brasileira começou a explorar
sistematicamente o folhetim. A partir dos anos 50 do século XX, a
telenovela foi ganhando cada vez mais espaço na programação das
redes de televisão. Pode-se dizer que o roteiro de uma telenovela é hoje
o maior best-seller brasileiro, com alto índice de vendagem quando
transformado em livro, e ainda, qualquer obra da literatura, adaptada
para a televisão, mesmo não pertencendo à literatura de massa, acaba
fazendo sucesso pela curiosidade dos telespectadores em conhecer
antecipadamente o enredo da história.
Uma das redes de televisão que mais investiu na produção
de telenovelas foi a Rede Globo, fundada em 1965, tendo hoje, três
novelas inéditas sendo apresentadas em horário nobre, das dezoito horas
às vinte e uma horas, uma novela sendo reprisada no horário da tarde,
e uma novela para adolescentes, do tipo narrativa encaixada, no final
da tarde. Também consta, de sua programação, as famosas ‘minisséries’,
que nada mais são que mini-novelas, alcançando um público maior
justamente pelo fato de serem apresentadas em um tempo curto, em
média, duas dezenas de capítulos, facilitando ao expectador o seu
acompanhamento. Num país em que os aparelhos de TV ficam ligados
desde o amanhecer até a hora de ir-se para a cama, a novela folhetinesca
tem-se mantido vitoriosa e continua sendo o que de mais importante
se produz na televisão brasileira.
A mudança que se percebe, no decorrer dos anos de 1990
para cá, é a nova tendência de se transformar as novelas em um número
menor de capítulos, atendendo ao gosto do telespectador atual, que
exige condensação do enredo, preferindo mais ação que efabulação. A
televisão sintetizou em suas diversas formas de teledrama, toda a
experiência do folhetim jornalístico, da radionovela, do cinema e do
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teatro, intensificando a fascinação dos efeitos audiovisuais. Segundo
Sodré, a fórmula da telenovela resulta em:
Uma mistura folhetinesca temperada pelo
imaginário da família patriarcal em mutação – é
tipicamente brasileira. A abertura do folhetim
para o real-histórico (para a ideologia) permite
a incorporação de informações sobre a dinâmica
modernizadora da sociedade urbana nacional e
relança continuamente ao nível das famílias
(grupos receptores naturais da telenovela)
doutrinas e idéias correntes (liberação sexual,
novas formas de relacionamento amoroso, novos
regime de casamento), assim como “ensina” a
consumir. (Sodré, 1985: 66, grifos do autor)
O merchandising desempenha, hoje, um papel importante na
narrativa. O anúncio de produtos nas novelas atua de forma a superar
as defesas do espectador, levando-o a consumir determinados produtos
e identificando-se com o perfil socioeconômico de determinado
personagem, desde a roupa que usa, o eletrodoméstico, os produtos de
beleza, até o banco onde guarda seu dinheiro. Conseguir imitar o padrão
socioeconômico do personagem da novela, nos dias atuais, tornou-se
razão de felicidade e realização pessoal. O envolvimento da mídia é
tão forte que acaba por determinar padrões de comportamento da
população em geral. O público consumidor segue os “conselhos”
ditados por seus artistas preferidos. O sucesso da vendagem dos
produtos está vinculado à imagem do artista que os anuncia.
Nem sempre foi assim com a telenovela. No início, na sua
fórmula básica predominavam os conteúdos melodramáticos. O enredo
girava em torno de um triângulo amoroso, de um herói, de um vilão,
de um crime... e as ações costumavam transcorrer longe da realidade
brasileira. A mudança deveu-se principalmente a Janete Clair, a mais
importante autora de telenovelas do país, criando uma nova geração de
roteiristas, que acaba por seguir sua fórmula mágica de prender a atenção
do público:
Por seu poder inventivo e pela capacidade de criar
tipos e situações cativantes, Janete Clair forneceu a
base para todas as inovações e desdobramentos
do gênero (mesmo para as miniséries que
rompem os cânones rígidos da telenovela).
Autores como Benedito Ruy Barbosa, Gilberto
Braga, Cassiano Gabus Mendes, Manoel Carlos,
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Silvio Abreu, mesmo sem mergulharem na
torrente emotivo-romântica de Janete, são por ela
influenciados. (Sodré, 1985: 69).
Janete Clair foi a responsável por estabelecer, na novela
brasileira, as fortes características folhetinescas dos primeiros tempos
das radionovelas. Ela conseguiu unir elementos antigos com novos,
dando início, com o apoio de Daniel Filho, ao abrasileiramento do
gênero, que antes seguia os padrões estrangeiros, principalmente os de
Cuba e Estados Unidos. As primeiras diretrizes semióticas da novela
brasileira vinham de Cuba, das centrais de produção “Goar Mestre”,
que importava seus radiodramas para diversos países. Com o Governo
de Fidel Castro a base de importação passou para Miami, de onde
produtores e roteiristas se deslocaram para o Brasil e outros países da
América do Sul.
O primeiro grande sucesso de Janete Clair foi Irmãos Coragem
que foi ao ar em 1970. Janete Clair adaptou suas novelas, atenta aos
novos tempos, sempre de olho na classe média, acompanhando o gosto
popular, dando vida aos conflitos cotidianos das grandes cidades
brasileiras. Como nos romances folhetinescos, a coerência podia ser
sacrificada em favor da ação. Janete conseguiu monopolizar a atenção
dos telespectadores e Selva de pedra deu-lhe o Record de audiência: 100%
do ibope carioca. As novelas: Pecado capital, Duas vidas e O astro
trouxeram-lhe o reconhecimento geral de que ela era a maior autora de
folhetins televisivos. A partir da experiência de Janete Clair, o drama
televisivo vem conhecendo um desenvolvimento considerável em
termos de criatividade e técnica, tornando-se altamente competitivo
no mercado e sendo exportado para vários países da América e da
Europa.
Vimos que o folhetim do século XIX era determinado pela
exigência da indústria comercial da imprensa, primeiro pelos jornais,
depois pelas editoras, evoluindo para as emissoras de rádio nos anos
de 1940 e explodindo na televisão nos anos de 1970, quando o aparelho
televisor tornou-se acessível a qualquer lar brasileiro, comprado à
prestação nas lojas de departamento e de eletrodoméstico. A revolução
da televisão, com seus canais de longo alcance, a cada dia, aumenta o
seu poder de penetração por toda a nação.
A televisão é um meio de comunicação recente, foi criada
em 1936, porém, só foi produzida em massa após a Segunda Guerra
Mundial. No Brasil, ela aparece por volta de 1950 e se consolida nos
anos 60 do século passado e o seu sucesso está intimamente ligado à
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necessidade de prazer e fantasia do homem. Desde o século XIX os
trabalhadores satisfaziam suas fantasias com romances populares,
vendidos aos milhões para a população de baixa renda. Hoje, as pessoas
de todas as classes sociais sentam-se confortavelmente em frente a
seus aparelhos de TV e se permitem sonhar. A telenovela, mais que
qualquer outro programa televisivo, propicia uma vivência de emoções,
de sentimentos variados, de ansiedade e de prazer, de sensações sexuais
que a vida real não possibilita, por isso o seu grande sucesso.
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