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Prefacio a Psicologia Social

PSICOLOGIA SOCIAL Temas e teorias PSICOLOGIA SOCIAL Temas e teorias Ana Raquel Rosas Torres Marcus Eugênio Oliveira Lima Elza Maria Techio Leoncio Camino Organizadores

Ana Raquel Rosas Torres Marcus Eugênio Oliveira Lima Elza Maria Techio Leoncio Camino Organizadores fe PSICOLOGIA SOCIAL Temas e teorias 3ª edição revisada e ampliada fe PSICOLOGIA SOCIAL CONSELHO EDITORIAL André Costa e Silva Cecilia Consolo Dijon De Moraes Jarbas Vargas Nascimento Luis Barbosa Cortez Marco Aurélio Cremasco Rogerio Lerner Open Access PSICOLOGIA SOCIAL: TEMAS E TEORIAS 3ª EDIÇÃO (REVISADA E AMPLIADA) Ana Raquel Rosas Torres Anna Zlobina Antonio Marcos Chaves Beatriz Hessel Cícero Roberto Pereira Dalila Xavier de França Denis Sindic Elza Maria Techio Gilcimar Santos Dantas Hyalle Abreu Viana Iara Maribondo Albuquerque Jonatan Santana Batista João Gabriel Modesto José Luís Álvaro Estramiana Khalil da Costa Silva Leoncio Camino Luana Elayne Cunha de Souza Luiza Lins Araújo Costa Marcus Eugênio Oliveira Lima Marcos Emanoel Pereira Miryam Rodríguez Monter Pedro de Oliveira Filho Raimundo Gouveia Sonia Maria Guedes Gondim Tiago Jessé Souza de Lima Yuri Sá Oliveira Sousa Psicologia social: temas e teorias © 2023 Ana Raquel Rosas Torres, Marcus Eugênio Oliveira Lima, Elza Maria Techio e Leoncio Camino (org.) Editora Edgard Blücher Ltda. Publisher Edgard Blücher Editor Eduardo Blücher Coordenação editorial Jonatas Eliakim Produção editorial Aline Fernandes Diagramação Joyce Rosa Revisão de texto Samira Panini Capa Laércio Flenic Imagem da capa iStockphoto Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil Tel.: 55 11 3078-5366 contato@blucher.com.br www.blucher.com.br Psicologia social : temas e teorias / organizado por Ana Raquel Rosas Torres...[et al]. –- 3. ed. -- São Paulo : Blucher, 2023. 564 p. Bibliografia ISBN 978-65-5550-203-9 (impresso) Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 6. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, junho de 2021. 1. Psicologia social I. Título II. Torres, Raquel Rosas 23-0572 CDD 302 É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora. Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda. Índices para catálogo sistemático: 1. Psicologia social De forma resumida, pode-se dizer que o debate sobre o campo da psicologia social tem tomado a forma de antinomias, como, por exemplo, subjetividade-objetividade, predição-significação, razão-emoção etc. Nesse debate, escolher um dos polos significa, muitas vezes, negar a relevância ou poder heurístico do outro. Na contemporaneidade, essas visões correspondem aos questionamentos acerca das relações entre o público e o privado e entre o social e o individual. A adoção de uma dessas posições conduz a abordagens teóricas e metodológicas diversas na psicologia social. A ideia que se materializa neste livro é a de que não é necessário assumir uma posição ou escolha nesse campo dilemático. O campo específico da psicologia social para os autores/as dos 13 capítulos que integram esta obra é o campo dialógico da articulação dos vários níveis de expressão e de análise dos fenômenos psicossociais. CONTEÚDO PREFÁCIO 13 APRESENTAÇÃO 19 1. ORIGENS E DESENVOLVIMENTO 27 INTRODUÇÃO 27 1.1 IDEIAS SUBJACENTES À CONSTRUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 28 1.2 PRIMEIROS PROJETOS DE PSICOLOGIA SOCIAL ENTRE 1850-1930 36 1.3 A CONSOLIDAÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL PSICOLÓGICA NOS ESTADOS UNIDOS 43 1.4 A HEGEMONIA DA PSICOLOGIA SOCIAL PSICOLÓGICA 48 1.5 TENDÊNCIAS ATUAIS DA PSICOLOGIA SOCIAL: DOS 1980 AO SÉCULO XXI 58 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 72 2. PESQUISA EM PSICOLOGIA SOCIAL 75 INTRODUÇÃO 75 2.1 A NATUREZA DA CIÊNCIA 75 2.2 A NATUREZA DO PROBLEMA DE PESQUISA 97 8 Conteúdo 2.3 MÉTODOS DE PESQUISA 101 2.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA DA INFORMAÇÃO 116 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 118 3. COGNIÇÃO SOCIAL 121 INTRODUÇÃO 121 3.1 ANTECEDENTES E ESTUDOS INICIAIS 123 3.2 ESTUDOS CLÁSSICOS 142 3.3 DESENVOLVIMENTOS ATUAIS 161 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 168 4. ATITUDES 171 INTRODUÇÃO 171 4.1 A NATUREZA DAS ATITUDES 172 4.2 FORMAÇÃO DAS ATITUDES 181 4.3 FUNÇÕES DAS ATITUDES 184 4.4 MENSURAÇÃO DAS ATITUDES 192 4.5 MUDANÇA DE ATITUDES 196 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 200 5. EMOÇÕES 203 INTRODUÇÃO 203 5.1 EMOÇÕES NA PSICOLOGIA SOCIAL 204 5.2 CONCEITUANDO E CARACTERIZANDO AS EMOÇÕES 206 5.3 CLASSIFICAÇÃO DAS EMOÇÕES 208 5.4 DIFERENÇAS ENTRE EMOÇÕES BÁSICAS, SOCIAIS E MORAIS 211 5.5 EMOÇÕES COMPARTILHADAS EM GRUPO OU EMOÇÕES BASEADAS NO GRUPO 214 5.6 EMOÇÕES COLETIVAS E INTERGRUPAIS 216 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 220 9 Psicologia social: temas e teorias 6. VALORES 225 INTRODUÇÃO 225 6.1 A NATUREZA DOS VALORES E DOS SISTEMAS DE VALORES 225 6.2 MEDIDA DOS VALORES 227 6.3 RELAÇÕES DOS VALORES COM OUTRAS VARIÁVEIS 240 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 250 7. INFLUÊNCIA SOCIAL 255 INTRODUÇÃO 255 7.1 QUESTÕES HISTÓRICAS QUE INDICARAM UM NOVO CAMPO DO SABER 257 7.2 SHERIF E A INTERNALIZAÇÃO DA INFLUÊNCIA SOCIAL 258 7.4 ASCH E A CONFORMAÇÃO DIANTE DE UMA POSIÇÃO MAJORITÁRIA 260 7.5 PERSUASÃO, MÍDIA E DEMOCRACIA 263 7.6 OBEDIÊNCIA À AUTORIDADE: EXPERIMENTOS DE MILGRAM 265 7.7 O PODER INOVADOR DAS MINORIAS ATIVAS 268 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 274 8. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 277 INTRODUÇÃO 277 8.1 A PSICOLOGIA SOCIAL E SEUS NÍVEIS DE ANÁLISE: EM DIREÇÃO A UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL INTEGRATIVA 278 8.2 AS BASES EPISTEMOLÓGICAS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 282 8.3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: DA NOÇÃO AO CONCEITO 285 8.4 O FENÔMENO DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL: CARACTERÍSTICAS, FUNÇÕES, PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO E DIMENSÕES DE ANÁLISE 291 8.5 DESDOBRAMENTOS ATUAIS: OS ESTUDOS SOBRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NO BRASIL 300 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 302 10 Conteúdo 9. PSICOLOGIA SOCIAL DISCURSIVA 307 INTRODUÇÃO 307 9.1 DISCURSO E ANÁLISE DE DISCURSO 308 9.2 CONCEITOS CENTRAIS NA PSICOLOGIA SOCIAL DISCURSIVA 311 9.3 ABORDANDO TEMAS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA SOCIAL 318 9.4 BASES EPISTEMOLÓGICAS 330 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 333 10. GRUPO SOCIAL, RELAÇÕES INTERGRUPAIS E IDENTIDADE SOCIAL 335 INTRODUÇÃO 335 10.1 PRIMEIRAS IDEIAS SOBRE AS RELAÇÕES INDIVÍDUO-GRUPO 336 10.2 NATUREZA E CLASSES DE GRUPOS 342 10.3 A DIFERENCIAÇÃO GRUPAL: BREVE PERSPECTIVA HISTÓRICA 345 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 351 11. A SOCIALIZAÇÃO 355 INTRODUÇÃO 355 11.1 ANÁLISE CONCEITUAL DO CONSTRUTO SOCIALIZAÇÃO 356 11.2 DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO SOBRE A CRIANÇA 359 11.3 HISTÓRIA DA CRIANÇA NO BRASIL 361 11.4 MODELOS DE SOCIALIZAÇÃO INFANTIL 363 11.5 CONTEXTOS DE SOCIALIZAÇÃO 366 11.6 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA 371 11.7 SOCIALIZAÇÃO E RELAÇÕES INTERGRUPAIS 377 11.8 VALORES E EDUCAÇÃO DOS FILHOS 378 11.9 VALORES E PRECONCEITO 380 11.10 CRENÇAS PARENTAIS E PRECONCEITO 383 11.11 PRÁTICAS PARENTAIS E PRECONCEITO 386 11.12 SOCIALIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL 389 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 398 11 Psicologia social: temas e teorias 12. PRECONCEITO 405 INTRODUÇÃO 405 12.1 O QUE É PRECONCEITO 406 12.2 DE QUEM É O PROBLEMA? 410 12.3 A FORMAÇÃO DOS PRECONCEITOS 412 12.4 A TEORIZAÇÃO SOBRE O PRECONCEITO NA PSICOLOGIA SOCIAL 416 12.5 OS ANTIGOS E OS NOVOS PRECONCEITOS 429 12.6 PRECONCEITO E RACISMO NO BRASIL: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS 433 12.7 COMO COMBATER O PRECONCEITO 436 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 440 13. GÊNERO 445 INTRODUÇÃO 445 13.1 GÊNERO, SEXISMO E DISCRIMINAÇÃO: ALGUMAS RELAÇÕES 446 13.2 DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO E SUA CENTRALIDADE NA COMPREENSÃO DA REALIDADE SOCIAL 449 13.3 HOMENS IGUALITÁRIOS E AS DIVERSAS FACES DO SEXISMO 453 13.4 A PARIDADE DE GÊNERO E A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES 458 SUMÁRIO E CONCLUSÕES 462 NOTAS BIOGRÁFICAS 465 ÍNDICE REMISSIVO 471 REFERÊNCIAS 483 PREFÁCIO Para mim, é um prazer apresentar este manual de psicologia social, pois há nele a participação de investigadores brasileiros destacados com os quais tenho coincidido nos caminhos para a criação de uma psicologia social científica e de relevância social. Na primeira parte deste manual, são revisados os problemas da filosofia da ciência e metodológicos da psicologia social de forma acessível, mas complexa. Na segunda parte, temos capítulos que revisam a cognição social, as atitudes, os valores que orientam a conduta social nas culturas e um que discute a perspectiva das representações sociais, que incorpora aspectos socioculturais e dinâmicas grupais no estudo da mente social. Nessa parte também temos um capítulo sobre o tema das emoções, incluindo as emoções coletivas, o que é uma amostra que o livro não se limita ao individualismo metodológico e incorpora níveis de análises societais além de grupais e intergrupais. Ainda nessa parte, se discutem os temas relacionados à influência social. Na terceira e última parte são abordados os temas das relações intergrupais e processos grupais, a identidade social, o preconceito e gênero. O livro incorpora também um capítulo sobre a psicologia discursiva, que é muito popular na América Latina, o que justifica sua inclusão. Essa aproximação enfatiza um construcionismo linguístico cuja expressão lógica é a ideia que o sexo e o gênero seriam apenas uma performance narrativa e que o central seria a subjetividade ou identidade. Essa aproximação eleva a linguagem e as narrativas como processos centrais e, por exemplo, se afasta do realismo crítico de Roy Bhaskar que aceita uma realidade independente ou não reduzível ao discurso (para uma argumentação desse estilo dentro do tema do gênero ver Stock (2022) e para um aprofundamento do realismo crítico ver Edwards et al. (2014)). Nesse ponto, também vale a pena destacar que este manual e seus capítulos se ancoram na tradição clássica de Musafer Sherif, Solomon Asch, Stanley Milgram, Henri Tajfel e Serge Moscovici. Além disso, integram estudos próprios do contexto brasileiro. 14 Prefácio Essas características do livro são importantes porque permitem confrontar os problemas de validade interna, estatística e conceitual da psicologia social anglo-saxã. Os capítulos mostram que os autores não se deixam arrastar à deriva pela vertente intrapsíquica dominante em boa parte da psicologia social. Essa ênfase no processo intrapessoal e individual foi acentuada primeiramente na vertente cognitiva e, na atualidade, nas neurociências. Ambas, fetichizam com estruturas internas do sujeito. Portanto, a ênfase do livro no comportamento social e nos estudos mais centrados na interação social são um aspecto que o recomenda como manual de referência. Essa não é uma afirmação preconceituosa, mas é baseada em evidências, como veremos em seguida. As réplicas coletivas e as meta-análises têm mostrado a fragilidade da psicologia social do mainstream e colocado o problema da replicação.1 Uma parte importante dos estudos da cognição social têm mostrado a baixa replicabilidade e inconsistência dos seus efeitos. As meta-análises têm indicado que os efeitos são baixos ou inexistentes, como por exemplo os da assimetria ator-observador e os do erro fundamental. A meta-análise realizada por Malle (2006) encontrou pouco apoio para a tendência da assimetria ator-observador, que aconteceria quando as pessoas atribuem seu próprio comportamento, mais ao ambiente e o comportamento do outro a seus atributos individuais. O erro fundamental da atribuição, que aconteceria quando fazemos atribuições para o comportamento mais centradas nas pessoas do que no ambiente, tampouco teve um efeito consistente. Se eu apoio uma versão parcial do erro de atribuição: os observadores sobrestimam erroneamente a influência dos fatores pessoais no comportamento. Um conhecido projeto replicou 100 estudos publicados em três revistas de psicologia (Open Science Collaboration, 2015). Em conjunto, os resultados obtiveram 36% de replicações, 25% fracassaram e o restante das replicações não obtiveram resultados claros2. Todas as revistas mostraram uma redução em torno de 50% nos tamanhos do efeito, sendo as replicações da área da psicologia social, Journal of Personality and Social Psycchology, particularmente afetadas, tendo uma redução em torno de 75%, de 0,29 a 0,007 o tamanho do efeito (Nelson et al., 2018). Em particular, não foram replicados os efeitos da pré-ativação cognitiva do comportamento (que ativar palavras vinculadas à velhice faziam as pessoas andarem mais devagar (Genschow et al., 2020)) ou os da cognição incorporada (que adaptar a atitude de supermulher aumentava a autoestima, rendimento e estado físico (Elkjær et al., 2020)). Da mesma forma, efeitos como o do reforço de acordo com as normas cultu1 Essa crise é geral, pois ocorre nas ciências médicas, sociais, econômicas, psicologia clínica entre outras. 2 Esse fracasso pode ser matizado à luz de três definições quantitativas do êxito da replicabilidade: a) os resultados da replicação coincidem com os resultados originais tanto na direção do efeito como na significância estatística (utilizando o valor convencional de 0,05); com esse critério se obteve 36% de êxito; b) a estimativa do tamanho do efeito proporcionada pelo estudo original estava dentro do intervalo de confiança de 95% da estimativa da replicação (com esse critério se obteve um êxito de 47%); ou c) uma estimativa meta-analítica baseada nos estudos originais e da replicação são diferentes de zero (com esse critério se obteve um êxito de 70% (Stanley et al., 2018)). Psicologia social: temas e teorias 15 rais provocados pela saliência da mortalidade ou o da fadiga do ego tampouco foram replicados (Genschow et al., 2021). Além disso, ao contrário de estudos com poucos sujeitos mostrando resultados espetaculares, verificou-se que os efeitos são baixos. O tamanho médio do efeito é de r = 0,21 ou d = 0,43 e a mediana r = 0,24 ou d = 0,36 em psicologia social e em geral (Lovakov & Agadullin, 2021). Ademais, a heterogeneidade é alta. A variância real não explicada pelo erro amostral fica entre 72% e 74% (Stanley et al., 2018). Em geral, o poder estatístico do estudo experimental modal é baixo. Com alfa de 0,05, uma amostra por condição como a que é habitual de N = 40 e um tamanho de efeito de r = 0,21 ou d = 0,43, a probabilidade de replicar um efeito é de apenas 36%, que foi o encontrado pelo projeto de replicação (Stanley et al., 2018). Essa fragilidade pode ser parcialmente explicada pelo viés da publicação: as descobertas com valores estatisticamente significativos ou as descobertas consistentes com as teorias têm mais probabilidades de serem publicadas, comunicadas e promovidas do que outras descobertas. Como resultado, qualquer revisão de literatura, incluído as meta-análises, tenderá a sobrestimar a evidência de um efeito positivo já que estarão sobrestimados na amostra observada das descobertas publicadas. Contudo, apesar disso, as meta-análises mostram tamanhos do efeito menores que os experimentos que propõem ou apoiam exemplarmente um paradigma. Outras práticas que dificultam replicações são as de apresentar apenas as condições e variáveis dependentes que funcionam. Entre 12-40% não informam todas as condições dos estudos e entre 4570% não apresentam todas as medidas (Franco et al., 2015). Outra prática que dificulta a replicação, alimentada pelas exigências das revistas nas quais os estudos devem ser hipotético-dedutivos, é a apresentação de resultados exploratórios como confirmatórios ou das hipóteses retrospectivas. Nos estudos médicos, os resultados positivos baixaram de 57% para 8% quando o pré-registro passou a ser obrigatório em 2000 e isso provavelmente aconteça também na psicologia. Em uma pesquisa recente pré-registrada com mais de sete mil pesquisadores da psicologia estadunidense sobre seu próprio uso e de seus colegas de práticas questionáveis, se estimou que em torno de 18% utilizou pelos menos uma no último ano e aproximadamente 25% declarou conhecer pessoas em sua rede social que haviam utilizado essas práticas (Fox, Honeycutt, & Jussim, 2018). Como forma de enfrentar essas práticas que fragilizam a investigação, se tem defendido o cálculo do poder estatístico para se obter estudos com alta potência.3 Menos de 10% dos estudos cumprem os requisitos de poder estatístico 3 Ao se tomar uma decisão estatística, corre-se o risco de incorrer em dois tipos de erro: Tipo I (α = probabilidade de refutar H0 quando ela é verdadeira e aceitar hipóteses de efeito ou relação quando é falsa) e Tipo II (β = probabilidade de manter H0 quando é falsa ou refutar a hipótese alternativa quando é correta). Em um exemplo clínico, o primeiro risco é apoiar um tratamento quando o dano ou não é mais eficaz quanto o placebo ou tratamentos anteriores. O segundo é refutá-lo quando ele é benéfico. A probabilidade de um erro Tipo I é fixada de antemão (habitualmente, α = 0,05). A potência de uma prova é o complemento da probabilidade de um erro Tipo II (1 - β). Por convenção, se propõe uma potência de 0,80 (β = 0,20). Um valor inferior implicaria em um grande risco de um erro Tipo II e um valor superior exigiria uma amostra muito grande. Com essa convenção de 80%, a probabilidade de um erro Tipo II (ou um falso negativo) é quatro vezes superior à probabilidade de 0,05 de um erro Tipo I (ou falso positivo). Para alguns, um erro Tipo II de 20% segue sendo muito alto (Schmidt & Hunter, 2015). PE de 0,80 implica que, realizando 100 estudos avaliando um efeito real, que deveriam ser encontrados 80 resultados significativos. 16 Prefácio (Stanley et al., 2018). Para um tamanho do efeito de r = 0,20, com poder estatístico de 0,80 e p = 0,05 é necessária uma amostra de 392. Para d = 0,20 e r = 0,10, como alfa de 0,50 e 80% de poder estatístico, o N por grupo é de 393 para d (N = 786) e 784 para r (Rosenthal & Rosnow, 2008). Para administrar as práticas que inflam efeitos e os maquiam, se tem defendido como solução o pré-registro de hipóteses e variáveis. Isso aumenta o trabalho e os trâmites burocráticos necessários antes do início de uma investigação. Isso mostra que a coleta de dados colaborativa é uma exigência inevitável, inelutável. Finalmente, a neurociência está na moda e o cérebro se tem convertido no homúnculo explicativo atual – o cérebro aprende etc. Ademais, isso ignora que o cérebro interage com todo o organismo e este com o seu ambiente, assim parece que a neurociência é muita fumaça e pouco fogo. A meta-análise de 90 experimentos de ressonância magnética funcional revelou uma confiabilidade geral baixa: coeficiente de correlação intraclasse (CCI) médio r = 0,397. As confiabilidades teste-reteste da atividade nas regiões cerebrais de interesse a priori por meio de onze tarefas comuns de ressonância magnética coletadas pelo Projeto Conhecimento Humano (N = 45) e o Estudo Dunedin (N = 20) foram pobres (ICCs = 0,067-0,485). Boekel et al. (2015 citado em Elliot et al., 2020) fizeram uma replicação com pré-registro de cinco correlações estruturais da relação cérebro-comportamento que incluíam um total de 17 efeitos dos quais todos, com exceção de um, eram não significativos. O principal problema era a baixa potência estatística causada por tamanhos de amostras baixos (os 90 experimentos acumulavam apenas mil participantes, ou seja, um N = 12 por estudo, o que é muito baixo) e efeitos contraditórios (Elliot et al., 2020). Os autores concluem que essas descobertas que demonstram medidas comuns de tarefas-fMRI não são, na realidade, adequadas para o descobrimento de bio-marcadores cerebrais ou para a investigação de diferenças individuais. Outra vantagem do livro é que descreve estudos no contexto brasileiro. Além dos limites de validade interna e estatísticas, os estudos em psicologia social mainstream carecem de validade externa. Em torno de 70%-80% são feitos com estudantes mulheres anglo-saxãs e a tendência WEIRD (Western Educated Industrialized Rich Democratic)4 tem sido ressaltada (Yaeger et al., 2019). Os estudos têm demonstrado que os 4 Se tem defendido que essa caracterização é, em si, um viés de apresentação positiva. Primeiro, “ocidentais” é relativo: países como EUA e o Reino Unido têm uma grande população de imigrantes e em torno de 5% dos estudantes dos EUA e 15% do Reino Unido são estrangeiros – a maioria não ocidentais. Segundo “educados” é uma visão positivista. Uma pesquisa mostrou que os estudantes dos EUA “sabem assombrosamente pouco sobre a história estadunidense, pensamento político, economia de mercado e relações internacionais”. A pontuação média global dos sete mil estudantes universitários que realizaram o exame foi de 54,2%, o que equivale a um “insatisfatório”. Inclusive, os estudantes das universidades mais bem avaliadas do país obtiveram resultados baixos no exame. Os estudantes de último ano de Harvard com a melhor pontuação, obtiveram uma nota média global de 69,6%, equivalente a um insatisfatório de “D+”. Os estudantes de outras universidades de alto nível, como Yale e Princeton, obtiveram uma pontuação um pouco mais baixa e para as 18 instituições incluídas na pesquisa, a pontuação média foi inferior a 50% (www.diverseeducation.com). Em torno de 69% dos estudantes são religiosos e 42% das pessoas com educação superior dos EUA acreditam em Psicologia social: temas e teorias 17 efeitos encontrados entre estudantes anglo-saxões não se replicam ou se replicam fracamente em amostras de não estudantes e de outras culturas (Yaeger et al., 2019). A ênfase do livro em estudos brasileiros e não apenas com estudantes permite enfrentar essa problemática. Espero com este prefácio ter transmitido tanto a riqueza do livro como a magnitude do desafio que tem a psicologia social atual. Minhas felicitações aos editores e autores. Dário Páez San Sebastian, España, 14/09/2022 REFERÊNCIAS Edwards, Paul K.; O’Mahoney, Joe; Vincent, Steve, eds. (2014). Studying organizations using critical realism: a practical guide (First edition. edición). Oxford: Oxford University Press. Elkjær, E., Mikkelsen, M.B., Michalak, J., Mennin, D.S., & O’Toole, M.S. (2020). Expansive and Contractive Postures and Movement: A Systematic Review and Meta-Analysis of the Effect of Motor Displays on Affective and Behavioral Responses. Perspectives on Psychological Science, 17, 276-304. Elliott ML, Knodt AR, Ireland D, Morris ML, Poulton R, Ramrakha S, Sison ML, Moffitt TE, Caspi A, Hariri AR. What Is the Test-Retest Reliability of Common Task-Functional MRI Measures? (2020) New Empirical Evidence and a Meta-Analysis. Psychol Sci. 31(7):792-806. doi: 10.1177/0956797620916786. Epub 2020 Jun 3. PMID: 32489141; PMCID: PMC7370246. Franco, A., Malhotra, N., & Simonovits, G. (2016). 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A desindustrialização questiona o industrializado, os países são de altos salários, mas desiguais e os estudantes terminam com grandes dívidas, o que questiona o “rico”. “Democráticos” também deve ser relativizado já que um terço das pessoas com educação superior dos EUA acreditam em teorias da conspiração antidemocráticas: para 29% George Soros busca dominar o mundo e 26% acredita que a família Rothschild controla o mundo (Uscinski et al., 2002). 18 Prefácio replication of Cialdini et al.’s (1975) classic door-in-the-face technique. Journal of Personality and Social Psychology, 120(2), e1-e7. https://doi.org/10.1037/ pspa0000261. Lovakov, A y Agadullin, E.R. (2021) Empirically derived guidelines for effect size interpretation in social psychology. Eur J Soc Psychol. 2021;51:485-504. DOI: 10.1002/ejsp.2752. Malle, B. F. (2006). “The actor-observer asymmetry in attribution: A (surprising) meta-analysis”. Psychological Bulletin. 132 (6): 895-919. doi:10.1037/00332909.132.6.895. 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Entre as dificuldades envolvidas nessa tarefa podemos citar, por exemplo, aquelas ligadas à sua fundação. Dependendo da perspectiva adotada, ela pode ser atribuída a Émile Durkheim, a Wilhem Wundt, a Floyd Allport, a William McDougall, a Edward Ross, só para citar as possibilidades mais conhecidas dos psicólogos. E, embora todos tenham falado da Psicologia Social, cada um falou à sua maneira. Um olhar mais apurado a respeito desse aspecto indicará que no seu cerne está a problemática do tipo de explicação mais adequada ao comportamento humano. De forma resumida, podemos dizer que esse debate tem tomado a forma de dualismos, como, por exemplo, subjetividade-objetividade, natureza-cultura, explicação-compreensão etc. Nesse debate, escolher um dos polos significa, necessariamente, negar a relevância ou poder heurístico do outro. É verdade que as origens dessa visão dicotômica da psicologia social são muito remotas, podendo chegar até Platão e Aristóteles, e suas visões conflitantes a respeito do homem. Na contemporaneidade, essas visões correspondem aos questionamentos acerca das relações entre o público e o privado, entre o social e o individual. A adoção de uma dessas posições conduz a explicações mais centradas no meio social ou mais 20 Apresentação centradas nos indivíduos. No entanto, como refere Willem Doise (1982), não é necessário assumir uma posição ou escolha nesse campo dilemático. Mesmo porque, assumir uma posição nessas dicotomias implica, de algum modo, na sua validação. O campo específico da psicologia social é o campo da articulação de níveis de análise, desde o neurológico até o intersocietal (Doise & Valentim, 2015). No Brasil, esse debate se revestiu de um caráter profundamente relacionado com tomadas de posições políticas. O que produziu uma psicologia social crítica, comprometida com as lutas sociais, mas, ao mesmo tempo, maniqueísta e dicotomizada, sobretudo no que se refere aos aportes metodológicos. A esse respeito, vale lembrar que a psicologia social começa a se desenvolver aqui por volta dos anos de 1960, época das ditaduras militares latino-americanas. Junte-se a esse momento político o fato que, nas suas origens, a psicologia social latino-americana sofreu uma grande influência dos psicólogos norte-americanos. É nesse contexto que começa a surgir, no continente sul-americano, a proposta de uma psicologia social fortemente engajada com as mudanças sociais, que seriam resultantes do empoderamento das minorias sociais (ver Camino, 2005). As críticas feitas por esse movimento à psicologia social estadunidense podem ser resumidas na adoção do individualismo metodológico e na pouca relevância social dos temas estudados. Por outro lado, os psicólogos latino-americanos começaram a ter contato com as ideias de Leontiev, Luria e Vygotsky, cuja visão metateórica se baseava no materialismo histórico-dialético. Passados sessenta anos, podemos dizer que esse debate ainda está presente na psicologia social brasileira. Ele, na atualidade, se reveste de novos discursos, centrados em duas concepções metateóricas de psicologia social, uma mais psicológica e outra mais sociológica. A primeira dessas concepções tem como ponto de partida o lugar central ocupado pelo indivíduo e seus processos intrapsíquicos para a explicação dos fenômenos sociais. Essa concepção, denominada de psicologia social psicológica, de alguma forma, toma a psicologia social como um ramo da psicologia geral. A segunda, denominada psicologia social sociológica, tem suas origens no pensamento psicossocial presente na microssociologia, e preconiza como objeto de estudo da psicologia social o “social”. Dito em outros termos, na primeira, o social seria um adjetivo, ao passo que, na segunda, o social seria o próprio substantivo do fazer psicológico. Trata-se, novamente, de uma dicotomização simplificadora, pois as diferenças entre as duas visões de psicologia social engendram muitos outros aspectos, principalmente aqueles relacionados aos aspectos metodológicos. No Brasil esse debate se reveste de algumas características bastante peculiares. Temos, por exemplo, uma psicologia social fortemente engajada com os movimentos sociais, o que, por um lado, a aproxima de uma psicologia social sociológica. Entretanto, essa mesma psicologia privilegia os aspectos da psique individual na explicação dos fenômenos sociais, o que a coloca muito mais próxima de uma psicologia social psicológica. Psicologia social: temas e teorias 21 Além disso, o debate/embate entre as duas perspectivas de psicologia social no Brasil se centrou noutra dicotomia simplista, opondo métodos e procedimentos quantitativos aos qualitativos. Nessa visão, uma psicologia social realmente engajada só faria uso dos últimos, uma vez que estes não implicam um “assujeitamento” dos atores sociais, dos discursos e narrativas que os constituem, aos moldes, formatações ou escalonamentos que essencializam, naturalizam e mesmo legitimam as construções sociais. No outro extremo, mas ainda no campo da metodolatria, estariam aqueles que defendem a quantificação e consideram as pesquisas qualitativas como frouxas metodologicamente e sem validade interna. Com o interesse de superação dessa dicotomia engessadora da psicologia social no Brasil, propusemos, no encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP) de 2006, a formação de um grupo de trabalho que aglutinava psicólogos sociais de diversas tradições teórico-metodológicas. A ideia desse grupo começou a tomar forma ainda em 2004, com a publicação do livro Estereótipos, preconceitos e discriminação: perspectivas teóricas e metodológicas, organizado por Marcus Eugênio O. Lima e Marcos Emanoel Pereira, no qual a maioria dos membros teve um capítulo publicado. No ano seguinte, 2005, foi publicado o livro A psicologia política na perspectiva psicossociológica: o estudo das atividades políticas, organizado por Ana Raquel R. Torres, Marcus Eugênio O. Lima e Joseli Bastos da Costa, em que diversos membros do grupo tiveram um capítulo publicado. Tomados em conjunto, essas duas obras demonstram a importância da diversidade teórico-metodológica para a psicologia social. Foi assim que surgiu o projeto de um livro texto que pudesse integrar ou tensionar diversas abordagens possíveis em psicologia social, considerando tanto as contribuições da psicologia social psicológica quanto as da psicologia social sociológica, e acrescentando a essas duas vertentes a necessária interface com as outras ciências sociais e o panorama de pesquisa de cada um dos temas abordados no contexto da realidade brasileira. O compromisso firmado entre cada um dos participantes do GT da ANPEPP “A Psicologia Social e sua complexidade teórico-metodológica: Abordagens integrativas” foi o de construir um Manual de Psicologia Social que fosse capaz de traçar um panorama teórico e metodológico daquilo que se tem produzido em nível nacional e internacional sobre temas fundamentais da área psicossocial e, ao mesmo tempo, contextualizar cada tópico abordado na realidade brasileira. Consideramos que o manual que ora apresentamos cumpre suficientemente bem essa missão. Em 2011 foi publicada a primeira edição do livro estruturada em dez capítulos, que apresentavam as principais teorias sobre a construção social da realidade e eram discutidos e empiricamente ilustrados os principais temas da psicologia social. Em 2013 foi publicada uma edição revisada e ampliada, na qual foi acrescentado um capítulo sobre métodos de investigação em psicologia social e um sobre valores sociais. Nessas duas edições manteve-se o espírito do Grupo de Trabalho da ANPEPP, qual seja, a produção de uma psicologia social que não prescinde da psicologia, mas que não se limita a ela, pois integra as contribuições das ciências sociais, como sugerido por Celso Sá (2013). Em ambas, a Psicologia Social é concebida como uma área de conhecimento que articula a paixão pela pesquisa com a preocupação com a mudança da 22 Apresentação realidade social de opressão das minorias (Vala & Monteiro, 1996). Essas duas preocupações, a de uma psicologia social integradora dos diversos níveis de análise e cientificamente orientada para a mudança social, também anima a atual edição do Manual que ora se apresenta. A presente edição do livro está estruturada em três partes com um total de 13 capítulos. A primeira parte, denominada “O campo da psicologia”, é formada por dois capítulos. O Capítulo 1, “Origens e desenvolvimento”, de Leoncio Camino e Ana Raquel Rosas Torres, analisa as origens históricas do pensamento psicossocial e o surgimento da psicologia social. Inicialmente, é feito o resgate histórico das ideias subjacentes aos questionamentos sobre as relações indivíduo-sociedade para, em seguida, relacioná-las com o desenvolvimento das diversas teorias e perspectivas que vão estudá-las, ao longo do século XX, a partir da psicologia social. O capítulo finaliza apresentando os percursos atuais desse campo de investigação, demonstrando a importância da articulação de diversos níveis de análise para a compreensão dos fenômenos complexos da sociedade atual. O Capítulo 2, “Pesquisa em Psicologia Social”, de Cícero Roberto Pereira, Denis Sindic e Leoncio Camino, discute aspectos centrais da metodologia da pesquisa em psicologia social. Analisa também diferentes posturas epistemológicas que orientam essa pesquisa, destacando o seu papel em uma das principais facetas da Psicologia Social: a sua vertente multimetodológica. Para os autores a atividade dos psicólogos sociais envolve múltiplos caminhos, através dos quais encontram respostas e formulam novas questões para as suas inquietações em relação aos fenômenos psicossociais. O objetivo do capítulo é esclarecer possíveis caminhos, de maneira que o leitor possa ter uma visão abrangente das orientações epistemológicas que servem de base ao seu trabalho. O capítulo está dividido em quatro seções. Primeiro são analisados os pressupostos epistêmicos que fundamentam a pesquisa científica. Em seguida, é discutida a natureza dos problemas de pesquisa, sugerindo a possibilidade de organizá-los em uma tipologia consoante às características das questões de investigação. Depois são apresentados alguns dos métodos de pesquisa usados na maioria dos estudos conduzidos na psicologia social. O capítulo finaliza com algumas considerações sobre o lugar ocupado pela psicologia social no debate sobre a natureza da ciência e de seus métodos de pesquisa. A Parte 2 é formada por sete capítulos que, a partir de diferentes aproximações, discutem a construção social da realidade. O Capítulo 3, “Cognição Social”, de Marcos Emanoel Pereira e Gilcimar Souza Dantas, apresenta noções fundamentais da cognição social. Na primeira parte são discutidas as relações entre a cognição social e a psicologia cognitiva, com ênfase na definição e caracterização teórico-metodológica da área. A segunda parte é dedicada à discussão do processo de categorização social, discute-se, em particular, as teorias clássicas dos protótipos e dos exemplares, bem como a teoria essencialista da categorização. As diferentes concepções acerca do agente cognitivo, em especial a diferenciação entre a imagem de ser humano cognitivamente avaro ou taticamente motivado, são discutidas, bem como as implicações desta diferenciação no que concerne Psicologia social: temas e teorias 23 à explicação e compreensão das condutas humanas. Por fim, são avaliadas as consequências e impactos da abordagem da cognição social no desenvolvimento da psicologia social. O Capítulo 4, “Atitudes”, de Tiago Jessé Souza de Lima, Luana Elayne Cunha de Souza e João Gabriel Modesto, tem como objetivo apresentar o campo de estudos sobre atitudes dentro da Psicologia Social. Os autores trazem um panorama histórico de como esse conceito tem sido estudado na Psicologia Social, apresentando uma discussão conceitual, explicando sua estrutura, seus principais atributos e, finalmente, como esse conceito se relaciona com outros conceitos importantes dentro da área. Na segunda seção, são considerados os principais modelos teóricos que analisam, a partir de perspectivas diferentes, como as atitudes se formam. Na terceira seção, são discutidas as funções das atitudes na nossa vida social, desde suas funções motivacionais até o papel das atitudes enquanto guia do nosso comportamento. Na quarta seção, os autores apresentam como as atitudes podem ser mensuradas. Finalmente, na quinta seção, os autores aprofundam um importante tópico dentro desse campo, que é a mudança de atitudes. O Capítulo 5, “Emoções”, de Elza Maria Techio, Sonia Maria Guedes Gondim, Jonatan Santana Batista e Beatriz Hessel, tem como objetivo caracterizar as emoções sociais, morais, grupais e coletivas, analisando suas relações com as atitudes e os comportamentos sociais. O mesmo se inicia descrevendo as emoções como um fenômeno relevante para a compreensão do comportamento social. Diferencia-se emoções básicas (primárias) das secundárias, ou emoções sociais, morais, grupais e coletivas. Em seguida, são esclarecidas as aproximações e distinções entre emoções morais e sociais para, enfim, abordar as emoções grupais, ressaltando suas relações com a teoria das emoções intergrupais. Na última seção, são destacadas as emoções intergrupais e as emoções coletivas relacionando-as com diversas manifestações atitudinais (positivas e negativas) e comportamentais (discriminação, sociabilidade, conflito etc.). No Capítulo 6, “Valores”, de José Luis Álvaro Estramiana, Cícero Roberto Pereira, Miryan Rodriguez Monter e Anna Zlobina, é discutido o lugar de destaque desse construto no conjunto dos conceitos psicossociais centrais para a compreensão dos fenômenos de interesse das ciências sociais. Para os autores, tal relevância está relacionada tanto com o desenvolvimento de métodos de medida dos sistemas de valores, quanto com a teorização recente que tem identificado nos valores, os quais explicam o comportamento dos indivíduos, as ações dos atores sociais e o rumo que as sociedades seguem no transcorrer da história. Nesse capítulo, são apresentadas as principais linhas de investigação sobre os valores sociais, nas quais é destacado o dissenso nas concepções sobre a natureza e origem dos valores que propõem, as teorias ou modelos sobre como os valores se organizam entre si, assim como os estudos sobre o papel dos valores nas atitudes e comportamentos sociais. O Capítulo 7, “Influência Social”, de Raimundo Gouveia, aborda os principais estudos sobre este tema. Iniciando com os trabalhos de Muzafer Sherif, que criaram as bases empíricas para o tema, ao investigar a formação das normas sociais e demonstrar que a aceitação de padrões sociais de comportamento não representa necessaria- 24 Apresentação mente um ato de submissão. Em seguida, são discutidas as ideias de Solomon Asch, evidenciando que, dispondo de informações suficientes, as pessoas não se deixam influenciar pela pressão grupal contrária a suas percepções, mas, para evitar conflitos, muitas aderem a posicionamentos que contrariam as evidências. Por outro lado, os estudos de Stanley Milgram constataram que uma maioria de participantes era capaz de obedecer às determinações de uma autoridade, em detrimento da integridade física de outras pessoas. Finalizando, são apresentadas as investigações de Serge Moscovici sobre a inovação social. Ele, inspirado nos paradigmas anteriores, demonstrou que uma minoria social consistente pode exercer certa influência sobre os julgamentos de uma maioria e que esse tipo de influência minoritária pode alcançar o nível perceptivo dos sujeitos, o que denominou de conversão. No Capítulo 8, sobre a Teoria das Representações Sociais, Yuri Sá Oliveira Sousa e Antônio Marcos Chaves, oferecem uma introdução à perspectiva teórica das representações sociais. Proposta inicialmente pelo psicólogo social Serge Moscovici (19252014), essa abordagem se consolidou como uma forma de compreender fenômenos de construção, organização e transformação do conhecimento social de maneira articulada às dinâmicas simbólicas e interacionais que produzem formas específicas de representar a realidade. Inicialmente, o texto discute os fundamentos históricos e epistemológicos da Teoria das Representações Sociais (TRS) no campo da psicologia social, caracterizando-a como uma abordagem psicossocial, eminentemente dialógica, que busca na integração de dimensões psicológicas, interindividuais, posicionais e ideológicas os fundamentos para a análise do pensamento social. Em seguida, são apresentados alguns pontos de discussão que servem para compreender a teoria, o conceito e o fenômeno das representações sociais. Espera-se, com isso, contemplar as funções do saber social nessa abordagem, seus processos de construção, características, estrutura e dimensões de análise. Por fim, o capítulo apresenta um breve panorama sobre o uso da TRS no contexto brasileiro e discute os desdobramentos e as características dessa abordagem na literatura psicossocial do país. Finalizando a Parte 2 deste livro, temos o Capítulo 9 sobre a Psicologia Social Discursiva, escrito por Pedro de Oliveira Filho, que apresenta os principais conceitos e possibilidades analíticas da psicologia social discursiva, enquanto perspectiva teórico-metodológica construcionista em psicologia social. O capítulo apresenta os conceitos de discurso e análise de discurso, ressaltando o modo particular como esses conceitos são definidos pelos psicólogos sociais discursivos. Aborda os conceitos centrais da psicologia social discursiva quando se trata de realizar a prática analítica, os conceitos de ação, construção, retórica e variabilidade, com exemplos do uso desses conceitos na prática analítica. O autor discorre ainda sobre o olhar inovador dos psicólogos sociais discursivos para temas tradicionais da psicologia e da psicologia social: atitudes, preconceito, mente, eu e identidade, argumentando que a compreensão desses fenômenos tende a ficar mais complexa se, como querem os psicólogos sociais discursivos, eles forem definidos, também, como fenômenos retóricos e públicos. Por fim, o capítulo discute criticamente alguns conceitos e perspectivas teóricas que guiam epistemologicamente as investigações dos psicólogos sociais discursivos, com especial atenção ao debate em torno do relativismo epistemológico. Psicologia social: temas e teorias 25 A Parte 3 deste trata das relações sociais e dos processos grupais. Ela é formada por três capítulos. O Capítulo 10, “Grupos sociais, relações intergrupais e identidade social”, de Ana Raquel Rosas Torres, Khalil da Costa Silva e Leoncio Camino, tem como objetivo apresentar o papel que o grupo possui na Psicologia Social para a análise dos fenômenos sociais. Analisa-se o percurso histórico do desenvolvimento do conceito de grupo, destacando-se sua conflitiva incorporação como objeto de estudo tanto por parte da Psicologia, como por parte da Sociologia. Ressalta-se a contribuição de Kurt Lewin para o estudo dos grupos. O texto traz uma discussão conceitual dos grupos, junto com uma análise dos impactos psicológicos e sociais dos pertencimentos a grupos, a exemplo da diferenciação e da identidade social. São abordadas teorias de base psicodinâmica e a teoria do conflito de Muzafer Sherif, que atribui às relações de conflito a origem dos processos de diferenciação grupal. Por fim, enfatiza-se o aporte da Teoria da Identidade Social de Henri Tajfel sobre o processo de diferenciação grupal. O capítulo conclui afirmando que o conceito de grupo é fundamental para a constituição de uma abordagem psicossocial em que comportamentos e atitudes dos indivíduos são compreendidos como elementos indissociáveis das relações de poder existentes na sociedade num dado momento histórico. Em seguida, no Capítulo 11, “A socialização”, Dalila Xavier de França fornece pressupostos teóricos para a compreensão do fenômeno da socialização, dando ênfase à socialização das atitudes dirigidas a outros grupos sociais, particularmente como estes processos ocorrem na infância. Inicialmente, é apresentada uma análise conceitual do construto socialização, destacando sua concepção no âmbito da psicologia e sociologia. Em seguida, são discutidos aspectos históricos que subsidiaram a origem de modelos de socialização, focando-se no desenvolvimento do pensamento sobre a criança, a história da criança no Brasil, e os modelos de socialização infantil. Finalmente, são analisados os contextos de socialização na família, na escola, nas relações com pares e nas mídias sociais, concluindo com o exame de uma forma de socialização específica, que consiste na influência dos valores, das crenças e das práticas educativas na formação de preconceitos e racismo nas crianças. No Capítulo 12, “Preconceito”, escrito por Marcus Eugênio Oliveira Lima, são analisadas as definições e formas de abordagem do preconceito, considerando, que, por se tratar de uma atitude, os preconceitos possuem componentes cognitivos, afetivos e comportamentais. São discutidas explicações sobre como os preconceitos são formados e como podem ser combatidos. Várias teorias psicossociais são trazidas para demonstrar que o preconceito é fenômeno complexo e multicausal; de forma que suas formas de controle social e combate necessitam integrar planos explicativos, desde os mais intraindividuais aos ideológicos e culturais. O autor traz ainda estudos da psicologia social sobre preconceitos no Brasil. No tópico final são apresentados dados de uma metanálise sobre como superar o preconceito. Finalizando esta parte do Manual, o Capítulo 13, “Gênero”, de autoria de Luiza Lins Araújo Costa, Hyalle Abreu Viana e Iara Maribondo Albuquerque, discute as relações entre os conceitos de gênero, sexismo e discriminação, analisando sua im- 26 Apresentação portância e centralidade para a compreensão da realidade social. Inicialmente, são abordados a construção social do gênero, enquanto um conceito que historicamente serviu para explicar e manter desigualdades entre as pessoas. São apresentadas discussões sobre os estereótipos, papéis de gênero, bem como sobre a importância de pensar a masculinidade também como parte das discussões sobre gênero. Na sequência, o texto é estruturado em três seções que visam desenvolver as discussões sob diferentes perspectivas. Na primeira delas, são debatidas variáveis psicossociais subjacentes à manutenção da discriminação contra a mulher em diferentes contextos. Na segunda, são destacadas as diversas faces do sexismo. Por fim, na terceira seção, são abordadas a questão da paridade de gênero e a maior representação política de mulheres enquanto uma meta estratégica frente ao objetivo de combater o sexismo e a discriminação de gênero na sociedade. Novembro de 2022 CAPÍTULO 1 ORIGENS E DESENVOLVIMENTO Leoncio Camino Ana Raquel Rosas Torres INTRODUÇÃO Pretendemos introduzir o leitor ao debate do que é a Psicologia Social a partir de uma perspectiva histórica. Nossa premissa é que as teorias científicas são perspectivas historicamente construídas a partir de alguns pressupostos básicos, em que se definem o campo de estudo e os métodos adequados a este campo. Uma história, nessa perspectiva, considera não só os avanços obtidos no desenvolvimento das pesquisas, mas, também, os contínuos debates e redefinições sobre a natureza do campo pesquisado e a adequação dos métodos propostos às características deste campo. Nesse sentido, pretendemos mostrar que a Psicologia Social não nasceu de um único projeto ou de uma única definição, nem vem se desenvolvendo de forma linear. Assim, o objetivo deste capítulo não é narrar a história da Psicologia Social ou apresentar uma sucessão de teorias, seguindo uma ordem cronológica. O que pretendemos é desvendar os fios com os quais se tece a trama e a história da Psicologia Social. Nessa tarefa, é mais importante colocar em evidência as ideias subjacentes às diversas teorias, que descrever cada uma delas minuciosamente, porque é por meio dessas ideias subjacentes, ou axiomas, que poderemos acompanhar o desenvolvimento da Psicologia Social e melhor entender as relações existentes entre este desenvolvi- 28 Origens e desenvolvimento mento e seu contexto sócio-histórico. Embora a descoberta científica possua sua própria lógica (Hobwsbam, 1982), mesmo assim essa lógica não é totalmente independente, como defendia o Positivismo, das dinâmicas do tecido social. Pelo contrário, faz parte dela. Assim, devemos levar em consideração que a Psicologia Social, como as outras ciências, faz parte da arena onde se desenvolvem os conflitos sociais e se propõem soluções que marcam a evolução da Sociedade (Camino, 2000). Iniciamos este capítulo constatando, como acontece em quase todas as ciências, que é difícil determinar uma data da origem da psicologia social. Geralmente, tanto autores clássicos (Jones & Gerard, 1967) como contemporâneos (Oishi, Kesebir, & Sneyder, 2009) situam a origem da Psicologia Social no ano de 1908, por ocasião da edição dos dois primeiros manuais: An Introduction to Social Psychology de William McDougall (Psicólogo) e Social Psychology: an outline and source book de Edward Ross (Sociólogo). Mas outros autores citam como origem da Psicologia Social tanto os estudos teóricos sobre Psychologie des foules de Gustave Le Bon (1895), como os estudos experimentais de Norman Tripplet, em 1897, sobre os efeitos da competição em tarefas simples. Com não menos razão, Leyens (1979) observa que a obra clássica de Gabriel Tarde, Les lois de l’imitation de 1890, deve ser entendida como um texto de Psicologia Social. Remontando ainda mais no tempo, Allport (1985) chega a colocar Auguste Comte, o fundador da Sociologia, como fundador também da Psicologia Social, por ele ter aberto, em uma obra póstuma, a possibilidade de uma ciência positiva da moral, que estudaria as normas e costumes da sociedade e que se situaria no topo das ciências, acima mesmo da sociologia. A dificuldade em precisar a origem da Psicologia Social deriva do fato de existirem, concomitantemente, diversos projetos de psicologia social. Assim, os autores tendem a indicar um ou outro fundador dessa disciplina, em função de sua própria perspectiva. O que podemos afirmar é que entre 1850 e 1930 estabelecem-se diversos debates, tanto sobre a natureza dos fenômenos sociais quanto sobre as formas de estudá-los. Nesses debates tenta-se delimitar as diferenças existentes entre filosofia, sociologia, psicologia individual e psicologia social. É evidente que essas distinções não se fazem com o espírito interdepartamental que nos caracteriza hoje. Elas se constituem em torno dos debates sobre os fundamentos das Ciências Humanas. Nesse sentido, partimos do pressuposto que a Psicologia Social não nasce de um único projeto ou de uma única definição, mas ela se desenvolve no embate entre as diversas perspectivas. 1.1 IDEIAS SUBJACENTES À CONSTRUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL De fato, entre 1850 e 1920 surgiram diferentes projetos sobre o que deveria ser uma Psicologia Social, projetos que definiam tanto o campo de estudo desta nova ciência como sua metodologia. Portanto, esse período deve ser considerado como um momento privilegiado em que se deu o confronto de diversas formas de entender a Psicologia Social, e que continua até nossos dias. Para entender a existência dessa diversidade de propostas, devemos analisar as ideias e os pressupostos que se encontravam subjacentes a elas. Por tratar-se de ideias subjacentes às teorias sobre o ser Psicologia social: temas e teorias 29 humano, elas expressam, de alguma maneira, posicionamentos sobre dilemas ou situações polares próprias do ser humano. Assim, em seguida, faremos uma breve análise de como se desenvolvem essas ideias a partir das origens do pensamento moderno. 1.1.1 A RAZÃO E A MODERNIDADE Embora a natureza e o alcance do conhecimento humano sejam uma preocupação constante no mundo ocidental desde a filosofia grega, precisamente no limiar do mundo moderno se colocará, de maneira aguda, o problema do alcance real do conhecimento humano. De fato, o século XVI constitui um período de grandes descobrimentos e de forte expansão geográfica que, com as revoluções na astronomia (Nicolau Copérnico e Johannes Kepler) e na física (Isaac Newton), trouxeram uma nova representação do homem e da natureza. Nesse período, René Descartes (1637/1996; França, 1596, Suécia, 1650), filósofo francês, se propõe fundamentar o saber a partir da metafísica. Mas como fundamentar esta última? Para isso, ele afirma que se devem descartar todos os princípios ou crenças que não sejam por si evidentes, por meio do processo da Dúvida Sistemática. Desse processo emergirá um enunciado “cogito ergo sum” (penso, logo existo) que não é dubitável porque seria a condição da própria dúvida. Só o ato de pensar, quando realizado, é indubitável, porque quem efetua um ato de consciência, mesmo que este ato seja duvidar, “sabe” que ele é o sujeito deste ato, pois é impossível realizar um ato de consciência sem ter consciência de ser sujeito do ato.1 Nesse sentido, é com Descartes que se começa a entender por razão o conhecimento natural, em oposição ao conhecimento revelado que é objeto da fé, e não da razão. Se, por um lado, Descartes mostrou novas formas de relação entre a razão e a revelação, por outro lado continuou a ser devedor do pensamento medieval, na medida em que descrevia a natureza do sujeito pensante como constituída pela união da alma (mente) e do corpo. Essa dualidade terminará por se refletir no próprio pensamento de Descartes. Assim, temos que para Descartes, o empirista, a mente só pode conhecer por meio do corpo. Mas como superar as limitações que essa dicotomia trazia ao conhecimento? Como conhecer o não sensível por meio dos sentidos? Descartes, o idealista, introduzirá para tanto a noção de ideias inatas. Segundo essa concepção, nós nasceríamos já com ideias apropriadas para pensar sobre fenômenos suprassensíveis como deus, alma, imortalidade etc. É evidente que esta concepção ambígua abre uma grande polêmica em tomo da verdadeira natureza do conhecimento humano.2 1 Descartes pode ser considerado o precursor da Psicologia Moderna pelo fato de ter desenvolvido uma “Filosofia da Consciência”. De fato, a descoberta da força fundadora do cogito pode ser considerada como a semente do futuro interesse pelos estudos da consciência, primeiro objeto de estudo da psicologia germânica. 2 O debate sobre a natureza do conhecimento humano, que se desenvolverá principalmente entre Hume e Kant, no século XVIII, se constituirá a base dos grandes sistemas teóricos na psicologia moderna, pois os conceitos lançados neste debate conteriam, em sua forma germinal, não só ideias implícitas sobre a natureza do aparelho psíquico, mas particularmente reflexões epistemológicas e metodológicas sobre as formas do pensamento que possibilitariam a compreensão dos fenômenos humanos (Lana, 1969). 30 Origens e desenvolvimento 1.1.2 O DEBATE ENTRE O EMPIRISMO (HUME) E O IDEALISMO (KANT) Como a razão se relaciona com a realidade? O que é a verdade? As tentativas de resposta virão de duas formas de entender a razão: o empirismo anglo-saxão e o idealismo alemão. Essas duas perspectivas vão se opor nesse período, particularmente por meio das figuras de David Hume (Escócia, 1711-1776) e de Immanuel Kant (Prússia, 1724-1804). Por um lado, Hume (1760/1961) considera que a experiência humana inicial é a sensação e que é a partir dela que o indivíduo deriva as ideias que a representam. O fluxo do pensamento, ou raciocínio, se processa por associação de ideias (as quais estão ancoradas na sensação). A associação seria a força que faz com que as diferentes ideias se liguem entre si formando um raciocínio (proposição).3 Uma vez que as ideias se sucedem rapidamente umas às outras na experiência do indivíduo, cria-se a necessidade de estabelecer a base dessa conexão. Hume propôs três princípios de associação: a semelhança, a contiguidade e a relação causa-efeito. Tanto na semelhança quanto na contiguidade, a presença de elementos comuns às duas ideias faz com que uma das ideias lembre a outra. Já a relação causa-efeito implica no fato de que um evento (efeito) segue outro (causa) de forma contígua no espaço e no tempo. Assim, pela conjunção constante entre evento e efeito pode-se deduzir que o evento que precede é a causa do efeito. Por outro lado, Kant, opondo-se ao empirismo de Hume, reafirma a existência de um sujeito mental cujas atividades não poderiam ser reduzidas a processos sensoriais.4 Assim, Kant, em seu clássico trabalho Crítica da Razão Pura (1781/1981), aponta alguns elementos que são independentes da experiência e dos quais a própria experiência dependeria, a saber: as formas da sensibilidade (tempo e espaço), as categorias da compreensão (causa e efeito, substância etc.) e as ideias da razão (liberdade, Deus etc.). Assim, para Kant, o sujeito do conhecimento não é um sujeito empírico submetido ao aqui e agora, mas um “sujeito transcendental” que, precisamente por ser imutável, transcende o “aqui e agora”, e por ser universal permite a universalidade da experiência. Dentre esses elementos, que são condições essenciais para a compreensão do mundo, Kant põe ênfase especial em uma das doze categorias da compreensão, a da causalidade. Para Kant, toda experiência possível, ou seja, todo conhecimento objetivo com referência à sucessão temporal de fenômenos, depende da “teoria da causalidade”, que para cada evento estabelece uma causa preexistente, embora tal causa só seja especificada de forma empírica. A categoria da causalidade, portanto, é uma pressuposição lógica da sucessão objetiva de eventos no tempo. 3 Com o conceito de associação, Hume estaria antecipando a existência do condicionamento, essencial na constituição da Psicologia objetiva (Boring, 1950). 4 Com suas ideias, Kant coloca as bases de futuras concepções do sujeito psicológico como sujeito ativo, particularmente com as suas concepções do espaço e do tempo (Boring, 1950). Psicologia social: temas e teorias 31 1.1.3 PRIMAZIA DO INDIVIDUAL: CONTRATO (HOBBES, LOCKE) OU IMPERATIVO (KANT) A partir do final do século XV constatam-se profundas mudanças na Europa que, além de transformarem a maneira de pensar a razão humana, podem ser relacionadas com o desenvolvimento de uma nova concepção da política. Assim, como consequência das descobertas de novos continentes, inicia-se um grande comércio de metais preciosos, espécies e outros produtos. Vivia-se, pois, um grande desenvolvimento do comércio internacional (capitalismo mercantilista). Mas, não se pode falar em uma transformação radical da economia, pois o mercantilismo continua ligado à economia rural tradicional e à sociedade aristocrática. Mesmo assim, começam a se formar novos setores sociais que possuem fortunas tanto em dinheiro com em bens imobiliários. Portanto, não é de estranhar que esse período, com a existência de um setor urbano abastado, caracterize-se pela redescoberta da cultura greco-romana e pela adoção de seus padrões culturais. Deve-se observar que o espírito renascentista não só adota os padrões artísticos, mas entusiasma-se também pelo pensamento filosófico e político da cultura clássica. Finalmente, deve-se ter em conta que as radicalizações dos movimentos que reivindicavam a volta ao cristianismo primitivo levariam à Reforma e a lutas religiosas, que desempenhariam um papel decisivo na esfera política. Contudo deve-se ter em mente que, apesar das mudanças e conflitos sociais que iniciam o laicismo da vida política, constata-se, no século XVI, uma profunda continuidade com valores e estilo de vida medievais (o aprofundamento do tema Valores será feito no Capítulo 6 deste livro). Ninguém encarna melhor que Nicolau Maquiavel (1469-1527) o processo de laicidade política. A política como ordem imposta ao mundo por Deus é substituída pela política como atividade constitutiva da existência coletiva (Châtelet e col., 1985). Contra os ensinamentos da religião e da teologia, ele afirma, porque ele constata isso, que o Estado é o fundamento da vida coletiva e que as leis que o regem são da mesma natureza que as leis que regem o mundo físico. Retomando a tradição grega, afirma que a unidade política, condição da existência social, repousa em um ato que institui o Estado, ato que é o de um legislador que define, de uma vez por todas, o que é justo ou injusto e as formas do exercício do poder (Châtelet e col., 1985). A autossuficiência da Política não deixa de colocar um problema. Como ela se institui? Thomas Hobbes, no Leviatã, publicado em 1651, funda no próprio Estado essa autonomia. Para Hobbes, o estado natural do homem é contraditório: por um lado, todos têm o desejo de viver bem, de se desenvolver; por outro, a inveja, o desejo das coisas dos outros e o desejo de dominar seriam próprios da natureza humana. É nesse sentido que o homem é um lobo para os outros homens (homo homini lupus). A partir dessa situação, própria da natureza do homem (ou do estado natural), surge a vontade de construir uma instância superior cujo fim é impor uma ordem que elimine a violência natural. Nesse sentido, Hobbes não descreve a natureza do homem, mas sim os homens de sua própria época, o surgimento da burguesia, a luta e a crueldade 32 Origens e desenvolvimento que a caracterizariam (Gruppi, 1996). A instauração do Estado pressupõe que os cidadãos, de comum acordo, se despojem de seu poder individual e o transfiram ao Estado. Por sua vez, John Locke (1632-1704), cuja obra política é contemporânea à segunda revolução inglesa, de 1689 – instauração da monarquia constitucional –, observa que os homens em estado natural são livres para dispor de sua vida como o desejem, são, portanto, todos iguais. Mas na sociedade dos homens surgem riscos e conflitos. Essa situação cria a necessidade de realizar todas as possibilidades do estado natural, particularmente de usufruir a propriedade privada, de os homens entrarem em um pacto de organização da sociedade segundo regras comuns. Assim, os indivíduos constituem um poder público (o Estado) encarregado de organizar o pleno exercício dos direitos naturais (Gruppi, 1996). Nesse sentido, o poder público não seria um remédio radical a uma natureza fundamentalmente perversa e violenta, como o era na perspectiva de Hobbes. Trata-se simplesmente de uma salvaguarda frente a possíveis atentados internos ou externos ao estado de direito natural dos indivíduos, e tem como limite a obrigação do Estado de respeitar os diretos naturais dos indivíduos. São as ideias de Locke que vão constituir a fórmula liberal do Estado Moderno, potência soberana e legisladora, e unidade de uma multiplicidade de súditos livres (Châtelet e col., 1997). Como o seu nome indica, o liberalismo é uma corrente de pensamento que coloca como valor supremo a “Liberdade”. No liberalismo econômico defende-se que a liberdade do indivíduo é produto da liberdade do mercado (Adam Smith, 1723-1790). Isso significa que tanto o lucro individual como a propriedade privada são os valores que devem regular toda atividade econômica. O liberalismo econômico opõe-se ao dirigismo do Estado (não a seus favores, com os quais historicamente os liberais têm convivido muito bem). Já o liberalismo político defende a liberdade enquanto direito do indivíduo. O liberalismo político opõe-se ao despotismo do Estado. Para John Stuart-Mill (1806-1873), todos os indivíduos devem ter o direito de poder participar do controle do Estado por meio da “representação política”. Para o liberalismo, a existência do parlamento é a garantia da democracia. Nessas duas concepções pode-se considerar o liberalismo como uma corrente do pensamento que coloca o indivíduo no centro de todo o sistema socioeconômico. Pode-se afirmar que no pensamento liberal se dá primazia do indivíduo sobre o social. Mas no liberalismo moral de Kant (1781-1981), embora se defenda, por um lado, que a responsabilidade individual (livre-arbítrio) nasce da capacidade racional dos homens de se considerar fins em si e não meios para qualquer objetivo social, afirma-se, por outro lado, que se a moral é dominada pelo reinado dos fins em si, isto só pode acontecer se é construído um conjunto de condições no qual o livre-arbítrio de um indivíduo harmoniza-se com os dos outros, seguindo uma lei geral de liberdade. Esse conjunto de condições prévias constitui, em um certo sentido, o Estado de Direito, o que significa que a vida social e política dos indivíduos deve estar subordinada ao direito. Pode-se afirmar que na filosofia liberal germânica, a partir de Kant, instala-se uma corrente de pensamento que prioriza o social sobre o individual. Psicologia social: temas e teorias 33 Kant raramente trata, de maneira direta, dos problemas políticos e, portanto, da natureza do social. Mas toda sua obra filosófica traduz uma profunda reflexão sobre o direito e a filosofia da história. Por isso, essa reflexão só pode ser entendida a partir da análise de seu idealismo transcendental (Crítica da razão pura, Kant, 1781/1981) e de seu idealismo moral (Crítica da razão prática, Kant, 1781/1981). 1.1.4 A SOLUÇÃO DIALÉTICA (HEGEL) Tanto Hume como Kant viveram boa parte de suas vidas na paz do absolutismo esclarecido. Caberá ao jovem Friedrich Hegel (1806/1807-1999) ser testemunha dos confusos acontecimentos que caracterizaram a Revolução Francesa, com suas sucessivas fases e seu aparentemente contraditório desenlace (o império napoleônico). Como explicar isso? Heráclito teria razão, quando afirmava que tudo muda? Ou as mudanças estariam nas limitações da experiência humana ou na própria realidade que é inatingível? Assim, para Hume, o empirista, embora as coisas mudem continuamente, elas mudam segundo leis naturais constantes que os processos de associação permitem revelar. Já para Kant, o idealista, o sujeito do conhecimento, sujeito transcendental, universal e imutável, seria a condição que dá estabilidade ao conhecimento de uma realidade que nos escapa. Para Hegel, máximo expoente do idealismo alemão, a realidade é mutável, principalmente a realidade no nível histórico. Portanto, compreender a realidade significa entender o modo como as mudanças transcorrem e suas leis (Abrão, 1999). Na Fenomenologia do Espírito, Hegel se propõe entender a forma pela qual a consciência do mundo se descobre a si mesma no ato de ser consciência e descobrindo-se, se reencontra em uma totalidade que inclui a consciência (subjetividade) e o mundo (objetividade). Esse reencontro pressupõe a negação do primeiro ato de consciência, que se esgotava em uma totalidade indiferenciada (objetividade pura). Em um segundo momento, a consciência se coloca como sujeito que percebe e, nesse sentido, como sujeito distinto do que é percebido (subjetividade pura). Mas em um terceiro momento, ele perceberá que o ato de consciência é um ato que constitui de alguma maneira o objeto. Em outras palavras, o que era a oposição entre sujeito e objeto torna-se síntese. Assim, a consciência deixa de ser subjetiva transformando-se em um sujeito absoluto. O sujeito transcendental de Kant, universal e imutável, é substituído pelo desenvolvimento cultural e histórico do pensamento humano. O absoluto seria o resultado de um processo histórico rico de contradições, pelo qual o espírito ou pensamento humano foi se manifestando (Abrão, 1999). O que de fato moveria a história do pensamento humano seriam as contradições. Para entender melhor esse processo histórico acompanharemos o próprio debate sobre a natureza da razão humana que nasce dos postulados de Descartes. Descartes postula a existência na mente humana de ideias inatas, universais, necessárias e imutáveis para superar a instabilidade de nossas opiniões e percepções. Mas os empiristas negam que as ideias possam ser inatas. Para eles, a razão depende das experiências, no que estavam certos, e só das experiências, o que enfraquecia a solução proposta para 34 Origens e desenvolvimento a validade das ciências. Kant, por sua vez, nega que inatistas e empiristas estivessem certos. Por um lado, mostra que os conteúdos da consciência dependem da experiência; mas, por outro, mostra que a pura experiência não pode ser a causa da razão. A experiência empírica pressupõe a existência, na consciência, de formas e estruturas inatas. Kant, portanto, prioriza o sujeito do conhecimento, mas não consegue fundamentar este sujeito universal e imutável. Hegel negará a fundamentação transcendental de Kant propondo uma fundamentação no próprio processo histórico dos debates filosóficos. Assim, graças às contradições entre as diversas teorias – inatismo, empirismo e kantismo – o Pensamento Humano vai construindo sínteses e harmonizando teses opostas (Chauí, 1999). Para Hegel, a contradição não significa o confronto entre duas afirmações opostas, imóveis, uma frente à outra. Como a negação brota da própria afirmação, as duas afirmações mantêm uma relação dinâmica, de enfrentamento, relação que faz nascer uma terceira afirmação. Nesse sentido, a terceira afirmação, embora conserve elementos das duas primeiras afirmações, as supera, diferenciando-se delas. Nesse processo podemos distinguir os três momentos da dialética hegeliana: a primeira afirmação, que é a tese; a segunda afirmação, a antítese, que é a negação da primeira; e finalmente a terceira afirmação, a síntese, que é a negação da primeira negação, o que resulta em uma nova afirmação. 1.1.5 PRIMAZIA DO SOCIAL: NAS IDEIAS (HEGEL) OU NA HISTÓRIA (MARX) A partir de Kant, defensor, como vimos, de uma metafísica social dos costumes, segue-se um conjunto de autores que repensam o indivíduo no quadro do social. Johann Fichte (1762-1814, 1988), por exemplo, no seu livro Discursos à Nação Alemã, afirma que o espírito do indivíduo (Einzelgeist) materializa-se em traços, idiossincrasias próprias das comunidades, povos e nações (Volkgesit). Por sua vez, o Volkgeist seria um momento, um elo ou um grau do espírito universal (Weltgeist). Mas deve-se levar em consideração que esse processo dialético, para Hegel, não seria apenas um método para avançar no conhecimento da realidade, mas como já vimos anteriormente, ele revela a verdadeira natureza da consciência. Para o idealismo alemão, se a natureza da consciência humana é dialética, o próprio devir do pensamento humano será igualmente dialético e, por isso, continuamente se irá revelando cada vez mais e melhor nas suas criações culturais, políticas, filosóficas, religiosas e científicas. No idealismo de Hegel, a razão que na tradição kantiana é um processo individual ativo e construtor da realidade, passa a ser uma construção eminentemente social. Por isso a consciência e, portanto, o ser humano, não possui uma essência imutável e constante que iria adquirindo, como aspectos secundários, as características próprias aos diversos contextos sócio-históricos. A essência do ser humano é ser um contínuo devir. A expressão desse devir se daria no concreto de cada contexto, mas o dinamismo desse devir, para Hegel, seria abstrato, constituído pela força da ideia ou espírito absoluto que procura sempre seu maior desenvolvimento. Psicologia social: temas e teorias 35 Não é de estranhar que muitos intelectuais germânicos pensassem que o Espírito, ou ideia absoluta, teria chegado à sua plenitude no período do Absolutismo Ilustrado do Reino Prussiano. Junto a esse triunfalismo intelectual, vivia-se naquele período, particularmente na Inglaterra, a ilusão de que além da razão, outra força motriz da evolução da humanidade era o conjunto de leis econômicas recém-formuladas por Adam Smith e outros pensadores, principalmente a Lei do Mercado. Mas esse otimismo não era hegemônico. No fin-de-siecle do mundo burguês (século XIX), no seio de profundas crises sociais e intelectuais, surgirá a oposição entre o racionalismo e o irracionalismo (Gay, 1995). Atribui-se ao Romantismo a defesa da irracionalidade, mas o que de fato esse movimento denunciava era o conflito entre o desejo de ser racional e a observação da irracionalidade do mundo industrial. Essa ambivalência se expressa pela dolorosa convicção de que faltam, na racionalidade, (leia-se, no progresso burguês), certos valores humanos essenciais que foram alienados pelo próprio progresso. É precisamente a nostalgia do que está perdido que é o centro da visão do Romantismo (Löwy & Sayre, 1993). Nesse panorama, caberá ao jovem Karl Marx (obras publicadas entre 1867-1986) virar às avessas a Fenomenologia do Espírito, de Hegel, na sua concepção do Materialismo Dialético. Para Marx, a história não se constrói pela dialética das ideias, pois são as ideias que se constroem na dialética da realidade material. Posteriormente, Marx, no Materialismo Histórico, trocará radicalmente os fundamentos da economia política do liberalismo ao afirmar que a formação econômica de uma sociedade não é o resultado da liberdade do mercado, mas do desenvolvimento das forças produtivas. O crescimento das forças produtivas explicaria, assim, o curso geral da história da humanidade. Porém as forças produtivas incluem não apenas os meios de produção (leia-se tecnologia e capital), mas também a força de trabalho (leia-se classe operária e suas habilidades). Não é mais a Lei do Mercado que move a história, pois o mercado não é outra coisa que um fetiche, senão a dinâmica das relações sociais que se estabelecem em torno das formas concretas de produção. Marx afirma, no Prefácio a “Contribuição a crítica da economia política”, que a estrutura econômica da sociedade, constituída de suas relações de produção, é a verdadeira base da sociedade, o alicerce sobre o qual se ergue a superestrutura política e jurídica e ao qual correspondem formas definidas de consciência social. Isso quer dizer que as várias esferas e domínios da sociedade (arte, ciência, religião, moral etc.), principalmente a jurídica e a política, refletem o modo de produção dominante e que a consciência geral de uma época é condicionada pela natureza de sua produção. Com essas ideias, Marx faz transposição radical do Mercado, sujeito da história entronizado pelo liberalismo econômico, à Classe Operária, concebida como futuro sujeito da história pelo Manifesto Comunista. Nesse período conflituoso observa-se que se, por um lado, a sociedade e a política na era das massas precisavam ser repensadas, por outro lado, não era só o pensamento liberal burguês que era contestado pelo crescimento e organização da classe operária, mas o próprio pensamento estava sendo posto em questão. Assim, introduzem-se dúvidas com respeito aos pressupostos racionalistas dos séculos XVII e XVIII. Qual seria, no ser humano definido por Aristóteles como animal racional, seu lado funda- 36 Origens e desenvolvimento mental?5 Seria sua racionalidade explicitada por Descartes, manifestada pelos portentosos descobrimentos científicos dos séculos XVIII e XIX e proclamada como a nova Religião Positiva da Ordem e do Progresso pelo iluminado Comte? Ou seria sua animalidade, que se manifesta tanto pelo seu parentesco íntimo com o mundo animal (Darwin) e sua estrutura instintiva (McDougall), como pelo predomínio do inconsciente e do reprimido sobre o racional e o consciente, que se manifesta tanto na massa (Le Bon) como no indivíduo (Freud)? Ou seriam ambos os aspectos igualmente importantes, que merecem ser articulados como propõem Wundt e Weber a partir da integração da força de organização coletiva, enfatizada por Durkheim com as forças individuais tanto da criatividade como da loucura, explicitadas por Tarde e Freud? 1.2 PRIMEIROS PROJETOS DE PSICOLOGIA SOCIAL ENTRE 1850-1930 É neste período do fin-de-siècle burguês e do início do século XX (1830-1930) que se levantam as interrogações anteriormente discutidas e se oferecem diversas respostas, frequentemente opostas entre si, que vão surgir as ciências humanas, como a Psicologia, a Sociologia e a Psicologia Social, que é o assunto deste livro. Os debates em torno da natureza da razão ser ativa ou passiva, ser individual ou social desembocaram, no que concerne à natureza da Psicologia Social, em duas posições claramente opostas. Uma perspectiva, seguindo as ideias do empirismo anglo-saxão, considera que os fenômenos sociais podem ser estudados como objetos da natureza. A outra abordagem, baseada nas ideias do idealismo alemão, se opõe à possibilidade de estudar os fenômenos sociais em uma perspectiva natural. 