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As contribuições da memória na formação
continuada de professores
Article · November 2015
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2 authors:
Jane Machado
Rui Neves
Universidade Federal Fluminense
University of Aveiro
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AS CONTRIBUIÇÕES DA MEMÓRIA NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
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FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA
AS CONTRIBUIÇÕES DA MEMÓRIA NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES
THE CONTRIBUTIONS OF THE MEMORY IN THE TEACHERS CONTINUOUS TRAINING
Jane do Carmo Machado
Universidade Federal Fluminense w Universidade Católica de Petrópolis
E-mail: jane.machado@ucp.br
Rui Neves
Universidade de Aveiro
E-mail: rneves@ua.pt
Resumo
Este artigo centra-se na análise do potencial da memória de trabalho e de formação de
professores retomada nos Ateliês de formação continuada e em serviço de professores
desenvolvidos na própria escola a partir dos sentidos por esses sujeitos atribuídos. Adotouse uma investigação de natureza qualitativa, baseada nos pressupostos teóricos da análise de
conteúdo. Os dados foram recolhidos (2013) a partir de entrevistas semiestruturadas com
professores e orientadoras pedagógicas da rede de ensino municipal de Petrópolis, RJ Brasil. Os resultados levam a inferir que os sujeitos consideram que tal memória contribui
com a sua reflexão sobre o seu trabalho docente de modo a encontrarem um caminho para
enriquecer o processo de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: formação continuada de professores. prática docente. memória.
Abstract
The article focuses on the analysis of the potential of the teachers’ work and formation
memory bringing back in the continuous training workshops which are developed at the
school from the meanings attributed for them. A qualitative research based on theoretical
assumptions of content analysis was adopted. The data were collected (2013) from the semistructured interviews with teachers and pedagogic counselors who work in schools of the
Petrópolis municipal teaching network, RJ – Brazil. The results lead to the inference that
teachers and pedagogic counselors consider that their memory of work and formation
contributes with their reflection about their teaching work in order to improve the teachinglearning process.
Palavras-chave: teachers continuous training. teaching practice. memory.
Revista Eletrônica Debates em Educação Científica e Tecnológica, ISSN 2236-2150 – V. 05, N. 03, p. 49-66, Novembro, 2015
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FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA
1. INTRODUÇÃO
As contribuições da memória de formação e trabalho de professores e orientadoras
pedagógicas surgem como principal conteúdo de análise dos sentidos por esses sujeitos
atribuídos a essa memória durante os Ateliês de formação continuada e em serviço de
professores realizados na própria escola. Para Machado (2011; 2015), os Ateliês são espaços
privilegiados de formação continuada e em serviço onde os professores, tanto individual
como coletivamente, têm a oportunidade de partilharem o que já viveram, trazendo para o
centro das discussões suas experiências, seus saberes, seus conhecimentos, suas
aprendizagens e não-aprendizagens, buscando tornar o vivido parte de seu repertório,
assumido-o como patrimônio capaz de ressignificar o passado e apontar caminhos no futuro.
Nessa perspectiva, esse repertório de memórias de trabalho e de formação partilhado pode,
dependendo do modo como acontece essa rememoração e dos sentidos atribuídos pelos
sujeitos participantes, ser traduzido e concebido a partir de uma perspectiva de
aprendizagem durante o processo de socialização-reflexão levado a cabo nesses ateliês de
formação.
Assim, parte-se do pressuposto que a memória pode mobilizar e colocar os professores em
um movimento retrospectivo em que a rememoração pode ser potencializadora também de
uma visão prospectiva sobre a sua atividade docente e também sobre o seu processo de
formação continuada. Entretanto, o fato de essa memória docente poder tornar-se
repertório transformado em patrimônio de trabalho e formação não garante que será
preservada e usada como dispositivo para outras aprendizagens, uma vez que a forma de
preservação e o uso dado estão intimamente relacionados aos sentidos a ela atribuídos por
cada um dos envolvidos a partir das suas próprias experiências.
