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Terapia Genica

Universidade Federal Fluminense Faculdade de Farmácia Departamento de Biologia Celular e Molecular Biologia Molecular Docente: Lídia Amorim Discentes: Rafael Lucas; Sarah Marques; Yuri Tasca Terapia Gênica Introdução Desde sua fundação, pelo monge Johann (Gregor) Mendel no século XIX, aos dias de hoje, a genética evoluiu extraordinariamente e conquistou um lugar de destaque entre as ciências. Há dez anos foi completado o sequenciamento do genoma humano (Lander et al., 2001; Venter et al., 2001), um feito grandioso que promete acelerar o progresso da biologia e da medicina do século XXI. A medicina moderna acrescenta, a cada dia, descobertas importantes em áreas de investigação destinadas ao desenvolvimento de novos paradigmas de tratamento para doenças ainda incuráveis. Entre elas, a expectativa de curar doenças genéticas repousa sobre a identificação de genes responsáveis por sua patogênese e sobre o avanço das tecnologias de DNA recombinante, ou "engenharia genética", que permitem a manipulação do genoma de forma cada vez mais eficiente e segura (Watson et al., 2006). Em paralelo, a determinação de fatores genéticos de suscetibilidade a certas doenças, seu curso e suas manifestações clínicas (NCBI, 2009), bem como o enorme avanço na compreensão da biologia celular e molecular de eventos patológicos fundamentais, tais como processos inflamatórios, distúrbios de proliferação e morte celular programada (Coleman & Tsongalis, 2009), aumentam a expectativa de que a manipulação do genoma possa vir a ser aplicada a uma ampla gama de doenças. Essa é uma área ainda incipiente da medicina, praticada especialmente nos laboratórios de pesquisa fundamental, e sua aplicação ainda é estritamente experimental. Já há nessa área produtos comerciais aprovados para uso médico (Pearson et al., 2004), mas a expectativa dos cientistas, bem como da indústria farmacêutica e de biotecnologia, é de que a liberação de protocolos de manipulação do genoma para a prática médica e o respectivo mercado de biológicos deverão avançar cautelosamente ao longo dos próximos 5-10 anos, ainda assim englobando um número restrito de aplicações. Já em 1990, entretanto, uma equipe médica norte-americana tinha inserido um gene sadio no organismo de uma menina doente e a criança melhorou após esse tratamento. Começara uma nova era. A era da terapia gênica (ou terapia genética), ou seja, o procedimento destinado a introduzir em um organismo, com o uso de técnicas de DNA recombinante, genes sadios (nesse contexto denominados "genes terapêuticos") para substituir, manipular ou suplementar genes inativos ou disfuncionais (Linden, 2008). A partir da década de 1940, a genética tomou grande impulso, e descobertas sobre a natureza, composição química e as propriedades do material genético, bem como as primeiras manipulações do DNA de bactérias, começaram a gerar expectativas de novos avanços terapêuticos. Em meados da década de 1960, começou a especulação sobre a possibilidade de utilizar vírus para transferir genes a seres humanos doentes e curar doenças genéticas (Friedmann, 1997). Já naquela época, considerava-se tanto que os próprios genes de certos vírus pudessem fazer efeito quanto que fosse possível inserir genes humanos sadios em vírus para que esses os transferissem ao paciente. Entretanto, foi só no início da década seguinte que Paul Berg conseguiu de fato manipular uma molécula de DNA (Jackson et al., 1972), criando a tecnologia do DNA recombinante. Duas tentativas iniciais de aplicar na prática clínica o conceito de terapia gênica fracassaram, uma delas por se apoiar em uma premissa sobre propriedades de um vírus, a qual, mais tarde, se mostrou falsa (Rogers, 1952; Rogers & Rous, 1951; Andrewes, 1966; Friedman, 2001; Scaglia & Lee, 2006); outra, embora tecnicamente justificável e já utilizando metodologias de DNA recombinante, foi maculada por grave deslize ético (Mercola & Cline, 1980). Mas, em 1989, um novo teste, feito de acordo com as regras vigentes na época, restabeleceu expectativas positivas nessa área de pesquisa. A paciente tratada em 1989 era uma menina de quatro anos de idade incapaz de levar uma vida normal, porque sofria de uma doença genética causada por deficiência da enzima adenosina desaminase (ADA), indispensável para o desenvolvimento do sistema imune. Várias mutações no gene que codifica a enzima provocam deficiência de ADA, o que resulta em degeneração das células T do sistema imune (Buckley, 2004) e constitui uma das principais causas de síndrome de imunodeficiência combinada severa (SCID, do inglês severe combined immunodeficiency). No caso em questão, a doença é conhecida pela sigla SCID-ADA. Crianças afetadas pelas diversas formas de SCID (ibidem) têm baixíssima resistência a infecções e, se não forem tratadas, morrem em geral antes dos seis meses de idade. São conhecidas como "crianças da bolha", por necessitarem de isolamento feito, frequentemente, por meio de compartimentos de plástico transparente. O tratamento é usualmente feito por reposição da enzima através de injeções semanais. Naquele caso, depois de um período de um ano em que houve relativo sucesso, no segundo ano de tratamento a criança voltou a sofrer infecções frequentes e desenvolveu uma alergia ao preparado da enzima usado para injeções. Os indícios eram de que a terapia de reposição enzimática estava falhando. O médico William French Anderson, da Universidade do Sul da Califórnia, obteve então autorização dos comitês de ética para iniciar um teste de terapia gênica (Anderson et al., 1990). A cada um ou dois meses, os pesquisadores retiravam células T do sangue de Ashanti, inseriam o gene da ADA, induziam a proliferação dessas células no laboratório e, então, devolviam as células tratadas para o sangue da paciente (Culver et al., 1991). Depois de sete infusões, houve uma pausa de seis meses, e, a partir daí, as infusões recomeçaram até o tratamento completar dois anos. Por segurança, a menina continuou a receber as injeções semanais da enzima. A terapia gênica dessa paciente, bem como a realizada a partir de 1991 em uma segunda paciente de nove anos de idade, teve resultados positivos. Houve melhora clínica com uma redução da quantidade de enzima que era necessário repor. Observou-se que os níveis da enzima no sangue das pacientes aumentaram progressivamente com a terapia gênica e se mantiveram estáveis no intervalo de descanso de seis meses (Blaese et al., 1995; Mullen et al., 1996). Finalmente, doze anos após terminarem as infusões, época em que foi feita uma reavaliação dos dois casos, grandes números de células T continuaram expressando o gene terapêutico no sangue da primeira paciente, cujo tratamento foi mais bem-sucedido do que o da segunda (Muul et al., 2003). Deve-se assinalar que ainda há questões técnicas relacionadas a esse estudo, que não permitem considerá-lo um completo sucesso clínico. Como as crianças continuaram a receber reposição da enzima, embora em doses menores, há dúvida sobre o quanto a terapia gênica terá de fato contribuído para que, por exemplo, a primeira paciente esteja hoje, aos 24 anos de idade, saudável e ativa. No entanto, a partir das observações feitas ao longo do tratamento dessas duas primeiras pacientes, a terapia gênica para SCID-ADA evoluiu e hoje é considerada um sucesso clínico (Aiuti et al., 2009; Kohn & Candotti, 2009). Mesmo incipiente, o estudo iniciado em 1989, que obteve pelo menos alguns resultados positivos observando os requisitos éticos, é um marco na história da terapia gênica e inspirou o crescimento subsequente dessa área de investigação científica. O que é terapia gênica?             A terapia gênica (ou terapia genética) envolve qualquer estratégia de introdução de uma informação genética em uma célula com o intuito de modificar o curso de uma doença. Para que a terapia gênica seja bem-sucedida, deve-se ter um conhecimento aprofundado sobre muitos assuntos, desde moléculas, pacientes, desenvolvimento de fármacos até regulamentação governamental e produção de medicamentos. Claramente, a terapia gênica consiste em uma abordagem multidisciplinar e requer uma cooperação de vários campos.             