1.2.1 O SOCIAL COMO FENÔMENO DA NATUREZA Nesse debate, o positivismo de Auguste Comte (1789-1857), que surge como uma consequência do enorme desenvolvimento científico anterior, constitui-se em um projeto para as ciências humanas que identifica o social com os fenômenos da natureza, e propõe, para o seu estudo, a observação sistemática e a experimentação. Para Comte, o único conhecimento aceitável é o científico, o qual obedece a um conjunto de regras únicas, seja qual for o seu objeto. Só podem ser objetos de conhecimento válido as proposições cujos conteúdos mantenham uma correspondência direta ou indireta com os fatos. Assim, todo conhecimento deve sua validade à certeza proporcionada pela observação sistemática. O positivismo defende, também, a ideia de que o ser humano e a sociedade têm evoluído e progredido graças ao avanço da ciência (Chauí, 1999). Comte proporá sua famosa “Lei dos três Estados”, na qual afirma que o pensamento humano passa por três etapas ou estados: o teológico, o metafísico, e o científico ou positivo, estados que 5 De fato, como analisaremos mais à frente, inicia-se na Psicologia um processo um tanto contraditório, quanto mais se pretende dar-lhe um estatuto científico mais se nega a importância da racionalidade no ser humano e, particularmente, mais se contesta seu livre arbítrio, sua capacidade de autodeterminação. Psicologia social: temas e teorias 37 representariam três formas diferentes do saber. No estado positivo ou científico, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. Para Comte, as relações lógicas entre as diversas ciências permitirão explicar sua formação sucessiva como campos distintos de estudo no curso da evolução. Assim, Comte considera que as ciências estariam ordenadas hierarquicamente em uma complexidade cada vez maior, mas em uma generalidade cada vez menor. Cada ciência particular estaria fundamentada logicamente na ciência do nível imediatamente anterior, embora seu objeto próprio não pudesse ser reduzido às leis da ciência anterior. Comte estabeleceu a seguinte hierarquia: Matemática, Astronomia, Física, Química, Fisiologia e Sociologia. A matemática, mais que ciência empírica, seria uma lógica, uma maneira fundamental de pensar a natureza. Já a astronomia, física e química seriam as ciências da natureza. Finalmente a fisiologia e a sociologia estudariam o ser humano, esta última ocupando o topo da hierarquia por ser a ciência mais complexa. Percebe-se que Comte exclui a Psicologia da classificação das ciências, pois considera que o estudo do ser humano, enquanto indivíduo, deve ser realizado a partir da fisiologia, e o estudo do ser humano, enquanto ser social, era tarefa da sociologia. Caberia a esta última não só o estudo dos fenômenos sociais, a saber, descrever os fenômenos por meio de estatísticas sociais e analisar sua dinâmica, mas também a análise das condições que favoreceriam o desenvolvimento da filosofia positiva – a ordem e o progresso – na sociedade. Caberia à filosofia positiva o trabalho de indicar estruturas e objetivos políticos para a sociedade, tarefa que implicava em uma reforma moral da sociedade. Na mesma perspectiva do positivismo, naturalistas como Darwin e Spencer analisaram o fenômeno social no quadro geral da evolução das espécies naturais, criando o evolucionismo social como quadro de referência que foi muito importante nas ciências sociais. Charles Darwin (1809-1882) pretendia inicialmente provar que as espécies evoluíam para, em seguida, mostrar como esta evolução acontecia. Hoje sua teoria oferece uma explicação sobre a origem da vida neste planeta. Mas a ideia fundamental de Darwin era mostrar que as espécies evoluíam a partir da seleção natural. Pode-se entender a seleção natural analisando o processo de criação de uma nova espécie. O que vai determinar precisamente a criação de uma espécie não é a característica interna das diferenças entre a nova e a velha, mas a capacidade concreta que essas diferenças possuem de permitir uma melhor adaptação ao meio ambiente. Isso quer dizer que a diferenciação não possui inicialmente uma função de adaptação plena de caráter teleológico. Por um lado, as diferenças se produzem de maneira aleatória devido a mutações genéticas acidentais. Por outro lado, a eficiência dessas diferenças em permitir a sobrevivência da nova prole dependerá de características fortuitas que possam adquirir do meio ambiente. 38 Origens e desenvolvimento A sobrevivência de uma espécie dependerá, portanto, de uma interação entre as condições do meio e características novas que permitam uma melhor adaptação a esse meio. Supõe-se, pois, que na natureza cria-se um confronto (a luta pela sobrevivência) no qual os mais competentes conseguirão se reproduzir e, assim, perpetuar suas características. Na mesma perspectiva, Herbert Spencer (1876-1961) defendeu a ideia de que os fenômenos sociais seriam regidos por leis naturais e, portanto, as leis da evolução se aplicariam às sociedades. No seu livro Princípios de Sociologia, Spencer descreve as sociedades usando como metáfora as características próprias dos seres orgânicos. Assim, ambas cresceriam não só em tamanho, mas na complexidade das estruturas. Junto com a progressiva diferenciação de estruturas, se observaria também, em ambos os níveis, uma progressiva diferenciação de funções. Tanto nas sociedades como nos seres vivos, a articulação entre as duas formas de diferenciação (estrutural e funcional) seria dada pela evolução. Assim, a divisão do trabalho que é tratada pelos economistas como um fenômeno social, seria considerada pelos biólogos como um fenômeno próprio da natureza. Spencer chega a extrapolar o paralelismo metafórico entre o mundo orgânico e o social quando afirma que a evolução social faz parte da evolução como um todo. A concepção fundamental dessa evolução seria o passo progressivo de um estado indiferenciado para um estado de maior diferenciação. No seu pensamento, os mecanismos da evolução teriam origem na luta pela existência e na seleção natural, mecanismos que levariam à submissão e, às vezes, à eliminação dos menos eficientes em proveito dos mais aptos (Cuin & Gresle, 1994). Como a evolução da sociedade é uma lei inevitável, impedir seu avanço é também inútil. Aliás, Spencer traduz no seu evolucionismo social as ideias liberais de Adam Smith, quando afirma que a organização das sociedades estaria regulada pelos membros mais evoluídos e pela liberdade mais ampla nas relações interindividuais. Tanto a liberdade de mercado, como a liberdade nas relações sociais, impulsionaria as sociedades a progredir. Como veremos mais à frente, o evolucionismo social terá uma grande influência na psicologia americana. E não só na psicologia, mas de fato nos Estados Unidos, o evolucionismo social não apenas triunfou, mas integrou-se rapidamente na ideologia do capitalismo (Hobsbawm, 1982). O conceito “strugle for life” (a luta pela sobrevivência) viria a se converter no fundamento do “self made man” (o homem que ascende socialmente pelo esforço próprio). 1.2.2 O SOCIAL COMO CIÊNCIA HISTÓRICA DO ESPÍRITO As propostas positivistas e naturalistas receberam forte oposição, particularmente na Alemanha, a partir das posições de idealistas, como Kant, Fichte e Hegel. Na mesma direção, Wilhelm Dilthey (1894/1978) estabelece uma distinção fundamental entre as ciências humanas, que ele denomina de ciências do espírito ou de ciências da cultura, e as ciências da natureza, pois os fatos humanos seriam históricos e possuiriam significados e valores para as pessoas que os experienciam. Mas as ideias Psicologia social: temas e teorias 39 radicais de Dilthey serão amenizadas por Friedrich Herbart (1776-1841), que pensa a psicologia como uma ciência limite entre as ciências da natureza e as ciências do espírito. Na esteira da perspectiva de Herbart, surge na Alemanha uma abordagem dualista, que se propõe incorporar ao estudo experimental da consciência o estudo de fenômenos culturais, como costumes, linguagem e religião, o que exigiria uma abordagem histórica e não experimental. Desenvolve-se, assim, junto a uma Psicologia Geral e Experimental uma Psicologia Social de cunho etnográfico, denominada de Psicologia dos Povos (Völkerpsychologie). Caberá a Wilhelm Wundt desenvolver, junto com os estudos experimentais da consciência, os princípios do primeiro projeto detalhado de Psicologia Social.6 Importante salientar que ele dedicou vinte anos a Völkerpsychologie, ou seja, para ele, esse novo campo era de primordial importância e se propunha a estudar os processos mentais superiores enquanto construções coletivas produzidas no transcurso da história. Nesse sentido, Wundt afirma a existência de uma relação estreita entre a psicologia individual e a psicologia dos povos: A Psicologia dos Povos é uma parte da Psicologia Geral e seus resultados brindam conclusões múltiplas para a psicologia individual, porque a linguagem, os mitos e os costumes, como manifestações da alma comum, nos oferecem um material, do qual é possível tirar conclusões para a vida espiritual dos indivíduos. Assim, por exemplo, os fenômenos da linguagem, que devem ser considerados uma elaboração da mente coletiva, podem também ajudar a compreender a regularidade psicológica do pensamento individual (Wundt, 1916, p. 3). Mas os fenômenos sociais não podem ser explicados pelas características da consciência individual, pois “desenvolvem-se na vida humana em coletividade e não podem ser explicados unicamente pelas propriedades da consciência individual, pois supõem a influência recíproca de muitos” (Wundt, 1916, p. 21). Entretanto, isso, contudo, não minimiza o papel dos indivíduos. Para Wundt, não existe uma Völkerpsychologie fora dos indivíduos, que formam parte das relações recíprocas, de forma tal que a psicologia dos povos pressupõe uma psicologia individual ou, como geralmente se denomina, uma allgemeine psychologie (psicologia geral). A primeira, não obstante, é um suplemento importante desta última ao fornecer os princípios necessários para uma interpretação dos complexos processos da consciência individual. Apesar dessa proposta de articulação entre as duas ciências, Wundt, de fato, termina estabelecendo uma distinção fundamental entre uma psicologia individual, universal e analítica que se construiria, basicamente, com a ajuda do método experimental, e uma psicologia coletiva, contextual e histórica, que dependeria da observação. Pensamos que não se trata de uma opção por métodos diferentes para cada ciência, mas de uma visão diferencial da natureza do campo de estudo de ambas as ciências. Se na perspectiva positivista clássica considerava-se que os processos 6 Esse projeto será desenvolvido em uma extensa obra de dez volumes escrita por Wundt entre 1900 e 1920 e intitulada Völkerpsychologie: Eine Untersuchung der Entwicklungsgesetze von Sprach, Mytus und Sitte; Leipzig, Engelmann (Existe tradução inglesa em três volumes: Elements of Folk Psychology. New York; Macmillan, 1916). 40 Origens e desenvolvimento mentais individuais são regidos por leis naturais e, portanto, suscetíveis de serem estudados pelo método experimental, na perspectiva de Wundt, pelo contrário, uma psicologia dos fatos sociais abordaria fenômenos culturais, como linguagem, mitos, artes etc. e, portanto, deveria utilizar uma perspectiva histórica no seu estudo. Estabelece-se, assim, não só uma diferença profunda entre indivíduo e cultura, mas, também, uma diferença entre uma psicologia experimental, centrada no estudo do indivíduo, e uma psicologia compreensiva, centrada no estudo do coletivo.7 1.2.3 O PAPEL DO INDIVIDUAL E DO SOCIAL NA EXPLICAÇÃO DOS FENÔMENOS SOCIAIS Como se pode perceber, o debate epistemológico sobre o tipo de ciência mais adequado para estudar os fenômenos naturais – a ciência natural ou a ciência da cultura – transformou-se num debate sobre a natureza do social. Na compreensão dos fenômenos sociais deve-se dar primazia ao indivíduo ou ao social? É nesse momento que o debate epistemológico se transforma em um debate de caráter metodológico. Qual seria o método mais adequado para abordar os fenômenos sociais: o holismo sociológico defendido por Durkheim (1895/2007), ou o individualismo psicológico defendido por Tarde (1890-1924)? O debate entre psicologismo e sociologismo não deve ser entendido exclusivamente como um conflito territorial entre as duas ciências em formação – a Sociologia e a Psicologia – mas principalmente como um debate entre duas perspectivas no interior de uma mesma ciência: a sociologia. Assim, esse debate retoma a polêmica essencial da filosofia política estabelecida entre os Sofistas e Aristóteles, entre Hobbes e Kant – qual é o centro na constituição da ordem social, o homem ou o coletivo – e a transforma na seguinte questão: o que deve ser priorizado na compreensão dos fenômenos sociais: os aspectos subjetivos, psicológicos ou os aspectos objetivos, sociológicos? A abordagem de Gabriel Tarde, denominada de psicologismo, pretende priorizar o papel do indivíduo na explicação do fenômeno social, sobre a abordagem do coletivo. Nesse sentido, o psicologismo, como método de estudo do social, consiste em admitir que o fenômeno social não se reduz completamente às leis naturais, sociobiológicas, e que a atividade mental dos indivíduos intervém na produção da sociedade. Como explicar as semelhanças nas crenças e nas normas sociais da nova sociedade de massas que surge no mundo moderno? Tarde propõe a invenção e a imitação como os fatores essenciais na compreensão do fato social. “Socialmente tudo não passa de invenções e imitações” (Tarde, 1890-1924, p. 23). Como ele afirma no livro As leis da imitação: Qualquer repetição social, orgânica ou física, não importa; isto é, imitativa, hereditária ou, vibratória (para ficar unicamente nas formas mais impressionantes e mais típicas da Repetição Universal), procede de uma inovação, como toda luz procede de 7 Na tradição posterior, Wundt é lembrado só como o fundador da Psicologia (ciência única). Essa interpretação é enfatizada por Boring (1950). Psicologia social: temas e teorias 41 um fogo; e assim o normal em toda ordem de conhecimento, parece derivar do acidental (Tarde, 1890-1924, p. 28). O que Tarde afirma é que uniformidades sociais, como idioma, padrões de sexualidade, crenças religiosas etc. não são consequência de um determinismo histórico (por exemplo, a lei do progresso em Comte), mas são produtos sociais marcados pela criação individual. A imitação permite que as invenções (as diferenças) se transformem em hábitos, em memória social. Para Tarde, as relações sociais se estabelecem mais por contágio e imitação que pela mediação direta das Representações Coletivas, como proposto por Durkheim (Themudo, 2002). Embora Durkheim (1895/2007) insista na ideia de que os fenômenos naturais devem ser estudados como coisas, ele tem todo o cuidado de não se identificar totalmente com o positivismo metafísico de Comte e de Spencer. Seu objetivo é estender o método do racionalismo científico ao estudo dos fatos sociais, pressupondo que estes são redutíveis a relações de causa e efeito e, não, formular um materialismo radical. Durkheim não pretende afirmar que os fatos sociais são coisas materiais, “mas que são coisas, como as coisas materiais, embora de outra maneira” (p. 15). Para Durkheim, tratar o fato social como um fenômeno natural não decorre de uma perspectiva ontológica, mas, sim, de uma perspectiva metodológica. O que ele propõe é que o sociólogo se coloque na atitude mental dos físicos, dos químicos, dos fisiologistas, quando abordam os fatos sociais. Mas o que significa fato social? Para o senso comum, pelo fato da sociedade se compor de indivíduos, a vida social não teria outro substrato que a consciência individual. Mas, para Durkheim “os estados da consciência coletiva são de uma natureza diferente da dos estados da consciência individual, são representações de outro tipo. A mentalidade dos grupos não é a dos indivíduos; tem suas leis próprias” (p. 22). As Representações Coletivas, pelo fato de traduzirem a maneira pela qual o grupo pensa sua relação com o mundo, não podem depender das representações individuais (Durkheim, 1912/1996). Para compreender como a sociedade representa a si mesma, é necessário ter em conta a natureza da sociedade, não a natureza dos indivíduos. Portanto, a sociologia não pode tomar emprestados conceitos da psicologia (como sugestão e imitação, por exemplo) para explicar fenômenos sociais: o pensamento coletivo deve ser explicado a partir de fatos sociais, não de processos individuais. Os fatos sociais seriam, pois, crenças, práticas e sentimentos de um grupo, enquanto tal. As formas que revestem os estados coletivos, ao refletirem -se nos indivíduos, seriam de outra natureza. Assim, se para Durkheim as bases do fenômeno social seriam as representações coletivas, para Tarde o que precisaria ser explicado são precisamente as representações coletivas. 1.2.4 O COLETIVO COMO AMEAÇA AO INDIVÍDUO De fato, no conturbado final de século XIX, o debate entre o que deveria ser priorizado – o individual ou o social – se situava não só no nível conceitual, mas também no nível ideológico. Particularmente na França, a visão do coletivo ou (seguindo a 42 Origens e desenvolvimento terminologia da época) das massas estaria ligada fundamentalmente à violência e à subversão da ordem. Não é, portanto, de estranhar que pensadores, como Scipio Sighele (1895-1954), Gabriel Tarde (1898) e Gustave Le Bon (1895), manifestem em seus estudos o sentimento de repúdio da classe média às ondas de manifestações e de tumultos gerados pelo descontentamento da classe trabalhadora, que se formava no bojo da revolução industrial (Reiward, 1949). Esses autores defendem em comum a ideia de que o contágio e a sugestionabilidade, características inerentes às massas, fariam com que as pessoas perdessem tanto sua individualidade como sua racionalidade, criando-se assim uma mente coletiva. Sob a influência da mente coletiva e devido à suspensão das imposições das normas gerais, os instintos destrutivos das pessoas seriam então liberados, o que levaria as massas a agirem de maneira violenta e irracional. Está implícito a esse pensamento que o ser humano, quando só, se comporta de maneira civilizada, mas quando se junta à massa, transforma-se num bárbaro, em uma criatura atuando unicamente por instinto. Nesse sentido, Sighele (1895-1954), Tarde (1898) e Le Bon (1895) estabelecem uma distinção fundamental entre a mente do indivíduo e a mente coletiva, priorizando certamente o indivíduo e levantando forte desconfiança frente à ação das massas. Em pleno debate sobre a democracia e a universalização do voto, essas ideias enfatizarão a necessidade de criar condições para que a escolha eleitoral se faça em isolamento, pois as decisões tomadas em uma assembleia não representariam os verdadeiros interesses dos participantes (Michels, 1982). 1.2.5 DA CONSCIÊNCIA AO ESTUDO DO COMPORTAMENTO A Psicologia, até o início do século XX, era uma ciência praticamente europeia, cujos grandes expoentes como Wilhelm Wundt, Edward Titchener, Franz Brentano, Oswald Kulpe, de alguma maneira privilegiavam o estudo da consciência.8 Mas no final do século XIX começam a aparecer propostas de uma psicologia objetiva, em contraposição a uma psicologia da consciência. As raízes dessas propostas podem ser encontradas em três eventos relativamente independentes. Primeiro no desenvolvimento, inicialmente na Inglaterra e posteriormente nos Estados Unidos, de uma psicologia comparativa apoiada na psicologia animal. Segundo, nos estudos na Rússia sobre a fisiologia do arco reflexo, estudos que darão passo à psicologia reflexológica. E terceiro, na difusão do pragmatismo, principalmente nos Estados Unidos. No que se refere à psicologia comparativa, o livro Expression of the Emotions in Man and Animals (1872), de Darwin, que estabelece certa continuidade entre o comportamento animal e o comportamento humano, desempenha um papel decisivo no interesse por uma psicologia objetiva, centrada no comportamento, no estudo da psicologia animal. Pesquisadores que farão parte do movimento behaviorista como H. S. Jennings, E. L. Thomdike, R. Yerkes e J. Watson, dentre outros, constroem laboratórios de psicologia comparada por todos os Estados Unidos. Em 1911 é fundada a revista Journal of Animal Psychology. 8 Exceções foram o livro de Edward Ross (1908) e os trabalhos de F. H. Allport (1924). Psicologia social: temas e teorias 43 Uma segunda fonte da psicologia objetiva foi a escola russa de fisiologia, que se iniciou com os trabalhos de I. M. Sechenov e teve continuidade com as pesquisas de V. M. Betcherev e de I. P. Pavlov. Essa corrente foi a primeira a postular a necessidade de elaborar uma abordagem objetiva da psicologia e a propor uma teoria, a do reflexo condicionado, que explicava o comportamento sem fazer menção a qualquer tipo de estado mental. Finalmente, desempenhará um papel importante no desenvolvimento da psicologia objetiva o pragmatismo, doutrina que afirma a inseparabilidade do pensamento e da ação ou, em outras palavras, a impossibilidade de reconhecer a verdade fora da tentativa de colocá-la em prática (Thinés & Lempereur, 1978). Para James (1907/1979), à medida que o pragmatismo pretende ser uma teoria sobre os critérios da verdade dos enunciados, situa-se no nível da epistemologia. “A prova última do que significa uma verdade é sem dúvida, a conduta que essa mesma verdade dita ou inspira” (Mariconda, 1979, p. XI). Esse pensamento filosófico se tornará muito influente nos Estados Unidos onde, à luz dessas ideias, foram formuladas várias teorias nas ciências humanas, como a do próprio James, sobre o fluxo da consciência, e a de Dewey, sobre a necessidade de adaptar a pedagogia aos contextos específicos de cada ação. Não é, pois, de estranhar que a partir do artigo Psychology as the Behaviorist Views it, publicado na Psychological Review em 1913 por Watson, a tendência cada vez mais forte em direção a uma psicologia objetiva se transformasse, nos Estados Unidos, na perspectiva Behaviorista. Nesse artigo, que possui um caráter de manifesto, Watson convoca os psicólogos a abandonarem a análise da consciência e a se dedicarem a estudar exclusivamente o comportamento. A consciência não poderia ser aceita como objeto de estudo de uma ciência objetiva, pois “nunca foi vista, tocada, cheirada, experimentada ou mexida. É uma mera suposição que possui tão escassas probabilidades de ser comprovada como a noção de alma” (Watson, 1913, p. 289). A proposta de Watson era que a psicologia humana se limitasse ao estudo do comportamento observável, sem necessidade de inferir a existência de processos não observáveis, não verificáveis diretamente. Não se tratava mais de definir o comportamento em termos de intencionalidade, mas de explicar o comportamento recorrendo a fatores ambientais externos à pessoa. No que concerne à metodologia, o behaviorismo supunha a rejeição radical da introspecção, método muito frequente na psicologia alemã, e sua substituição pela observação e experimentação objetivas. Os informes verbais seriam válidos sempre e quando se utilizassem para entender resultados objetivos e comportamentais, e não para inferir processos mentais. 1.3 A CONSOLIDAÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL PSICOLÓGICA NOS ESTADOS UNIDOS Essas ideias simples e não muito originais de Watson, mas expostas com força e com muito poder de persuasão, teriam uma influência decisiva no futuro da Psicologia Social tanto nos Estados Unidos como no resto do mundo ocidental. Mas por que essas ideias, que faziam parte do Zeitgeist da época, foram aceitas com tal intensidade 44 Origens e desenvolvimento nos Estados Unidos? E por que se propagaram com tanta força para os outros países, mesmo para aqueles onde ideias diferentes tinham-se desenvolvido anteriormente? Para responder a estas perguntas, Boring (1950) recorre ao fato de que os Estados Unidos era um país novo, recentemente construído por pioneiros. Assim, o espírito de sobrevivência através da adaptação a um novo meio ambiente seria o elemento essencial da cultura do “Novo Mundo”. Essa atitude fundamental teria sido o terreno fértil para o desenvolvimento das perspectivas pragmatista e funcionalista, as quais, por sua vez, constituiriam o terreno fértil de onde irá surgir logicamente o behaviorismo. Parece difícil creditar exclusivamente ao espírito pioneiro do Novo Mundo o tipo de positivismo que se desenvolve como tendência dominante na psicologia americana. Outros fatores deveriam ser analisados. Mas pode-se, sim, relacionar a dominância dessa perspectiva estadunidense na psicologia mundial tanto com o forte desenvolvimento econômico e industrial dos Estados Unidos no século XIX, como com a importância que começava a adquirir no cenário internacional após ter obtido importantes conquistas territoriais e ter participado decisivamente na vitória dos aliados na 1ª Guerra Mundial, fatores que em conjunto levariam os Estados Unidos a ser líder do mundo ocidental capitalista, entre as duas guerras. De fato, o behaviorismo terá uma influência importantíssima no desenvolvimento da Psicologia Social nos Estados Unidos. Mas não se trata de uma teoria e sim de uma ampla perspectiva na qual se desenvolverão inúmeras teorias, desde as mais radicais, como a “caixa preta” de B. F. Skinner, até as teorias que propõem mecanismos mediadores, como as de C. L. Hull e A. Bandura. Portanto, pelo fato de o behaviorismo ser uma perspectiva ampla, não é de estranhar que no que concerne à Psicologia Social surgissem várias propostas diferentes, das quais cabe aqui destacar duas: o behaviorismo individual, de F. Allport, e o behaviorismo social, de G. Mead, teorias que influenciaram fortemente a recém-nascida Psicologia Social norte-americana. 1.3.1 FLOYD ALLPORT E A CONSTITUIÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL PSICOLÓGICA Mas, de fato, são principalmente as ideias de F. Allport que marcaram o desenvolvimento da Psicologia Social nos EUA. Suas ideias aproximam-se às de Watson, apesar de serem menos radicais. Embora a introspecção possa ajudar complementarmente a interpretar uma observação, de maneira alguma pode servir para explicá-la. Provavelmente o ponto mais influente e mais radical das ideias de Allport (1924) foi a sua total rejeição a qualquer determinismo psíquico. Para ele, os determinismos seriam sociais. De acordo com Allport (1924), é impossível substituir os indivíduos pela noção de grupo, pois o grupo não pode ser concebido como uma entidade psicológica independente, mas como um conjunto de indivíduos diferentes que se relacionam entre si ou reagem simultaneamente a uma situação comum. Assim, opõe-se a várias concepções de sua época, por exemplo, as ideias de Spencer sobre a evolução progressiva e diversificadora do organismo social. Para Allport, um estudo evolucionário da cultura pretenderia explicar um fato pelo resultado de sua história, o que seria uma Psicologia social: temas e teorias 45 explicação tautológica. Implicaria também na noção de um superorganismo que se desenvolveria por causas teleológicas, dado que em uma ciência da cultura seria impossível a utilização da noção científica de causa. Allport critica também as ideias de Durkheim, afirmando que a verdadeira base da sociologia seria o comportamento social do indivíduo socializado. Nessa acepção, a tarefa da sociologia seria a de descrever as estruturas da conduta social e explicar estas estruturas em termos de indivíduos. Finalmente, Allport ataca ainda mais fortemente as ideias de Sighele, Tarde e Le Bon de que a massa possuiria uma vida mental independente da de seus membros. Os comportamentos das massas não podem ser explicados pela existência de um espírito arcaico, entidade que teria que ser constatada. É a partir do comportamento dos indivíduos que podemos explicar o comportamento da massa. A mente do grupo é um resultado do comportamento individual, não uma causa. Podemos concluir afirmando que a proposta de Allport se caracteriza essencialmente por colocar como base do estudo os indivíduos e pela utilização do método experimental. Esse objetivismo radical e a equivalência que estabeleceu entre psicologia individual e psicologia social constituíram, na prática, a proposta que terminará sendo a matriz hegemônica no desenvolvimento de uma Psicologia Social Psicológica. 1.3.2 G. MEAD E F. BARTLETT: CAMINHOS PARA UMA PSICOLOGIA SOCIAL SOCIOLÓGICA Embora a proposta de uma Psicologia Social Psicológica, formulada por Allport, fosse hegemônica principalmente nos departamentos de Psicologia, mesmo assim se desenvolveu nos Estados Unidos outra proposta de Psicologia Social que, embora inicialmente ligada ao behaviorismo, foi dele se distanciando ao adquirir um caráter mais social e uma maior preocupação pelos processos mentais mediadores. As ideias que hoje se denominam de interacionismo simbólico foram inicialmente formuladas por George Mead, a partir de seu behaviorismo social.9 George Mead inicia sua obra fundamental Mind, Self and Society: A Social Behaviorism (1934/1982)10 definindo a Psicologia Social, do ponto de vista do indivíduo, como parte da psicologia individual cujo objetivo seria estudar a influência do grupo social na conduta de um organismo individual. Posteriormente Mead reformula sua definição afirmando que: Na Psicologia Social tenta-se explicar a conduta do indivíduo em termos da conduta organizada do grupo social e não explicar a conduta do grupo em termos da conduta dos diferentes membros do grupo. Para a psicologia social o todo (a sociedade) é anterior à parte (o indivíduo) e não a parte ao todo (Mead, 1934/1982, p. 54). 9 Nessa teoria nota-se forte influência do pragmatismo e das abordagens sociológicas de Charles H. Cooley (1864-1929) e de W. I. Thomas (1863-1947). As ideias de G. Mead foram desenvolvidas posteriormente por Blumer (1969) com a denominação de “interacionismo simbólico” e tiveram boa aceitação em vários departamentos de Sociologia nos Estados Unidos. 10 A obra fundamental de Mead é póstuma, elaborada a partir de notas taquigráficas tomadas de suas aulas. 46 Origens e desenvolvimento O behaviorismo de Mead diferencia-se do de Watson: primeiro, porque Mead reconhece a existência de elementos do comportamento que não são diretamente observáveis e, segundo, porque analisa o comportamento do indivíduo na sua situação social concreta. Para Mead, o comportamento estaria organizado em termos de atitudes. Parte do comportamento residiria dentro do organismo, e só mais tarde seria expresso. “Dentro da conduta existe um campo que não é externo, mas que pertence ao ato. A característica deste campo interno se revela em nossas atitudes, especialmente nas relacionadas com a fala” (Mead, 1934/1982, p. 53). As atitudes não constituiriam núcleos de associações mecânicas entre elementos do sistema nervoso e a conduta, mas conjuntos de reações alternativas como as que se pressupõem quando se fala das ideias que possuímos acerca de um objeto (o tema Atitudes será discutido no Capítulo 4 deste livro). Para Mead, a linguagem, que faz parte do comportamento social, possui também a função de organizar as atitudes ou disposições mediadoras entre o estímulo e o comportamento. Isso equivale a dizer que a consciência é intrinsecamente social. A consciência surge por meio da comunicação por gestos em um contexto social. A pessoa, instância diferente do organismo fisiológico, não está presente no nascimento, mas surge da experiência social e se desenvolve com ela. Assim, o indivíduo se descobre como pessoa não diretamente, mas indiretamente, através do grupo social (Mead, 1934/1982). De fato, a unidade e a estrutura da pessoa refletem a unidade e a estrutura do processo social como um todo (Mead, op. cit., p. 175). As comunidades ou grupos que proporcionam ao indivíduo sua unidade de pessoa podem ser chamados de “outro generalizado” (p. 184). É na forma do “outro generalizado” que os processos sociais influenciam a conduta dos indivíduos. É dessa forma que a comunidade exerce seu controle sobre os indivíduos, porque o processo social atua, como fator determinante, no pensamento do indivíduo. Mead estabelece uma distinção entre o “eu” (I) e o “mim” (me). O eu seria resposta do organismo às atitudes dos outros e, de certa forma, seria imprevisível, pois dependeria da interação estabelecida em um determinado momento. Já o mim estaria constituído pelo conjunto de atitudes organizadas dos outros que o próprio mim assume, e que determinam seu comportamento à medida que ele é autoconsciente (Mead, op., cit.). Com essas ideias, Mead tentou demonstrar que o espírito e a pessoa são emergentes sociais e que a linguagem, na forma do gesto vocal, proporciona o mecanismo para sua emergência (Morris, 1962). Com isso, ele ia em direção contrária às ideias evolucionistas, que estavam na base de quase toda a psicologia social, e que colocavam um desafio que poucos autores neste período abordaram diretamente, a saber, como se teria processado a passagem do animal ao homem na evolução da consciência. Nos EUA, as propostas de Mead para a construção de uma psicologia social não tiveram a mesma influência que as ideias de F. Allport. Igualmente, na Europa, as ideias de Frederic Bartlett, questionador do paradigma behaviorista, tampouco tiveram muita repercussão. Psicologia social: temas e teorias 47 Em oposição ao mecanicismo e ao atomismo, dominantes nas ciências sociais da época, mas em uma perspectiva diferente, baseada no papel da memória, Bartlett em sua obra clássica Remembering (1932), afirma que o pensamento é um processo ativo que se utiliza das organizações de “esquemas” das experiências passadas. Isso quer dizer que os sujeitos, ao pensar, assimilam o problema e interpretam-no através de resumos esquematizados retirados de experiências anteriores. Ou seja, quando alguém tenta resolver uma situação-problema deve inicialmente adaptá-la a conhecimentos adquiridos em experiências passadas para daí retirar uma interpretação estruturada à maneira do esquema a que mais se adaptou. Objetivando testar essas ideias, Bartlett (1932) realizou uma experiência sobre a abstração de significados em que, usando uma versão do jogo infantil “telefone sem fio”, apresentou a sujeitos ingleses uma história da cultura indígena do Canadá, “A guerra dos fantasmas”, pouco familiar a estes jovens e rica em conteúdos e conceitos típicos do folclore canadense. Os sujeitos eram solicitados a ler e reproduzir a estória, de memória, a um segundo e este a um terceiro, e assim por diante. Bartlett notou que, à medida que eram contadas, as estórias mudavam sistematicamente: os sujeitos faziam uma espécie de nivelamento de intensificação das informações, nos quais excluíam detalhes e memorizavam apenas um esquema com alguns vestígios do que haviam escutado. Observou-se, também, uma tendência a buscar um significado congruente com as expectativas dos sujeitos, o que constituía uma racionalização. A história, que no original tinha claramente um significado mítico, era transformada na descrição simples de uma pequena aventura banal. Em um outro experimento, Bartlett pedia a uma pessoa que copiasse um hieróglifo egípcio que não tinha relação com nenhum modelo ocidental, na continuação outra pessoa devia reproduzir a cópia e passar sua cópia a outra para que ela também a reproduzisse. O resultado foi uma paulatina deformação da figura original, que terminou se transformando em um gato. A partir desses resultados, Bartlett concluiu que a memória é mais um processo de “construção” que um ato de reprodução. Essa construção ativa seria bastante influenciada pela cultura ou grupo social do sujeito que, possuindo quadros de referência e costumes próprios, atuaria como uma base esquemática para o trabalho organizativo da memória. Bartlett é reconhecido como o precursor da psicologia cognitiva moderna por suas ideias sobre a assimilação da informação, por meio de esquemas que ele denominou de convencionalização e difusão das informações (Farr, 1994). No processo de convencionalização, colocam-se já certos elementos do que seria futuramente a teoria da difusão das representações sociais, de Serge Moscovici (1988), que será discutida no Capítulo 8 deste livro. 48 Origens e desenvolvimento 1.3.3 AS VERTENTES PSICOLÓGICA E SOCIOLÓGICA NA PSICOLOGIA SOCIAL Já observamos que desde suas origens a Psicologia Social é pensada de diferentes formas. Assim, no final do século XIX opuseram-se, no interior da Sociologia, duas visões de como abordar os fenômenos sociais: o psicologismo de Tarde, que propunha estudar o social a partir da consciência individual, e o sociologismo de Durkheim, que defendia o oposto: estudar o individual a partir dos fenômenos sociais. Na virada do século XIX e início do século XX, desta vez no interior da própria psicologia, se dá uma clara oposição entre o projeto de uma psicologia coletiva, independente da Psicologia Geral e centrada no estudo de processos coletivos, como linguagem, crenças e normas sociais (Wundt, 1916), e o projeto de uma Psicologia Social, parte constitutiva da Psicologia Geral, dirigida ao estudo da influência dos processos sociais no indivíduo (Allport, 1924). A partir desse período, a psicologia social que adquirirá hegemonia, tanto nos Estados Unidos como no mundo inteiro, será a vertente psicológica defendida por Floyd Allport. 1.4 A HEGEMONIA DA PSICOLOGIA SOCIAL PSICOLÓGICA A partir dos anos 1920 a Psicologia começa a se desenvolver nos Estados Unidos dentro do paradigma behaviorista. Assim, em torno dos processos de aprendizagem se desenvolveram os grandes sistemas desse período. Nesse ambiente podia-se esperar que a defesa acirrada de F. Allport (1924) por uma psicologia social que partisse do indivíduo como unidade de análise, e que utilizasse a pesquisa experimental para estudar os comportamentos sociais, abriria o caminho para o desenvolvimento de uma Psicologia Social na perspectiva do behaviorismo. Mas, contra o esperado, a Psicologia Social Americana vai desenvolver-se com certa independência em relação a esse sistema. Na verdade, poucas linhas de pesquisa em psicologia social, entre as décadas de 1930 e 1960 do século XX, serão inspiradas em uma perspectiva claramente behaviorista. Assim, Katz e Lazarsfeld (1955), analisando a primeira edição do Handbook of Social Psychology (Lindzey, 1954), percebem o início de um progressivo afastamento da psicologia social das teorias behavioristas, por elas não serem capazes de tratar a complexidade dos fenômenos sociais. Quatorze anos depois, na segunda edição do Handbook of Social Psychology (Lindzey & Aronson, 1968), Berger e Lambert (1968) confessam, com certa tristeza, que nesse período a perspectiva behaviorista não estava recebendo dos psicólogos sociais o grande apoio dado a teorias mais molares e cognitivistas, mas menos rigorosas e com menor tradição, segundo eles. De fato, dois fenômenos culturais que se iniciaram pouco antes da Segunda Guerra terão uma influência decisiva no desenvolvimento da psicologia social norte-americana. O primeiro é constituído pela migração, para os EUA, de psicólogos alemães, formados, em sua maioria, na perspectiva gestaltista. E o outro pode ser colocado no forte desenvolvimento da psicanálise no mundo anglo-saxão. Na primeira metade do século XX a Psicologia Social terá forte influência tanto de conceitos gestaltistas, no que concerne os processos de percepção social, como de noções psicanalíticas, no Psicologia social: temas e teorias 49 que diz respeito aos processos motivacionais e os da socialização das crianças. De fato, graças às influências dessas duas perspectivas, a Psicologia Social terá liberdade para abordar temas menos comportamentalistas, mas sem perder a perspectiva individualista e experimentalista do behaviorismo. O behaviorismo absorveu, em certo sentido, essas influências ao adaptá-las à sua matriz essencial: o individualismo e o método experimental. 1.4.1 O BEHAVIORISMO E A PSICOLOGIA SOCIAL O behaviorismo de Watson vai influenciar os grandes sistemas de Psicologia entre os anos 1920 e 1940, sistemas que se apresentam, geralmente, como teorias da aprendizagem. O objetivo principal dessas teorias é explicar como se estabelecem novas relações entre os estímulos do meio ambiente e as respostas do organismo a ele. O elo que ligará um estímulo com uma nova resposta será o condicionamento, conceito essencial no processo de aprendizagem e que receberá diversas explicações, dependendo das teorias. Para que as teorias de aprendizagem tivessem maior poder explicativo, os teóricos introduziram a noção de Generalização de Estímulo (Hillgard, 1956). Por generalização do estímulo se entende o processo por meio do qual a mesma resposta pode ser estimulada por mais de um estímulo. Pressupõe-se, nesse conceito, que estímulos parecidos ao primeiro que produziu o condicionamento terão também o poder de estimular este comportamento. Pelo contrário, na noção de discriminação de estímulo, se entende o processo de aprendizagem pelo qual um organismo responde diferentemente a estímulos diferentes. Na perspectiva do behaviorismo, a aprendizagem social seria essencial na explicação dos fenômenos sociais. E, de fato, um dos processos de aprendizagem social, colocado inicialmente por Tarde e por Ross, é o processo de imitação. Para Gabriel Tarde, a imitação seria uma tendência natural do ser humano. Edward Ross considerava que esse processo natural era essencial para entender a uniformidade nas sociedades. O behaviorismo, à medida que nega a existência de tendências naturais no ser humano, propõe-se explicar o surgimento da imitação a partir dos processos de aprendizagem baseados nos processos de condicionamento. Resumindo os trabalhos sobre imitação até os anos de 1960, Flanders (1968) descreve quatro possíveis situações de condicionamento: na primeira, nem o modelo nem o observador são gratificados, na segunda só o observador é gratificado, na terceira só o modelo é gratificado e, por fim, na quarta e última condição ambos são gratificados. A segunda condição representa o modelo clássico de aprendizagem instrumental e foi testado por Miller e Dollard (1941). Em um experimento com crianças que observavam o comportamento de escolha de um modelo. Posteriormente, na mesma situação de escolha, eram reforçadas quando imitavam o modelo anterior. Em uma segunda ocasião, observava-se que as crianças reforçadas eram as que mais voltavam a imitar em uma terceira ocasião. 50 Origens e desenvolvimento Mas é evidente que essa situação de recompensa explícita a atos imitativos é pouco frequente na vida real, e não explicaria numerosas situações de aprendizagem social. Que aconteceria se não existisse recompensa ou se só o modelo fosse reforçado? Dentro da perspectiva behaviorista, alguns pensadores têm procurado responder a essas interrogações. Assim, no que se refere à condição sem reforço, Berkowitz (1969) afirma que em certas situações, modelos podem eliciar respostas agressivas imitativas através do mecanismo de condicionamento clássico. De maneira que, sujeitos que observavam um filme em que uma das personagens levava uma surra, seriam posteriormente mais agressivos com um parceiro que tinha o mesmo nome que a personagem surrada que com aqueles com outro nome (Berkowitz & Green 1966). Usando também como explicação o condicionamento clássico, Berkowitz e La Page (1967) mostram que só o ato de olhar uma arma pode posteriormente eliciar comportamentos agressivos. Mas essas pesquisas têm recebido fortes críticas e o próprio Berkowitz (1969) reconhece que esses efeitos dependem de condições muito especiais e não podem ser generalizados. No que se refere à situação onde só o modelo é recompensado, Bandura (1965) mostrou que crianças que observavam modelos recompensados por ter agredido um boneco (João Bobo), posteriormente agrediam com maior frequência esse brinquedo. Pelo contrário, as crianças que observaram o modelo ser punido se abstinham de repetir essa agressão em uma situação posterior. Bandura (1965) denominará esse tipo de imitação de “aprendizagem vicária”, mas posteriormente usará mais conceitos cognitivos para explicar este tipo de aprendizagem do que conceitos ligados à teoria behaviorista. 1.4.2 A PERSPECTIVA GESTALTISTA E A PSICOLOGIA SOCIAL A teoria da Gestalt surge no início do século XX,11 em oposição à tradição estruturalista (Wundt, Külpe etc.) de analisar a consciência em seus conteúdos elementares. A Gestalt considera que o primeiro passo para desenvolver uma psicologia sistemática é observar os fenômenos psicológicos tal como eles ocorrem na experiência direta, pois a experiência de um evento particular seria determinada pela organização do conjunto do qual faz parte esse evento. Dois pressupostos são centrais nessa teoria. O primeiro considera que os fenômenos psicológicos particulares devem ser analisados em uma totalidade, dado que eles fazem parte de um sistema de fatores que coexistem interdependentemente, pois as propriedades do sistema não seriam dedutíveis dos elementos isolados que o compõem. O segundo pressupõe que certos estados psicológicos são mais simples e melhor organizados que outros e que certas forças psicológicas agem de modo a atingir essa melhor situação (boa forma). Nesse sentido, os gestaltistas consideram que a percepção constitui uma organização e que essa organização procura a melhor forma que as condições dos estímulos permitirem. 11 A publicação de Wertheimer em 1912 sobre a percepção do movimento pode ser considerada como o ponto de partida da perspectiva Gestaltista. Psicologia social: temas e teorias 51 Do primeiro pressuposto, seguem-se: [a] que os aspectos centrais da percepção se manterão constantes mesmo que existam mudanças na situação percebida, enquanto estas mudanças não alterem as relações entre os elementos; [b] que a percepção de cada elemento será influenciada pelo campo total do qual faz parte; e finalmente, [c] que o relevante é a relação entre os diversos elementos. Do segundo pressuposto, “a percepção procura sempre a melhor forma” conclui-se que a percepção não é arbitrária nem aleatória, mas que se dirige à obtenção de um estado de ordem e de simplicidade. Embora a teoria nunca tenha explicitado qual seria esse estado ideal, pode-se pensar que subjacente à concepção da melhor forma estaria a noção de que a organização de fenômenos físicos reflete uma certa harmonia, como se observa nos processos de cristalização ou nos campos elétricos. O conjunto dessas noções básicas da Gestalt desempenhou um papel fundamental no estudo da Percepção Social. De fato, a matriz fundamental do behaviorismo procura construir sua teoria a partir das diversas condições de reforço nas quais se estabelecem as relações entre estímulo e resposta (S-R). Mas, na perspectiva positivista os estímulos sociais são considerados da mesma natureza que os estímulos naturais. De fato, existe alguma lógica nesse raciocínio, pois comparando a percepção do mundo físico com a percepção que temos dos outros, observam-se muitas semelhanças entre os dois processos. O conhecimento acerca dos outros tem, muitas vezes, as mesmas estruturas e possui, às vezes, a mesma estabilidade que o conhecimento acerca do mundo físico. Todavia, o conhecimento do outro coloca problemas diferentes do conhecimento da natureza: as ações do outro possuem intencionalidade e o outro possui uma subjetividade. Situam-se aqui os aportes mais interessantes da Gestalt à Psicologia Social, que deixarão influências marcantes até os nossos dias. Entre os aportes fundamentais para a psicologia social podemos considerar os de um psicólogo gestaltista austríaco, que emigrou para os Estados Unidos em 1930. Em seu artigo Social Perception and Phenomenal Causality, Fritz Heider (1944) analisa a natureza especial da percepção social, pondo em evidência o fato do sujeito e sua atividade fazer parte de uma mesma unidade perceptiva (uma forma ou gestalt). De fato, as pessoas geralmente são percebidas como a origem de seus atos. Esse princípio terá grande importância no desenvolvimento da Teoria da Atribuição (Heider, 1958), que marcou profundamente o desenvolvimento da Psicologia Social nos anos de 1960 e pode ser considerada como a precursora da perspectiva contemporânea da Cognição Social (a cognição social será discutida no Capítulo 3 deste livro). Heider (1958), na sua obra clássica The Psychology of interpersonal relations, propõe-se a analisar as teorias que as pessoas comuns têm da vida social, na perspectiva de uma análise da psicologia ingênua. Segundo essa perspectiva, todas as pessoas possuem, a partir do senso comum, um conjunto de teorias ingênuas sobre a vida social, que serviriam de base para que elas possam interpretar os eventos sociais e agir sobre eles. Nesse sentido, a compreensão do conjunto de teorias ingênuas e os mecanismos de sua formação seriam indispensáveis para a compreensão das relações interpessoais. 52 Origens e desenvolvimento É no quadro da “análise ingênua da ação” que Heider (1958) desenvolve sua Teoria da Atribuição Causal. Nessa teoria ele pretende analisar os processos pelos quais um observador não qualificado, “o psicólogo ingênuo”, procura entender as ações dos outros, particularmente as causas ou razões dessas ações. Um dos princípios da psicologia ingênua consiste em procurar associar comportamentos e eventos a condições subjacentes relativamente invariáveis. Essas condições invariáveis seriam as propriedades disposicionais, assim denominadas porque consistem em propriedades que “dispõem” objetos e pessoas a se conduzirem, geralmente, de certa maneira, em certas circunstâncias. Por exemplo, em uma festa observa-se que uma pessoa se torna o centro da atenção contando piadas. O fato não surpreende aos que já a conhecem, pois esperam que ela procure sempre ser engraçada nas reuniões sociais. Essa expectativa acontece por lhe ser atribuída uma disposição a ser engraçada em público. O ser humano, portanto, não se contenta em registrar os comportamentos observáveis, mas precisa também ligá-los a alguma invariabilidade nos motivos ou disposições das outras pessoas. Nesse sentido, pode-se afirmar que a análise ingênua, bem como a análise científica, tenta associar comportamentos variáveis às condições relativamente invariáveis (as propriedades disposicionais), que caracterizam os fenômenos, ou são subjacentes a estes. Segundo Heider (1958), a psicologia ingênua considera que o resultado de uma ação depende da combinação de fatores pessoais e ambientais ou, usando sua terminologia, de forças pessoais e de forças ambientais efetivas. O que ele pretende afirmar é que as pessoas tendem a distinguir duas grandes fontes de causas possíveis de uma ação: as causas pessoais ou internas (que residem na própria pessoa) e as causas impessoais ou externas (decorrentes de forças externas à pessoa). Pode-se afirmar, portanto, que a contribuição mais importante de Heider para a teoria da atribuição foi a divisão das fontes potenciais da ação em pessoais e ambientais. Além do mais, a “psicologia ingênua” é considerada a raiz heurística das teorizações posteriores, não só acerca da atribuição de causalidade, mas também sobre os processos de construção da realidade social, como veremos nos capítulos seguintes deste livro. Outro aspecto em que a Gestalt influenciou a Psicologia Social foi no estudo de como avaliamos as pessoas, ou de como formamos nossas impressões sobre elas. A impressão consistiria no conjunto de avaliações afetivas, morais e instrumentais que elaboramos sobre uma determinada pessoa. Essa impressão, com seus elementos cognitivos e avaliativos, predispõe o indivíduo a estabelecer determinadas formas de interação com a outra pessoa. Segundo Solomon Asch, grande impulsionador dos estudos nessa área e no campo da influência social, formar impressões significa organizar a informação disponível acerca de uma pessoa de modo a poder integrá-la em uma categoria significativa. Ele defende que na formação de impressões as diversas qualidades do outro são vistas em suas relações recíprocas (Asch, 1946). As pessoas integram os diversos atributos do outro, reinterpretando-os, se necessário, de modo a constituir um todo coerente, em que o significado de cada atributo é formado na sua relação com os outros atributos. Psicologia social: temas e teorias 53 Concretamente, os traços de um indivíduo são avaliados em função de outros traços, cada traço influenciando os outros (A Influência Social será discutida no Capítulo 7 deste manual). Considerando que a impressão final sobre uma pessoa é o resultado da conjugação de vários atributos, Asch (1946) procurou saber em que medida a contribuição de um determinado adjetivo para essa impressão é ou não afetada pela sua relevância ou pela ordem em que este é apresentado. No que concerne à relevância de um adjetivo, esse autor mostrou que adjetivos, como caloroso ou frio podem mudar radicalmente o significado de um conjunto de outros atributos. Assim, em um conjunto de atributos, como trabalhador, disciplinado, inteligente etc., o adjetivo caloroso indicará a formação de impressão para uma pessoa afável, confiável e atraente; enquanto o adjetivo frio tornará a percepção dessa pessoa como sendo distante, não confiável e pouco atraente. No que concerne à ordem de apresentação dos atributos, Asch (1946) pressupunha que as primeiras informações a respeito de uma pessoa influenciam a impressão final bem mais do que as informações subsequentes, pois os primeiros termos estabelecem uma direção, e ela exerce uma influência contínua sobre os últimos termos. As características seguintes, ao surgirem, relacionam-se com a direção já estabelecida e tendem a adaptar-se a esta. A influência da ordem é denominada ‘Efeito de Primazia’. Outro psicólogo gestaltista que chegou aos Estados Unidos fugindo da ascensão do Nazismo na Alemanha foi Kurt Lewin (1890/1947), teórico e pesquisador eminente que teve um impacto marcante, em curto prazo, na Psicologia Social estadunidense, mas, por razões que descreveremos no Capítulo 10 deste livro, a sua real influência é hoje relativamente pequena para a dimensão e força inovadora de sua obra. A influência de Lewin se deu, principalmente, a partir do seu conceito de Grupo, das suas reflexões sobre as relações intergrupais e da sua concepção de sociedade. Todos esses aspectos serão discutidos mais profundamente no Capítulo 10. 1.4.3 A PSICANÁLISE E A PSICOLOGIA SOCIAL Sigmund Freud (1856-1930) nasceu na Moravia, mas passou a maior parte de sua vida em Viena, onde desenvolveu os princípios da Psicanálise. Nas conferências dadas na Hall University, em sua primeira visita aos Estados Unidos, Freud descreverá a Psicanálise como: (1) um método para a investigação de processos mentais inconscientes baseado na Associação Livre; (2) uma técnica terapêutica (a associação livre) para distúrbios psíquicos e (3) uma teoria psicológica construída por meio dos dados obtidos na investigação e na terapia. Na psicanálise, de fato, o método de pesquisa, a técnica terapêutica e a teoria psicológica, giram ao redor da descoberta fundamental de Freud: o inconsciente. O próprio Freud (1914/1980) afirma que a psicanálise é o trabalho pelo qual levamos de volta à consciência do paciente o psíquico recalcado. A noção de inconsciente nasceu da experiência com o tratamento de certos tipos de desordens mentais, particularmente dos fenômenos histéricos. A análise desses pacientes mostrou que o psiquismo 54 Origens e desenvolvimento não é redutível à consciência e que certos pensamentos ou emoções só se tornariam conscientes quando superados os mecanismos de resistência (o detalhamento do tema Emoções a partir da Psicologia Social será feito no Capítulo 5 deste livro). O resultado do estudo desses fenômenos psíquicos e de seu papel na vida das pessoas é o que constituirá o corpo da teoria psicanalítica, na qual o conceito de pulsão ocupa um papel fundamental. Freud (1915/1980) define a pulsão como a força que faz o organismo tender para um objetivo. Na pulsão cabe distinguir: a fonte da pulsão, cuja origem seria a excitação corporal; o objetivo da pulsão, que consiste em suprimir um estado de tensão; e o objeto da pulsão, que se refere a coisas, pessoas, relações etc. que permitem atingir o objetivo da pulsão. Freud diferencia radicalmente o instinto das pulsões quando supõe que a relação entre o objetivo da pulsão e seu objeto de satisfação desenvolve-se na experiência específica de cada pessoa.12 Podemos perguntar-nos se essa teoria teve influência no desenvolvimento da Psicologia Social. Três aspectos devem ser considerados. Primeiro, de que maneira o próprio Freud percebia a relação entre psicologia e psicologia social e como ele analisava os fenômenos sociais. Segundo, de que maneira Freud percebia a relação entre “sua” Psicanálise e a Psicologia. Finalmente, temos que ter em conta também, como os psicólogos, principalmente os psicólogos sociais americanos, percebiam a Psicanálise. No que se refere ao primeiro aspecto, o próprio Freud afirma na introdução a seu livro Psicologia das Massas e Análise do Ego que a diferença entre a psicologia individual e a psicologia social ou coletiva perde grande parte de sua nitidez quando examinada mais de perto (Freud, 1921/1981), pois o outro sempre está implicado na vida mental do indivíduo como modelo ou como objeto de afeto e de relações de cooperação e competição. Mas Freud mudará radicalmente essa afirmação reconhecendo a existência de atos narcisistas, nos quais a satisfação das pulsões é parcial ou totalmente retirada da influência de outras pessoas. Assim, para Freud a psicologia individual não é uma psicologia fundamentalmente social enquanto que a psicologia social teria como fundamento a psicologia individual. De fato, no seu livro Totem e Tabu, Freud opõe-se ao projeto de Jung que seria explicar a psicologia individual a partir da psicologia coletiva. Concretamente, Freud propõe-se resgatar o significado primitivo do totemismo a partir do indivíduo, de suas lembranças infantis, aspectos nos quais ele se manifesta no desenvolvimento de nossos próprios filhos. Mas isso não significa que o social seja pouco importante na obra de Freud. Pelo contrário, pois Freud é considerado um dos pensadores sociais mais importantes do século XX (Álvaro & Garrido, 2006). São por demais conhecidos seus estudos sobre o futuro da civilização, religião, arte, normas sociais etc. O que está em jogo não é seu interesse pelo social, mas a perspectiva individualista com a qual Freud analisa os fenômenos sociais. Essa perspectiva aparece claramente no livro já citado Psicologia das Massas e Análise do Ego, no qual Freud (1921/1981), após criticar as concepções da época sobre o comportamento das massas, apresenta suas contribuições teóricas a este respeito. 12 Supõe-se que as pessoas “aprendem” a satisfazer suas pulsões com determinados objetos. Por essa razão, teorias neo-behavioristas, como a de Hull, poderão utilizar o conceito de Impulso (Drive) para mediar a relação entre estímulo e comportamento. Psicologia social: temas e teorias 55 Freud inicia sua análise descrevendo as explicações que Sighele, Tarde e Le Bon dão do comportamento dos indivíduos na massa: a inibição coletiva das faculdades intelectuais e a liberação da afetividade. Contudo, Freud opõe-se ao caráter arcaico e coletivo do inconsciente enfatizado por esses autores. O mecanismo do recalque seria um mecanismo eminentemente individual. Para Freud, o contágio pressupõe a sugestionabilidade de toda a massa. Mas, o que explica a sugestionabilidade? Freud assinala a ausência, nesses autores, de uma clara conceituação do que é grupo e propõe-se analisar a vida social a partir de grupos organizados, por exemplo, o exército e a igreja. O que mantém a coesão dos membros nesses grupos? Freud descarta a sugestão como explicação última e coloca como fundamento da união nesses grupos as pulsões sexuais desviadas dos seus objetivos naturais. Tanto em um quanto noutro prevalece a mesma ilusão, a de que há um líder supremo, que ama todos os indivíduos dessa coletividade com o mesmo amor. É a partir da ilusão de que todos são amados pelo líder que se estabelecem, para Freud, as duas formas de laço libidinal ou de identificação que permitirão a constituição do grupo, ou seja, o laço de um membro para com os outros e o laço de cada membro para com o líder. Resumindo, em todas as massas, artificiais ou organizadas, existiria uma relação vertical constituída pela relação libidinal de todos os membros do grupo com o líder e uma relação horizontal constituída pelas relações libidinosas de cada membro do grupo com os outros. Como vimos, Le Bon explicava a igualdade comportamental dos membros pelo poder da sugestão. Para Freud, é a identificação que leva à empatia, a empatia leva ao contágio e o contágio à igualdade comportamental. A inversão do processo corresponde a uma inversão do método de análise de Freud, que efetua a análise de fenômenos sociais, como as massas, o totemismo e a religião, com o objetivo de explicar como se desenvolvem as diversas instâncias da personalidade do sujeito. Mas essa perspectiva individualista não foi o principal motivo para que a psicanálise não tivesse uma influência direta forte sobre a corrente hegemônica da Psicologia Social norte-americana. Parte da causa está em como a Psicanálise se percebia (e se percebe ainda) em relação à Psicologia. De fato, à medida que o estudo do inconsciente se afastava do objeto clássico da psicologia alemã, que era a consciência, Freud e seus seguidores pensavam que com seus estudos se iniciava não só uma nova teoria, mas uma nova disciplina que seria “mais profunda” que a psicologia, que, por sua vez, se contentava com a superficialidade do comportamento ou com a simplicidade enganosa da consciência. Essa atitude dos psicanalistas certamente os afastava dos psicólogos sociais. Mas existia ainda outro fator que afastava os psicólogos da psicanálise: a maneira com que os psicólogos percebiam a metodologia psicanalítica. O método de pesquisa e da prática psicanalítica era a associação livre. Nela, caberia ao analista a interpretação do material verbal do paciente. Essa prática hermenêutica confrontava diretamente com o espírito objetivista da matriz behaviorista.13 13 O fato de que para ser analista o candidato tinha que se submeter a uma psicanálise, acentuava ainda mais, para os psicólogos sociais da main stream, o caráter subjetivo dessa hermenêutica. 56 Origens e desenvolvimento Se não houve uma influência em grande escala da Psicanálise na Psicologia Social, como foi o caso da Gestalt, existiu, sem dúvida, uma influência indireta, mas importante e decisiva no estilo da Psicologia Social dos anos 1960.14 Já em 1951 Krech afirmava que a vitalidade da Psicologia Social nesse período era devida em grande parte à influência da Psicanálise (Krech, 1955). Essa influência indireta se deu pela apropriação da Psicologia Social tanto de conceitos psicanalíticos (o impulso ou Drive, por exemplo) como de temas de pesquisa (agressão, socialização, família etc.). A pulsão constitui-se em um dos exemplos de apropriação de conceitos da psicanálise pela Psicologia Social. Freud, embora não afirmasse que a agressão era uma pulsão específica (Laplanche & Pontialis, 2001), estudou-a como o conjunto de tendências que se atualizam em comportamentos reais ou imaginários que visam prejudicar o outro, destruí-lo, humilhá-lo (Freud, 1915/1980). A teoria da frustração-agressão (Dollard, Doob, Miller, Mowrer, & Sears, 1939) pressupõem, a partir das ideias de Freud, um vínculo quase automático, embora não necessariamente inato entre a frustração e a agressão (Miller & Dollard, 1941/1970). Seguindo a matriz behaviorista, a teoria F-A define a frustração objetivamente como a interrupção de um comportamento dirigido a um objetivo. Uma vez produzida uma situação frustrante, o sujeito experimentaria um impulso (Drive) para agredir a fonte da frustração. O aparecimento de um comportamento agressivo concreto vai depender, em parte, da aprendizagem anterior do sujeito e, em parte, da presença ou não de fatores de inibição. Esses fatores não inibem o impulso agressivo, que permanece e ainda tende a aumentar enquanto a inibição permaneça, mas só controlam sua expressão. Esse impulso agressivo acumulado se deslocaria posteriormente em alvos menos inibidores. Dollard e colaboradores (1939) aplicaram a teoria F-A, no contexto socioeconômico posterior à Grande Depressão, para conceituar o preconceito como o deslocamento da hostilidade produzido pelas frustrações inerentes à vida socioeconômica sobre categorias sociais que, pelo baixo status social, não podem revidar adequadamente (teoria do “bode expiatório”). A partir dessa teoria, Hovland e Sears (1940) correlacionaram o número de linchamentos de negros por brancos no Sul dos Estados Unidos, com as flutuações dos preços do algodão e observaram que quanto menor era o preço do algodão, maior era o número de linchamentos, conformando assim a hipótese geral da Teoria da Frustração-Agressão (o aprofundamento dos estudos sobre o preconceito será feito no Capítulo 12 deste livro). Essa teoria, que se adaptava muito bem aos pressupostos de uma Psicologia Social behaviorista, começou posteriormente a ser criticada no seu conceito fundamental, o de frustração. Em seguida, diversas pesquisas (Davies, 1971; Gurr, 1974; Runcimann, 1966; Vanneman & Pettigrew, 1972) tentaram mostrar os contextos sociais onde a frustração produzida levasse à violência social. 14 O sentido oposto de influência, da Psicologia à Psicanálise praticamente não existiu. A psicanálise, pelas razões discutidas até aqui, se impermeabilizou contra qualquer influência da Psicologia, abrindo-se, pelo contrário, a outras ciências, como a linguística, a semiologia, a filosofia etc. Psicologia social: temas e teorias 57 Outro exemplo clássico da influência da Psicanálise na Psicologia Social é o estudo de Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson e Sanford (1950) sobre A Personalidade Autoritária. O pressuposto básico dessa obra de colaboração15 afirma que o conjunto de atitudes sociais e políticas de um indivíduo possui certa coerência e é expressão de tendências profundas da personalidade. Essa hipótese implica, quando aplicada ao estudo concreto sobre o fascismo, que as pessoas que tendem a aceitar mais as ideias fascistas possuiriam um conjunto de características da personalidade que constituem uma síndrome específica. É evidente que os autores pressupõem que as ideologias, possuidoras de existência independente dos sujeitos, se originam em processos sociais e culturais históricos e contextuais. O que eles afirmam é que as ideologias mobilizam os indivíduos em função de suas características ou dinâmicas de personalidade. Dando ênfase à estrutura dinâmica da personalidade como mediador importante da aceitação da ideologia, os autores procuram reagir ao determinismo social da época expressa tanto no behaviorismo como em um marxismo mecanicista. Para eles, o fascínio do fascismo suporia a existência de desejos e temores irracionais só explicáveis a partir de uma análise da dinâmica profunda da personalidade. Utilizando uma dupla abordagem metodológica, a clínica e a psicométrica, os autores desenvolveram um vasto conjunto de pesquisas para demonstrar que o antissemitismo, traço radical de etnocentrismo, tanto se relacionava com a ideologia política como era a consequência de uma forma de personalidade desenvolvida pela existência de pais autoritários. A educação autoritária e a repressão da agressão levariam a sentimentos de hostilidade reprimidos, que serão posteriormente deslocados na direção dos grupos externos. A Psicanálise fará uma grande contribuição a Psicologia Social oferecendo-lhe um leque de temas de estudo que não eram próprios nem da matriz behaviorista nem da perspectiva gestaltista. Hall e Lindsey (1966) enumeram os seguintes temas: grupo, socialização, dinâmica e estrutura da família. Temos já tratado do aporte freudiano sobre o grupo, mas vale a pena ressaltar que a visão de Freud, diferentemente da visão trazida por Kurt Lewin, só reforçava a concepção da matriz behaviorista que centrava a coesão do grupo nos indivíduos. No que se refere à socialização, pode-se afirmar que, por um lado, a influência da psicanálise foi mediada pela antropologia social (Campbell, 1974; Malinosky, 1970; Whiting, 1961), mas, por outro lado, a psicanálise contribuiu também diretamente no aprofundamento de certos aspectos da socialização. Assim, o interesse pela afetividade nas relações pais-filhos como antece15 Alguns autores atribuem a autoria principal do livro The Authoritarian Personality a Adorno, e em alguns casos à Escola de Frankfurt (Adorno e Horkheimer). De fato, trata-se de uma obra de colaboração, organizada por Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson e Sanford (em ordem alfabética, pg. xi;). Horkheimer e Flowerman, editores da série de cinco livros sobre preconceito encomendados pelo “American Jewish Committee”, limitam-se a escrever um breve prefácio para toda a série. Horkheimer escreve, também, um breve prefácio para esse livro. Aliás, o livro, que se apresenta como colaboração entre o Instituto de Pesquisa de Berkeley e o Instituto de Estudos Sociais de Frankfurt, é, principalmente, um representante da influência que a Psicanálise exerceu na Psicologia Social dos anos 1940 aos 1960. 58 Origens e desenvolvimento dente no desenvolvimento emocional das crianças é uma influência da própria psicanálise (Brofenbrenner, 1958; a Socialização será discutida no Capítulo 11 deste livro). Frente às concepções behavioristas da criança como uma “tabula rasa”, as ideias psicanalíticas sobre as fases do desenvolvimento infantil e os fatores que afetam este desenvolvimento foram também de grande importância nos estudos da Psicologia Social sobre a socialização. Finalmente, podemos pensar que as teorias psicanalíticas sobre o papel da família no desenvolvimento afetivo da criança levaram diversos psicólogos sociais a estudarem a relação entre estilos parentais de educação e o desenvolvimento de diversas características sociais da criança (Baumrind, 1967, 1971; Becker, 1964; Camino, Camino, & Leyens, 1996; Camino, Camino, & Moraes, 2003). 1.5 TENDÊNCIAS ATUAIS DA PSICOLOGIA SOCIAL: DOS 1980 AO SÉCULO XXI No período do pós-guerra, a partir do Tratado de Yalta, o mundo foi dividido em dois grandes sistemas econômicos e ideológicos, o capitalismo no Oeste e o socialismo no Leste, que iniciam uma guerra fria entre si. Dentro desse contexto, criam-se no mundo ocidental programas de ajuda internacional: o plano Marshall para a reconstrução da Europa e a Aliança para o Progresso, dirigida a países em desenvolvimento e/ou em vias de se descolonizar. Ambos os programas procuravam, fundamentalmente, reforçar a hegemonia do mundo ocidental nessas áreas. Nesse processo observou-se um forte crescimento da influência estatal em vários aspectos da sociedade, particularmente na economia que, acentuando sua função reguladora, criaram grandes companhias estatais em setores estratégicos e ampliaram suas despesas, particularmente em armamentos, embora desenvolvessem também programas destinados ao bem-estar da população. Esses planos e a criação de instituições financeiras internacionais, como o FMI (Fundo Monetário Internacional), o BID (Bando Interamericano de Desenvolvimento) entre outras, produziriam um reordenamento do sistema econômico mundial o qual, junto com o avanço tecnológico produzido no esforço das guerras, levariam a um forte desenvolvimento econômico dos países industrializados, que vão vivenciar nos anos 1950 os famosos “anos dourados”. Mas como tudo o que é bom tem um fim,16 os anos de 1960 testemunharam o fim do boom econômico do pós-guerra. Nos Estados Unidos, numerosos movimentos sociais desencadearam-se: movimento pelos direitos civis, contra o racismo, contra a guerra do Vietnã, movimento estudantil, movimento feminista e muitos outros. Os problemas da sociedade foram trazidos aos campi universitários, aos centros residenciais, aos lares. Não sem razão, a convenção nacional da American Psychological Association de 1969 foi toda dedicada ao tema “A Psicologia e os problemas da Sociedade”. Em 1971 iniciou-se a publicação do Journal of Applied Social Psychology, no qual se considerava fundamental escolher temas de estudo que fossem aplicáveis aos proble16 Uma das causas da nova crise econômica é a denominada “crise do petróleo”, ou seja, o brutal aumento do preço do petróleo pelo conflito entre os países árabes e Israel. Psicologia social: temas e teorias 59 mas da sociedade (Sampson, 1983). Alguns autores referem-se a esse processo como um redirecionamento parcial de interesses, como a consequência de uma crise passada pela psicologia social. Outros autores sustentam que se trata de uma pretensa crise (Rodrigues, 1981). Não se pretende analisar aqui as características ou as causas dessa crise, seja qual for sua natureza. Será suficiente para nossos objetivos assinalar, brevemente, as novas características que a Psicologia Social foi adquirindo em diversas regiões do mundo, entre os anos 1960 e 1970, e que criariam as condições para os desenvolvimentos atuais. A característica mais importante atribuída à crise da Psicologia Social diz respeito à relevância social ou a procura de temas que respondessem a problemas reais da sociedade. É evidente que o conceito de relevância encerra significados diferentes conforme se avalie os graus de imediatismo da aplicabilidade de um estudo (Elms, 1972) e as relações existentes entre teoria e aplicação (Rodrigues, 1983). Mas, independentemente do debate teórico que ele implica, constata-se que o interesse pela relevância propiciou um aumento de pesquisas sobre situações reais (pesquisas in loco), com o subsequente desenvolvimento de métodos estatísticos de análise multivariada (Neale & Liebert, 1973). Por outro lado, observa-se, no que concerne o aspecto teórico, que esse desenvolvimento não afastou a Psicologia Social dos trilhos marcados pelo reducionismo individualista de Floyd Allport (Augostinus & Walker, 1995). Ao mesmo tempo que a psicologia social vivia certa tendência de voltar-se mais ao estudo de problemas sociais, ela passava, por outro lado, uma forte reformulação teórica que, embora a afastasse em parte do objetivismo radical anterior, a levava a centrar-se cada vez mais nos experimentos de laboratório (Oishi, Kessebir, & Snyder, 2009). De fato, a quarta edição do “Handbook of Social Psychology” não dedica espaço a técnicas não experimentais, por exemplo, entrevistas, análises de conteúdo, observação sistemática (Gilbert, Fiske, & Lindzey, 1998), como tinha sido feito nas edições anteriores do famoso manual. Os psicólogos sociais, em sua maioria lotados em departamentos de Psicologia, se afastavam cada vez mais da Sociologia, para se aproximarem mais ainda da Psicologia Geral (Oishi, Kessebir, & Snyder, 2009), que nos EUA continuava a ser universalista, individualista e experimental. Particularmente os novos desenvolvimentos nos estudos da percepção e da cognição marcarão fortemente o desenvolvimento da Psicologia Social norte-americana, levando-a a se interessar cada vez mais pelos processos cognitivos, que na psicologia geral estavam recebendo maior atenção a partir de influências de outros campos de estudo. No que concerne à inteligência, a partir dos anos 1950 a Psicologia Social receberá da linguística a noção de estrutura mental e da cibernética a ideia de processos autorretroativos. Na linguística, Chomsky (1965) considerava que a informação recebida pelas pessoas seria representada na memória de uma forma essencial, esquemática. Consequentemente, para evocar essa informação, reconstrói-se o assimilado a partir da estrutura profunda, latente, podendo-se formar uma nova estrutura de superfície na comunicação. Já na abordagem da Cibernética, a inteligência era considerada a faculdade que processa continuamente as informações do meio ambiente. Nesse processo se dava destaque aos mecanismos de retroalimentação pelos quais o processamento da informação se iria modificando constantemente a partir dos dados já assimilados. 60 Origens e desenvolvimento Deve-se levar em consideração que a Psicologia Social, em seu próprio desenvolvimento, deparou-se com a necessidade de estudar diretamente os aspectos cognitivos. De fato, por volta dos anos 1950 já se reconhecia, na Psicologia Social, a importância dos elementos cognitivos como constitutivos das atitudes. Diversas pesquisas foram dirigidas ao estudo da congruência ou coerência entre os diversos elementos das atitudes, particularmente entre os elementos cognitivos e comportamentais (Festinger, 1957). As ideias do “New look in perception” sobre o papel dos fatores sociais nos processos perceptivos também influenciaram a Psicologia Social. Assim, os estudos de Heider (1958), sobre as concepções sociais ingênuas, ou do senso comum, das pessoas, colocaram a necessidade de ultrapassar as explicações puramente perceptivas, particularmente no estudo da maneira como as pessoas atribuem intenções às ações dos outros. Coube a Kelley (1973), na sua análise dos processos de atribuição, postular que os sujeitos ingênuos possuíam um processo de análise da situação que se assemelhava a um modelo de “Covariância”. Essa estrutura de análise sistemática dos diversos fatores presentes permitiria inferir se a causa da ação era o agente ou as circunstâncias externas. Tratava-se, pois de um modelo de processamento de dados sobre os determinantes de uma ação (Kruglanski, 1980). A partir dessas análises, o interesse da Psicologia Social passou a centrar-se sobre os próprios mecanismos do processamento de informação social, recorrendo naturalmente às diversas concepções vigentes na Psicologia sobre o conhecimento. 