Diante do exposto, considera-se relevante trazer para o centro das discussões aqui
apresentadas algumas alocuções de professores e orientadoras pedagógicas que apontam,
durante os ateliês de formação, a memória sendo assumida na perspectiva de memória
exemplar de Todorov (2011a; 2011b). Nesse sentido, atribui-se a memória importante papel,
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especialmente para tornar as experiências vividas por esses professores mais
potencializadoras de outras que estarão por viver.
2. PERCURSO METODOLÓGICO
Este estudo, de natureza qualitativa, centrou-se na análise do potencial atribuído à memória
de trabalho e de formação de professores e orientadoras pedagógicas que participaram da
pesquisa intitulada “Ateliê de formação e em serviço de professores: desafios e
possibilidades”1, considerando suas próprias alocuções. Os dados são decorrentes de 19
entrevistas semiestruturadas realizadas no primeiro semestre de 2013 com esses sujeitos
sobre a sua participação nos ateliês de formação2 desenvolvidos em escolas do Ensino
Fundamental, Educação Básica, da rede municipal de ensino de Petrópolis, RJ-Brasil.
O tratamento dos dados ancora-se na análise de conteúdo (BARDIN, 2013) em uma
perspetiva interpretativa das alocuções desses professores. Para a organização, agrupamento
e codificação dos dados, utilizou-se o apoio do software WebQDA - versão 2.0.0 - (COSTA;
LINHARES; NERI DE SOUZA, 2012), cujo formato viabiliza a construção de categorias a partir
de nós principais e subnós e permite um trânsito mais dinâmico do pesquisador sobre os
dados.
Assim, frente aos dados recolhidos durante a pesquisa de campo, a pesquisadora precisou
assumir uma posição crítica e comprometida para poder tomar decisões que viabilizassem a
análise desses dados de modo a que correspondessem aos sentidos a eles atribuídos pelos
sujeitos . Como postulado por Bogdan e Biklen (2010), o pesquisador, diante dos dados
recolhidos, acaba por se imaginar em um grande ginásio com milhares de brinquedos
espalhados pelo chão os quais demandam uma decisão que possa viabilizar uma melhor
1
2
Esta pesquisa está vinculada a Tese de Doutorado defendida em 24 de fevereiro de 2015 no Programa de
Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense – RJ.
Ateliês de formação e em serviço de professores considerados espaços voltados para o desenvolvimento de
práticas formativas na escola, em que os professores têm a oportunidade de refletir criticamente sobre o
próprio trabalho de modo a potencializá-lo (MACHADO, 2011; 2015).
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organização, interpretação e análise dos mesmos.
Como orientadora pedagógica dessa mesma rede de ensino, a pesquisadora precisou
também aproximar-se da perspectiva de Velho (2012) quando sustenta que um tempo
razoavelmente longo de contato com os sujeitos pesquisados pode possibilitar o
conhecimento dos pontos de vista e das visões de mundo dos diferentes sujeitos em
situações sociais que estão sendo observadas, mesmo que essas possam parecer familiares
aos olhos do pesquisador, elas podem sempre suscitar situações de estranheza, dependendo
da posição que o pesquisador se coloca, assumindo o objeto de estudo a partir de uma
reflexão sistemática. Desse modo,
Posso estar acostumado...com uma certa paisagem social onde a disposição
dos atores me é familiar, a hierarquia e a distribuição de poder permitemme fixar, grosso modo, os indivíduos em categorias mais amplas. No
entanto, isto não significa que eu compreenda a lógica de suas relações. O
meu conhecimento pode estar seriamente comprometido pela rotina,
hábitos, esteriótipos. Logo, posso ter um mapa mas não compreendo
necessariamente os princípios e mecanismos que o organizam (VELHO,
2012, p.7).