A lógica por trás da terapia gênica é bastante simples, apesar de sua prática ter se mostrado ser bastante desafiadora. O objetivo da terapia gênica é prover às células as ferramentas necessárias para combater uma doença. Por exemplo, a hemofilia é causada por uma mutação genética herdada em um gene que regula a coagulação sanguínea. Através da transferência de uma cópia saudável do gene para o paciente, suas próprias células podem produzir a proteína que estava ausente e, então, a coagulação deve ocorrer de forma apropriada. Isso funciona diferente dos fármacos tradicionais, os quais não corrigem a raiz do problema e, ao invés, tratam os sintomas da doença. Com a terapia gênica, em teoria, uma doença herdada pode ser tratada em sua origem genética e o paciente pode ter uma vida normal sem a necessidade de medicamentos adicionais.             A terapia gênica é também um método promissor para o tratamento de doenças mais complexas, tais como o câncer. As células cancerígenas se desenvolvem devido ao acúmulo de mutações genéticas, geralmente envolvendo muitos genes. Portanto, o tratamento do câncer utilizando a terapia gênica não pretende corrigir as células doentes, mas eliminar essas células perigosas do corpo. As estratégias da terapia gênica do câncer geralmente são direcionadas a matar as células tumorais. Isso pode ser conseguido introduzindo um gene que causa a morte celular diretamente ou promove uma resposta imune contra as células tumorais. Vírus podem até mesmo ser modificados para localizar e destruir células tumorais.             Doenças cardiovasculares também podem ser complexas, uma vez que não são causadas por um único gene não funcional ou nem mesmo por um gene cujo funcionamento é falho. Por exemplo, uma artéria coronária bloqueada pode levar a um ataque cardíaco. Mesmo que a causa do problema não seja oriunda de um gene falho, a solução pode ser conseguida introduzindo genes que promovam a formação de novos vasos sanguíneos que provêm nutrientes para o músculo cardíaco.             A dificuldade da terapia gênica está no processo de introdução do gene na célula correta e produção do efeito desejado. Nossos corpos e células são muito bem equipados para se defenderem contra alterações genéticas. Quando adquirimos uma gripe, por exemplo, nosso sistema imune responde e elimina os vírus. Dessa forma, nossas células possuem mecanismos que dificultam a introdução de um gene, mesmo quando a intenção é tratar uma doença. Mesmo que o gene chegue ao seu alvo, a proteína codificada pelo gene deve ser produzida e funcional. A terapia gênica parece simples em teoria, mas suas aplicações confrontam com muitos níveis de barreiras naturais. A maioria das tentativas clínicas de terapia gênica atualmente em curso são para o tratamento de doenças adquiridas, como AIDS, neoplasias malignas e doenças cardiovasculares, mais do que para doenças hereditárias. Em alguns protocolos, a tecnologia da transferência gênica vem sendo usada para alterar fenotipicamente uma célula de tal modo a torná-la antigênica e assim desencadear uma resposta imunitária. De maneira análoga, um gen estranho pode ser inserido em uma célula para servir como um marcador genotípico ou fenotípico, que pode ser usado tanto em protocolos de marcação gênica quanto na própria terapia gênica. O panorama atual indica que a terapia gênica não se limita às possibilidades de substituir ou corrigir genes defeituosos, ou eliminar seletivamente células marcadas. Um espectro terapêutico muito mais amplo se apresenta à medida em que novos sistemas são desenvolvidos para permitir a liberação de proteínas terapêuticas, tais como hormônios, citocinas, anticorpos, antígenos ou novas proteínas recombinantes. A terapia gênica é a esperança de tratamento para um grande número de doenças até hoje consideradas in- curáveis por métodos convencionais, das hereditárias e degenerativas às diversas formas de câncer e doenças infecciosas. A tecnologia básica envolvida em qualquer aplicação da terapia gênica é a transferência gênica. Vários métodos atuais de transferência gênica e suas vantagens e desvantagens estão listados nas Tabelas 1 a 3. A maneira mais simples de transferir genes para células e tecidos é por meio da inoculação de DNA puro, com técnicas de microinjeção; eletroporação e o método biobalístico. Métodos mais elaborados e mais eficientes incluem a administração de DNA encapsulado (e.g., lipossomos); ou através de vetores virais, que podem ser fragmentos de DNA de vírus contendo o DNA a ser transferido; ou mesmo a partícula viral formada por proteínas virais empacotando um DNA viral modificado de maneira a tornar o vetor menos tóxico, menos patogênico ou não-patogênico. A palavra vetor, que deriva do Latim vector (“aquele que carrega, entrega”) de- fine o agente que constitui ou contém os genes a serem transferidos e expressos em uma célula receptora. Os diversos tipos de vetores são utilizados com o objetivo de levar o DNA terapêutico ao núcleo das células-alvo. Outra forma de transferência da mensagem genética envolve a entrega de RNA diretamente ao citoplasma das células, mas o RNA é mais instável que o DNA, o que limita a aplicação dessa modalidade de transferência gênica. O uso de mitocôndrias ou DNA mitocondrial (mtDNA) como vetores gênicos citoplasmáticos tem aplicação potencial na reposição do mtDNA a células com deficiência no metabolismo energético da fosforilação oxidativa causada por mutações no mtDNA. Afora o núcleo, a mitocôndria é a única organela que possui seu próprio DNA. Uma questão-chave da terapia gênica é a escolha do vetor adequado a cada situação. Um vetor ideal seria aquele que pudesse acomodar um tamanho ilimitado de DNA inserido, fosse disponível em uma forma concentrada, pudesse ser facilmente produzido, pudesse ser direcionado para tipos específicos de células, não permitisse replicação autônoma do DNA, pudesse garantir uma expressão gênica a longo prazo e fosse não-tóxico e não- imunogênico. Tal vetor ainda não existe e nenhum dos sistemas de entrega de DNA atualmente disponíveis para transferência gênica in vivo é perfeito com respeito a qualquer um desses pontos. Até a presente data, quatro sistemas de transferência gênica (DNA plasmidial complexado, vetores retrovirais, vetores adenovirais e vetores baseados no vírus adenoassociado) foram os mais usados em tentativas de terapia gênica em humanos, totalizando uma experiência clínica de cerca de três mil pacientes em todo o mundo. DNA Plasmidial Complexado Um vetor plasmidial é uma molécula de DNA circular purificada, construída por meio de técnicas do DNA recombinante para conter, além do gen terapêutico de interesse, sequências regulatórias tipo promotores e intensificadores, para facilitar e controlar a expressão do gen. Vetores de DNA plasmidial podem ser introduzidos nas células por uma variedade de métodos. O mais óbvio deles, conceitualmente, é a injeção direta, que exige técnicas sofisticadas para injeção em escala microscópica. Essa técnica, entretanto, é limitada pelo fato de que somente um número relativamente pequeno de células pode ser injetado em um determinado momento. Apesar das tentativas de automatizar as técnicas de microinjeção, o pequeno número de células que podem ser injetadas por vez continua sendo uma grande limitação. Esse método de transferência gênica poderá ter interesse e de utilidade clínica se um pequeno número de células purificadas da medula óssea forem injetadas e condições de cultivo celular forem encontradas para expandi-las substancialmente. Entretanto, ainda existirá o problema da expressão transitória, pois a maioria das células injetadas com o vetor não será capaz de manter a expressão por longo prazo. Isso exige outras melhorias na sequência do vetor, de modo a aumentar, por exemplo, a eficiência de sua integração. Aumento da eficiência de transfecção do DNA plasmidial purificado pode ser obtido com a formação de algum tipo de complexo: lipídico, proteico, ou misto. Após a aplicação desse complexo nas células em cultura ou in vivo, uma porção substancial das células endocita o DNA e é capaz de transportar pelo menos parte dele para o núcleo, onde o DNA é expresso transitoriamente por alguns dias (Figura 1). A não ser que o DNA plasmidial tenha a capacidade de integração dirigida, apenas