1.5.1 A PERSPECTIVA DA COGNIÇÃO SOCIAL A partir dos anos 1970, o tema clássico da percepção social começa a ser estudado em uma nova perspectiva, a perspectiva da Cognição Social. Embora alguns autores ainda utilizem a denominação “Percepção Social” (Fiske, 1993; Higgins & Bargh, 1987), outros abordam temas concernentes ao conhecimento do outro sob o título de Cognição Social (Fiske & Taylor, 1991; Hamilton, 1981; Harvey, 1987; Schneider, 1991; Weyer & Srull, 1984). Não se trata de uma questão puramente terminológica, mas da necessidade de expressar o surgimento de uma nova forma de estudar esse tema. Como já observado, o interesse pela cognição social não decorreu só do desenvolvimento da própria Psicologia Social nos temas ligados à percepção social, mas foi influenciado também pela evolução que tiveram os estudos sobre a inteligência. Assim, a teoria de Noam Chomsky sobre a linguagem está na origem da importância que a Cognição Social atribuirá tanto à memória como à noção de esquema mental nos processos de conhecimento. Essa última noção, a de esquema mental, era totalmente rejeitada pela perspectiva behaviorista. Por sua vez, a Cibernética marcará também a abordagem da Cognição Social, particularmente no que se refere aos conceitos de “processamento de informação” e “retroalimentação”. Pode-se pensar que uma teoria que recebeu influências tão diferentes, que até parecem se encontrar em oposição, deve ter muitas versões diferentes. De fato, na Cognição Social se constata a existência de várias teorias, às vezes até opostas, acerca dos Psicologia social: temas e teorias 61 mais variados tópicos. Isso indica que a Cognição Social não é uma teoria, mas um vasto campo de pesquisas e elaborações teóricas. Trata-se, pois, de uma forma de abordar os problemas e de analisá-los que é comum a um grande número de pesquisadores. Essa perspectiva começou a ser dominante a partir dos anos 1980 (Markus & Zajonk, 1985). Apesar dessa diversidade pode-se citar alguns pressupostos que são compartilhados pela grande maioria dos pesquisadores desta área (Higgins & Bargh, 1987; Holyoak & Gordon, 1984; Hunt, 1977; Landman & Manis, 1983; Markus & Zajonc, 1985; Schneider, 1991; Stephan, 1985). Primeiro, os processos mentais decorrentes das informações percebidas na realidade são vistos não através do modelo behaviorista de estímulo e resposta, mas como um processo ativo do sujeito, que se desenvolve em sequências definidas. Existem diferenças na maneira de conceber a dinâmica do processo, embora exista consenso quanto às sequências (atenção, codificação, armazenagem na memória, decodificação etc.) e quanto ao papel fundamental da memória no processo. O segundo, e talvez mais importante pressuposto da Cognição Social, considera que, por causa das limitações inerentes ao aparelho psíquico processador de informações, nós desenvolvemos estruturas de conhecimento relativamente abstratas, que nos permitem enfrentar a enorme variedade de estímulos e situações. No processamento da informação, o sujeito desenvolve estruturas cognitivas próprias, as quais transformam e processam os dados concretos e singulares que provêm do meio ambiente. Terceiro, as informações processadas na mente não são uma cópia da realidade, mas passam a ser uma construção pessoal do indivíduo, na medida em que se comprime muita informação e se perdem detalhes que podem ser importantes. Consequentemente, nosso processamento de informação está sujeito ao “erro”, ou a vieses na compreensão da realidade. Essa tendência ao erro é considerada não como um ato fortuito, casual, do sujeito, mas como inerente ao processo cognitivo, pois entre as características deste encontra-se a forte tendência a preservar as estruturas cognitivas existentes, o que leva a interpretar novas informações e lembrar as antigas de uma maneira consistente com o já conhecido. Outra característica que colabora na predisposição ao viés é a tendência a usar atalhos ou heurísticas na procura de informação. Portanto, podemos afirmar que a perspectiva da Cognição Social pode ser considerada uma das mais importantes matrizes que influenciaram a Psicologia Social. Não é sem motivo que o segundo capítulo deste Manual aprofunda essa perspectiva. No entanto, é importante ressaltar a existência, na atualidade, de outras influências que vão dar origem à Psicologia Social Sociológica. Esse tema será visto mais detalhadamente no Capítulo 3 deste livro. 62 Origens e desenvolvimento 1.5.2 O (RE)SURGIMENTO DA PSICOLOGIA SOCIAL NA EUROPA Para entender o desenvolvimento da Psicologia Social na Europa a partir dos anos 1960-1970, devemos lembrar os acontecimentos que precederam esse período. Após a Segunda Guerra até meados dos anos 1950, a Europa viveu o grande esforço de reconstrução, esforço que se deu em plena guerra fria. De fato, em março de 1947, o presidente norte-americano Harry S. Truman assumiu publicamente o compromisso de “defender o mundo capitalista contra a ameaça socialista”. Estava lançada a Doutrina Truman e iniciada a Guerra Fria. A Doutrina Truman designa um conjunto de práticas do governo dos Estados Unidos da América que buscava conter a expansão do comunismo junto aos “elos frágeis” do mundo capitalista. Integrando essa doutrina foi criado o Plano Marshall, projeto de ajuda financeira para a recuperação de países envolvidos na Segunda Guerra Mundial. Entre 1948 e 1952, o Plano Marshall forneceu US$ 14 bilhões para a reconstrução europeia. Concomitante a esse plano, em 1946 foi criado o Programa Fulbright, com o objetivo de estabelecer um processo de intercâmbio cultural entre os EUA e a Europa, para estudantes e professores universitários. Graças a esse programa, numerosos psicólogos sociais americanos passaram tempo pesquisando e lecionando em universidades europeias, enquanto que jovens doutores foram para os EUA para realizar estágios pós-doutorais. Estabeleceu-se, assim, uma relativa influência estadunidense no desenvolvimento científico da Europa, influência que foi bastante forte no campo da Psicologia. Em face da forte influência econômica, política, cultural e científica, a reação europeia foi ambígua: ela era, em geral, recebida positivamente, mas certos setores almejavam uma maior independência da influência estadunidense (Hobsbawm, 1995). Assim, no nível político, seis países criaram o Mercado Comum Europeu, que será a origem da atual União Europeia. A necessidade de construir certa independência desenvolve-se igualmente em relação à cultura e à ciência. No que se refere à Psicologia Social, deve-se observar que a procura de uma identidade europeia não implicava necessariamente em uma ruptura nem com a produção científica da Psicologia Social estadunidense nem com o método experimental por ela empregado. Aliás, a primeira conferência de Psicólogos Sociais Europeus, em 1963, que teve a participação decisiva dos professores norte-americanos John Lanzetta e John Thibaut e o suporte financeiro da American Social Science Research Council, escolheu o inglês como língua oficial e a referência explícita ao método experimental no nome da associação a ser fundada no congresso seguinte: “European Association of Experimental Social Psychology” (EAESP). Apesar de assumir a tradição da Psicologia Social estadunidense (mainstream), certos grupos de psicólogos sociais europeus procuraram uma identidade própria. Essa procura de identidade implicava também em uma reflexão mais filosófica, consoante com a tradição europeia, sobre a natureza da Psicologia Social. Podemos citar como representantes dessa tendência: o psicólogo romeno, nacionalizado francês, Serge Moscovici (1925-2014); o psicólogo polonês, naturalizado inglês, Henry Tajfel (1919-1982) e o psicólogo belga, radicado na Suíça, Wilhem Doise (1935). Psicologia social: temas e teorias 63 É interessante constatar que o livro de Jodelet, Viet e Besnard (1970), que apresenta ao público francês os principais artigos da Psicologia Social estadunidense do pós-guerra, abre-se com o prefácio de S. Moscovici, que centra sua reflexão no debate sobre a oposição clássica entre indivíduo e sociedade, sobre a interdisciplinaridade inerente ao estudo do social e, finalmente, sobre a própria natureza da Psicologia Social. Para Moscovici (1970), a perspectiva clássica, à medida que se limita a analisar a influência de estímulos sociais no comportamento do indivíduo, nega a existência de um campo próprio da Psicologia Social, transformando-a em uma extensão da Psicologia Geral. Esse autor, inspirando-se no pensamento de sociólogos franceses como Lucien Lévy-Bhrul e Emile Durkheim, propõe que se tome como ponto de partida a “interdependência real ou simbólica de diversos sujeitos a um meio social comum” (Moscovici, 1970, p. 34). Diversos autores consideram que a perspectiva psicossociológica que se desenvolveu na Europa, e que é denominada de Paradigma Europeu (Jesuíno, 2000; Vala, 1996), apoia-se em três conceitos essenciais: a Representação Social (Moscovici, 1970), a Identidade Social (Tajfel, 1981; ver Capítulo 10 deste livro) e a Influência das Minorias Ativas (Moscovici & Faucheux, 1972). Finalmente, Doise (1976) aprofundará essa concepção propondo como campo específico da Psicologia Social a “Articulação Psicossociológica” (Camino, 1996a). Todavia, não se deve pensar que na Europa se desenvolveu uma psicologia europeia diferente da estadunidense. Certamente não é o caso. Provavelmente as ideias da Psicologia Social norte-americana são majoritárias na Europa. Mas, as ideias dos autores citados têm alguma influência nos países ou regiões de língua latina (França, Itália, Bélgica, Suíça, Espanha e Portugal). 1.5.2.1 Das atitudes às representações sociais: Serge Moscovici Para acompanhar a origem do conceito de Representação Social de Serge Moscovici, e sua posterior influência, temos que fazer um duplo movimento de análise: em um primeiro momento, percorreremos o caminho que leva do conceito de atitude ao de Representação Social. No segundo momento, seguiremos outro caminho que leva das representações coletivas às representações sociais (Ver Capítulo 8 para o aprofundamento da TRS). No primeiro caminho acompanharemos o desenvolvimento da compreensão da existência ou não de processos mentais mediadores entre o indivíduo e o fenômeno social. Para Wundt (1916) e Durkheim (1898), as crenças construídas na história por um grupo social se impunham aos indivíduos diretamente, sem mediações de nenhuma ordem, pela força da sugestão. Frente a esse determinismo social, Tarde (1898/1922) introduziu o conceito de opinião, que procura articular as representações individuais com as coletivas. Para ele, os processos de sugestão não agiriam indiscriminadamente da mesma maneira sobre todos os indivíduos de uma coletividade. Cada indivíduo se apropriaria dos aspectos 64 Origens e desenvolvimento da realidade que mais lhe interessam, a partir de suas necessidades. A imitação, fonte da socialização, não excluiria a participação individual. Na perspectiva do psicologismo de Tarde, o indivíduo pode ser, portanto, agente das mudanças sociais. Em uma perspectiva semelhante, o interacionismo simbólico introduz a noção de atitude que pretende articular as disposições individuais com as influências sociais. Devemos ter em conta que existem duas perspectivas no interacionismo: a psicológica, de G. Mead (1934/1982), e a sociológica, de Thomas e Znaniecki (1918/1984) e de Blumer (1969). Assim, Mead, na perspectiva psicológica, afirma que parte do comportamento reside dentro do organismo, elemento interno que só mais tarde será expresso no comportamento. Dentro da conduta existiria um campo não externo, mas que pertenceria ao ato. As características desse campo interno revelar-se-iam em nossas atitudes. Assim, o comportamento estaria organizado em termos de atitudes. Essa organização representaria não só o que está ocorrendo imediatamente, mas, também, as etapas posteriores que vão ocorrer. Dessa forma, a conduta como um todo estaria presente desde o início do processo como um conjunto de reações alternativas, como as que se pressupõem quando se fala das ideias/opiniões que possuímos acerca de um objeto. Na perspectiva sociológica, Thomas e Znaniecki (1918/1984) introduzem a noção de atitudes para explicar a maneira pela qual os indivíduos definem e entendem a situação social em que se encontram. Os contextos sociais possuiriam valores naturais, criados pela coletividade, que se supõem dever guiar as ações individuais. Mas, de fato, são as atitudes que explicariam a maneira em que cada indivíduo compreende e se apropria desses valores, compreensão que, em última instância, é o que determinará a atividade do indivíduo. Não obstante, na Psicologia Social estadunidense, herdeira do paradigma comportamentalista, não existia inicialmente um lugar para um conceito como o de atitude, pois qualquer explicação do comportamento se reduziria ao esquema estímulo-resposta. Mas, rapidamente, a Psicologia Social, acompanhando as mudanças da Psicologia Geral influenciada pelo pensamento neo-behaviorista de Hull (1951) e de Tolman (1932), considerará a atitude como um conceito indispensável para a compreensão do comportamento social (Allport, 1935). Existem numerosas definições de atitudes, que variam do modelo tridimensional, em que a atitude é constituída por uma organização de fatores cognitivos, afetivos e volitivos (McGuire, 1985), a um modelo unidimensional, mais próximo do behaviorismo, cujo único fator seria constituído pela expectativa de que, de fato, o objeto possua o valor percebido (Fishbein & Ajzen, 1975). Esse conjunto de definições tem como denominador comum a ideia de que a atitude é um mediador-organizador da resposta do indivíduo frente a um estímulo. De fato, numerosas pesquisas foram realizadas entre os anos 1950 e 1990 sobre a congruência entre atitudes e comportamento, e numerosas foram também as teorias propostas (Olson & Zanna, 1993). Esse tema será aprofundado no Capítulo 4 deste livro. Para Serge Moscovici, no entanto, as Representações Sociais não devem ser consideradas como uma resposta mental, simples ou complexa, a um estímulo do meio Psicologia social: temas e teorias 65 social (noção clássica da atitude), mas uma construção do significado do meio social, em que tanto o estímulo como a resposta se formam ao mesmo tempo, sendo o estímulo determinado pela resposta. A representação social enquanto processo de construção do real age ao mesmo tempo tanto no estímulo como na resposta. Esse processo pode ser representado pelo esquema: O → S → O → R (organismo-estímulo-organismo-resposta). Nesse sentido, as representações constituem-se em uma verdadeira preparação para a ação, não apenas porque guiam o comportamento, mas porque constroem e remodelam o ambiente em que este comportamento irá ocorrer (Moscovici, 1976). A relação complexa que a Teoria das Representações Sociais propõe entre estímulo, indivíduo e comportamento social a diferencia das teorias clássicas sobre mediadores sociais do comportamento (Farr, 1994), não porque a Teoria das Representações Sociais negue a existência de opiniões e atitudes (mediadores clássicos do comportamento social), mas porque situa estas noções em um contexto em que o sujeito constrói a realidade. É nesse sentido que se pode afirmar que as Representações Sociais não apenas guiam o comportamento, função das atitudes na Psicologia Social Clássica, mas constroem o repertório com as possibilidades de ocorrência deste comportamento. Pode-se concluir afirmando que a representação social pode ser concebida como uma forma de conhecimento socialmente elaborada e compartilhada por uma comunidade, e que se destina a guiar a prática e, concomitantemente, participa da construção da realidade Mas deve-se sinalizar claramente que a Teoria das Representações Sociais se apresenta mais como um vasto campo de teorizações e pesquisas que como uma teoria fechada. É devido a esta particularidade, defendida pelo próprio autor (Moscovici, 1988), que se têm desenvolvido diversas formas de entender as Representações Sociais, como o leitor poderá acompanhar no Capítulo 8 deste livro. 1.5.2.2 Das relações “face a face” à identidade social: Henri Tajfel A Psicologia Social, embora tivesse escolhido como campo próprio de estudo o indivíduo e a maneira como o indivíduo é influenciado pelos outros, à medida que foi desenvolvendo esse tipo de análise foi obrigada a dar atenção, também, às situações sociais nas quais se estabeleciam esses processos de influência. Grande parte dessas situações poderiam ser descritas em termos de grupo. Muito rapidamente, em sua curta história, a Psicologia Social foi requerida a utilizar a noção de grupo para melhor compreender os processos de influência social. Como exemplo bastante típico desse processo de descoberta natural podem ser citados os estudos de Mayo e colaboradores (Mayo, 1933; Roethilisberger & Dickson, 1939) na Western Electric. Nesses estudos pretendia-se, originariamente, descobrir as condições materiais mais efetivas no aumento da produtividade de operárias de uma tarefa de montagem, mediante a combinação de esquemas de incentivo com modificações no espaço de trabalho e na iluminação. Mas constatou-se que, independente- 66 Origens e desenvolvimento mente das alterações sistemáticas, as jovens operárias aumentaram o seu rendimento durante os dois anos que durou o experimento. Foi considerado que grande parte do estímulo à produção provinha da boa interação entre elas. Para os autores, as moças, com o intuito de se manterem juntas, consideraram que fosse necessário ter uma produção elevada. A necessidade de manter o grupo unido seria a razão do alto rendimento. No mesmo período, embora em situação totalmente diferente, chegava-se espontaneamente a conclusões semelhantes sobre a tendência dos grupos em construir normas sociais que guiariam posteriormente o comportamento dos membros. Sherif (1935) constata que, em uma situação ambígua, pessoas testadas isoladamente tendem a construir padrões individuais de resposta, diferentes de pessoa a pessoa, padrões que manteriam em situações subsequentes. As pessoas em situação de grupo constroem facilmente padrões comuns de resposta. Esses padrões seriam mantidos mesmo quando testados individualmente, mas o inverso não acontece, os padrões individuais não são mantidos em grupo. O grupo seria, assim, um fator importante na construção das normas que as pessoas utilizam para guiar o seu comportamento. As constatações de Mayo (1933) e de Sherif (1935, 1936) sobre a importância dos grupos no comportamento dos indivíduos, pareciam anunciar o início do interesse dos psicólogos pelo estudo do grupo. Mas, de fato, o estudo do grupo só se desenvolverá fortemente após a Segunda Guerra Mundial graças aos esforços pioneiros de Lewin (1890-1947), a quem já citamos, como popularizador da “Dinâmica de Grupo”, não só com suas contribuições teóricas e empíricas, consolidadas em 1945 com a criação da primeira organização dedicada ao estudo do grupo (The Research Center for Group Dynamics (RCGD)), mas também com sua participação direta tanto via “pesquisa-ação” como via “formação em grupo” no problema das relações interraciais nos Estados Unidos. Nesses trabalhos, que serão discutidos mais detalhadamente no Capítulo 10, Lewin foi construindo uma noção de grupo muito distante da ‘agregado de pessoas face a face’, como era pensado na tradição da psicologia social. Segundo ele, o grupo não seria um simples agregado, mas uma totalidade cuja essência estaria na interdependência que seus membros possuem entre si: qualquer mudança em uma das partes afetaria as outras partes do grupo. As pesquisas de campo de Mayo (1933), do laboratório de Sherif (1935) e as reflexões de Lewin (1935) colocaram claramente a necessidade do estudo do grupo para entender o comportamento individual. Estavam, pois, criadas as condições não só para que se iniciasse o estudo sistemático do grupo, mas para o desenvolvimento de uma nova abordagem. De fato, o grupo vai passar a ser um tema importante na Psicologia Social norte-americana, mas a abordagem continuará a clássica. O que freava esse desenvolvimento? Como já discutimos quando referimos à influência da Gestalt, consideramos que foi o individualismo e o objetivismo da matriz behaviorista, adotada pela corrente hegemônica da Psicologia Social, que freou as possibilidades de um desenvolvimento dos estudos de grupo no nível grupal. Após Lewin, a maioria das pesquisas sobre grupo centrou-se nos grupos face a face, como modelo de grupo. Psicologia social: temas e teorias 67 Mas indo, em certo sentido, contra a corrente do pensamento hegemônico da Psicologia Social estadunidense, Sherif e colaboradores (Sherif, Harvey, White, Hood, & Sherif, 1961; Sherif & Sherif, 1969) realizaram três clássicos experimentos de campo, denominados de “Os estudos das Colônias de Férias”, nos quais observaram que a hostilidade existente entre grupos não pode ser atribuída exclusivamente a traços de personalidade dos membros de cada grupo, mas às características objetivas que a relação intergrupal possui, particularmente, às condições de conflito real entre os grupos. Contudo, paradoxalmente, caberá a uma pesquisa feita inicialmente em uma matriz mais individualista a tarefa de redirecionar o estudo do grupo em uma direção mais grupal. A situação é ainda mais paradoxal quando se considera que as pesquisas de Tajfel e colaboradores se dirigiam, em certo sentido, a contestar as ideias centrais do trabalho pioneiro de Sherif e colaboradores (1961). De fato, Tajfel e colaboradores (Tajfel, Flament, Bundy, & Billig, 1971) procuravam encontrar a explicação dos processos de diferenciação grupal, como os percebidos por Sherif, não no contexto social nem nas relações intergrupais concretas, mas em um processo bem mais fundamental, o da categorização. Tomados em conjunto, os trabalhos do grupo de Tajfel utilizam processos psicológicos estritamente individuais, como comparação social e autoestima, para explicar um processo social complexo como o da identidade social. Mas, parte do avanço que essa teoria trouxe no panorama da Psicologia Social foi o fato de ter introduzido o nível cognitivo, simbólico e representacional no estudo do grupo. De fato, nas ciências humanas o conceito de identidade tem sido um conceito polissêmico. Em um aspecto ontológico refere-se ao que faz que a pessoa seja o que ela é, ou seja, refere-se à sua essência. Na Psicologia usa-se o conceito de identidade para indicar as características fundamentais de uma pessoa. Nesse sentido, identifica-se identidade à personalidade. Entretanto, o conceito de identidade pode se referir também às formas sócio-históricas como o sujeito e o indivíduo têm sido representados, ou se representam a si mesmo e aos outros. Nesta última acepção, a identidade é descrita como uma representação cuja função seria diferenciar-nos dos outros. Nessa noção deve-se ter em conta dois aspectos: o processo psíquico – forma como construímos esta representação –, e os conteúdos desta representação. Óbvio que processos e conteúdos têm uma relação intrínseca fundamental. Mas, nos estudos, tende-se a acentuar um ou outro aspecto. A perspectiva da Cognição Social adotará o estudo do processo individual de categorização no contexto das relações intergrupais. No que se refere aos conteúdos sociais da identidade diferenciam-se os conteúdos que se referem à especificidade social do indivíduo – identidade pessoal –, e as representações sobre os grupos aos quais os indivíduos pertencem: – identidade social. A identidade pessoal, nessa perspectiva, tem sido estudada através da noção de self por G. Mead. Foram os trabalhos de Henry Tajfel que trouxeram o interesse pelo estudo de como os diversos grupos são representados no seio das relações intergrupais (Stephan, 1985). A contribuição de Henri Tajfel será detalhada no Capítulo 10. 68 Origens e desenvolvimento 1.5.2.3 Do conformismo às Minorias ativas: Serge Moscovici Desde os anos de 1940 a psicologia social dominante tinha adotado o modelo funcionalista. Nesse sentido, os processos de influência social eram percebidos como de mão única: a sociedade, por meio de suas instituições e de seus grupos, influencia os indivíduos que a compõem. Caberia, pois, aos indivíduos conformarem-se com a sociedade. Assim, os processos de socialização eram percebidos como de mão única: a sociedade influencia os indivíduos por meio de um conjunto de práticas institucionalizadas. Na psicologia norte-americana, o processo de socialização tem sido estudado à luz de diferentes abordagens teóricas, como o behaviorismo e a psicanálise, mas com uma única perspectiva: a de entender como os indivíduos adquirem hábitos, crenças e valores culturalmente compartilhados, e como incorporam as regras sociais (Maccoby & Martin, 1993; Zigler & Child, 1969). A análise de algumas definições de socialização no campo da psicologia colocará em evidência a concepção funcionalista implícita nesta perspectiva. Por exemplo: Esperando pela criança, existe uma sociedade que possui uma cultura. A criança é colocada no meio de uma forma organizada de viver, possuindo certas possibilidades para processar informação e desenvolvendo motivos que permitem que esta forma organizada de viver possa lhe influenciar (Brown, 1965, p. 193). A socialização refere-se à adoção e internalização, pelo indivíduo, de valores, crenças e maneiras de perceber o mundo que são compartilhadas pelo grupo. Quando a internalização é efetiva, o indivíduo termina por desejar comportar-se da maneira que os outros desejam e esperam que o faça, enquanto membro responsável do grupo (Jones & Gerard, 1967, p. 76). A socialização é o processo pelo qual o comportamento de uma pessoa é modificado a fim de se conformar com as expectativas dos membros do grupo ao qual ela pertence (Secord & Backman, 1964, p. 462). Essas definições de socialização, representativas da perspectiva adotada nos Estados Unidos, pressupõem um forte determinismo social onde, por um lado, o social é concebido como algo externo, estático e em certo sentido abstrato e, por outro, o sujeito, isolado em sua individualidade, é visto como um aprendiz mais ou menos passivo dos elementos sociais apresentados a ele (Camino, 1996).17 Serge Moscovici vai criticar essa perspectiva, mostrando que grupos ou, seguindo sua nomenclatura, minorias consistentes, terão um papel ativo nas mudanças sociais. Para verificar essa hipótese, o autor criou uma situação experimental que era apresentada aos sujeitos como um estudo sobre a percepção de cores. Os resultados obtidos nesse paradigma experimental, e que serão discutidos mais detalhadamente no capítulo sobre Influência social, demonstraram que uma minoria de indivíduos pode influenciar as opiniões que uma maioria tem sobre um tema (nes17 Nos Capítulos 7 e 11 deste livro uma discussão mais ampla do fenômeno da socialização é apresentada, inclusive considerando suas implicações para minorias sociais. Psicologia social: temas e teorias 69 te caso, as cores). A explicação para tal deriva, sobretudo, da consistência comportamental da minoria. Apesar dos resultados obtidos na pesquisa experimental serem pouco salientes, o paradigma de Moscovici levantou questões muito úteis para uma reflexão mais aprofundada sobre os processos de Influência Social. Assim, para Camino, Leyens e Cavell (1978), embora a teoria de Moscovici explique a capacidade de uma minoria influenciar a maioria através da consistência comportamental, ela nada afirma, por exemplo, quanto aos mecanismos pelos quais uma minoria passava a ser consistente. Como veremos mais à frente, a teoria das minorias ativas tenderá a se articular com as outras duas teorias: Representações Sociais e Identidade Social, para construir uma ampla perspectiva psicossociológica. 1.5.2.4 Em direção a uma Perspectiva Psicossocial A partir da articulação dos três conceitos apresentados anteriormente, Representação Social (Moscovici, 1970), Identidade Social (Tajfel, 1981) e Influência das Minorias Ativas (Moscovici & Faucheux, 1972), desenvolve-se uma perspectiva psicossociológica (Camino, 1996a; Vala, 1996) que, pelo fato de ter-se dado com conceitos surgidos na Europa, muitas vezes tem sido denominada de paradigma europeu (Jesuino, 2000). Para entender melhor essa perspectiva, deve-se compreender que a Cognição Social, perspectiva hoje dominante na psicologia norte-americana (Schneider, 1991; Markus & Zajonc, 1985), apesar do avanço construtivista que ela aporta em relação às tendências comportamentalistas e objetivantes das décadas de 1950 e 1960 do século XX, limita-se ainda à análise de processos individuais (Moscovici, 1970; Sampson, 1983). Na perspectiva psicossocial, o conhecimento do indivíduo não se processa no vazio. A Sociedade produz seu próprio conhecimento social e a construção do conhecimento individual se insere neste processo (Berger & Luckmann, 1966/2000). Precisa-se entender a maneira em que as diversas sociedades se representam a si mesmas e ao mundo, e como os indivíduos e grupos se apropriam destas representações e as reconstroem (Moscovici, 1961). Uma ênfase exclusiva na Teoria das Representações Sociais, pelas dificuldades teóricas e metodológicas que apresenta, não parece dar conta dessa tarefa (Camino, 1996a; Vala, 1996). Mas a Teoria das Representações Sociais pode abordar a constituição complexa dos conhecimentos sociais em nossa época, se complementada com as teorias da Identidade Social (Tajfel, 1982) e da Influência Social (Moscovici & Faucheux, 1972). Assim, a perspectiva das Relações Intergrupais (Tajfel, 1981; Turner & Gilles, 1981) oferece a possibilidade de fundamentar uma perspectiva dialética do conhecimento humano (Camino, 1996a; Vala, 1996). Se a partir da perspectiva cognitivista, a pertença ao grupo pode ser considerada não só como forma de relação, mas, principalmente, como forma de consciência ou categorização social, com a perspectiva das relações intergrupais pode-se estudar as relações sociais enquanto afetadas pela consciência de pertença a um grupo (Stephan, 1985). Essa visão pressupõe que toda relação interpessoal se efetua no horizonte das relações intergrupais (Tajfel, 1981; Tajfel & Turner, 1979; Turner & Giles, 1981). 70 Origens e desenvolvimento Assim, na perspectiva das relações intergrupais, o conceito de Identidade Social (Tajfel, 1981) desempenharia um papel essencial, pois a Identidade Social constitui-se em um processo dialético à medida que, por um lado, muda o sujeito, facilitando a incorporação de valores e normas do grupo social, por outro, implica em uma participação ativa do sujeito na construção da identidade grupal e, portanto, na transformação contínua do grupo (Vala, 1993,1996). Entretanto, a propriedade dialética dos processos de identidade não se limita à relação entre o indivíduo e seu grupo. Ela pode ser também aplicada às relações dos grupos entre si e com o sistema social. Deve-se considerar que, segundo Tajfel (1972), o processo de identidade social não ocorre no vazio social, mas num contexto histórico onde os diversos grupos mantêm relações concretas entre si. O processo de identidade social afetaria não só a maneira como indivíduos e grupos percebem a organização da sociedade, sua estrutura, estabilidade e legitimidade, mas também o modo como nela atuam, procurando modificá-la em função de seus interesses sociais. Por sua vez, as estruturas sociais influenciariam de alguma maneira as representações que os indivíduos fazem de si mesmos e da sociedade (Lima, Monteiro, & Vala, 1996). Deve-se considerar que as relações entre grupos se desenvolvem sempre no interior de formações sociais, econômicas, políticas e ideológicas com características específicas. Essas características influenciam as relações intergrupais, mas também são consequências dessas relações. Nesse sentido, fenômenos próprios das formações sociais, como os movimentos sociais e ações coletivas, devem ser entendidos não só a partir de processos econômicos e sociológicos, mas também a partir de fatores subjetivos. A construção de uma identidade comum entre seus membros é considerada como um dos determinantes subjetivos fundamentais do processo de mobilização social (Camino, 1990, 1996a; Lima, Monteiro, & Vala, 1996; Vala, 1993a, 1996, 1997). Por sua vez, a teoria da Influência Social permitiria entender as dinâmicas cognitivas subjacentes aos processos de consenso e dissenso. Nessa teoria, Moscovici (1981) inverte a dinâmica da comparação social, colocada pelo funcionalismo no centro do consenso, ao afirmar que a percepção é sempre social e que os sujeitos se comparam com outros não porque a realidade seja por si ambígua, mas porque existe uma norma social de objetividade, segundo a qual o consenso é critério de verdade. Assim, nas situações de desacordo, a realidade se torna ambígua, incerta, gerando um conflito cognitivo, cuja resolução pode assumir diferentes modalidades: o conformismo, a submissão, ou a inovação. Todavia, dada a grande heterogeneidade de nossas sociedades, quais seriam as condições sociais para a aplicação da norma de objetividade? Para Vala (1996), a incerteza sobre a realidade ocorre apenas quando há desacordo com aqueles com quem se espera estar de acordo, e estes são os membros do grupo assumido como próprio. É nesse sentido que a Teoria da Identidade Social, de Tajfel (1981), permitirá entender melhor as dinâmicas de consenso e de dissenso que subjazem à construção das representações sociais polêmicas. É nesse sentido, também, que a teoria da Identidade Social ofereceria as bases para a compreensão da formação simbólica dos grupos sociais Psicologia social: temas e teorias 71 e, portanto, para a compreensão dos processos de ancoragem subjacentes à construção das Representações Sociais (Camino, 1996). Devemos lembrar que, para Moscovici (1973), as Representações Sociais não representam simplesmente opiniões, imagens ou atitudes em relação a um objeto social, mas são verdadeiras teorias ou sistemas de conhecimento que servem na descoberta e organização da realidade. Nessa perspectiva, Doise (1990, p. 125) define as representações como “princípios organizadores de tomadas de posição ligadas a inserções específicas em um conjunto de relações sociais e que organizam os processos simbólicos que intervêm nessas relações”. Segundo Doise (1986), os princípios organizadores são análogos às dimensões de oposição e de hierarquização que Bourdieu (1977) descreve em sua teoria de campo, e aos princípios de dicotomia, adaptação, assimilação e sincronia que intervêm na dinâmica da propaganda, da propagação e da difusão (Moscovici, 1976). 1.5.2.5 Níveis de análise e a Psicologia societal: Willem Doise Doise (1986) aprofundará a concepção da perspectiva psicossocial propondo como campo específico da Psicologia Social, a “Articulação Psicossociológica”. Segundo ele, a principal característica que diferenciaria as teorias e perspectivas que têm sido desenvolvidas no seio da psicologia social, além dos diferentes paradigmas científicos que as embasam, é sua posição em relação à possibilidade, ou mesmo à legitimidade e à necessidade de uma “Psicologia Societal”. Em outras palavras, a posição da Psicologia Social em relação a: a) possibilidade de articulação de explicações de ordem individual com explicações geradas nas próprias relações sociais, históricas, econômicas de uma dada sociedade; b) como o indivíduo dispõe de processos que lhe permitem funcionar em sociedade; e c) como as dinâmicas sociais orientam o funcionamento desses processos. Doise (1986) defende que as teorias desenvolvidas no seio da Psicologia Social podem ser analisadas a partir de quatro níveis: intrapsíquico (ou individual), interpessoal (ou interindividual), intergrupal e ideológico. Para ele, o primeiro nível de análise focaliza o estudo dos processos intraindividuais e os modelos aqui utilizados tratam da maneira pela qual os indivíduos organizam suas experiências com o ambiente. Já o segundo nível, interpessoal, descreve os processos interindividuais e situacionais nos quais os indivíduos são considerados intercambiáveis e seus sistemas de interação fornecem os princípios explicativos típicos das dinâmicas desse nível. O terceiro nível, o intergrupal, leva em conta as diferentes posições que os atores sociais ocupam no tecido das relações sociais, características de uma sociedade, e analisa como suas posições modulam os processos do primeiro e segundo níveis. E, finalmente, o nível societal remete aos sistemas de crenças, representações, avaliações e normas sociais. As produções culturais e ideológicas, características de uma sociedade ou de certos grupos, não somente dão significação aos comportamentos dos indivíduos como, também, criam ou dão suporte às diferenciações sociais em nome de princípios gerais. 72 Origens e desenvolvimento A distinção em quatro níveis, de acordo com Doise (1986), não deve servir apenas a objetivos classificatórios, mas, sobretudo, facilitar a realização de articulações dos diferentes níveis de análises, o que, segundo ele, deveria ser tratado como um tópico próprio da pesquisa da Psicologia Social. Finalmente, gostaríamos de chamar a atenção do leitor para o fato que, de certa forma, a noção de níveis de análise, e algumas tentativas de articulação entre eles, serviu como fio condutor na proposta deste livro. Basta olhar a organização dos seus capítulos que isso ficará ainda mais claro. SUMÁRIO E CONCLUSÕES Neste capítulo apresentamos o percurso histórico do desenvolvimento da Psicologia Social enquanto campo de saber que, embora independente de outras disciplinas científicas, estaria localizada na interseção destas mesmas disciplinas. Partimos de dois pressupostos: a) que o desenvolvimento científico não ocorre independente do jogo político de uma determinada sociedade, mas é fortemente influenciado pelos seus conflitos sejam eles sociais, políticos, econômicos ou culturais; e b) a grande questão norteadora do desenvolvimento dessa disciplina refere-se à concepção da natureza das relações indivíduo-sociedade: deveria a psicologia social reduzir os fenômenos sociais aos processos individuais, tornando-se apenas uma área da psicologia geral, ou deveria se aproximar da sociologia a fim de entendê-los? Ou poderia ainda, tentar articular explicações desses dois níveis de análise? Tendo esses aspectos em mente, primeiro apresentamos o contexto sócio-político-cultural dos primeiros projetos sobre o que deveria ser o campo de estudo e a metodologia da psicologia social. Em seguida, discutimos os pilares das duas vertentes dessa disciplina: a psicologia social psicológica e a sociológica, e finalizamos analisando as tendências atuais dessa disciplina. Finalmente, é importante destacar que neste capítulo não discutimos o desenvolvimento e consolidação da psicologia social na América Latina e no Brasil, pois necessitaríamos um capítulo completo para tal empreitada. No entanto, deixamos a seguir algumas sugestões de leitura que dão um panorama geral sobre esse tema. GLOSSÁRIO Axioma: é uma sentença ou proposição que não é provada ou demonstrada e é considerada como óbvia ou como um consenso inicial necessário para a construção ou aceitação de uma teoria. Dialética: A dialética idealista hegeliana é um método de pensar o real e a dialética marxista é um método de pensar e transformar o real. Essa distinção deve-se ao fato que porque Hegel, grosso modo, era idealista, vendo a Razão como determinante da realidade objetiva, enquanto Marx era materialista e pensava justamente o contrário: que era o mundo material que condicionava a ideia que fazíamos dele. Psicologia social: temas e teorias 73 Empirismo: teoria do conhecimento que defende que o conhecimento sobre o mundo vem apenas da experiência sensorial. O método indutivo, por ela utilizado, afirma que a ciência como conhecimento só pode ser derivada a partir dos dados da experiência. Idealismo: o grupo de filosofias metafísicas que afirmam que a realidade, ou a realidade como os humanos podem conhecê-la, é fundamentalmente mental, mentalmente construída ou imaterial. Liberalismo: conjunto de teorias políticas, surgidas no século XVII, que defendiam uma luta estrutural e política contra as monarquias absolutistas. Como teoria econômica, surgiu no século XVIII dando uma estrutura conceitual ao novo movimento econômico originado da alta industrialização iniciada no próprio século XVIII e consolidada no século XX. Materialismo Dialético: concepção filosófica e método científico que defende que o ambiente, o organismo e os fenômenos físicos tanto modelam animais irracionais e racionais, sua sociedade e cultura quanto são modelados por eles, ou seja, que a matéria está em uma relação dialética com o psicológico e o social. Metafísica: é a base da Filosofia e também o ramo responsável pelo estudo da existência do ser e tem por objeto de estudo vários problemas filosóficos sobre a realidade. Já a epistemologia tem por objeto de estudo vários problemas filosóficos sobre o conhecimento da realidade ou a tentativa de conhecê-la. Modernidade: conjunto de processos sociais e históricos que ocorreram na Europa a partir do século XV, no início do Renascimento, que marca o fim da Idade Média. Junto com as mudanças de pensamento, que priorizam a racionalidade, o individualismo e o pensamento científico, há mudanças políticas que modificam profundamente as instituições políticas dos Estados, bem como a delimitação de novas fronteiras políticas e econômicas. Positivismo: corrente filosófica que surgiu na França, entre os séculos XIX e XX e que defendia que o conhecimento científico era a única forma de conhecimento válido. Material suplementar Sobre a psicologia social no Brasil: sugerimos o Volume 18, número 1 da Revista “Estudos de Psicologia” (Natal), publicado em 2013 que traz os trabalhos apresentados no II Simpósio Internacional de Psicologia Social, realizado na Universidade de Brasília pela Associação para o Desenvolvimento da Psicologia Social (ADEPS). Filme: O nome da Rosa Ano: 1986 Diretor: Jean-Jacques Annaud Duração: 130 min 74 Origens e desenvolvimento Baseado no romance de Umberto Eco, a história se passa em um mosteiro italiano no século XIV onde estavam ocorrendo vários assassinatos. Os crimes pareciam se originar na biblioteca do convento e daí vem o título “O nome da rosa”, que era uma expressão usada na Idade Média que significava o infinito poder das palavras. Enquanto dois monges tentam desvendar os assassinatos, podemos ver a guerra ideológica travada entre os franciscanos e dominicanos, pois enquanto os primeiros defendiam o uso de evidências e do pensamento lógico para solucionar os crimes, os segundos procuravam o culpado que estaria a serviço do demônio. Assim, estamos diante do embate entre o conhecimento científico e o conhecimento religioso. Livro: O que é ciência, afinal? Autor: Alan F. Chalmers Ano: 1993 Editora: Brasiliense O autor utiliza uma linguagem bastante acessível para apresentar os métodos e conceitos que caracterizam o conhecimento científico. O livro traz muitos exemplos históricos e atuais da ciência. Um dos aspectos mais interessantes da obra é o fato que o autor constrói um conjunto de argumentos para combater a “ideologia da ciência” e assim nos instiga a responder o questionamento do título do livro. Livro: A fabricação da ciência Autor: Alan F. Chalmers Ano: 2004 Editora: Editora da Unesp O autor inicia a obra criticando a visão positivista de que a ciência pode ser caracterizada através de métodos e padrões de pesquisa universais e imutáveis. A partir daí ele mostra que os métodos e padrões utilizados na construção e avaliação científicas são histórica e politicamente dependentes e com tais, podem ser revisados. No entanto, ele também insiste que essa posição não implica necessariamente na adoção de relativismos cognitivos e irracionais. Ele defende que as mudanças dos métodos científicos devem ser justificadas racionalmente e baseadas em argumentos lógicos. CAPÍTULO 2 PESQUISA EM PSICOLOGIA SOCIAL Cícero Roberto Pereira Denis Sindic Leoncio Camino INTRODUÇÃO 2.1 A NATUREZA DA CIÊNCIA A palavra ciência tem origem no vocábulo, em latim, scientia. Em português, significa “conhecimento”, se usarmos uma tradução livre e mais direta. Um dos significados possíveis para conhecimento é o verbo “saber” – o ato de “estar convencido de” ou “estar certo de”. É ter a certeza daquilo em que se acredita, ou que se supõe conhecer. A ciência é considerada por muitos como a fonte de conhecimento mais correta e válida. O que é “cientificamente comprovado” é, geralmente, assumido como incontestável, algo que é mais do que uma crença ou uma mera opinião. É um tipo especial de crença. É a que pode resistir ao crivo do teste de validade. Assim, o problema da natureza da ciência centra-se não só na questão dos critérios de validade do conhecimento mas, também, na questão dos elementos que funcionam como fronteira entre 76 Pesquisa em psicologia social o conhecimento científico e outras formas de conhecimento, das quais são exemplos a religião, a metafísica e o pensamento de senso comum. O que justifica a presunção (se é realmente justificada) de que a ciência representa uma fonte mais segura e válida de conhecimento? Antes de explorar essa questão, devemos lembrar ao leitor que este capítulo de introdução não tem a intenção de fornecer respostas definitivas para essa pergunta. Isso seria uma tarefa impossível porque, na verdade, não existe consenso sobre a natureza da ciência nem sobre se de fato a ciência é diferente de outros domínios do saber. Alguns filósofos da ciência, entretanto, acreditam ser possível estabelecer critérios lógicos e objetivos que podem fixar a diferença entre o conhecimento produzido por esses domínios (ver, por exemplo, os esforços realizados por Lakatos, 1977; Peirce, 1877; Popper, 1963). É o que definem como problema da demarcação, em torno do qual tentam delimitar o que é a ciência enquanto uma das formas de produção do conhecimento que julgam ser mais válida e radicalmente diferente do conhecimento não científico. Tal posição pode ser chamada “demarcacionismo”. Por outro lado, outros filósofos questionam se é possível traçar uma distinção clara e definitiva entre o que é e o que não é ciência. Alguns até já contestam a alegação de que a ciência é necessariamente mais válida e fundamentalmente diferente de outras formas de conhecimento (e.g., Feyerabend, 1975, 1987). Essa posição é frequentemente chamada de “relativismo”, porque considera que o conhecimento científico, como qualquer outro tipo de conhecimento, está sempre relacionado aos valores e crenças da época e do contexto cultural particular em que é produzido. Portanto, nosso objetivo aqui não é mais do que explorar alguns dos principais argumentos desse debate. Pretendemos, assim, dar uma ideia dos aspectos que são geralmente considerados características da ciência e da investigação científica – quer essas características façam a ciência mais válida e radicalmente diferente do que outras formas de conhecimento, quer não. 2.1.1 A CIÊNCIA É BASEADA NA OBJETIVIDADE Uma estratégia usada por vários pensadores sobre o problema da validade do conhecimento foi o estabelecimento de uma distinção entre o que se acredita ser o mundo objetivo, dotado de uma lógica própria passível de ser descrita ou de ser “descoberta” (i.e., o objeto de conhecimento), e um mundo subjetivo representado por um sujeito perceptivo, pensante, dotado da habilidade para conhecer e decodificar a lógica “escondida” do mundo objetivo (i.e., o sujeito do conhecimento). Essa ideia já estava presente em metáforas diversas usadas na filosofia clássica de Platão (que acreditava existir o mundo das ideias eternas e perfeitas e o mundo dos sentidos humanos e imperfeitos).1 A ideia de que o que caracteriza o conhecimento científico é sua objetividade está relacionada com a dicotomia sujeito-objeto, na medida em que ser objetivo é descrever algo que existe somente no mundo objetivo, de tal modo que a descrição não seja 1 Ver, por exemplo, a alegoria da caverna no livro A República de Platão (sd/2001). Psicologia social: temas e teorias 77 influenciada pelo mundo subjetivo do sujeito – ou seja, algo que é independente das características pessoais e dos pontos de vista particulares do sujeito. Ao contrário, acusar alguém de não ser objetivo – de ser, por exemplo, influenciado por crenças pessoais, ideologias, emoções, ou preconcepções – é dizer que as suas afirmações refletem em parte ou na totalidade as suas próprias características subjetivas e não a realidade objetiva do mundo. Assim, a alegação de que a ciência é objetiva é a afirmação de que ela nos proporciona um acesso privilegiado ao mundo ‘objetivo’, ou seja, de que é capaz de produzir conhecimento sobre o mundo, conhecimento que estaria livre das impurezas do sujeito de conhecimento. Na psicologia, as coisas são um pouco mais complicadas, pois os psicólogos estão, frequentemente, interessados em eventos subjetivos, ou seja, no que acontece “no mundo” do sujeito do conhecimento, como são exemplos os pensamentos e as emoções. No entanto, e embora possa haver algumas exceções, eles geralmente se interessam em descrever esses eventos subjetivos da mesma maneira que se descrevem os eventos que formam o mundo objetivo, olhando para eles de uma perspectiva externa ao invés de partirem da perspectiva única e interna do sujeito sobre esses eventos. A ideia de que o que caracteriza a ciência é a sua objetividade tem sido criticada. Uma ideia em particular que tem sofrido fortes críticas é a suposição de que o que explica a objetividade da ciência é a atitude objetiva dos próprios cientistas. A crença na objetividade do cientista se baseia na ideia de que os cientistas são capazes de isolar as suas emoções, crenças e preconcepções sobre o mundo e, assim, são capazes de descrever e explicar o mundo de uma forma mais objetiva, isto é, sem misturar com as suas próprias concepções. No entanto, será que é mesmo possível para os cientistas serem neutros e objetivos? Se não, como poderá ser objetivo o conhecimento que produzem? Analisar essa questão em detalhes iria além do escopo deste capítulo e, por isso, discutiremos apenas um pequeno exemplo para ilustrar o problema. Esse exemplo diz respeito à possível influência de crenças ideológicas sobre as ideias científicas e que é diretamente relevante para a psicologia social porque incide sobre as teorias científicas acerca dos grupos humanos. No século XIX, e até a Segunda Guerra Mundial, foram realizados muitos estudos considerados científicos sobre as diferenças entre o que se supunha ser as “raças humanas” (para uma revisão, ver Gould, 1981). Hoje em dia esses estudos estão em completo descrédito como sendo “contaminados” por uma ideologia racista, ou seja, não são objetivamente científicos porque tinham o objetivo de demonstrar a superioridade do que se acreditava ser a “raça” branca. Na verdade, a ciência moderna tem vindo a rejeitar a ideia de que existem raças diferentes entre humanos (ver, por exemplo, American Association of Physical Anthropologists, 1996). Isso pode ser visto como um exemplo da ciência se libertando de preconcepções ideológicas. Mas é essa nova concepção científica realmente livre de ideologia? Ou foi inspirada por uma outra ideologia, a nova ideologia antirracista que passou a dominar o mundo desde a Segunda Guerra Mundial? Parece-nos evidente que há boas razões para pensarmos que a rejeição das teorias racistas representa uma visão mais válida de um ponto de vista científico, além de ser um progresso do ponto de vista social. Mas isso não significa necessariamente que essa rejeição não foi também 78 Pesquisa em psicologia social moldada por crenças ideológicas, embora de natureza diferente. Em outras palavras, o exemplo mostra que pode ser uma tarefa difícil separar a ciência da ideologia, mesmo quando a ideologia pode ter um efeito socialmente positivo no conhecimento científico. De um modo mais geral, existe pouca dúvida de que há um exagero na imagem do cientista como um mero observador objetivo e neutro capaz de subtrair as suas paixões e preconceitos. Na verdade, os cientistas se envolvem com paixão nas suas pesquisas, e não é realista pensar (nem é desejável) que eles sejam capazes de se libertar de todas as suas emoções derivadas desta paixão. Também não é razoável pensar que é possível um cientista ter consciência de todas as suas preconcepções e crenças ideológicas, para que possa isolá-las na análise que faz de seu “objeto de estudo”. Alguns filósofos foram mais incisivos na crítica da ideia de objetividade e questionaram a separação entre sujeito-objeto que torna possível esta ideia. Por exemplo, o filósofo relativista Feyeranbend (1975) desenvolveu uma crítica profunda da fé no dualismo sujeito-objeto como pilar fundamental para a edificação das teorias epistemológicas sobre a natureza da ciência. Um de seus argumentos é o de que é impossível estabelecer critérios de validação do conhecimento totalmente objetivos, na medida em que esses critérios são artefatos humanos e, portanto, não podem ser comprovados objetivamente. Assim, para Feyerabend o princípio fundamental da pesquisa científica se baseia em uma categoria especial de crença – a fé de que é possível separar o mundo objetivo do mundo subjetivo. Mas, segundo ele, não existem razões ‘objetivas’ para privilegiar o conhecimento produzido pela ciência e pelo racionalismo ocidental comparado a outras formas de conhecimento e tradições culturais (Feyerabend, 1987). Dadas essas críticas, deverá ser descartada a ideia de objetividade? Julgamos que nem sempre deva ser. Em primeiro lugar, é perfeitamente possível reconhecer que a objetividade radical é uma utopia impossível de ser realizada, mas isto não significa rejeitar essa utopia por completo. Para alguns ela pode (e deve) ser mantida como um ideal a perseguir, mesmo quando se sabe que nunca pode ser alcançada. Como o antropólogo Clifford Geertz (1978) ironicamente sugeriu: “(...) como é impossível uma objetividade completa nesses assuntos (o que de fato ocorre), é melhor permitir que os sentimentos levem a melhor (...), isso é o mesmo que dizer que, como é impossível um ambiente perfeitamente asséptico, é válido fazer uma cirurgia num esgoto” (p. 40). Em segundo lugar, na prática, um cientista tem que ser capaz de mostrar que os resultados de sua investigação não podem ser inteiramente explicados pelas suas características pessoais. É importante serem considerados válidos por pessoas que não compartilham os seus interesses, crenças e valores. Caso contrário, os resultados de sua investigação não poderiam ser usados por outros, e a atividade científica, que depende da colaboração entre cientistas, se tornaria impossível. Assim, a própria existência do cientista como cientista depende da sua capacidade de convencer os outros de que os seus resultados são, até certo ponto, “objetivos”, no sentido de que eles possuem um certo grau de independência em relação a si mesmo. Psicologia social: temas e teorias 79 Em outras palavras, o dualismo sujeito-objeto pode ser visto como o produto da atividade científica ao invés de uma condição para essa atividade. Isso implica que não podemos explicar como certas ideias dos cientistas passaram a ser consideradas ‘cientificamente válidas’, e outras não, simplesmente dizendo que é porque as primeiras são ‘objetivas’ e as segundas ‘subjetivas’. Pelo contrário, pode ser o estabelecimento de algo como cientificamente provado a fonte dessa separação e o problema seria explicar como isso acontece. Mesmo assim, a noção de objetividade continua a fazer parte dos conceitos que são necessários para se compreender em profundidade a atividade científica. 2.1.2 A CIÊNCIA É BASEADA EM FATOS CONFIRMADOS PELA EXPERIÊNCIA Uma outra opinião comum sobre o que confere validade especial ao conhecimento científico (e que explicaria a sua maior objetividade) é a ideia de que a ciência é baseada em fatos observáveis, i.e., eventos que podem ser confirmados pelos próprios sentidos. Nessa perspectiva, a investigação científica seria como São Tomé, que usou o mesmo critério para dissipar a sua dúvida sobre a Ressurreição: Se eu não vir nas Suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no Seu lado, de modo algum acreditarei. Passados oitos dias, estavam outra vez ali reunidos os Seus discípulos, e Tomé, com eles. Estando as portas trancadas, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco! E logo disse a Tomé: Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega também a mão e põe-na no meu lado; não seja incrédulo, mas crente (João 20: 25-27). O “Teste de São Tomé”, como foi descrito no Evangelho Segundo João, contém uma das principais características do processo de construção do conhecimento, critério muito valorizado na ciência moderna: a observação como critério de validade do conhecimento. A importância da observação baseia-se no sistema de crença cujas características principais são as seguintes: a) “o mundo objetivo” pode ser descrito com precisão; b) uma descrição será válida se o que é descrito puder ser captado pelos sentidos básicos de uma pessoa (visão, audição, paladar, olfato ou tato) em seu estado normal, isto é, se o que é descrito for, de fato, observável; c) uma descrição será válida se for objetiva. Na prática, uma descrição será considerada objetiva se: 1) o observador estiver livre de preconcepções, opiniões ou crenças ideológicas sobre o objeto a ser observado; e 2) a mesma descrição puder ser feita por qualquer outro observador em iguais condições. É nesses pressupostos que está assente o empirismo – sistema filosófico segundo o qual todo e qualquer conhecimento está baseado na observação de estímulos e eventos presentes no ambiente observável, ou no que se acredita ser o “mundo real”. As suas raízes podem ser encontradas na ideia de tábula rasa, ou folha em branco, apre- 80 Pesquisa em psicologia social sentada por Aristóteles (sd/2001) como uma metáfora para representar a consciência e a ideia de que esta seria formada por meio da experiência obtida através da observação de eventos. Essa ideia foi sistematizada por Locke (1690/1991), para quem a observação é a origem de toda a forma de saber, uma vez que a consciência do homem à nascença seria completamente desprovida de conhecimento. Seria formada pela informação absorvida pelos sentidos básicos. Outro empirista, Hume (1739/2002), propôs a associação de observações de ideias simples como o mecanismo pelo qual o conhecimento seria formado. Seria promovido pela tendência humana para perceber associações entre eventos similares, contíguos no espaço e no tempo e, principalmente, para estabelecer nexos causais. Importantes também são as ideias de Berkeley (1710/2010) de que a associação entre eventos simples permitiria derivar enunciados gerais e complexos. Vamos analisar um exemplo seguindo o sistema de crenças anteriormente anunciado. Poderíamos iniciar com uma descrição simples de um evento observado em uma situação específica, tal como: “no dia 6 de novembro de 2013 o sol nasceu no nascente, percorreu o céu e se pôs no poente”. Outra descrição sobre o mesmo evento, mas em outra situação, pode ser: “no dia 31 de maio de 2013 o sol nasceu no nascente, percorreu o céu e se pôs no poente”. Uma terceira observação poderia ser: “no dia 21 de junho de 2013 o sol nasceu no nascente, percorreu o céu e se pôs no poente”. O resultado de cada descrição isolada é chamado “dado” e o seu conjunto “dados da realidade”. Seriam esses dados a fonte do verdadeiro conhecimento científico. Por exemplo, após repetirmos as observações várias vezes e associarmos umas às outras, poderíamos derivar uma descrição geral sobre o evento em observação, como bem salientou Berkeley (1710/2010). Nesse caso, concluiríamos que “o sol sempre nasce no nascente, percorre o céu e se põe no poente”. A palavra sempre indica uma generalização, o que constitui outra operação importante na elaboração do conhecimento científico. Contudo, o apoio nos fatos observáveis representa apenas umas das fontes do conhecimento científico. Quando se radicaliza o papel da descrição de eventos “diretamente observáveis” e se define como científico apenas o estudo desses eventos, temos uma posição epistemológica do que podemos definir como pensamento positivo, ou filosofia positiva, em referência ao sistema de organização do saber proposto por Comte (1830/1983). De acordo com essa filosofia, o estudo sistemático de fenômenos observáveis seria, então, o demarcador elementar entre a ciência e outras formas de conhecimento, como a teologia e a metafísica. De uma forma resumida, as ideias centrais do pensamento positivista são a crença na validade da observação dos fenômenos por meio da experiência sensível do mundo físico ou material; e a crença na neutralidade das descrições sobre os eventos observáveis porque o observador estaria livre de preconcepções, crenças ou opiniões não fundamentadas em “dados da realidade”. Essas ideias foram igualmente características de um grupo de filósofos da ciência chamado “positivistas lógicos”, que se propuseram a aprofundar as ideias do positivismo clássico. Propuseram que, para ser científica, uma proposição sobre o mundo deve ser verificável por fatos e observações, tornando a ‘verificabilidade’ o critério que diferencia claramente (i.e., que demarca) a ciência do conhecimento não científico, o que, segundo eles, não poderia ser verificado por fatos observáveis. Psicologia social: temas e teorias 81 No entanto, essa crença de que os fatos observáveis (e só os fatos observáveis) fornecem uma base indiscutível ao conhecimento científico encontrou um grande número de objeções. Algumas das críticas mais comuns são as seguintes: a) Os fatos não são sempre fiáveis. Um dos maiores problemas da fé na observação está na possibilidade de toda e qualquer observação ser o resultado de ilusões. Por exemplo, por mais sistemática que possa ser a observação do “comportamento do sol nascendo no nascente e se pondo no poente”, concluir que o sol está se movendo no céu revela ser uma ilusão provocada pelo fato de o observador ser parte integrante do sistema em observação. Nesse caso, a observação e descrição de eventos observáveis não é, per se, fonte fiável para validarmos o nosso conhecimento. Fatos observáveis também podem ser questionados por novas observações. Por exemplo, as observações feitas a “olho nu” do tamanho dos planetas passaram a ser consideradas como não fiáveis quando o telescópio foi inventado. b) Apenas os fatos relevantes interessam. Parece-nos evidente que nem todos os fatos observáveis podem ser levados em conta na ciência. O cientista tem que fazer uma seleção sobre o que ele considera ser os fatos mais relevantes em relação a um problema particular. Isso, no entanto, introduz o problema de se saber como essa escolha é feita. Na realidade, a relevância de um fato particular não pode ser ditada pela natureza desse fato em si, porque isso depende do problema que o cientista está tentando resolver e da teoria que ele está usando para tentar resolvê-lo. Nesse sentido, pode-se dizer que a relevância dos fatos depende da teoria. A consequência lógica é a de que um fato, mesmo considerado evidente, poderá ser questionável em termos de sua relevância dependendo da teoria usada para interpretá-lo, o que é relativamente frequente nos debates entre cientistas com teorias diferentes sobre a ocorrência do mesmo fenômeno. Por exemplo, para “provar” a teoria de Copérnico de que a Terra gira em torno do sol, Galileu teve não apenas de fornecer novos fatos observáveis (tais como as observações sobre o tamanho dos planetas feitas através de um telescópio), mas também necessitou convencer outras pessoas sobre a importância desses novos fatos. Havia observações a “olho nu” que pareciam contradizer a teoria de Copérnico e, na época, não era evidente que as observações feitas com um telescópio fossem melhores e mais relevantes do que as observações a “olho nu”, uma vez que a observação através do vidro era conhecida por distorcer os objetos observados. c) A interpretação dos fatos é determinada pelas teorias. Não apenas a relevância, mas também o significado dos fatos depende das teorias usadas pelos cientistas. Por exemplo, na época de Galileu, uma das observações que parecia contradizer a teoria de Copérnico era o fato de que objetos soltos do alto caírem na vertical e não na diagonal. Esse evento parecia contradizer a ideia de que a Terra se move, pois, como se pensava na época, se a Terra estivesse em movimento os objetos deveriam cair em diagonal (ou serem “deixados para trás”) pelo movimento da Terra, tal como o que ocorre quando deixamos cair algum objeto da janela de um carro em movimento. Para compreendermos porque os objetos caem na vertical foi necessário desenvolver uma teoria sobre a inércia, a qual ainda não existia na época. Em outras palavras, o mesmo fato pode ser explicado de diferentes maneiras conforme o que o cientista acha 82 Pesquisa em psicologia social que são as causas ou processos que lhe estão subjacentes (i.e., a sua teoria). Isso também quer dizer que o cientista não é uma tábula rasa, mas sempre tem ‘preconcepções’ sobre os eventos do mundo e sobre os seus significados. Às vezes, essas ‘preconcepções’ podem impedi-lo de ver as coisas a partir de outra perspectiva, mas ele não pode atribuir significado aos eventos sem essas preconcepções. d) A observação científica não é passiva. Muitos fatos usados como base do conhecimento científico não são “dados estáticos” como se sempre estivessem à espera de serem observados. Em vez disso, os cientistas estão mais interessados nos fatos que emergem de estudos destinados a produzir situações geradoras de novos eventos. Nesse sentido, pode-se dizer que a investigação científica produz e cria novos fatos que nunca foram observados antes, ao invés de passivamente observar fatos existentes. Essa possibilidade pode ser considerada uma das forças da ciência, mas também pode significar que novas situações requerem uma compreensão teórica aprofundada que nos permita fazer previsões sobre o que poderia ocorrer nessas situações. Entretanto, esse certo relativismo não necessariamente implica: (a) que os fatos sempre sejam “não fiáveis”; (b) que a relevância de certos fatos (e a irrelevância de outros) seja decidida por razões meramente arbitrárias; (c) que os cientistas interpretem os fatos da maneira que querem; (d) ou que os cientistas inventem novos fatos como se quisessem determinar os resultados das suas pesquisas. Significa, entretanto, que o conhecimento científico nem sempre se baseia em fatos verificados pela experiência. Por essas e outras razões, a visão positivista de que os fatos observáveis são fontes fiáveis do conhecimento científico e por isso são a única característica que torna o conhecimento científico mais confiável do que outras formas de conhecimento, está amplamente desacreditada. No entanto, isso não significa que os fatos observáveis sejam irrelevantes para a ciência. Continuam ocupando um lugar central, embora se basear em fatos observáveis não necessariamente ofereça uma garantia de validade científica. Isso também significa que a fé em fatos observáveis não pode ser usada para demarcar o que é ciência e o que não é. Existem muitas outras formas de conhecimento que também dependem da experiência, incluindo o conhecimento de senso comum. Apesar disso, e mesmo que se rejeite a visão positivista da ciência, a noção de que as ideias sobre o mundo precisam ser confrontadas com a evidência empírica é uma característica fundamental da ciência. 2.1.3 A CIÊNCIA É BASEADA NAS LEIS GERAIS DERIVADAS DE FATOS OBSERVÁVEIS Independentemente do que se pensa sobre o papel dos fatos observáveis na ciência, não há dúvida de que a ciência é mais do que a mera acumulação desses fatos – até mesmo os positivistas concordariam com essa afirmação. Os cientistas geralmente querem fazer afirmações sobre a ocorrência e o comportamento de eventos observáveis. A questão que agora se coloca é a de saber quais são os critérios especificados pela ciência para considerar essas generalizações como válidas. Isto é, como é possível chegar a conclusões gerais sobre eventos (e.g., “o sol sempre nasce no nascente, percorre o céu e se põe no poente”) a partir da observação de eventos particulares (e.g., “no dia 31 de maio de 1975 o sol nasceu no nascente, percorreu o céu e se pôs no poente”)? Psicologia social: temas e teorias 83 A resposta para essa questão é dada pelo raciocínio indutivo. Esse raciocínio foi originalmente descrito por Aristóteles (sd/1987) e é denominado indução por associação. Em primeiro lugar, a indução será válida (i.e., o processo de generalização feita a partir de observações singulares) se a quantidade de observações for elevada. A ideia é que um cientista deve ser prudente para evitar tirar conclusões precipitadas a partir de eventos fortuitos. Deve, ao contrário, reter só os eventos regulares. Por isso, é necessário fazer muitas observações sobre o evento, observações que também devem ser feitas por diferentes pessoas e em diferentes condições. É o princípio epistemológico no qual se baseiam as técnicas de amostragem modernas. Em segundo lugar, a indução será válida se as observações realizadas não forem contraditórias. Quer dizer, são fontes de invalidade de uma indução se um evento observado não for descrito da mesma maneira por diferentes observadores e se a descrição não se repetir em diferentes condições. A afirmação de que “o sol sempre nasce no nascente, percorre o céu e se põe no poente” não seria válida se esse fenômeno não tivesse sido observado no dia de hoje, por exemplo. Também não seria válida se tivesse sido observada por alguns observadores, mas não por outros. Como não é este o caso e qualquer observador pode ver “o movimento do sol”, descrever o que vê e repetir a sua observação descrevendo-a de forma sistemática em diferentes dias do ano, podemos assumir que os requisitos exigidos para a validade da indução estão assegurados. Assim, de acordo com os critérios de validade da indução por associação (i.e., somas de descrições sobre eventos particulares diretamente observados), podemos considerar como válida a afirmação de que “o sol sempre nasce no nascente, percorre o céu e se põe no poente”. Embora esses critérios forneçam diretrizes razoáveis contra generalizações apressadas, nota-se, no entanto, que eles não são totalmente fiáveis. Na verdade, existem vários problemas relacionados com a generalização por indução para os quais não há soluções absolutas. Vejamos alguns desses problemas: a) O problema lógico da indução. Uma generalização obtida por meio da indução, mesmo que seja baseada em uma abundância de observações feitas por diferentes pessoas em diferentes circunstâncias, pode ser incorreta porque nunca se pode excluir totalmente a possibilidade de encontrarmos exceções. Por exemplo, por mais que observemos cisnes brancos, não devemos concluir com absoluta certeza de que “todos os cisnes são brancos”, uma vez que é possível que exista algum cisne não branco em algum lugar onde a nossa observação não foi capaz de alcançar. Portanto, embora uma generalização obtida por meio da indução possa ser razoável, a conclusão geral não é válida segundo um ponto de vista puramente lógico, visto que generalizações feitas a partir da acumulação de eventos particulares não são logicamente válidas. Isso foi colocado em saliência por Hume (1748/2000). b) O problema prático da indução. Outro problema é o de que, embora os critérios já referidos para a generalização por indução sejam úteis, a sua aplicação na prática não é tão simples. Por exemplo, como decidir a quantidade de observações que são necessárias para justificar uma generalização? E como decidir sobre as variações nas condições de observação que são relevantes? Para responder a essas perguntas, precisamos de um entendimento teórico preexistente aos eventos e às suas condições. Essa questão é muito relevante na ciência porque os fatos que se procuram generalizar são 84 Pesquisa em psicologia social muitas vezes eventos que acontecem em condições muito específicas e controladas (como no laboratório), ou seja, em condições que são diferentes daquelas que se encontram no ambiente natural (i.e., fora do laboratório). Os cientistas podem argumentar que essas diferenças não refletem disparidades fundamentais na natureza desses eventos, mas esse tipo de argumento deve ser feito a partir de algum conhecimento preexistente sobre o efeito dessas mudanças de condições. Conhecimento que às vezes pode não ser fiável. c) Generalizar do observável ao inobservável. Finalmente, a indução só pode produzir generalizações sobre a ocorrência e o comportamento de eventos observáveis. Isso pode explicar como se chega a leis científicas gerais sobre fenômenos observáveis (por exemplo, a água congela a 0º). Mas geralmente as teorias científicas contêm referências a entidades e processos não observáveis que explicam fenômenos observáveis (por exemplo, a água congela porque quanto mais baixa é a temperatura, menor é o movimento das moléculas de H2O). Aliás, alguns dos mais bem-sucedidos conceitos teóricos da ciência moderna, como o de átomo ou de DNA, são referências a entidades não observáveis (razão pela qual muitos positivistas julgaram a teoria atômica como não científica na época em que foi proposta). Isso pode surpreender o leitor, mas ninguém nunca “viu diretamente” um átomo ou uma fatia de DNA. Na verdade, eles são ‘apenas’ representações (ou ‘modelos’, como às vezes são chamados) de entidades não observáveis usados por cientistas para explicar e prever eventos observáveis. Esse é um aspecto chave da ciência. O problema é que entidades ou processos não observáveis não podem ser derivados diretamente da generalização por indução de eventos observáveis porque a indução é uma operação que não nos permite passar do observável ao não observável. Por essas razões, a ideia de que o conhecimento científico se faz apenas por meio da generalização direta (por indução) de eventos observáveis – uma posição, às vezes, chamada de visão indutivista da ciência – não é sustentável. Isso, no entanto, não significa que a indução seja uma ferramenta em desuso na prática científica (Okasha, 2002), nem que os critérios anteriormente mencionados sejam irrelevantes na pesquisa científica (Chalmers, 1993); sugere que a observação e a generalização por meio do raciocínio por indução não é base fiável para assegurar maior validade do conhecimento científico em relação ao conhecimento não científico. Também sugere que há mais na atividade científica do que a generalização direta de eventos observáveis. 2.1.4 A CIÊNCIA É BASEADA EM TEORIAS QUE PODEM FAZER PREVISÕES VERIFICÁVEIS Se as teorias não são limitadas a generalizações diretas de eventos observáveis, outra maneira de olhar para elas seria considerar que constituem um conjunto de proposições gerais que procuram, sobretudo, explicar os eventos e predizer a sua ocorrência. Como as generalizações por indução, essas proposições são “gerais” porque são elaboradas com o objetivo de serem aplicáveis a uma variedade de objetos em uma ampla variedade de circunstâncias. A diferença é que não são limitadas às leis sobre Psicologia social: temas e teorias 85 eventos observáveis. Também podem conter referências a entidades, processos, causas e mecanismos que não podem ser observados diretamente, mas que são assumidos como subjacentes aos fenômenos observados (por exemplo, a força da gravidade). Aliás, este é o caso da maior parte das teorias psicológicas contemporâneas, sempre que se referem a entidades ou processos mentais (por exemplo, as motivações, emoções, cognições, atitudes, personalidade etc.) que não podem ser observados, mas que podem ser usados para explicar e prever o comportamento das pessoas (por exemplo, o Pedro bateu em Mário porque tem uma personalidade agressiva). Nessa perspectiva, o mérito relativo das teorias científicas não depende tanto de ser diretamente derivado de observações, mas sim da quantidade de eventos observáveis que podem explicar e prever. Quanto mais eventos observáveis a teoria é capaz de explicar e/ou de prever, maior é a sua capacidade para fornecer uma boa estimativa sobre as entidades e/ou processos subjacentes a estes eventos. Em contraste com a passagem de observações a generalizações, a passagem das generalizações teóricas à predição dos eventos não é realizada por indução, mas sim por um processo lógico denominado “dedução”, também apresentado por Aristóteles no Organon (sd/1987) e valorizado, sobretudo, pela filosofia racionalista emergente a partir do século XVI, como são exemplos várias deduções-lógicas presentes nos sistemas de pensamento propostos por Descartes (1641/2010) e Leibniz (1714/2004). A lógica formal é a base de um modo específico de produção do conhecimento denominado raciocínio “hipotético-dedutivo”. A documentação de sua aplicação prática emergiu, sobretudo, no domínio da física de Copérnico, Kepler, Galileu e foi sistematizada na mecânica Newtoniana. A sua base epistêmica é mais antiga, encontrando novamente ressonância na filosofia aristotélica escrita no Organon, livro V (Aristóteles, sd. 2001). Nesse processo, as descrições gerais sobre os eventos são usadas como se fossem bases seguras a partir das quais se deduz a ocorrência de eventos específicos. Essas descrições são as premissas ou pressupostos para a dedução. A validade de uma dedução é argumentativa. Quer dizer, é feita recorrendo-se a inferências lógico-racionais, frequentemente explicitadas por meio de silogismos. Por exemplo, a afirmação “penso, logo existo”, uma das conclusões mais famosas na história da ciência moderna à qual chegou Descartes, pode ser assim equacionada: Silogismo 1: PU: Tudo que pensa existe. PP: Eu penso. -----------------------------------------DL: Eu Existo. PU é uma premissa universal porque constitui uma generalização (neste caso Descartes a derivou por meio do raciocínio especulativo puro, e não por meio de observações e/ou por indução). PP é um premissa particular – o evento descrito em uma observação simples ou uma premissa derivada de outras deduções lógicas. DL é a dedução lógica, ou conclusão. É decorrente necessária das premissas antecedentes 86 Pesquisa em psicologia social (i.e., de PU e PP). No exemplo em análise, a dedução é logicamente válida. O critério para que se possa aceitar a sua validade é o fato de o sujeito (Eu) e o predicado (penso) da premissa particular serem elementos do conjunto de elementos enunciados na premissa universal. Na máxima cartesiana, a premissa particular “eu penso” pertence ao conjunto das coisas que existem anunciadas na premissa universal porque o “Eu” é elemento das “coisas que pensam” e estas são elemento das “coisas que existem” (ver a Figura 1a). Por isso, a conclusão “Eu existo” é logicamente válida. Entretanto, se introduzíssemos uma pequena variação entre sujeito e predicado na premissa universal, não teríamos uma dedução logicamente válida. Vejamos o silogismo 2: Silogismo 2: PU: Tudo que existe pensa. PP: Eu penso. ------------------------------------DL: Eu Existo. A conclusão “Eu Existo”, nesse silogismo, não é logicamente válida porque o sujeito da proposição particular (i.e., o Eu) pode não ser elemento do conjunto das coisas que existem (ver a Figura 1b). O sujeito dessa proposição, embora possa ser elemento do conjunto das coisas pensantes, como está declarado na premissa particular, pode não ser elemento do conjunto das coisas existentes, o que invalida a dedução lógica. É o que acontece quando dizemos no discurso quotidiano que “isto não tem lógica”. Figura 1 – Representação gráfica das deduções do silogismo 1 (Figura 1a) e do silogismo 2 (Figura 1b). Psicologia social: temas e teorias 87 O raciocínio hipotético-dedutivo é muito importante, sobretudo, para as pesquisas orientadas pela teoria e cujo objetivo é estabelecer a validade de suas predições. Na prática, as hipóteses são previsões derivadas das teorias por via da dedução lógica. Nesse modo de raciocínio, o objetivo é encontrar observações particulares com base nas quais possa ser possível estabelecer a validade da dedução. Analisemos um exemplo recorrendo a uma teoria clássica na Psicologia Social – a Teoria da Frustração-Agressão (Dollard, Doob, Miller, Mowrer, & Sears, 1939/1967). Essa teoria estabelece a seguinte proposição universal: quando as pessoas estão frustradas, comportam-se de forma agressiva. Para simplificar, poderíamos dizer que “toda pessoa frustrada vai cometer uma agressão”. De acordo com os pressupostos do raciocínio hipotético-dedutivo, podemos, na base desse teoria, fazer previsões sobre o comportamento de pessoas particulares em situações específicas. Por exemplo, podemos prever que, se Pedro está frustrado porque foi reprovado em um teste, ele irá se comportar de maneira agressiva. O objetivo de uma investigação científica sobre esse ponto será verificar a validade dessa predição, por meio de observações particulares sobre os eventos atuantes no comportamento de Pedro. Para fazer isso, pode-se seguir, pelo menos, dois procedimentos diferentes. No primeiro, pode-se assumir uma postura contemplativa na qual são descritos os comportamentos e as condições atuantes nas pessoas observadas. Por exemplo, poderíamos observar Pedro depois que ele falhou em seu exame, e se ele mostrar tanto expressões de sentimentos de frustração como um comportamento agressivo, isto sugeriria que a frustração criada por seu fracasso poderia realmente ser a fonte de sua agressão. Um segundo procedimento seria adotar uma função mais ativa e realizar uma observação mais interventiva. Isto é, poderíamos criar, de forma deliberada, uma condição potencialmente frustrante para Pedro (por exemplo, poderíamos fazê-lo falhar em seu exame)2 e, em seguida, verificar se ele apresenta algum comportamento agressivo. Em qualquer caso, se as observações confirmassem a predição, isso implicaria que a teoria seria provavelmente correta. Caso contrário, sugeriria que a teoria estaria incorreta e precisaria ser modificada ou descartada. No entanto, como há limites para o raciocínio por indução, existem também questões a considerar sobre o processo dedutivo e a confirmação das previsões pela observação. a) Um raciocínio dedutivo válido pode gerar conclusões erradas se estiver baseado em premissas falsas. Em primeiro lugar, o fato de uma dedução ser “logicamente válida” não assegura a “veracidade” de uma conclusão. Voltemos ao exemplo sobre a observação do comportamento do sol, agora apresentado como um silogismo: PU: Tudo que sempre nasce no nascente e se põe no poente gira em torno da terra. PP: O sol sempre nasce no nascente e se põe no ponte. ----------------------------------------------------------------DL: O sol gira em torno da terra. 