Nesse sentido, para o autor, tanto o familiar quanto o exótico no processo de investigação e
análise podem suscitar e envolver diferentes dificuldades que, ao longo, devem ser
minimizadas ao recorrer aos conhecimentos disponíveis sobre o fato e os sujeitos em
questão. Ao fazer referência a Da Matta, o autor lembra da dificuldade de o pesquisador
“transformar o exótico em familiar e o familiar em exótico” como um grande desafio a ser
superado. Estranhar o familiar vai exigir, apesar da subjetividade envolvida, capacidade de
afastamento crítico, sistematizado: “O processo de estranhar o familiar torna-se possível
quando somos capazes de confrontar intelectualmente, e mesmo emocionalmente,
diferentes versões e interpretações existentes a respeito de fatos, situações” (VELHO, 2012,
p. 12).
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2.1. Aportes teóricos
A formação de professores, especialmente a formação continuada, segundo autores como
Alarcão (1998; 2001; 2010a), Freire (2005), Tardif (2005), Formosinho (2009), Nóvoa (2009),
Imbernón (2009; 2010; 2011), Benachio e Placco (2012) precisa estabelecer uma relação com
o próprio trabalho pelo professor desenvolvido para que possa potencializar esse trabalho a
partir do que é passível de ressignificação e aprendizagem. Pensar o processo de formação
relacionado ao trabalho vai demandar não só a retomada das experiências já vividas, mas
também uma reflexão-ação prospectiva desse trabalho. Quando os professores participam
de propostas de formação que os colocam em contato direto com situações por eles ou pelos
pares vividas têm a possibilidade de, ao revisitá-las, atribuir-lhes um outro sentido a partir
das articulações que conseguir fazer com suas experiências, saberes e conhecimentos. Nessa
linha, Nóvoa (2009) sustenta que a formação de professores ganharia muito se fosse
organizada em torno de situações concretas, de insucesso escolar, de problemas escolares ou
de programas de ação educativa em que os professores pudessem mobilizar seus
conhecimentos teóricos para poder resolver tais situações de modo a responder às
demandas próprias da atividade docente. Nessa retomada do passado, das situações
concretas vividas, a memória surge como grande aliada, pois viabiliza uma reaproximação do
vivido de forma a torná-lo mais significativo, especialmente quando essa memória é
retomada na perspectiva exemplar.
Assim, a memória exemplar (TODOROV, 2011a; 2011b) seria a que concebe os
acontecimentos passados de modo mais generalizado, sem deixar que percam sua
singularidade e sejam percebidos mais amplamente, podendo promover um ensinamento
sobre o presente. O dever de memória implica pensar tanto nos bons usos, como nos abusos
que se faz desse resgate do passado. Desse modo, o culto à memória encontra-se, na
perspectiva do autor, presente especialmente na sociedade ocidental, em regimes
totalitaristas que defendiam um processo de apropriação e de controle da memória,
relacionado a situações consideradas traumáticas, carregadas de dor, de violência, de
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abandono, de poder, que deixavam nos sujeitos marcas fortes e profundas, embora
pudessem também beneficiar os que a evocavam ou evocam hoje. Se o processo de
rememoração estava muito ligado a um processo de sofrimento, não poderiam esses sujeitos
a partir do vivido buscar outros sentidos que potencializem sua reflexão e libertação a fim de
que optassem por fazer bom uso dessa memória, rejeitando os abusos?
Assim, se, nos ateliês, os professores e orientadoras pedagógicas optarem por fazer um bom
uso da memória, principalmente da memória de trabalho articulada à memória de formação,
vão precisar se colocar ativamente diante de suas necessidades e expectativas relacionadas à
própria atividade docente.
Ao se considerar o bom uso da memória, pode-se eleger como caminho de retomada do
passado, que algumas vezes ocorre de forma voluntária e outras involuntária, um processo
que exija do sujeito um envolvimento mais direto sobre seu processo de rememoração a fim
de que se revele significativo para o presente e o futuro.