uma fração muito pequena (geralmente muito menos de 1 por cento) das células retêm o DNA permanentemente, incorporando-o em seus cromossomos e continuam a expressar os genes introduzi- dos. Vetores Virais Vírus são vetores gênicos por excelência e vêm evoluindo há milhões de anos na natureza em associação com virtualmente todos os organismos, de bactérias até plantas e animais. Os sistemas biomoleculares específicos de transferência, recombinação e expressão gênica adotados pelos vírus constituem instrumentos poderosos para a construção de vetores mais eficientes e seguros, com indicações precisas de uso. Bacteriófagos, baculovirus, retrovírus, adenovírus e vírus adenoassociados são exemplos de vírus que foram modificados com sucesso pelas técnicas do DNA recombinante e já possuem aplicações na pesquisa, na agricultura e na medicina. Conceitualmente, não é surpreendente que vírus de animais estejam sendo usados como vetores para a transferência de genes para células de mamíferos. Conforme listado na Tabela 3, vários vírus vêm sendo explorados desta maneira. Vetores Retrovirais Um retrovírus murino, o vírus da leucemia murina de Moloney (MoMuLV), foi o primeiro sistema vetorial desenvolvido para aplicações clínicas da terapia gênica. Os conceitos gerais da produção e uso desse tipo de vetor estão ilustrados na Figura 2: Por meio de técnicas de DNA recombinante, os genes no genoma viral necessários para a reprodução do MoMuLV, genes gag, pol e env, são removidos e substituídos por um gen de interesse. O que sobra do retrovírus são seus elementos regulatórios: as repetições terminais longas (LTR), que funcionam como sinais de integração do pro vírus e promotores da transcrição e um sinal de empacotamento, para permitir que o RNA transcrito seja acomodado em uma partícula viral. Para a produção dos vetores retrovirais contendo o gen de interesse, é utilizada uma linhagem celular de empacotamento contendo os genes gag, pol e env incorporados ao genoma destas células. Os vetores são produzidos em altos títulos nas células de empacotamento e a seguir purificados e injetados no paciente (terapia gênica in vivo) ou postos em contato com células colhidas do paciente e mantidas em condições de cultivo celular (terapia gênica ex vivo). Os vetores têm a habilidade de entrar nas células-alvo, transcrever seu RNA na forma de DNA (graças à atividade da enzima transcriptase reversa), e se integrar estavelmente em um cromossomo da célula como resultado da presença das sequências regulatórias retrovirais remanescentes. Uma vez integrado, o gen inserido pode ser expresso para produzir a proteína terapêutica desejada. O vetor retroviral, desprovido dos genes para a replicação viral, não é competente para a replicação (diz-se que o vetor é defectivo), e por isso não é capaz de produzir mais vírus competentes dentro da célula- alvo. Portanto, o vetor age como um agente final de transferência gênica, deixando uma cópia de sua sequência no genoma da célula-alvo. Vetores Adenovirais Os adenovírus humanos são DNA- vírus, não envelopados, com um genoma dupla-fita linear de, aproximadamente, 36kb, encapsulado em um capsídeo icosaédrico medindo 70-100 nm de diâmetro. O capsídeo contém em seus vértices espículas por onde se dá a interação com receptores celulares. Na natureza, os adenovírus são capazes de infectar células do trato respiratório e gastrointestinal, causando gripes, gastroenterites em crianças ou conjuntivites epidêmicas. As glândulas adenoides são um de seus alvos e de onde se originou o nome adenovírus. Infecções envolvendo o trato urinário, vias hepáticas e o sistema nervoso central podem ocorrer esporadicamente. A maioria, senão a totalidade dos adultos já foi exposta ao adenovírus e já possui anticorpos antiadenovírus. Ao contrário dos retrovírus, os adenovírus se replicam independentemente da divisão da célula hospedeira, e seu cromo- somo raramente se integra ao genoma da célula, permanecendo episomal na maioria das vezes. A integração parece ocorrer somente na presença de altos níveis de infecção em células em divisão, mas esse evento não contribui significativamente para a utilidade destes vírus como vetores. Os vetores adenovirais possuem um largo espectro de infectividade celular que inclui virtualmente todas as células pós-mitóticas e mitóticas (Figura 3), e também podem ser produzidos em elevados títulos. Como se transfere o DNA à célula hospedeira? Os procedimentos de transferência do DNA in vivo ou em ex-vivo têm o mesmo propósito: o gene deve ser transferido para dentro das células, e uma vez inserido tem que resistir bastante tempo. Neste tempo, o gene tem que produzir grandes quantidades de proteína para reparar o defeito genético. Essas características podem ser resumidas em um único conceito: o gene estranho precisa se expressar de modo efetivo no organismo que o receberá. O sistema mais simples seria, naturalmente, injetar o DNA diretamente nas células ou nos tecidos do organismo a ser tratado. Na prática, este sistema é extremamente ineficaz: o DNA desnudo quase não apresenta efeito nas células. Além disso, essa tentativa requer a injeção em uma única célula ou grupos de células do paciente. Por isto, quase todas as técnicas atuais para a transferência de material genético implicam o uso de vetores, para transportar o DNA para as células hospedeiras.   A estrutura genômica dos adenovírus é mais complexa que a dos retrovírus. O genoma adenoviral codifica aproximadamente 15 proteínas. A expressão gênica viral ocorre de uma maneira ordenada e é dirigida, em grande parte, pelos genes E1A e E1B, localizados na porção 5' do genoma adenoviral. Esses genes possuem funções de transativação para a transcrição de vários genes virais e da célula hospedeira. Como estes genes da região E1 estão envolvidos na replicação do adenovírus, sua remoção torna o vírus incompetente para replicação ou defectivo. A remoção também cria espaço para a inserção de um gen de interesse terapêutico. A região E3, cujo produto está envolvido na habilidade do vírus de escapar do sistema imunológico do organismo hospedeiro, também pode ser substituída por um DNA exógeno. Para a produção de vetores adenovirais, é necessário utilizar, a exemplo do que ocorre com vetores retrovirais defectivos, uma linhagem de células empacotadoras contendo genes virais que transcomplementam o vetor defectivo a ser produzido. As etapas principais de produção e uso de um vetor adenoviral estão ilustra- das na Figura 4. Uma das modalidades começa pela produção de um plasmídeo ou cosmídeo contendo o genoma do adenovírus com deleções em algumas regiões especiais, como a região E1. A deleção de E1 torna o vírus defectivo. O gen de interesse pode ser clonado nestas regiões deletadas, e o plasmídeo ou cosmídeo pode ser multiplicado em uma cultura de bactéria. O plasmídeo ou cosmídeo purificado é então transfectado para as células empacotadoras onde ele é empacotado na forma de partículas adenovirais defectivas. Os vetores adenovirais assim produzidos são isolados do meio de cultivo das células empacotadoras, e purificados por ultracentrifugação em gradiente de cloreto de césio, que também concentra o vetor em suspensões com elevada titulação (mais de 1013 UFP ml-1), ou por cromatografia. O vírus purificado é estável em uma variedade de tampões aquosos e pode ser congelado por períodos prolongados sem perda de atividade. Uma estratégia alternativa de produção de vetores adenovirais consiste em preparar um plasmídeo no qual o gen de interesse é flanqueado por sequências de DNA adenovirais. Estas sequências servem como regiões controle e contêm sinais de empacotamento e sítios para a recombinação com DNA genômico adenoviral, que será usado para reconstituir adenovírus defectivos dentro da célula empacotadora. A transfecção desse plasmídeo para células empacotadoras, juntamente com o DNA genômico de adenovírus com deleções selecionadas (e.g., E1, E3) leva, por meio de recombinação homóloga, à formação de partículas adenovirais com o(s) transgen(es) substituindo as regiões previamente deletadas. Portanto, tanto a clonagem direta, quanto a recombinação homóloga podem ser usadas para produzir adenovírus defectivos. Com o desenvolvimento de novas linhagens de células de empacotamento