2 Isso, obviamente, levanta questões éticas que inviabilizariam a realização de um estudo com esse procedimento. 88 Pesquisa em psicologia social A conclusão “o sol gira em torno da terra” é logicamente válida neste silogismo. No entanto, não é verdadeira, porque a PU não é verdadeira. Isso significa que o raciocínio hipotético-dedutivo não deve ser, per se, uma fonte absolutamente fiável para o conhecimento. A força do raciocínio dedutivo está condicionada a duas proposições condicionais: “se as premissas forem verdadeiras” e a “dedução for logicamente válida”, a conclusão será verdadeira. Portanto, uma conclusão feita com base no raciocínio dedutivo pode ser logicamente válida e mesmo assim ser falsa se ao menos uma das premissas não for verdadeira. b) Uma conclusão logicamente válida e verdadeira pode ser baseada em premissa(s) falsa(s). Considere o seguinte silogismo: PU: Todos os homens são vegetarianos PP: Pedro é um homem ------------------------------------------------DL: Pedro é vegetariano. Se comparamos essa conclusão com os fatos, podemos descobrir que Pedro é, de fato, um vegetariano. No entanto, essa conclusão verdadeira foi alcançada com base em uma PU que é obviamente falsa. Esse é um outro limite do raciocínio dedutivo. Em termos da pesquisa científica isso significa que é possível fazer previsões corretas com base em uma teoria equivocada. Por exemplo, testando as previsões da teoria da frustração-agressão anteriormente referida, podemos observar que Pedro apresenta um comportamento agressivo depois de ter sido frustrado, o que confirma uma previsão baseada na teoria. Isso, no entanto, apenas sugere que a teoria pode estar correta, mas não necessariamente correta porque a agressão de Pedro poderia ser devida a outras causas. O fato de isso ter ocorrido depois da frustração pode ser apenas uma coincidência. É por isso que a confirmação das previsões de uma teoria apenas nos indica que essa teoria é provavelmente válida. Não nos informa sobre a sua prova em um sentido absoluto. Isso é semelhante ao “problema lógico” da indução que descrevemos anteriormente e constitui outro problema para a ideia positivista de que a diferença entre ciência e não ciência é que o conhecimento científico pode ser verificado por fatos observáveis. Na realidade, as teorias científicas sobre as entidades ou processos não observáveis nunca podem ser “verificadas” diretamente, mas apenas serem consideradas mais ou menos prováveis devido a suas implicações. Muitos cientistas admitem que as teorias científicas são apenas ferramentas conjunturais e temporárias utilizadas para entender e prever eventos observáveis. Também não há dúvida de que a quantidade de eventos observáveis que uma teoria pode explicar e prever é um fator importante na determinação do valor de uma teoria. No entanto, um dos problemas de uma visão positivista da ciência é que a “verificabilidade” de uma ideia não pode ser facilmente utilizada para demarcar claramente a diferença entre o conhecimento científico e o não científico. Na verdade, o fato de uma teoria ser capaz de fornecer previsões verificáveis não necessariamente a torna científica. Também é possível explicar e prever Psicologia social: temas e teorias 89 eventos observáveis com base em teorias consideradas não científicas pela maioria das pessoas (astrologia, por exemplo).3 2.1.5 A CIÊNCIA É BASEADA EM TEORIAS FALSIFICÁVEIS Karl Popper foi um filósofo que colocou em causa a visão positivista da ciência e a fé na verificação como critério de cientificidade. Ao fazer isso, ele propôs um critério alternativo de demarcação entre ciência e não ciência, chamado de ‘falseabilidade’. A sua pretensão foi resolver os limites associados com a simples confirmação empírica de teorias. Em poucas palavras, a sua ideia baseia-se na assimetria lógica que existe entre a confirmação e a desconfirmação das hipóteses científicas. Ele salientou que, embora nenhuma quantidade de confirmação prove uma teoria, uma única “desconfirmação” é suficiente para invalidá-la. Nessa base, ele argumentou que fazer previsões incorretas, ou pelo menos previsões que poderiam revelar-se incorretas, pode ser mais importante para a atividade científica do que fazer previsões necessariamente corretas. Uma abordagem poperiana caracteriza-se pela crença de que a observação empírica que caracteriza a ciência é guiada pela teoria, definida como um conjunto de conjecturas ou suposições especulativas e provisórias com o objetivo de propor explicações sobre a ocorrência de eventos ou as relações entre eles, explicações ainda não contempladas por teorias prévias. Popper (1963) argumentou que a teoria científica é sempre conjectural e provisória e que o mais importante não é olhar para os eventos que confirmam as predições, mas sim especificar as condições que poderiam por em causa ou refutar as hipóteses derivadas das teorias. A sua perspectiva é a de que não é possível avaliar uma teoria com base na mera verificação ou confirmação de suas predições. Assim, uma teoria para ser cientificamente válida deveria permitir que se derivasse, por meio do raciocínio hipotético-dedutivo, hipóteses falseáveis ou refutáveis. Uma hipótese é falsificável se for possível conceber qualquer evento observável que realmente possa refutar a hipótese. Como exemplo, analisemos a hipótese principal da teoria da frustração-agressão: todo comportamento agressivo é sempre causado 3 Podemos exemplificar essa questão usando o seguinte silogismo: PU: Todo virginiano é introspectivo. PP: Pedro é virginiano. ----------------------------------------------DL: Pedro é introspectivo. Ainda que a observação empírica mostrasse que, de fato, Pedro fosse virginiano e introspectivo, a cientificidade da teoria astrológica sobre a influência dos signos do zodíaco na personalidade das pessoas ainda não está assegurada. 90 Pesquisa em psicologia social por uma frustração no agente desse comportamento. Essa hipótese é falseável porque a observação de alguma frustração que não é seguida por um comportamento agressivo permite refutar a hipótese. No entanto, uma ligeira modificação introduzida por Miller e Bugelski (1941) nos mostra um cenário diferente. A modificação da teoria indica que, às vezes, a frustração causa um comportamento agressivo, mas nem sempre ocorre porque a frustração pode também encontrar ‘saídas’ alternativas e levar a outros tipos de comportamento. Para um popperiano, essa ligeira modificação teria retirado o caráter científico da teoria porque tanto a observação de um comportamento agressivo na presença de frustração como a ausência de comportamento agressivo confirmaria a hipótese e, portanto, a teoria não seria refutável. Como se pode deduzir, a verificabilidade de uma hipótese pode não ser, per se, critério fiável de cientificidade ou de fiabilidade de uma teoria. Uma boa teoria teria de ser capaz de propor premissas de amplo alcance sobre os fenômenos do universo com base nas quais fosse possível derivar hipóteses que pudessem ser refutáveis, mas, ao mesmo tempo, deveriam resistir à refutação sempre que fossem postas à prova. Nesse sentido, a validade de uma teoria deveria ser considerada transitória e historicamente situada porque seria válida até ser superada por uma teoria mais abrangente. Por ser provisória, uma explicação teórica não poderia ser considerada verdadeira. Apenas poderia ser considerada como a melhor conjectura até então apresentada. Assim, a produção do conhecimento, ou o progresso da ciência, seguiria um processo circular formado por conjecturas e refutações. A crença de que o conhecimento científico é produzido dessa maneira é a base do que definimos como a fé na autocorreção do conhecimento científico. Essa crença especifica que a característica central na ciência e a sua força está na possibilidade de uma teoria poder ser alterada ou mesmo superada por novas teorias quando as suas hipóteses são sistematicamente refutadas. A refutação de uma hipótese coloca novos problemas, para os quais são elaboradas novas conjecturas e derivadas novas hipóteses refutáveis visando a resolução desses problemas. E assim seguiria o ciclo normal da produção do conhecimento científico. As ideias de Popper, no entanto, foram também submetidas a críticas. Um problema importante é que, embora as ideias de Popper possam ser válidas de um ponto de vista lógico, a prática indica que se uma observação falsificar uma hipótese, o cientista nem sempre abandona a sua teoria. Os cientistas podem usar uma variedade de estratégias para permitir a salvaguarda da teoria. Por exemplo, eles podem questionar a fiabilidade dos instrumentos usados na observação, rever a hipótese sem modificar a teoria, introduzir novas condições de aplicações e assim por diante. Popper estava consciente da possibilidade de os cientistas usarem essas estratégias (que ele chamou “convencionalistas”), mas insistiu que o verdadeiro cientista é aquele que se recusa a usá-las. O problema, porém, é que existem demasiados casos de sucesso na história das ciências em que os cientistas agiram como “convencionalistas” e mesmo assim mostraram ter razão por não terem desistido das suas ideias, apesar de falsificações aparentes. Por exemplo, em seus primeiros dias, houve muitas observações que falseavam a teoria de Copérnico, mas isso não impediu que cientistas como Galileu, Newton e Kepler trabalhassem no refinamento da teoria e encontrassem novas provas, desenvolvendo explicações alternativas para refutarem falsificações aparentes da teoria. Foram necessários dois séculos para que a teoria fosse considerada válida. Psicologia social: temas e teorias 91 A história do desenvolvimento das diversas ciências mostra que o abandono ou a superação de uma teoria por outra não ocorre pelo simples fato de uma hipótese ser ou não refutada. A questão da relação entre refutação de hipóteses, superação de teorias e o progresso científico tem sido alvo de ampla discussão epistemológica, as quais também estão assentes em crenças sobre a natureza dos marcadores do progresso científico. Exemplo típico dessa discussão são as opiniões de Kuhn (1975) sobre a História da Ciência. Kuhn acreditava no caráter revolucionário do progresso da ciência e na possibilidade de uma revolução representar o completo rompimento com uma estrutura de produção de conhecimento por outra estrutura supostamente superior e incompatível com a sua precedente. Essas estruturas são metaforicamente chamadas “paradigmas”. Um paradigma é um conjunto de pressupostos metafísicos, teóricos, epistemológicos e metodológicos que são consensualmente adotados por uma comunidade de cientistas como bases seguras para a construção do conhecimento. Isso inclui suposições metafísicas sobre o tipo de “coisas” que compõem o mundo, pressupostos teóricos sobre o tipo de processos que causam eventos observáveis, orientações quanto às questões relevantes que devem ser feitas na ciência, normas e critérios epistemológicos de validade para fins de prova, bem como técnicas metodológicas de investigação e instrumentos de medida e observações. Em relação à discussão sobre as ideias de Popper, um aspecto importante levantado por Kuhn é o de que, quando os cientistas estão trabalhando com a ajuda de um paradigma, fatos empíricos que são incompatíveis com os pressupostos do paradigma (o que Kuhn chama de ‘anomalias’) são regularmente e rotineiramente ignorados, sem que o paradigma seja posto em causa. Na realidade, pode ser perfeitamente razoável um cientista não abandonar precipitadamente uma teoria. Especialmente em seus estágios iniciais, as teorias muitas vezes precisam ser “protegidas” contra falsificações implementando modificações e refinamentos. De fato, esse pode ser um mecanismo fundamental através do qual as teorias podem ser melhoradas. Essa possibilidade inviabiliza o critério da falsificação que Popper supunha distinguir os ‘verdadeiros’ dos ‘falsos’ cientistas. Por exemplo, Popper acusou os freudianos e os marxistas de não serem verdadeiros cientistas porque se esforçavam para proteger suas teorias da ameaça das falsificações. No entanto, essa estratégia também é utilizada por muitos que ele considerava ‘verdadeiros’ cientistas. Portanto, não se pode diferenciá-los com base apenas no critério de Popper. 2.1.6 A CIÊNCIA É BASEADA NO PROGRESSO E NA AUTOCORREÇÃO Agora que vimos diferentes teorias sobre a natureza da ciência (positivista, popperiana, kuhniana), podemos abordar outra característica que é também muitas vezes considerada como “a marca” característica da ciência: a sua promessa de garantir o progresso do nosso conhecimento. Na verdade, todas essas teorias defendem a ideia de que o conhecimento científico melhora ao longo do tempo e que isto é obtido por meio de tentativas e erros, e de mecanismos de autocorreção. No entanto, existem visões substancialmente diferentes sobre como esse progresso ocorre. 92 Pesquisa em psicologia social De acordo com uma visão positivista e indutivista da ciência, o processo através do qual o progresso do conhecimento científico ocorre pode ser representado em um esquema circular como o da Figura 2. Figura 2 – Representação hipotética do processo de elaboração do conhecimento científico. Para os positivistas, o ponto de partida da investigação científica seria a observação de eventos únicos (a caixa na parte inferior da Figura 2). Cada observação seria traduzida, ou retratada, na forma de dados. Podemos chamar “mensuração” o processo que representa a passagem da observação aos dados. A análise sistemática de dados particulares e o estabelecimento de associações entre eles nos permitiria derivar generalizações ou elaborar teorias sobre o comportamento dos eventos observados. O processo que representa a passagem das conjecturas teóricas à proposição de hipóteses é a dedução. A análise da validade da dedução pode ser feita por meio da observação e o processo que a representa é a verificação. Se a hipótese for confirmada, isso aumenta a probabilidade de a teoria ser verdadeira e abrange o seu domínio de aplicação. Se a observação não confirmar a hipótese, isto levanta a necessidade de alterar ou modificar a teoria. Em ambos os casos, novas hipóteses serão feitas e novas observações realizadas, e assim por diante em um ciclo que se repete indefinidamente. Assim, nessa perspectiva, o progresso do conhecimento científico ocorreria de forma gradual ao longo do tempo, em um processo cumulativo e cíclico. A visão falsificacionista da ciência também acredita no progresso científico, mas apresenta algumas diferenças substanciais no modo como se supõe que o progresso ocorra. Em primeiro lugar, o ponto de partida para um cientista não é a observação ‘bruta’ (i.e., sem teorias), mas a formulação de uma questão ou problema. Em segundo lugar, os cientistas propõem teorias provisórias e conjunturais que tentam resolver esse problema. Para fazer isso, eles precisam de usar a indução, porque teorias podem ser o resultado do raciocínio especulativo – na verdade, segundo Popper, esse esforço especulativo é essencial na ciência. Em terceiro lugar, as hipóteses que se deduzem da teoria não só devem ser logicamente válidas e passíveis de confirmação Psicologia social: temas e teorias 93 empírica, mas também devem ser falsificáveis. Finalmente, o progresso não acontece de uma forma cumulativa e linear, mas através de ‘saltos’ mais radicais de uma teoria para outra. Com efeito, uma teoria particular pode muito bem acumular muitas confirmações durante um longo período de tempo, mas ser descartada de repente com base em uma única falsificação e ser substituída por outra teoria muito diferente. Assim, nessa perspectiva, o conhecimento poderia ser obtido após um longo processo de eliminação sistemática cuja conclusão jamais terá um sentido absoluto. Do ponto de visto de Kuhn, o progresso científico pode seguir outro caminho. Segundo ele, há vários estágios no desenvolvimento da ciência. O primeiro é a fase pré-paradigmática (ou pré-científica), geralmente caracterizada pelo acúmulo de observações, mas sem um paradigma (ou com muitos paradigmas concorrentes) que permitem organizar e dar sentido a essas observações (por exemplo, as observações feitas por naturalistas sobre as espécies antes da aparição da teoria da evolução e da genética, as quais permitiram organizar e traçar relações entre famílias de espécies). Essa fase é seguida por uma fase paradigmática (ou de ciência normal), quando um paradigma dominante se impõe e se torna a ferramenta com a qual a maioria dos cientistas dentro de uma área trabalham. Nessa fase, o trabalho dos cientistas é tentar fazer tantas observações quanto possível e encaixá-las no paradigma. Se uma observação não se encaixar, o paradigma não é questionado, e sim a observação em si (e.g., pode ser descartada como irrelevante ou incompleta). Finalmente, a terceira fase, chamada de revolução paradigmática, acontece quando o paradigma começa a ser questionado por um número substantivo de cientistas. A área entra então em crise, caracterizada por controvérsias, discordâncias e a emergência de paradigmas alternativos competindo entre si. Apenas quando um dos paradigmas se torna dominante o curso normal da ciência é retomado. Portanto, nessa perspectiva, o progresso da ciência assume duas formas diferentes: um processo mais linear e cumulativo na fase de ciência normal; um processo de mudança mais radical durante as crises. No entanto, as opiniões de Kuhn não se confundem com as perspectivas positivista e falsificacionista. Existem diferenças importantes. Em primeiro lugar, na visão de Kuhn os problemas que os cientistas tentam resolver são determinados pelos pressupostos e ferramentas fornecidos pelo paradigma dominante durante a fase de ciência normal. Isso significa que os paradigmas excluem certas questões porque as definem como inadequadas para a investigação; um novo paradigma permite responder às questões que não puderam ser abordadas no paradigma precedente. Em segundo lugar, existe sempre um certo número de anomalias no interior de um paradigma, como evidências que falsificam os principais pressupostos teóricos do paradigma que são ignoradas quando não há crises. Em terceiro lugar, uma mudança de paradigma durante as crises não depende apenas de deficiências no paradigma existente, mas também da disponibilidade de um ou mais paradigmas alternativos. Ou seja, de novos pressupostos teóricos, mas também de novas ferramentas que permitam tratar novas questões. Assim, mesmo quando as anomalias são reconhecidas, um paradigma pode persistir quando não há outro para substituí-lo. 94 Pesquisa em psicologia social No entanto, essas três perspectivas compartilham a crença no progresso da ciência. Através de mecanismos de autocorreção e de tentativa e erro, a ciência é obrigada a melhorar o conhecimento do mundo ao longo do tempo. Essa crença tem uma forte atração. Permite o reconhecimento de que o conhecimento científico não é perfeito apesar de prometer que a investigação científica representa o melhor para o progresso contínuo de nosso conhecimento. No geral, a crença no progresso pode ser vista como uma das crenças mais fundamentais da ciência, dado que, por contraste com outros aspectos discutidos anteriormente (por exemplo, a crença na infalibilidade de fatos observáveis), parece ser partilhada por todos aqueles que acreditam no suposto status especial da ciência em relação às outras formas de conhecimento. 2.1.7 A CIÊNCIA NÃO É DIFERENTE DE OUTRAS FORMAS DE CONHECIMENTO Dadas as dificuldades encontradas na identificação de um critério para captar a especificidade da ciência, alguns filósofos chegaram à conclusão de que esta especificidade não existe. Não haveria base incontestável em que o conhecimento científico pode ser visto como mais válido do que outros. Questiona-se, também, se as mudanças no conhecimento científico ao longo do tempo representam, necessariamente, um progresso. Essa posição pode ser chamada “relativista”. Para compreendê-la, podemos voltar à visão de Kuhn sobre o progresso científico. Embora tenha refutado o relativismo e sustentado que uma mudança de paradigma representa um progresso na ciência, algumas das ideias que propôs podem representar uma abertura ao relativismo. Especificamente, ele ressaltou que a escolha entre paradigmas durante as crises não é definida apenas por seus méritos empíricos, ou seja, pela força da evidência observável que suporta cada um dos paradigmas opostos. Outros fatores interferem, por exemplo, um paradigma pode vir a ser favorecido pelos cientistas considerados autoridades em suas disciplinas, pela sua compatibilidade com as crenças (ideológicas, religiosas etc.) de outros cientistas e com as necessidades sociais da época. Na realidade, uma variedade de fatores psicológicos, sociais, políticos e ideológicos pode fazer com que os cientistas prefiram um paradigma ao outro. Mas se isso é verdade, como será então possível assegurar que um novo paradigma seja necessariamente melhor do que o precedente? Como será possível dizer que um paradigma oferece um conhecimento mais válido sobre o mundo objetivo do que um outro, se as decisões podem ser feitas com base em fatores subjetivos? Um filósofo que desenvolveu uma postura relativista para responder a essas questões foi Paul Feyerabend (1975), que sugeriu que o sucesso ou o fracasso dos paradigmas e teorias científicas é totalmente determinado por fatores ‘não científicos’. Fatores similares àqueles que levam uma pessoa a escolher uma religião e não outra, por exemplo. Isto é, crenças ideológicas ou gostos pessoais. Essa é a lógica que ele usou para explicar o sucesso de Galileu na polêmica astronômica entre a teoria de Ptolomeu (para quem os planetas e o Sol girariam em torno da Terra) e a teoria de Copérnico (para quem a Terra e os planetas girariam em torno do Sol). Mesmo Galileu teve de admitir que havia evidências observáveis para apoiar tanto a teoria de Ptolomeu quanto a teoria de Copérnico. Portanto, para Feyerabend, o que explicou o sucesso Psicologia social: temas e teorias 95 eventual de Galileu em convencer a comunidade científica foi menos a evidência empírica para sua posição do que o seu talento para comunicar as suas ideias (e.g., o fato de ele ter escrito em italiano, e não em latim) e suas técnicas de persuasão (e.g., ele ter organizado sessões públicas de observações telescópicas), bem como um clima ideológico no Renascimento mais aberto às novas ideias. O argumento é o de que a escolha entre teorias científicas é completamente determinada pelas condições sociais, políticas e ideológicas da época. Se as condições que favoreceram a refutação de uma teoria fossem outras, a crença sobre o que é científico e válido poderia ser diferente. Provavelmente o conhecimento considerado válido seria aquele proposto pela teoria refutada. É por isso que as ideias de Feyerabend representam uma perspectiva relativista radical sobre a ciência. No entanto, esse relativismo também foi sujeito a críticas importantes. Por exemplo, quando os relativistas apresentam os seus argumentos baseando-se em eventos históricos, tendem a ser seletivos e a se concentrarem em aspectos fracos, evitando os pontos fortes da ciência (Stengers, 2001). Assim, na sua leitura do caso de Galileu, Feyerabend se concentra na controvérsia astronômica e evita abordar as leis sobre o movimento. Essas leis foram confirmadas em experimentos realizados com bolas rolando ao longo de um plano inclinado e, mesmo naquela época, ninguém foi capaz de contestar a fiabilidade dos resultados obtidos. As objeções questionavam a sua relevância para a compreensão de movimentos complexos em ambiente natural, como os movimentos dos corpos celestes, mas não a sua interpretação. Embora tenham sido refinadas ao longo do tempo, as leis de Galileu sobre o movimento ainda são em longa medida consideradas válidas. Ainda não foi possível mostrar que são o mero produto de preferências pessoais, políticas ou ideológicas. Os fatores subjetivos e os talentos de comunicação de Galileu podem ter sido úteis para convencer os seus pares de que o movimento de bolas lisas a rolar ao longo de um plano inclinado eram relevantes para a compreensão de movimentos muito mais complexos dos corpos celestes, mas não para explicar os resultados dos experimentos em si. Assim, é possível reconhecer o papel-chave de fatores políticos, sociais e ideológicos na ciência sem necessariamente ter-se que adotar cegamente uma posição relativista radical. É possível que esses fatores sejam importantes, embora não expliquem tudo. Outra questão levantada aos relativistas radicais refere-se ao fato de que os filósofos da ciência ainda não identificaram um critério válido para a demarcação, e isto não significa que o conhecimento científico seja igual ao não científico. A dificuldade em identificar esse critério pode refletir mais uma deficiência da filosofia do que problemas com a natureza da ciência. Especificamente, de um ponto de vista relativista, não se pode supor que a filosofia da ciência seja necessariamente mais válida e confiável do que a ciência em si, e não se deve substituir a ciência como fonte incontestável de conhecimentos que possa validar ou invalidar as outras formas de conhecimento. Além disso, a ausência de demarcação pode indicar a possibilidade de efetivamente existirem várias maneiras de fazer ciência. Como sugere a posição de Kuhn, é possível que os critérios de validade e de fiabilidade do conhecimento científico mudem conforme a disciplina e/ou o paradigma no qual os cientistas trabalham. Podem haver formas diferentes de fazer ciência, cada uma com as suas características próprias. As- 96 Pesquisa em psicologia social sim, pode ser que a filosofia da ciência seja demasiada ambiciosa quando tenta reduzir a complexidade e diversidade das ciências a um critério fundamental que a demarque em relação às outras formas de conhecimento. 2.1.8 A CIÊNCIA É BASEADA NO CONSENSO E PORTANTO É UMA ATIVIDADE SOCIAL Há ainda outro aspecto fundamental na ciência que achamos pertinente discutir antes de abordarmos os aspectos mais técnicos da pesquisa científica. É a ideia de que a ciência é uma atividade fundamentalmente social. Os cientistas não trabalham sozinhos. Estão sempre envolvidos em atividades colaborativas com colegas que compartilham suas posições e se envolvem em controvérsias com outros cientistas que se opõem às suas ideias. Nenhum conhecimento científico é o resultado do trabalho de um cientista isolado. Isso é verdade mesmo quando olharmos as figuras ‘heroicas’ da ciência, como Copérnico e Galileu (que não representam o que é mais frequentemente praticado na atividade científica). A atividade colaborativa tende a ser considerada pouco relevante nos debates epistemológicos sobre a produção e validade do conhecimento científico. Geralmente, a questão do conhecimento é tratada como um problema particular entre um sujeito isolado e o mundo físico (a questão seria saber como o sujeito isolado pode obter conhecimento válido sobre o mundo). No entanto, as pesquisas realizadas pela Psicologia Social questionam esse pressuposto ao mostrar que formamos o nosso conhecimento olhando para o ambiente físico, mas também através das interações que mantemos com as outras pessoas (e.g., Festinger, 1954; Turner, 1991). O conhecimento científico é um exemplo típico dessas múltiplas fontes de validade do conhecimento. De fato, há ampla evidência de que a nossa crença na validade de um conhecimento depende do grau em que outras pessoas compartilham entre si esse conhecimento. Acreditamos na validade de uma crença à medida que essa crença é compartilhada por outras pessoas (i.e., pelo consenso, Goethals, 1976) que são diferentes de nós (i.e., a heterogeneidade, Vala et al., 2011). Por exemplo, uma pessoa pode estar convicta de que Deus existe porque a maioria das pessoas que conhece dizem crer na Sua existência. Mas esse papel do consenso na validade do conhecimento não é específico da religião. É uma importante fonte de validade do conhecimento em organizações científicas. Um exemplo característico é o fato de a União Astronômica Internacional ter declarado que Plutão não é um planeta no nosso sistema solar porque assim foi decidido pela grande maioria dos astrofísicos presentes em uma assembleia realizada em agosto de 2006 na cidade de Praga. Por outro lado, o dissenso é fonte de ameaça à validade do conhecimento, como o que ocorre com as opiniões dos astrônomos sobre Plutão. Ainda existem muitos especialistas na área que defendem que Plutão não deveria ser rebaixado à categoria de planeta anão. Parece-nos evidente, entretanto, que o consenso sobre uma crença não implica que esta seja, per se, verdadeira (ver, por exemplo, os estudos de Asch, 1952, sobre o conformismo). De fato, a história está repleta de exemplos sobre crenças consensuais em relação à validade de uma descrição relativa do que se acreditava ser a realidade, a Psicologia social: temas e teorias 97 qual o tempo mostrou não ser verdadeira. No entanto, também existem circunstâncias nas quais temos mais confiança em um conjunto de pessoas do que em indivíduos isolados, como quando são usados júris para examinar provas e deliberar em julgamentos. O consenso como fonte de validade do conhecimento não é específico da ciência e por isso não é um critério “demarcador” do conhecimento científico face ao não científico. No entanto, pode ser que uma das especificidades da ciência seja a forma como o consenso é estabelecido dentro das comunidades científicas. A atividade científica é caracterizada por uma organização social e procedimentos específicos que são modelados para criar consenso entre pessoas, apesar da heterogeneidade de perspectivas e interesses. Por exemplo, é comum na atividade científica que os resultados de novas pesquisas sejam submetidos ao escrutínio crítico da comunidade científica. As opiniões dos outros cientistas sobre o valor desses resultados podem ser influenciadas por fatores ‘não científicos’, tais como relações pessoais, crenças ideológicas, ou interesses financeiros. A seguir analisamos alguns aspectos mais ou menos pacíficos que caracterizam a lógica da pesquisa científica. 2.2 A NATUREZA DO PROBLEMA DE PESQUISA Na seção precedente discutimos os principais posicionamentos epistemológicos sobre os caminhos pelos quais o conhecimento científico pode ser obtido. Esses caminhos são “os métodos científicos”. Isto é, o conjunto de procedimentos definidos pelas diversas comunidades científicas, ao longo da história da ciência, que especificam a trajetória que uma pesquisa deve seguir para que lhe possa ser atribuído o estatuto de cientificidade. Fundamental nesses procedimentos é o papel desempenhado pelo problema de investigação. Podemos entender “problema” como uma dúvida sobre algum aspecto ou fenômeno de interesse em ramos específicos de uma área de aplicação da ciência. Como referido anteriormente, uma característica na ciência é a presença de uma dúvida fundamental: aquilo que observamos pode não ser tal como o vemos. É essa dúvida que motiva a colocação de problemas de pesquisa, sendo a tarefa do pesquisador propor uma solução, no caso das pesquisas orientadas pelo raciocínio hipotético dedutivo, ou encontrar uma resposta para o problema, no caso nas pesquisas orientadas pelo princípio da indução. Podemos definir um problema de pesquisa como uma pergunta ou o conjunto de perguntas sobre um fenômeno com potencial interesse para uma área ou domínio científico. Na psicologia social, as perguntas referem-se, evidentemente, ao que se denomina fenômenos psicossociais (ver o Capítulo 1 para uma discussão sobre a natureza desses fenômenos). Essas perguntas têm características específicas e a sua proposição obedece uma estrutura lógica que indicará o caminho (i.e., o método) que será necessário seguir para que a resposta à pergunta possa ser considerada adequada como solução possível para o problema. Com isto queremos dizer que nem toda pergunta é objeto de interesse da pesquisa em psicologia social. A seguir apresentamos alguns exemplos de perguntas sem a estrutura característica dos problemas de investigação normalmente propostos por psicólogos sociais: 98 Pesquisa em psicologia social a) devo me casar ou comprar uma bicicleta? b) ser, ou não ser? c) tanto fará indo como voltando? Essas questões, tal como estão formuladas, não são objeto de investigação científica porque lhes falta a estrutura específica das perguntas que caracterizam os problemas a serem solucionados por meio do procedimento que distingue os métodos científicos. Um aspecto fundamental para identificarmos essa estrutura é a noção de variável. Geralmente, uma variável é definida por meio de uma tautologia, quer dizer, uma coisa que varia. É assim definida para marcar a sua diferença em relação à constante, que pode ser especificada por outra tautologia: uma coisa que não varia. A Tabela 1 mostra exemplos de duas variáveis (os participantes e a idade) e de uma constante (o sexo dos participantes). Note, por exemplo, que a variável idade assume diferentes valores, os quais variam de 18 a 44. O sexo é uma constante porque assume apenas uma designação simbólica: a letra F, representando o sexo feminino. Tabela 1. Exemplo de duas variáveis e uma constante Participantes 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Variável: Idade 18 30 22 44 33 21 18 20 25 10 Constante: Sexo F F F F F F F F F F A relação variável-fenômeno pode ser melhor compreendida quando a colocamos no contexto da passagem da observação aos dados, como apresentamos na Figura 2. Naquela ocasião, argumentamos que a passagem da observação de eventos aos dados é denominada mensuração. Podemos aqui traçar um paralelo com essa representação propondo que uma variável é a representação simbólica de eventos ou fenômenos que são objetos de observação em uma pesquisa. Os dados são, portanto, o conjunto de informações que obtemos sobre os fenômenos. Essas informações são organizadas em variáveis. A noção de variáveis é muito importante em uma pesquisa científica, principalmente porque é o elemento estruturante do problema de investigação e, por consequência, da escolha do método a ser seguido para tentar encontrar uma resposta para o problema. Como já especificamos, um problema é uma pergunta. É, na verdade, um tipo particular de pergunta que envolve a presença de ao menos uma variável. O problema é, assim, uma pergunta sobre variáveis. Podemos organizar em quatro categorias as diversas maneiras por meio das quais elaboramos essas perguntas, que propomos como uma mera estratégia de simplificação, e as designamos Tipos de Problemas: Problemas do Tipo 1: Esse tipo de problema normalmente expressa uma dúvida sobre se um determinado fenômeno existe, ou ainda sobre as suas peculiaridades e características simbólicas. Situamos nesse tipo de problemas as perguntas sobre a presença, o grau, o nível ou a magnitude de um determinado fenômeno, assim como as perguntas sobre as suas características. Alguns exemplos podem ser: Psicologia social: temas e teorias 99 a) existe racismo no Brasil? b) quais são as representações sociais sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea? c) quais são as expectativas dos jovens sobre o seu futuro na sociedade atual? Essas três perguntas compartilham uma característica que as circunscreve como problemas de pesquisa. São questões sobre eventos ou fenômenos que podem ser descritos por meio da linguagem simbólica que definem o que chamamos variáveis. É a presença de uma variável passível de observação o marcador estrutural que diferencia os problemas de investigação dos problemas anteriormente levantados, os quais não são objetos de investigação porque a maneira como as perguntas tinham sido formuladas não explicitavam de forma clara e inequívoca a variável a ser observada. De fato, a pergunta sobre o racismo pode ser respondida por meio da observação sistemática de indicadores do conceito “racismo” (ver especialmente Vala & Pereira, 2012). O mesmo ocorre com as perguntas relativas às representações sobre as mulheres e as expectativas dos jovens na sociedade atual. A identificação e a descrição dessas representações e expectativas podem ser realizadas por qualquer pesquisador interessado no tema. Em cada caso, a descrição do racismo, das representações sociais e das aspirações dos jovens são representações simbólicas dos fenômenos em análise, isto é, são variáveis passíveis de observação. Problemas do Tipo 2: Definimos como problemas do Tipo 2 as perguntas sobre a relação ou a associação entre fenômenos. Dito de outra maneira, e considerando que a pesquisa científica estuda uma representação simbólica dos fenômenos (as variáveis) e não estes diretamente, podemos definir os problemas do Tipo 2 como perguntas sobre relações entre variáveis. Aqui temos alguns exemplos: a) existirá alguma relação entre o racismo e a oposição às políticas de ação afirmativa no Brasil? b) estará a discriminação contra as mulheres no local de trabalho associada às representações sociais sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea? c) quais são as relações entre os valores sociais e as expectativas dos jovens sobre o seu futuro na sociedade atual? Outra característica dos problemas do Tipo 2 é a ausência de proposições que especifiquem a natureza das relações entre as variáveis que se pretende estudar. Isto é, não questiona se uma variável antecede ou sucede outra variável. Também nem está baseada em qualquer suposição sobre possíveis relações causais entre variáveis. Com isso queremos dizer que as respostas para as perguntas desse tipo têm um foco específico. Tentam simplesmente identificar, normalmente por meio do raciocínio indutivo similar ao que apresentamos no debate epistemológico sobre a natureza do conhecimento se – ou não – duas ou mais variáveis estão relacionadas. Problemas do Tipo 3: Aqui destacamos um conjunto particular de questões sobre relações entre variáveis. São questões que envolvem implícita ou explicitamente algum tipo de previsão. Vejamos alguns exemplos: 100 Pesquisa em psicologia social a) estará o racismo na base da oposição às políticas de ação afirmativa no Brasil? b) estará a discriminação contra as mulheres no trabalho ancorada nas representações sociais sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea? c) são os valores pós-materialistas preditores das aspirações dos jovens sobre o seu futuro na sociedade atual? Essas três perguntas baseiam-se em alguma hipótese ou suposição sobre a natureza da direção entre as variáveis. Essa hipótese pode ser derivada de uma teoria formal ou mesmo baseada em algum tipo de raciocínio hipotético-dedutivo, mas não é necessário que seja derivada de uma teoria formal. Essas hipóteses guiam a seleção das variáveis a serem observadas e determinam a posição de cada variável em um esquema analítico geral. Esses problemas questionam em que medida uma ou mais variáveis podem atuar como possíveis antecedentes de outra ou de outras variáveis. Ao primeiro conjunto de variáveis, as quais assumem a posição de antecedentes, designa-se “variáveis preditoras” ou “variáveis explicativas”. O segundo conjunto de variáveis é designado “variáveis-critério”. Esse tipo de problema é frequentemente confundido com os problemas do Tipo 2. Apesar da estreita semelhança entre os dois tipos de perguntas, os problemas do Tipo 3 são diferentes dos do Tipo 2 porque implicam a proposição de alguma hipótese sobre a posição das variáveis em uma sequência analítica, mas sem se preocupar se existem relações de influência ou causalidade entre as variáveis. A primeira pergunta especifica o racismo como a variável explicativa (está na base) da oposição às políticas de ação afirmativa, que assume o papel de variável-critério. A segunda pergunta coloca as representações sociais sobre o papel da mulher como as variáveis explicativas (as âncoras) e a discriminação como a variável-critério. A terceira questão assume de forma explícita os valores como variáveis preditoras das expectativas dos jovens. Problemas do Tipo 4: Destacamos aqui um tipo especial de perguntas sobre relações entre variáveis também frequentemente confundidas com as questões do Tipo 2 e, principalmente, com as questões do Tipo 3. Aqui temos três exemplos: a) será que o racismo influencia a oposição às políticas de ação afirmativa no Brasil? b) será que a discriminação contra as mulheres no trabalho é influenciada pelas representações sociais sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea? c) são os valores pós-materialistas fatores causais das expectativas dos jovens sobre o seu futuro na sociedade atual? Embora as perguntas do Tipo 4 impliquem questões sobre relações entre variáveis como as do Tipo 2, e proposições sobre a posição das variáveis em um esquema analítico (i.e., variáveis preditoras e variáveis-critério), elas se caracterizam pela presença de uma dúvida específica sobre a natureza da relação entre as variáveis envolvidas no problema. Questionam, fundamentalmente, se existe uma relação causal entre as variáveis. Isto é, são problemas que perguntam se as variáveis preditoras representam possíveis causas ou se influenciam as variáveis-critério. Normalmente, esses conjuntos de variáveis são chamados de variáveis independentes (i.e., as variáveis preditoras Psicologia social: temas e teorias 101 assumidas como as causas) e variáveis dependentes (i.e., as variáveis-critério assumidas como os efeitos). São problemas que implicam, necessariamente, a proposição de uma hipótese sobre a direção da relação causal entre as variáveis. Essas hipóteses são, na maioria das vezes, baseadas em teorias formais, mas também podem ser simplesmente derivadas do raciocínio hipotético-dedutivo sem que estejam enquadradas em uma teoria formal. Muitas vezes as perguntas são especificadas em um vocabulário que apenas indiretamente implica uma relação causal, como são exemplos os problemas que questionam se uma ou mais variáveis independentes (i.e., as causas) influenciam uma ou mais variáveis dependentes (i.e., as consequências). O primeiro problema referido que exemplifica esse tipo de questão especifica o racismo como a variável independente e a oposição às políticas de ação afirmativa como a variável dependente. No segundo, as representações são as variáveis independentes e a discriminação contra as mulheres, a variável dependente. No terceiro, os valores assumem o papel de variáveis independentes, enquanto as aspirações dos jovens são as variáveis dependentes. A definição com clareza do problema de investigação é muito importante para a seleção do método de pesquisa mais adequado para que possamos encontrar uma solução para o problema. É este o objetivo principal de todo o trabalho de pesquisa: encontrar uma resposta plausível para o problema colocado. A seleção do método de pesquisa está relacionada com os fundamentos epistêmicos da pesquisa científica que discutimos na primeira parte deste capítulo. A resposta para a pergunta pode ser obtida por meio do uso de uma abordagem mais indutiva, por uma abordagem hipotético-dedutiva (ver novamente a Figura 2), ou por uma combinação de ambas. A articulação entre tipos de problemas colocados e abordagem (indutiva vs. dedutiva) permite ao pesquisador escolher de forma mais clara o método de pesquisa a ser usado para tentar resolver o problema, como discutiremos a seguir. 2.3 MÉTODOS DE PESQUISA Métodos de pesquisa podem ser compreendidos como os caminhos por meio dos quais podemos encontrar respostas plausíveis para os problemas de investigação levantados pelo pesquisador. Há duas grandes categorias de métodos de pesquisa, as quais podemos situar no contínuo que diferencia abordagens mais contemplativas de procedimentos mais interventivos, conforme exemplificamos anteriormente. Essas abordagens correspondem, respectivamente, a distinção entre métodos não experimentais e métodos experimentais de pesquisa. Discutimos agora as suas principais características. 102 Pesquisa em psicologia social 2.3.1 MÉTODOS NÃO EXPERIMENTAIS: CAMINHOS QUE NOS LEVAM A OBTER RESPOSTAS PARA OS PROBLEMAS DO TIPO 1, 2 E 3 Os métodos não experimentais constituem um dos caminhos através dos quais podemos obter informações sobre as variáveis envolvidas na maioria dos problemas de pesquisa. Seguir um desses caminhos permite ao pesquisador reunir um conjunto amplo de informações sobre o fenômeno de seu interesse, realizar uma análise profunda e pormenorizada da informação obtida, e propor uma compreensão geral sobre o fenômeno. Essa compreensão constitui a resposta para o problema inicialmente formulado. São estudos fundamentalmente observacionais no sentido em que o pesquisador apenas observa o fenômeno tal como se apresenta na natureza, procurando interferir o mínimo possível no desenrolar dos eventos em observação, ainda que esteja consciente de que o ato de observar não é plenamente contemplativo, pois a mera observação pode alterar o evento observado (Heisenberg, 1930). Exemplos de estudos não experimentais são a observação naturalista, a descrição etnográfica, o estudo de caso, as pesquisas de levantamento de dados, além dos estudos correlacionais. Observação naturalista. Temos aqui um exemplo de uma categoria de estudos que seguem um dos caminhos que nos permitem encontrar respostas para os problemas do Tipo 1. Uma estreita relação pode ser estabelecida entre esse método de investigação e os princípios da indução da pesquisa empírica. Quer dizer, o processo de elaboração das teorias parte da observação dos eventos tal como eles se apresentam no seu ambiente natural e, por meio do raciocínio indutivo, propõe-se uma compreensão geral sobre o fenômeno em si, o que é uma possibilidade para a elaboração e desenvolvimento de teorias. É um método de estudo importante porque permite-nos identificar fenômenos antes desconhecidos e para os quais ainda não tínhamos uma teoria formalmente proposta para a sua existência, nem hipóteses precisas sobre os seus fatores causais. São, portanto, estudos que estão pouco ou nada preocupados em estabelecer relações entre fenômenos, nem sobre possíveis relações causais entre eles. O objetivo é identificar, reunir e descrever informações relevantes sobre os fenômenos em observação, que servirão de inspiração para a proposição de teorias que colocam novos problemas de investigação, por exemplo, perguntas sobre como os fenômenos estão relacionados. Exemplo típico de observações naturalistas é a investigação realizada na área da etologia, como o estudo sobre o comportamento social de primatas em ambiente selvagem (e.g., Lorenz, 1973). Estudos etnográficos. A etnografia pode ser entendida como um caso particular de estudo, levantamento e descrição de dados em ambiente natural. Respondem também aos problemas do Tipo 1, mas a observação está fundamentalmente centrada nos eventos que ocorrem na vida de um grupo de pessoas, frequentemente referido como grupo cultural. A descrição centra-se, sobretudo, na caracterização do contexto social em que o estudo é realizado, dando especial atenção aos padrões de comportamentos dos indivíduos em interação com os outros membros do grupo e destes com o ambiente social situados em tempo e espaço específicos. Essa descrição é designada “escrita etnográfica”. O objetivo é, sobretudo, encontrar significados sociais nos padrões de comportamento dos membros do grupo e oferecer uma compreensão holística, articulada e fiel à realidade do fenômeno em análise (ver Tedlock, 2000). Um exemplo Psicologia social: temas e teorias 103 desse tipo de estudo é a investigação realizada por Mead (1935/2000) em três povos de Nova Guiné que mantinham diferentes padrões de relações de gênero, a partir dos quais discutiu os limites das representações tradicionais sobre os papéis sociais atribuídos ao homem e à mulher nas sociedades ocidentais. Embora esse estudo tenha sido conduzido no âmbito da antropologia cultural, é frequentemente referido na psicologia social brasileira como um bom relato de pesquisa sobre as relações culturais. Estudos de caso. Outro tipo particular de estudos não experimentais são os estudos de caso. Permitem ao pesquisador fazer um levantamento de um grande número de observações sobre um caso particular. Pode ser o estudo dos eventos que ocorrem na vida de um indivíduo, de um grupo de indivíduos, de uma empresa. A sua característica principal é a análise de um fenômeno singular observado em situações reais da vida quotidiana do caso em estudo (ver, especialmente, Stake, 1995). São estudos normalmente planejados para responder a perguntas do Tipo 1 e, portanto, não têm a pretensão de encontrar causas para os fenômenos nem generalizar os resultados para além do caso em observação. Em situações muito particulares, podem responder a problemas do Tipo 2, mas as conclusões limitam-se ao caso em estudo e não devem ser generalizáveis para o conjunto da população da qual o caso faz parte. São, entretanto, extremamente úteis para a descoberta e descrição de fenômenos particulares, que podem servir como pontos de partida para a proposição de problemas mais complexos sobre relações entre variáveis na população. Um exemplo clássico de estudo de caso na psicologia social é a investigação realizada por Festinger, Riecken e Schachter (1956) sobre como os membros de um seita religiosa cujo líder havia profetizado o fim do mundo reorganizaram as suas crenças sobre a profecia após essa não ter se confirmado. Levantamento de Dados. Outro exemplo de estudos observacionais é a pesquisa de levantamento de dados. São estudos nos quais o pesquisador tem o objetivo de recolher o maior número possível de informações sobre as características de uma variável (ou de um conjunto de variáveis) em uma grande população. As observações são, geralmente, realizadas em uma parte dessa população, a qual se designa amostra. Dependendo dos procedimentos usados na definição da amostra, as observações realizadas poderão ser generalizadas para o conjunto dos indivíduos que formam a população dos casos em observação. Estudos relacionais. Um dos mais conhecidos tipos de estudos não experimentais realizados pelos psicólogos sociais são aqueles em que o pesquisador pretende observar a relação entre duas ou mais variáveis. São estudos frequentemente denominados “correlacionais”. Esse método é um tipo específico de estudos observacionais no qual o objetivo é “observar” a relação entre variáveis. Estudos correlacionais podem ser definidos como qualquer estudo em que o pesquisador observa duas ou mais variáveis com o objetivo de responder a problemas do Tipo 2 ou do Tipo 3. Como nos estudos de levantamento naturalísticos, os estudos correlacionais permitem-nos observar os fenômenos e representá-los simbolicamente em variáveis tal como se apresentam para o pesquisador. Diferente do levantamento das informações sobre as variáveis, o que se pretende observar é se existem relações entre as variáveis, a força e a direção dessas relações. 104 Pesquisa em psicologia social Os métodos de estudos não experimentais, especialmente os correlacionais, são muito eficazes para responder às questões do Tipo 2 e do Tipo 3. No entanto, esses métodos não nos permitem responder às questões do Tipo 4, exceto em raríssimas situações quando são usados em estudos de corte longitudinal (ver Blalock, 1964), como discutiremos mais adiante. Isto ocorre porque as questões sobre relações de influência ou que implicam algum tipo de causalidade são respondidas apenas quando são reunidas três situações consideradas condições necessárias para responder às questões do Tipo 4. Essas condições foram especificadas por Kenny (1979) nos seguintes termos: a) Antecedência temporal: para que uma variável X possa ser uma causa de uma variável Y é necessário que X anteceda Y em uma linha temporal. Isso significa assumir um intervalo de tempo entre causa e efeito, de modo que se t = tempo e k > 0, Xt pode ser causa de Yt +k, mas Yt +k não pode ser causa de Xt porque isto violaria o princípio da precedência temporal. No entanto, Yt pode ser causa de Xt+k, assim como, em uma relação causal recíproca ou circular, Xt pode ser causa de Yt+k, que por sua vez pode ser causa de Xt + kn, sendo n > 0. b) Relacionamento entre variáveis. Embora a antecedência temporal seja condição necessária para a causalidade, não é suficiente. É necessário haver alguma relação entre as variáveis X e Y, de modo que esta relação não seja devida ao acaso. Duas variáveis são relacionadas quando o conhecimento sobre uma das variáveis fornece informação sobre a outra variável. Se as informações sobre uma variável X nada nos informam sobre uma variável Y, então essas variáveis não são relacionadas. Nessas condições, não há a possibilidade de X ser causa de Y. É nesse sentido que a presença de uma relação entre as variáveis é condição necessária para a causalidade. Essa condição é confirmada ou invalidada em uma investigação quando o pesquisador analisa a informação obtida. É, portanto, o resultado obtido em uma pesquisa. c) Ausência de relações espúrias. Imaginemos uma pesquisa na qual contabilizássemos o consumo de sorvete nas cidades com praia durante todos os dias entre os meses de janeiro e junho do ano de 2000. Facilmente verificaríamos maior consumo de sorvete nos meses de janeiro, fevereiro e março (os meses mais quentes) do que em abril, maio e junho (os meses menos quentes). Imagine que dez anos depois iniciássemos outro projeto de pesquisa e anotássemos a quantidade de pessoas vítimas de afogamentos nas praias dessas cidades entre janeiro e junho de 2010. Nessa ocasião poderíamos verificar mais casos de afogamentos entre janeiro e março do que entre abril e junho. Se emparelhássemos as informações, facilmente verificaríamos a ocorrência de uma associação considerável entre o consumo de sorvete em 2000 e o número de afogamento em 2010. Quer dizer, teríamos assegurando a antecedência temporal e a verificação de um relacionamento entre as variáveis X (consumo de sorvete) e Y (afogamentos). Será que poderíamos afirmar que o consumo de sorvete em 2000 é um fator causal dos afogamentos em 2010? Esse exemplo pitoresco nos ajuda a compreender porque a associação e a antecedência temporal entre X e Y são condições necessárias, mas não suficientes para a inferência de relações causais entre variáveis. A terceira condição necessária é a ausência de relação espúria entre as variáveis envolvidas no problema em investigação (ver também Suppes, 1970). No Psicologia social: temas e teorias 105 nosso exemplo, a relação entre consumo de sorvete e o afogamento é espúria. Existirá uma relação espúria entre as variáveis X e Y quando ambas forem causadas por uma terceira variável, a qual podemos designar variável Z.4 No exemplo em questão, essa variável pode ser a estação do ano. Nos meses mais quentes há aumento no consumo de sorvete e, ao mesmo tempo, maior é o fluxo de pessoas nas praias, o que aumenta a probabilidade de alguém ser vítima de afogamento. Se controlássemos a influência que a estação do ano exerce em X (o consumo de sorvete) e em Y (as taxas de afogamento), a relação sorvete-afogamento desapareceria. Como podemos notar, é tarefa difícil realizar um estudo por meio de um caminho que nos permita assegurar as três condições necessárias para obtermos uma resposta adequada para os problemas do Tipo 4. A seguir, apresentamos o método experimental como um caminho que pode nos aproximar dessas respostas e, em seguida, discutiremos em que condições a aplicação de estudos não experimentais também pode nos aproximar das respostas para esse tipo de problema. 2.3.2 MÉTODOS EXPERIMENTAIS: CAMINHOS QUE NOS LEVAM A OBTER RESPOSTAS PARA OS PROBLEMAS DO TIPO 4 O método experimental é um dos caminhos através dos quais um tipo específico de pergunta pode ser respondido. Esse método é eficaz apenas para responder a perguntas do Tipo 4. São perguntas sobre relações causais entre variáveis.5 A sua principal limitação é, portanto, a sua ineficácia para responder aos outros tipos de problemas de pesquisa. Os estudos experimentais têm duas características essenciais: manipulação e aleatorização. Manipulação da variável independente: podemos definir manipulação como fazer coisas diferentes em distintos grupos de pessoas, ou fazer coisas diferentes em um mesmo grupo de pessoas, mas em distintos momentos do tempo. No primeiro caso, o desenho do estudo será entre-participantes porque a variável manipulada variará entre grupos de pessoas. No segundo caso, o desenho será intraparticipantes porque a variável será introduzida em todos os participantes, mas variará em função do tempo de aplicação. Os desenhos intraparticipantes também são designados experimentos 4 Uma variável fonte de “espuriosidade” não pode ser confundida com uma variável interveniente. Entanto uma variável espúria Z é causa simultânea de X e Y, a qual quando controlada reduz a associação entre X e Y; uma variável interveniente é consequência de X e é causa de Y, embora também, quando controlada, reduza a associação entre X e Y. 5 É importante ter em conta que o emprego do método experimental não é condição necessária nem suficiente para que a resposta às questões do Tipo 4 seja adequada. É não necessária porque esse tipo de questão pode igualmente ser respondida por meio de estudos não experimentais quando adequadamente usados em investigações de corte longitudinal. É não suficiente porque a sua eficácia está baseada em um pressuposto fundamental que normalmente é negligenciado nos manuais sobre metodologia experimental: a inferência sobre relações causais entre variáveis em um estudo experimental é possível se e somente se a variável dependente for medida sem erro ou se este for completamente aleatório, pressuposto difícil de ser assegurado nas ciências sociais. Na melhor das hipóteses, verifica-se em um número ínfimo de estudos, como discutiremos mais adiante. 106 Pesquisa em psicologia social em que os sujeitos (ou a unidade de análise) são seu próprio controle. Muitos experimentos usam desenhos mistos, nos quais uma ou mais variáveis são manipuladas entre-participantes e outras intraparticipantes. A manipulação é uma condição necessária para que um estudo possa ser considerado um experimento, mas não é suficiente. Necessita de ser complementada pela aleatorização. Aleatorização: a segunda característica dos estudos experimentais é a aleatorização das unidades de análises em função das condições experimentais. A aleatorização pode ser definida como a seleção ao acaso das unidades de observação que receberão níveis diferentes da variável independente, de modo que cada unidade tenha a mesma probabilidade de ser alocada a uma condição/nível da variável independente. Na maioria dos estudos experimentais realizados pelos psicólogos sociais, a unidade de análise é o indivíduo e a aleatorização consiste em alocá-lo ao acaso em um dos grupos que receberá um nível específico da variável a ser manipulada (no caso dos desenhos entre-participantes), ou consiste em aleatorizar a ordem de apresentação dos estímulos que representam os níveis da variável manipulada (no caso dos desenhos intraparticipantes). A aleatorização é uma condição necessária em um experimento porque permite manter constante o efeito de outras variáveis que poderiam influenciar a variável dependente, evitando que se confunda com a influência exercida pela variável independente. Com a aleatorização, o pesquisador tenta assegurar a ausência de espuriosidade na relação entre a variável independente e a variável dependente, condição necessária para que se possa considerar que a relação entre essas variáveis é uma relação causal. Exemplos de experimentos são os estudos clássicos realizados por Vygotsky (1934/1987) sobre a influência das condições do contexto social no desenvolvimento do pensamento e da linguagem nas crianças, experimentos que são a base de uma abordagem sócio-histórica na Psicologia Social. Em um desses experimentos, Vygotsky formou aleatoriamente quatro grupos de crianças, sendo três grupos experimentais e um grupo de controle. Em um dos grupos experimentais, as crianças interagiam com crianças surdas e mudas. Em outro grupo experimental, as crianças foram separadas umas das outras, sendo colocadas em locais separados de uma sala. Na terceira condição experimental, as crianças foram colocadas em uma sala demasiado barulhenta, onde não era possível escutarem umas às outras. No grupo de controle, as crianças foram colocadas em uma situação de interação normal. Em cada condição, Vygotsky observou a interação verbal das crianças com base na qual calculou um coeficiente de fala egocêntrica (i.e., a variável dependente). Os resultados mostraram que esse coeficiente era menor nas condições experimentais do que na condição de controle. Nesse exemplo, o fato de Vygotsky ter colocado as crianças em grupos diferentes representa a manipulação da variável independente que, neste caso, foi o contexto de interação social, o que lhe permitiu assegurar o primeiro critério da experimentação. A alocação aleatória das crianças nos grupos experimentais atende ao segundo critério da experimentação. A fala egocêntrica foi a variável dependente. A importância dos estudos experimentais baseia-se na possibilidade de assegurarem duas das três condições necessárias para a inferência sobre a ocorrência de relações causais entre variáveis. Em primeiro lugar, os experimentos garantem a ante- Psicologia social: temas e teorias 107 cedência temporal da variável independente porque o ato de manipular esta variável significa que o pesquisar está ativamente introduzindo essa variável em um determinado momento do tempo (i.e., ele introduz Xt), de modo que a observação do efeito dessa manipulação na variável dependente poderá ser realizada em um momento subsequente na linha temporal (i.e., ele observa Yt+1). Em segundo lugar, a aleatorização das unidades de análise permite que se mantenham constantes os efeitos de outras variáveis que são potenciais fontes de influência na variável dependente. Um exemplo pode nos ajudar a entender melhor como a manipulação com aleatorização permite responder a problemas que envolvem relações de causalidade. Supomos que queiramos saber se frustração causa agressão. Em um primeiro estudo (ver a Figura 3a) submeteríamos quatro pessoas a uma situação frustrante (como, por exemplo, prometer dar-lhes uma recompensa pela realização de uma tarefa e não cumprir o que foi prometido) e outras quatro pessoas a situações não frustrantes (como, por exemplo, não lhes prometer recompensas). O primeiro grupo designaríamos grupo experimental (i.e., indivíduos “frustrados”) e o segundo grupo de controle (i.e., indivíduos “não frustrados”. Nesse estudo não aleatorizamos as unidades de análise nas condições, isto é, não sortearíamos quais as pessoas que iriam formar os grupos experimental e de controle. Temos então um estudo quase-experimental. Um quaseexperimento pode ser definido como um estudo em que há a manipulação da variável independente, mas não é possível aleatorizar as condições experimentais. Em seguida, observamos o comportamento das oito pessoas para saber se existem diferenças entre os grupos (experimental vs. controle) na variável dependente, que poderia ser a quantidade de comportamentos agressivos contra a fonte de frustração. Vamos imaginar que o grupo experimental tenha apresentado 12 comportamentos agressivos (cada participante emitindo três comportamentos), enquanto o grupo não experimental tenha apresentado apenas quatro desses comportamentos (um por participante). O grupo experimental teria, então, exibido oito comportamentos agressivos a mais do que o grupo de controle. Poderíamos, então, concluir que a frustração provocada no primeiro grupo influenciou a agressão? A verdade é que não temos como responder a essa questão porque outras variáveis diferentes da frustração podem igualmente ser fontes de influência na agressão, as quais não nos preocupamos em controlar essa influência. Uma importante fonte de influência, diferente da frustração, poderia ser a predisposição das pessoas para a agressividade (i.e., a sua tendência para reagir de forma agressiva em qualquer situação). Devido ao fato de não termos definido aleatoriamente os grupos é perfeitamente possível que tenhamos selecionado para o grupo experimental apenas indivíduos com alta tendência à agressividade, e para o grupo de controle apenas indivíduos com baixa agressividade. A Figura 3a (grupos não aleatórios) representa essa situação. Notemos que ao comparar a quantidade de comportamentos agressivos cometidos pelos indivíduos com maior vs. menor tendência à agressividade verificamos que a diferença entre os grupos é igual a oito comportamentos, a mesma diferença entre “frustados vs. não frustrados”. Isso significa que é impossível determinar se a diferença entre os grupos é devida à frustração, à agressividade ou a uma combinação entre ambas. Portanto, em um estudo em que há a manipulação da variável independente, mas não há 108 Pesquisa em psicologia social a aleatorização das unidades de análise, é impossível responder de forma adequada aos problemas do Tipo 4. Figura 3 – Exemplos hipotéticos de estudos com grupos aleatórios e não aleatórios. 2.3.2.1 Desenhos experimentais unifatoriais O que teria acontecido se tivéssemos definido os grupos de forma aleatória? Vamos recorrer a outro exemplo para responder a essa questão. Suponhamos que teríamos realizado outro estudo (ver a Figura 3b, grupos aleatórios) com oito novos indivíduos alocando-os ao acaso a um dos grupos: grupo experimental (os indivíduos a serem submetidos à frustração) e grupo de controle (indivíduos não submetidos à frustração). Esse é um exemplo típico de um experimento cujo desenho é referido como unifatorial porque apenas uma variável independente é manipulada. Nos estudos experimentais, as variáveis independentes são normalmente referidas como fatores. O importante aqui é o estatuto atribuído à aleatorização. Quando essa é adequadamente realizada (e.g., quando a composição dos grupos é definida por meio de sorteio) temos um bom indicador de que os grupos são equivalentes. Isto é, cada grupo (ou condição da variável independente) tem as mesmas características dos outros grupos em análise (i.e., os indivíduos do grupo experimental têm as mesmas características dos indivíduos do grupo de controle). No presente exemplo, podemos notar que a quantidade de pessoas com alta e com baixa predisposição para a agressividade é a mesma em ambos os grupos, ou seja, é constante entre os grupos. É esse o efeito da aleatorização: todas as características das pessoas são mantidas constantes entre os grupos, com a exceção da variável manipulada. No nosso exemplo, os grupos diferem apenas na frustração a que os membros do grupo experimental foram submetidos. Psicologia social: temas e teorias 109 A Figura 3b mostra também o que acontece quando a variável independente é fonte fiável de influência sobre a variável dependente. Nesse caso, a diferença no número de comportamentos agressivos também é igual a oito (o grupo experimental = 12; o grupo controle = 4). Essa diferença representa a influência da frustração manipulada no comportamento agressivo, e isto é robusto porque o efeito de todas as outras variáveis que poderiam também influenciar esse comportamento está “controlado”. A noção de controle é especialmente relevante aqui e não deve ser confundida com o fato de o estudo incluir um grupo de controle. Este grupo é apenas uma referência para comparação, mas a sua presença não controla a influência de outras variáveis, como demonstramos no exemplo do estudo com grupos não aleatórios. É importante enfatizar a ideia implicada no controle da influência de outras varáveis. Significa manter constante o efeito que representa a influência de todas as outras variáveis que poderiam estar relacionadas com a variável dependente. Especificamente, assegura que essa influência é igual a zero. De fato, no presente exemplo, a diferença no número de comportamentos agressivos entre os grupos devido à variável “tendência à agressividade” é igual a zero, pois a quantidade de indivíduos com maior tendência à agressividade no grupo experimental é a mesma do grupo de controle. Assim, em um estudo verdadeiramente experimental (i.e., quando há manipulação e aleatorização das unidades de análises) a influência das outras variáveis é mantida constante em zero. Assegura-se assim a terceira condição necessária para responder aos problemas que envolvem relações de influência e de causalidade entre variáveis: ausência de relações espúrias entre a variável independente e a variável dependente. Isso ocorre porque a diferença entre os grupos experimental e controle é devida apenas à variável manipulada à medida que o efeito de outras variáveis é mantido constante em zero. 2.3.2.2 Desenhos fatoriais Os fenômenos de interesses dos psicólogos sociais são complexos, na maioria das vezes, e a sua compreensão requer a análise de múltiplas fontes de influência. Isso significa que estudos experimentais, como o exemplo supracitado que analisamos, pouco contribuem para essa compreensão na medida em que leva em conta apenas um desses fatores. Por esse motivo, a análise dos fenômenos psicossociais requer o uso de desenhos experimentais que considerem mais do que uma fonte de influência. Isso ocorre, por exemplo, quando é necessário verificar se duas ou mais variáveis independentes interagem para influenciar a variável dependente. Esses experimentos empregam um procedimento designado desenho fatorial. A utilidade dos desenhos fatoriais é a possibilidade de verificarmos a influência de cada variável manipulada, assim como o efeito combinado de ambas variáveis na variável dependente. Os efeitos específicos de cada variável são designados efeitos principais. A influência combinada dessas variáveis é chamada efeito de interação. Para ilustrarmos a utilidade dos efeitos de interação, imaginemos que tivéssemos realizado um terceiro estudo no qual manipulássemos duas variáveis: a frustração; e a fonte da frustração. A teoria prevê que a frustração causa agressão contra quem 110 Pesquisa em psicologia social provocou a frustração, mas quando essa fonte não pode ser contestada (como quando a fonte é mais forte ou tem mais poder do que a pessoa frustrada), a agressão é suprimida (ver Berkowitz, 1989). Assim, a teoria propõe uma hipótese que implica um efeito de interação entre a frustração e o poder da fonte dessa frustração porque prevê que a influência da frustração na agressão varia consoante as características da fonte de frustração. Isto é, a agressão depende da combinação das duas variáveis atuarem simultaneamente, e isto requer um desenho fatorial para que o estudo tenha as condições mínimas necessárias para responder ao problema de pesquisa levantado. A Figura 4 mostra os resultados hipotéticos de um efeito de interação onde se observa que os indivíduos submetidos a uma situação de frustração (grupo experimental) emitiram mais comportamentos agressivos, mas apenas quando a fonte da frustração (e.g., um parceiro do pesquisador instruído a não cumprir a promessa de recompensar o participante) foi apresentada como uma pessoa com menos poder do que os participantes. Quando a fonte foi descrita como uma pessoa mais poderosa, a frustração não desencadeou comportamentos agressivos contra essa fonte. Figura 4 – Exemplo hipotético dos resultados de um estudo com efeito de interação. 