Por conseguinte, quando os professores e orientadoras pedagógicas têm a oportunidade de
durante a sua formação continuada buscarem as contribuições da memória para a
compreensão das experiências vividas com vistas a transformá-las em pistas que fazem uma
ponte entre o passado, o presente e o futuro não segundo uma perspectiva de nostalgia ou
sofrimento sobre esse passado, mas sim como um dispositivo emancipador que pela
aprendizagem faz rever, avaliar e ressignificar o vivido e o a viver.
A formação de professores, especialmente a formação continuada, segundo autores como
Nóvoa (2009), Alarcão (1998; 2001; 2010a), Freire (2005), Formosinho (2009) precisa
estabelecer uma relação com o próprio trabalho pelo professor desenvolvido para que possa
potencializar esse trabalho a partir do que é passível de ressignificação e aprendizagem.
Pensar o processo de formação relacionado ao trabalho vai demandar não só a retomada das
experiências já vividas, mas também uma reflexão-ação prospectiva desse trabalho.
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A memória exemplar (TODOROV, 2011a; 2011b) seria a que concebe os acontecimentos
passados de modo mais generalizado, sem deixar que percam sua singularidade e sejam
percebidos mais amplamente, podendo promover um ensinamento sobre o presente. Assim,
o dever de memória implica pensar tanto nos bons usos, como nos abusos que se faz desse
resgate do passado. Desse modo, o culto à memória encontra-se, na perspectiva do autor,
presente especialmente na sociedade ocidental, em regimes totalitaristas que defendiam um
processo de apropriação e de controle da memória, relacionado a situações consideradas
traumáticas, carregadas de dor, de violência, de abandono, de poder, que deixavam nos
sujeitos marcas fortes e profundas, embora pudessem também beneficiar os que a evocavam
ou evocam hoje. Se o processo de rememoração estava muito ligado a um processo de
sofrimento, não poderiam esses sujeitos a partir do vivido buscar outros sentidos que
potencializem sua reflexão e libertação a fim de que optassem por fazer bom uso dessa
memória, rejeitando os abusos? Assim, se, nos ateliês, os professores e orientadoras
pedagógicas optarem por fazer um bom uso da memória, principalmente da memória de
trabalho articulada à memória de formação, vão precisar se colocar ativamente diante de
suas necessidades e expectativas relacionadas à própria atividade docente.
Ao se considerar o bom uso da memória, pode-se eleger como caminho de retomada do
passado, que algumas vezes ocorre de forma voluntária e outras involuntária, um processo
que exija do sujeito um envolvimento mais direto sobre seu processo de rememoração a fim
de que se revele significativo para o presente e o futuro.
Por conseguinte, quando os professores e orientadoras pedagógicas têm a oportunidade de
durante a sua formação continuada buscarem as contribuições da memória para a
compreensão das experiências vividas, narrando-as e sendo narrado por elas (BENJAMIN,
1996), com vistas a transformá-las em pistas que fazem uma ponte entre o passado, o
presente e o futuro não segundo uma perspectiva de nostalgia ou sofrimento sobre esse
passado, mas sim como um dispositivo emancipador que pela aprendizagem faz rever, avaliar
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e ressignificar o vivido e o a viver.
3. DOS RESULTADOS: O POTENCIAL DA MEMÓRIA EXEMPLAR
Neste estudo, considerando a extensão da pesquisa a ele relacionada, foram selecionadas
algumas alocuções e os sentidos pelos participantes atribuídos que têm como base a
memória desses sujeitos sobre seus próprios processos de formação e de trabalho.
Diante dos dados, assumindo a perspectiva referendada por Velho (2009) sobre a
possibilidade de se estranhar o familiar, buscou-se um mergulho nos dados que
oportunizasse um aproximar e um afastar das perspectivas apontadas pelos sujeitos sobre o
potencial da memória para ressignificar o próprio trabalho e a formação continuada.