contendo um número cada vez maior de genes adenovirais para a transcomplementação, já é possível produzir vetores adenovirais contendo um número cada vez menor de sequências adenovirais e um número cada vez maior de sequências exógenas. Um vetor adenoviral “all deleted” foi produzido recentemente. Esse vetor possuía 28 kb de DNA exógeno (gen da distrofina) e apenas 8kb de sequências adenovirais. Vetores adenoassociados algumas características desfavoráveis dos vetores adenovirais e retrovirais revistas na Tabela 3 incluem a incapacidade de integração do DNA dos vetores adenovirais ao genoma da célula hospedeira, ocasionando uma expressão instável e a integração aleatória do DNA dos vetores retrovirais ao genoma hospedeiro, podendo acarretar mutagênese insercional ativadora de protooncogenes celulares humanos ou inativação de genes supressores de tumor. Além disso, esses vetores podem provocar resposta imunológica dos tipos humoral e celular e podem ser patogênicos. Vetores alternativamente indicados para contornar esses problemas são baseados no vírus adenoassociado (AAV, adenoassociated virus), um pequeno vírus de DNA, não envelopado, não patogênico, pertencente à família Parvoviridae. O AAV possui uma única molécula de DNA fita simples de 4681 bases, com repetições terminais invertidas (ITRs, inverted terminal repeats). Os ITRs são sequências palindrômicas de 145 pares de bases envolvidas na regulação do ciclo celular do AAV, dispostas nas porções terminais 5' e 3' do genoma viral, que servem como origem e iniciadores para a replicação do DNA. Flanqueadas pelas ITRs, duas amplas molduras abertas de leitura codificam uma proteína regulatória e outra estrutural de- nominadas rep e cap, respectivamente. A região de leitura situada na porção 5' (gen rep) codifica quatro proteínas não-estruturais envolvidas com a replicação genômica. A porção 3' contém o gen cap, que codifica três proteínas estruturais para a formação do capsídeo viral. O AAV é considerado um dependovirus porque somente é capaz de se replicar em uma célula na presença de um vírus auxiliar (adenovírus ou vírus da herpes), que lhe forneça, em transcomplementação, os fatores auxiliares essenciais para sua replicação. Na ausência do vírus auxiliar, o genoma do AAV integra-se, preferencialmente, em um sítio específico (AAVS1) no braço curto do cromossomo 19, entre q13.3 e qter, utilizando para isso os ITRs, com alta frequência e estabilidade, para estabelecer uma infecção latente tanto em células mitóticas quanto em células pós-mitóticas. Recentemente, formas episomais do vírus também foram identificadas e a integração em sítios não específicos foi documentada, porém não há, até o momento, nenhuma relação destas formas com oncogênese insercional. O provírus latente pode ser recuperado e replicado através de uma superinfecção com o vírus auxiliar. O vírus adenoassociado tem despertado grande interesse como um vetor potencial para transferência de genes em tentativas de terapia gênica humana. Entre as suas propriedades mais favoráveis estão: (I) nenhuma relação com doenças humanas; (II) poder de infecção de uma ampla gama de linhagens celulares deriva- das de diferentes tecidos; (III) a sua habilidade de integrar dentro do genoma hospedeiro e estabelecer uma infecção latente. Este tipo de integração pode ocorrer em células que não estejam em processo de divisão, embora aconteça com uma frequência menor que em células em divisão. Soma-se a estas características favoráveis o tipo de integração proporcionado pelo AAV. A capacidade de transdução com AAV recombinante (rAAV) tem sido demonstrada em uma ampla variedade de tipos celulares, incluindo as diferenciadas, o que sugere um grande potencial desse sistema de vetor para transferência gênica in vivo para órgãos como músculo, fígado, sistema nervoso central e pulmão. Vetores rAAV são derivados de plasmídeos que carregam os ITRs flanqueando o gen exógeno de interesse. Esses vetores podem ser empacotados dentro do capsídeo do AAV pela cotransfecção em células infectadas com (I) adenovírus, e (II) um segundo plasmídeo de empacotamento contendo os genes rep e cap. O rAAV é recuperado em células lisadas e o vírus auxiliar é removido. Desta forma, quatro elementos são reque- ridos para o empacotamento do vetor AAV: (I) células eucarióticas em cultura, (II) as proteínas responsáveis pela replicação do genoma viral e síntese do capsídeo, (III) o DNA do vetor e (IV) o vírus auxiliar. As desvantagens de utilizar partículas rAAV como vetores de transferência gênica estão no tamanho do seu genoma (acima de 5kb ocorre interferência no encapsulamento viral), o que limita a clonagem de determinados genes, e a dificuldade de produzir o vetor viral em grandes quantidades. Entretanto, vários melhoramentos têm sido obtidos na produção e uso de vetores baseados em AAV. A dificuldade de produzir estes vetores em larga escala foi minimizada pela utilização de plasmídeos contendo sequências de ITR e sua multiplicação em linhagens recombinantes de Escherichia coli. A restrição ao tamanho do genoma viral também foi minimizada, visto que esses plasmídeos não precisam ser encapsulados em um capsídeo viral, podendo ser introduzidos em células eucarióticas utilizando a técnica de transfecção com lipossomos, sem prejuízo do amplo espectro de infectividade celular característico do AAV. A combinação de elementos virais e não-virais tem sido usada para aumentar a eficiência da transferência gênica para células em cultura. Um exemplo de combinação de elementos virais e não virais é uma alternativa ao uso de partículas de rAAV mencionada anteriormente, e consiste na construção de plasmídeos com sequências de ITR delimitando genes de interesse para promover a transformação gênica em células eucarióticas e conferir maior persistência do DNA transfectado, se comparada àquela obtida com plasmídeos convencionais sem os ITRs. Os vírus AAV podem ser substituídos por esse tipo de construção complexada em lipossomos, pois os níveis de expressão gênica e retenção do transgen nas células transfectadas por esses complexos são semelhantes aos níveis obtidos com partículas virais encapsuladas. A mitocôndria é a única organela que possui seu próprio DNA (mtDNA). Em princípio, as mitocôndrias se assemelham aos lipossomos utilizados em transferência gênica, constituídos de membranas lipídicas envolvendo moléculas de DNA. Uma vez que mitocôndrias podem ser purificadas por ultracentrifugação de homogêneos celulares, elas poderiam ser utilizadas como vetores de transferência gênica. Mitocôndrias isoladas do sangue de doadores podem ser fundidas a células receptoras, gerando híbridos de citoplasma viáveis. O uso de mitocôndrias ou do DNA mitocondrial (mtDNA) como vetores gênicos tem aplicação potencial na reposição do mtDNA a células com deficiências no metabolismo energético da fosforilação oxidativa causadas por mutações. Mutações no mtDNA estão ligadas a um grande número de síndromes degenerativas neuromusculares com padrão de herança materna. Além disso, mutações no mtDNA ocorrem em células da linhagem somática e se acumulam durante o envelhecimento e em condições de stress oxidativo, e podem explicar boa parte dos fenótipos característicos da idade avançada, como fraqueza muscular, doença de Alzheimer e doença de Parkinson. Pesquisa translacional: Do laboratório para clínica e de volta  De onde virá o próximo avanço na medicina? Tratamentos de nova geração surgem de pesquisas feitas pela academia e laboratórios industriais.  Em outras palavras, o trabalho realizado no laboratório pode desenvolver uma terapia aplicada à clínica. Este cenário ‘laboratório para a clínica’ descreve a essência da pesquisa translacional, ou seja, traduzir as descobertas básicas do laboratório em aplicações práticas para a clínica.  