2.3.2.3 Ameaça à validade dos experimentos Embora a experimentação seja um dos principais caminhos para responder aos problemas de investigação sobre relações de influência entre variáveis, o fato de realizarmos um estudo experimental não nos assegura que a relação ocorra da maneira proposta. Isto é, a experimentação não é fonte plenamente fiável de respostas para os problemas do Tipo 4. É necessário assegurar a validade de vários aspectos inerentes ao conjunto dos procedimentos que se emprega em um experimento. Normalmente essa validade é classificada em dois tipos: validade interna e validade externa. A validade interna se refere ao controle de aspectos que de um ponto de vista lógico possam por em causa a inferência de que existe uma relação causal entre as variáveis. A prin- Psicologia social: temas e teorias 111 cipal dessas fontes é a possibilidade de as condições experimentais não serem completamente equivalentes. Apesar da aleatorização permitir que se assuma a equivalência entre condições, essa pressuposição está baseada em leis de probabilidade que se baseiam no seguinte princípio: à medida que as unidades de análise tendem ao infinito, maior é a probabilidade de a aleatorização assegurar a equivalência entre os grupos. A limitação aqui é evidente. Os estudos experimentais são realizados com número limitado de observações e, portanto, a equivalência não pode ser assegurada em definitivo, o que não nos permite excluir a hipótese de a relação observada entre as variáveis não ser espúria, o que sempre deixa em aberto a possibilidade de essa relação ser confundida com o efeito de uma variável não equivalente entre as condições experimentais. Outra fonte de ameaça à validade em uma experimentação é a dissociação entre o nível manifesto em que o pesquisador trabalha e o nível latente ao qual as suas conclusões se referem (ver especialmente Bollen, 1989). A Figura 5 mostra um exemplo da dissociação entre o que é efetivamente realizado e o que é teorizado nos estudos experimentais conduzidos na quase totalidade das pesquisas que usam a experimentação na psicologia. O que é efetivamente realizado se passa no nível manifesto. O que é teorizado e concluído se refere ao nível latente. O exemplo indica que em um estudo sobre a influência da frustração na agressão, o pesquisador manipula a frustração ao nível manifesto (e.g., não cumprindo a promessa de recompensa no grupo experimental) e depois observa a variável dependente, isto é, a quantidade de eletrochoques que os participantes acreditam aplicar em uma pessoa que supõem ser a fonte de frustração. O ponto crítico a se ter em conta aqui é a inferência que o pesquisador faz sobre o passo β a partir do passo b. A letra β representa a influência da variável independente (frustração) na dependente (agressão), influência prevista para ocorrer no nível latente. A letra b representa a influência que é realmente observada no nível manifesto. O pesquisador assume existir um isomorfismo entre β e b. Isto é, acredita que o que ele observa em b é o mesmo que ocorre em β. Para que essa inferência seja adequada, é necessário assumir como válidos dois pressupostos. O primeiro é o de que o procedimento usado na manipulação da variável independente ao nível manifesto corresponda à manipulação dessa variável ao nível latente. Essa passagem de nível é simbolizada na Figura 5 pela letra α e representa o problema da validade de construto da manipulação. O pressuposto é o de que o procedimento usado na manipulação ao nível manifesto (e.g., a aplicação de eletrochoques) faz variar a frustração ao nível latente. É importante notar a assimetria temporal entre os processos latente e manifesto. No nosso exemplo, a frustração ao nível latente é ativada em um ponto temporal que ocorre necessariamente depois do procedimento usado na manipulação no nível manifesto. Normalmente, o pesquisador procura alguma base empírica para sustentar esse pressuposto usando uma verificação da manipulação em que analisa se o procedimento que empregou afeta uma variável assumida como uma medida mais próxima da variável manipulada, tal como perguntando aos participantes se eles se sentem frustrados. O segundo pressuposto é o de que a observação da variável dependente ao nível manifesto (i.e., a quantidade de socos e pontapés) é uma medida válida e fiável dessa variável ao nível latente (i.e., a 112 Pesquisa em psicologia social agressão). Essa passagem de nível é simbolizada por θ e representa o problema da validade de construto da medida da variável dependente, isto é, em que medida o que se observa no nível manifesto mede o que se pretende avaliar no nível latente. O ramo da psicologia responsável por analisar esse aspecto do processo é a psicometria em que se tem obtido avanços significativos nesse domínio. Figura 5 – Representação esquemática dos pressupostos de um estudo experimental. A ameaça à conclusão de que existe uma relação causal entre as variáveis em um estudo experimental é evidente. A ameaça é perene porque a conclusão está baseada em pressupostos que podem não ser passíveis de serem confirmados nas ciências sociais, por exemplo, a necessidade de um isomorfismo entre o procedimento usado na manipulação no nível manifesto e o que se pretende manipular ao nível latente. É altamente provável que os procedimentos usados na manipulação ativem outras variáveis para além da variável que se pretende manipular. É uma forma diferente de se falar do problema da equivalência entre as condições experimentais, problema este não solucionável por meio da aleatorização porque a ativação da variável latente ocorre em um momento subsequente ao ponto temporal em que a manipulação foi realizada no nível manifesto. Isto é, essa manipulação pode ativar outros fatores além da variável latente de interesse teórico. Um exemplo clássico, e relativamente comum na experimentação, é a possibilidade da manipulação informar implícita ou explicitamente aos participantes sobre a verdadeira hipótese que o pesquisador deseja testar e assim os motivar para ajudarem a confirmar essa hipótese ou, ao contrário, para se mostrarem não influenciáveis, controlando as suas reações com o objetivo de não confirmar a hipótese. Essa é apenas umas das fontes de ameaça que é conhecida como características de demanda. Uma lista exaustiva de fontes de ameaça à validade interna dos experimentos pode ser encontrada em Campbell e Stanley (1966), assim como Psicologia social: temas e teorias 113 sugestões no sentido de atenuar os seus efeitos. É importante destacar que a presença perene dessas fontes de ameaça não retira a capacidade da experimentação responder aos problemas sobre relações causais, na medida em que a inferência sobre essas relações poderá ser válida no nível manifesto (i.e., não recompensar quando prometido pode influenciar a atribuição de eletrochoques), embora possa ser completamente inválida no nível latente (i.e., a relação entre frustração e a agressão pode ser espúria). Para além das dúvidas sobre a validade interna de um estudo experimental, existem outras fontes importantes de ameaça à conclusão de que existe uma relação causal entre as variáveis. Uma dessas fontes é o fato de a maioria dos estudos experimentais serem realizados em ambiente artificial. São chamados estudos em laboratório. O laboratório é caracterizado por não ter as mesmas propriedades do ambiente social concreto em que as relações sociais ocorrem na vida em sociedade. A questão que se coloca é a de saber se, de fato, a relação causal representada pela b na Figura 5 corresponde ao que ocorre “na vida real”. A resposta a essa questão envolve o problema da validade externa de um experimento. Esse problema envolve ao menos dois aspectos principais. O primeiro diz respeito às pessoas que voluntariamente aceitam colaborar enquanto participantes em um estudo experimental. É importante ter em conta que os processos psicológicos que ocorrerem nas pessoas motivadas a participar podem ser completamente diferentes dos processos que ocorrem nas pessoas não motivadas a participar. Também relativo a esse aspecto é o fato de a grande maioria dos estudos experimentais realizados por psicólogos sociais ser realizada com estudantes universitários, normalmente alunos dos cursos de Psicologia. Essa é claramente uma forte ameaça à validade externa das conclusões retiradas desses estudos justamente porque os pesquisadores não estão, na maioria das vezes, interessados em fazer inferências apenas sobre os processos psicológicos que ocorrem nesses estudantes. O seu objetivo é propor teorias sobre os processos que ocorrem nas pessoas em geral. Uma forma de mitigar essa limitação é a realização de experiências em ambientes não laboratoriais, frequentemente chamados experimentos de campo. Exemplos clássicos desses experimentos na psicologia social são estudos os conduzidos por Sherif, Harvey, White, Hood e Sherif (1961) sobre a influência do conflito nas atitudes e hostilidades entre-grupos (ver Capítulo 4 sobre Atitudes e Capítulo 10 sobre os estudos de Sherif et al., 1961). As limitações nos estudos de campo prendem-se à dificuldade de assegurar a equivalência entre as condições experimentais e a possibilidade de aparecerem eventos não controláveis que podem ocorrer no intervalo de tempo entre a manipulação e a observação da variável dependente, eventos que parecem ser uma prerrogativa nos contextos sociais concretos que, na maioria das vezes, não é possível manipular e aleatorizar as condições experimentais. 2.3.3 OUTROS CAMINHOS QUE NOS LEVAM A OBTER RESPOSTAS PARA OS PROBLEMAS DO TIPO 4: ESTUDOS LONGITUDINAIS A dificuldade em responder adequadamente aos problemas que envolvem relações de influência e causalidade entre as variáveis ainda é maior quando não é possível manipular a variável independente, ou quando não é possível definir aleatoriamente 114 Pesquisa em psicologia social os grupos em análise (ou ainda quando nem a manipulação nem a aleatorização são possíveis). Esse é o caso dos métodos de estudos não experimentais que discutimos no item 3.1 deste capítulo. Acrescenta-se a essa dificuldade o fato de a maioria desses estudos realizarem a observação da variável independente e da variável dependente em um mesmo ponto do tempo, ou em um intervalo temporal tão curto que podemos considerá-lo como compondo uma única fase temporal. Esses estudos têm, assim, um corte temporal transversal porque as variáveis em questão foram observadas em t1 e, por dedução lógica, não permitem responder aos problemas do Tipo 4 justamente porque violam o princípio da antecedência temporal entre as variáveis independente e dependente. Nesses estudos, a direção da relação causal é indeterminável. Há, entretanto, a possibilidade de observarmos essas variáveis em vários momentos no tempo. São os estudos com corte temporal longitudinal, também designados estudos em painel. O que especifica se um estudo tem um corte temporal longitudinal é o fato de as variáveis terem sido observadas mais do que uma vez no tempo (i.e., em t1, t2, ... tn) e nas mesmas unidades de análises. Como afirmamos anteriormente, a unidade de análise usada na quase totalidade dos estudos conduzidos pelos psicólogos sociais é o indivíduo. Por exemplo, em um estudo longitudinal poderíamos observar a tendência à agressividade nos indivíduos no início do mês e voltar a observar o comportamento destes mesmos indivíduos no fim do mês. Lembremos, entretanto, que a antecedência temporal da variável independente é condição necessária, mas não suficiente, para assegurarmos o sentido da direção da relação de influência, como discutimos no exemplo sobre a relação entre o consumo de sorvete e o afogamento nas praias. Isso ocorre devido à possibilidade de a relação observada ser espúria. Acrescenta-se aqui o fato de o corte longitudinal de um estudo não assegurar que a direção da influência de uma variável sobre outra siga a sequência temporal em que foram observadas. Isto é, observar a tendência à agressividade em t1 e o comportamento agressivo em t2 não nos permite saber se a direção da relação vai da agressividade para a agressão. A direção contrária pode ser igualmente plausível à medida que a agressividade observada em t1 pode ser consequência de comportamentos agressivos ocorridos antes da observação feita em t1. Portanto, mesmo em estudos longitudinais, como o que temos discutido até o presente, a direção da relação entre as variáveis continua a ser indeterminável. Entretanto, existe um tipo de desenho em estudos longitudinais que permite mitigar o indeterminismo direcional e a “espuriosidade” na relação entre a variável independente e a dependente. São os desenhos cross-lagged. Trata-se de um desenho de estudos longitudinais inicialmente sugerido por Campbell (1963) e Kenny (1973), em que duas variáveis (variável independente = X; variável dependente = Y) são medidas duas ou mais vezes no tempo. A Figura 6 mostra um desenho cross-lagged em sua versão mais simplificada, com dois pontos no tempo (t1 e t2). Esse tipo de procedimento permite ao investigador encontrar uma resposta relativamente satisfatória, mas não definitiva, para o problema da direção da relação causal e também para o problema do controle de possíveis relações espúrias entre as variáveis. Um exemplo desse tipo de desenho é o estudo conduzido por Schlueter, Schmidt e Wagner (2008) no qual mostraram que é mais provável que a percepção de que os imigrantes são uma ameaça aos Psicologia social: temas e teorias 115 interesses dos cidadãos nacionais influencie os sentimentos negativos contra esses imigrantes do que serem esses sentimentos a influenciar a percepção de ameaça. Olhando a Figura 6, a questão sobre a direção da influência pode ser respondida quando a relação representada em b1 (que representa a influência de X em Y) é mais forte do que a relação descrita em b2 (que representa o efeito oposto: Y a influenciar X). O controle de relações espúrias é representado em a1 (i.e., a relação de X1 com X2) e a2 (i.e., a relação de Y1 com Y2). A leitura é a de que b1 representa a relação entre a variável independente medida em t1 e a variável dependente medida em t2 (assegurando a antecedência temporal de X sobre Y), controlando o efeito da variável dependente medida em t1, em si própria medida em t2 (este passo é chamado efeito autorregressivo). O princípio lógico é o de que o impacto de Y1 em Y2 (i.e., a2) e de Y1 em X2 (i.e., b2) representa o efeito de todas as outras variáveis que influenciam, simultaneamente, a variável independente e a variável dependente. Controla-se, assim, terceiras variáveis que podem ser fontes de influência em X e Y e são responsáveis por produzir relações espúrias entre elas. Esse controle procede por meio de uma lógica matemática cuja demonstração pode ser visualizada em Kenny (1979). Figura 6 – Representação de um estudo com desenho cross-lagged. Ainda que o emprego de um desenho cross-lagged possa contribuir para identificarmos se a direção da relação causal é mais provável do que outra, e é uma forma robusta de controle de relações espúrias, os resultados obtidos podem não ser suficientes para a inferência definitiva de que existem relações causais entre as variáveis. Tal como a experimentação nas ciências sociais não assegura em definitivo a ausência de relações espúrias entre variáveis (ver novamente a discussão sobre os níveis manifesto e latente da experimentação representada na Figura 5), também os estudos longitudinais, mesmo empregando um desenho cross-lagged, também não excluem em 116 Pesquisa em psicologia social definitivo a possibilidade dessas relações. Isso seria possível apenas na presença de situações em que as relações entre as variáveis ocorressem de uma maneira estática, estável e equilibrada ao longo do tempo (ver Kenny, 1979), o que se verificaria apenas se o estudo fosse conduzido em um vácuo social em que a possibilidade de ocorrência de eventos estranhos ao sistema estivesse completamente descartada, o que não é possível observar na vida social. 2.4 PROCEDIMENTOS DE COLETA DA INFORMAÇÃO Nesta seção descrevemos o terceiro aspecto-chave do processo que caracteriza a investigação científica. Já discutimos as características do primeiro aspecto, que é a colocação do problema de pesquisa em que o definimos como uma pergunta sobre variáveis. O segundo aspecto é a definição e a escolha do método de pesquisa (experimental ou não experimental) que o pesquisador julga ser mais adequado para responder ao problema de pesquisa colocado. Agora discutiremos os aspectos fundamentais que envolvem a escolha dos procedimentos de coleta da informação. Exemplos de designações dadas a esses procedimentos são: instrumentos de coleta de dados; medida das variáveis; e levantamento exploratório do campo. Quando se pensa na criatividade com que cada investigador tem de gerar uma multiplicidade de terminologias para se referir aos meios pelos quais as informações sobre as variáveis podem ser obtidas, muitas vezes confundindo-os com os métodos de pesquisa, parece-nos mais parcimonioso fazer referência a esses meios como procedimento de coleta de informação, distinguindo-os dos métodos de pesquisa. Preferimos referir esses métodos como caminhos pelos quais poderemos obter respostas para os problemas de investigação, que se caracterizam por um conjunto de pressupostos lógicos com base nos quais o investigador orienta a sua postura em relação às variáveis envolvidas no problema, em que pode adotar uma estratégia mais intervertida, como faz nos estudos experimentais, ou pode adotar uma posição mais contemplativa, como faz nos estudos não experimentais. Os procedimentos de coleta de dados tratam de outro aspecto, pois envolvem características mais técnicas e instrumentais sobre como as variáveis serão observadas. Exemplos dessas técnicas e instrumentos são a observação direta de comportamentos, a entrevista estruturada, semiestruturada e não estruturada, as medidas de autorrelato normalmente obtidas por meio de questionário, como as escalas de atitude desenvolvidas por Likert (1932), o diferenciador semântico (Osgood, Suci, & Tannenbaum, 1957) e as medidas não obstrutivas de atitudes e comportamentos, como o ITB (Intergroup Time Bias, Vala, Pereira, Lima, & Leyens, 2012) e o IAT (Implicit Association Test, Greenwald, McGhee, & Schwartz, 1998). Esses aspectos se referem à natureza da medida nas ciências sociais. A “medida” é aqui entendida no seu sentido mais amplo e inclusivo, e a consideramos como a descrição das características e propriedades das variáveis por meio de símbolos numéricos ou através de conceitos não numéricos, sempre seguindo as regras definidas na teoria da medida (Roberts, 2009). Nas ciências psicológicas a definição e a avaliação dessas regras é o objeto de estudo da psicometria. Dentre os vários aspectos que se devem observar na medida das variáveis, destacamos dois como necessários. O pri- Psicologia social: temas e teorias 117 meiro é a validade, que nos permite avaliar em que medida o instrumento usado é capaz de permitir observar a variável que queremos realmente observar. Por exemplo, em um estudo sobre preconceito, é necessário assegurar que o instrumento usado nos permita observar o preconceito, e não outra variável parecida com o preconceito, como o racismo ou mesmo a discriminação (Vala & Pereira, 2012). A psicometria tem nos oferecido um vasto leque de meios por intermédio dos quais podemos analisar a validade dos instrumentos que os psicólogos sociais usam em seus estudos. O segundo aspecto necessário a ser levado em consideração é a fiabilidade dos instrumentos de medida. Enquanto a validade indica se o instrumento mede o que se propõe medir, a fiabilidade indica em que medida o instrumento é preciso. Outro aspecto a se ter em conta é o fato de os procedimentos de coleta da informação usados na pesquisa em psicologia social poderem ser classificados em qualitativos e quantitativos. Essa classificação é derivada da forma como as variáveis são observadas. Essa forma é normalmente referida como níveis de medida. A escolha de um determinado nível de medida depende dos pressupostos que o pesquisador assume sobre a natureza da variável em questão. Isto é, essa variável tem uma natureza métrica (e.g., varia em intensidade) ou não tem natureza métrica (i.e., apenas varia em termos de significado)? As variáveis que o pesquisador assume como métricas são medidas por meio de procedimentos quantitativos e normalmente são referidas como variáveis de nível intervalar e de razão. Um exemplo de medidas quantitativas pode ser visualizado em estudos que utilizam o tempo de respostas dos participantes como medida de suas atitudes implícitas (Fazio & Olson, 2003), como são exemplos o ITB (Vala et al., 2012) e o preconceito implícito (Lima, Machado, Ávila, Lima, & Vala, 2006). As variáveis que os pesquisadores assumem como “não métricas” são observadas por meio de procedimentos qualitativos e são referidas como variáveis de nível nominal e ordinal. Um exemplo de estudo qualitativo na psicologia social é o de Prado e Costa (2011), no qual usaram uma série de entrevistas para analisarem as estratégias de luta política usadas por líderes de movimentos sociais. É importante ter em conta que ambos procedimentos quantitativo e qualitativo podem ser usados por todos os tipos de métodos de pesquisa (ver a discussão feita por Günther (2006)), ainda que a tradição da pesquisa realizada na psicologia social tenda a usar procedimentos qualitativos quando o problema de investigação necessita de ser respondido por meio de métodos não experimentais, e a usar procedimentos quantitativos quanto o problema de investigação requer o emprego de métodos experimentais. No entanto, esse enviesamento é meramente arbitrário e tem levado os pesquisadores a confundirem métodos de pesquisa com processo de coleta de informação, de tal modo que parece haver uma tendência para se pensar que estudos quantitativos são necessariamente experimentais, enquanto estudos qualitativos são não experimentais. Como se pode notar, tanto a experimentação pode fazer uso de procedimentos qualitativos para coletar informações sobre a variável dependente, como qualquer estudo não experimental poderá usar procedimentos quantitativos para responder adequadamente os problemas de investigação. 118 Pesquisa em psicologia social SUMÁRIO E CONCLUSÕES Procuramos discutir neste capítulo os principais aspectos da metodologia da pesquisa, procurando destacar como a psicologia social os têm utilizado em seu campo de atuação. Especificamente, discutimos os fundamentos epistemológicos da pesquisa científica e descrevemos os aspectos elementares que orientam a investigação feita por psicólogos sociais. No que diz respeito à epistemologia da ciência, a nossa discussão procurou questionar o pressuposto de que a ciência é um todo homogêneo. A ideia que buscamos transmitir é a de que é preferível observar os detalhes de cada ciência em particular do que tentar unificar os princípios que as fundamentam. Isto é, sugerimos que é necessário analisar o modo como o conhecimento é produzido e os critérios de validade desse conhecimento em cada caso particular. De fato, a crença de que a ciência pode ser caracterizada por um método universal aplicável a todas as ciências tem sido posta em causa por muitos filósofos e cientistas (e.g., Laudan, 1983). Essa ideia sugere a possibilidade de uma distinção entre ciências naturais e ciências sociais porque se acredita que estudam objetos e fenômenos fundamentalmente diferentes. Há, naturalmente, muitas diferenças nas características de seus objetos de estudo. Embora poucas pessoas neguem que tais diferenças existam, há um debate sobre essas diferenças que discute se os métodos utilizados nas ciências naturais são apropriados para o estudo do comportamento sociopsicológico dos seres humanos. Na psicologia, há quem acredite que as diferenças são superficiais porque envolvem apenas uma questão de grau de complexidade, ou seja, o estudo do comportamento humano requer que se considere um número maior de variáveis, mas, em princípio, os métodos das ciências naturais seriam adequados para os investigar. Há também quem discorde dessa visão ao acreditar que as diferenças entre os seres humanos e os objetos naturais são tão díspares que requerem o uso de métodos diferentes. Outra maneira de simbolizar a distinção entre as várias disciplinas científicas é categorizá-las em “ciências duras” e “ciências soft”. É uma classificação diferente daquela entre ciências naturais e sociais porque uma ciência dura seria uma cujo objeto não poderia ser discutido por pessoas leigas com base no conhecimento de senso comum. Por exemplo, nenhuma pessoa leiga seria capaz de exprimir uma opinião relevante sobre o que é um átomo e o que ele faz. Apenas os especialistas em física seriam capazes de debater esses temas. Uma ciência soft, porém, seria uma em que os objetos de estudo poderiam ser sujeitos a um conhecimento alternativo elaborado pelo senso comum. Por exemplo, as pessoas podem dar opiniões valiosas sobre a educação, a memória, a expressão de emoções etc. Os cientistas que estudam esses fenômenos não teriam o “monopólio” do conhecimento sobre esses temas porque são objetos que podem ser compreendidos a partir de diferentes visões de mundo, em que as definições propostas pelos cientistas não seriam, necessariamente, as melhores. No entanto, essas categorizações são extremamente simplistas. Como tentamos salientar no caso da psicologia social, uma grande quantidade de pesquisa aplica métodos inspirados nos modelos usados pelas ciências naturais (ou seja, métodos naturalistas), como é exemplo o método experimental. Há também uma variedade de vertentes que discordam dessa tendência e aplicam outros métodos, como são exem- Psicologia social: temas e teorias 119 plos os estudos não experimentais. De fato, o mais importante na seleção de um método de estudo parece ser menos a disciplina científica em questão, mas sim o tipo de problema de investigação que o pesquisador coloca. Propor respostas inflexíveis para saber se a psicologia pode ser uma ciência natural ou social, ou se é uma ciência dura ou soft, é o mesmo que considerar que existe uma religião que é a certa e outras são as erradas. Parece-nos mais proveitoso considerar que alguns aspectos dos fenômenos humanos e sociais podem ser abordados por métodos naturais e que outros aspectos são melhor compreendidos a partir de outras perspectivas, considerando a natureza do problema de pesquisa colocado. A nossa ideia é a de que diferentes critérios de validade do conhecimento podem ser aplicados conforme o método utilizado. A validade aqui se refere à capacidade do método responder ao problema de pesquisa levantado pelo investigador. GLOSSÁRIO Ciência: sistema de conhecimento baseado na crença de que a realidade pode ser conhecida, ou socialmente construída, com base em critérios temporariamente válidos, historicamente relativos e qualitativamente diferentes dos critérios usados para caracterizar os outros sistemas de conhecimento. Dados: conjunto de informações sobre as variáveis que descrevem os fenômenos que são objeto de estudo científico. Dedução: raciocínio epistemológico resultante de proposições hipotéticas cuja validade é obtida por meio da argumentação lógica. Demarcacionismo: crença fundamentalista segundo a qual existem critérios objetivos que marcam a diferencia entre ciência e não ciência. Dicotomia sujeito-objeto: crença de que existe uma diferença radical e inultrapassável entre os fenômenos subjetivos e os fenômenos físicos. Empirismo: sistema filosófico segundo o qual todo e qualquer conhecimento está baseado na observação de eventos presentes no ambiente físico. Epistemologia: disciplina filosófica dedicada ao estudo dos critérios de validade do conhecimento. Experimento: estudo no qual a variável independente é manipulada e as unidades de análise são previamente aleatorizadas entre as condições da variável dependente. Falseabilidade: critério usado para diferenciar as hipóteses científicas das não científicas proposto pelo filósofo Karl Popper para quem seriam científicas apenas as hipóteses falseáveis. Hipótese: proposição lógica para solucionar um problema de pesquisa. Indução: raciocínio epistemológico segundo o qual o conhecimento é uma generalização derivada da descrição sistemática de eventos observáveis. 120 Pesquisa em psicologia social Método: caminho por meio do qual se pode encontrar respostas plausíveis para os problemas de pesquisa. Metodologia: estudo dos critérios de validade dos diferentes métodos de pesquisa. Paradigma: conjunto de pressupostos metafísicos, teóricos, epistemológicos e metodológicos que são considerados válidos para a construção do conhecimento científico. Positivismo: posicionamento epistemológico segundo o qual apenas os fenômenos diretamente observáveis seriam objeto de estudo científico porque somente esses poderiam ser objetivamente sistematizados. Problema: pergunta sobre as características das variáveis ou sobre as relações entre elas. Racionalismo: sistema filosófico segundo o qual o conhecimento está baseado na dedução lógico-racional. Relativismo: crença fundamentalista de que não existe diferença entre ciência e outros sistemas de conhecimento. Variável: descrição sistemática das características do fenômeno objeto de estudo científico. Teoria: conjunto de princípios, pressupostos e deduções lógicas que fundamentam as hipóteses sobre os fenômenos e relações entre eles. Material Complementar Cinema: Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971). Literatura: Assis, M. (1882). O alienista. Papeis avulso: Livro de domínio público. Livro: Chalmers, A. F. (1993). O que é ciência afinal? Brasiliense. Teatro: Beckett, S. (1937). Esperando Godot. CAPÍTULO 3 COGNIÇÃO SOCIAL Marcos Emanoel Pereira Gilcimar Souza Dantas INTRODUÇÃO Por que estamos no mundo? Se a resposta para essa questão for a de que aqui estamos para aprender, ela se aproxima do foco de interesse dos estudos na área da cognição social, uma das principais vertentes teóricas da psicologia social. Aprender, no entanto, pode significar muita coisa. Circunstancialmente aprendemos algumas coisas muito rapidamente e conseguimos automatizar aquilo que aprendemos sem muitas dificuldades e sem esforço, embora nem sempre as coisas sejam assim tão fáceis, pois aprender pode ser um processo lento, requerendo do aprendiz uma certa dose de esforço e alguma persistência. Devemos diferenciar, portanto, o campo da psicologia da aprendizagem da área da cognição social, pois esta última se relaciona de uma maneira mais acentuada não com a aprendizagem em si, mas como a maneira pela qual nós, humanos, apreendemos, oferecemos sentido e reagimos ao mundo que nos cerca. Os estudos psicológicos e psicossociais sobre a cognição se fundamentam em uma premissa básica: o conhecimento que alcançamos a respeito do mundo e dos outros é uma condição essencial para a sobrevivência. Se os animais esquadrinham atentamente o mundo em que vivem e procuram se apartar dos estímulos aversivos e se aproximar das coisas que podem proporcionar bem-estar, o ser humano vai além 122 Cognição social da mera percepção sobre o que está ocorrendo. Processamos as informações, raciocinamos sobre os elementos submetidos a processamento e procuramos identificar as causas dos eventos físicos e as razões das condutas e ações humanas. Essa capacidade de raciocinar sobre as causas e razões dos eventos do mundo físico e das ações humanas é um dos elementos mais importantes na caracterização da natureza humana e uma das premissas básicas de estudo da cognição social (Moskowitz, 2005). O presente capítulo, dedicado à apresentação da perspectiva da cognição social, está organizado em quatro seções, além desta apresentação inicial. Na seção 2 discutimos estudos que antecederam à formalização da perspectiva da cognição em meados da década de 1960. Indicamos quão difícil é identificar os primeiros estudos cujos interesses se ajustam aos trabalhos atuais na perspectiva da cognição social, uma vez que a reflexão sobre o conhecimento e sobre as relações entre os humanos tem sido corriqueira desde o alvorecer da humanidade. Dispomos de antigas teorias sobre o ambiente e sobre como os humanos são determinados e ao mesmo tempo interferem e interagem com o ambiente físico e social em que vivem. Da mesma forma, devemos reconhecer que os primeiros humanos desenvolveram teorias da mente, o que nos obriga a reconhecer o quanto estas teorias os ajudaram a se posicionar frente a si mesmos, aos demais e ao ambiente em que viviam. As teorias sociocognitivas contemporâneas despontam a partir do momento que se introduz uma terceira categoria analítica entre o ambiente e as ações humanas, os mediadores cognitivos. Esse conceito nos ajudará a discutir as grandes questões norteadoras dos primeiros estudos da área: como o conhecimento é organizado? Qual a melhor maneira de estudar esse processo? Quais as concepções de ser humano subjacentes a essas questões? A terceira seção, dedicada à apresentação de dois tópicos centrais de estudo na perspectiva de estudos da cognição social, será iniciada com a discussão da hipótese dos processos duais, na qual é postulado que dispomos de dois sistemas de aprendizagem: um que nos habilita a lidar com rotinas, sendo o mais apropriado para entender os hábitos, os automatismos e a aprendizagem de natureza mais mecânica; e um segundo, que oferece o substrato para lidar com a introdução do novo, do incomum e do inesperado, ajustando-se melhor à explicação de modalidades mais elaboradas, refletidas e circunstanciadas de aprendizagem. A discussão sobre os processos duais será o ponto de partida da apresentação de um segundo tópico especializado de estudos na área da cognição social, no qual introduzimos a noção de raciocínio heurístico. Essa seção apresentará reflexões sobre o duplo papel desempenhado pelos vieses, pois eles podem ser interpretados tanto no sentido de representarem meios para implementar atalhos que nos afastam do conhecimento validado quanto como dispositivos que, ao se manterem consonantes com os princípios da economia cognitiva, exercem um forte impacto na implementação de decisões rápidas, eficientes e frugais. Uma vez discutidos os dois temas clássicos de pesquisa na área da cognição, apresentaremos uma breve reflexão sobre os desenvolvimentos atuais na área. A discussão será organizada a partir da noção de interconexões, o que nos levará a apresentar as articulações entre o campo de estudos da cognição social e outras áreas especializadas do conhecimento com as quais a perspectiva da cognição social mantém relações de Psicologia social: temas e teorias 123 proximidade teórica, conceitual, temática e metodológica. Essa decisão nos levará a, segundo a perspectiva filosófica do realismo crítico, repassar um conjunto de estudos em diversas áreas de estudo da cognição social. Finalizaremos o capítulo apontando para as perspectivas de desenvolvimento futuro na área e indicaremos os campos que oferecem possibilidades de aperfeiçoamentos teóricos e metodológicos, bem como destacamos os desafios a serem enfrentados pelos estudiosos nos próximos anos. Cumpre-nos, antes de passar à próxima seção, apresentar uma definição inicial de cognição social, qualificando-a como um campo especializado da psicologia social dedicado ao estudo e à pesquisa das relações entre a pessoa e o ambiente social mais amplo. Essa abordagem ganhou relevância por representar uma ruptura com as teorias inteiramente centradas na noção de processamento de informações, nas quais a ênfase recaia nos processos sensoriais, perceptuais, atencionais, bem como na identificação de como o conhecimento é representado sob a forma de imagens ou significados, posteriormente armazenados e evocados quando as circunstâncias exigem do percebedor alguma modalidade de julgamento fundamentado nos processos mentais superiores que, por sua vez, oferece suporte para a tomada de decisões e para a ação. A adesão ao pressuposto expresso nos obriga a afirmar que o centro das preocupações dos estudiosos da cognição social não pode ser interpretado simplesmente como reflexões relacionadas apenas ao ato de pensar. A cognição social está intrinsecamente associada às ações humanas, sejam as que se manifestam no ambiente físico mais imediato, sejam as que ocorrem em um contexto social mais amplo. 3.1 ANTECEDENTES E ESTUDOS INICIAIS Ainda que a abordagem da cognição social tenha ocupado uma posição de destaque nas últimas décadas de desenvolvimento na área da psicologia social, os temas abordados não são necessariamente novos, pois vêm sendo objeto sistemático de escrutínio na filosofia, na psicologia e em outras disciplinas científicas. A ênfase atribuída ao papel do sistema de processamento da informação e o seu impacto na percepção e cognição dos grupos humanos e seus membros é uma característica básica da psicologia social cognitiva embora, em certo sentido, afora o ente ao qual os estudos se referem, os seres humanos, esta caracterização não permita diferenciar esta abordagem daquelas conduzidas em uma série de disciplinas dedicadas a estudar a maneira pela qual os seres humanos processam e organizam a informação. Conforme assinalamos, a noção de mediadores cognitivos é essencial para a caracterização da abordagem da cognição social (Bandura, Adams, & Beyer, 1977). Tais dispositivos podem ser caracterizados como entidades localizadas numa posição intermediária entre o agente cognitivo e o ambiente ou contexto social. Presume-se que o agente percebe, reconhece, avalia e julga os demais humanos a partir das estruturas prévias de conhecimento disponíveis, o que depende da maneira pela qual o conhecimento é registrado e representado (Anderson, 2020). A Figura 1 identifica duas 124 Cognição social formas de se conceber as relações entre o agente cognitivo e o ambiente social e diferencia uma modalidade na qual se presume que as interações (representadas por setas bidirecionais), entre agente e contexto são diretas (modelo A) e uma segunda formulação, na qual são introduzidos estruturas cognitivas, os mediadores, a exemplo das crenças, atitudes, expectativas e estereótipos, que desempenham um papel essencial no entendimento de como o conhecimento é organizado e utilizado no julgamento social, na tomada de decisões e na ação (ver Capítulos 4 e 12 deste Manual para uma revisão). Figura 1 – A posição dos mediadores cognitivos entre a pessoa e o ambiente. O até aqui apresentado evidencia a proximidade entre as abordagens da cognição social e a da psicologia cognitiva, sendo plausível admitir que inicialmente as diferenças entre estas duas disciplinas se relacionam com a natureza dos fenômenos estudados (Fiske, 2004; Fiske & Taylor, 1991; Hamilton, Devine, & Ostrom, 1994; Ostrom, 1984). Para esclarecer em que sentido agregar o qualificativo social ao termo cognição representou um novo entendimento a respeito das questões tradicionalmente abordadas na psicologia social, Augoustinos, Walker e Donaghue (2006) apresentaram algumas diretrizes que ajudam a entender o diagrama encontrado na Figura 1. Conforme observado, podemos postular que no modelo A o agente estabelece, de forma intencional ou não, uma série de relações com o ambiente em que vive, influenciando e sendo por ele influenciado, o que demarca a caracterização dessas relações mútuas como de interdependência. Uma vez que as pessoas presentes no ambiente social percebem, assim como são percebidas pelo agente cognitivo, as cognições são mútuas e envolvem uma série de negociações entre quem percebe e quem é percebido, o que determina um papel preponderante das percepções subjetivas das pessoas em interação e define que as pessoas envolvidas na interação são percebidas ao mesmo tempo como sujeito e objeto das próprias e das percepções dos outros. Isso significa afirmar, portanto, que os objetos do conhecimento não são estáticos, podendo sofrer transformações ao se reconhecerem objeto de avaliação e julgamento, o que torna a veracidade ou a precisão das cognições a respeito das outras pessoas bem mais difícil de ser esti- Psicologia social: temas e teorias 125 mada, que no caso de objetos naturais, que pela sua própria natureza só podem ser modificados pela ação de agentes externos. Uma vez concebida a cognição como compartilhada (conforme o modelo B), o conhecimento a respeito dos outros envolve distintas modalidades de explicações e estas levam em consideração não apenas os eventos nos quais os agentes estão envolvidos, bem como a estimativa de como as estruturas do conhecimento podem oferecer sentido e as diretrizes que presidem as possíveis interações. Em um notável esforço de síntese, Manstead (1999) sinalizou que os impactos da introdução da abordagem da cognição foram identificados em três dimensões da psicologia social: a da formulação dos problemas de pesquisa, a da metodologia da investigação e a da formulação da teoria. 3.1.1 QUESTÕES FUNDAMENTAIS DE PESQUISA Em relação ao primeiro plano, o da formulação dos problemas de pesquisa, é fundamental esclarecer em que sentido a cognição de objetos sociais (alguém acaba de perder uma carteira no meio da rua) difere da cognição dos objetos não sociais (a carteira perdida). Essa questão é importante uma vez que pode ser identificada uma tendência a conceber a cognição social como um processo mais complexo e heterogêneo do que a cognição dos objetos não sociais (Schneider, 2004). Trata-se, no entanto, de uma questão em disputa, pois é possível supor que os processos que envolvem o tratamento da informação não diferem em função do objeto que é processado: é necessário perceber, representar a informação, armazená-la na memória e evocá-la para conduzir os julgamentos ou para tomar alguma decisão. Nesse sentido, pouco importa o conteúdo, sendo razoável supor que o sistema de processamento humano possui uma arquitetura específica e esta independe do objeto a ser processado, pois o processamento segue a lógica das estruturas cognitivas, sendo pouco ou nada dependente da natureza da informação tratada. Parece aceitável diferenciar quatro fases distintas no processamento da informação social (Wyer & Srull Jr., 1986): • a codificação; • o arquivamento e a recuperação da informação; • o julgamento; e • a ação. Na fase de codificação, a informação é interpretada e organizada a partir da utilização de esquemas mentais previamente disponíveis, ocorrendo a transformação das pistas e estímulos externos em elementos internos: as representações mentais. O papel dos processos atencionais é decisivo neste particular, pois a atenção irá interferir tanto na seleção dos estímulos a serem percebidos e codificados, como também no esforço despendido para a assimilação do conteúdo e posterior consolidação na memória. A fase seguinte do processamento envolve o registro e o armazenamento da 126 Cognição social informação, manifestando-se especialmente nas circunstâncias em que as pressões e as demandas situacionais tornam imperativa a utilização dos conteúdos para o desempenho das atividades conduzidas amiúde na vida cotidiana. Na terceira fase do processamento da informação social, o conteúdo codificado, armazenado e recuperado é utilizado nas diferentes tarefas que exigem alguma modalidade de julgamento. Nesse caso, ocorre a compreensão das implicações dos possíveis cursos de ação, bem como a combinação das informações recuperadas com os conteúdos previamente disponíveis nos esquemas mentais armazenados, o que possibilita a tomada de decisões relativas aos elementos em escrutínio. Finalmente, ocorre a expressão manifesta ou implícita da conduta social, sendo o resultado interpretado como um efeito da interação entre o fluxo atual de acontecimentos e o conhecimento codificado, recuperado e adotado nas decisões e na formulação de planos de ação. Uma interpretação alternativa a essa formulação requer a admissão de que o entorno humano pode não ser processado da mesma maneira que os objetos naturais, o que acarreta suspeitas no entendimento das equivalências entre o processamento da informação social e a dos objetos presentes no mundo físico. Em primeiro lugar, é presumível que os agentes cognitivos, ao se defrontarem com outras pessoas em um encontro social, procurem ir além da informação imediatamente oferecida pelos sentidos. Em segundo lugar, sabe-se que os objetos da cognição, como as crenças e os julgamentos, podem ser modificados através do processamento da informação. Em terceiro lugar, toda a cognição social é avaliativa nas suas implicações, uma vez que sempre existe alguma forma de envolvimento afetivo entre quem percebe e quem é percebido. Enfim, um quarto problema, relaciona-se com a retomada, na corrente principal da psicologia, da preocupação com o papel da informação que o agente não tem consciência durante o processamento da informação (Schneider, 2004) e de que talvez tentemos ser mais cuidadosos em relação ao processamento das informações sociais do que nas circunstâncias em que nos deparamos com os objetos não sociais. 3.1.1.1 A organização do conhecimento Uma questão suscitada pela introdução da perspectiva cognitiva na psicologia social se relaciona com a organização do conhecimento. A ênfase nos mediadores cognitivos pressupõe a possibilidade de analisar como ocorre o processamento, descrever as estruturas cognitivas envolvidas nestes processos, assim como esclarecer os mecanismos através dos quais as estruturas influenciam a percepção das interações e dos grupos humanos. As diversas tentativas de identificar a natureza das estruturas cognitivas foram conduzidas de acordo com os desenvolvimentos oriundos da psicologia cognitiva, sendo especialmente importante as contribuições dos estudos voltados para a análise das representações mentais constituídas a partir dos esquemas, protótipos e exemplares (Stangor & Schaller, 1996). Esquemas mentais Uma das formas mais usuais de se conceber a representação da informação na memória utiliza o conceito de esquemas. Um esquema pode ser definido como uma estrutura abstrata de conhecimento que contém o conhecimento geral sobre um do- Psicologia social: temas e teorias 127 mínio, incluindo os fatores determinantes e as relações entre os atributos deste domínio, o que o habilita a oferecer meios e recursos para a formulação de hipóteses e para a interpretação dos estímulos de forma compatível com o conjunto da informação disponível (Taylor & Crocker, 1981). O conceito de esquema não é unívoco, pois é possível fazer referências a esquemas de entes abstratos, a esquemas de objetos do mundo físico e social e a esquemas de eventos. Essa multiplicidade de acepções levou muitos pesquisadores a postularem diferenças entre os esquemas que a pessoa possui a respeito de si mesma, dos outros, dos papéis sociais que são desempenhados em diferentes contextos, dos grupos e mesmo de eventos sociais dotados de um certo grau de estereotipia. O esquema mental que cada pessoa elabora a respeito de si mesma se refere à avaliação que se faz dos comportamentos, sustentando-se, sobretudo, no julgamento a respeito dos traços mais marcantes da própria personalidade (Markus, 1977). Os traços estáveis de personalidade podem ser utilizados tanto para a elaboração de esquemas mentais sobre si mesmo quanto para a elaboração de esquemas sobre as outras pessoas (Cantor & Mischel, 1977). Os esquemas sobre as pessoas definem o que se pode esperar dos outros, ajudando a decidir qual a modalidade mais apropriada de conduta a ser adotada nos encontros sociais com as diferentes classes de indivíduos. Uma vez que os indivíduos ocupam posições sociais claramente definidas na organização social e a interação com as pessoas que desempenham os mais diversos papéis sociais é um imperativo da vida moderna, também desenvolvemos esquemas mentais a respeito dos papéis sociais. Esses esquemas se relacionam, sobretudo, com as normas e expectativas geradas pelos próprios papéis. Um conjunto de expectativas encontra-se associado, por exemplo, a um médico, de quem se espera que seja capaz de fazer o diagnóstico e adotar as medidas terapêuticas apropriadas para combater os males que afligem os humanos. Além dos esquemas sobre si mesmo, sobre os outros e sobre as expectativas formuladas durante a interação com indivíduos que ocupam determinados papéis, os grupos sociais podem ser representados mediante esquemas. Um esquema grupal pode ser caracterizado como o conjunto ordenado de crenças disponíveis que permite definir os atributos de um grupo social. A presença de um esquema, fundamentado em estereótipos, sobre um grupo social é suficiente para influenciar a percepção que se tem sobre os membros deste grupo, interferindo em processos, como o foco de atenção, a interpretação da ação, assim como sobre o julgamento e o comportamento a ser adotado em relação aos membros do grupo. O uso de esquemas mentais não se restringe apenas à representação de pessoas, sendo possível falar sobre esquemas de eventos. O conceito de roteiros (scripts), introduzido na psicologia cognitiva por Schank e Abelson (1977), se refere a um esquema cujo objeto é uma sequência estereotipada de eventos. De modo geral, os conteúdos que permitem seguir um roteiro de ações não são explicitados e nem a pessoa possui consciência sobre cada um dos seus atos, retirando da memória este repertório sempre que se torna necessário. Os esquemas de eventos não se restringem a situações de duração restrita, sendo possível fazer referências a eventos de espessura temporal curta, como no caso dos roteiros de como se portar em um jantar ou em um restaurante, como também dos que se manifestam em uma escala de tempo mais duradoura. Ber- 128 Cognição social nstein e Rubin (2004) solicitaram a estudantes dinamarqueses que listassem os sete eventos que mais marcam a vida de uma pessoa típica e estimassem a idade em que eles ocorrem. Os resultados apresentados na Figura 2 indicam os dez eventos mais frequentemente referidos e a época em que eles provavelmente teriam mais chances de se manifestar. Figura 2 – Esquemas de eventos importantes na vida. Os resultados mostraram que, apesar de diferenças pouco significativas no que concerne à flutuação nas idades estimadas, a sequência dos eventos não apresenta modificações entre diferentes culturas e indica que entre os 15 e os 30 anos de idade se manifestam uma série de eventos que correspondem a scripts culturalmente especificados. Essa profusão de domínios aos quais pode ser aplicado terminou por levar muitos pesquisadores a suspeitarem que, apesar do valor heurístico que intrinsecamente ostenta, o conceito de esquema é demasiado abrangente, impedindo, inclusive, a formulação de predições objetivas sobre os processos envolvidos na conduta social. Categorização social Categoria é um termo descritivo usado para fazer referência à totalidade de informações que uma pessoa possui na mente sobre uma classe particular de objetos. O processo de categorização social pode ser entendido como uma tentativa de decidir se uma representação mental, a categoria, se ajusta a um conjunto de fatores de um determinado estímulo, no caso, os comportamentos e ações de uma pessoa (Moskowitz, 2005. Categorizar é um processo complexo e envolve a aplicação, por parte de um agente humano, de rótulos verbais a objetos presentes no mundo físico, mental ou social. Os rótulos verbais podem ser ativados e aplicados porque o processo de categorização corresponde à classificação do objeto como membro de uma classe, podendo-se supor, portanto, que o objeto possui atributos semelhantes aos membros da classe na qual ele foi incluído e diferentes dos membros das outras classes. Psicologia social: temas e teorias 129 Relações entre as categorias Nem todas as categorias são processadas da mesma forma. Categorizar um circunstante na rua como pastor evangélico não é tão simples como categorizar esta pessoa como adulto. As categorias primárias, assim denominadas por Allport (1962), proporcionam uma maior facilidade na assimilação e identificação dos objetos. As categorias sexo, raça e idade possuem critérios suficientemente salientes para que possam ser identificadas de forma rápida e simples, pois possuem diferenças visualmente destacáveis, o que permite um ajuste rápido e sem problemas do objeto percebido ao esquema mental disponível pelo percebedor. Algumas circunstâncias podem ser enganadoras e propiciar o uso inadequado das categorias, mas estes exemplos se referem apenas a casos particulares que não invalidam a norma geral. Os rótulos verbais aplicados a uma criança pequena são bem variados e podem incluir termos como infante, menina, garota, homenzinho, rapazinho ou guri. O contexto define claramente em que circunstância cada um desses termos pode ser utilizado. Perspectivas teóricas sobre a categorização As primeiras teorias sobre a categorização adotavam o princípio do “tudo ou nada”. Se um objeto dispõe de todos os elementos necessários e suficientes para a inclusão em uma categoria, então ele passa a ser visto como um dos itens de um conjunto de elementos que compartilham esses mesmos atributos definidores. Dessa forma, se a definição de pássaro incluir os elementos definidores, como presença de penas, de asas, de bico, colocar ovos e voar, então qualquer animal que possua estes atributos pode ser assim definido, mesmo que apresente diferenças quanto ao porte, ao ambiente em que vive ou ao tipo de alimentação que ingere. Ocorre que é praticamente impossível listar todos os fatores que definem a inclusão de algo ou alguém em uma categoria. Ter duas patas ou cantar também não são elementos definidores da categoria pássaro? Além dessa dificuldade, nem sempre todos os elementos de uma categoria possuem todos os atributos definidores, assim como dispor de todos os atributos definidores não é um critério que permite incluir um determinado objeto em uma dada categoria. Um problema enfrentado pela teoria clássica da categorização se refere à existência de alguns objetos considerados típicos de determinadas categorias. Quando se pensa, por exemplo, em um músico de orquestra sinfônica, qual a categoria mais facilmente evocada? A oboísta ou a pianista? O timpanista ou o violinista? A teoria clássica encontra dificuldades com as categorias dotadas de um certo grau de incerteza, que é o mais usual quando se trata de categorias sociais, pois neste caso a delimitação é frequentemente imprecisa e difícil de ser estabelecida. Protótipos e exemplares A teoria dos protótipos representa uma tentativa de superar as dificuldades apresentadas pela teoria clássica. Ela parte do entendimento que alguns elementos se ajustam perfeitamente aos fatores definidores da categoria, sendo facilmente rotulados, enquanto outros só podem ser incorporados à categoria após um esforço considerável. Pode-se falar, portanto, em exemplares mais típicos de uma categoria. Um protótipo 130 Cognição social representa uma tendência central ou um conjunto de objetos relativamente variáveis e representativos de uma categoria. Os membros são percebidos como mais prototípicos quando ostentam um grande número dos fatores característicos da categoria, de forma que um protótipo deve ser entendido como uma representação abstrata dos componentes típicos, e não de todos os fatores de uma categoria. O critério para a inclusão de um determinado alvo ou evento em uma categoria é a similaridade entre o objeto e a representação prototípica armazenada na memória. Um evento pode ser incluído na categoria ‘batucada’ desde que tenha dois atributos fundamentais, um grupo de pessoas, os músicos, e uma obra sendo executada pelos músicos em instrumentos de percussão. O fato dos músicos se movimentarem ou permanecerem estacionários, de estarem cercados por pessoas dançando ou de se apresentarem para um público acomodado em uma plateia ou a performance ocorrer no Brasil ou na Inglaterra, não é um fator essencial para a representação prototípica da categoria na memória. Uma representação prototípica é uma estrutura de conhecimento relativamente abstrata e, como tal, não permite a inclusão de detalhes ou de outros elementos que não são decisivos para a categorização. Figura 3 – Uma batucada, mesmo na Inglaterra, continua sendo uma batucada. Uma representação prototípica, no entanto, requer um certo tempo para ser formada e é construída de forma indutiva após uma série de experiências com objetos da categoria. Provavelmente, um morador de uma pequena vila em Kandahar não dispõe de qualquer representação sobre uma batucada, enquanto um brasileiro pode não ter a noção de quão delicioso é o qabili palau, um prato típico da culinária afegã, uma vez que nem sempre as pessoas dispõem de protótipos para decidir se um objeto pode ser incluído em uma categoria. Psicologia social: temas e teorias 131 Outra dificuldade enfrentada pela teoria dos protótipos se relaciona com a variabilidade dos membros de uma determinada categoria. Qual a representação prototípica de um outsider? Seria um escritor junk, bêbado e drogado que passa o dia inteiro discutindo poesia e literatura em bares alternativos? Ou um punk, com uma vistosa cabeleira e a indumentária característica, bebendo cerveja nos bancos das praças e espalhando as latinhas ao invés de jogá-las na lata de lixo? Ou quem sabe um jovem olheiro de boca de fumo, que todos os dias arrisca a liberdade e a própria vida pelo bem dos negócios de um traficante? Todas essas variações poderiam ser subsumidas por uma mesma categoria ou seria mais apropriado afirmar que as pessoas adotam diferentes protótipos, a depender da situação ou circunstância? Isso não poderia ser interpretado como um limite do próprio conceito de protótipo? A teoria dos exemplares, ao contrário, sugere que solicitadas a refletir sobre os membros de um grupo, as pessoas tendem a evocar membros específicos de uma categoria. A categoria “instrumentista” muito rapidamente faz com que, a depender do caso, sejam evocados nomes, como os de Hermeto Paschoal, Egberto Gismonti ou Mestre Vieira de Barcarena, e não uma representação prototípica de um músico. Isso ocorre porque a representação dos exemplares é mais concreta e, como tal, mais vívida e facilmente acessível. Como o número de exemplares está sujeito a uma maior variação, a teoria permite a inclusão com mais facilidade de objetos com os quais a pessoa possui menos familiaridade, pois os limites da categoria são bem mais fluídos que no caso da teoria dos protótipos. A teoria dos exemplares, no entanto, enfrenta dificuldades. A principal delas reside na incompatibilidade entre a crença de que os seres humanos tenham disponibilidade de tratar com fluidez a enorme quantidade de exemplares armazenados na memória e presentes no mundo social e realizar todos os cálculos mentais necessários para a inclusão ou exclusão dos membros em uma ou várias categorias, sem que estas operações, segundo a perspectiva da economia cognitiva, sejam exaustivas. A teoria dos exemplares guarda, portanto, uma forte incompatibilidade com a metáfora do ser humano avaro cognitivo, assim como não se beneficia das exceções proporcionadas pelo modelo do ser humano taticamente motivado. Teoria essencialista da categorização: os criminosos como exemplo Teorias posteriores introduziram outras formas de circunscrever a questão da categorização. As diferenças entre esses modelos e as teorias como as dos protótipos e dos exemplares serão aqui consideradas segundo a perspectiva da categorização das pessoas privadas de liberdade. A tese da essência do criminoso se sustenta em uma premissa expressa pela antiga escola positivista italiana de direito penal, a qual admitia que as ações criminosas não decorrem de atos de má vontade e nem são perpetradas por uma decisão volitiva do criminoso, mas sim porque este é o portador de uma tendência ausente nas pessoas normais. Justificar-se-ia, assim, o direito de punição ao criminoso, pois apesar deste não poder vir a ser responsabilizado pelo crime, seria potencialmente perigoso para a vida em sociedade. Em outros termos, essa tradição de pensamento sustenta que se os criminosos cometem os seus crimes, eles o fazem pelo fato de serem biologicamente inclinados para tal, justificando-se assim a suspeição de que jamais deixarão de ser criminosos. O que fundamenta a enorme aceitação de crenças essencialistas sobre as categorias sociais? Por que apesar da atual negação 132 Cognição social veemente das teses lombrosianas, a visão essencialista sobre os ex-presidiários não é colocada em dúvida? O essencialismo, uma teoria que postula como as pessoas comuns elaboram a percepção que possuem a respeito dos grupos, sugere que os membros do endogrupo, apesar das semelhanças superficiais, são percebidos como entes que compartilham com os outros membros uma estrutura profunda que permite diferenciá-los dos membros dos outros grupos (Yzerbyt, Rocher, & Schadron, 1997). Tais elementos de profundidade determinam o predicativo que poderia ser qualificado como a essência do grupo. Medin (1989), em um artigo que gerou um forte impacto na literatura sobre a categorização, introduziu a noção de essencialismo psicológico, caracterizando-a como a tendência a agir como se as coisas possuíssem essências, ou estruturas subjacentes que as tornam aquilo que elas são. A formulação exposta por Medin difere da visão clássica da categorização, que se assenta no princípio de que qualquer conceito capaz de servir como uma matriz categorizadora deveria possuir todos os fatores necessários e definidores da categoria. O critério decisivo para a formação de categorias seria, segundo a visão clássica, a similaridade entre os objetos a serem categorizados, no sentido que o sistema de classificação humano tenderia a exagerar as similaridades entre os membros de uma mesma categoria e a desconsiderar as similaridades entre os membros de categorias distintas. Os limites da visão clássica já foram expostos anteriormente, de forma que aqui é necessário acentuar apenas o impacto de alguns elementos, por exemplo, a impossibilidade de especificar toda a lista de fatores capazes de compor uma categoria psicológica ou a maior tipicidade de alguns referentes da categoria. Como seria possível listar todos os fatores necessários e obrigatórios capazes de permitir a inclusão de uma dada pessoa na categoria de criminoso? Outrossim, é possível que os objetos categorizados, mesmo possuindo todos os fatores necessários e exigidos, venham a ser considerados diferencialmente, uma vez que alguns elementos são vistos como mais representativos de uma categoria do que outros. Uma adolescente que assiste um streaming de uma partida de futebol ilegalmente transmitida em um canal do YouTube é tão criminosa quanto uma sequestradora? A inclusão de alguns objetos em uma dada categoria é uma operação necessariamente ambígua. Efetivamente, pode-se afirmar que a adolescente está cometendo um crime, mesmo que a definição clássica indique que ela está atendendo aos critérios que permitem considerá-la criminosa e, portanto, deve ser categorizada como tal? Uma vez que se constituiu a partir do entendimento de que a inclusão de um exemplar em uma determinada categoria depende decisivamente da presença ou ausência dos fatores definidores, a visão clássica da categorização é incapaz de oferecer resposta para os problemas anteriormente aludidos, sendo aos poucos complementada por outras concepções. A abordagem probabilística da categorização tentou resolver essa dificuldade introduzindo a noção de categoria ‘ fuzzy’, nebulosa, o que supõe a existência de “conceitos mal definidos”. Nesse caso, os membros mais representativos de uma categoria revelam um grande número dos fatores característicos daquela categoria e as pessoas formariam uma espécie de resumo relativamente abstrato da categoria, os protótipos. Tanto as teorias fundamentadas no protótipo quanto as fundamentadas nos exempla- Psicologia social: temas e teorias 133 res enfrentam uma dificuldade comum (Yzerbyt, Rocher, & Schadron, 1997): qual o tipo de similaridade que se pode postular entre um novo objeto e um protótipo ou um exemplar? Um problema surge de imediato quando se procura responder a esta questão: por que considerar um determinado fator, e não um outro, para estabelecer a comparação se dois objetos, quaisquer que sejam, sempre podem ser vistos como diferentes um do outro em alguns aspectos e similares em outros? A resposta para essa questão encaminha-se no sentido de reconhecer que as semelhanças superficiais – observáveis – entre os objetos são enganadoras e capazes de levar a uma categorização inadequada (Medin, Goldstone, & Gentner, 1993). A similaridade deveria ser entendida, portanto, como uma consequência, e não como um critério para a categorização. Uma vez aceita essa inversão, duas coisas podem ser consideradas similares, mesmo que superficialmente diferentes entre si, desde que o percebedor possua uma boa teoria que justifique tratar os dois objetos como membros de uma mesma categoria. Essa teoria sobre o processo de categorização pode ser ilustrada mediante o diagrama elaborado a partir dos resultados das pesquisas conduzidas por Medin e Shoben (1988). Figura 4 – Demonstração de Medin. Na Figura 4, B representa um grupo de controle, para o qual é designada a tarefa de decidir se a cor cinza está mais próxima da cor branca ou da cor preta. O único critério de referência que pode ser adotado pelo participante do estudo para fazer o julgamento é o conhecimento que dispõe sobre as cores e como o cinza é uma cor intermediária entre o branco e o preto, os participantes não veem como aproximar o cinza de nenhum dos dois extremos. Aos participantes da condição A foi feita a solicitação de julgar se nuvens cinzas estavam mais próximas de nuvens brancas ou de nuvens pretas. Dessa vez, houve uma clara tendência em julgar o cinza mais próximo 134 Cognição social ao preto do que ao branco. Em contrapartida, a tarefa dos participantes da condição C foi julgar se o cabelo cinza estava mais próximo ao cabelo branco ou ao cabelo negro e a resposta, claro, foi de aproximar mais o cabelo cinza ao cabelo branco. Por que os termos simétricos branco, cinza e negro, quando precedidos pelos substantivos cabelos ou nuvens, foram tratados diferencialmente? Responder a essa questão exige repensar as teorias tradicionais sobre a categorização, sobretudo o papel exercido pela similaridade como critério de ajuste entre o objeto percebido e as informações concretas ou abstratas armazenadas na memória, pois este critério passa a ser considerado insuficiente para fornecer coerência entre os objetos categorizados. O que parece definir a resposta dos participantes alocados às condições A e C é a natureza das teorias evocadas nas instruções do experimento, em um caso, as teorias ingênuas sobre a meteorologia, enquanto no outro, as teorias implícitas disponíveis pelos participantes sobre o envelhecimento. O que a similaridade não foi capaz de realizar, foi facilmente efetivado pelas teorias implícitas e, nesses termos, é possível afirmar que as categorias se organizam em torno de uma estrutura explicativa que vincula ordenadamente os fatores constitutivos dos elementos desta categoria. A similaridade e as teorias implícitas devem ser igualmente consideradas no processo de categorização. Pode-se falar, portanto, na existência de fatores superficiais e profundos como guias para a categorização, e a decisão sobre a inclusão ou não de uma pessoa em uma categoria depende tanto da identificação das similaridades que se manifestam no plano das superfícies, como também das conjecturas disponíveis a respeito das propriedades profundas das coisas percebidas. Como ocorre a categorização? Algumas direções de pesquisa sobre o tema da categorização sugerem que a inserção do ser humano no mundo que o cerca é tão complexa que exige o trabalho simultâneo de dois sistemas de aprendizagem complementares: um que o habilita a lidar com as inumeráveis rotinas as quais se encontra sujeito; e um outro que possibilita o confronto com as situações inesperadas com as quais se depara (McClelland, McNaughton, & O’Reilly, 1995), sendo plausível a admissão de que a sobrevivência é possível devido ao ser humano ser dotado de um sistema que o habilita a lidar com o que é esperado, desde que ele é capaz de representar o ambiente de forma estável e construir modelos de mundo relativamente permanentes. E também porque esse primeiro sistema é complementado por um outro que se caracteriza por uma enorme plasticidade, habilitando-o a responder, de forma rápida, às inúmeras mudanças que frequentemente se manifestam no ambiente físico e social. Presume-se que o agente cognitivo, ao agir como um teórico, desenvolve um conjunto de ações que permite circunscrever a totalidade do fluxo de acontecimentos, transformando a multiplicidade de fatores presentes no ambiente em invariantes, a partir das quais é possível alcançar uma certa inteligibilidade dos acontecimentos que ocorrem no entorno social. A maneira pela qual esse “cientista” conduz essas operações não está clara entre os estudiosos, mas é possível supor que qualquer estímulo Psicologia social: temas e teorias 135 presente no ambiente deve ser contrastado com as categorias previamente armazenadas na memória, e caso exista alguma correspondência entre o estímulo e a categoria, então esta última se impõe e define um contexto no qual a informação passa a ter sentido. Desse modo, as categorias funcionam como teorias e as expectativas geradas pelas categorias correspondem às previsões do cientista ingênuo. Os processos inferenciais e o julgamento social A mudança de perspectiva, introduzida pela perspectiva essencialista, deixa claro que os processos cognitivos não atuam exclusivamente no sentido de simplificar e reduzir a complexidade de um mundo usualmente multiforme. Um outro papel exercido pela cognição é o de ir além da informação imediata, sendo característico da inteligência humana a realização de inferências, seja pela via indutiva ou mediante o raciocínio dedutivo. Há de se assinalar, no entanto, que embora muitas inferências sejam dotadas de validade lógica, o mais usual é que os julgamentos sociais sejam mediados por estruturas de conhecimento e pelos fatores inerentes à pessoa e ao contexto social mais amplo. Os estudiosos da psicologia cognitiva estabelecem uma diferenciação entre uma decisão implementada por uma dimensão normativa e as decisões fundamentadas em critérios empíricos (Eysenck, 1994). As decisões normativas são regidas pela preocupação em fazer com que a solução alcançada seja a mais racional ou a melhor possível. Essa estratégia tem sido extensamente adotada em alguns domínios de conhecimento, por exemplo, a economia, sendo implementada usualmente nas circunstâncias em que existe uma série de itens passíveis de serem escolhidos e os avaliadores se sintam capazes de identificar as principais dimensões relativas à decisão, definir o peso relativo de cada uma destas possíveis dimensões, obter um peso utilitário total para cada um dos itens mediante a avaliação dos valores que eles incorporam em cada uma das dimensões consideradas e selecionar o objeto, levando em conta qual item possui um valor mais alto de acordo com cálculos anteriormente realizados. Como o uso de regras para a realização de inferências é uma das principais características do raciocínio humano, seria desejável que o julgamento social fosse dotado de um altíssimo grau de precisão, que poderia ser obtido exclusivamente nas circunstâncias em que a pessoa que estivesse fazendo o julgamento dispusesse de tempo, de recursos cognitivos ilimitados, de uma extraordinária capacidade de fazer uma busca exaustiva na memória de todos os fatores relevantes à situação e que estivesse suficientemente disposta a conduzir todos os cálculos mentais requeridos para chegar a um julgamento justo. Para que esse julgamento social idealizado pudesse ocorrer seria necessário que a pessoa realizasse uma comparação em que contrastasse todos os fatores e atributos do ente ou da situação, com todas as categorias que minimamente pudessem se ajustar aos elementos identificados. Isso, claro, é uma tarefa impossível. 136 Cognição social 3.1.1.2 A dimensão metodológica Uma vez que o foco principal da investigação é o estudo dos processos individuais, a pesquisa conduzida pelos psicólogos sociais de orientação cognitivista preferencialmente tende a adotar a metodologia experimental. Trata-se de uma solução lógica para a investigação dos processos mentais e é inteiramente compatível com a necessidade de identificar e testar hipóteses relativas aos princípios universais que regem o comportamento humano. Dada a magnitude das medidas dos processos, cujas diferenças muitas vezes estão situadas na casa dos milésimos de segundo, o uso de recursos computacionais para a preparação dos procedimentos de investigação deve ser entendido como uma tendência absolutamente natural. Em função da sofisticação crescente da metodologia e dos recursos disponíveis, uma parcela considerável das pesquisas considera ao mesmo tempo dois ou mais fatores na análise dos fenômenos, o que leva a uma utilização de desenhos experimentais fatoriais, aliado a estratégias de análise multivariada dos dados (para uma revisão sobre as estratégias de pesquisa em psicologia, ver o Capítulo 2 deste Manual). Os procedimentos experimentais de investigação utilizados pelos estudiosos da cognição dependem da apresentação de informações, sob a forma de vídeos, fotos, sons, descrições ou histórias. Esses itens de informação são tratados como variáveis independentes, enquanto o registro de protocolos verbais, as medidas de atenção, de memória, de reconhecimento e de organização do conteúdo constituem as variáveis dependentes. A interpretação das medidas das variáveis dependentes encontra-se subordinada a uma metáfora de distorção, onde as diferenças entre o input e o output são consideradas indicadores da existência ou da ativação de um processo mental, muitas vezes inconsciente, no participante do estudo, e a uma medida do tempo de resposta, ao considerar que o tempo requerido para a realização de uma tarefa é um indicador da profundidade e complexidade dos processos cognitivos. No plano da pesquisa, três questões, todas tendo como foco central o problema da memória, orientam a maior parte das pesquisas sobre a cognição social. A primeira envolve a determinação do tipo de informação que é armazenada e organizada na memória. A segunda questão se relaciona com a forma pela qual a informação armazenada e organizada subsequentemente afeta o processamento de informação, a tomada de decisões e a expressão aberta do comportamento. A terceira se relaciona com a determinação das circunstâncias nas quais a informação armazenada na memória pode ser modificada, tanto por novas informações, quanto pela ação dos próprios processos cognitivos. Tipo de informação e organização dos conteúdos McIntyre, Paulson e Lord (2003) evidenciaram como a forma de apresentação dos conteúdos interfere na organização, evocação e elaboração das respostas dos participantes de um experimento psicológico. Trata-se de um estudo no qual os autores submetem a teste uma das possíveis alternativas de ação capazes de proporcionar uma redução da ameaça dos estereótipos. Esse conceito se refere a uma queda flagrante no desempenho de uma pessoa, em um determinado domínio de atividades, quando ela sabe que está sendo julgada e que é membro de um grupo sobre o qual paira no ar uma Psicologia social: temas e teorias 137 ameaça de que os membros do grupo ao qual pertence não costumam apresentar um bom desempenho naquele domínio. Dois grupos de mulheres foram alocados a condições experimentais distintas. Antes do início do teste, as participantes de um grupo tiveram acesso, mediante uma tarefa de leitura, a uma série de informações a respeito de corporações de grande sucesso e das estratégias por elas adotadas para chegar ao topo do mundo dos negócios. A leitura facilitada aos membros do outro grupo também se referia ao sucesso, mas dessa vez a referência não era a corporações, mas sim a mulheres que conseguiram se sobressair em áreas extremamente competitivas, como os negócios, o direito, a medicina e as invenções. Os resultados demonstraram que a saliência das realizações do grupo pode ser uma alternativa aceitável para a redução da ameaça dos estereótipos, pois se no grupo das mulheres em que a informação oferecida se relacionou com o sucesso das corporações e os resultados das mulheres submetidos à ameaça dos estereótipos foram flagrantemente inferiores aos obtidos pelos homens, na outra condição não foram encontradas diferenças significativas nos resultados de homens e mulheres. Influência da informação armazenada no processamento da informação Uma vez dominado o ato de ler, nenhum adulto possui qualquer dificuldade em ler o conteúdo do texto dos três triângulos apresentados na Figura 5. Figura 5 – Os três triângulos de Brooks. Na maior parte das vezes o texto incluído nos três triângulos será lido como ‘Chuva, suor e cerveja’, ‘Atirei o pau no gato’ e ‘Era pouco e se acabou’. Obviamente isso não é correto, mas acostumados com a língua portuguesa só reconhecemos que a leitura foi incorreta ao conduzir uma avaliação mais criteriosa. Esse simples exemplo demonstra quão seletiva pode ser a percepção e deixa claro o papel desempenhado pelas estruturas de conhecimento do observador na organização e no tratamento da informação (Abercrombie, 1960). Cohen (1981) demonstrou como a informação previamente armazenada interfere na evocação dos conteúdos mentais. No experimento foi apresentado um videoteipe, de 15 minutos de duração, no qual se registra um casal jantando no que aparentemente parecia ser a comemoração de um aniversário. Para a metade dos participantes foi informado que a mulher era bibliotecária, enquanto para os outros ela foi referida como uma garçonete. Após essa etapa, um terço dos participantes de cada condição, registrou imediatamente as suas impressões sobre a mulher. Os demais participantes fizeram essa mesma avaliação em momentos distintos, uma parte quatro dias depois, 138 Cognição social enquanto o terço restante avaliou o alvo uma semana após a realização da tarefa experimental. Os resultados demonstram que o conhecimento prévio da ocupação do alvo, bibliotecária ou garçonete, influenciou nas lembranças dos conteúdos do estilo de vida e do comportamento da mulher, tanto no caso dos que fizeram o julgamento imediato, quanto nos que julgaram posteriormente. Ao ser apresentada como uma bibliotecária, os participantes tenderam a se lembrar que ela bebeu vinho, comeu rosbife, portava óculos, não expressava muito afeto em relação ao seu parceiro, que a mesa do jantar estava enfeitada por flores naturais e que se ouvia música clássica durante o jantar. Se apresentada como uma garçonete, os participantes tenderam a lembrar que o prato principal do jantar foi hambúrguer, acompanhado por cerveja, que a trilha sonora foi rock’n’roll, que as flores eram plásticas, que a mulher adotava uma atitude bastante informal e expressava um grande afeto em relação ao parceiro. Modificação dos conteúdos armazenados Um estudo publicado no início dos anos 1930 do século passado representa bem a maneira pela qual os pesquisadores contemporâneos da cognição social investigam o impacto das categorias prévias no armazenamento e organização da informação. Bartlett adotava como suposição básica o entendimento de que as pessoas organizam a informação de acordo com padrões dotados de significado, e não como elementos isolados. Ao procurar superar os problemas de validade encontrados nos métodos de investigação tradicionalmente utilizados por Herman Ebbinghaus, Bartlett introduziu uma nova forma de investigar a memória, posteriormente adotada por muitos psicólogos. Ao contrário dos estudos prévios, que dependiam da apresentação de sílabas sem sentido como itens de estudo, Bartlett preferiu trabalhar com material dotado de sentido, tais como relatos folclóricos, passagens descritivas expressas sob a forma de prosa e imagens, explorando este material mediante o uso de duas técnicas, a da reprodução repetida e a da reprodução serial. No caso da reprodução repetida, mostrava-se o conteúdo de um item a ser memorizado, uma imagem, por exemplo, e em seguida era solicitado ao participante que se dedicasse a uma outra tarefa durante 15 a 30 minutos, antes de se pedir que o item submetido a memorização fosse reproduzido. Os resultados mostraram um conjunto substancial de mudanças no material reproduzido, que em alguns casos era simplificado, em outros elaborado e complementado e, muitas vezes, transformado inteiramente. Para Bartlett, tais mudanças ocorriam porque os conteúdos eram apreendidos de acordo com os esquemas mentais anteriormente disponíveis e, nas circunstâncias em que o item a ser reproduzido entrava em conflito com tais esquemas, o sistema cognitivo introduziu as distorções necessárias para ajustar o conteúdo às concepções prévias disponíveis pelos participantes do estudo. Uma tendência ao hedonismo exerce uma poderosa influência na evocação dos conteúdos da memória, a se considerar os resultados apresentados por Bahrick, Hall e Berger (1996) em um estudo no qual compararam os dados registrados nos arquivos escolares com as lembranças dos estudantes sobre as notas que obtiveram no mesmo Psicologia social: temas e teorias 139 período. Os resultados da pesquisa demonstraram uma clara diferença no grau de precisão da evocação das notas escolares, que atingiu o valor de 89%, no caso das notas mais altas, e de apenas 29%, no caso das notas mais baixas. Esses resultados indicam uma clara seletividade na evocação dos eventos agradáveis e mostram o efeito de distorção sobre a memória, mediante a atuação de um forte viés no sentido de reconstruir de forma positiva os eventos do passado. Além de identificar as distorções proporcionadas pelo processamento da informação nas respostas dos participantes, os estudos desenvolvidos pelos psicólogos sociais de base cognitiva adotam o recurso de mensurar o tempo de resposta dos participantes, com base no entendimento de que tanto o tipo quanto a complexidade dos processos mentais podem ser inferidas pelo tempo requerido para o tratamento e apresentação da informação. O estudo de Kunda, Davies, Adams e Spencer (2002) retrata a forma pela qual os psicólogos adotam o tempo de resposta para avaliar o efeito de processos cognitivos. A investigação, conduzida no Canadá, procurou testar a hipótese de que uma apresentação muito breve de uma imagem ou de um videoteipe pode ativar a representação estereotipada de um grupo alvo, enquanto a continuidade da exposição pode dissipar a manifestação dos estereótipos. Nesse caso, os participantes, estudantes da Universidade de Waterloo, assistiram ao videoteipe de uma estudante, branca ou negra, a depender da condição experimental, no qual ela descrevia a vida no campus universitário. O procedimento experimental adotado recorria a uma interrupção durante a apresentação do videoteipe, de 15 segundos ou de 12 minutos, a depender da condição experimental, na qual os participantes realizaram uma tarefa, aparentemente destinada a avaliar o engajamento cognitivo na realização da tarefa experimental, mas que em realidade era um teste de decisão lexical, composto por 56 itens, palavras e não palavras, das quais apenas seis eram destinados a avaliar a velocidade com que os participantes identificavam corretamente as palavras relacionadas ou não com o estereótipo ativado durante a apresentação do videoteipe. Os resultados podem ser vistos no gráfico apresentado na Figura 6: Figura 6 – Tempo de resposta para palavras estereotípicas e neutras, por cor da pele. 140 Cognição social O resultado demonstra, em consonância com a hipótese postulada, um menor tempo de resposta quando o participante assistiu ao videoteipe em que o alvo era negro e a palavra identificada era estereotipada, nas circunstâncias em que a ativação do estereótipo durou 15 segundos; enquanto na condição em que o tempo de ativação do estereótipo durou 12 minutos houve uma clara dissipação do efeito da ativação do estereótipo, cujos reflexos se manifestaram em um maior tempo de reação quando da avaliação das palavras estereotípicas. 