Importa trazer algumas alocuções que sustentam a importância da memória em um processo
de ressignificação do vivido e do a viver. Nesse sentido, quando Freire (2005) aponta que a
atividade docente exige dos professores, como sujeitos inconclusos, um pensar criticamente
a prática de hoje e de ontem para poderem melhorar a próxima prática, estando, portanto,
em processo permanente de formação, o resgate da memória desses professores torna-se
essencial para que possam rever e ressignificar seus próprios processos de formação e de
trabalho. Assim, nas alocuções seguintes é possível perceber essas idas e vindas que os
professores fazem de seus percursos quando revividos por meio desse mergulho feito em
suas próprias memórias.
Sim, é o momento em que você tem pra refletir né, quando você coloca, quando o
outro se coloca você consegue, começa comparando: ''Espera aí, que é que eu
faço né?'', ''O que é que eu tô acertando?'', ''O que é que eu tô errando?'', a
gente, eu consigo, assim, ver as minhas falhas e acertos na hora, no momento da
conversa, na leitura de um texto, na hora que o colega se coloca né, como ele faz
aquilo, eu falo: ''Nossa.''. É você, é um momento pra você se criticar e se colocar,
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refletir mesmo: ''Eu faço isso, mas isso não é bacana'' ou então ''Eu faço isso e
isso é legal.'', ''Aquilo que ele faz é legal.''. Vejo assim um momento muito
importante de avaliações nesses encontros né (Professora Adélia – Entrevista).
Eu acho que a gente sente falta de tá ali conversando com o colega, de tá
trocando com ele, não os colegas só da nossa área, mas das outras áreas
também. Eu lembro que eu já aproveitei muitas dicas que colegas professores de
outras áreas me deram (Professora Paula – Entrevista).
Essas alocuções podem apontar as muitas possibilidades abertas para se olhar o próprio
trabalho e o dos pares a partir de outro ângulo de visão capaz de ampliar e aprofundar a
reflexão sobre sua atividade docente. Daí se defender a necessidade de criação de espaços
para que os professores no coletivo retomem suas experiências de trabalho por meio da
memória exemplar e, tal como postulado por Sarmento (2009), possam aproveitar o contato
com os colegas como produtor de aprendizagem pelo erro que se observa. De fato, quando a
professora Adélia, na sua reflexão individual diz: ''Espera aí, que é que eu faço né?'', ''O que é
que eu tô acertando?'', ''O que é que eu tô errando?'', está fazendo um retorno ao seu
próprio passado vivido usando a prática do outro professor como um espelho que reflete a
sua e, ao mesmo tempo, abre outros caminhos, indica outras opções que podem contribuir
para a melhoria de seus próprios processos.
A mesma autora defende que a voz dos professores surge como fundamento de
conhecimento das suas experiências formativas. Nessa linha, argumenta-se que a memória
exemplar tornada visível e concreta por meio da voz dos professores pode promover uma
releitura na qual o trânsito entre o passado vivido e o presente em curso vai, de algum
modo, influenciar o futuro a viver, e dependendo como os sujeitos dialogam com as suas
memórias e também com a dos pares, podem tornar essa releitura mais significativa ou não.
Quando a professora Paula diz que aproveitou as dicas dadas por seus pares, reforça não
somente a ideia de que os professores reconhecem que a prática de um pode servir de base
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e de modelo para a prática desenvolvida por outro, como também indica a importância da
partilha de saberes entre os professores, saberes experiencias, que são defendidos por Tardif
(2005) como os que constituem o alicerce da prática e da competência profissionais.
[…] eles sempre pensam sobre o que já viveram e tentam trazer, isso ajuda até a
aplicação de novos, novos debates, novas questões, novas atividades mesmo.
Isso é algo que os professores fazem sempre de colocar em prática, de socializar
sim e trazer pra discussão no momento da nossa reunião as experiências que já
passaram, não são todos, mas muitos gostam de falar (OP. Marta – Entrevista).
