Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Reforma do Judiciário: Entre Três Blocos

2003, Revista Reportagem nº 50. Oficina de Informações.

Reforma do Judiciário: Entre Três Blocos Revista Reportagem nº 50 São Paulo, Oficina de Informação, novembro de 2003, pp. 42-43 O governo Lula montou no Ministério da Justiça uma equipe para pensar a Reforma do Judiciário, a Secretaria de Reforma do Judiciário, capitaneada por um advogado de São Paulo, oriundo de um importante escritório especialidade em direito administrativo, Sérgio Renault, com antiga e respeitada militância política no Partido dos Trabalhadores. Seu braço direito, Pier Bottini, mestre e doutorando em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), importante membro do grupo “Rasgando o Verbo”, que de 1992 a 1997, na Faculdade de Direito da Universidade, no Largo de São Francisco, organizou os estudantes de esquerda, articulando suas parcerias com o MST, CUT e grupos de direitos humanos. O diagnóstico da crise do Poder Judiciário realizado pela Secretaria foi exposto na página 3 da Folha de São Paulo, no último dia 28 de outubro: “A ineficiência da máquina pública a serviço da Justiça traz enormes prejuízos ao país: torna a prestação jurisdicional inacessível à maior parte da população; transforma a vida dos que têm acesso ao Judiciário numa luta sem fim pelo reconhecimento de direitos; dificulta o exercício profissional de advogados, advogados públicos, membros do Ministério Público, defensores públicos e serventuários da Justiça; pune injustamente os magistrados em sua missão de fazer justiça; e inflaciona o risco Brasil.” Cinco pontos inegociáveis As principais medidas imaginadas pela Secretaria para enfrentar esse quadro visam: o monitoramento da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 96 de 1992; a realização de diagnósticos e implantação de propostas sobre a atuação do Estado-Administrador como litigante; e “apoiar alternativas de financiamento para projetos de modernização gerados no próprio Poder Judiciário”. Segundo Bottini, a PEC 96, hoje aguardando manifestação de senador pefelista José Jorge, tem cinco pontos absolutamente inegociáveis, que devem ser aprovados: (i) controle externo (com criação de órgão composto por nove membros do Poder Judiciário, dois da OAB, dois do Ministério Público e dois juristas indicados pelo Poder Legislativo); (ii) unificação dos critérios para ingresso na magistratura; (iii) quarentena para juízes; (iv) federalização dos crimes contra os direitos humanos e (v) autonomia orçamentária da Defensoria Pública. O Estado–Litigante é um dos alvos da Secretaria. Estão sendo articulados dois códigos para nortear os procuradores do Estado nas ações judicias: (i) um regulamento sobre acordos judicias e (ii) súmula vinculante administrativa, cujo objetivo é garantir parâmetros para que os casos judicias possam encerrar-se mais rapidamente, sem maiores recursos judiciais ou medidas protelatórias, quando enquadrados nos tipos definidos pelos dois códigos. A Secretaria afirma que sua preocupação fundamental é o acesso à Justiça, a ser garantido para a população mais pobre. Com isto, haveria uma nítida diferença entre esta proposta de reforma do Judiciário e aquela propugnada pelo Banco Mundial e outros organismos multilaterais de financiamento controlados pelos países centrais. A proteção do capital A reforma do Judiciário, para estas instituições, é uma questão a ser resolvida para que o capital fique protegido em sua lógico da circulação e reprodução. Em linguagem mais amena, entretanto, pode-se ler, como em Judiciário e Economia no Brasil, de Armando Castelar: “Vale dizer, na medida em que as economias em desenvolvimento adotam políticas voltadas para o mercado, por exemplo, liberalizando o comércio e recorrendo a privatizações muitas das transações que antes de processavam no interior de grandes organizações estatais ou sob a coordenação do setor público são transferidas para o mercado. Essa mudança põe em relevo a importância do sistema judicial, do qual depende, em última instância, a proteção e garantia dos contratos. É dentro desse contexto que instituições como Banco Mundial e o BID preconizam uma nova onda de reformas, na qual a reforma do judiciário ocupa um papel de destaque (...).” Na base das concepções dessas instituições, está a premissa de que p investidor é o responsável pela gerações de riquezas, e portanto deve ser o centro das preocupações. Um privatismo insinuado Este privatismo insinua-se na proposta de reforma do Judiciário do governo Lula. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, foi aos jornais declarar-se contra a idéia de que recursos privados, oriundos diretamente de empresas que serão julgadas pelos Juízes, possam ser usufruídos por estes mesmos juízes. A Folha de São Paulo, no ultimo dia 1 de novembro, trouxe o debate entre o respeitado sociólogo do direito, e atual diretor da faculdade de direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio, Joaquim Falcão, e José Carlos Dias, criminalista, antigo defensor de presos políticos e ex-ministro da Justiça no governo FHC, pautado pela questão “A modernização do Judiciário deve ter verba privada?” O ex-ministro afirma que não. Para o sociólogo, iniciativa privada e comunitária estariam no mesmo patamar, podendo contribuir desinteressadamente para o avanço da cidadania. Existe um longo acúmulo sobre o funcionamento do capital, que não poderia de forma alguma estar ausente deste debate. Desde que Marx desvendou a lógica da acumulação, que submete o mundo a sua imagem e semelhança, a ninguém pode ser dado o bônus da inocência. Se são tão racionais os investidores, como afirmam as teorias econômicas neoclássicas, darão algum dinheiro para o Poder Judiciário sem alguma perspectiva de lucro, de vantagem? Para concluir pode-se dizer que a reforma do Judiciário do governo Lula está em curso, não se podendo, neste momento, afirmar sua forma final, somente os vetores de força que a disputam: (i) o privatista, ideologicamente amparado pelos organismos multilaterais, que responde aos interesses das grandes corporações, aos países centrais, à lógica de acumulação do capital; (ii) o do Quartel de Abrantes, dos que querem que tudo fique como antes, que respondem a interesses incrustados no Estado, herdeiros diretos de nosso capitalismo patrimonialista; e (iii) o democrático-popular, dos que acreditaram que o governo Lula fosse capaz de reverter nosso quadro de subordinação política e econômica, articulando em torno dos estudiosos e entidades que defendem o acesso à justiça, a participação democrática na gestão do aparto judicial, a construção de um espaço público e não capturado de resolução de conflitos em favor dos direitos sociais assegurados na Constituição da República. Este último vetor acredita que deve ocorrer a chamada “reforma forte”, que Bobbio atribui à proposta política de Antonio Gramsci: o advento das massas para o centro da vida política, como única forma saudável de convívio social. Em que direção se moverá o pêndulo? Em breve saberemos.