3.1.1.3 A dimensão teórica: o avaro cognitivo e o taticamente motivado No plano teórico, uma questão central enfrentada pelos estudiosos da cognição social é a da capacidade e limites de processamento do agente cognitivo. Esse é um problema central nos estudos da cognição social e a solução encontrada representa um compromisso entre duas posições distintas, a do avaro cognitivo, e aquela que tende a representar o agente como taticamente motivado. Em ambos os casos, as expressões se referem a metáforas, duas a mais no arsenal utilizado pelos psicólogos sociais de orientação cognitiva (Fiske, 2018; Leary, 1994). Metáfora I: avaro cognitivo Uma metáfora, correspondente a uma determinada concepção a respeito de ser humano, a do avaro cognitivo (Fiske e Taylor, 1984), sugere que o ser humano dispõe de uma maquinaria mental de processamento de informação que está sujeita a determinados limites, tanto na velocidade quanto na quantidade de informações que é capaz de tratar simultaneamente. Uma análise muito cuidadosa do ambiente exigiria a avaliação paulatina de cada um dos eventos ocorridos no entorno e de cada uma das unidades de informação encontradas no ambiente social. Como este é essencialmente complexo e multifacetário, seria uma operação extremamente exaustiva para o sistema cognitivo atender a cada estímulo presente no ambiente, daí a estratégia de selecionar uma pequena parcela destes estímulos que podem ser atendidos e negligenciar a maioria dos elementos. Além de desconsiderar uma parcela substancial da informação, o avaro cognitivo trata de forma superficial a informação a que se dedica, elaborando muito rapidamente inferências a respeito dos estímulos e reduzindo o constante fluxo da informação a unidades discretas, o que favorece a adoção do pensamento categórico e a utilização de atalhos mentais durante as operações de processamento da informação. Esse entendimento do ser humano como um avaro cognitivo está subordinado à noção de limites (Sanford, 1987): a) temporais, quando se tem pouco tempo para tomar uma decisão; b) da quantidade de dados, quando não se pode contar com todas as informações necessárias para realizar o julgamento; e, c) em relação à habilidade, quando se é incapaz de tratar concomitantemente uma grande quantidade de informações em um curto espaço de tempo. Psicologia social: temas e teorias 141 A adoção dessa perspectiva é compatível com a suposição que dificilmente o ser humano é capaz de sempre adotar uma solução ótima ou a melhor alternativa possível. O mais usual é que na maior parte das vezes o ser humano realize as suas atividades e tome decisões de acordo com uma diretriz distinta: a solução mais valorizada é a que funciona melhor na maior parte das vezes e a que melhor se adapta às mais variadas circunstâncias. Se as escolhas humanas não podem ser indefinidamente otimizadas, elas devem ser rápidas, econômicas e pouco exigentes em termos da mobilização dos limitados recursos cognitivos disponíveis. Metáfora II: taticamente motivado Em contraposição à noção de que o ser humano é regido por mecanismos psicológicos destinados prioritariamente para tratar a informação com menor dispêndio possível de recursos cognitivos, uma outra perspectiva, a do ser humano taticamente motivado, enfatiza as circunstâncias nas quais esta regra é quebrada e privilegia, como direção de análise, as situações nas quais as pessoas se dedicam a pensar de forma cuidadosa e aprofundada sobre cada uma das peças de informação disponíveis, tratando-as de forma individualizada e não como parte de uma categoria geral. Isso não ocorre, evidentemente, em todas as circunstâncias, sendo característico das situações nas quais o agente cognitivo se encontra motivado e envolvido afetivamente com alguma particularidade da situação. O ponto de partida dessa mudança de perspectiva reside no entendimento de que qualquer interação sofre a influência das crenças a respeito da pessoa com quem se está interagindo e da situação em que a interação ocorre. Como o agente cognitivo dispõe de constructos mentais (crenças, valores, atitudes, estereótipos, preconceitos, metas etc.) que dirigem o processamento da informação e o comportamento, a influência destes constructos impõe que se aceite, ao menos parcialmente, que a cognição deve trabalhar em conjunto com os fatores afetivos e motivacionais (Wyer, Jr. & Carlston, 1994). Essa nova perspectiva de tratar o agente como taticamente motivado permite caracterizá-lo como um pensador fortemente engajado que, a partir da avaliação das metas, dos motivos e das necessidades, decide qual estratégia de ação adotar. A aceitação da metáfora do taticamente motivado permite a elaboração de um modelo antropológico no qual se concebe que o ser humano, em algumas circunstâncias, processa a informação de uma maneira mais cuidadosa, enquanto em outras, em especial quando a preservação dos recursos cognitivos é uma tarefa imperativa, tende a utilizar o pensamento categórico (Blair & Banaji, 1996; Devine, 1989). Essa concepção sobre o ser humano não representa uma rejeição pura e simples do modelo do avaro cognitivo, sendo mais correto assinalar que estas duas perspectivas devem ser consideradas complementares e ajudam a entender as diferentes facetas da manifestação dos comportamentos e das ações humanas. Em algumas circunstâncias, sobretudo em função das necessidades de parcimônia e de economia mental, o ser humano age como um avaro cognitivo, enquanto em outras, especialmente quando motivado ou afetivamente envolvido, ele é capaz de considerar a situação de uma forma mais criteriosa e sistemática. 142 Cognição social 3.2 ESTUDOS CLÁSSICOS Esta seção do capítulo apresenta uma série de reflexões sobre dois temas clássicos de estudos na área da cognição social, os quais representam distintas tradições de pesquisa, embora bastante relacionadas entre si. Iniciaremos com a discussão dos processos duais e indicaremos em que sentido podemos afirmar que somos regidos por dois sistemas cognitivos, um responsável pelas respostas automáticas e mais imediatas e, um segundo, que oferece fundamento para as ações mais controladas e refletidas. Posteriormente, discutiremos a questão das heurísticas e vieses, sejam estas entendidas como respostas rápidas e relativamente flexíveis para os problemas recorrentes e costumeiros na nossa vida ou como atalhos que nos desviam do caminho da verdade e da correção nos julgamentos. 3.2.1 PROCESSOS DUAIS: AUTOMATISMOS E CONTROLES A discussão a respeito dos processos automáticos e controlados se originou com as pesquisas desenvolvidas na área de estudo dos processos atencionais, sendo posteriormente retomada pelos psicólogos sociais. Um dos problemas fundamentais de pesquisa na psicologia social de base cognitiva envolve a determinação do grau de intencionalidade, ou de monitoramento, dos processos cognitivos que se desenrolam durante as interações sociais. O que acontece quando uma pessoa entra no campo visual de alguém? A categorização ocorre de forma automática ou controlada? É necessário refletir para decidir rotular as garotas retratadas na Figura 7? Figura 7 – Como as garotas podem ser categorizadas? Psicologia social: temas e teorias 143 De maneira mais imediata, elas podem ser categorizadas como humanas, embora também possam ser facilmente categorizadas como mulheres ou jovens. Essas categorizações ocorrem de maneira praticamente automática. Outras modalidades de categorização, no entanto, são possíveis. O que faz com que uma modalidade de categorização predomine sobre a outra? O que faz com que em algumas circunstâncias as pessoas na foto sejam categorizadas como mulheres e em outras como estudantes? A teoria dos processos duais (Evans & Stanovich, 2013) ofereceu uma resposta a essa questão ao assinalar que as condições em que o processamento ocorre é um elemento decisivo. Segundo essa teoria, os seres humanos possuem duas formas de processamento de informação, conhecidas como processamento de Tipo 1 e de Tipo 2. O processamento de Tipo 1 não requer grande sobrecarga da memória de trabalho, se caracteriza por expressões mais automáticas e se manifesta de maneira associativa quando se está diante de um determinado estímulo ou contexto. Nas relações sociais, ele envolve os padrões de resposta resultantes do longo período de experiências de relação entre objetos e atributos e está ligado ao aprendizado implícito e aos processos de condicionamento. O processamento de Tipo 2 requer uma maior quantidade de recursos cognitivos e, até então, parece ser uma característica única dos seres humanos, estando relacionado à inteligência fluida e ao pensamento hipotético. Ainda que, esses tipos de processamento sejam descritos de maneira separada (sistemas 1 e 2), esta separação serve, sobretudo, para facilitar a comunicação ao público e auxiliar na condução das pesquisas, pois estes processos não são mutuamente exclusivos. Ainda que o processamento de Tipo 1 se expresse de maneira mais automática e requeira menor capacidade da memória de trabalho, o condicionamento que proporcionou a formação dos seus conteúdos necessitou, em alguma medida, o aprendizado individual, o processamento de Tipo 2. Por outro lado, ainda que o processamento de Tipo 2 requeira mais recursos cognitivos e pareça ser único entre os seres humanos, as simulações mentais necessitam de algum tipo de conhecimento prévio como referência, o que o aproxima do processamento de Tipo 1 (Evans & Stanovich, 2013). Tendo apresentado de maneira resumida os processos duais, torna-se mais simples falar sobre um dos seus desdobramentos teóricos, a teoria do automatismo e controle. O automatismo se manifesta de maneira rápida, requer menor esforço, é mais espontâneo e apresenta dificuldades para lidar com novas situações (Devine & Sharpe, 2009). A sua ativação pode corresponder tanto à necessidade de eficiência na realização de tarefas que requerem hábito, quanto à falha em uma estrutura que envolve emoções, pensamentos e comportamentos (Fujita, Trope, Cunningham, & Liberman, 2014). Quando ativado, esse tipo de cognição se torna difícil de suprimir e, ainda que a sua função seja necessária nas atividades do dia a dia, nas relações sociais ele pode determinar a adoção de decisões equivocadas e preconceituosas. O controle, por sua vez, ocorre de maneira deliberada, lenta, requer maior esforço e envolve maior flexibilidade na tomada de decisão (Devine & Sharp, 2009). Esse processo necessita do funcionamento satisfatório de uma estrutura que inclui emoções, pensamentos e comportamentos direcionados a um determinado fim. Nesse sentido, se a pessoa se encontra sujeita a pressões de tempo, se não considera a pessoa avaliada como impor- 144 Cognição social tante ou se os recursos cognitivos que dispõem no momento estão ocupados ou são escassos, predomina o automatismo, enquanto nas circunstâncias em que o tempo não é um fator premente, os recursos cognitivos estão intactos e a pessoa é importante, predomina o controle. Uma série de estudos desenvolvidos entre as décadas de 1970 e 1980 (Anderson, 1985; Bargh, 1984; Posner & Snyder, 1975; Shiffrin & Schneider, 1977) permitiu estabelecer as principais diferenças entre o automatismo e o controle. Como o automonitoramento é um elemento definidor do controle, o agente cognitivo sempre procura monitorar e ajustar o andamento do processo, comparando-o com o estado final almejado, algo que não ocorre no caso do automatismo, pois este, uma vez disparado, geralmente por um ato consciente, permanece ativo mesmo na ausência de qualquer interferência por parte do agente. Como envolve o monitoramento consciente, o controle requer muito mais tempo para ser completado, quando comparado ao automatismo. Em relação ao manuseio do fluxo da informação, presume-se que o controle está subordinado a um tratamento serial, no qual os elementos são processados um a um, enquanto sob a perspectiva do automatismo é possível se processar vários itens de informação em paralelo. Para ser capaz de tratar várias informações ao mesmo tempo, o automatismo deve se manifestar nas circunstâncias em que a tarefa a ser realizada não apresenta um grau de dificuldade muito grande, ou que o agente possui um domínio tal da tarefa que pode se desvencilhar dela de maneira rotineira. O automatismo é apropriado para lidar com as coisas que exigem alguma dificuldade para serem realizadas ou quando se está a aprender uma determinada tarefa. De acordo com Posner e Snyder (1975), a principal diferença entre as duas cognições depende da aceitação da função geral cumprida pelos mesmos na adaptação do organismo humano ao ambiente: o automatismo se encarrega de realizar um mapeamento das regularidades de longo prazo encontradas no ambiente, enquanto o controle seria mais capaz de se adaptar às mudanças mais sutis que se manifestam em curto espaço de tempo. Seguindo a linha do modelo do processamento dual, o automatismo e o controle não são mutuamente exclusivos, mas sim, dependendo do tipo de tarefa, uma destas cognições pode se impor à outra. Para demonstrar isso, Jacoby (1991) desenvolveu um método de análise conhecido como processo dissociativo, que se caracteriza por uma equação que estima a manifestação do automatismo sem desprezar o impacto do controle e vice-versa. Como exemplo, pode-se pensar em uma pessoa que ao ver um indivíduo que usa roupas de grife o imagine uma pessoa rica. Pode-se pensar, também, que essa pessoa resolveu checar se esse indivíduo é, de fato, rico e resolveu confirmar a hipótese fazendo algumas indagações. Para facilitar essa explicação, usamos a letra “R” para se referir à chance de a pessoa acertar que esse indivíduo que usa roupas de grife seja, realmente, rico e a letra “N” para se referir à chance de a pessoa errar e esse indivíduo não ser rico. Seguindo a linha de raciocínio do processo dissociativo, o acerto seria a subtração do acerto pelo erro (R-N). Se por acaso, a pessoa curiosa errar, é necessário levar em consideração a associação automática entre uma pessoa que usa roupas de grife e riqueza e a chance de a pessoa curiosa ter acertado (R-1). Seguindo a linha de raciocínio do processo dissociativo, a análise da probabilidade de acerto (controle) e de erro (automatismo) poderia ser representada pela equação R-N/R-1 (é Psicologia social: temas e teorias 145 importante assinalar que a equação aqui apresentada é uma simplificação do processo dissociativo, com o objetivo de facilitar o entendimento, e nem sempre o automatismo se refere a erro, mas também pode significar respostas mais eficientes que correspondem ao hábito). Com base no informado por Jacoby (1991), modalidades correlatas de processo dissociativo foram desenvolvidas para estimar a associação automática entre pessoas negras e armas de fogo (Payne, 2001), analisar vieses no julgamento moral (Conway & Gawronski, 2012) e o efeito do racismo na tomada de decisões (Burke, 2015). Wegner e Bargh (1998) apresentaram sete modalidades de relações entre os automatismos e o controle. A primeira forma envolve uma interação em paralelo entre os dois processos e recebe uma denominação de claro sabor informático, a multitarefa. Assim, da mesma forma que um computador pode ao mesmo tempo receber as mensagens de e-mail em um aplicativo, enquanto um outro navega pela Internet e um terceiro faz o download de um arquivo, nas circunstâncias em que os processos automáticos não exigem muitos recursos cognitivos o agente se encontra habilitado a realizar mais de uma atividade ao mesmo tempo. Uma segunda modalidade de interação entre os dois processos difere da primeira por não exigir o concurso simultâneo de duas atividades. No caso da delegação, um processo controlado dispara um processo automático, algo característico dos contextos nos quais o agente se encontra cansado e incapaz de manter o controle sobre o seu próprio comportamento e o automonitoramento contínuo durante a realização de uma determinada tarefa. Isso ocorre especialmente nas tarefas nas quais o julgamento social está envolvido, em especial quando o agente se encontra exausto pela quantidade de trabalho realizado e deixa de julgar de forma cuidadosa, atenta e individualizada, passando a fazer uso do processamento automático. Assim, mesmo um recrutador diligente, ao fim de um dia de labuta, exausto mental e fisicamente, pode deixar de tratar cuidadosamente as informações, passando a decidir a partir de critérios mais categóricos, como a idade, a cor da pele ou a orientação sexual. A terceira modalidade de relação entre automatismo e controle é denominada de orientação e ocorre quando um processo automático coloca em ação um processo controlado. O recrutador do exemplo anterior pode se dar conta, por exemplo, de que não está julgando os candidatos com a seriedade que a função que ocupa exige e imediatamente se reorienta e corrige os rumos de uma entrevista, que sabia estar sendo conduzida de forma leniente. Em uma outra modalidade de relacionamento entre os processos automáticos e os controlados, a intrusão, um processo automático inibe e se sobrepõe a um processo controlado. No caso do exemplo anterior, o entrevistador durante o intervalo entre as entrevistas pode ter saído da sala e ido à copa se servir de um café fresquinho e, casualmente, encontrar um colega que lhe pergunta o nome de um filme. O entrevistador conhece bem o filme, pois o assistira duas ou três vezes, mas não consegue se lembrar de imediato o nome da obra cinematográfica. Ao retornar ao local de trabalho e dar continuidade às entrevistas percebe que insiste em tentar lembrar o nome do filme, o que o impede de prestar a atenção devida às palavras do entrevistado. Embo- 146 Cognição social ra tenha tentado de todas as formas possíveis se concentrar na entrevista, a busca pelo nome do filme na memória ocupou a mente do entrevistador durante toda a tarde, o que evidencia o poderoso efeito da intrusão dos processos automáticos. Ao contrário da intrusão, a regulação representa uma situação na qual um processo controlado inibe e se sobrepõe a um processo automático. Nesse caso, um processo mental é capaz de inibir e afastar alguns pensamentos suficientemente insistentes para incomodar, ainda que não tenham força suficiente para se impor. Voltando ao exemplo do recrutador, este pode em determinado momento da entrevista começar a pensar na sessão de cinema marcada para o início da noite e, imediatamente, inibir, com rapidez, uma sucessão de ideias cinematográficas. Nesse caso, os processos controlados não ofereceram qualquer oportunidade e inibiram inteiramente o impacto dos processos automáticos. A automatização, a sexta modalidade de relacionamento, ocorre sempre que um processo controlado se automatiza. Os hábitos contribuem para a criação de uma rotina em que algumas práticas ou tarefas que eram realizadas inicialmente sem desenvoltura, uma vez automatizadas passam a ser realizadas sem qualquer esforço adicional. O recrutador no início de sua carreira profissional precisou aprender uma série de coisas e à medida que dominou estas tarefas passou a realizá-las com uma boa desenvoltura. De posse dessa habilidade, ele está capacitado a fazer anotações sem interromper outras tarefas ou a fazer um julgamento bastante rápido se a situação assim o exigir. A última modalidade discutida por Wegner e Bargh é a disrupção, que ocorre nas circunstâncias em que um processo automático se transforma em um processo controlado. Pode ser que o entrevistador, assoberbado por outras preocupações ou nos limites de suas forças naquele dia de trabalho, passe a se dar conta de que apenas passou os olhos no currículo do candidato ou que está conduzindo a entrevista de uma forma dispersa e desinteressada. Imediatamente ele muda a sua própria postura, volta à primeira página do currículo e passa a ler o conteúdo e a considerar de forma cuidadosa as habilidades do candidato, retomando a entrevista de uma forma mais criteriosa e responsável. Nesse caso observa-se, portanto, que os processos controlados se sobrepõem e dominam os processos automáticos que insistiam em se fazer presente no início da entrevista. 3.2.2 HEURÍSTICAS E VIESES O termo heurística foi adotado pelos estudiosos da inteligência artificial para se referir a uma estratégia usada por programadores para fazer com que um computador seja capaz de simular o modo de funcionamento da mente humana, mediante o uso exaustivo e sucessivo de algoritmos até atingir a solução almejada (Moskowitz, 2005). Ao contrário dos computadores, não buscamos soluções computacionalmente perfeitas e nos contentamos com soluções minimamente satisfatórias para a atender às nossas demandas mais imediatas, o que torna o uso de atalhos uma solução muito mais econômica do que adotar alguma modalidade de processamento exaustivo realizado Psicologia social: temas e teorias 147 mediante estratégias algorítmicas. Esses atalhos, numerosos, face às exigências cotidianas aos quais estamos expostos, não são tão otimizados quanto às estratégias algorítmicas, mas são bem mais fáceis de serem implementados. Dado o número substancial de heurísticas, utilizaremos um modelo de classificação inspirado em uma obra publicada em 1620 pelo filósofo escocês Francis Bacon, na qual foi postulada a diferenciação entre quatro categorias de erros capazes de desencaminhar a inteligência humana das sendas da virtude e apressar o passo em direção aos erros de julgamento e de raciocínio (Bacon, 1997). Tais fontes de erros, denominadas ídolos, fazem referência à • natureza humana – exemplificada pelos ídolos da tribo; • à biografia – os ídolos da caverna; • às relações – os ídolos do foro; e • à inteligência humana – os ídolos do teatro. Indicaremos o que caracteriza cada um desses ídolos e como eles se relacionam com as modernas teorias formuladas sobre a tendência humana a utilizar de forma sistemática heurísticas e vieses. 3.2.2.1 Ídolos da tribo: clusterização, pareidolia e vieses de aceitação As pressões evolutivas impuseram uma série de limites e restrições às capacidades cognitivas dos seres humanos, particularmente no que concerne aos exageros relativos à identificação de padrões em que supostamente existem apenas um emaranhado de itens aleatórios e sem qualquer relacionamento sistemático. Uma vez que reconhecer padrões sistemáticos entre os eventos pode ter sido uma habilidade decisiva para a sobrevivência humana, é factível a suposição de que a natureza nos tenha presenteado com um certo exagero em tal capacidade, fazendo-nos identificar padrões onde efetivamente eles não existem. A clusterização é uma heurística cujos fundamentos envolvem a imposição de uma métrica fundamentada na dimensão da similaridade, a qual impele que elementos totalmente desconexos e sem qualquer relacionamento entre si, caso sejam similares sob o ponto de vista da aparência, sejam percebidos como partes de uma configuração maior (Gilovich, Vallone, & Tversky, 1985). Ao contrário da heurística da clusterização, cujo elemento mais distintivo se refere à natureza e à organização dos estímulos, a heurística da pareidolia se aproxima mais da dimensão do percebedor ou, para ser mais exato, do grau de familiaridade de quem percebe, assim como do conjunto de experiências prévias do percebedor com o objeto percebido. É a nossa familiaridade com a observação das nuvens e com as representações imagéticas dos animais que impõe que identifiquemos formas animais em objetos que são apenas nuvens (Pavlova, Heiz, Sokolov, Fallgatter, & Barishinikov, 2018; Pennycook, Cheyne, Barr, Koehler, & Fugelsang, 2015). 148 Cognição social Se as experiências relacionadas com a clusterização e a pareidolia mantêm forte dependência com os processos sensório-perceptuais, os vieses de aceitação estão associados principalmente aos processos cognitivos. Como sugerido pelo nome da heurística, trata-se de uma tendência, considerada decisiva na sobrevivência da espécie humana, em aceitar os falsos positivos, a considerar válida a crença na existência das inferências a respeito das relações entre dois eventos, ainda que tais relações venham posteriormente a se demonstrar equivocadas. Conforme assinalaram von Hippel e Trivers (2011), a crença de que o outro está falando a verdade e não enganando ou mentindo, embora possa posteriormente se mostrar equivocada, representa uma condição decisiva para restaurar o conforto em condições de incerteza e para fazer frente aos inúmeros desafios enfrentados ao longo da vida. Em certa medida, os vieses de aceitação podem ser facilitados por algumas inclinações caracteristicamente humanas, pois tendemos a acolher as informações compatíveis com o senso comum caso elas sejam expressas de maneira direta, clara e sem subterfúgios, sejam compatíveis com o até então considerado verdadeiro, se forem compartilhadas pelos demais e favorecerem o julgamento positivo a respeito do grupo, da cultura e da visão de mundo hegemônica na sociedade em que se vive. Figura 8 – Apenas nuvens? (Imagem gerada com o engenho de inteligência artificial DreamStudio AI) Psicologia social: temas e teorias 149 3.2.2.2 Ídolos da caverna: eu como centro de referência, excesso de confiança, ilusão de controle, autojustificação e autoconfirmação Se nos igualamos a todo e qualquer humano por estarmos todos sujeitos às mesmas pressões evolutivas e sermos dotados de estruturas neurais muito semelhantes, as circunstâncias que se apresentam na vida fazem com que cada um de nós tenha de viver de uma maneira toda particular. Somos aquinhoados com uma biografia que nos singulariza e nos diferencia dos demais. Todos somos socializados, habituamo-nos com o que é comum à nossa cultura e nos acostumamos a atender às demandas cotidianas a partir de um repertório de hábitos compartilhados com os que vivem no nosso meio. As heurísticas relacionadas com os ídolos da caverna se referem a mecanismos associados às ações de indivíduos singulares, dotados de corporeidades características, definidas em função de critérios, como a idade, o sexo e outros marcadores fenotípicos. Se os hábitos e as rotinas de um menino de 5 anos de idade diferem substancialmente daqueles comuns a uma adolescente de 16 anos, os ídolos da caverna deixam claro os mecanismos cujo domínio de ação os aproximam mais do plano da biografia. A heurística do eu como centro de referência, como indicado pelo nome, se manifesta nas circunstâncias em que a medida de todas as coisas é calculada em função de um sistema de referência inteiramente pessoal (Gilovich, Medvec, & Savitsky, 2000; Ross & Sicoly, 1979). Imaginar-se no centro do mundo não é uma operação difícil de ser realizada. Estudos conduzidos na área da psicologia cognitiva sobre os mapas mentais adotam a expressão ‘quadro de referência cognitivo’ para aludir à estratégia de auto-orientação em que a pessoa se imagina no centro da ação e adota o seu próprio ponto de referência para processar a informação (Benjafield, 2007). Essa heurística é usual na vida cotidiana e responde por uma série de situações nas quais a pessoa é incapaz de modificar a perspectiva de análise da situação e se colocar na posição do interlocutor. O efeito de um quadro de referência pessoal suficientemente rígido torna-se indisputável no caso em questão. Quanto mais rígidas forem as crenças pessoais, menor a probabilidade de alguém desconsiderar as próprias capacidades de julgamento e, consequentemente, maior o risco em fazer uma avaliação inadequada da situação. Imaginar-se o centro do universo está fortemente associado com uma avaliação excessivamente otimista acerca de si mesmo, sendo razoável imaginar a existência de mecanismos psicológicos destinados a manter intacta a avaliação positiva do autoconceito e da autoestima. A heurística do excesso de confiança alude aos vieses que atendem a esta demanda, sendo decisiva no sentido de impor uma tendência a identificar as ameaças que poderiam incidir sobre essa avaliação positiva e, consequentemente, impor distorções na avaliação e no julgamento de maneira a minorar o efeito destas ameaças (Kruger & Dunning, 1999; Moore & Healy, 2008). Confiar demais em si mesmo pode ser tão disruptivo quanto confiar demais nos outros, associando-se demasiadamente com a credulidade. Os efeitos dessa heurística podem se manifestar em alguns domínios, a começar pela condução de julgamentos distorcidos no sentido de se imaginar apto a realizar determinadas atividades ou ser dotado de habilidades 150 Cognição social que definitivamente estão fora do alcance. Essa tendência é disparada muito mais facilmente nas circunstâncias em que são conduzidas comparações entre o próprio desempenho e o dos outros e impõe uma distorção no sentido de supervalorizar as próprias habilidades e a considerar o desempenho do outro apenas mediano ou, em alguns casos, absolutamente pífio. Em resumo, representa um exagero na estimativa do que se é capaz de fazer, algo bastante comum mesmo entre aqueles que detêm conhecimentos especializados sobre algum domínio científico (Metcalfe, 1988; Tetlock, 1998). Se temos uma enorme confiança em nossas capacidades, não temos como duvidar que seremos capazes de manter o curso dos acontecimentos numa direção compatível com as nossas expectativas, ainda que as circunstâncias nos impeçam de interferir ou modificar os acontecimentos por força das nossas ações. Esse tipo de erro de raciocínio é denominado heurística da ilusão de controle (Langer, 1975; Presson & Benassi, 1996; Thompson, 1981; Wolfgang, Zenker, & Viscusi, 1984). Uma área na qual a heurística da ilusão de controle se manifesta é a dos jogos e apostas. Não é incomum que apostadores e jogadores desenvolvam rituais e não duvidem que se algo sair do roteiro a possibilidade de vitória estará definitivamente comprometida, ao tempo que apostar na manutenção do ritual será suficiente para garantir o sucesso da jornada. A gravata vermelha, a moedinha misteriosa, o sopro nos dados, a entrada no recinto com o pé direito, a cadeira do sucesso; elementos como estes contribuem para a manter a ilusão de controle e oferecem um conforto que nenhuma explicação razoável consegue corromper (Delfabbro & Winefield, 2000; Dixon, Hayes, & Ebbs, 1998; Wolfgang, Zenker, & Viscusi, 1984). Figura 9 – Um jogador (pouco) bafejado pela sorte. (imagem gerada pelo engenho de inteligência artificial DreamStudio AI) Psicologia social: temas e teorias 151 Em outras áreas, a exemplo da saúde, a ilusão de controle pode exercer efeitos ainda mais funestos. Alguém que se ilude em relação à própria saúde termina por assumir riscos muito significativos, pois ao se imaginar em bom estado acaba por evitar a adoção de ações compatíveis com uma maior probabilidade de recuperação (Harris & Middleton, 1994). Seja pela ilusão de controle, por se colocar no centro do universo ou por excesso de confiança, tendemos a selecionar de forma cuidadosa as informações que nos interessam, a considerá-las mais do que justificadas, a valorizá-las e levá-las em consideração nas circunstâncias em que decisões devem ser tomadas e implementadas. A tendência à autojustificação se associa fortemente com um outro mecanismo de enviesamento, a heurística da autoconfirmação, cujo efeito principal reside em nos fazer menosprezar ou considerar pouco dignas de nota as informações que contrariem as crenças e expectativas que acolhemos (Myers, 2019). Se todos estamos sujeitos às mesmas pressões evolutivas, os ídolos da caverna nos obrigam a reconhecer os erros que cometemos em função daquilo em que somos singulares. A nossa biografia é particularmente marcada pela educação que recebemos e os ídolos da caverna nos fazem confiar cada vez mais naquilo em que acreditamos e isso nos torna escravos de nós mesmos, dos nossos hábitos e dos costumes que cultivamos. 3.2.2.3 Ídolos do foro: polarização grupal, validação consensual da realidade, falso consenso, retratação, exclusividade, perseverança e retratação Ao aportarmos ao mundo, aqui desembarcamos absolutamente despreparados para enfrentar os enormes desafios e, caso não fôssemos acolhidos por um grupo humano, a nossa sobrevivência estaria irremediavelmente comprometida. Esse é o bom indicador de quão social é a condição humana e permite entender a suposição de Francis Bacon de que as relações que estabelecemos com os demais, mediadas sobretudo pela linguagem, podem estar sujeitas a inúmeros erros, pois nos apegamos muito mais ao universo das palavras e nomes do que ao mundo real. As disputas nas quais frequentemente nos envolvemos se relacionam sobretudo com as palavras e os nomes, e muito menos com as coisas referidas pela linguagem. Quantas e quantas vezes não utilizamos nomes para aludir a coisas que não existem, embora o mais comum seja utilizá-los para se referir a coisas reais, embora estas possam estar tão mal definidas, que em lugar de implementar um debate razoável e esclarecedor nos encaminham na direção da confusão e do erro? No contexto dos embates que se apresentam no âmbito das relações sociais, a utilização de recursos verbais com a finalidade de imobilizar ou sobrepassar o oponente não é incomum. O apoio em um grupo de afins contribui decisivamente para a ação dos ídolos do foro. A heurística da polarização grupal informa quão natural é limitar os espaços de convivência, frequentando ambientes muito restritivos, apoiando e buscando apoio em quem comunga os mesmos pontos de vista e, caso necessário, apelar 152 Cognição social ao grupo para colocar os “atrevidos” no devido lugar, espezinhar os divergentes ou menosprezar os incautos que se colocam numa posição de neutralidade (Vicario, Quattrociocchi, Scala, & Zollo, 2019). Ser bem acolhido ou ter as ideias bem acolhidas por um grupo proporciona o florescimento de um sentimento favorável em relação ao grupo, o que facilita o entendimento de que o defendido pelo grupo é uma posição absolutamente natural e razoável, ao tempo que intensifica um sentimento de rejeição em relação às teses contrárias ao defendido pelo grupo (Lees & Cikara, 2021). Figura 10 – Um grupo humano desfruta uma boa prosa em um sítio aprazível. (imagem gerada pelo engenho de inteligência artificial DreamStudio AI) A heurística da validação consensual da realidade alude a esta tendência a deixar de levar em conta a observação da realidade e a confiar muito mais naquilo que é reiteradamente confirmado durante os encontros com os membros do próprio grupo. A busca pela convergência de opiniões e a tentativa de adoção de padrões coordenados de conduta entre os membros de um grupo exerce, muitas vezes, um efeito tranquilizador, particularmente quando se enfrenta situações nas quais a incerteza, o medo ou o pânico se apresentam no horizonte (Butts, 1998; Krueger, Vogrincic-Haselbacher, & Evans, 2019). Psicologia social: temas e teorias 153 Não é incomum, em um universo consensualmente definido pelo grupo, que se manifeste uma tendência a oferecer suporte à estimativa de que o número de pessoas que acolhe opiniões semelhantes à nossa seja maior do que se apresenta na realidade. Esse mecanismo que leva ao exagero é denominado heurística do falso consenso (Mullen, Atkins, Champion, Edwards, Hardy, Story, & Vanderklok, 1985). Ela atua quando uma pessoa passa a acreditar que a posição que defende é majoritária, ou compartilhada por um grande número de pessoas (Marks & Miller, 1987). Uma pessoa que decide se comportar de uma determinada maneira tende a acreditar que a sua forma de agir é mais usual que aquela escolhida por uma pessoa que preferiu adotar um curso de ação distinto. De acordo com Ross, Greene e House (1976), os observadores tendem a superestimar o grau com que as suas respostas são vistas como representativas da opinião da maioria. Nesse sentido, uma vez que a resposta é vista como algo consensual, ela seria pouco informativa a respeito das intenções ou das disposições do ator. Ao avaliarem a literatura sobre o assunto, Alicke e Largo (1985) reconheceram que essa heurística deve ser analisada como um processo dotado de uma relativa complexidade. Uma possível explicação para esse fenômeno é a exposição seletiva. Um dos espaços em que a heurística do falso consenso se manifesta com mais vigor é o do ambiente dos pequenos grupos, especialmente quando os membros do grupo compartilham, como é usual, um mesmo sistema de crenças ou opiniões. Nesse contexto, existe pouco espaço para a expressão de pontos de vista contraditórios, o que favorece a assunção de uma crença generalizada de que todos pensam da mesma. Um outro viés que se fundamenta no exagero é a heurística da exclusividade, a qual envolve uma tendência a supervalorizar as próprias habilidades e capacidades, ao tempo que se considera aos outros ineptos ou incapazes, ou pelos menos, não tão talentosos o quanto somos (Ross, Greene, & House, 1977; Suls, Wan, & Sanders, 1988). Essa heurística pode se referir tanto às nossas capacidades pessoais, e nesse particular, tendemos a nos considerar bem mais talentosos do que as outras pessoas, inclusive as do nosso grupo, ou pode aludir ao plano grupal, no qual consideramos que o grupo ao qual pertencemos é um clube de acesso estrito e exclusivo a que toda e qualquer pessoa almeja se filiar. Usualmente tendemos a ser seletivos em relação às fontes de informações com as quais estamos dispostos a manter algum tipo de contato. A heurística da perseverança se refere a essa tendência a escolher os meios nos quais procuramos nos informar, como também a restringir os nossos contatos interpessoais e intergrupais àquelas pessoas que compartilham as nossas crenças, o que faz com que nos distanciemos das pessoas ou grupos que defendem posições incompatíveis com as nossas e restrinjamos a nossa esfera de ação aos grupos ou às pessoas que se posicionam de forma consistente com o que acreditamos (Ross, Lepper, & Hubbard, 1975). O poder das palavras é decisivo no que concerne ao efeito dos ídolos do foro. Uma afirmação intempestiva, uma afirmação mal proferida pode acarretar danos irremediáveis a uma reputação, ainda que a pessoa que tenha cometido o deslize tente retroceder. A heurística da retratação se refere a uma tendência a dificilmente conseguir apagar da memória uma informação dotada, até então, de credibilidade. Nada garante que os membros de um júri em um tribunal desconsiderem uma informação nele 154 Cognição social previamente apresentada, ainda que tenham sido explicitamente orientados a desconsiderar aquela peça de informação. Tampouco é razoável tecer comentários desabonadores em relação a um interlocutor e solicitar, em seguida, ou mesmo em um momento posterior, que este apague da memória o que ouviu. Temos uma tendência de remoer a informação, ainda que tenhamos sido explicitamente orientados a desconsiderar a informação que nos foi apresentada (Bar-Ilan & Halevi, 2021). 3.2.2.4 Ídolos do teatro: negligência das probabilidades, iletramento estatístico, correlação ilusória, repetição, fluência, ancoragem e ajustamento, representatividade, acessibilidade e regressão à média A última categoria de ídolos, os do teatro, se encontra associada com o plano das doutrinas e teorias e cuja aceitação irracional e indiscriminada impõe certezas intelectuais que terminam por nos afastar de uma visão mais objetiva da realidade. Trata-se de um quadro particularmente pungente, pois esse ídolo tende a sub-repticiamente a se insinuar em um domínio no qual o rigor da prova e a preocupação com o pensamento lógico é preponderante. O reconhecimento da ação dos ídolos do teatro pode representar um antídoto contra a arrogância intelectual e contra a vaidade acadêmica, pois seus efeitos deixam claro que mesmo nos locais dedicados ao conhecimento e ao cultivo das virtudes da ciência, nos espaços amiúde frequentados por aqueles que por formação e dever de ofício se dedicam aos afazeres intelectuais, os paralogismos e os erros de raciocínio atuam de forma inexorável. Psicologia social: temas e teorias 155 Figura 11 – Um local dedicado à ciência e ao conhecimento. (imagem gerada pelo engenho de inteligência artificial) O apego a doutrinas e teorias, aprendidas com muito custo e objeto de dedicação diuturna, é algo intrinsecamente humano. Isso faz com que algumas diretrizes básicas nas ciências sejam abandonadas. O raciocínio probabilístico é um domínio no qual esses efeitos têm sido sistematicamente documentados. O impacto dos trabalhos de Tversky e Kahneman (1974) na área de julgamento em condições de incerteza se manifestou em várias direções. Um desses desenvolvimentos, os estudos relativos ao julgamento sobre a probabilidade de ocorrência de um evento, evidenciou a enorme dificuldade que as pessoas encontram ao trabalhar com a noção de evento aleatório. Uma situação típica apresentada nesses estudos envolve solicitar que o participante do estudo faça algum tipo de estimativa e, posteriormente, evidenciar a dificuldade do participante em lidar com julgamento que envolve probabilidades. Um dos exemplos mais conhecidos relaciona-se com a estimativa de julgamento a respeito da ordem de nascimento dos seis filhos de um casal, três garotos e três meninas. Frente a uma série de alternativas de resposta, em geral o participante considera que seja mais provável que a ordem de nascimento seja, por exemplo, mulher, homem, 156 Cognição social mulher, homem, homem e mulher, e considera altamente improvável que a ordem seja mulher, mulher, mulher, homem, homem e homem. Não existe nenhum fundamento lógico para a aceitação que a primeira alternativa seja mais provável que a segunda, mas a ordem de nascimento apresentada na segunda sequência não parece ser nada intuitiva. A dificuldade para aceitação que a segunda sequência possa ser tão provável quanto a primeira ocorre porque, de modo geral, as pessoas associam o acaso à ausência de regras, enquanto o caso representa claramente a aplicação de uma regra, primeiro nascem as garotas e depois os varões. A dificuldade para a aceitação reside na impossibilidade que as pessoas geralmente encontram em compreender o conceito de aleatorização, em especial a diferenciação entre o não aleatório e a aleatorização entendida como um processo ou como um produto. O resultado de um processo aleatório pode gerar produtos que aparentemente não são aleatórios, e isto pode levar a pessoa a acreditar que o processo em si não é aleatório. A sequência mulher, mulher, mulher, homem, homem, homem é o resultado de um processo inteiramente aleatório, embora as pessoas dificilmente acreditem nisso. Desrespeitar as probabilidades é mais comum do que imaginamos e a heurística da negligência das probabilidades alude a uma condição que impõe que nos preocupemos exageradamente com a ocorrência de um evento cujas chances de se manifestar se posicionam na casa do altamente improvável (Barbey & Sloman, 2007). Alguém que se preocupa em demasia em sofrer um acidente de avião é um exemplo dessa heurística, pois a possibilidade de sofrer um contratempo no meio de transporte que a leva ao aeroporto é bem maior do que a de ser vítima de um acidente aéreo. O iletramento estatístico impõe que interpretemos de forma inadequada indicadores estatísticos e, ainda mais grave, que as nossas ações sejam totalmente condizentes com estas interpretações errôneas (Myers, 2019; Lyons, Merola, & Reifler, 2020). Ainda no domínio estatístico, um dos erros inferenciais mais comuns é a correlação ilusória. Durante a disputa da Copa do Brasil de futebol, no ano de 2007, a equipe do Botafogo foi visivelmente prejudicada pela arbitragem durante o confronto com outra equipe, em uma etapa avançada da competição. No dia seguinte, o técnico, os torcedores e alguns dirigentes fizeram uma série de declarações à imprensa, nas quais as reclamações contra a arbitragem eram a tônica. Tudo não seria mais do que uma típica reclamação dos perdedores que se segue à derrota em uma partida importante, se o alvo principal das reclamações não fosse uma auxiliar de linha, do sexo feminino. Um dirigente chegou a insinuar sobre a falta de propriedade na escolha de mulheres para dirigir partidas disputadas por homens, sugerindo que a auxiliar, após a jornada infeliz, fosse definitivamente excluída do quadro de árbitros da Confederação Brasileira de Futebol. Por certo, a entidade máxima do futebol brasileiro se sentiu sensibilizada face às reações da imprensa e dos dirigentes, pois na mesma semana da atuação desastrosa da auxiliar prescindiu temporariamente dos serviços da ilustre senhora em torneios oficiais. Se erros de arbitragem em partidas de futebol ocorrem em praticamente todos os jogos, por que uma reação tão desmedida em relação aos erros da auxiliar? Simples- Psicologia social: temas e teorias 157 mente porque ela é mulher... e mulheres auxiliares de arbitragem ainda hoje são raras. Se dois eventos que chamam a atenção, uma senhora auxiliar de linha e um erro escandaloso de arbitragem aparecerem associados, cria-se uma ilusão de que os dois eventos estão sempre associados. Daí a expressão correlação ilusória, para fazer referência a uma associação indevida entre dois acontecimentos incomuns, o que leva a pessoa a decidir que um evento dessa natureza sempre se encontra associado ao outro. Dessa forma, o processo de correlação ilusória cria a associação mulheres-erros de arbitragem, e esta associação termina por fazer que dirigentes dos clubes mais afoitos solicitem a exclusão de auxiliares de linha do sexo feminino, pois futebol é coisa de macho, e impele os dirigentes da comissão de arbitragem a excluir, mesmo que temporariamente e sem nenhum pudor, alguém que cometeu um erro, quase semelhante aos que ocorrem diariamente nos inúmeros campos de futebol espalhados pelo planeta. Os ídolos do teatro, no entanto, não se restringem aos limites impostos pelos erros interpretativos. A miopia cognitiva vai além, pois em algumas circunstâncias os erros são cometidos pela dificuldade em estimar com precisão a fonte, o grau de confiabilidade e a validade das informações recebidas (Fiedler, 2019). O domínio argumentativo também oferece um excelente potencial para a ação dos ídolos do teatro. Pesquisadores da heurística da repetição demonstraram (repetitivamente, talvez) que um argumento particularmente frágil pode se difundir muito rapidamente e ser bem acolhido pelo simples fato de ser enunciado muitas vezes e em inúmeras situações, enquanto a capacidade de convencimento imposto por pessoas com destacada capacidade retórica oferece indicadores dos poderosos efeitos persuasivos da heurística da fluência (Corneille, Mierop, & Unkelbach, 2020). Os doutrinadores são particularmente propensos a não abandonarem as teorias que tanto acalentam. Essa tendência, no entanto, não se restringe aos grandes doutrinadores, pois todos estamos sujeitos à heurística da ancoragem e ajustamento, uma tendência de enfrentar dificuldades ao se tentar modificar o julgamento inicial, de forma que este se ajuste às novas informações porventura recebidas. Um exemplo proporcionado por Tversky e Kahneman (1974) ajuda a esclarecer este tipo de heurística. Nesse caso, os participantes do estudo deveriam produzir estimativas das respostas para duas operações aritméticas suficientemente complexas para inibirem a realização mental dos cálculos. a) 8 x 7 x 6 x 5 x 4 x 3 x 2 x 1 b) 1 x 2 x 3 x 4 x 5 x 6 x 7 x 8 Uma vez que os cálculos não são facilmente executados, o valor médio das estimativas de resposta dos participantes alocados à condição a) foi 2.250, enquanto a dos alocados à condição b) foi 512. O erro de estimativa dos dois grupos foi bastante grosseiro, mas o que importa é que o valor estimado pelos membros do primeiro grupo foi 158 Cognição social bem mais alto que o encontrado entre os membros do segundo grupo. Tudo leva a crer que a discrepância nos resultados ocorre porque os participantes usam o valor inicial da sequência como um ponto de partida para ajustar a estimativa de resposta. Aqueles que usaram um valor mais alto como ancoragem para fazer o ajustamento da estimativa, o oito, apontaram um valor expressivamente mais alto que os participantes que fizeram um ajustamento a partir de um valor de ancoragem mais baixo. De acordo com Epley e Gilovich (2006), a heurística da ancoragem e do ajustamento pode ser descrita tanto como um fenômeno, uma estimativa final que é ajustada de acordo com uma posição inicial, e um processo, uma tendência em alcançar um ajustamento a partir de um valor inicial, que finaliza quando o valor ajustado atinge uma faixa de valores plausíveis. O estudo em que Plous (1989) procurou avaliar o efeito da ancoragem e do ajustamento na estimativa da ocorrência da conflagração de um conflito nuclear representa a primeira destas duas linhas de pesquisa. Os participantes foram alocados a dois grupos experimentais: em um deles foi afirmado que a chance era maior de que 1 em 100, enquanto a instrução para os membros do outro grupo era a de que a probabilidade de deflagração de um conflito nuclear era menor de que 90 em 100. Posteriormente, os participantes foram solicitados a ajustar a estimativa de probabilidade até o ponto em que considerassem ter atingido a uma estimativa mais precisa. Os resultados mostraram um claro efeito da ancoragem, pois aqueles que partiram da probabilidade inicial 1 aumentaram o valor até atingir o valor 10 em 100, enquanto os participantes que partiram do valor 90, ajustaram as estimativas até atingir o valor 25 em 100 de chances de deflagração de uma hipotética guerra nuclear. Outra heurística capaz de comprometer os esforços intelectuais é a da representatividade, que se manifesta nas circunstâncias em que um objeto passa a ser incluído em uma categoria em virtude da extensão com que os seus principais fatores se assemelham ou representam mais aquela categoria do que outras. O percebedor leva em consideração as semelhanças entre dois objetos para inferir que um possui as características daquele ao qual ele se assemelha. Se um objeto possui os fatores representativos de uma dada categoria, ele tenderá a ser incluído nesta categoria. Se uma pessoa que se muda para o apartamento ao lado se traja como militar, se porta como militar e anda com outros militares, é muito provável que ela seja rapidamente categorizada como militar. Essa conclusão é alcançada antes que se passem semanas ou meses e sem qualquer investigação mais aprofundada dos curiosos da vizinhança. Um amplo conjunto de informações que poderiam servir como linha de base e ajudariam na elaboração de uma avaliação mais precisa tende a ser desconsiderado ou negligenciado e a decisão se fia apenas nos elementos mais representativos da categoria. O efeito dessa heurística foi demonstrado em um estudo no qual se procurou avaliar o efeito das heurísticas no diagnóstico da AIDS (Triplet, 1992). Nesse estudo, os participantes, após serem informados sobre as características de alguns pacientes hipotéticos, que variavam quanto ao gênero, a preferência sexual e aos sintomas das doenças, deveriam fazer o diagnóstico e julgar o grau de responsabilidade a ser atribuída ao paciente por ter contraído a doença. Em todos os casos, os sintomas apresentados com maior frequência foram os da gripe. Os resultados evidenciaram o efeito de um viés cognitivo que fez com que os participantes, contra as informações apresenta- Psicologia social: temas e teorias 159 das na descrição, estabelecessem a associação entre o diagnóstico de AIDS e a homossexualidade do paciente. Os resultados do estudo levaram o autor a alertar, ainda em 1992, o impacto das heurísticas da representatividade e da acessibilidade na criação de uma atmosfera de medo e preconceito em relação aos portadores do vírus HIV. A confiança nas próprias lembranças também é uma fonte de erros associada aos ídolos do teatro, particularmente no que concerne à heurística da acessibilidade. Esta representa uma tendência a julgar a probabilidade, a frequência ou eficácia causal de um evento com base na facilidade ou na extensão com que o conteúdo pode ser acessado na memória. Uma parcela significativa da população se deleita assistindo novelas televisivas, onde são apresentadas amiúde situações dramáticas, emocionalmente carregadas, nas quais as ações dos personagens são invariavelmente previsíveis. Como a audiência assiste quase que diariamente essas novelas, os conteúdos e as rotinas comportamentais adotadas pelos personagens são evocados pela memória com muita facilidade, e estes conteúdos podem ser utilizados como critério para a realização de julgamentos sobre muitos eventos da vida real. As pessoas passam a acreditar que a forma estereotipada pela qual as situações sociais apresentadas nas novelas representam bem as circunstâncias que ocorrem na vida real (Gerrig & Prentice, 1991). De forma semelhante, acontecimentos de grande impacto e de ampla divulgação nos meios de comunicação de massas, por exemplo, um crime, chamam muita atenção durante um certo período de tempo, e por serem frequentemente discutidos nos mais diversos contextos terminam por favorecer a tendência em superestimar a frequência de ocorrência de eventos de semelhante natureza. Outra forma de manifestação do viés da acessibilidade ocorre quando o enorme cabedal de conhecimento de uma pessoa sobre um determinado assunto favorece a expressão de erros que, normalmente, não são cometidos por indivíduos que não possuem um conhecimento especializado naquele domínio. Castel, McCabe, Roediger e Heitman (2007) demonstraram que um repertório mais amplo a respeito de um determinado domínio de conhecimento favorece a expressão de uma forma particular de erro – a intrusão – em uma tarefa de evocação. Em um estudo experimental, os participantes foram solicitados a memorizar duas listas, uma com 11 itens vinculados ao domínio da anatomia (joelho, olhos, braços etc.), e outros 11 itens relativos ao domínio dos animais, mas que ao mesmo tempo representavam nomes de times famosos do futebol profissional norte-americano (Dolphins, Lions, Jaguars, Broncos). Após estudarem essa lista, participaram de uma outra tarefa de recobrimento e posteriormente foram solicitados a evocar os itens previamente apresentados nas duas listas. Os resultados indicaram que os participantes com alto grau de conhecimento a respeito de futebol apresentaram um melhor desempenho na tarefa de evocação e, mais importante, aludiram a um maior número de itens falsos positivos relativos a animais que os participantes com baixo grau de conhecimento sobre o domínio. Em conjunto, os resultados indicam, portanto, que conhecer bem um assunto contribui para a evocação de um maior número de itens, e esta condição também proporciona um menor automonitoramento durante a realização da tarefa e, consequentemente, uma maior facilidade de expressão dos erros de evocação associados aos itens relativos ao domínio. 160 Cognição social Além dos domínios estritamente cognitivos anteriormente referidos, os ídolos do teatro também podem estar associados à ação humana. A heurística da regressão à média relaciona-se com o destaque que ocorre quando o desempenho de uma pessoa, em determinada área de atividade em que ela é especializada, foge do padrão. Nenhum jogador de futebol, por exemplo, consegue manter um padrão espetacular de atuação indefinidamente. Os cronistas esportivos usualmente se referem a essa condição afirmando que o atleta atravessa uma boa fase e, obviamente, neste período o esportista ganha um merecido destaque nos meios de comunicação de massa, sendo amiúde premiado e requisitado para entrevistas nas estações de rádio, a fotografia é publicada nas primeiras páginas dos cadernos esportivos dos periódicos e portais de notícias e as suas intervenções dentro do campo são repetidas à exaustão nos programas televisivos. Uma vez que a manutenção de um padrão de desempenho excepcional não dura para sempre, o fenômeno da regressão à média se relaciona com o retorno a um padrão de desempenho habitual e a tendência dos aficionados e da imprensa a se decepcionar com o retorno do atleta ao seu padrão de desempenho usual, acusando-o de estar “mascarado” ou, mais sutilmente, insinuando que a inesperada fama parece ter sido danosa para a carreira do atleta. Ao contrário dos ídolos previamente discutidos, que se insinuam por sermos humanos, por estarmos sujeitos às nossas vontades e emoções ou por nossas relações serem dominadas pelas palavras, nos esforçamos muito para sermos escravizados pelos ídolos do teatro porque estes se impõem nas circunstâncias em que acatamos, com a melhor das boas vontades, as teorias e sistemas filosóficos que insistimos em defender. Os ídolos do teatro assumem muitas feições, e a sofística é a primeira delas; é preferível encontrar algo positivo, e as palavras ajudam a enfrentar uma realidade que pode ser rude e dura. As conclusões pouco importam pois as opiniões já estão formadas na partida e o que importa passa a ser encontrar novas formulações para sustentar o que já se sabe de antemão. Tornamo-nos, pela via dos ídolos do teatro, imensamente crédulos e a serventia das nossas experiências atende apenas ao desígnio de reforçar as nossas mais caras teorias. A segunda face dos ídolos do teatro também nos afeta diretamente e se assenta em uma estratégia marcada pela pura e simples empiria. A reflexão teórica pouco importa, o que conta é a experiência, as emoções, os afetos por essas despertas e as ingênuas certezas que oferecem. Podemos até agir, mas sem uma teoria que defina e organize o que estamos olhando, sem o conhecimento que define as nossas experimentações, perdemos o rigor e nos deixamos capturar pelos turbilhões dos hábitos e dos costumes. A terceira face dos ídolos do teatro, nos alerta Bacon, é a proximidade com as superstições e a teologia. Desde o iluminismo, preferimos a razão ao mito. A reverência aos mitos, quais forem, representa uma erva daninha e, como tal, impede o florescer do verdadeiro conhecimento. Devemos nos precaver contra todas as faces dos ídolos do teatro, pois eles podem facilmente nos dominar e ao nos escravizarmos, tendemos a nos pronunciar apressadamente sobre todas as coisas e acabamos por entrar em um insuperável estado de catalepsia, aprisionados pela beleza das formulações que imaginamos representar a mais pura e absoluta verdade. Psicologia social: temas e teorias 161 3.3 DESENVOLVIMENTOS ATUAIS Ao escrevermos o capítulo sobre a cognição social para uma edição anterior do presente manual, publicada em 2011, afirmamos, à época, que parte substancial dos desenvolvimentos teóricos, conceituais e metodológicos da psicologia social estavam subordinados à perspectiva teórica da cognição social (Ostrom, 1984; Macrae & Miles, 2012) e assinalamos o quanto o predomínio desta perspectiva resultou de mudanças na concepção de ser humano, introduzidas a partir dos anos 1950 em função da crescente popularização do modelo informático da mente. O esforço empreendido por muitos estudiosos em encontrar uma maneira de abrir a caixa-preta dos behavioristas terminou por levar a um interesse acentuado pelo estudo da vida mental e, consequentemente, pelos processos internos, que embora não observáveis, poderiam ser inferidos durante o funcionamento da mente humana (Lachman et al., 1979; Spaulding, 2018). Os computadores pessoais eram então concebidos como dispositivos capazes de tratar a informação bruta e oferecer como saída uma ação capaz de emular a inteligência humana, uma metáfora rapidamente adotada pelos psicólogos de formação cognitiva e que se ampliou consideravelmente o alcance, atingindo vários domínios especializados da psicologia, incluindo a psicologia social, então às voltas com teorias de curto alcance, com o problema da replicabilidade e com a persistente crise de relevância. Como uma boa metáfora (Leary, 1994), o modelo informático da mente representou uma alternativa aceitável, por oferecer uma direção unificada para as pesquisas em desenvolvimento. O movimento organizado em torno do que se convencionou chamar de ciências cognitivas ofereceu uma base filosófica e metodológica (Gardner, 2003), capaz de articular programas de pesquisas oriundos de áreas de pesquisa tão díspares como as neurociências, a inteligência artificial ou a psicologia. Inicia-se, então, um movimento no sentido de articular linhas diversas de investigação, que apesar das diferenças no que concerne ao domínio especializado de conhecimento, se subordinavam a princípios interpretativos comuns. 3.3.1 EM BUSCA DE MODELOS INTEGRADORES A imagem apresentada na Figura 12 permite identificar as relações entre as ciências cognitivas. Uma série de estudos procuraram evidenciar as relações bilaterais entre os domínios especializados de conhecimento, a exemplo das articulações entre a psicologia social de base cognitiva e as neurociências, como nos estudos que colocaram em evidência as bases biológicas do comportamento social (Frith & Frith, 2001), as relações entre a evolução do cérebro, a memória e a consciência (Oró, 2004), as relações entre as imagens neurais, a localização das funções cerebrais e o comportamento social (Willingham & Dunn, 2003) e as diferenças entre o uso do lado esquerdo da face para expressar abertamente as emoções e o lado direito para mostrar o controle sobre os estados emocionais (Nichols, et al., 2002). 162 Cognição social Figura 12 – diagrama das relações entre as ciências cognitivas. Essas articulações bilaterais também podem ser identificadas em campos especializados de estudos na psicologia social, a exemplo dos estereótipos (Pereira, 2021). Foram identificadas, por exemplo, evidências a respeito dos impactos dos ritmos biológicos no julgamento social (Bodenhausen, 1980), das relações entre a ativação cerebral e os automatismos (Roser & Gazzaniga, 2004), sobre os efeitos da ameaça dos estereótipos no aumento da pressão arterial (Blascovich et al., 2001) e nas relações entre o ciclo menstrual e a manifestação dos estereótipos sexuais (Halpern & Tan, 2001). Além dessas articulações lateralizadas, foram formulados, talvez de forma extemporânea, modelos integradores explicativistas e compreensivistas das diferentes modalidades de expressão do comportamento social (Fiske, 2000; Greenwald et al., 2002; Lee et al., 2001; Stephan & Stephan, 2000; Wyer & Srull Jr., 1989), embora a proposta complementarista desenvolvida por Doise (1986) permanecesse hegemônica. Qual a importância de adotar uma perspectiva integradora do comportamento social, cuja base de sustentação se fundamenta na suposição de que o comportamento social apenas pode ser compreendido se forem levadas em consideração diferentes Psicologia social: temas e teorias 163 dimensões de análise? Um fator importante reside no entendimento de que essa articulação entre os diversos planos de explicação permite relativizar os discursos pretensamente hegemônicos, que porventura tentem se impor na psicologia social. A partir do momento em que vários planos de explicação ganham reconhecimento entre os estudiosos, qualquer tentativa de estabelecer modelos exclusivistas passa a ser tratada com grande desconfiança (Ritzer & Gindoff, 1992). Essas soluções integradoras, embora louváveis por limitar as restrições intelectuais impostas pelos ídolos do teatro, não nos parecem uma boa solução, pois aceitar que o comportamento social pode ser explicado a partir de distintos níveis de análise não nos assegura que a realidade será apreendida na complexidade por ela exigida. Ainda que a preocupação epistemológica, voltada à tentativa de encontrar explicações bem fundamentadas para o comportamento humano seja um desiderato desejável, a questão a ser enfrentada é prioritariamente ontológica, pois mais do que formularmos teorias para explicar uma realidade unificada, o mais importante é concebê-la como multiforme e estratificada (Collier, 1994; Hartwig, 2007). O fundamental não é reconhecer que possuímos um sistema cognitivo e que este deve ser abordado em consonância com as diversas perspectivas às quais nos referimos, mas reconhecer o estatuto real da cognição social e as formas pelas quais ela pode ser apreendida a partir das experiências individuais, dos eventos recorrentes e dos mecanismos que constituem e definem a cognição humana (Pilgrim, 2020). 3.3.2 A COGNIÇÃO SOCIALMENTE SITUADA O modelo informático da mente, embora tenha desempenhado um papel destacado na fundamentação e na formalização dos estudos sobre a cognição social, com o passar do tempo terminou sujeito a pesadas críticas (Barrett, 2021). Se, face a essas críticas, a abordagem da cognição social foi capaz de incorporar demandas suscitadas pelos que postulavam a dificuldade de abordar a cognição de forma isolada e sem considerar os impactos das variáveis motivacionais e afetivas, por outro lado, assistiu-se o florescer da tese de que este estudo não poderia prescindir das reflexões suscitadas em consonância com a perspectiva da ação humana (Olson & Dweck, 2008). Como se expressaram essas teses? i) A integração entre as dimensões conativas e cognitivas se insinuou em muitas abordagens, sendo especialmente significativa para o nosso argumento as admoestações encontradas no artigo de Smith e Semin (2004), no qual se expõe as razões pelas quais se torna imperativo incluir o conceito de ação como uma categoria decisiva para o entendimento da cognição social e, consequentemente, passar a concebê-la como um processo socialmente situado (Da Rold, 2018). Assim concebidos, os processos cognitivos passam a ser interpretados como dispositivos que se materializam em ações marcadas por finalidades adaptativas. Imaginemos o caso de uma pessoa que cuida de um jardim. Todos os processos meramente cognitivos, a exemplo de perceber as pragas e as doenças, assim como estar atenta ao desenvolvimento dos caules, folhas e frutos atendem a uma finalidade específica, a de guiar as ações. O mesmo 164 Cognição social pode ser afirmado em relação às lembranças, ao conhecimento representado, à atenção, ao julgamento e à tomada de decisões. A cognição, nesse caso, se reveste de uma maior complexidade e não pode ser restritivamente qualificada como uma reflexão abstrata, contemplativa e computacionalmente orientada a respeito do mundo. ii) Um segundo fator implica no reconhecimento, de forma compatível com o entendimento socialmente situado da cognição, que a ação humana se posiciona em um plano intermediário entre a pessoa e o meio ambiente, uma caracterização que se afasta do entendimento de que a cognição está localizada na cabeça das pessoas. Os processos cognitivos se situam em um contexto específico e dependem da tarefa a ser executada (Clark & Chalmers, 1998). No caso da jardineira, se o objetivo for o de detectar pragas e doenças e discutir com uma colega assombrada com o mesmo problema e possíveis soluções, as atividades cognitivas serão guiadas por este fim e, por certo, a maneira pela qual a informação será processada deferirá se a pessoa estiver, por exemplo, mostrando o jardim para um circunstante sem experiência ou conhecimento a respeito de pragas e doenças que afetam as plantas. iii) Adicionalmente, torna-se necessário admitir que as atividades cognitivas devem ser caracterizadas como corporificadas, o que implica no abandono dos modelos dualistas (mente e cérebro; nature x nurture, por exemplo) e no acolhimento do pressuposto de que existe uma relação intrínseca e inseparável entre o corpo e a mente (Shapiro, 2007; Shapiro & Spaulding, 2021). A experiência cognitiva da jardineira com o ambiente é marcada por diferentes modalidades perceptuais. No plano visual, a informação depende de receptores que entregam as formas, as cores e as texturas; o conhecimento também é modulado pelas experiências olfativas, o que habilita a jardineira a reconhecer apenas pelos odores a boa ou péssima condição de algumas plantas; a experiência cenestésica também é decisiva, particularmente para assegurar que os efeitos do vento e dos demais elementos abrasivos não prejudiquem o cultivo; o papel das estruturas sensoriais de identificação da temperatura também não pode ser descartado na experiência da jardineira, pois esta procura o melhor local para os vasos e plantas, assegurando-se que a incidência dos raios solares contribua para o melhor desenvolvimento do cultivo. Esses elementos perceptuais, claramente associados com a corporeidade, são ativados enquanto a jardineira se movimenta, reflete e reconhece os sentimentos e afetos despertados por cada uma das plantas a que cuidadosamente se dedica (Keijzer, 2021). iv) Uma quarta característica acentuada pelo entendimento aqui expresso é a de que a cognição deve ser entendida como distribuída, o que significa dizer que a relação entre as estruturas neurais e o ambiente não apenas é mediada por artefatos e dispositivos, mas também marcada pela presença de outros agentes humanos e animais (Paul, 2021). O conhecimento da jardineira vai muito além de desfrutar o prazer de encontrar um jardim bem cuidado. Em determinado momento, ao perceber que uma roseira precisa ser podada, a atividade cognitiva demandará a intromissão de instrumentos, como tesouras, pás e ancinhos, de diferentes dimensões e capazes de proporcionar distintos tipos de corte; a rega das plantas exigirá um cuidado especial com as condições ambientais, em particular com a hora do dia e o padrão de incidência direta do sol e implicará no uso de mangueiras e regadores, assim como envolverá Psicologia social: temas e teorias 165 o reconhecimento da disponibilidade de água, que deve ser calculada não apenas em termos de quantidade, como também em relação ao local a ser depositada, à velocidade e a quantidade a ser despejada nas sedentas plantinhas. A tarefa de adubar exigirá buscar na memória a última ocorrência de adubação, estimar o resultado da operação conduzida em cada tipo de planta e avaliar cuidadosamente como cada uma respondeu à adubação anterior, o que acarretará decisões sobre a redução ou o acréscimo na quantidade fertilizantes, substratos e terras ricas a serem aplicadas em cada uma das plantas. Da mesma forma, o controle de pragas exigirá o reconhecimento da existência de micro-organismos, fungos e insetos e admissão correlata de que o cotidiano de relação com às plantas é inseparável do reconhecimento que estes entes se fazem presente e ocupam uma posição duradoura na relação entre os cuidadores e o ambiente. Essa condição faz com que a jardineira busque informações sobre controle de pragas, desloque-se até o local no qual esses produtos são comercializados, converse com especialistas sobre o assunto e até mesmo que agende a visita de um profissional habilitado a apresentar sugestões capazes de salvar o pedaço de chão a que tanto carinho dedica. 3.3.3 A COGNIÇÃO ALÉM DA REPRESENTAÇÃO: O MODELO DE AÇÃO DO REALISMO CRÍTICO O realismo crítico é uma perspectiva filosófica cuja principal preocupação reside em corrigir a tendência do pensamento filosófico ocidental em supervalorizar a epistemologia, o conhecimento que formulamos sobre o mundo, em detrimento da ontologia, o real a ser conhecido (Bhaskar, 1975). Uma das consequências do acolhimento da premissa do realismo ontológico depende da admissão de que a realidade é estratificada. Os realistas críticos sugerem a necessidade de postular três domínios para entendermos qualquer dimensão de estudos da realidade: o empírico, o atual e o real. Conforme acentuamos previamente, os estudos mais atuais sobre a cognição social enfatizam a importância da ação humana e julgamos que o modelo de ação social do realismo crítico (Danermark, Ekström, Jakobsen, & Karlsson, 1997), além de contribuir para alcançar este desiderato, pode ser interpretado como compatível com a concepção estratificada da realidade, pois postula quatro domínios a serem considerados: • a biosfera e as transações com o mundo material; • as singularidades corporificadas; • as estruturas sociais distribuídas no tempo e no espaço; e • o campo das relações entre as pessoas. As relações entre os quatro domínios e entre estes e algumas áreas particulares de desenvolvimento atuais dos estudos centrados na temática da cognição social estão representadas na Figura 13. 