Almeida (2010) sustenta que permitir que o vivido aflore tem uma forte implicação afetiva,
considerada um motor para que novas propostas de trabalho sejam aceitas, e também pode
aumentar as possibilidades de releitura da experiência quando confrontada com situações
do presente. Desse modo, no momento em que os professores, segundo a orientadora
pedagógica Marta, “[…] eles sempre pensam sobre o que já viveram e tentam trazer, isso
ajuda até a aplicação de novos, novos debates, novas questões, novas atividades mesmo”,
fundamenta esta discussão de que é possível, pela memória, fazer transitar o vivido e criar
ecos no presente e no futuro. Nesse momento, os envolvidos podem assumir posições
diversas, podem ser ora formadores e ora formandos na perspectiva apontada por Nóvoa
(1997; 2009).
Eu vejo que tem coisas que os colegas fazem e que a gente precisava de mais
tempo pra tá diluindo a informação, tá buscando outras fontes pra poder
compreender melhor, mas o tempo é um grande entrave. Então, quem tem
possibilidade, às vezes, continua o processo sozinho, eu falo isso até por mim,
nem sempre eu consigo né tá retomando… (Professora Adélia – Entrevista)
Essa dinâmica de retomada do vivido nem sempre se traduz como uma dinâmica fácil, pelo
contrário, muitas vezes requer dos sujeitos a assunção de que aquele momento de
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rememoração pode potenciar outras experiências mais significativas. Sendo assim, tal
empreendimento vai exigir não somente o seu reconhecimento e a sua validação por parte
dos indivíduos, mas também, em muitos momentos, que tal processo seja dinamizado por
alguém capaz de contribuir para que a interação criada a partir da partilha mais
potencializadora desse mesmo processo, que tem implicações no trabalho desenvolvido e a
desenvolver, traduza-se em melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem.
Alarcão e Canha (2013) apontam que o supervisor, aqui denominado orientador pedagógico,
é o profissional capaz de colocar os sujeitos em um movimento de aprendizagem e de
interação em que:
[…]interagir com pessoas e criar condições para que elas interajam entre si,
interajam consigo e interajam com os ambientes que as cercam,
desenvolvendo-se e contribuindo para o desenvolvimento daqueles com
que convivem, do campo de atividade em que atuam e dos contextos em
que se movem (ALARCÃO; CANHA, 2013, p.76).
A professora Laura fala de um tempo em que a formação acontecia de forma bem diferente
da que experiencia hoje, pois não criava espaços para que os professores pudessem atuar
mais como intervenientes ativos (LEITE, 2001) de seus processos de trabalho e formação:
[…] hoje a gente vê realmente o professor participando, ele dando a sua opinião,
ele trocando experiências, quer dizer você vê uma participação muito maior do
professor hoje em dia. Eu mesma participo muito mais, vejo que a gente tem
mais abertura pra isso, não precisa só ficar escutando, pelo contrário, acho, né,
que existe mais uma vontade da escola pra que a gente se envolva mais, a gente
dê nossa opinião, nosso conhecimento, e a gente quer isso. Pra mim, eu acho que
assim é melhor, a gente se sente mais importante né. Quando a gente só
escutava, acho que os encontros eram chatos, a gente não tinha muita vontade
de participar né, agora a gente tem vontade, mas por causa da carga horária
nem sempre, né, é possível (Professora Laura – Entrevista).
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Dos dados, pode-se inferir que os professores e orientadoras pedagógicas estão buscando
ampliar o foco de visão sobre o próprio trabalho, articulado à formação, no momento em
que, lançando mão das suas memórias, criam espaços de reflexão, de avaliação, de
aprendizagem e intervenção futura no próprio trabalho. O fato de se colocarem nesse
movimento de partilha, em que há uma circulação de saberes, de experiências, de erros, de
práticas, de constatações, já os aproxima da perspectiva de Giroux (1997), como intelectuais
transformadores capazes de intervir sobre as etapas implicadas no próprio trabalho. Importa
salientar que mesmo que os professores ainda não tenham tido a oportunidade de tornar
esses momentos de formação como parte integrante da sua atividade docente, devido a
inúmeras questões de ordem administrativa, pelas suas próprias condições de trabalho e, até
mesmo, pelo reconhecimento e validação atribuídos a esses momentos, pelas alocuções,
esses momentos já se constituem significativos para muitos dos envolvidos.