Mesmo assim, as ideias que são testadas na clínica raramente se tornam eficientes, necessitando de um refinamento futuro. Assim, resultados clínicos podem também voltar para o laboratório, para ajudar na melhoria e aperfeiçoamento da estratégia terapêutica. Desta forma, a pesquisa translacional usa a abordagem laboratório para a clínica e de volta. A pesquisa translacional tem início no laboratório onde uma boa ideia e alguns experimentos básicos indicaram que um novo tratamento é promissor. O primeiro passo, conhecido como ‘prova de princípio’, nos mostra que a ideia tem importância e pode valer a pena ser testada futuramente. O segundo passo seria a realização de estudos pré-clínicos para mostrar que o tratamento funciona em modelos animais relevantes e que ela é segura. Esta informação é então formulada em planejamento para o protocolo clínico e apresentada aos comitês que supervisionam questões de segurança e ética no hospital. Caso eles concordem a proposta é enviada às agências regulatórias do governo, como o FDA (USA) ou CONEP (Brasil) para aprovação. É trabalho destes três comitês fazer as perguntas difíceis, especialmente relacionadas com a segurança e eficácia do novo tratamento.  Apenas quando todos estão satisfeitos o protocolo clínico pode então começar. Este processo leva tempo e pode custar caro. Mas espere, há ainda mais história. Nós não apenas testamos ideias na clínica, testamos produtos. Qualquer nova droga a ser testada deve ser produzida em quantidade e qualidade que atendam às necessidades da aplicação clínica. Em outras palavras, a pesquisa translacional em um novo tratamento deve também oferecer uma solução para a fabricação, armazenamento e transporte da nova droga. A indústria farmacêutica é acostumada com o processo. Eles usam GMP (boas práticas de fabricação) como uma diretriz para assegurar que o produto final é puro, livre de contaminação e atua como esperado. Como um todo, este processo é simples. É possível até mesmo para um pequeno laboratório acadêmico ter uma boa ideia, realizar os experimentos de prova de princípio e trabalhar em conjunto com investidores e a indústria a fim de levar a nova droga para a clínica. Muitos dos protocolos clínicos de terapia gênica que tem sido realizado podem ter suas raízes traças de volta para os esforços dos laboratórios universitários. De vez em quando, um laboratório tem uma boa ideia, mostra que ele funciona, faz um pedido de patente e então licencia este ‘produto’ para laboratórios maiores que possuem recursos para levar este produto adiante através de testes pré-clínicos e clínicos. Além disso, muitas companhias de biotecnologia foram fundadas por professores de universidades que seguiram esse paradigma da pesquisa translacional. Medicina translacional é um campo multidisciplinar que requer a cooperação de profissionais de diversas áreas: cientistas de pesquisa básica, especialistas em regulamentação ética local e federal, fabricação e intervenção clínica, apenas para citar alguns. A terapia gênica funciona? Os protocolos clínicos utilizando a terapia gênica foram iniciados nos E.U.A em 1990. Desde então, mais de 1700 protocolos foram conduzidos ao redor do mundo, sendo a sua grande maioria nos E.U.A e na Europa. Nestes protocolos várias doenças foram tratadas experimentalmente, mas principalmente, câncer, doenças cardiovasculares e doenças de hereditárias de origem genética. Os protocolos de terapia gênica brasileiros ainda estão na fase inicial de desenvolvimento, tendo alguns protocolos já executados aqui. Com mais de 20 anos de experiência clínica, será que podemos dizer que a terapia gênica realmente funciona? Sim, ela pode funcionar.  Existem fortes exemplos publicados que demonstram o sucesso da terapia gênica em várias doenças herdadas, aonde os pacientes tratados não precisam mais do tratamento com drogas ou pacientes que tiverem a função fisiológica que estava comprometida, restabelecida. Nós todos temos esperado pela cura do câncer por vários anos e muitos esperavam que a terapia gênica fosse providenciar isso. Curar o câncer uma vez que a doença já progrediu é um desafio enorme e, talvez, uma expectativa irreal. Entretanto, existem evidências claras que a terapia gênica é benéfica em prolongar a sobrevida e aumentar a qualidade de vida. Em outras palavras, a terapia gênica do câncer é um sucesso, mas ainda não é o tipo de cura que nós esperávamos que fosse. Felizmente, como muitos estudos já foram feitos, utilizando várias estratégias diferentes, a comunidade científica se aprimora cada vez mais e melhora as suas estratégias. Um exemplo recente de sucesso para o tratamento da Leucemia Crônica foi publicado este ano, em que em um protocolo clínico de fase I, as próprias células imunológicas dos pacientes foram modificadas com vetores virais e as tornaram capazes de combater as células tumorais presentes na corrente sanguínea. Neste caso, dois dos três pacientes tratados tiveram completa remissão da leucemia (KALOS et. al, 2011). Ainda é muito cedo para dizer que estes pacientes foram realmente curados, assim como outros pacientes de outros estudos, mas através dessa e de outras evidências claras de outros estudos é possível afirmar que a terapia gênica é benéfica para o paciente em prolongar a sobrevida e aumentar a sua qualidade de vida.  Em outras palavras, a terapia gênica do câncer é um sucesso, mas ainda não é o tipo de cura que nós esperávamos que fosse. Também temos que relembrar que o termo “terapia gênica” possibilita a utilização de várias estratégias para o tratamento de muitas doenças.  A terapia gênica do câncer, por exemplo, enfrenta vários desafios diferentes dos da terapia gênica de hemofilia e vice- versa. Dessa maneira, seria injusto dizer que a terapia gênica não funciona, só por que uma doença em particular é difícil de ser tratada por essa estratégia. Entre os desafios que a terapia gênica enfrenta realçamos a transferência gênica, a função do gene terapêutico e as considerações éticas que envolvem a escolha dos pacientes que serão tratados nos protocolos clínicos. Pois para a terapia gênica funcionar, o vírus ou o plasmídeo deve chegar até a célula alvo e entregar o gene terapêutico. Este gene agora precisa ser processado (transcrito em RNA no núcleo) e a proteína sintetizada (no citoplasma) e o mais importante, esta deve ser funcional. Tudo isso deve ocorrer apesar das nossas células e corpos terem desenvolvidos mecanismos para prevenir que DNA estranho (como o vírus da gripe) siga com sucesso todo esse caminho. A terapia gênica é ainda considerada experimental. Ou seja, ainda não sabemos se esse tipo de tratamento funcionará e se será seguro. Assim como novas drogas, a terapia gênica também precisa ser primeiramente testada em alguns pacientes. A seleção destes é normalmente limitada aos casos mais extremos das doenças, especialmente no caso do câncer, nos quais os tratamentos tradicionais já falharam. Desta maneira, a terapia gênica é normalmente aplicada somente quando a doença atingiu um estágio avançado, se espalhou e já debilitou os pacientes. Esta situação é indicada por considerações éticas que determinam que os pacientes sejam tratados com a melhor terapia disponível antes de testarem algo de carácter experimental. Mas nós questionamos que talvez uma situação mais favorável seja oferecer a terapia gênica antes que a doença tenha alçando esse estágio avançado, além do ponto de controle.  Já que a confiança na segurança da terapia gênica cresce, talvez, esse ponto mais precoce de intervenção se torne mais aceitável. Quais doenças podem ser tratadas com terapia gênica?           Em teoria, qualquer doença com um componente genético poderia ser tratada pela terapia gênica. Em outras palavras, um grande número de doenças pode ser candidato para a terapia gênica. Entre os protocolos clínicos que usam a terapia gênica como ferramenta, a doença mais frequentemente tratada é o câncer (aproximadamente 65% dos protocolos), seguida por doenças cardiovasculares (8,5%), doenças herdadas geneticamente (8,3%) e doenças infecciosas (8,1%). Doenças neurológicas juntamente com doenças oculares representam 2,3% de todos os protocolos para terapia gênica. Pode ser fácil dizer quando a terapia gênica não deve ser usada. Em geral, a terapia gênica não deve ser usada quando já existe um tratamento eficiente disponível.  É de senso comum que a terapia gênica não deve ser aplicada em células germinativas (células reprodutoras), para evitar que uma criança nasça com uma alteração genética. Além disso, o uso de terapia gênica para o aumento do desempenho em atletas (doping genético) não deve ser permitido.  