166 Cognição social Figura 13 – Interconexões entre o modelo da ação social e os domínios de estudos da cognição social. Conforme assinalado na apresentação dos princípios da cognição socialmente situada, o agente cognitivo habita uma biosfera e estabelece inúmeras transações materiais com contexto em que vive (De Jaegher, 2009; Fiedler, 2007). Depreende-se daí que os desafios representados pelas condições ecológicas não devem ser desprezados no estudo da cognição social, especialmente no que concerne aos domínios da corporeidade e aos contextos situacionais (Meagher, 2020). Estudos sob a perspectiva da psicologia evolutiva acentuam, a partir de pesquisas conduzidas com primatas, uma convergência de respostas face a pressões ambientais semelhantes, assim como um amplo leque de respostas face às imposições representadas pelos desafios oriundos de ambientes muito díspares (Boesch, 2012). Os estudos sobre as ilusões evidenciam que estas dependem, em larga medida, das condições ecológicas, pois pessoas que vivem em florestas fechadas, sem muita experiência com a visualização de ângulos retos, tais como os encontrados em fachadas e telhados de casas e edifícios, não se encontram tão sujeitos à ilusão de Muller-Lyer quanto os que convivem com este tipo de experiência. Uma longa trajetória evolutiva das condições ecológicas impostas pela vida na superfície terrestre impuseram uma série de condicionantes ao desenvolvimento da estrutura neural humana, restringindo o modo pelo qual percebemos e conhecemos o mundo em que vivemos. A biosfera é habitada por agentes individuais, com características singulares e marcados pelas vicissitudes de uma biografia única. Esses não devem ser entendidos, no entanto, como entidades incorpóreas abstratas, pois eles, além de carregarem em si diferenças ostensivas no plano das características subjetivas e de personalidade, também estão revestidos por uma corporeidade que define as marcas registradas das Psicologia social: temas e teorias 167 suas biografias. Ainda que convivam em um mesmo espaço compartilhado na biosfera, as atividades cognitivas de uma criança de 7 anos não se confundem com as de um adolescente ou as de um adulto. Uma maior ou menor maturidade biológica e as imposições das distintas etapas de desenvolvimento cognitivo, emocional e psicossocial impõem diferenças em relação à maneira pela qual as tarefas que dependem da cognição social são realizadas. Supor que as cognições estão intrinsecamente associadas com as corporeidades nos obriga a admitir que a maneira pela qual percebemos e obtemos conhecimento sobre as outras pessoas é inseparável do reconhecimento de que estas também ostentam corporeidades singulares e que a estas se encontram associadas a percepções e crenças particulares, bem como aos limites e potencialidades concernentes às perspectivas e possibilidades de ação (Archer, 2000; Cromby, 2015; Loersch & Payne, 2011). Os agentes singulares que ocupam uma determinada posição na biosfera estabelecem relações entre si. A literatura psicossocial tradicionalmente tem documentado inúmeros dispositivos cognitivos ativados durante as relações interpessoais, a exemplo da percepção do outro, da atribuição da causalidade, do altruísmo e dos contatos entre os pares, bem como os que podem ser caracterizados como intergrupais, a exemplo dos conflitos grupais, os vieses de favorecimento endogrupal, a desqualificação do exogrupo e a entitatividade (Hamilton & Sherman, 1996; Tajfel & Turner, 1986). Um quarto e último estrato do modelo do quadriplano da ação social depende do entendimento de os agentes singulares estabelecerem inúmeras transações materiais com a biosfera e constituir relações cada vez mais complexas com os outros entes singulares. Os artefatos e objetos, mesmo os de utilização mais simples, possuem uma história social, e a utilização que deles fazemos está diretamente relacionada não apenas com o contexto social no qual eles se inserem; mas, sobretudo, com as interações sociais em que eles encontram os seus locais privilegiados. As relações entre os indivíduos singulares, os artefatos encontrados na biosfera e as interações sociais encontram a sua expressividade na cultura (Tomasello, Carpenter, Call, Behne, & Moll, 2005). O entendimento clássico dos estudos sociocognitivos de que a tarefa da cognição era o de apreender os estados mentais do outro de maneira a melhor prever as suas ações e condutas deve ser reinterpretada à luz da admissão de que a compreensão das ações do outro ocorre em um contexto no qual indivíduos singulares corporificados estabelecem relações entre si, trocas materiais com a biosfera, identificam padrões que se estabelecem no plano das relações sociais e conduzem inúmeras narrativas a respeito do que está ocorrendo com eles mesmos durante as suas relações com os outros e sobre os destinos da sociedade em que vivem (Hutto, 2008). O papel das estruturas sociais e de como essas diferentes narrativas são mobilizadas para oferecer sentido ao mundo, pode ser identificado em estudos sobre a cognição nas organizações e em pesquisas a respeito de temas especializados, como a da confiança nas instituições. 168 Cognição social SUMÁRIO E CONCLUSÕES Tal como expresso no capítulo que publicamos na primeira edição do presente manual, reafirmamos o nosso ponto de vista de que toda e qualquer teoria está condenada a se tornar anacrônica. Em um determinado momento ela será substituída por uma outra, capaz de organizar melhor o corpo de conhecimento firmemente estabelecido, integrar evidências até então vistas como contraditórias, abrir veredas no âmbito de testes de hipóteses cada vez mais inovadoras e apontar novas direções de investigação. O prazo de validade das teorias atuais continua difícil de estabelecer. O conhecimento psicológico não parece ser um campo muito apropriado para as especulações futurológicas, mesmo porque muitas questões ainda precisam ser consideradas antes de se alcançar uma versão da psicologia social capaz de integrar os novos achados em uma perspectiva consensual. O conhecimento ofertado pela cognição social oferece a chance de identificar alguns dos problemas mais prementes com os quais a psicologia social se defronta. Isso não significa, no entanto, que cada abordagem teórica constrói uma realidade particular correspondente ao seu plano de investigação. O mundo existe por si mesmo, é composto por entes concretos, que se organizam sob a forma de sistemas e estes se encontram em constante transformação. A realidade pode ser conhecida, mas apenas de forma parcial, imperfeita e de modo gradual. As operações do conhecimento estão sujeitas a erros, embora estes possam ser corrigidos. A cooperação, e algumas vezes a competição, entre as diversas abordagens teóricas pode ser considerada um fator decisivo para o desenvolvimento de qualquer campo de conhecimento. Acentuamos a importância do reconhecimento da noção de interconexões, ao lado do reconhecimento da filosofia do realismo crítico, como um caminho possível para fazer frente a este desafio. A abordagem transitivista do realismo crítico, ao reconhecer o conhecimento como socialmente construído, contribui para entender a complexidade dos desafios a serem enfrentados pela ciência contemporânea e, por extensão, pelos estudos orientados pela perspectiva da cognição social. Um desses desafios se refere ao acolhimento dos princípios da ciência aberta (open science). Esse movimento postula um critério fundamental a ser acatado nos afazeres científicos, o princípio da transparência, cujas manifestações ocorrem em diversas dimensões: • a transparência em relação aos insumos de pesquisa, o que convida o pesquisador a registrar as suas pesquisas em plataformas de código aberto, a exemplo do GItHub ou da OSF; • a transparência em relação aos pressupostos do trabalho, hipóteses e recursos técnicos de tratamento de dados, que devem ser publicizados nas plataformas de ciência aberta antes da coleta de dados; • a transparência em relação à auditagem dos dados, que demanda a visibilidade pública das bases de dados, dos códigos de registro, scripts e modelos de análise dos dados empíricos; Psicologia social: temas e teorias 169 • a transparência em relação ao compartilhamento e à replicabilidade, o que demanda do pesquisador o compromisso em oferecer facilidades no que concerne à acessibilidade aos dados e instrumentos, bem como a oferta de indicadores para que as hipóteses e estudos possam ser replicados por outros pesquisadores; e • a transparência em relação à comparabilidade, pois o relato do pesquisador deve oferecer indicadores, a exemplo do tamanho do efeito, medidas de tendência central, dispersão e erro, a serem facilmente incluídos em revisões sistemáticas da literatura, particularmente no que concerne aos esforços em direção aos estudos de metanálise. Finalizaremos o presente capítulo acentuando um outro enorme desafio a ser enfrentado nos estudos orientados pela perspectiva da cognição social a partir do momento em que a ação se torna uma categoria central de análise. A ação social dificilmente é descompromissada; imperativos éticos, políticos e humanos impelem que a perspectiva valorativa deva ser considerada cuidadosamente pelos estudiosos. Se as admoestações apresentadas no parágrafo anterior nos posicionam frente ao domínio do intransitivo, torna-se necessário complementá-las com os cuidados associados com um entendimento fundamentado na perspectiva transitivista. O conhecimento que alcançamos é socialmente determinado e devemos cuidadosamente refletir sobre estas determinações. O reconhecimento de que a cognição social envolve algo muito mais complexo do que formular representações computacionalmente consistentes acerca do ambiente em que vivemos e das pessoas com quem nos relacionamos exige que reflitamos vigorosamente sobre o sentido das nossas ações. Algumas delas podem ser descompromissadas e os seus efeitos podem se esvair passadas um par de horas. Outras ações são mais consistentes e nos colocam frente a importantes decisões sobre o nosso lugar no mundo e a maneira pela qual interagimos com as outras pessoas. Uma perspectiva estritamente ambiental nos coloca frente aos temores de que algo precisa ser feito para inibir os desenvolvimentos atuais que parecem apontar para uma intensa degradação das condições ecológicas do nosso planeta. Essa, no entanto, é apenas uma das preocupações relacionada com as nossas ações. Precisamos ir além; devemos reconhecer que vivemos em um mundo desigual e injusto. Isso representa dizer que as nossas ações não podem ser descompromissadas desse duplo ideal, pois a única forma de salvar o planeta em que vivemos pode ser a de encontrar uma maneira de viver pacificamente em um mundo justo e civilizado. GLOSSÁRIO Avaro cognitivo: Perspectiva teórica que trata o ser humano como um agente cognitivo com recursos limitados de processamento da informação. Cognição social: O estudo dos processos cognitivos subjacentes às interações entre as pessoas. Heurísticas: Atalhos que facilitam a adoção de formas menos rebuscadas de raciocínio, que embora possam se manifestar de forma eficiente e frugal, também pode levar a erros de avaliação e julgamento. 170 Cognição social Modelo informático da mente: Perspectiva teórica fundamentada na comparação entre o processamento da informação entre humanos e computadores pessoais. Taticamente motivado: Perspectiva teórica que enfatiza a importância dos fatores motivacionais e afetivos no processamento da informação. Teoria da mente: Suposição de que o ser humano, por ser dotado de estados e processos mentais, é capaz de antecipar os pensamentos e prever as ações e coordenar as próprias condutas com as de outras pessoas. Material complementar Os automatismos estão belamente expostos na obra cinematográfica Tempos modernos (1936), dirigido e interpretado por Charles Chaplin, assim como expostos, em um contexto de crítica social, em Robocop (2014), dirigido por José Padilha. O enfrentamento do incomum e do inesperado está bem documentado nas produções cinematográficas O dia em que a terra parou (versões de Robert Wise, 1951, e de Scott Rerrickson, 2008). As relações entre os seres humanos e a modernidade tecnológica podem ser entrevistas na comédia Meu tio (1958), dirigido e interpretado por Jacques Tati. Os efeitos das heurísticas podem ser observados nas denominadas comédias de erros, entre as quais podem ser destacadas O dia perfeito (Mitch House, 2004) e Quero matar meu chefe (Seth Gordon, 2011). A noção de cognição distribuída se encontra bem representada nos inúmeros episódios da série Profissão Perigo (1985-1992), no qual o herói MacGyver (Richard Dean Anderson) utiliza os recursos disponíveis no ambiente para assegurar a sobrevivência. A cognição corporificada pode ser representada em inúmeros filmes de ficção científica, entre os quais podem ser destacados Blade Runner, o caçador de androides (Riddley Scott, 1982), O exterminador do futuro (James Cameron, 1984) e A extinção (Ben Young, 2018). CAPÍTULO 4 ATITUDES Tiago Jessé Souza de Lima Luana Elayne Cunha de Souza João Gabriel Modesto INTRODUÇÃO No nosso cotidiano, frequentemente usamos o termo atitude como sinônimo de comportamento. Provavelmente já falamos ou ouvimos alguém falar frases como, “Fulano, tome uma atitude!”, ou seja, faça alguma coisa. De uma perspectiva da Psicologia Social, o termo atitude tem um significado diferente. De forma geral, podemos adiantar que atitude é diferente de comportamento. As atitudes envolvem nossas opiniões, portanto, estão no campo do pensamento. E falar de pensamento é falar de cognições, de afetos positivos e negativos, e de uma intenção comportamental. Assim, compreender as atitudes dos indivíduos sobre diferentes temas sociais é o primeiro passo para compreender como as pessoas se comportam. Mas, atenção, é apenas o primeiro passo! Nossos comportamentos são fruto de várias influências, as atitudes são apenas uma delas (para uma revisão sobre Influência Social veja o Capítulo 7 deste Manual). Não se preocupe que vamos explicar melhor como isso acontece. Qual a sua opinião sobre o ensino de questões sobre gênero e sexualidade nas escolas? Você é favor ou contra as cotas raciais nas universidades? Qual o seu posicionamento sobre a legalização do aborto? Independentemente de você ter uma opinião 172 Atitudes formada sobre cada um desses temas, você já ouviu falar sobre eles e necessariamente se inclina a ser favorável ou contrário a cada um deles. Em todos os casos, estamos falando sobre suas atitudes – seus gostos e desgostos. As atitudes são importantes. Elas influenciam a forma como vemos o mundo, o que pensamos e o que fazemos. Desde cedo, nossas atitudes são vitais porque nos ajudam a entender o que gostamos (e devemos abordar) e o que não gostamos (e devemos evitar). De fato, a análise de nossas atitudes é um tema central da Psicologia Social. Neste capítulo, esperamos contribuir para o seu conhecimento sobre o que os psicólogos sociais compreendem e analisam quando falam de atitudes. O capítulo está estruturado em seis seções. Na primeira seção, iremos apresentar a natureza das atitudes. Traremos um panorama histórico de como esse conceito tem sido estudado na Psicologia Social, apresentaremos uma definição, explicaremos sua estrutura, seus principais atributos e, finalmente, discutiremos como esse conceito se relaciona com outros conceitos importantes dentro da área, como as ideologias, valores, representações sociais e traços de personalidade (para revisões sobre ideologias na psicologia, valores e representações sociais, veja os Capítulos 1, 6 e 8 deste Manual). Na segunda seção do capítulo, consideraremos os principais modelos teóricos que analisam como as atitudes se formam. Na terceira seção, discutiremos as funções das atitudes na nossa vida social. Ao longo dos anos, as atitudes foram avaliadas usando uma variedade de técnicas, então apresentaremos, na quarta seção, algumas das formas mais importantes de medir as atitudes das pessoas. Na quinta seção, explanaremos sobre um importante tópico dentro desse campo, a mudança de atitudes. Finalmente, na seção final, traremos uma síntese do que foi apresentado ao longo deste capítulo. Boa leitura! 4.1 A NATUREZA DAS ATITUDES 4.1.1 O QUE SÃO ATITUDES? Desde a sua introdução na psicologia social, o conceito de atitude tem sido definido de várias maneiras. Allport, ainda em 1935, compilou 16 definições diferentes, às quais acrescentou a sua própria, eliminando os componentes sociais e coletivos do conceito, inicialmente herdados da noção de atitudes sociais dos sociólogos Thomas e Znaniecki, contribuindo para uma definição desse fenômeno mais assente em aspectos psicológicos (Farr, 1994). Subjacente a essa diversidade de definições, no entanto, um ponto essencial sobre o qual a maioria dos autores concorda atualmente é o seu aspecto avaliativo. As atitudes têm sido definidas como a “tendência psicológica que é expressa através da avaliação de uma entidade (objeto atitudinal) em uma gradação que vai de favorável à desfavorável” (Eagly & Chaiken, 1993, p. 1), ou como “um sentimento positivo ou negativo geral e duradouro sobre alguma pessoa, objeto ou problema” (Petty & Cacioppo, 1981, p. 319). Psicologia social: temas e teorias 173 Essas definições tendem a enfatizar o julgamento avaliativo de um determinado assunto ou objeto social como central ao conceito de atitudes (Eagly & Chaiken, 2007; Maio et al., 2018). Ou seja, possuir uma atitude envolve tomar uma decisão de gostar ou não gostar, favorecer ou desfavorecer um determinado assunto, objeto ou pessoa. Como tal, as atitudes servem para resumir diferentes tipos de pensamentos, sentimentos e experiências comportamentais que associamos a um problema, objeto ou pessoa (Maio et al., 2018). Portanto, podemos definir as atitudes como as avaliações gerais e relativamente duradouras que fazemos sobre um assunto, que pode ser um objeto, uma pessoa ou uma ideia abstrata (Albarracin & Shavitt, 2018). Uma atitude, quando conceituada como um julgamento avaliativo, pode variar ao longo de diferentes dimensões (Petty et al., 2019). Primeiro, uma atitude pode variar em termos de sua direção (valência), de modo que as atitudes podem ser favoráveis (positivas), desfavoráveis (negativas) ou relativamente neutras. As atitudes também diferem em termos de sua intensidade, ou seja, o quão extremas elas são à medida que se distanciam da neutralidade. Por exemplo, você pode ter uma atitude desfavorável e moderada em relação a fazer uma tatuagem e uma atitude extremamente desfavorável em relação à neonazistas. Outra dimensão de variação diz respeito às bases subjacentes às atitudes, pois podemos ter atitudes que são baseadas primariamente em cognições (p. ex., avaliar positivamente um carro por ele ser econômico), em emoções (p. ex., não gostar de aranhas por sentir medo) ou em observações sobre nosso comportamento passado em relação a um objeto atitudinal (p. ex., ter uma atitude positiva frente a exercícios físicos por se sentir bem fisicamente). Por fim, as atitudes podem variar quanto a sua força (Krosnick & Petty, 1995). A força de uma atitude pode variar em função da sua persistência ou estabilidade ao longo do tempo e da sua resistência a ataques ou tentativas de persuasão. Atitudes mais fortes são mais persistentes e mais difíceis de serem modificadas. Ademais, a força das atitudes também se manifesta em termos da sua influência no processamento de informações e nos julgamentos, no sentido de que atitudes fortes tornam mais provável que certas informações venham à mente ou que certos julgamentos sejam feitos. Além disso, as atitudes podem orientar o comportamento, com atitudes fortes tendo maior probabilidade de levar a um comportamento na mesma direção da atitude. 4.1.2 HISTÓRICO DO ESTUDO DAS ATITUDES EM PSICOLOGIA SOCIAL O conceito de atitudes tem uma extensa história dentro da Psicologia Social, tanto por sua centralidade e dominância, chegando a ser apontado por Allport (1935, p. 798) como “o conceito mais distintivo e indispensável na psicologia social americana”, quanto por seu papel fundamental para o desenvolvimento de vários outros tópicos na Psicologia Social, a exemplo dos estudos sobre preconceito (Briñol & Petty, 2012). Thomas e Znaniecki (1918), em seu clássico estudo sobre os valores e atitudes dos poloneses, foram os primeiros autores a apontar a prioridade do conceito de atitudes na Psicologia Social. A hegemonia desse tópico aumentou e diminuiu ao longo do 174 Atitudes tempo de forma cíclica, sendo possível identificar ao menos três ondas de pesquisas sobre atitudes ao longo da história da Psicologia Social (McGuire, 1985; Prislin & Crano, 2008). A primeira onda, durante as décadas de 1920 e 1930, refletiu a preocupação da psicologia social com a natureza fundamental das atitudes e com sua mensuração (McGuire, 1985). A importância da mensuração das atitudes era tamanha que a psicologia social era muitas vezes definida, nesse período, como o campo de estudo das atitudes (McGuire, 1985). Dois pesquisadores importantes dessa época foram Louis Thurstone e Rensis Likert que demonstraram que as atitudes podem ser quantificadas, abrindo caminho para o desenvolvimento não apenas deste construto, mas de toda a Psicologia Social (Maio et al., 2018). Os métodos por eles desenvolvidos são ainda largamente utilizados para mensurar atitudes e opiniões. Ainda nesse período, foram desenvolvidas as primeiras pesquisas que buscavam avaliar a relação entre atitudes e comportamento (Maio et al., 2018). Uma das razões pelas quais a Psicologia Social se interessa pelas atitudes é pela relação dessas com o comportamento: o que uma pessoa pensa e sente sobre um objeto social é uma boa base para prever como ela vai se comportar em relação ao mesmo. Essa suposição foi rapidamente posta em dúvida pelo estudo de Richard LaPiere (1934), no qual ele relata a experiência de uma viagem com um casal de chineses ao solicitar serviços em 66 hotéis e 184 restaurantes, em um período em que havia forte preconceito antiasiático nos Estados Unidos. Apesar de 92% dos restaurantes e 91% dos hotéis visitados pelo grupo terem indicado, em uma pesquisa posterior à visita, que não aceitariam membros da raça chinesa em seu estabelecimento, apenas um dos estabelecimentos de fato recusou prestar serviços ao casal de chineses. Esse estudo, seminal ao avaliar discrepâncias entre atitudes e comportamento, estimulou estudos posteriores que buscavam avaliar em quais condições e quando as atitudes de fato guiam o comportamento. A segunda onda no estudo das atitudes ocorreu nas décadas de 1950 e 1960, com foco em como e quando ocorre a mudança de atitudes e no porquê as pessoas mantêm atitudes. Os estudos sobre mudança de atitudes foram fortemente influenciados pela Segunda Guerra Mundial, durante a qual as campanhas de propaganda fizeram com que as potências aliadas percebessem a importância de entender como mobilizar e mudar a opinião pública, favorecendo assim pesquisas sobre persuasão e mudança de atitudes (Maio et al., 2018). Nesse contexto se destacam os trabalhos da Escola de Yale (Hovland et al., 1953), que buscavam explorar o papel das características da fonte da mensagem, do destinatário da mensagem e da própria mensagem persuasiva na probabilidade de mudança das atitudes, e os trabalhos de Festinger (1957) com a Teoria da Dissonância Cognitiva, afirmando que ter atitudes conflitantes sobre um mesmo objeto social motivaria as pessoas a modificarem uma dessas atitudes para recuperar um estado de consonância. Essas descobertas foram influentes para ajudar os psicólogos sociais a entenderem como e quando a persuasão e a mudança de atitudes são mais prováveis de ocorrer (Maio et al., 2018). Psicologia social: temas e teorias 175 Nesse mesmo período foram também propostos modelos para explicar as razões pelas quais as pessoas mantêm atitudes. A partir de uma abordagem funcionalista, Katz (1960, p. 1) propõe que “as razões para manter ou mudar atitudes são encontradas nas funções que essas desempenham para o indivíduo, especificamente as funções de ajuste, defesa do ego, expressão de valores e conhecimento”. Compreender as funções desempenhadas pelas atitudes é importante para o processo de mudanças de atitudes à medida que seria mais provável modificar uma atitude quando o conteúdo da mensagem persuasiva tem relação com a função desempenhada pela atitude (Maio et al., 2018). A terceira onda de pesquisas sobre atitudes, nas décadas de 1980 e 1990, concentra-se no estudo do conteúdo, estrutura e funcionamento das atitudes (McGuire, 1985). Essas pesquisas, a exemplo dos modelos multicomponentes das atitudes (Eagly & Chaiken, 1993), abordam questões sobre como as pessoas organizam seus pensamentos, sentimentos e experiências comportamentais passadas sobre um determinado objeto atitudinal, ou seja, sobre como os conteúdos cognitivo, afetivo e comportamental das atitudes interagem e moldam o desenvolvimento e a expressão das atitudes (Maio et al., 2018). Nesse mesmo período, há um interesse renovado na pesquisa sobre a relação entre atitudes e comportamento, com a proposição da Teoria da Ação Racional (Fishbein & Ajzen, 1975) e sua extensão, a Teoria do Comportamento Planejado (TCP) (Ajzen, 1991). Essas teorias buscam prever o comportamento deliberativo e ponderado a partir das atitudes e de outros determinantes, a exemplo do controle percebido sobre e da pressão social percebida para a realização do comportamento. Ademais, a década de 1980 é marcada pelo desenvolvimento de modelos de processos duplos que buscavam conciliar o papel de processos cognitivos deliberados (que demandam mais esforço cognitivo, a exemplo do que é pressuposto na TCP) e automáticos (que ocorrem de forma espontânea, com baixo esforço cognitivo) na explicação de fenômenos na psicologia social, a exemplo da relação entre atitudes e comportamento, com o modelo MODE (Fazio et al., 1983), e da persuasão, com o Modelo de Probabilidade de Elaboração (Petty & Cacioppo, 1981). Esta perspectiva, que sustenta que os indivíduos podem ter múltiplas estratégias cognitivas, recorrendo às vezes a um processamento mais elaborado e controlado ou mais simples e automático, que são ativados em função de pistas situacionais e dos objetivos e motivações individuais, continua a ser o enquadramento dominante no desenvolvimento teórico e de estratégias de mensuração das atitudes. 4.1.3 O CONTEÚDO E A ESTRUTURA DAS ATITUDES Como já apontado, as atitudes são avaliações globais em relação a um objeto que compreendem sentimentos positivos ou negativos, crenças e disposições comportamentais. No entanto, ao longo do desenvolvimento do campo de estudo das atitudes, uma questão básica que tem sido colocada é sobre se elas são um construto unidimensional ou se são compostas por múltiplos componentes. 176 Atitudes Alguns teóricos consideram que as atitudes são determinadas pelas crenças da pessoa sobre o objeto da atitude (Fishbein & Ajzen, 1975; Thurstone, 1931). Nessa perspectiva, as crenças são os blocos de construção fundamentais para as atitudes (Fishbein & Ajzen, 1975). Com base na observação direta ou na informação recebida de fontes externas ou por meio de vários processos de inferência, uma pessoa aprende ou constrói várias crenças sobre um objeto. Cada crença associa o objeto com um atributo ou com uma consequência, que na sequência são avaliadas. As crenças (e as avaliações associadas aos atributos ou consequências) são integradas ou combinadas para se chegar a uma atitude geral sobre o objeto, de forma que algumas crenças mais fortes podem ser mais preponderantes que outras na formação da atitude. Por outro lado, vários pesquisadores sustentam que a atitude é uma construção complexa que consiste em dimensões afetivas, cognitivas e comportamentais distintas entre si, sendo mais bem descritas por um Modelo Multicomponente ou Tripartite (por exemplo, Rosenberg & Hovland, 1960; Eagly & Chaiken, 1998), como apresentado na Figura 1. A distinção entre cognição, afeto e comportamento visa não apenas classificar respostas a partir das quais as atitudes podem ser inferidas, mas sim refletir componentes teóricos distintos (Ajzen, 2005; Eagly & Chaiken, 1998). Embora cada um desses componentes varie ao longo de um continuum avaliativo, supõe-se que as avaliações expressas por cada um desses componentes podem diferir (ver Breckler, 1984). Por exemplo, você pode ter cognições favoráveis a doar sangue, dada a importância para salvar vidas, mas pode ter emoções desfavoráveis a doar sangue por ter medo de agulha. Ademais, algumas atitudes podem ser baseadas em apenas um dos componentes ou pode haver o predomínio de um dos componentes sobre os demais. Figura 1 – Modelo Multicomponente das Atitudes. O componente cognitivo das atitudes envolve as crenças, pensamentos e atributos que são associados a um objeto, de forma que a atitude de uma pessoa em relação a um objeto pode ser baseada primariamente nesses conteúdos, sejam eles positivos ou negativos (Maio et al., 2018). Portanto, derivar atitudes de crenças em relação a um ob- Psicologia social: temas e teorias 177 jeto requer fazer julgamentos sobre as informações associadas ao objeto e aplicar essas informações na avaliação desse objeto (Fishbein & Ajzen, 1975). Por exemplo, ao se propor a comprar um carro novo, podemos comparar diversos carros em termos de atributos objetivos, como o consumo de combustível, os equipamentos de segurança, custo de manutenção, entre outros. As atitudes em relação a cada carro avaliado foram formadas por meio da consideração das características positivas e negativas deles. Podemos também formar atitudes positivas ou negativas em relação a um político ao avaliarmos o seu caráter e moralidade e as pautas sociais e econômicas que ele defende. O componente afetivo das atitudes diz respeito às respostas emocionais que experimentamos em relação a um objeto (Maio et al., 2018). Por exemplo, as atitudes em relação a um carro novo podem estar baseadas em um sentimento de realização por estar em um carro dos sonhos, a sentimentos de maior status social ou mesmo a um aumento da autoestima (Ellaway et al., 2003). Ademais, o componente afetivo também abarca os valores que as pessoas possuem, a exemplo de valores morais e religiosos (Snyder & DeBono, 1987). As atitudes das pessoas sobre questões como descriminalização do aborto e a educação sexual nas escolas se baseiam mais em seus valores morais e religiosos do que em um exame objetivo dos fatos. Essas atitudes objetivam muito mais expressar e validar o sistema de valores básicos das pessoas do que prover uma avaliação precisa e objetiva do objeto atitudinal (Snyder & DeBono, 1987). Embora possamos formar atitudes a partir de crenças ou respostas emocionais sobre um objeto, há ocasiões em que podemos também inferir uma atitude observando nosso comportamento passado em relação ao objeto em um processo de autopercepção (Bem, 1972), sendo esse o componente comportamental das atitudes. A Teoria da Autopercepção (Bem, 1972) afirma que os indivíduos nem sempre têm acesso às suas opiniões sobre objetos diferentes, especialmente se seus sentimentos ou conhecimentos sobre o assunto são vagos ou incertos. Nesses casos, as pessoas fazem inferências e atribuições sobre o objeto pensando em como se comportaram em relação a ele no passado. Portanto, o componente comportamental das atitudes refere-se a comportamentos ou experiências passadas em relação a um objeto (Maio et al., 2018). Por exemplo, se você responde a uma pesquisa pedindo sua opinião sobre o homeschooling (educação domiciliar), mesmo não tendo dedicado tempo anteriormente para formar uma atitude sobre esse tema, você pode se lembrar das brincadeiras no intervalo entre as aulas. Esse comportamento passado pode fazer com que você tenha uma atitude negativa sobre o homeschooling. Até aqui falamos sobre como os componentes cognitivo, afetivo e comportamental das atitudes contêm diversas informações sobre um objeto, ou seja, sobre o conteúdo das atitudes. Mas podemos também nos questionar sobre como esses conteúdos estão estruturados, ou seja, sobre como essas informações são organizadas de acordo com a sua direção (ou seja, em termos de quão favorável, neutro ou desfavorável são seus conteúdos). Supõe-se tipicamente que a existência de crenças, sentimentos e comportamentos positivos inibe a ocorrência de crenças, sentimentos e comportamentos negativos (Maio et al., 2018). De acordo com essa perspectiva unidimensional, os in- 178 Atitudes divíduos têm uma atitude que se encaixa em algum ponto ao longo de um continuum bipolar, ou seja, eles mantêm uma atitude neutra, positiva ou negativa em relação a um objeto (Armitage & Conner, 2000). Nessa perspectiva unidimensional as atitudes positivas são percebidas como o oposto das atitudes negativas. Por exemplo, seria improvável que um indivíduo que possui crenças, sentimentos e comportamentos positivos sobre um time de futebol, tivesse crenças, sentimentos e comportamentos negativos sobre o mesmo time. A perspectiva unidimensional se opõe à outra que sugere que as informações cognitivas, afetivas e comportamentais são organizadas em duas dimensões: uma dimensão reflete se a atitude tem poucos ou muitos elementos positivos, e a outra dimensão reflete se a atitude tem poucos ou muitos elementos negativos (Cacioppo et al., 1997). De acordo com a perspectiva bidimensional, as pessoas podem ter uma combinação de crenças, afetos e comportamentos positivos e negativos, ao mesmo tempo, em relação a um objeto (Maio et al., 2018). Por exemplo, as atitudes de um indivíduo em relação à doação de sangue podem ser ambivalentes. Ele pode ter crenças positivas em relação à doação de sangue, avaliando que é um comportamento altruísta de ajuda aos outros e que é importante que as pessoas doem sangue. Por outro lado, pode manter emoções negativas em relação à doação de sangue por ter medo de agulha e experiências passadas também negativas, ao lembrar, por exemplo, que quase desmaiou uma vez que estava doando sangue. Assim, suas respostas cognitivas, afetivas e comportamentais sobre a doação de sangue diferem em termos de direção (Maio et al., 2018). As atitudes podem consistir em poucos elementos positivos e muitos negativos, muitos elementos positivos e poucos negativos, ou poucos elementos positivos e poucos negativos (posição neutra), mas também podem conter muitos elementos positivos e muitos negativos, levando à ambivalência (Maio et al., 2018). A ambivalência atitudinal pode ser definida como um estado no qual um indivíduo atribui a um objeto atitudinal avaliações positivas ou negativas equivalentemente fortes. A ambivalência não é o mesmo que sentir-se neutro ou indiferente em relação a um objeto de atitude, mas caracteriza-se por ter simultaneamente fortes associações positivas e negativas (Liver et al., 2007). A perspectiva bidimensional permite explicitamente que essa ambivalência ocorra, enquanto a perspectiva unidimensional não. A ambivalência pode ocorrer como resultado de cognições conflitantes ou como resultado de respostas afetivas conflitantes. Nessas condições, é denominada de ambivalência intracomponente (Harreveld et al., 2009). Por outro lado, quando os elementos afetivos e cognitivos são conflitantes entre si, a ambivalência é denominada de intercomponente ou ambivalência afetivo-cognitiva (Lavine et al., 1998; Maio et al., 2000). Ademais, existem dois outros tipos de ambivalência que podem ocorrer dentre ou entre os componentes das atitudes: a ambivalência potencial e a ambivalência experienciada. A primeira refere-se à coexistência de avaliações positivas e negativas incongruentes sobre um mesmo objeto atitudinal, sobre as quais o indivíduo que possui a atitude não necessariamente tem consciência do conflito interno que pode resultar dessa discrepância (Harreveld et al., 2009; Priester & Petty, 1996). Ou seja, a ambivalência pode estar implícita. A ambivalência experienciada, no entanto, pressupõe que o indivíduo tem consciência do conflito experimentado entre as avaliações Psicologia social: temas e teorias 179 incongruentes sobre o objeto atitudinal (Priester & Petty, 1996). Nesse caso, a ambivalência sentida refere-se ao desconforto psicológico resultante de crenças ou sentimentos conflitantes (Harreveld et al., 2009). Todavia, os indivíduos podem tolerar a ambivalência, mantendo atitudes aparentemente inconsistentes sobre o mesmo objeto, dado que é a inconsistência percebida e não a objetiva que desempenha papel central no desconforto psicológico (Fiske & Taylor, 2020). A ambivalência das atitudes tem implicações diretas sobre suas consequências, de forma que uma atitude ambivalente é menos estável ao longo do tempo, mais flexível, exerce menos influência no processamento de informações, pode ser mais facilmente modificada e ter menor probabilidade de levar a um comportamento em comparação a uma atitude que apresenta congruência entre seus componentes (Armitage & Conner, 2004; Priester & Petty, 1996). 4.1.4 ATITUDES EM PERSPECTIVA: DIFERENÇAS E RELAÇÕES COM OUTROS CONSTRUTOS É através de uma adequada definição que podemos delimitar um construto, diferenciando-o de construtos correlatos, e adotar estratégias adequadas para a sua mensuração. Vimos anteriormente neste capítulo que o conceito de atitudes, por sua centralidade na Psicologia Social, tem sido objeto de distintas definições, muitas vezes contraditórias entre si. Ademais, há também na utilização desse construto, uma certa sobreposição conceitual com construtos próximos, a exemplo dos valores e personalidade. Outro aspecto que pode contribuir para um entendimento equivocado sobre as atitudes é o significado que esse conceito assume no senso comum, que o aproxima de um comportamento. Por exemplo, o dicionário Michaelis (2016) define atitudes como “Modo de posicionar o corpo; porte, posição, postura” ou “Modo de comportar-se em determinadas situações ou conjunturas”. A seguir abordaremos alguns conceitos relacionados com as atitudes, buscando apresentar suas similaridades e diferenças. Valores e Ideologias Como vimos no capítulo sobre valores deste Manual, Schwartz (1994, p. 21) define valores como “metas desejáveis e transituacionais, que variam em importância e servem como princípios na vida de uma pessoa ou de outra entidade social”. Nesse sentido, os valores se diferenciam das atitudes por serem mais abstratos e focarem em estados finais de existência (Rokeach, 1973). Já as atitudes são avaliações vinculadas a um objeto social concreto (Hitlin & Piliavin, 2004; Rokeach, 1973). Essas diferenças refletem, por exemplo, na forma como esses construtos são mensurados. A mensuração das atitudes avalia o quão favorável/desfavorável as pessoas são em relação a um objeto social, enquanto os valores são avaliados por sua importância como princípios orientadores na vida. As ideologias, por sua vez, têm sido definidas como “uma organização de opiniões, atitudes e valores – uma maneira de pensar sobre o homem e a sociedade” (Adorno et al., 1950, p. 2). A visão ideológica sobre o mundo ajuda os indivíduos a integrarem uma ampla gama de reações diretas e indiretas ao mundo social, algumas das quais 180 Atitudes são manifestamente políticas e outras não, em padrões que combinam com suas próprias personalidades e estilos de vida (Jost, 2021). Uma das dimensões ideológicas mais recorrentemente pesquisadas na Psicologia Social é a sociopolítica, que opõe as pessoas entre conservadorismo/liberalismo ou entre direita/esquerda. As posições ideológicas de esquerda e direita são diferenciadas em duas dimensões (Jost, 2006; Napier & Jost, 2008). A primeira dimensão diz respeito à tolerância à desigualdade. Indivíduos que veem a desigualdade baseada em grupos tendem a se identificar mais com ideologias à esquerda, com menor tolerância à desigualdade. Enquanto aqueles que veem a desigualdade como baseada em meritocracia tendem a se identificar com ideologias mais à direita e toleram mais as desigualdades (Jost et al., 2004). A segunda dimensão diz respeito à diferença na orientação para a manutenção do status quo, de forma que as pessoas de direita tendem a apoiar o status quo e a rejeitar mudanças sociais e as de esquerda tendem a se opor ao status quo e a apoiar mudanças sociais (Jost et al., 2009). Por exemplo, pessoas de direita são mais propensas a se oporem a políticas sociais de ações afirmativas, pois elas potencialmente promoverão mudanças no status quo dos grupos sociais aos quais elas são direcionadas (Federico & Sidanius, 2002; Sidanius et al., 1996). Embora uma determinada atitude possa provocar mudanças em valores e ideologias, os pesquisadores têm se concentrado nas influências do nível mais alto de abstração (ideologias e valores) no nível mais baixo de abstração (atitudes e comportamentos; Homer & Kahle, 1988). Essa direção de influência é particularmente interessante por envolver um mecanismo em que mesmo pequenas mudanças nas ideologias e valores mais abstratos levariam a inúmeras mudanças nas atitudes e comportamentos relacionados (Maio et al., 2003). Representações sociais Como vimos no capítulo sobre a Teoria das Representações Sociais deste Manual, as representações sociais referem-se à maneira como as pessoas elaboram entendimentos simplificados e compartilhados de seu mundo por meio da interação social (Moscovici, 2000). Moscovici propunha que as atitudes e crenças das pessoas são moldadas pelo que outras pessoas acreditam e dizem e são compartilhadas com outros membros de sua comunidade, de forma que as reações a eventos, respostas a estímulos, estão relacionadas a uma determinada definição, comum a todos os membros do grupo ao qual os indivíduos pertencem. Na teoria de Moscovici, o processo de representação é caracterizado por sua dimensão social e coletiva: as representações são construções conjuntas sobre objetos sociais, tornando o processo de representação somente possível quando um determinado conjunto de condições é preenchido (Farr, 1994). Mais especificamente, para que o processo ocorra, um grupo de indivíduos deve ser confrontado com um objeto complexo ou desconhecido, e a apropriação prática ou conceitual desse objeto deve ter implicações sociais genuínas. Farr (1994) aponta que a noção de atitude, como originalmente entendida por Thomas e Znaniecki (1918), é de natureza social e coletiva porque as atitudes estão ligadas a valores sociais. No entanto, sob a influência de Allport (1935), o conceito de atitudes passa a ser visto como um fenômeno individual à Psicologia social: temas e teorias 181 medida que esse autor elimina os componentes sociais e coletivos das várias definições de atitudes que considerou em sua obra de 1935 (Farr, 1994). Assim, não surpreende que a pesquisa de atitudes tenha se distanciado da pesquisa de representações sociais que propunha uma abordagem coletiva e interindividual do fenômeno (Farr, 1994). Personalidade Atitudes e traços de personalidade se referem a construções hipotéticas latentes que se manifestam em uma ampla variedade de respostas observáveis (Ajzen, 2005). No entanto, há diferenças significativas entre esses dois conceitos. No caso das atitudes, as respostas observáveis são de natureza avaliativa e são direcionadas a um determinado objeto ou alvo (uma pessoa, instituição, política ou evento). Por sua vez, os traços de personalidade não são necessariamente avaliativos, mas sim descrevem tendências de resposta em um determinado domínio, como a tendência a se comportar de maneira consciente, a ser sociável, a ser autoconfiante e assim por diante (Ajzen, 2005). Essas respostas que refletem uma característica subjacente não se concentram em nenhum alvo externo específico, mas sim no próprio indivíduo e, portanto, podem ser usadas para diferenciar os indivíduos e classificá-las em diferentes tipos de personalidade (Ajzen, 2005). Embora as atitudes e os traços sejam considerados disposições relativamente estáveis e duradouras, as atitudes são tipicamente vistas como mais maleáveis do que os traços de personalidade (Ajzen, 2005). As atitudes podem mudar rapidamente à medida que os eventos se desenrolam e novas informações sobre uma pessoa ou questão se tornam disponíveis, mas a configuração dos traços de personalidade que caracteriza um indivíduo é muito mais resistente à mudança (Ajzen, 2005). 4.2 FORMAÇÃO DAS ATITUDES O que você pensa sobre o aborto? Qual é seu posicionamento sobre a intervenção do Estado na economia? Você dirigiria após consumir bebida alcoólica? O que você pensa sobre a igualdade salarial entre os gêneros? Conforme você aprendeu no tópico anterior, apesar de temáticas distintas, essas perguntas envolvem o campo das atitudes. Talvez, você tenha tido dificuldade em responder alguma das perguntas por não possuir uma atitude bem consolidada sobre o tema. Já outras perguntas podem ter sido respondidas com mais facilidade, uma vez que sua atitude sobre o tema já é mais bem estabelecida. Mas você já parou para pensar sobre a origem e formação das suas atitudes? Neste tópico, vamos abordar algumas perspectivas teóricas que buscam explicar a formação de nossas atitudes. 4.2.1 PERSPECTIVA COMPORTAMENTAL Caso você possua alguma familiaridade com a perspectiva comportamental, você sabe que é fundamental o entendimento do condicionamento operante para uma ade- 182 Atitudes quada compreensão do comportamento e das atitudes. Para o condicionamento operante, as recompensas (chamadas pela análise do comportamento de reforço) tendem a aumentar a probabilidade de que um comportamento volte a ocorrer, enquanto punições tendem a reduzir as chances que esses comportamentos voltem a ocorrer (Moreira & Medeiros, 2018). Para ilustrar a importância do condicionamento operante para a formação de atitudes, pensemos no comportamento de mentir. Na maioria das vezes, somos ensinados que mentir é errado, apesar da mentira poder ser entendida como um mecanismo de resolução de problemas (Rodrigues, 2016). A despeito de sermos ensinados que mentir é errado, como o condicionamento operante explica a formação de atitudes sobre o mentir? Pense em uma pessoa que chegou atrasada no trabalho para uma reunião importante porque estava de ressaca após passar o final de semana em um famoso festival de música. Essa pessoa resolveu mentir para a chefia dizendo que teve um problema familiar. Com a mentira, não houve nenhum tipo de sanção. Agora pense na mesma situação, mas com um desfecho diferente: a chefia viu sua rede social, descobriu a mentira, e ele foi punido. Em qual das duas situações provavelmente a pessoa desenvolverá uma atitude mais positiva em relação à mentira? Possivelmente na situação em que a consequência foi “melhor” para o indivíduo (i.e., na situação em que evitou sanções por conta da mentira). Em suma, o condicionamento operante nos auxilia a compreender que a formação de atitudes envolve consequências de nossas ações e opiniões. 4.2.2 PERSPECTIVA DA APRENDIZAGEM SOCIAL Apesar das contribuições da perspectiva comportamental, a Aprendizagem Social (Bandura, 1977) postula que para a formação de atitudes não é necessário “vivenciar” diretamente o estímulo. Nesse sentido, a teoria indica que podemos aprender pela observação, à medida que analisamos os comportamentos de outras pessoas e suas respectivas consequências. Em um clássico experimento (Bandura et al., 1961), os autores analisaram o comportamento agressivo de crianças aprendido por meio da observação. Participaram do estudo 72 crianças com idades que variaram de 3 a 6 anos. As crianças foram divididas em condições de “agressão” e “não agressão”. Independente da condição, a criança se sentava em uma mesa com alguns brinquedos na sala do experimento. O confederado1 se sentava em outro local da sala, com o que seria seu material, o que incluía um boneco João Bobo. Na condição de “não agressão”, o confederado explorava alguns materiais, mas ignorava o João Bobo. Na condição de “agressão”, o confederado explorava alguns objetos, mas começava a expressar comportamentos agressivos em direção ao João Bobo, em uma sequência específica que envolvia socos no nariz, arremessos, chutes e violência verbal. Após 10 minutos, o confederado, em ambas as condições, se retirava da sala. Os pesquisadores então analisavam o comportamento 1 Nome dado a uma pessoa que se comporta no experimento com base em instruções específicas dadas pelo pesquisador. Psicologia social: temas e teorias 183 das crianças com os objetos da sala e identificaram um elevado incremento de comportamentos agressivos das crianças com o João Bobo quando eram expostos aos modelos de agressão. Em função dos achados desse e de outros estudos, a Aprendizagem Social postula que a aquisição de atitudes, valores, estilos de pensamento e ações propriamente ditas pode se dar por meio da aprendizagem por observação, ou seja, pelo exemplo que recebemos da experiência dos outros indivíduos (Bandura, 2008). Se voltamos ao nosso exemplo sobre a atitude em relação à mentira, a aprendizagem social indica que não precisamos passar, diretamente, pelas consequências do comportamento de mentir para que desenvolvamos nossas atitudes. Na verdade, aprendemos pelas consequências das outras pessoas. Ou seja, se você acompanhou que seu colega foi punido por mentir, aumentam-se as chances de você desenvolver uma atitude negativa em relação à mentira. 4.2.3 PERSPECTIVA COGNITIVA Apesar da grande contribuição da perspectiva comportamental e da Teoria da Aprendizagem Social, entende-se que o estudo dos processos cognitivos tem sido central para a compreensão das atitudes. O estudo dos processos cognitivos que permeiam a formação de atitudes acaba englobando diferentes microteorias no âmbito da cognição social, cujo enfoque de análise sobre as atitudes acaba se modificando (para uma revisão, veja o Capítulo 3 deste Manual). Por exemplo, nas décadas de 1970 e 1980 os estudos sobre atitudes no âmbito da cognição focaram em uma “cognição fria” em que não se discutia de forma mais sistemática, por exemplo, o papel das emoções, algo que foi modificado nos anos 1990 e 2000 (Wegener & Carlston, 2005) (para uma revisão, veja o Capítulo 5 deste Manual). Apesar da diversidade de microteorias e das mudanças de enfoque ao longo do tempo no estudo dos processos cognitivos da atitude, podemos assumir que a análise do processamento da informação é um importante elemento dessa linha de estudos. O processamento da informação, no âmbito da cognição social, postula que devemos analisar: 1) codificação; 2) arquivamento e recuperação da informação; 3) o julgamento; e 4) ação. Na codificação, a informação é interpretada e organizada a partir dos esquemas mentais que o indivíduo possui. Entende-se que os elementos externos ao ambiente formam, a partir da codificação, representações mentais internas. Na sequência, essas informações, após interpretadas, podem ser armazenadas na memória para posterior recuperação. Na etapa de julgamento, as informações armazenadas e recuperadas são utilizadas para um conjunto amplo de avaliações e julgamentos que tendem a impactar a última etapa (ação) (ver o capítulo sobre cognição social deste Manual). Por meio da compreensão das etapas do processamento da informação, entende-se que as atitudes são formadas a partir da codificação e arquivamento de informações que interagem com os esquemas sociais prévios do indivíduo. Apesar desse entendimento geral, alguns autores discordam sobre a natureza das atitudes no âmbito dos processos cognitivos. Basicamente, alguns autores assumem que as atitudes estariam 184 Atitudes armazenadas em nossos sistemas de memórias (Carlston, 1994) (etapa 2 do processamento da informação), sendo entendido como “estrutura/conteúdo” (Wegener & Carlston, 2005). Porém, há quem defenda que a atitude seria, na verdade, o produto de um processo de avaliação (etapa 3 do processamento da informação) de um conjunto de informação armazenado na memória (Schwarz & Bohner, 2001), devendo ser entendida como “processo” (Wegener & Carlston, 2005). A despeito dessas diferenças entre autores no âmbito da cognição social, podemos entender a formação de atitude a partir do processamento da informação. Se retomarmos nosso exemplo sobre a mentira, imagine que o indivíduo presenciou seu colega de trabalho mentindo. Ao presenciar isso, o indivíduo tende a codificar, interpretar e armazenar essa informação em articulação com esquemas mentais diversos que perpassem honestidade, papéis sociais, relação líder-liderado, dentre outros. Esse indivíduo quando precisar agir em alguma situação que envolva o comportamento de mentir, de acordo com o modelo de processamento da informação, provavelmente deverá fazer um julgamento em que sua atitude sobre o mentir (composta por essa articulação de esquemas mentais previamente codificados e armazenados, acompanhado de um conjunto de afetos) poderá afetar sua decisão. É importante ressaltar que essa descrição do processamento da informação acabou circunscrevendo processos mais sistemáticos (controlados) e racionais. Tal forma de processamento tende a ocorrer quando o indivíduo está motivado e possui recursos cognitivos para processar a mensagem. Quando isso não é possível, a formação de atitudes tende a ocorrer por meio de processos heurísticos (automáticos). Diferentes modelos de formação e mudança de atitude têm se assentado nessa premissa de rotas de processamento, alguns deles serão discutidos, em mais detalhes, no tópico sobre mudança de atitudes. 4.3 FUNÇÕES DAS ATITUDES A questão de por que as pessoas mantêm atitudes tem recebido considerável atenção na Psicologia Social (Eagly & Chaiken, 1998). Como qualquer pergunta extremamente ampla, ela pode ser respondida em vários níveis, embora a suposição subjacente a todas essas respostas seja a de que as atitudes desempenham funções que permitem aos indivíduos se adaptarem ao seu ambiente (Eagly & Chaiken, 1998). A teorização sobre as funções desempenhadas pelas atitudes avançou na década de 1950 quando Smith et al. (1956) e Katz (1960) propuseram uma série de funções atitudinais destinadas a cobrir as várias razões pelas quais as pessoas avaliam objetos em seu ambiente (Fazio & Olson, 2007). 4.3.1 FUNÇÕES MOTIVACIONAIS DAS ATITUDES Katz (1960) propunha quatro principais funções que as atitudes desempenhavam, agrupadas de acordo com a sua base motivacional: utilitária, de defesa do ego, de ex- Psicologia social: temas e teorias 185 pressão de valores e de conhecimento. A função utilitária tem como premissa o fato dos indivíduos se esforçarem para maximizar as recompensas e evitar punições em seu ambiente (Katz, 1960). Nesse sentido, as atitudes ajudam a garantir a sobrevivência do organismo, mas, de forma mais ampla, qualquer atitude baseada no interesse em maximizar o prazer e minimizar a dor para si mesmo pode ser considerada utilitária (Green & Gerken, 1989). Essa função também é denominada de função instrumental ou de ajuste (Katz, 1960). A função de defesa do ego (Katz, 1960) diz respeito ao uso das atitudes como um mecanismo de defesa para proteger o autoconceito, tendo por base as motivações do indivíduo para defender seu ego de conflitos internos ou ameaças externas. Essa função está enraizada em mecanismos de defesa psicanalíticos, como repressão e projeção, que supostamente fornecem um meio de preservar o autoconceito diante de alguma ameaça (Fazio & Olson, 2007). Katz (1960) argumenta, por exemplo, que o preconceito é muitas vezes o resultado dos próprios sentimentos de inferioridade e que depreciar um grupo externo pode fazer o indivíduo se sentir melhor em comparação a si mesmo (Fein & Spencer, 1997) (para uma revisão, veja o Capítulo 12 deste Manual). Além do preconceito, as atitudes de defesa do ego podem servir para proteger o eu em condições de qualquer ameaça, a exemplo de ameaças econômica e de riscos à saúde (Eagly & Chaiken, 1993). As atitudes podem desempenhar uma função de ajuste social para o self, pois podem sinalizar para outros indivíduos as prioridades interpessoais e a forma como os indivíduos se relacionam e convivem com outras pessoas em geral (Fiske & Taylor, 2020). A demonstração de atitudes socialmente ajustadas ou aceitas são mais proeminentes para pessoas com maior necessidade de afiliação, que são mais suscetíveis à aprovação social e que têm maior consciência sobre a forma como gerenciam sua imagem para os outros (Fiske & Taylor, 2020; Herek, 1986). Por exemplo, uma pessoa que tenha atitudes preconceituosas em relação a pessoas negras pode camuflar ou não expressar suas atitudes em um contexto no qual a norma social de um grupo de referência seja explicitamente antipreconceito racial. Snyder e DeBono (1987) argumentam que diferenças individuais relacionadas com o automonitoramento, ou seja, com a preocupação que um indivíduo tem sobre o quão apropriado é seu comportamento na presença de outros, tem implicações para a função que uma atitude desempenha. As atitudes de indivíduos que se preocupam mais com o automonitoramento são mais propensas a servirem a uma função de ajuste social, enquanto as atitudes de indivíduos que pontuam baixo em automonitoramento tendem a servir como expressiva de valores. Enquanto muitas atitudes têm a função de impedir o indivíduo de revelar a si mesmo e aos outros a sua verdadeira natureza, outras atitudes têm a função de dar expressão positiva aos seus valores centrais e à sua identidade (Katz, 1960). A função de expressão de valores permite que os indivíduos afirmem sua identidade e seus valores, consentindo que as pessoas tenham a oportunidade de satisfazer suas necessidades para confirmar seu autoconceito, incluindo sua identidade social e pessoal (para uma revisão, veja o Capítulo 10 deste Manual). Katz (1960) propõe que os indi- 186 Atitudes víduos têm uma necessidade inerente de solidificar suas crenças sobre quem elas são, e que expressar aspectos importantes do eu valida a identidade desses (Fazio & Olson, 2007). Os indivíduos não apenas adquirem crenças no interesse de satisfazer várias necessidades específicas, mas também buscam conhecimento para dar sentido ao que de outra forma seria um universo caótico e desorganizado (Katz, 1960). As pessoas precisam de padrões ou quadros de referência para entender seu mundo, e as atitudes ajudam a suprir esses padrões. A função de conhecimento está relacionada à função utilitária na medida em que ajuda a navegar pelo ambiente, mas, de acordo com Katz, também atende a uma necessidade específica de organizar o mundo e dar sentido a um ambiente repleto de informações (Fazio & Olson, 2007). Nesse sentido, de acordo com Fazio e Olson (2007), Smith et al. (1956) propuseram uma função de avaliação de objetos, que pode ser pensada como uma combinação das funções utilitária e de conhecimento de Katz (1960). É nesse nível geral de permitir que as pessoas identifiquem até que ponto os objetos têm implicações favoráveis ou desfavoráveis para elas que as atitudes recebem a função inerente à sua própria definição (Eagly & Chaiken, 1993). Smith et al. (1956) argumentam que tal atitude fornece uma maneira de dimensionar objetos em seu ambiente, economizando tempo e energia que seriam necessários constantemente para calcular novas atitudes em relação aos objetos (Fazio & Olson, 2007). Essa função das atitudes permite que os organismos naveguem com mais eficiência em seu ambiente e decidam rapidamente se um objeto deve ser abordado ou evitado. De fato, a avaliação de objetos é a mais primária e amplamente aplicável das funções de atitude (Fazio & Olson, 2007). Para a função de avaliação de objetos, a acessibilidade tem um papel central na medida em que atitudes mais acessíveis são mais prováveis de serem ativadas nesse contexto (Fazio & Olson, 2007). As atitudes mais acessíveis são caracterizadas por uma forte associação entre o objeto da atitude e as avaliações guardadas na memória, que são automaticamente trazidas à mente na presença do objeto. A acessibilidade das atitudes facilita a tomada de decisão e reduz o esforço cognitivo necessário para lidar com os estímulos ambientais, por facilitar, por exemplo, os processos de atenção, categorização e tomada de decisão. Os objetos para os quais os indivíduos têm atitudes acessíveis são notados mais rapidamente e tendem a atrair mais a atenção, mesmo quando a sua utilidade para uma determinada tarefa é irrelevante (Roskos-Ewoldsen & Fazio, 1992). Atentar a objetos que foram associados com consequências negativas ou positivas no passado se torna importante para uma resposta de aproximação ou distanciamento adequada, e a acessibilidade das atitudes ajuda a desempenhar essa função atencional (Fazio & Olson, 2007). A acessibilidade das atitudes afeta não apenas a atenção, mas também a forma como um objeto é categorizado (Smith et al., 1996). Quando nos deparamos com um objeto, esse estímulo ativará em nossa mente as possíveis categorias nas quais ele poderia ser encaixado. A categoria que irá predominar depende das atitudes que o indivíduo tem em relação às categorias. A categoria com a atitude mais acessível tem maior probabilidade de guiar a atenção e de ser utilizada para a categorização do ob- Psicologia social: temas e teorias 187 jeto que se ajuste a ela (Smith et al., 1996). A acessibilidade das atitudes também desempenha uma função na tomada de decisões. Em geral, as decisões tomadas com base em atitudes mais acessíveis tendem a demandar menos esforço cognitivo e a terem mais qualidade comparativamente às decisões que não se baseiam em atitudes acessíveis (Fazio et al., 1992). Dessa forma, quando o contexto demanda ações rápidas, atitudes acessíveis não apenas reduzem o estresse relacionado com a tomada de decisão, como também aumentam a qualidade das decisões tomadas (Fazio & Olson, 2007). 4.3.2 A FUNÇÃO DAS ATITUDES COMO PREDITORAS DO COMPORTAMENTO A função das atitudes como preditoras do comportamento é um dos temas de interesse de longa data na Psicologia Social. Por um longo período, em parte pela definição das atitudes, era assumida uma forte relação entre atitudes e comportamentos. De fato, uma das razões pelas quais os psicólogos sociais estão interessados em conhecer as atitudes dos outros é justamente por causa desta suposição: saber a sua atitude sobre o objeto deveria ser um bom ponto de partida para prever como ele vai se comportar em relação a esse objeto. O próprio valor do construto atitude seria questionado se não fosse esse o caso. No entanto, essa relação direta foi colocada em xeque à medida que se começou a explorar empiricamente a relação entre atitudes e comportamentos. Como vimos, um dos primeiros estudos que desafiou o efeito preditivo das atitudes em relação ao comportamento foi conduzido por LaPiere (1934), no que ficou conhecido como “estudo de hospitalidade”. Ademais, uma revisão de 42 estudos experimentais sobre a relação entre atitudes e comportamento, conduzida por Wicker (1969), observou que a correlação média entre atitudes e comportamento era muito fraca, com uma correlação de Pearson de média igual a 0,15. Apesar do ceticismo de parte dos pesquisadores sobre a relação entre valores e atitudes (LaPiere, 1934), a partir da década de 1970 diversos pesquisadores sustentavam que as atitudes prediziam o comportamento e buscavam entender as relações fracas identificadas na literatura passando a explorar não mais se as atitudes predizem o comportamento, mas sim quando as atitudes predizem o comportamento (Fishbein & Ajzen, 1975). Ou seja, em que condições podemos esperar uma relação atitude-comportamento? Esses pesquisadores argumentam que não havia uma relação simples entre atitudes e comportamentos e que, para prever com precisão o comportamento, é necessário levar em consideração outras variáveis, incluindo características do indivíduo, da situação e da própria atitude (Fishbein & Ajzen, 1975; Monson et al., 1982; Snyder & Swann, 1976; Zanna et al., 1980). Nesse contexto, ganharam grande visibilidade a Teoria da Ação Racional (TAR) (Fishbein & Ajzen, 1975) e a Teoria do Comportamento Planejado (TCP) (Ajzen, 1991). De acordo com Ajzen (2005), ambas as teorias se baseiam na suposição de que os seres humanos geralmente se comportam de maneira sensata, levando em conta as informações disponíveis e considerando, implícita ou explicitamente, as consequências do seu comportamento. Consistente com essa suposição, ambas as teorias 188 Atitudes postulam que o determinante mais imediato do comportamento é a intenção de uma pessoa de se envolver (ou não) nesse comportamento. As intenções compreendem os fatores motivacionais que influenciam um comportamento, indicando o quanto as pessoas estão dispostas a se esforçar para realizar o comportamento, sendo que quanto mais forte a intenção, mais provável deve ser a execução do comportamento (Ajzen, 1991). No entanto, para que as intenções, de fato, levem ao comportamento relacionado, alguns determinantes básicos devem ser tidos em conta. O primeiro é de natureza pessoal, compreendendo as atitudes frente ao comportamento (ou seja, a avaliação da pessoa do comportamento alvo). Diferente das atitudes gerais que os indivíduos podem ter em relação a instituições, pessoas ou objetos, a atitude em ambas as teorias reflete a avaliação positiva ou negativa do indivíduo de realizar o comportamento de interesse particular (Ajzen, 2005). De acordo com a TAR e a TCP, a atitude em relação a um comportamento é predita por crenças sobre as consequências do comportamento, denominadas crenças comportamentais (Ajzen, 2005). Cada crença comportamental liga o comportamento a um determinado resultado ou a algum outro atributo, como o custo para executar o comportamento, sendo que a atitude em relação ao comportamento é determinada pela avaliação da pessoa dos resultados associados ao comportamento e pela força dessas associações (Ajzen, 2005). Um indivíduo que acredita que um determinado comportamento levará a resultados predominantemente positivos terá uma atitude favorável em relação à realização do comportamento, enquanto uma pessoa que acredita que realizar o comportamento levará a resultados predominantemente negativos terá uma atitude desfavorável (Ajzen, 2005). O segundo determinante reflete a influência social, ou seja, a percepção que o indivíduo tem sobre a pressão social exercida por outros indivíduos em específico ou por grupos (referenciais sociais) que aprovam ou desaprovam a realização do comportamento em consideração. Por se tratar de prescrições normativas percebidas, esse fator é denominado norma subjetiva (Ajzen, 1991). De acordo com o comportamento em questão, as referências sociais relevantes podem incluir os pais, cônjuge, amigos íntimos, colegas de trabalho e, dependendo do comportamento envolvido, especialistas, a exemplo de médicos (Ajzen, 2005). De um modo geral, caso o indivíduo acredite que as referências sociais que está motivado a obedecer pensam que o comportamento deve ser realizado, ele sentirá uma pressão social para fazê-lo. Ao contrário, caso acredite que essas referências sociais desaprovariam a execução do comportamento, terão uma norma subjetiva que o pressiona a evitar executar o comportamento. Em acréscimo à TAR, a TCP postula ainda a existência de um terceiro determinante das intenções, que representa o senso de autoeficácia ou a capacidade de realizar o comportamento de interesse (ou seja, a percepção da pessoa de que o comportamento está sob seu controle), denominado controle comportamental percebido (Ajzen, 2005). Nesse sentido, a TCP é uma extensão da TAR (Ajzen & Fishbein, 1980; Fishbein & Ajzen, 1975) que se faz necessária pelas limitações da TAR em lidar com comportamentos sobre os quais as pessoas não têm controle completo (Ajzen, 1991). As crenças sobre o controle comportamental percebido podem ser baseadas na expe- Psicologia social: temas e teorias 189 riência passada com o comportamento, mas também podem ser influenciadas através da observação das experiências de conhecidos e amigos e por outros fatores que aumentam ou reduzem a dificuldade percebida de realizar o comportamento em questão (Ajzen, 2005). Quanto mais recursos e oportunidades necessários os indivíduos pensam que possuem, e quanto menos obstáculos ou impedimentos eles antecipam, maior deve ser o controle percebido sobre o comportamento. Por outro lado, os indivíduos que percebem que não têm os recursos e as oportunidades para realizar um determinado comportamento provavelmente não terão fortes intenções comportamentais de se envolver nele, mesmo que tenham atitudes favoráveis em relação ao comportamento e acreditem que outras pessoas importantes aprovariam esse comportamento (Ajzen, 2005). A Figura 2 apresenta graficamente as relações estabelecidas pela TCP, com o efeito direto das atitudes, norma subjetiva e controle comportamental percebido nas intenções comportamentais e essa, por sua vez, predizendo o comportamento. Cabe ressaltar que a TCP assume a possibilidade de uma ligação direta entre o controle comportamental percebido e o comportamento, representada pela linha pontilhada na Figura 2. Ou seja, o controle comportamental percebido pode influenciar o comportamento indiretamente, por meio das intenções comportamentais, mas também pode prever o comportamento diretamente, pois pode refletir com algum grau de precisão o controle real que o indivíduo tem sobre os meios para executar o comportamento. O controle comportamental percebido pode se distanciar do controle real em situações nas quais os indivíduos têm relativamente pouca informação sobre o comportamento ou quando elementos novos e desconhecidos estão presentes na situação (Ajzen, 1991, 2005). No entanto, à medida que o controle percebido se aproxima do controle real, ele pode ser usado para prever a probabilidade de se engajar de forma bem-sucedida em um comportamental (Ajzen, 1985). Figura 2 – Teoria do Comportamento Planejado. 190 Atitudes De um modo geral, de acordo com a TCP, quanto mais favorável for a atitude e a norma subjetiva em relação a um comportamento, e quanto maior for o controle comportamental percebido, mais forte deve ser a intenção do indivíduo de realizar o comportamento considerado (Ajzen, 1991). Para a TCP, a força preditiva dos três determinantes sobre a intenção comportamental e o comportamento depende da intenção sob análise (Ajzen, 1991). Para algumas intenções, as atitudes são mais importantes do que a norma subjetiva, enquanto para outras intenções predominam as normas subjetivas. De forma similar, o controle comportamental percebido é mais importante para alguns comportamentos do que para outros (Ajzen, 1991). Em alguns casos, apenas um ou dois fatores são necessários para explicar a intenção, enquanto em outros, todos os três fatores são determinantes importantes. Além disso, os pesos relativos dos três fatores podem variar de uma pessoa para outra, ou de uma população para outra (Ajzen, 2005). Embora o modelo da TCP tenha recebido considerável suporte empírico, algumas críticas são levantadas na literatura, sobretudo em relação à ideia de que as atitudes predizem o comportamento através de uma forma puramente intencional, ponderada pelas consequências esperadas do comportamento. Esse nem sempre é o caso. Como dito anteriormente, por exemplo, as atitudes acessíveis afetam processos fundamentais, como atenção visual e categorização, de forma espontânea e não deliberada (Fazio & Olson, 2007). A literatura sobre julgamento e tomada de decisão aponta que as pessoas às vezes tomam decisões deliberadas, mas muitas vezes seus julgamentos e comportamentos fluem mais espontaneamente de suas atitudes, revelando a distinção entre processos cognitivos deliberados (orientadas por dados, onde o observador passa pelo processo de atenção, análise e interpretação de informações relevantes) e espontâneos (automáticos, onde a decisão do observador é mais diretamente baseada em atitudes ativadas automaticamente na memória). O Modelo MODE busca explicar quando os processos automáticos e deliberados entram em ação para predizer o comportamento, integrando conceitualmente os papéis desempenhados pelo processamento automático das atitudes sobre o comportamento (Fazio, 1986) e pelo processamento deliberativo das atitudes sobre o comportamento, este último central para a TCP (Ajzen, 1991) e a TAR (Ajzen & Fishbein, 1980). O termo MODE é um acrônimo para indicar a Motivação e a Oportunidade como DEterminantes da relação entre atitudes e comportamentos, predizendo quando o processo atitudes-comportamentos ocorre de forma espontânea (automática) ou deliberada (Fazio & Olson, 2014). O modelo MODE é apresentado na Figura 3. O processo espontâneo diz respeito ao mecanismo pelo qual as atitudes podem orientar o comportamento sem o envolvimento de qualquer reflexão consciente por parte do indivíduo (Fazio & Olson, 2014). Quando o indivíduo se depara com um objeto atitudinal, ocorre uma ativação automática da atitude na sua memória, que influenciará a forma como o objeto é avaliado ou como suas qualidades são percebidas na situação imediata. Essa ativação imediata funciona como uma lente através da qual o objeto é percebido (Fazio, 1990; Fazio & Olson, 2014). Uma vez que as atitudes frente a um objeto são ativadas automaticamente, o comportamento frente a ele pode Psicologia social: temas e teorias 191 ser resultante de uma reação espontânea, sem qualquer consideração consciente sobre o papel preditor da atitude no comportamento (Fazio & Olson, 2014). Ou seja, o comportamento surge como uma consequência da atitude automaticamente ativada. Por outro lado, quando esse processo ocorre de forma deliberada, os indivíduos julgam os custos e benefícios de se engajar em um determinado comportamento e, ao fazê-lo, consideram suas atitudes em relação às alternativas comportamentais e decidem sobre um plano comportamental a ser seguido (Fazio & Olson, 2014). O indivíduo só se engajará no esforço que é exigido pelo processamento deliberativo se alguma força motivacional o induzir a tanto. Uma dessas motivações pode dizer respeito à importância da decisão comportamental, à medida que comportamentos com consequências significativas podem levar a uma análise cuidadosamente fundamentada das atitudes em relação ao comportamento, a exemplo de decidir sobre qual faculdade frequentar e qual trabalho seguir (Fazio, 1990). Tal deliberação requer não apenas que o indivíduo esteja motivado, mas também que tenha o tempo e os recursos para tanto, ou seja, a oportunidade (Fazio & Olson, 2014). Situações que exigem uma resposta comportamental rápida podem negar a oportunidade ao indivíduo de deliberar minuciosamente. Nesses casos, os indivíduos podem não ter alternativa e responderem de acordo com o processamento espontâneo (Fazio, 1990). O modelo MODE também preconiza que a influência das atitudes no comportamento pode envolver, às vezes, processos “mistos”, ou seja, que envolvem uma combinação de componentes automáticos e controlados (Fazio & Olson, 2014). No entanto, cabe ressaltar que o envolvimento em qualquer processo deliberado, mesmo dentro de uma sequência mista requer que o indivíduo esteja motivado e tenha a oportunidade de se engajar no esforço cognitivo necessário (Fazio, 1990; Fazio & Olson, 2014). Nesse contexto de processos mistos, o indivíduo pode estar motivado a avaliar a adequação, ou mesmo contrariar a influência de uma atitude ativada automaticamente. A interação de processos entre processos espontâneos e deliberativos é uma dinâmica bem documentada no domínio dos estudos sobre o preconceito. A motivação para contrariar uma atitude ativada automaticamente pode resultar, por exemplo, de uma motivação interna para controlar respostas preconceituosas automaticamente ativadas (Dunton & Fazio, 1997) ou de uma preocupação com a desejabilidade social relacionada com a expressão de comportamentos preconceituosos (Fazio et al., 1995). 192 Atitudes Figura 3 – Modelo MODE (Adaptado de Fazio, 1990). Para o modelo MODE, a oportunidade é essencialmente um mecanismo de bloqueio (Fazio & Olson, 2014). Desde que exista a oportunidade, um indivíduo pode bloquear ou mesmo corrigir a influência de uma atitude ativada automaticamente. No entanto, se o indivíduo estiver fatigado ou esgotado cognitivamente, ou se a situação exigir uma resposta imediata, haverá pouca oportunidade de se envolver em uma deliberação motivada. Nesse caso, o julgamento ou o comportamento provavelmente serão influenciados pela atitude ativada automaticamente, independentemente de quaisquer preocupações motivacionais relevantes (Fazio & Olson, 2014). 4.4 MENSURAÇÃO DAS ATITUDES Até agora aprendemos sobre o que são atitudes, como elas se formam e a que funções elas servem. Não obstante, para compreender o que são atitudes nós precisamos ter uma noção de como elas são mensuradas. Atitudes, como a maioria dos construtos psicológicos, não são diretamente observáveis (Maio et al., 2019). As atitudes estão na cabeça das pessoas e só podem ser inferidas de suas respostas (Fazio & Olson, 2003). Essas respostas podem ser desde comportamentos explícitos (como se aproximar ou evitar o objeto) e declarações verbais explícitas (por exemplo, respostas a uma pergun- Psicologia social: temas e teorias 193 ta de atitude) a respostas encobertas, que podem estar fora da consciência da pessoa (como expressões faciais minuciosas ou a velocidade com a qual uma sequência de letras pode ser reconhecida como uma palavra significativa) (Schwarz, 2010). Como resultado, os psicólogos sociais precisaram desenvolver várias metodologias para avaliar efetivamente as atitudes dos indivíduos (para uma revisão, veja o Capítulo 2 deste Manual). Para apresentar as diferentes medidas de atitude, seguimos a distinção proposta por Maio et al. (2018) com base no fato de serem explícitas (ou seja, diretas) ou implícitas (ou seja, indiretas). A distinção entre processos explícitos e implícitos tem uma longa história dentro da psicologia. Os psicólogos geralmente pensam em processos explícitos como aqueles que requerem atenção consciente, enquanto os processos implícitos são aqueles que não requerem atenção consciente. Quando aplicados à mensuração de atitudes, esses termos podem ser usados para distinguir entre as medidas nas quais o respondente está consciente ou inconsciente de como uma atitude está sendo avaliada. Simplificando, as medidas de atitudes explícitas pedem diretamente aos entrevistados que indiquem sua atitude, enquanto as medidas de atitudes implícitas inferem atitudes sem que os entrevistados tenham consciência ou controle sobre como sua atitude está sendo medida (Maio et al., 2019). 