Para Imbernón (2010, p. 65): “A colaboração é um processo que pode ajudar a entender a
complexidade do trabalho educativo e dar respostas melhores às situações problemáticas da
prática”. Nos ateliês, quando a memória torna-se principal conteúdo para se pensar o
trabalho desenvolvido e a desenvolver, os professores precisam assumir uma posição
colaborativa de modo a potencializarem tal dinâmica de formação. A colaboração ajuda a
ampliar as possibilidades de engajamento em um projeto maior de escola, de educação e de
trabalho, já que projetos individuais deixam à margem as expectativas e as necessidades de
formação e de trabalho do professorado pertencente a uma escola reflexiva (ALARCÃO,
2001) que vai muito além dos limites impostos pelos muros das escolas.
Nesse sentido, trazer a voz dos envolvidos em uma proposta de formação que busca a
valorização das próprias experiências por eles vividas como sendo importantes para que
possam não só problematizá-las, mas, especialmente, transformá-las em aprendizagens que
potencializem o reconhecimento e a abertura de outros caminhos, é fundamental quando se
quer a transformação do próprio status quo a partir dos que devem se responsabilizar por
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todas as etapas implicadas em seu trabalho docente.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do exposto, e tomando por referência a experiência de formação continuada e em
serviço que acontecem nos ateliês levados a cabo nas escolas da rede municipal de ensino de
Petrópolis - RJ, que tem como uma das matérias-prima da formação a memória, tomada na
perspectiva exemplar, em que o uso dessa memória permite utilizar o passado para fins
presentes, buscou-se ratificar o potencial da memória nos processos de formação
continuada de professores.
Dessa forma, aproveitando as lições das injustiças sofridas para se ficar alerta e encampar
uma luta contra as que são produzidas no presente a partir de um enfrentamento mais
vigoroso, baseado na experiência que se fortifica no trabalho e na formação implementada
colaborativamente. É colocar o passado a serviço do presente, da justiça. Assim, o dever de
memória surge não como reparação, compensação de um passado mal vivido, mas abre
possibilidades de ressignificação do passado no presente para melhor vivê-lo (TODOROV,
2011a; 2011b).
As alocuções dos professores e orientadoras pedagógicas que trazem, por meio da memória,
situações vividas e reflexões sobre seus processos de trabalho e de formação surgem como
expressivo material para se pensar na importância de projetos, propostas de formação que
promovam um mergulho no passado vivido para poder se pensar, prospectivamente, no
futuro.
A memória será importante aliada nesse processo de formação continuada e em serviço de
professores uma vez que ajudará os professores a construírem, coletivamente, a sua história
passada de formação e de trabalho para, a partir dela e com ela, buscarem subsídios para
viverem bem e com justiça, no que se refere às condições de trabalho e de valorização, a sua
profissão docente. Nesse sentido, resgatar o passado é também problematizar o presente e
qualificá-lo.
Diante disso, considero imprescidível trazer para a mesa de discussões sobre a formação e o
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trabalho dos professores não apenas estudos e concepções de pesquisadores renomados,
mas, especialmente, nesse diálogo, trazer a voz de professores e orientadoras pedagógicas
que estão vivendo uma experiência de formação continuada centrada na própria escola, que,
embora se encontre em pleno processo de construção, reconhecimento e validação pelos
envolvidos, já se revela significativa para muitos deles. Assim, defende-se que a formação
continuada de professores é um
[...] processo complexo que envolve a apropriação de conhecimentos e
saberes sobre a docência, necessários ao exercício profissional, em que se
toma a escola como lócus privilegiado para a formação. Parte-se do
pressuposto do professor como sujeito capaz de criar e recriar sua própria
formação, assumindo-se como protagonista desse processo. Entende-se
que a formação é um processo em que o professor vivencia de forma
deliberada e consciente a construção de sua autonomia e autoria
profissional, em um movimento de ser, pensar e fazer a docência
(BENACHIO; PLACCO, 2012, p. 58).