Também podemos destacar que terapia gênica, especialmente para o câncer, não deve substituir terapias tradicionais. Na verdade, terapia gênica pode até mesmo funcionar sinergísticamente com modalidades tradicionais já existentes de terapia. A Tecnologia da Transferência Gênica             A transferência gênica é o processo pelo qual sequencias de DNA são introduzidas em uma célula alvo e constitui a base da terapia gênica. Como isso é feito, quais os genes que podemos utilizar e as diferentes estratégias empregadas é o que iremos explicar em seguida. Tecnicamente falando o processo de transferência gênica não é a transferência de um gene no sentido estrito da palavra. Isso porque pela definição, um gene está localizado em um cromossomo e consiste basicamente de uma região promotora seguida de éxons que são intercalados por íntrons. Estes elementos possuem toda informação necessária para copiar o gene para uma molécula de mRNA (transcrição do mRNA) e em seguida para uma proteína (tradução do mRNA). Portanto, quando utilizamos o termo “transferência gênica” não estamos sendo precisos no uso do termo pois o que realmente está sendo transferido é, na maioria das vezes, um cDNA. Este cDNA é derivado do mRNA e contém todas as informações necessárias para a geração de uma proteína de uma forma compacta e simplificada.              Contudo, a simples introdução do cDNA em uma célula não garante a produção de uma proteína. São necessárias também informações que irão regular o processo de transcrição e tradução, ou seja, como, aonde e quanta proteína terá que ser produzida. Este cDNA então deverá ser acompanhado de sequencias de DNA extras, ditas sequencias regulatórias, que são importantes para controlar todo o processo. A introdução destes elementos regulatórios junto ao cDNA oferece uma oportunidade estratégica pois podemos manipular e regular a produção da proteína de interesse para que esteja disponível na célula certa, no tempo certo e na quantidade certa.             Isto é feito através da utilização de promotores (sequencia regulatória) que dirigem a expressão do cDNA para tecidos específicos (como por exemplo células tumorais) ou em condições fisiológicas pré-determinadas (células em divisão acelerada como em alguns tipos de câncer). Uma nova área de pesquisa e bastante promissora envolve a transferência de sequencias de cDNA que não são traduzidas em proteína. Neste caso, uma sequência especial denominada de microRNA (shRNA, outra variação que também pode ser utilizada) que não codifica para nenhuma proteína é introduzida nas células. Os microRNAs bloqueiam a tradução de proteínas nas células mesmo que os genes correspondentes estejam presentes e expressando mRNA.                                   Para a terapia gênica esta condição é particularmente interessante pois podemos utilizar este mecanismo natural para desligar a produção de uma ou mais proteínas que estejam causando alguma alteração patológica nas células. Por exemplo, células cancerosas possuem muitas proteínas envolvidas no crescimento celular (o que representa um problema fundamental em câncer). Através da utilização dos microRNAs é possível desligar a produção destas proteínas indesejáveis e diminuir portanto o crescimento tumoral.             Agora que temos uma ideia melhor do que transferir para uma célula, vamos explorar os meios pelo quais podemos inserir as nossas sequencias regulatórias e de cDNA nas células. Da mesma forma que utilizamos meios de transportes para entregar bens de consumo no nosso dia a dia, podemos utilizar um veículo (aqui chamado de vetor) para entregar a carga genética para as nossas células-alvo. Os vetores básicos de transferência gênica incluem vírus e plasmídeos. Os vírus (exemplos: retrovírus, lentivírus, adenovírus além de outros) possuem mecanismos biológicos naturais para entrar em uma célula-alvo e expressar os seus genes. No laboratório, podemos modificar geneticamente estes vírus para que possam, além de perder sua patogenicidade, transportar sequencias de DNA de forma mais eficiente para o interior das células.              Portanto, podemos usar este vírus modificado como se fosse um cavalo de Tróia, transferindo genes terapêuticos para o interior das células. Alguns vírus possuem a capacidade de inserir o cDNA em nossos cromossomos de forma permanente.  Isto pode ser desejável para tratamentos que tenham que durar a vida inteira (como por exemplo, a hemofilia), mas indesejável em outros casos.             Existem ainda vírus que permanecem na célula de forma epissomal isto é, não inserem o cDNA no cromossomo das células. Estes vírus não danificam a célula e acabam permanecendo no interior da célula por pouco tempo. No caso da terapia gênica para o câncer este é uma situação desejável pois o objetivo da terapia é matar as células tumorais o mais rápido possível e eliminar a presença do vírus após o tratamento.               Uma desvantagem de utilizar vetores virais é que o nosso corpo possui defesas, como por exemplo, o sistema imune, que tende a eliminar estes agentes. Ainda assim este vetor é bastante utilizado na terapia gênica e tem se mostrado muito eficiente.              Plasmídeos são formas circulares de DNA e são encontrados em bactérias. A sua utilização no laboratório é corriqueira e considerados a ferramenta básica da engenharia genética e das tecnologias de DNA recombinante. Eles não causam doenças, não integram em nossos cromossomos e não ativam as nossas defesas imunológicas. São fáceis de serem manipulados, mas não possuem capacidade natural de penetrar nas células como os vírus. Alguns tipos celulares, como as células do músculo, são até permissíveis para a incorporação de plasmídeos, mas outras requerem o uso de agentes químicos (lipofectamina, PEG) ou físicos (eletroporação, penetração balística) para serem transferidas para o compartimento intracelular.             De uma maneira geral, 65% dos ensaios clínicos de terapia gênica usam os vírus como vetores e 35% usam plasmídeos. Contudo, o uso de vetores plasmídeos tem crescido em anos recentes enquanto que o uso de vetores virais permanece constante. Estratégias de terapia gênica bem sucedidas   Na década de 1990 a terapia gênica recebeu atenção da mídia, sendo tratada como a solução para o tratamento de diversas doenças até então “incuráveis”. Desde então surgiram questões como: “será que a terapia gênica funciona?” e “a terapia gênica é segura?”. Embora ainda não tenhamos a cura para o câncer, a terapia gênica tem sido bem sucedida no tratamento de certas doenças e relativamente poucos pacientes têm sofrido reações adversas sérias devido à intervenção genética (apesar de que estes poucos sofreram enormemente). A terapia gênica tem sido extremamente bem sucedida no tratamento de certas deficiências imunes hereditárias. Uma criança nascida com sistema imune deficiente, não possui defesa contra microrganismos e patógenos comuns, sem tratamento essas crianças faleceriam com menos de um ano de idade. Um tratamento disponível é o transplante de medula óssea, que muito embora possa restaurar o sistema imune, enfrenta o problema da dificuldade em se encontrar um doador compatível e mesmo após o transplante o paciente ainda irá necessitar de medicação continua. A terapia gênica foi empregada para corrigir o gene defeituoso de crianças com sistema imune deficiente (ADA-SCID e SCID), desses pacientes mais de 90% tiveram seus sistemas imunes restaurados, foram vacinados e puderam viver normalmente, sem a necessidade de medicação adicional. Uma forma de cegueira hereditária, a Amaurose congênita de Leber, também foi tratada com êxito por terapia gênica. Na ausência do gene RPE65 funcional, os cones e bastonetes da retina (as células responsáveis pelo reconhecimento da luz) não funcionam de forma apropriada e podem até mesmo morrer, deixando o paciente com deficiência visual de forma degenerativa. No entanto, com o uso de terapia gênica para introduzir o gene RPE65 funcional foi possível restaurar a visão de pacientes em pelo menos 3 ensaios clínicos, embora a visão dos pacientes submetidos ao tratamento não tenha sido plenamente restabelecida, houve melhora significativa ao ponto de serem capazes de distinguir formas e serem capazes de desviar de obstáculos enquanto caminhavam, melhorando drasticamente a qualidade de vida desses pacientes. Nossas células sanguíneas desempenham o papel de transportar oxigênio para todos os tecidos do corpo, de modo que a proteína beta-globina é a responsável por desempenhar tal função. No entanto, alguns indivíduos nascem com uma forma de beta-globina defectiva, incapaz de transportar oxigênio suficiente para os tecidos, afetando a vida dos pacientes. Uma forma dessa doença, denominada beta-talassemia (ou anemia de Cooley) é severa e tratada com transfusões de sangue ou mesmo transplantes de medula óssea (que só funciona para 25% dos pacientes). Um ensaio clínico usando terapia gênica foi bem sucedido ao introduzir uma cópia do gene da beta-globina normal nas hemácias. Graças à terapia gênica esses pacientes não necessitam mais de transfusões sanguíneas constantes.  