Quando os professores e as orientadoras pedagógicas percebem que a memória dos sujeitos,
quando considerada exemplar, ajuda a pensar os projetos, o trabalho, a própria formação
continuada de modo a tornar os professores mais envolvidos em seus próprios processos de
formação e trabalho com vistas a melhorar e qualificar a sua docência.
Nóvoa (2009) chama a atenção para o fato de a formação não ser construída a partir da
acumulação de cursos, de conhecimentos e de técnicas, mas, sim, por meio de um trabalho
de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma identidade
pessoal, pois a pessoa do professor deve ser sempre valorizada e o saber, vindo da sua
experiência, deve ser legitimado. A partir do exposto, retomasse o potencial da memória
para tornar os espaços de formação continuada mais significativos para articulação trabalhoformação e formação-trabalho.
Muitos professores ainda não consideram, ou pior, desqualificam sua trajetória de formação
e de trabalho quando se deparam com situações em seu cotidiano que poderiam ser
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apreciadas a partir de tudo o que eles já viveram, podendo no tempo presente, retirar algum
ensinamento. O que Todorov (2011a; 2011b) chama de memória exemplar é, justamente, o
potencial de aprendizagem que um acontecimento passado pode ter no presente, quando
rememorado com consciência e comprometimento, buscando vestígios que possam
consolidar momentos presentes mais adequados e mais bem vividos.
Se os professores pudessem olhar para o seu passado não como uma história morta, mas
como uma história vivida com potencial para se viver melhor o presente, retirando do
passado várias aprendizagens, quanto se poderia avançar, tornando a atividade docente mais
significativa para professores e alunos?
A ênfase atribuída a uma memória pretérita não se define na crença, ou assunção, de que a
escola precise viver de seu passado, mas há muitos eventos e histórias que merecem ser
rememorados para que a trajetória que se realiza no presente seja enriquecida por
experiências vivenciadas em uma longa caminhada anterior, que sirva como referência, como
um marco inicial. A consideração do tempo já transcorrido e a transcorrer na escola é muito
importante para a escolha dos caminhos que se quer percorrer e o alcance dos objetivos
traçados.
Desse modo, quando a memória surge no processo de formação continuada e em serviço de
professores como exemplar, com seus bons usos (TODOROV, 2011a; 2011b) pode abrir
caminhos para que esses sujeitos possam ressignificar a trajetória vivida e buscar outros
caminhos, experiências, saberes, conhecimentos para fundamentar e orientar o que ainda
vão experienciar na sua docência a partir de uma perspectiva que privilegia todas as
experiências narradas uma vez que nada pode ser perdido para a história (BENJAMIN, 1996).
Sendo assim, importa dizer que para tratar de questões relacionadas à formação de
professores, seja essa inicial ou continuada, centrada na escola ou fora dela, pensada,
elaborada e dinamizada por sujeitos externos à escola ou pelos próprios professores e
orientadores pedagógicos a partir de seu próprio trabalho como conteúdo de formação,
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deve-se exigir a participação dos professores como principais protagonistas, capazes de
tomar decisões sobre como, onde e por que precisam, no exercício de sua atividade docente,
como sujeitos inacabados, lançarem-se permanentemente em um processo de
aprendizagem, sem desprezar o já vivido.
Nessa perspectiva, considera-se imprescidível trazer para a mesa de discussões não apenas
estudos e concepções de pesquisadores renomados sobre essa temática, mas,
especialmente, nesse diálogo, trazer a voz de professores e orientadoras pedagógicas que
estão vivendo uma experiência de formação continuada centrada na própria escola, que,
embora se encontre em pleno processo de construção, reconhecimento e validação pelos
envolvidos, já se revela significativa quando retoma o vivido como memória exemplar.
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