Ensaios clínicos para o tratamento de câncer têm sido desenvolvidos usando uma grande variedade de estratégias (Estratégias de terapia gênica voltadas para o câncer). Alguns desses ensaios clínicos têm demonstrado claro benefício aos pacientes que receberam a terapia gênica, como aumento da sobrevida e da qualidade de vida. Infelizmente a terapia gênica pode não ser a cura que todos esperamos. Porém, argumentamos que pacientes que sobrevivam mais alguns meses que o esperado podem ter a chance, por exemplo, de segurar um neto recém-nascido ou celebrar bodas de ouro e isso é certamente um tratamento bem sucedido. Naturalmente preferimos prevenir a ocorrência do câncer e quando isso finalmente ocorrer, teremos uma cura real. A terapia gênica pode ainda ter um longo caminho a trilhar, mas avanços têm sido feitos. Mesmo com esses exemplos de sucesso, nenhum tratamento com terapia gênica foi aprovado para comercialização nos Estados Unidos e Europa. Na China, duas estratégias envolvendo terapia gênica para o tratamento do câncer foram aprovadas por agências regulatórias. Em outras palavras, médicos chineses podem prescrever para pacientes terapia genética. Ainda restam dúvidas quanto à eficácia dessas terapias, mas a grande disponibilidade de agentes baseados em terapia gênica significa que uma enorme quantidade de informação ainda pode ser gerada e indicar em quais situações particulares a terapia gênica para câncer funciona e o quão seguras são. Terapia gênica é segura? Já que a terapia gênica ainda é nova e experimental, há apenas um meio para verificar se ela funciona em pacientes e se é segura: ensaios clínicos. Nos 20 anos de experiência clínica de terapia gênica, centenas de pacientes foram tratados, e foram relatados apenas sete casos onde o tratamento teve efeitos colaterais indesejados e dois desses pacientes morreram devido à complicações relacionadas ao vírus e outros decorrentes do próprio tratamento. Com todo o respeito a esses pacientes e as pessoas que os amaram, nós defendemos que sete em centenas de pacientes é uma taxa muito baixa de efeitos adversos e que a terapia gênica parece ser segura na grande maioria dos pacientes tratados.             Então o que deu errado?             Em 1999, Jesse Gelsinger de 18 anos recebeu um tratamento experimental para sua rara doença metabólica, deficiência da ornitina transcarbamilase. O tratamento envolvia o uso de um vetor adenoviral para entregar uma cópia saudável do gene. Infelizmente, Jesser sofreu uma reação imune extrema causada pelo vírus e faleceu. Apesar de os pesquisadores envolvidos terem sido sancionados, esse caso certamente levanta várias questões sobre ética e responsabilidade. Nós concordamos que mesmo um evento é trágico. Mas também devemos nos lembrar de que nenhum outro paciente respondeu dessa maneira à terapia gênica com adenovírus e que o campo inteiro tem redobrado seus esforços para melhorar a segurança em geral e estudar os vetores adenovirais com maior cuidado.             A terapia gênica para o tratamento de uma rara forma de imunodeficiência hereditária, chamada X-SCID (Imunodeficiência combinada grave ligada ao X) tem sido tratada com bastante êxito pela terapia gênica. Cerca de 18 a 20 pacientes tratados recuperaram por completo a função de seus sistemas imunes. Infelizmente, 5 desses pacientes desenvolveram posteriormente uma forma de leucemia devido, em parte, ao vírus que foi usado para entregar o gene terapêutico. Todos foram tratados com quimioterapia, com sucesso para 4 pacientes, mas um paciente veio a óbito. Esses eventos levaram os pesquisadores de terapia gênica a encontrar alternativas e ter bastante cautela para que futuros pacientes não sofram. Novamente, esses foram os únicos pacientes a ter tal reação extrema, embora muitos pacientes tenham sido tratados de forma semelhante (alteração genética de células tronco hematopoiéticas com um retrovírus) e não sofreram quais quer efeitos adversos. Apenas como comparação, nós colocamos que 25% dos pacientes X-SCID tratados com transplante de medula óssea alogênico (significa que os doadores são semelhantes, mas imperfeitamente compatíveis) morrem, enquanto a terapia gênica foi associada com a morte em 5% dos pacientes tratados.             Um paciente que sofre com uma forma avançada de câncer de colo recebeu um tratamento com a esperança de criar uma resposta imune contra o tumor. Nesse caso as próprias células do sistema imune do paciente (células T) foram coletadas e modificadas pela introdução de um vírus carregando um gene que permite que essas células do sistema imune reconheçam o tumor, e por sua vez, matem as células cancerígenas. Em outras palavras, as células do sistema imune foram treinadas para procurar o tumor. Infelizmente e inesperadamente, essas células causaram uma resposta imune intensa que levou a morte desse paciente. Ressaltamos que o vírus usado não causou dano ao paciente. Nesse caso, as células T foram superativadas devido à atividade do gene terapêutico.             Devemos lembrar de que mesmo os tratamentos tradicionais quererem uma grande quantidade de tempo e investimento para se tornarem efetivos. Por exemplo, transplante de medula óssea levaram 30 anos de ensaios clínicos para se tornarem efetivos e ainda trazem sérios riscos para o paciente. A terapia gênica ainda está em fase de aprendizagem.             Além disso, muitas drogas tradicionais foram aprovadas pelas agências governamentais apenas para ser lembrado quando questões de segurança são levantadas (tal como o caso do Vioxx). Terapia gênica apresenta um problema diferente e talvez mais profundo em comparação aos agentes farmacológicos. Reagimos emocionalmente à ideia de que nossas células podem ser mudadas por um vírus que foi aplicado como um tratamento, e ainda assim nós tomamos uma pílula sem pensar sobre o seu conteúdo enquanto acreditamos que agentes químicos apenas vão embora após algum tempo. Logicamente nós sabemos que drogas requerem um longo tempo de desenvolvimento, um processo que custa tipicamente cerca 800 milhões de dólares. Muitos ainda esperam que a terapia gênica funcione melhor ou mais rapidamente que as drogas convencionais. Mas isso pode não ser a realidade. Estratégias de terapia gênica voltadas para o câncer.             O objetivo da terapia gênica voltada para o câncer, em geral, é para eliminar o tumor sem causar dano à célula normal. Isso pode ser alcançado diretamente através de um vetor que introduz um gene capaz de induz morte celular. Vias indiretas, como a indução de resposta imune, podem ser empregadas para combater mesmo células tumorais ocultas. Os vírus também  podem ser modificados para que possam destruir as células tumorais. Aqui iremos fazer dar uma visão geral das diversas estratégias que têm sido utilizadas.             Em geral, as terapias gênicas contra o câncer não são utilizadas no lugar das terapias tradicionais, mas em parceria. Terapia gênica e quimioterapia, por exemplo, podem trabalhar juntas para causar morte da célula tumoral, como descrito no trecho (a) abaixo.          Devemos ainda ressaltar que a administração sistêmica de vetores de terapia gênica é razoavelmente problemática. Injetar diretamente o vetor na corrente sanguínea não funciona da forma que gostaríamos. Frequentemente, a defesa natural do corpo é capaz de remover os vírus do sangue antes que estes possam ter a oportunidade de encontrar e matar o tumor. O fígado é particularmente bem adaptado para purificar o nosso sangue e faz um bom trabalho na remoção das partículas virais (especialmente no caso de Adenovírus, o vetor viral mais comum em terapia gênica do câncer).             Uma vez que a entrega sistêmica é bloqueada pelo fígado, os vírus são normalmente injetados diretamente para a massa tumoral. Essa metodologia é fácil e confere certo grau de especificidade, no entanto, não é possível garantir a infecção (transdução) de todas as células do tumor. A quantidade de vírus necessária para infectar todas as células tumorais de uma vez provavelmente iria causar severos efeitos adversos. Assim, as estratégias para terapia gênica do câncer devem levar em conta o fato de que relativamente poucas células tumorais serão infectadas. a)    Morte direta de células cancerosas por transferência gênica             A morte de células cancerosas pode ser alcançada por diversas estratégias. Por exemplo, o gene supressor de tumor p53 pode ser introduzido com o objetivo de induzir parada do ciclo e morte celular. Este deve ser um dos tópicos mais estudados na terapia gênica do câncer e de fato é uma das estratégias já aprovadas para uso e comercialização pelo governo chinês (refs). A função de p53 é de prevenir nossas células de se desenvolverem em células cancerosas. Essa proteína é capaz de realizar tal tarefa ao reconhecer quando a célula está em risco por acumulo de mutações e, em resposta, induz à morte celular. Quando p53 da célula é perdido ou modificado, a célula se torna apta a se tornar cancerosa. Assim que p53 reconhece os sinais que indicam sofrimento celular, desempenha um papel importante mediando à eficácia de quimioterapias e radioterapias. Diversos quimioterápicos funcionam ao causar dano ao DNA celular ao ponto de que esta não é capaz de sobreviver e uma das vias de sinalização que leva à morte celular é mediada por p53. Dessa forma p53 é interessante, pois pode induzir morte celular sozinha, mas também pode trabalhar cooperativamente com tratamentos de câncer tradicionais para aumentar a morte tumoral.             Como células tumorais geralmente crescem (proliferam) mais rapidamente que células normais (as quais dificilmente proliferam), essas células em divisão constante devem reproduzir uma copia de seu DNA (o processo de replicação de DNA) para ser transmitida para uma nova célula-filha. Diversas estratégias anticâncer, especialmente certas quimioterapias, tem como alvo o bloqueio da replicação de DNA. Isso pode ser alcançado por terapia gênica. Nesse caso, um gene capaz de modificar uma droga (como o ganciclovir) é introduzido na célula, impedindo a replicação de DNA e levando à morte celular. Esse gene, conhecido como Timidina Quinase (ou TK)  não causa dano a célula se a droga não está presente. Mais ainda, essa droga não causa dano à célula se TK não está presente. Somente quando os dois estão presentes a replicação de DNA é bloqueada. Lembre-se que células normais, em sua maioria, não precisam fazer uma cópia de seu DNA, uma vez que estas células não estão se dividindo ativamente. Assim o tratamento com TK/ganciclovir tem especificidade para células tumorais. A estratégia de TK/ganciclovir é somente um dos exemplos de terapia de “enzima-ativadora de pró-droga”, também denominada de “terapia de enzima de pró-droga gene-direcionada” ou “terapia de gene suicida”. Outro aspecto interessante da terapia gênica com TK/ganciclovir é que esta provoca a morte de células tumorais vizinhas, mesmo que estas não tenham sido infectadas pelo vírus. Esse efeito “bystander” ajuda na amplificação do efeito da terapia gênica e ainda é especifica para células tumorais. O efeito “bystander” é decorrente da passagem de ganciclovir modificado de uma célula a outra e também por envolver a resposta imune. b)    Recrutamento do sistema imune para morte de células tumorais             O tratamento do câncer através da indução de resposta imune por terapia gênica é promissor, mas complexo. Lembre-se que uma das razões para o desenvolvimento do câncer em primeiro lugar é devido ao seu escape do sistema imune. Células cancerosas podem se ocultar do sistema imune (de modo que mesmo um sistema imune funcional não seja capaz de reconhecer uma célula cancerosa bem na sua frente). Mais ainda, o tumor pode mandar sinais que desligam o sistema imune, assim a resposta nem mesmo se inicia. Assim podemos esperar que a ativação do sistema imune contra células tumorais não deve ser uma tarefa fácil.             Um exemplo do emprego da terapia gênica para induzir a resposta imune é a inserção de um gene no tumor, que atue como um sinalizador para atrair uma resposta do sistema imune. As células tumorais se tornariam fábricas desse fator indutor da resposta imune (GM-CSF, por exemplo), ao mesmo tempo em que se tornam alvos da destruição pelo sistema imune.             Alternativamente, o próprio sistema imune do paciente pode ser direcionado para a busca e destruição de células tumorais. Uma das formas é através da remoção de células T do paciente (células imunes que reconhecem e matam células indesejadas) e inserção de genes que ativem as células T. Dependendo d gene inserido as células T podem ser modificadas para rastrear e destruir as células tumorais.             Outra via seria induzir as células do sistema imune do paciente a despertar as células T. Nesse caso, seriam inseridos nas células dendríticas (células que sinalizam para a ativação de células T) genes ativadores e/ou capazes de “ensinar” essas células como reconhecer o tumor. Após implantação dessas células altamente treinadas no corpo, elas assumiriam seu trabalho normal de recrutar as células T para perseguir as células tumorais. c)    Vírus oncolíticos procuram e destroem células tumorais             As estratégias descritas em a) e b) acima dependem da indução de morte celular e em alguns casos, as células devem estar crescendo rapidamente para que a terapia funcione. Este é um problema real, uma vez que nem todas as células tumorais crescem tão rapidamente (como as células tumorais progenitoras) e uma das marcas do câncer é a sua habilidade de sobreviver mesmo quando as células são bombardeadas com sinalização, radiação, drogas, etc,  que deveriam destruí-las. Em outras palavras, células cancerosas podem ser resistentes aos tratamentos que bloqueiam replicação de DNA ou induzem morte células programada (apoptose).             Uma solução intrigante para esse problema é o uso da biologia de alguns vírus para procurar e destruir as células tumorais. Com grande atenção para a segurança, vírus podem ser modificados para replicar (produzir mais vírus) somente nas células tumorais. Os vírus recém-formados acumulam dentro das células tumorais até que  se rompam, liberando a progênie viral para repetir o processo em outras células tumorais. Uma vez que o vírus não é capaz de replicar em células normais, estas são deixadas incólumes. Tais vírus são denominados “oncolíticos” ou “com replicação condicional”.             O uso de vírus oncolíticos apresentam diversas vantagens potênciais. Primeiramente, são específicos para as células tumorais. Segundo, ele se dissemina de uma célula tumoral para outra. De fato, uma célula tumoral pode produzir milhares de vírus, assim em teoria a primeira célula tumoral morta poderia levar a morte continuamente de milhares de outras células tumorais. O bloqueio da replicação de DNA da célula tumoral não é parte do mecanismo de lise oncolitica (a morte da célula tumoral). Isso significa que o vírus oncolítico pode matar até mesmo as células tumorais que não estão crescendo rapidamente, representando um mecanismo importante para se erradicar o tumor de vez. Mais ainda, a oncólise não depende da indução da morte celular. Isso é critico uma vez que mesmo as células tumorais resistentes aos tratamentos tradicionais podem ser suscetíveis aos vírus oncolíticos. Referências Bibliográficas http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Biotecnologia/terapia_genica.php http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142010000300004&script=sci_arttext http://soumaisenem.com.br/biologia/engenharia-genetica/terapia-genetica http://www.terapiagenica.net.br http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio12/terapia.pdf