4.4.1 MEDIDAS DIRETAS (EXPLÍCITAS) DE ATITUDES A maior parte das medidas de atitudes se encaixa nessa categoria. Geralmente, essas medidas se caracterizam por questões de autorrelato nas quais os participantes respondem a perguntas diretas sobre suas opiniões (i.e., “Qual sua opinião sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo?”). A esse respeito, foram desenvolvidas na Psicologia Social técnicas a partir de modelos de medida diferentes que se caracterizam por quatro procedimentos de construção de escalas que iremos comentar a seguir. As primeiras escalas para mensurar atitudes são associadas ao trabalho de Thurstone (1928), que demonstrou como os métodos de escala psicofísica podem ser adaptados para medir atitudes. Sua técnica era “centrada no estímulo”, ou seja, que caracteriza a atitude do indivíduo por meio do seu posicionamento frente a estímulos previamente cotados (Lima & Correia, 2013). A técnica consiste na seleção de frases (os estímulos) as quais os indivíduos apenas têm de apontar aquelas com que concordam. Tais frases são construídas a partir de um grande banco de itens para, posteriormente, serem avaliadas por um grande grupo de juízes. Embora seja uma técnica que preza pela representatividade de toda a extensão do conteúdo de um objeto atitudinal, atualmente tem sido pouco utilizada devido a motivos de ordem prática, metodológica e de ordem científica (para mais detalhes, ver Lima & Correia, 2013). Uma segunda técnica de construção de escalas de atitudes foi proposta por Likert (1932) com o intuito de consumir menos tempo no processo de construção. Tal técnica dá menos ênfase ao papel dos juízes e centra o processo nos indivíduos respondentes baseado em um modelo psicométrico. Assim, nessa técnica a escala é feita 194 Atitudes eminentemente pelo pesquisador, que procura frases que manifestem claramente uma atitude favorável ou uma atitude desfavorável em relação a um mesmo objeto, evitando o uso de frases neutras. Para cada frase o indivíduo indica seu grau de concordância ou discordância em uma escala que pode variar, por exemplo entre 1 (discordo totalmente) e 5 (concordo totalmente). Ao final as respostas dos participantes para cada item são somadas para criar um escore geral da pontuação de cada indivíduo. Para comparar diferentes atitudes é necessário usar uma metodologia que mensure atitudes em relação a uma variedade de objetos de atitude ao longo de uma escala comum com itens correspondentes. A terceira técnica apresentada vem suprir essa lacuna, conhecida como a abordagem de diferencial semântico (Osgood et al., 1957). Nessa técnica, os participantes recebem um conjunto de escalas de adjetivos bipolares. Pede-se aos participantes que avaliem o objeto de atitude indicando a resposta que melhor representa a sua opinião sobre os adjetivos bipolares em termos avaliativos gerais. Os adjetivos usados como rótulos refletem três fatores, a saber: avaliação (por exemplo, bom-ruim; agradável-desagradável), potência (por exemplo, forte-fraco; pequeno-grande) e atividade (por exemplo, ativo-passivo; rápido-lento), que são respondidos em uma escala de 7 pontos (variando entre -3 a +3). Cabe salientar que, embora essa técnica seja utilizada para comparar diferentes objetos de atitude, existem casos em que os mesmos adjetivos podem ter sentidos diferentes para diferentes objetos de atitude (por exemplo, a dimensão frio/caloroso tem significados diferentes quando nos referimos a um país ou a uma pessoa). Portanto, a técnica exige cuidado e contextualização. A quarta técnica, que também se baseia no pressuposto de unidimensionalidade das escalas de atitudes, foi proposta por Guttman (1944). Esse autor propõe que os itens de uma escala de atitudes devem ser construídos tal como as matrioshkas, de modo que, ao aceitar um item da escala com maior nível de dificuldade, se aceitam também todos os itens com graus inferiores de dificuldade (Lima & Correia, 2013). São as chamadas Escalas Guttman ou Escalas Cumulativas. Um exemplo bem conhecido de escala cumulativa, apesar de ter sido construído antes do desenvolvimento da técnica Guttman, é a escala de distância social de Bogardus (1933). Esse tipo de escala é muito utilizado para medir as atitudes com relação a diferentes grupos sociais (i.e., imigrantes e negros), na qual os respondentes indicam sua inclinação para ter vários níveis de contato com o grupo-alvo (Neiva & Mauro, 2011). Todas essas técnicas, apesar de serem as mais comuns para medir atitudes, e independentes do procedimento de construção, apresentam alguns problemas. Como os pesquisadores de atitudes sabem há muitas décadas, os autorrelatos de atitudes são altamente dependentes do contexto e pequenas mudanças na redação das perguntas, no formato das perguntas e na ordem das perguntas podem afetar profundamente os resultados obtidos (Schwarz, 2010). Além disso, a crítica mais importante acerca desse tipo de medida é sobre a veracidade das respostas do indivíduo. Isto é, se tais respostas correspondem, de fato, à opinião sincera do respondente ou se ele tentou mudar suas respostas para causar Psicologia social: temas e teorias 195 uma boa impressão de si. Esse problema pode ser ainda maior, caso o objeto de mensuração esteja relacionado a questões sensíveis ou questões que sofrem influência das normas sociais, como, por exemplo, questões políticas ou relacionadas a diferentes formas de preconceito. Nesses casos, o uso de medidas explícitas e diretas pode não fornecer um retrato preciso das atitudes dos entrevistados, pois os indivíduos podem não querer parecer preconceituosos (Maio et al., 2019). Para tentar diminuir esse problema, pode-se assegurar a confidencialidade e o anonimato das respostas. Pode-se ainda controlar o grau de distorção introduzindo simultaneamente no questionário da pesquisa uma medida de desejabilidade social como, por exemplo, a de Crown e Marlowe (1964). Uma alternativa para tentar medir com maior amplitude o conteúdo das atitudes e conhecer, de fato, os argumentos que embasam os posicionamentos dos indivíduos sobre um objeto atitudinal é utilizar perguntas abertas (Schwarz, 2010). Por exemplo, Lima et al. (2022) realizaram uma pesquisa com o objetivo de analisar as atitudes de pessoas de diferentes afiliações religiosas acerca do casamento civil e da adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Nessa pesquisa, os autores utilizaram, além das perguntas fechadas que eram respondidas numa escala Likert de 7 pontos (i.e., “Você concorda que casais homossexuais devem ter o direito ao casamento civil?”), uma pergunta aberta na qual era solicitado que os participantes escrevessem de forma mais detalhada suas opiniões, apresentando suas justificativas. 4.4.2 MEDIDAS INDIRETAS (IMPLÍCITAS) DE ATITUDES Para contornar problemas associados a medidas diretas de atitude, os psicólogos sociais desenvolveram uma série de estratégias de resposta indiretas ou implícitas. O uso de medidas indiretas baseia-se no pressuposto teórico de que as atitudes exercem uma influência sistemática no desempenho das pessoas em uma variedade de tarefas e que o tamanho dessa influência pode servir como um índice da atitude subjacente (Schwarz, 2010). Como já mencionamos, nas medidas indiretas infere-se a atitude a partir de um outro indicador que não a resposta verbal da pessoa a uma pergunta sobre a atitude. Esse tipo de medida evita que as pessoas alterem suas respostas por saberem que estão participando de uma pesquisa, uma vez que elas não conseguem ter clareza sobre o que e como está sendo medido, assim não conseguem modificar suas respostas para causarem uma boa impressão de si (Schwarz, 2010). No presente capítulo não pretendemos revisar extensamente as diferentes estratégias de medidas implícitas (ver Fazio & Olson, 2003; Gawronski & De Houwer, 2014; Lima & Correia, 2013, para revisões mais detalhadas), mas sim apresentar as duas estratégias mais influentes e importantes: o priming avaliativo (PA;Fazio et al., 1995) e o Teste de Associação Implícita (TAI;Greenwald et al., 1998). Ambas são técnicas que avaliam o tempo de resposta a determinados estímulos. 196 Atitudes O priming avaliativo foca na velocidade com que o significado avaliativo de uma palavra pode ser identificado. O objetivo dessa técnica é analisar se a exposição ao objeto de atitude afeta a velocidade da resposta avaliativa às palavras-alvo. Em um experimento típico, os participantes são expostos a um prime (por exemplo, um rosto preto ou branco) e decidem se uma palavra-alvo subsequente (por exemplo, agradável, horrível) é positiva (pressionando a tecla “bom”) ou negativa (pressionando a tecla “ruim”). Se a atitude saliente está fortemente associada a uma avaliação positiva, ela acelera a identificação de palavras positivas como “boas” e retarda a identificação de palavras negativas como “ruins” (Schwarz, 2010). O TAI, assim como a medida de priming avaliativo, baseia-se na suposição de que os objetos de atitude podem ativar avaliações espontaneamente, que influenciam as respostas subsequentes e a velocidade com que estas respostas são feitas (Maio et al., 2019). Em um estudo típico do TAI, os participantes estão sentados em um computador e são solicitados a classificar adjetivos e objetos de atitude. Lembre-se de que o método de priming avaliativo pede às pessoas apenas para classificar os adjetivos e não pede que classifiquem o objeto de atitude. Assim, o TAI é baseado em efeitos de interferência que podem ocorrer quando diferentes características de objetos de atitude implicam respostas diferentes (Schwarz, 2010). Os participantes são instruídos a responder com a maior rapidez e precisão possível; o computador registra o tempo que eles levam para responder (para exemplos de TAI, consultar https://implicit.harvard.edu/implicit). Apesar do TAI ser amplamente utilizado, não está isento de críticas. Embora acumule evidências favoráveis de mensuração das atitudes implícitas (ver Greenwald et al., 2015; Kurdi et al., 2019), diversas críticas apontam a baixa confiabilidade teste-reteste, a inexistência de um ponto de corte claro entre escores enviesados e não enviesados, e a baixa validade preditiva dos escores do TAI sobre o comportamento (para mais informações, consultar Gawronski et al., 2017; Mitchell & Tetlock, 2017). 4.5 MUDANÇA DE ATITUDES Um importante elemento da discussão sobre atitude envolve, de maneira específica, a mudança de atitude. Afinal, em diferentes situações há uma expectativa que as pessoas mudem suas opiniões, a forma como pensam e, consequentemente, seu comportamento. Para entender a importância de discutirmos mudança de atitude, basta pensarmos na pandemia de Covid-19. Em função de um conjunto de Fake News, diversos brasileiros desenvolveram atitudes negativas sobre a vacina o que afetava a intenção de se vacinar e, consequentemente, o enfrentamento da pandemia (Galli & Modesto, 2021). Nesse momento, foram essenciais campanhas que mudassem as atitudes e os comportamentos desses indivíduos sobre as vacinas, tendo em vista sua importância para o combate à pandemia (Bavel et al., 2020). Esse é apenas um exemplo do interesse pela mudança de atitudes, mas podemos pensar em diversas outras situações em que a mudança de atitude é um elemento chave para o sucesso de uma intervenção: estratégias de persuasão no âmbito do comportamento do consumidor, ações para redução do preconceito e discriminação, dentre outros. No âmbito da psi- Psicologia social: temas e teorias 197 cologia social, diferentes microteorias buscam apresentar modelos que permitem a compreensão dos processos de mudança de atitude. Neste subtópico, abordaremos alguns dos mais amplamente discutidos. 4.5.1 MODELO SISTEMÁTICO-HEURÍSTICO DE MUDANÇA DE ATITUDES O Modelo Sistemático-Heurístico (MSH; Heuristic-Systematic Model; Chaiken, 1980) se insere em um conjunto amplo de modelos duais do processamento da informação no âmbito da psicologia social (Chaiken & Trope, 1999). O MSH postula que diferentes formas de julgamento social (i.e., impressões, atitudes, dentre outros) são formadas e modificadas a partir de duas formas principais de processamento da informação: a heurística e a sistemática. A heurística tende a demandar menor esforço no processamento e age no sentido de assimilar a nova informação de forma mais fácil, a partir de um conjunto de esquemas, estereótipos e expectativas. O processo sistemático, por outro lado, demanda maior esforço. Entende-se que, nesse caso, o indivíduo irá analisar a informação de uma maneira mais individualizada, de modo a realizar seu julgamento sistemático sobre o objeto social. Importante mencionar que as duas formas de processamento podem ocorrer de maneira mais independente ou simultânea, a depender das motivações do indivíduo, bem como considerando os princípios do menor esforço e da suficiência (Chaiken, 1980). O princípio do menor esforço se articula com a ideia do avaro cognitivo (ver capítulo sobre cognição deste Manual). Ou seja, entende-se que o mundo social é complexo e que não dispomos de recursos mentais para processar todas as informações disponíveis de maneira cuidadosa. Com isso, utilizamos processos heurísticos por serem mais rápidos e demandarem menos esforço mental. Quando prevalece o processamento heurístico então, diante de uma mensagem persuasiva, a mudança de atitude pode ocorrer por pistas heurísticas. Por exemplo, você pode ter aprendido, sobretudo dentro de culturas coletivistas, que algum nível de consenso é desejado. Você então se depara com uma mensagem persuasiva que parece ser endossada de forma consensual. Em função de uma heurística que liga o consenso ao “correto”, você pode acabar mudando de atitude. Ou ainda você pode ter aprendido sobre a importância de uma escolarização formal. Com isso, pode tender a concordar de maneira rápida e intuitiva com o discurso de um especialista (Bohner et al., 1995). O princípio da suficiência, por sua vez, pressupõe que o indivíduo possui uma necessidade de segurança/confiança no julgamento feito. Essa necessidade pode então favorecer a ocorrência de processos mais sistemáticos. Ou seja, na identificação do tipo de processamento que acaba prevalecendo, haveria uma “disputa” entre o princípio do menor esforço e o princípio da suficiência. Para o MSH, o processo sistemático ocorreria quando o heurístico não alcançasse sozinho o princípio da suficiência. De maneira mais específica, entende-se que os processos sistemáticos entrariam em ação a partir do gap entre a confiança sentida e a desejada no processamento de uma informação. Uma vez prevalecendo processos mais sistemáticos, a mudança de atitude ocorreria a partir de uma análise mais deliberada e individualizada da informação apresentada (Bohner et al., 1995). 198 Atitudes Ressalta-se que o MSH foi proposto como uma reação aos modelos que propunham que a mudança de atitude se daria a partir de um exame racional da mensagem persuasiva. Portanto, tal modelo vem evidenciar que processos mais deliberados seriam “apenas” parte do processo de mudança de atitude. 4.5.2 MODELO DE PROBABILIDADE DE ELABORAÇÃO O Modelo da Probabilidade de Elaboração (MPE – Elaboration Likelihood Model; Petty & Cacioppo, 1981) também busca compreender o processo de mudança de atitude a partir de uma diferenciação entre processos mais controlados e automáticos, denominados pelo MPE, respectivamente, como rota central e rota periférica. O MPE parte da premissa que para entendermos o processo de persuasão (elemento chave para a mudança de atitude) é necessário compreender as respostas cognitivas frente às mensagens persuasivas. Nesse sentido, quando as pessoas estão motivadas e têm recursos cognitivos para pensar sobre um assunto, estariam propensas a um processamento por meio da rota central. Nessas circunstâncias, a persuasão (i.e., mudança de atitude) se daria em função da força do argumento. Por exemplo, imagine que você está buscando informações sobre os candidatos para as próximas eleições presidenciais. Você entende de política, economia, dentre outros assuntos comumente discutidos durante a campanha. Se você está ativamente buscando informações sobre os candidatos e conhece do assunto, para você ser convencido a votar em alguém (ou mudar seu voto) é preciso que o argumento seja forte. Ou seja, para sermos persuadidos por meio da rota central é preciso considerar a força do argumento. Porém, nem sempre temos motivação e recursos cognitivos para processar uma informação de maneira mais cuidadosa. Ou seja, em diversas situações, não focamos no conteúdo da mensagem, mas sim em elementos periféricos da mensagem, como cores de um anúncio, atratividade ou autoridade do enunciador da mensagem, dentre outros fatores. Nesses casos, tendemos a processar uma mensagem persuasiva por meio da rota periférica. Sobre a decisão de voto, é comum que tenhamos um número elevado de candidatos para o legislativo brasileiro. Dificilmente você terá acesso às propostas e plataformas de todos os candidatos. Se você não tem motivação ou tempo de pensar sistematicamente sobre seu voto, pode ocorrer que vote em uma “celebridade” sem experiência política apenas por ter familiaridade com essa pessoa. Não à toa, é comum, no legislativo brasileiro, a presença de artistas, jogadores de futebol ou até mesmo candidatos que satirizam a própria política. Em geral, a decisão por votar nessas pessoas, sem uma trajetória política e pautas bem delimitadas, tende a ocorrer por meio da rota periférica. A Figura 4 permite visualizar as duas formas de processamento. Psicologia social: temas e teorias 199 Figura 4 – Modelo de probabilidade de elaboração. Para adequada compreensão do MPE, é importante ainda ressaltar o papel das emoções, em cada uma das rotas, no momento de processamento da mensagem persuasiva (Petty & Briñol, 2015). Por exemplo, quando a capacidade de elaboração é baixa (baixo foco na mensagem), as emoções, de forma mais direta, podem favorecer o processo de mudança de atitude (o que popularmente seria entendido como uma decisão mais impulsiva, “guiada pela emoção”). Já quando a elaboração é alta, as emoções podem ser um elemento adicional no julgamento do indivíduo (por exemplo: “Esse conteúdo realmente é relevante. Basta ver como me senti animado ao ler essa mensagem”). Ou seja, independente da rota de persuasão, as emoções têm um importante papel para o processo de mudança de atitude. 4.5.3 DISSONÂNCIA COGNITIVA Embora a discussão sobre mudança de atitude tenda a evocar, de maneira mais imediata, a imagem de alguém tentando convencer outra pessoa a mudar, existem circunstâncias em que o próprio indivíduo tenta convencer a si mesmo sobre a mudança, o que tem sido chamado de autopersuasão. Sobre esse fenômeno, a Teoria da Dissonância Cognitiva (Festinger, 1957) ganha destaque (Aronson, 1999). Conforme já comentado no tópico sobre função das atitudes, as atitudes podem influenciar as ações. Porém, isso nem sempre acontece. Ou seja, podemos ter uma certa atitude e não agir com base nela. Por exemplo, é possível que em uma etapa inicial da pandemia de Covid-19, quando a recomendação de isolamento era mais rigo- 200 Atitudes rosa, você tivesse uma atitude positiva frente ao isolamento. No entanto, ainda assim, é possível que em algum momento você tenha quebrado esse isolamento para encontrar familiares ou amigos próximos. Ou seja, embora tivesse uma atitude favorável ao isolamento, você não agiu conforme suas atitudes, “furando” o isolamento. O que ocorre em uma situação como essa? Para a Teoria da Dissonância Cognitiva (Festinger, 1957), quando possuímos pensamentos conflitantes, experienciamos uma forma de desconforto. Esse conflito tende a ser ainda mais acentuado quando ocorre entre atitudes e comportamentos, como no caso descrito no parágrafo anterior sobre o isolamento social. Para a teoria, frente a essa inconsistência, precisamos de alguma solução. Como o comportamento já ocorreu, obviamente, é mais fácil apresentarmos uma mudança de atitude. Essa mudança de atitude acaba funcionando, portanto, como uma estratégia de autojustificação frente ao comportamento que teríamos exercido (Myers, 2014). Interessante notar que a neurociência tem identificado as bases neurais da dissonância cognitiva. Em um estudo com ressonância magnética funcional, os autores identificaram o papel do córtex cingulado anterior no processo de mudança de atitude em uma situação de dissonância (van Veen et al., 2009). Em nosso exemplo sobre o isolamento social, caso realmente você tenha “furado o isolamento”, a despeito de suas atitudes positivas, é provável que você passasse a ter uma atitude um pouco mais “flexível” em relação ao isolamento. Entendendo que, em algumas circunstâncias, seria aceitável sim encontrar as pessoas, desde que em pequenos grupos, lugar ventilado, ou qualquer outra justificativa que te permitisse reduzir a sensação de que seria incongruente. Caso isso realmente tenha acontecido com você, saiba que, muito provavelmente, você não esteve sozinho resolvendo esse tipo de dissonância. Diversos estudos têm dado sustentação para a Teoria da Dissonância Cognitiva como modelo que explica a mudança de atitude (McGrath, 2017 para uma revisão). Por exemplo, um estudo que mediu a polarização afetiva antes e depois de seis eleições presidenciais nos Estados Unidos identificou que os eleitores do candidato derrotado tendiam a apresentar menor polarização afetiva, após as eleições, se comparado aos eleitores do presidente vencedor (Beasley & Joslyn, 2001). Tais achados podem ser entendidos como uma forma de reduzir a dissonância e entender que o eleitor “perdedor”, na verdade, não estaria tão distante do candidato eleito. Apesar da Teoria da Dissonância Cognitiva ser robusta, seria interessante investigar se tais efeitos seriam encontrados em contextos de alta polarização, como nas eleições presidenciais brasileiras de 2018 e 2022. SUMÁRIO E CONCLUSÕES Ao final da leitura deste capítulo, esperamos que o leitor tenha conseguido compreender o que são atitudes. Como mencionado anteriormente, atitudes são avaliações gerais e relativamente duradouras que fazemos sobre um assunto, que pode ser um objeto, uma pessoa ou uma ideia abstrata. Cabe salientar que, embora as atitudes Psicologia social: temas e teorias 201 estejam no campo abstrato, elas diferem de outros construtos também muito importantes dentro da Psicologia Social, como as ideologias, valores e representações sociais. Além disso, atitudes também são diferentes de traços de personalidade, sendo estes últimos, tendências de resposta sobre características mais estáveis sobre os indivíduos. Finalmente, é desejável que o leitor tenha compreendido que as atitudes não correspondem aos nossos comportamentos. Embora nossas atitudes tenham como principal função guiar nossos comportamentos, vimos neste capítulo que esta influência não é simples e direta. É necessário levar em consideração outras variáveis, incluindo características do indivíduo, da situação e da própria atitude, conforme aprendemos com a Teoria da Ação Racional e a Teoria do Comportamento Planejado. Neste capítulo também pudemos ter uma visão geral sobre as diferentes possibilidades de mensurar as atitudes dos indivíduos sobre diferentes temas sociais. Vimos que a mensuração de atitudes pode envolver tanto estratégias diretas (explícitas), quanto estratégias indiretas (implícitas). Enquanto as primeiras envolvem eminentemente perguntas objetivas de autorrelato, mas também perguntas abertas, as últimas envolvem a medida de outras respostas do indivíduo, como o tempo que ele leva para responder uma tarefa. Finalmente, exploramos neste capítulo um elemento central da discussão sobre atitudes, que é a mudança de atitudes. Afinal, em diferentes situações há uma expectativa que as pessoas mudem suas opiniões, a forma como pensam e, consequentemente, seu comportamento. Nesse sentido, apresentamos para o leitor dois importantes modelos teóricos que explicam como esse processo de mudança de atitudes pode ocorrer, sendo eles o Modelo sistemático-heurístico de mudança de atitudes e o Modelo de probabilidade de elaboração. Ademais, embora a discussão sobre mudança de atitude tenda a evocar, de maneira mais imediata, a imagem de alguém tentando convencer outra pessoa a mudar, vimos que existem circunstâncias em que o próprio indivíduo tenta convencer a si mesmo sobre a mudança. Sobre esse fenômeno, apresentamos a Teoria da Dissonância Cognitiva que evidencia como é desconfortante psicologicamente para o indivíduo ter que lidar com atitudes ou atitudes e comportamentos conflitantes. Desse modo, temos a motivação para buscarmos coerência entre nossas atitudes e comportamentos, sendo a principal forma de alcançarmos essa coerência mudando algumas das nossas atitudes sobre determinados assuntos, sejam eles pessoas, objetos ou uma ideia abstrata. CAPÍTULO 5 EMOÇÕES Elza Maria Techio Sonia Maria Guedes Gondim Jonatan Santana Batista Beatriz Hessel O que são emoções sociais e morais? O que as diferenciam das emoções básicas? O que seriam emoções grupais? O que diferenciaria emoções intragrupais de emoções intergrupais e culturais? Quais relações podem ser estabelecidas entre emoções grupais, preconceitos e estereótipos? Quais os impactos das emoções, emoções intergrupais nas diversas formas de comportamento social? De que modo as emoções coletivas se manifestam na formação de uma cultura da paz ou do conflito? INTRODUÇÃO As imagens amplamente divulgadas nos meios de comunicação do assassinato de George Floyd, asfixiado por um policial branco nos Estados Unidos, em maio de 2020, produziram um compartilhamento de emoções coletivas em várias partes do mundo. Emoções relacionadas à tristeza, indignação e revolta motivaram mobilizações coletivas de protestos contra o racismo e a violência policial. Protestos que se iniciaram de forma pacífica e resultaram em mais violência com pessoas presas, feridas e mortas por armas de fogo. Casos semelhantes ao de Floyd também foram observados no Bra- 204 Emoções sil, como o assassinato de Pedro Henrique Gonzaga em fevereiro de 2019, João Alberto Silveira Freitas em novembro de 2020, Moïse Kabagambe, imigrante congolês em janeiro de 2022, embora com menos impacto emocional coletivo. Esses e outros casos retratam o quanto eventos específicos (violência, catástrofes, acidentes, atentados, conquistas coletivas etc.) são capazes de ativar emoções individuais e coletivas, mediante o processo de identificação que motiva e mobiliza comportamentos e ações coletivas. Iremos tratar dessas questões ao longo do capítulo a partir da perspectiva da psicologia social (para uma revisão sobre as bases epistemológicas e ontológicas da disciplina, veja o Capítulo 1 deste Manual). Iniciaremos o texto definindo e caracterizando emoções. Emoções sociais, morais, grupais e coletivas: relações com o comportamento social 5.1 EMOÇÕES NA PSICOLOGIA SOCIAL Desde os seus primórdios, a psicologia social se dedica a estudar as relações entre os indivíduos, a sociedade e a cultura. A definição clássica de Allport (1935, 1968), e ainda utilizada em manuais atuais, caracteriza a psicologia social como um campo de estudos, cujo objetivo é compreender e explicar como a presença real, imaginada ou implicada de outras pessoas influencia os pensamentos, os sentimentos e o comportamento humano. Essa caracterização evidencia a influência social mútua entre indivíduo e sociedade (Morales & Moya, 2007; Sabucedo & Morales, 2015). O interesse pelo estudo das emoções na psicologia social tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas, em parte pelo reconhecimento de sua importância na regulação e determinação do comportamento humano. As emoções cumprem um papel relevante na adaptação do indivíduo em diversos contextos (trabalho, familiar, social etc.), e nos processos de interação, cooperação e conflito em múltiplos níveis (intrapessoal, interpessoal, intragrupal e intergrupal). Enfim, as emoções se mostram centrais na interpretação e avaliação cognitiva dos acontecimentos e situações, e também na construção de repertórios comportamentais individuais e coletivos (Frijda, 1986; Mackie, Devos, & Smith, 2000). Funções das emoções Existe relativo consenso entre os estudiosos sobre as funções das emoções (Lopez-Zafra & Rodriguez, 2015). Para Darwin (1859), as emoções foram fundamentais na adaptação e sobrevivência da espécie humana. Para Damásio (1994, 2000), as emoções são respostas naturais que produzem comportamentos imediatos, sendo decisivas para a interação humana. Na perspectiva de Reeve (2009), as emoções teriam três funções: adaptativa, motivacional e social. Adaptativa por preparar o organismo para manejar de modo eficaz as diversas situações cotidianas; a motivacional por energizar e direcionar o comportamento; e a social por comunicar o estado emocional e afetivo, com implicações nas relações sociais. Psicologia social: temas e teorias 205 Para Izard (2010), as emoções cumpririam as seguintes funções, assim resumidas: a) Atuam como motivadoras da cognição e da ação para guiar e coordenar o engajamento do indivíduo no ambiente físico e social; b) Aumentam (ou diminuem) a saliência de um evento para facilitar respostas adaptativas; c) Interrompem/alteram a atenção, a direção das respostas e o processamento cognitivo; d) Comunicam socialmente estados afetivos internos; e e) Influenciam os processos de avaliação, automonitoramento e autodesenvolvimento. As funções das emoções também podem ser descritas conforme o contexto cultural e níveis de análise: a) No nível individual, proporcionam experiência subjetiva; b) No nível interpessoal, transmitem informações sobre o estado emocional pessoal aos outros; c) No nível grupal, ajudam a definir os papéis sociais e a identidade social, favorecendo o compartilhamento de sentimentos intragrupo e intergrupo; e d) no nível cultural, cumprem a função de compartilhar sentimentos e afetos que unem um coletivo, dando apoio a uma visão de mundo (ver Figura 1) (Fischer & Mansted, 2008; Frijda, Kuipers, & Ter Schure, 1989; Keltner & Haidt, 1999; Menges & Kilduff, 2015). Função das emoções em função do nível de análise Nível Função Individual Preparar para a ação Sistema de alerta Interpessoal Mostrar estados mentais Recompensar ou castigar ações prévias Evocar comportamentos complementares ou recíprocos Grupal Definir os limites dos grupos Motivar a ação coletiva Definir papéis sociais e identidades Cultural Definir a identidade cultural Identificar normas e valores Materializar ideologias culturais e a estrutura de poder Figura 1 – Esquematização níveis de análise e funções das emoções (baseado em Lopez-Zafra & Rodríguez, 2015, p. 86). Depreende-se que as emoções, sejam elas individuais, interpessoais, grupais ou coletivas, são importantes mecanismos que produzem sentidos, significados e vínculos, que mantêm a pessoa em contato com a realidade, motivando os comportamentos e regulando as interações sociais. Essa regulação ocorre em virtude do conteúdo, da qualidade e da intensidade das emoções cultivadas no decorrer do processo de socialização, o que evidencia a importância da aprendizagem social. As emoções positivas e negativas dirigidas a outras pessoas (interpessoal e grupal), por exemplo, contribuem ora para maior aproximação, favorecendo a cooperação, ora para o distancia- 206 Emoções mento e/ou evitação. Isso gera impactos na capacidade de sermos solidários e fraternos ou na emergência de conflitos interpessoais, intragrupais e intergrupais. As emoções, portanto, são essenciais para o entendimento dos vários processos estudados pelos psicólogos sociais, dentre os quais destacamos a persuasão, a percepção social, as atitudes, a influência social, o preconceito (atitudes, influência social, preconceito e conflitos sociais serão temas aprofundados, respectivamente, nos Capítulos 4, 7, 10 e 12 deste Manual), a discriminação, o racismo, a cooperação e os conflitos grupais. É importante considerar que os fenômenos sociais vêm acompanhados de uma carga afetiva, compartilhada em maior ou menor grau entre os membros de uma coletividade ou grupo social, com efeitos no seu modo de ser, pensar e de agir. 5.2 CONCEITUANDO E CARACTERIZANDO AS EMOÇÕES A dicotomia entre razão e emoção já se encontrava presente no pensamento de filósofos desde a Antiguidade (e.g., Platão, Aristóteles e Descartes), sendo a razão entendida como uma dimensão cognitiva e a emoção como uma dimensão avaliativa (Gondim, Loiola, & Borges-Andrade, 2021; Konstan, 2000; Oliva et al., 2006). Apesar de serem consideradas inerentes à vida humana, as emoções mostram-se como um fenômeno complexo. Isso se deve em parte a sua manifestação global, ao contrário da razão e da cognição que inclui processos específicos, como pensamento, percepção, linguagem e raciocínio (para uma revisão sobre Cognição Social, veja o Capítulo 3 deste Manual). Essa visão dissociativa e dicotomizada entre emoção e razão foi sendo substituída por uma concepção mais integradora, após descobertas da estreita relação entre cognição e emoção (Damásio, 1994; Lazarus, 1984; Zajonc, 1984; Lopez-Zafra & Rodriguez, 2015). Mostra-se claramente como um processo integrativo e avaliativo de uma situação, que contribui para qualidade, intensidade e diferenciação das experiências emocionais. As emoções manifestam-se de maneira múltipla (Vikan, 2017), variando em termos de duração, natureza, qualidade, nível de manifestação emocional e complexidade (Damásio, 2006; Ekman, 2003; Ekman & Cordaro, 2011; Harris, 1996). Quanto à duração, ela pode ser curta ou longa. A raiva momentânea oriunda de uma frustração, o medo frente a um barulho desconhecido, a vergonha diante de uma plateia e a surpresa diante de um evento inesperado seriam exemplos do primeiro tipo. A emoção (ou estado afetivo) de longa duração geralmente é desencadeada por eventos com maior poder de repercussão no indivíduo, como por exemplo a culpa resultante da consciência de ter se comportado de modo reprovável, o desprezo decorrente da percepção de inutilidade e inferioridade de uma pessoa, e a tristeza como resposta ao sofrimento profundo diante da incapacidade de solucionar um problema. No que tange à natureza, as emoções podem ser de dois tipos: primárias (raiva, tristeza, medo, alegria, nojo), mais facilmente identificáveis por expressões faciais, e as emoções consideradas secundárias (orgulho, elevação moral, gratidão), decorren- Psicologia social: temas e teorias 207 tes de processos de aprendizagem social e autoconscientes. As emoções também podem ser divididas em simples e complexas. As primeiras são facilmente reconhecidas pelas expressões faciais, como a alegria, a tristeza, o medo e a raiva, ao contrário das complexas, como a culpa e o orgulho, dificilmente identificadas pelas expressões faciais e que demandam maior processamento cognitivo. Em termos de qualidade, as emoções se dividem em positivas (alegria, felicidade) e negativas (medo, ansiedade, raiva), embora se reconheça que a qualidade positiva ou negativa de uma emoção dependa da situação. A tristeza, muitas das vezes considerada uma emoção negativa, quando ativada por uma perda é adaptativa e positiva para a elaboração do luto, assim como o medo protege dos riscos que ameaçam a sobrevivência. Do ponto de vista do nível, as emoções se manifestam individualmente, sendo próprias de cada pessoa; no nível grupal, em que estão em jogo emoções decorrentes do pertencimento ao grupo ou a elas relacionadas, e finalmente no nível coletivo, mediante estados afetivos mais generalizados e dirigidos à coletividade (manifestação de torcidas, rituais de celebração etc.). Essa complexidade do fenômeno emocional torna desafiadora a tarefa de obter uma definição consensual de emoção, o que ficou evidenciado em estudos, como o de Kleinginna e Kleinginna (1981), em que 92 definições de emoção foram apresentadas pelos cientistas. Tais definições contemplavam: i) aspectos fisiológicos (alteração cardíaca, tensão muscular); ii) características dos estímulos (externos/internos); iii) expressividade das emoções; iv) efeitos ou consequências (adaptativos/desadaptativos); e v) características diferenciadoras de outros processos mentais, como cognição, afeto, sentimentos, humor e motivação. De forma similar, Izard (2010) também tentou sistematizar as definições adotadas pelos cientistas, encontrando grande variedade: i) sistemas neurais delicados; ii) sistemas de respostas; iii) sentimentos ou estados de sentimentos; iv) comportamentos expressivos orientados por sistemas de sinalização; v) estados ativados por avaliação cognitiva; e vi) interpretações cognitivas de um estado de sentimentos. Efetivamente, podemos dizer que as emoções são estados temporários, direcionadas a um objeto, ou seja, têm um foco definido e não são neutras, são respostas avaliativas (Guedes & Gondim, 2020). Conforme se pode depreender, apesar de não haver consenso dos limites conceituais das emoções, os teóricos tendem a convergir sobre suas funções, formas de ativação e regulação emocional (Gondim, 2019; Gondim & Álvaro, 2010; Izard, 2010), destacando sua importância na vida cotidiana das pessoas, seja no comportamento pessoal e/ou social, adaptativo e/ou desadaptativo, funcional e/ou disfuncional (Gondim, Pereira et al., 2015), sem deixar de lado a importância da cultura (Averill, 1980, 1994; Canto, Pereira, & Álvaro, 2021; Fernández-Abascal, Rodríguez, Sánchez, Díaz, & Sánchez, 2010; Keltner & Haidt, 1999; Lazarus, 1991; Roazzi, Dias, Silva, Santos, & Roazzi, 2011; Tamir et al., 2016). Embora as emoções sejam sentidas e expressas pelo indivíduo, não significa que sua natureza e manifestação ocorra apenas no nível individual, como já assinalamos anteriormente. Cada sociedade tem um conjunto próprio de repertórios emocionais que se incorpora mediante processos de aprendizagem social desde a infância e que 208 Emoções impacta na maneira como se reage a diversos eventos individuais ou coletivos (Alastuey, 2002). No nível individual, a pessoa pode sentir tristeza diante da perda de seu animalzinho de estimação, mas nada impede que este sentimento seja compartilhado socialmente diante da morte de muitos animais por abandono dos donos ou maus tratos. Emoções coletivas (que extrapolam os limites do grupo) também ajudam a explicar a tristeza vivida por inúmeros brasileiros diante da derrota, de 7 a 1, da seleção brasileira para a seleção alemã na Copa do Mundo de futebol em 2014 e a alegria em 2002 quando o Brasil venceu a Copa do Mundo de futebol. As emoções servem ainda de guias internos e funcionam como sistemas comunicativos (Damásio, 1994, 2000) e reguladores do comportamento (Lopez-Zafra & Rodríguez, 2015). Essa compreensão de que as emoções seriam estados afetivos cumpre uma dupla função, a adaptação da espécie e a adaptação cultural, que parece sustentar alguns modelos de classificação das emoções. Isso fortalece o argumento de que as emoções não seriam fenômenos unicamente intrapsíquicos, mas seriam comuns à espécie e estariam relacionadas também a significados socialmente construídos e compartilhados. 5.3 CLASSIFICAÇÃO DAS EMOÇÕES Muitas são as discussões e as controvérsias sobre a classificação das emoções. Existem questionamentos se as emoções são herdadas ou aprendidas, universais ou contextuais, biológicas ou sociais. O que se têm são vertentes teóricas sobre a causalidade, por um lado, temos a que dá suporte à teoria darwiniana que enfatiza as formas biológicas e universais, herança dos nossos antepassados e por outro lado, a que defende que as emoções são sociocognitivas, experiências e comportamentos aprendidos, dependentes de variáveis contextuais e culturais, portanto, sociais. Uma das classificações bastante difundida é a que divide emoções em primárias (biológicas) e secundárias (aprendidas) (Damásio, 2006; Ekman, 2003; Leyens et al., 2000). 5.3.1 EMOÇÕES PRIMÁRIAS As emoções primárias (básicas), são consideradas naturais, inatas, universais e vitais para a sobrevivência, estando atreladas a processos neurais e fisiológicos específicos. As emoções primárias aparecem no início da vida, em sua origem, pouco influenciadas por variáveis culturais e contextuais. Em geral, os autores mencionam haver seis emoções primárias: alegria, tristeza, medo, surpresa, nojo e raiva (Damásio, 2006; Ekman, 2003; Ekman, Friesen, & Ellsworth, 1972). Cada uma delas cumpre uma função determinada e está associada a expressões faciais e corporais específicas que têm a função de comunicar estados internos (Fernández-Dols & Crivelli, 2013; Guedes & Gondim, 2020). A tristeza, geralmente é ativada quando uma situação considerada desejável deixa de ocorrer, revela desamparo e sofrimento. Sua expressão faz com que a outra pessoa Psicologia social: temas e teorias 209 (observador) se aproxime no intuito de dar conforto. Isso porque a pessoa triste exibe baixa tonicidade muscular no rosto e, em geral, denuncia-se pelo olhar cabisbaixo. A tristeza, além de ser importante na capacidade de autorreflexão, exerce uma função de apoio social (Ekman, 2003; Plutchik, 2001). A alegria, geralmente ativada mediante uma conquista ou ganho de algo desejado, também cumpre uma função de aproximação social. A pessoa alegre sorri e mostra-se expansiva e comunicativa, contribuindo para comportamentos afiliativos, fortalecendo os relacionamentos e os laços da comunidade (Ekman, 2003; Plutchik, 2001; Vikan, 2017). A raiva é facilmente identificável no rosto de uma pessoa pela tensão facial (Ekman, 2003; Plutchik, 2001; Vikan, 2017). Ela cumpre a função de enfrentamento (ataque) e de defesa. A ativação da raiva pode decorrer de frustração, agressão e/ou percepção de um ato de injustiça praticado contra o indivíduo ou grupo do qual é parte, e expressa descontentamento, insatisfação e revolta. O medo, importante emoção para a sobrevivência, surge diante de uma situação de ameaça, de perigo e de vulnerabilidade, cuja função primária é proteger o indivíduo ao levá-lo a evitar o perigo por meio da evasão ou fuga. Ao manifestar medo, a pessoa abre bem os olhos e a boca e eleva as sobrancelhas. O nojo é uma experiência de aversão e repugnância ativada por um estímulo repulsivo e indesejável. Cumpre uma função de rechaço, que serve para produzir respostas de evitação. Geralmente, a pessoa tende a franzir o nariz, rebaixar as sobrancelhas, erguer as pálpebras inferiores e as bochechas, o que leva à contração dos lábios (Ekman, 2003; Plutchik, 2001; Vikan, 2017). A surpresa é ativada diante de um evento inesperado, novo ou repentino, o que induz a uma pausa momentânea das atividades em curso como estratégia de organizar e orientar os pensamentos para enfrentar novos desafios. Sua função é preparar o indivíduo para explorar novas experiências. É uma emoção que dura poucos segundos e tende a se associar com outras emoções. Sua expressão é muito similar ao medo, variando apenas por não vir acompanhada de levantamento das pálpebras inferiores, abertura da boca e do franzir da testa (Ekman, 2003; Ekman & Cordaro, 2011; Lopez-Zafra & Rodriguez, 2015; Miguel, 2015; Plutchik, 2001; Vikan, 2017). Ainda que se reconheça que a capacidade de expressar as emoções primárias é explicada por causas biológicas, fruto da evolução, presente em todos os povos e culturas desde a mais tenra idade (Ekman, 2003), é difícil negar que não são atravessadas pela influência do contexto cultural e da experiência de vida na sua ativação, expressão e controle (Chen & Jack, 2017; Gendron, Roberson, van der Vyver, & Barrett, 2014). A perda de um ente querido, por exemplo, provoca tristeza, porém, a forma de expressá-la sofre influência de padrões culturais. Por exemplo, algumas culturas (ex. Estados Unidos) estimulam mais a expressão de emoções e sentimentos negativos que outras (ex. Japão) (Markus & Kitayama, 1994). 210 Emoções 5.3.2 EMOÇÕES SOCIAIS As emoções primárias, aquelas ativadas automaticamente diante de um estímulo e de curta duração, são intensas, mais perceptíveis, diferenciando-se entre si em termos de qualidade. No entanto, ao se mesclarem dão origem a outras emoções, denominadas de emoções secundárias ou sentimentos, que se caracterizam por serem mais complexas, mais longas, menos intensas e menos visíveis porque nem sempre conseguem ser expressas facial e corporalmente. Envolvem necessariamente processos cognitivos e, consequentemente, julgamento autoconsciente, sendo evocadas pela autorreflexão e autoavaliação (Vikan, 2017; Leyens et al., 2000). As emoções secundárias (ou sentimentos) agrupam aquelas emoções caracterizadas como sociais, ao envolverem processos cognitivos e de aprendizagem social, como o orgulho, a vergonha, o remorso, a inveja, o ciúme e a culpa (Damásio, 2006; Ekman, 2003; Ekman & Cordaro, 2011; Leyens et al., 2000). Pelo processo de socialização aprendemos a relacionar estados afetivos a regras e costumes específicos de uma coletividade como forma de adequação e ajustamento social (Damásio, 2006; Fernández & Correia, 2007) (para uma revisão sobre socialização, veja o Capítulo 11 deste Manual). Desse modo, aprendemos que o orgulho é um estado afetivo-emocional relacionado a eventos em que somos bem-sucedidos e elogiados. Aprendemos que a vergonha é um estado afetivo que pode nos acometer quando somos flagrados executando um comportamento inapropriado, ou seja, comportamento que viole uma norma social, como por exemplo, jogando lixo em um espaço público com uma lixeira ao lado. A culpa é um sentimento relacionado ao remorso e aceitação da responsabilização de um ato que viole os padrões morais, por exemplo, não agir diante de uma cena em que uma mulher é agredida fisicamente por um homem. Esses estados afetivos (sentimentos) aprendidos socialmente podem ser dirigidos a si mesmo, ao grupo de pertencimento e a outros grupos com nítidos impactos na qualidade das interações interpessoais, intragrupais e intergrupais e dependem dos padrões culturais. Sociedades regidas por princípios individualistas, que priorizam a independência dos indivíduos, cuja responsabilização dos atos e comportamentos recaem sobre o indivíduo, o orgulho pessoal e a culpa são valorizadas, ao passo que a vergonha e o orgulho coletivo são valorizadas em culturas coletivistas, que priorizam a dependência grupal e a conformidade (Markus & Kitayama, 1994; Vikan, 2017). 5.3.3 EMOÇÕES MORAIS As emoções morais também se inserem no grupo das emoções secundárias e sociais. Caracterizam-se como morais quando envolvem afetos associados à aprovação ou reprovação da conduta pessoal ou alheia, e também dos membros do grupo. No primeiro caso, as emoções morais buscam contribuir para comportamentos prescritivos (respeito aos demais, solidariedade para aqueles que sofrem, compaixão pelo outro etc.) e no segundo caso, procuram ativar comportamentos morais proscritivos, isto é, que inibem condutas inapropriadas e reprováveis do ponto de vista moral (culpa por ter violado uma regra moral, medo da reprovação futura do grupo, vergonha Psicologia social: temas e teorias 211 por ter sido flagrado infringindo uma norma moral do grupo etc.) (Dasborough, Hannah, & Zhu, 2019). São consideradas também emoções autoconscientes, porque se mostram relacionadas ao sentido do eu, um self, capaz de refletir sobre si mesmo e sobre o sofrimento alheio. Tais emoções estão na base do julgamento moral e da regulação da ação moral (Haidt, 2003). São oriundas de avaliações e da internalização dos valores, normas e critérios culturais estabelecidos para o comportamento social (para uma revisão sobre valores, veja o Capítulo 6 deste Manual). O orgulho, a vergonha, a inveja, a culpa e o constrangimento podem ser denominadas emoções morais por envolverem avaliação do descumprimento de regras e normas de conduta socialmente estabelecidas (Lewis, Sullivan, Stanger, & Weiss, 1989). A culpa moral, por exemplo, envolve a avaliação de ser responsável ou ter causado uma ação moralmente reprovável, cuja função é regular os comportamentos em conformidade com as normas éticas. Tal experiência gera tensão, remorso e arrependimento por ter violado um acordo, princípio ou valor que impulsiona a pessoa a reparar o dano. A vergonha moral é gerada pela rejeição ou pela percepção de fracasso pessoal, e pode vir acompanhada de sentimentos de incompetência e desvalorização. A pessoa, quando vivencia a vergonha, sente-se exposta e por consequência tende a se retirar, escapar ou esconder (Ekman & Cordaro, 2011; Vikan, 2017). Nesse sentido, ações de fuga são impulsionadas pela vergonha e ações reparadoras pela culpa, mas ambas inibem a manifestação de comportamentos considerados amorais (ausência de senso moral) e imorais (comportamentos contrários à moral). 5.4 DIFERENÇAS ENTRE EMOÇÕES BÁSICAS, SOCIAIS E MORAIS As emoções secundárias se distinguem das emoções básicas por serem produto das diversas etapas do desenvolvimento humano, social e cultural, demandando mobilização de processos psicológicos mais complexos, como o domínio do simbolismo, da linguagem e do pensamento reflexivo (Damásio, 2006; Ekman, 2003; Ekman & Cordaro, 2011; Lewis, 2000; Leyens et al., 2000). Ainda que se reconheça que as emoções básicas envolvam também algum tipo de aprendizagem, mostram-se mais fortemente associadas aos processos da evolução humana por intermédio da interação com o meio e a adaptação da espécie humana a novas condições ambientais. Nossos ancestrais, por exemplo, não dispunham de muitos recursos de linguagem verbal e necessitavam usar expressões faciais e movimentos corporais específicos para se comunicarem com os demais e assim sinalizar a necessidade de se afastarem de alimentos que ameaçassem a vida humana (nojo), atemorizassem o inimigo (raiva), atraíssem o parceiro (alegria) e sensibilizassem o outro (tristeza), cumprindo uma função adaptativa e de sobrevivência. As emoções sociais e morais exigem aprendizagem mais complexa, pois mais do que a expressão facial, incluem experiência emocional, não estando restritas à imitação e à herança filogenética. Além disso, demandam processos psicológicos superiores, como a capacidade de refletir e de julgar os pensamentos, e os comportamentos pessoais e de outrem (Etxebarría, 2010, 2020). 212 Emoções No que tange às relações entre emoções morais e sociais, embora haja muitas semelhanças, uma emoção moral será certamente uma emoção social, mas o contrário nem sempre se aplica. Ainda que ambas se sustentem em um sistema de valores, como normas e crenças compartilhadas, e dependam da aprendizagem na interação social, as emoções morais envolvem discernimento do que seria aceitável ou inaceitável, certo ou errado para si e para o outro, seguindo um modelo prescrito de conduta. As emoções morais atendem a uma função social, porque zelam pelo respeito à regra, preservando a justiça e a integridade das relações entre as pessoas. As emoções morais, portanto, seriam aqueles estados afetivos direcionados para o bem-estar coletivo, mesmo que o indivíduo, de alguma forma, beneficie-se de tais estados emocionais. Assim sendo, as emoções morais ultrapassariam os meros interesses e bem-estar pessoal (Haidt, 2003; Etxebarría, 2020). Algumas das emoções morais se revelam mais claramente dirigidas aos outros, enaltecendo-os ou condenando-os por seus atos, como o contentamento, a gratidão, o desgosto e a raiva, neste último caso quando associada à reparação de violações morais. Mas alguns poderiam indagar, a emoção moral não poderia ser dirigida a si mesmo? Certamente que sim (Haidt, 2003). Isso ocorre mediante uma instância reflexiva que avalia as condutas e ações pessoais como um observador externo da conduta alheia, à semelhança do outro generalizado de Mead (1934). Essa instância, denominada self moral (Blasi, 1983), atua como interlocutor interno representando o “eu social” geral (normativo) em diálogo com o “eu empírico” (minhas experiências pessoais particulares). O self moral tem um papel central na articulação e integração de cognições, afetos e volições, envolvendo julgamentos sobre o que é certo e/ou errado pensar ou fazer. Trata-se de um self coletivo e social, não um self personalista (Gondim, 2020; Jennings, Mitchell, & Hannah, 2014). O self moral, que assegura a integridade para agir moralmente, funcionaria como um precursor da identidade moral caracterizada pela incorporação do valor moral no autoconceito (Kingsford, Hawes, & Rosnay, 2018). Em outras palavras, a moralidade seria um atributo da pessoa (incorporação de valor) que se expressaria por meio da manifestação pública (simbolização) de comportamentos morais em relação a si e aos demais (Krettenauer & Casey, 2015). Um estudo de metanálise traz evidências robustas de que a identidade moral está fortemente associada à empatia e à compaixão como traços pessoais, e fracamente associada ao desgosto, desprezo e nojo para com as outras pessoas (Lefevbre & Krettenauer, 2019). Dadas as fortes inter-relações entre emoções morais e sociais vamos dar mais alguns exemplos para melhor compreensão de suas especificidades. Conforme havíamos dito, as emoções morais podem assumir um caráter moral quando envolvem um tipo de julgamento de aprovação (respeito pelo outro, compaixão pelo sofrimento alheiro, elevação pelo ato nobre de outra pessoa etc.) ou reprovação (causar danos ou desrespeito a si e aos demais etc.). O orgulho pelo êxito pessoal ou alheio é um estado afetivo aprendido e valorizado em algumas culturas e sociedades. Ele pode ser considerado uma emoção social central em algumas culturas, sendo importante no desenvolvimento da autoestima e do autoconceito da criança para estabelecer, no futuro, relações interpessoais mais equitativas. Entretanto, o orgulho poderia ser caracteriza- Psicologia social: temas e teorias 213 do como uma emoção moral relacionado à reprovação se estivesse sendo manifestado em uma situação em que o êxito pessoal significasse a derrota ou dano ao outro. Nesse caso, o orgulho deixa de ser visto apenas como uma emoção social que contribui para o desenvolvimento humano e passa a exigir um nível de implicação moral, porque o orgulho apoiado no desrespeito ao outro, leva o outro a um tipo de humilhação, o que seria condenável. Outro exemplo é a vingança. Trata-se de um estado afetivo de forte intensidade dirigido a alguém ou membros representativos de grupos sociais que acreditamos ter nos causado algum dano. Pode ser definida como uma emoção social negativa, pois ações de vingança geralmente levam ao aumento da violência. Ao analisarmos do ponto de vista da moral, não obstante, a vingança pode ser entendida como uma estratégia educativa emocional para que o jovem aprendiz perceba que embora essa emoção possa ser plenamente justificada por ocorrências anteriores, pode ter consequências negativas (violência), advindas do esforço em se buscar reparação de uma injustiça e, portanto, ser reprovável do ponto de vista moral. Além de serem aprendidas ao longo do processo de desenvolvimento humano e social, as emoções sociais podem ser explicadas a partir do posicionamento na estrutura e dinâmica social. De acordo com Kemper (1978), o status e o poder seriam responsáveis por desencadear determinadas emoções sociais, incluindo as de cunho moral. A culpa, por exemplo, é mais facilmente desencadeada na condição de a pessoa se perceber em uma posição de poder e abusar dele. Isso não significa que somente nessa condição a culpa se manifeste, mas na perspectiva teórica do autor há maior propensão a experimentar culpa quem ocupa uma posição privilegiada. Um político ao desviar dinheiro público, em tese, estaria propenso a sentir culpa por usar e abusar indevidamente de sua posição, prejudicando seriamente a população em benefício próprio. A propensão decorre justamente por ocupar uma posição de poder que o permite decidir o que fazer (desviar dinheiro público ou não). É essa condição de liberdade em uma posição de poder que torna o ato moral (aprovável ou reprovável). A vergonha cumpre uma função adaptativa e funcional quando permite o desenvolvimento saudável nas relações interpessoais. Surge quando a pessoa se sente ameaçada e gera sentimentos de rejeição e crítica. Pode se manifestar como uma emoção social positiva, por exemplo, quando reconhecemos nossos limites e habilidades e evitamos nos expor à situações que os deixariam mais visíveis. Nesse caso, a vergonha protegeria a nossa autoimagem e poderia nos impulsionar a buscar mecanismos para tentar suprir algumas lacunas. A vergonha se reveste de um caráter moral mais nitidamente, quando entra em jogo o discernimento da violação das normas de transgressão da lei, o que afeta a reputação da pessoa. A culpa, por exemplo, tende a levar as pessoas a perceberem que os pensamentos e ações violam os padrões morais e carregam significativa responsabilidade por tal violação, o que gera sofrimento intrapsíquico, conflito e remorso, e em muitas situações comportamentos virtuosos, como pedidos de desculpas, restauração de laços de confiança e de reparação. Ao contrário, a baixa capacidade de sentir culpa está associada à falta de empatia para com o sofrimento alheio e o distanciamento do outro (Teroni & Bruun, 2011). 214 Emoções A raiva pela injustiça contra alguém, o nojo por atos desonestos e a vergonha por ter cometido algo ilícito são alguns exemplos que geram tendências de ação, como lutar pela reparação ou minimização do dano e defender regras mais duras para orientar e controlar condutas. Em doses elevadas, todavia, a raiva/ira inibe o raciocínio e aumenta a agressividade. O nojo, outra emoção básica associada à percepção de coisas sujas (Plutchik, 2001), pode assumir um caráter social, ao indicar reações a grupos sociais (Cameron, Payne, & Doris, 2013) e assumir-se como emoção moral (reprovável) quando associada ao preconceito, racismo, machismo, homofobia, xenofobia etc. Manifestações de preconceito e de discriminação, por exemplo, podem despertar no observador sentimentos de nojo e repulsa por se acreditar serem reprováveis do ponto de vista moral, causando muitos danos para as pessoas e impedindo a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Em síntese, as emoções sociais são mais complexas que as emoções básicas, uma vez que dependem do desenvolvimento de certas habilidades cognitivas, como o pensamento, a autoconsciência ou noção do eu e dos demais. Depende ainda da avaliação da relevância do objeto ou evento social. Tornam-se morais ao aderirem a padrões culturais, convenções sociais, normas e valores que estabelecem critérios de julgamento sobre a ação correta e aceitável, diferenciando-a da reprovável. Ambas, emoções sociais e morais, cumprem funções adaptativas, uma vez que alinham os comportamentos emocionais às situações, comunicam estados emocionais que ajudam na descrição e prescrição das condutas, atuando ainda como motivadoras e reguladoras dos comportamentos sociais e das tendências de ação para preservar o bem comum e a vida em sociedade. 5.5 EMOÇÕES COMPARTILHADAS EM GRUPO OU EMOÇÕES BASEADAS NO GRUPO As emoções grupais são emoções sociais que têm lugar no contexto das inter-relações que se estabelecem em um dado grupo social. São aqueles sentimentos e estados afetivos que emergem do grupo ou em grupo (Menges & Kilduff, 2015). Caracterizam-se por influenciarem e serem influenciadas pela pertença grupal, auxiliando nas avaliações que o indivíduo faz de si mesmo e do outro, dos membros do próprio grupo e do outro grupo. Essas emoções são relevantes na avaliação positiva ou negativa de situações intergrupais (Canto, Pereira, & Álvaro, 2021; Menges & Kilduff, 2015), gerando efeitos no tipo de interação com os membros de outro grupo. Sendo assim, é preciso considerar que as emoções grupais abarcam aquelas emoções compartilhadas pelos membros do grupo, com efeitos nas emoções intergrupais e no comportamento social. Autores que se centram nos estudos das relações intergrupais destacam que nos processos de identificação com os grupos sociais (Tajfel, 1974) e na autocategorização1 1 Autocategorização: A teoria da autocategorização (Turner et al., 1987) postula que as pessoas categorizam a si mesmas em distintos níveis de abstração. A pessoa alterna entre a identidade individual (características idiossincráticas pessoais) e uma identidade social (similaridades com membros de um grupo ou categoria). A pessoa pensa em si em situações como “eu” em oposição a “ele/a” e em outras situações pensa em “si” como “nós” em oposição a “eles/elas”. Psicologia social: temas e teorias 215 (ver Capítulo 10) (Turner, Hogg, Oakes, Reicher, & Wetherell, 1987), as emoções grupais são fundamentais, pois motivam e orientam os pensamentos e as ações dos membros do grupo. Quando essas emoções estão ajustadas e compatíveis com o prescrito nas normas grupais, mostram-se mais funcionais contribuindo para a qualidade das interações sociais (Smith, 1993; Smith & Mackie, 2016). Assim como os atributos pessoais e individualizadores são importantes para a identidade pessoal, o sentimento de pertencimento a um determinado grupo faz com que o indivíduo incorpore em sua identidade os elementos que caracterizam o grupo. Esse senso de pertencimento grupal, acrescido da afetividade positiva que está intimamente ligada ao entorno e ao significado atribuído a esta pertença, constitui o que podemos denominar de identidade social (compartilhada entre os membros de um determinado grupo) que se torna saliente principalmente em situações nas quais se faz necessário reafirmar a especificidade de um grupo, diferenciando-o dos demais (Fischer & Manstead, 2016). Existem ao menos duas perspectivas a se considerar nas emoções grupais (Barsade & Gibson, 1998) ou emoções baseadas no grupo, terminologia usada por alguns autores (e.g., Kuppens & Yzerbyt, 2014). Do nosso ponto de vista, ambas se mostram inter-relacionadas, podendo atuar como complementares. A primeira perspectiva advoga que as emoções grupais seriam um atributo do grupo, ou seja, manifestar-se-iam em nível grupal como um elemento auxiliador na percepção do indivíduo de seu pertencimento a um grupo específico. Além do compartilhamento de crenças e repertórios comuns, serviriam como um referencial para a autoafirmação individual e de semelhança com os demais membros do grupo. Esse fenômeno atrairia o indivíduo para o endogrupo, distanciando-o dos demais (Mackie & Smith, 2016, 2017). Um grupo de defesa ambiental, por exemplo, tende a atrair membros com valores compatíveis às causas ambientais. Sendo assim, um observador externo facilmente conseguiria inferir atributos compartilhados pelos membros desse grupo. As emoções que unem os membros do grupo e definem a pertença grupal já se mostram presentes nos indivíduos que se filiam a esse grupo (Bar-Tal, Halperin, & De Rivera, 2007). Seria esperado que uma ameaça às causas ambientais levasse os membros a experimentarem emoções similares pelo fato de haver forte identidade grupal. A segunda perspectiva define emoções grupais como aquelas compartilhadas pelos membros do grupo. Nesse sentido, o grupo definiria quais seriam as emoções prevalentes, como expressá-las para si (endogrupo) e para os demais grupos (exogrupos), e como regulá-las. O grupo não apenas transmite crenças, modos de pensar, de sentir e de agir, mas orienta cada membro do grupo a exibir emoções ante situações sociais mais diversas que envolvem o grupo de pertencimento e demais grupos de interação. Isso se torna mais evidente em grupos que estão em processo de construção de identidade. Um grupo pode se organizar para combater a subutilização do talento de pessoas com deficiência no contexto das organizações de trabalho, por acharem injusto que elas estejam sendo alocadas em funções menos qualificadas. Nesse caso, as experiên- 216 Emoções cias emocionais de seus membros individualmente vão sendo gradativamente incorporadas e assumidas como representativas do grupo. Alguns podem ter sido mais discriminados que outros e ainda pensarem de maneira distinta em como lutar contra esse estado de coisas. O esforço passa a ser integrar essas experiências emocionais e organizá-las em formas de ação que aumentem as chances de êxito social. Se no caso das emoções grupais como atributo do grupo, o aspecto chave é o pertencimento a um grupo ou categoria social, fazendo emergir tipos específicos de emoções, no caso das emoções grupais como emoções compartilhadas, o pertencimento passa a ser menos importante; o fator decisivo recai sobre a força e a intensidade desse compartilhamento, que passa a ser um esforço de construção coletiva. Quanto maior o consenso intragrupo, acompanhado da marcante autocategorização (reconhecer-se pertencente a esta categoria), maior seria a força do compartilhamento, tornando possível prever com mais segurança as emoções e os comportamentos dos membros desse grupo em relação a si e aos demais. Em síntese, o indivíduo reage mais como membro de um grupo do que como pessoa individualmente. Sendo assim, compreende-se que as emoções grupais fortalecem os laços de pertencimento grupal (faceta intragrupal) e fazem com que haja distanciamento ou aproximação com outros grupos sociais (faceta intergrupal) (Mackie, Devos, & Smith, 2000; Mackie, Smith, & Ray, 2008; Smith, Seger, & Mackie, 2007; Tajfel, 1974). Nesta seção, procuramos caracterizar que uma emoção se mostra no nível do grupo quer pela força do compartilhamento construído entre seus membros, aumentando a coesão, quer pela suposição de que a característica do grupo social atrairia pessoas com as mesmas afinidades, ratificando a identidade social (Smith, 1993). Do mesmo modo que algumas emoções dos membros dos grupos fortalecem o vínculo de pertencimento a um grupo e a identidade grupal, outras emoções também são cultivadas dentro do grupo para demarcar e diferenciar-se de outros grupos que não investem ou advogam a mesma causa. As primeiras seriam classificadas como emoções intragrupais e as segundas intergrupais, e em sua manifestação contribuiriam para a formação de preconceitos e de estereótipos. Sendo assim, a identidade social acaba por contribuir para a demarcação de fronteiras intra e intergrupo com efeitos às vezes nocivos para as relações intergrupais. 5.6 EMOÇÕES COLETIVAS E INTERGRUPAIS Na seção anterior, tratamos mais especificamente das emoções grupais ou baseadas no grupo. É preciso considerar, no entanto, haver um conjunto de emoções que podem extrapolar os limites do grupo e virem a ser mais amplamente compartilhadas por vários coletivos de pessoas. A essa categoria damos o nome de emoções coletivas (Sullivan, 2018). As emoções coletivas são reações emocionais de nível macro que emergem das interações entre várias pessoas e são partes integrantes das atividades ritualísticas de uma coletividade, podendo incitar as pessoas à ação coletiva, promover solidariedade, coesão (celebrações e lutos coletivos) ou demarcar fronteiras e ex- Psicologia social: temas e teorias 217 clusão (conflitos, polarizações), e influenciar o que as pessoas acreditam, desejam e valorizam (Bar-Tal et al., 2007; von Scheve & Salmela, 2014). As emoções coletivas geralmente surgem quando um coletivo ou grande grupo de pessoas respondem emocionalmente à mesma situação enquanto interagem, ou seja, sente fortes emoções que são compartilhadas, e que não podem ser capturadas examinando apenas os processos afetivos no nível individual. É preciso que se tenha conhecimento das emoções uns dos outros, da influência mútua na qualidade, magnitude e duração da experiência emocional (Goldenberg, Garcia, Halperin, & Gross, 2020) e do desenvolvimento de um senso de coletividade e identidade. Em 25 de maio de 2020, em Minneapolis, EUA, um policial branco, assassinou George Floyd, homem afro-americano, ao ajoelhar-se no pescoço dele por mais de oito minutos, enquanto dois outros policiais o ajudavam. Toda a ação policial foi gravada por um aparelho celular e amplamente divulgada nas redes sociais e transmitida pelos meios de comunicação do mundo. A indignação em resposta ao assassinato de Floyd rapidamente aumentou, e a raiva amplamente compartilhada gerou revolta social e uma série de manifestações e protestos antirracistas e contra a violência policial, dando visibilidade ao movimento social, conhecido como Black Lives Matter, que luta pela igualdade racial e social. Outro exemplo de emoção coletiva amplamente compartilhada pela sociedade é a nostalgia (Smeekes, 2015; Wildschut, Bruder, Robertson, Tilburg, & Sedikides, 2014). Sentimento idealizado de que, no passado, vivia-se melhor e que se associa ao forte desejo de retorno a este estado de coisas, que pode vir a desencadear um clima emocional que vai além dos limites do compartilhamento de um grupo. Em momentos de crise econômica, social e política é previsível que algumas pessoas, especialmente idosos e adultos tendam a ver regimes anteriores e totalitários como melhores do que efetivamente foram no passado (Sá, 2014), idealizando um passado controverso. O mesmo fato pode ser observado na ativação e compartilhamento de fortes emoções coletivas durante o período de pandemia de Covid-19. Rapidamente, devido às incertezas sobre a doença e seus impactos sociais, políticos e econômicos, observou-se a difusão e compartilhamento nas relações interpessoais e nos diversos meios de comunicação locais e globais o relato do aumento de estados afetivos de ansiedade, medo, tristeza, raiva, e positivos, como a solidariedade, compaixão, empatia etc. (Metzler, Rimé, Pellert, Niederkrotenthaler, Di Natale, & Garcia, 2022). A vivência de experiências emocionais fortes desencadeia o compartilhamento social das emoções. A revelação emocional é um fenômeno complexo que resulta em implicações interpessoais e sociais (Rimé, Bouchat, Paquot, & Giglio, 2019). Mas afinal, como esses sentimentos e emoções são compartilhados em um nível que extrapola os limites grupais? Um conceito bastante útil no entendimento é o contágio, que pode contribuir para aumentar o alcance desse compartilhamento das emoções para além do grupo (Hatfield, Cacioppo, & Rapson, 1993). Trata-se de um processo de contaminação de estados afetivos que ocorre em um nível não consciente entre os indivíduos (Duell, Memon, Treur, & van der Wal, 2009) e pode atingir multidões (Salminen, Ravaja, Kallinen, & Saari, 2013; Yin, Tang, & Li, 2012). Por exemplo: o linchamento de um suspeito acusado de ter estuprado uma menina de 10 anos, realizado por 218 Emoções um grupo de pessoas, pode ser facilmente explicado pela obstaculização da capacidade de raciocinar sobre formas de agir e lidar com a força da revolta que essa conduta desviante despertou nas pessoas. A forte emoção emergente (comoção), um misto de indignação e revolta arrebatadora, funcionaria como uma espécie de contágio emocional e que contaminaria a todas as pessoas, levando-as a atuarem de maneira distinta do que o fariam isoladamente. Nesse tipo de fenômeno, a individualidade e a racionalidade se veem enfraquecidas, a favor da emergência de uma mente coletiva, que seria independente do indivíduo com suas características próprias (Le Bon, 1895/2019) (ver Capítulo 1 deste Manual). Apesar de as emoções coletivas não se confundirem com as emoções grupais e intergrupais, é preciso considerar que se somadas geram efeitos sobre os comportamentos pró-sociais ou antissociais (Garcia-Prieto, Tran, Stewart, & Mackie, 2009; Goldenberg, Halperin, van Zomeren, & Gross, 2015; Mackie, Smith, & Ray, 2008; Smith, 1993; Mackie et al., 2000). Embora ambos os comportamentos sejam importantes na compreensão da dinâmica social, nos conflitos e na violência coletiva, possuem efeitos desastrosos na vida social. A qualidade das relações intergrupais contribui sobremaneira para esse desfecho negativo. Por esse ângulo, a teoria da identidade social vai elucidar que os esforços grupais para fortalecer a identidade social vêm acompanhados de atitudes negativas para melhor distinguir as qualidades do endogrupo (nós), diferenciando-se do exogrupo (outros) (Tajfel, 1974; Turner et al., 1987). Isso nos permite inferir que as emoções grupais e intergrupais contribuem para o acirramento de conflitos, inclusive os mais duradouros, como os que ocorrem no Oriente Médio, Siri Lanka, Chechênia entre outros (Bar-Tal, 2014; Bar-Tal, Diamond, & Nasie, 2016). Tais conflitos são fortemente apoiados no fortalecimento da identidade social, o que aumenta a intolerância para com o diferente. O conflito entre grupos, portanto, alimenta-se de um forte compartilhamento de emoções e sentimentos negativos (ódio, raiva, desprezo etc.) contra coletivos ou grupos defensores de ideias, crenças e valores divergentes (Roccas & Brewer, 2002). No caso do preconceito, por exemplo, considerado uma atitude negativa para com outros grupos sociais, o fato de uma pessoa ser reconhecida como membro de um grupo-alvo do preconceito faria emergir emoções negativas, como nojo, raiva e desprezo (ver Capítulo 12 deste Manual). Quanto mais fortemente essas emoções forem compartilhadas pelos membros do próprio grupo, maiores as chances de discriminação, de rechaço e até mesmo de agressão e extermínio para com o outro grupo (Miller, Smith, & Mackie, 2004). A percepção de ameaça ao grupo de pertencimento pode também desencadear comportamentos discriminatórios para com os membros de outro grupo. Isso torna compreensível, por exemplo, que grupos majoritários possam reagir emocionalmente de modo negativo às políticas sociais de inclusão e de respeito à diversidade na contratação para postos de trabalho pessoas de grupos minoritários, por perceberem-nas como injustas, ao considerarem o mérito que acreditam ter quando se comparam com esses grupos minoritários (Garcia-Prieto, Mackie, & Smith, 2009). Ajuda a entender Psicologia social: temas e teorias 219 também o preconceito em relação a imigrantes, que desemboca muitas vezes em comportamentos altamente discriminatórios (Kessler et al., 2009) e violentos, como observado no brutal assassinato do jovem imigrante congolês, Moïse Kabagambe, em janeiro de 2022, na cidade do Rio de Janeiro. Comportamentos racistas também podem ser explicados pela demarcação entre grupos, cultivando atitudes negativas para com os membros de outros grupos. De acordo com a teoria da infra-humanização (Leyens et al., 2000, 2001), haveria uma atribuição diferenciada de estados afetivos e emocionais aos membros do próprio grupo e do outro grupo. Aos primeiros seria atribuída maior capacidade de experimentar emoções secundárias (sentimentos), consideradas complexas, conscientes e racionais e, predominantemente humanas. Os membros de outros grupos, por sua vez, apenas seriam capazes de experimentar emoções básicas, as menos conscientes, universais e que nos aproximariam dos animais. Em outras palavras, a força da demarcação entre grupos favorece o enaltecimento emocional dos membros do próprio grupo e a depreciação dos de outro grupo mediante a atribuição de determinados tipos de emoções (Ojiambo & Louw, 2015). O ódio racial na Alemanha, por exemplo, levou muitos judeus, ciganos, eslavos etc. aos campos de extermínio. Na América Latina, regimes ditatoriais, ao se utilizarem de um discurso de combate à ameaça do comunismo, assassinaram e torturaram opositores ao regime. Na Guerra Civil em Ruanda, em apenas três meses diferentes grupos étnicos, tutsis e hutus entraram em conflito, culminando no genocídio de 800 mil tutsis. Mas se os conflitos são tão cruéis, devastadores e ruins, por que se sustentam ao longo do tempo? Situações oriundas de crises políticas, sociais, econômicas e eventos traumáticos (assassinatos, perseguições políticas, torturas etc.) podem fortalecer os laços intragrupos e fragilizar os laços afetivos positivos com os demais grupos, minando o sentido de integração social e pertencimento, acompanhado do acirramento de afetos negativos, da violência e do conflito (Arnoso et al., 2011). Um dos caminhos adotados para superar as rupturas do tecido social, as divergências e os conflitos do passado e alcançar integração social são as tentativas de reconciliação e do perdão intergrupal. Um esforço na direção de reconstruir a memória social do passado e superar os conflitos e a violência sofrida mediante o fortalecimento de emoções positivas. Conforme havíamos dito, as emoções intergrupais podem contribuir para acirrar o ódio, os conflitos e a violência entre grupos, povos e nações, gerando danos difíceis de serem reparados ao longo do tempo. Mas podem também ajudar a cultivar valores morais, de justiça e respeito às diferenças, para reduzir o preconceito e a discriminação, contribuindo para uma cultura pautada na igualdade, cooperação e paz (Bar-Tal, Halperin, & de Rivera, 2007; Bar-Tal, Rosen, & Nets-Zehngut, 2011; Mullet, Pinto, Nann, Kadiangandu, & Neto, 2011). O fortalecimento do compartilhamento de valores morais e sentimentos a eles associados contribui para criar um clima emocional positivo entre os grupos, e aumentar a ojeriza ao preconceito, exploração, discriminação, exclusão e violência contra membros de grupos minoritários (Fernando, Kashima, & Laham, 2014). 220 Emoções Ao assumirmos que as emoções são, em sua maioria, social e culturalmente aprendidas (e.g., secundárias, morais, grupais, coletivas), e que atuam como motivadoras das nossas condutas, é possível ampliarmos o entendimento dos processos emocionais e de sua contribuição na construção de novos caminhos para enfrentar e superar os conflitos e alcançar uma sociedade mais justa, igualitária e alicerçada na cultura da paz. Para isso, não existe atalho e nem caminho fácil. É preciso modificar a infraestrutura social e psicológica do conflito e pensar em uma educação geral inclusiva pautada na harmonia, na igualdade e na moralidade (Bart-Tal et al., 2011; Bar-Tal, Halperin, & de Rivera, 2007). Conforme defende a ONU (Organização das Nações Unidas, 1995), para se atingir esse patamar da cultura da paz, as sociedades devem priorizar um conjunto de fatores socioestruturais, políticos e culturais que promovam o desenvolvimento e a igualdade, o uso de meios não violentos pelo Estado, o cuidado com a educação e a valorização da cooperação e do cuidado mútuo (Techio et al., 2021). SUMÁRIO E CONCLUSÕES Esperamos que, ao final da leitura deste capítulo, o(a) leitor(a) tenha compreendido que a vida social está fortemente fundada em aspectos afetivos-emocionais-motivacionais que se manifestam no nível do indivíduo, do grupo e das coletividades. Que os aspectos emocionais não se antagonizam à racionalidade e à cognição humanas, mostrando-se combinados de uma forma complexa e desafiadora para os estudiosos. Apesar de as emoções responderem de modo ativo pela sobrevivência (biológica) da espécie humana no tempo, seus contornos, funções e papéis na vida humana foram se modelando em um contínuo processo de troca simbólica com o ambiente social e cultural. De manifestações reativas a manifestações intencionais e valorativas, as emoções assumem relevância vital no modo como experimentamos o mundo e projetamos o futuro. A aprendizagem de emoções sociais, morais e coletivas nos qualificam como seres ativos no mundo assumindo a responsabilidade pelo que pode vir a acontecer com a nossa espécie. Em síntese, representam a nossa capacidade de aprender a lidar com as situações envolvendo o medo, o ódio, a desesperança, a injustiça, a raiva, o nojo e a tristeza, capacitando-nos a cultivar emoções promotoras da convivência harmoniosa com outros indivíduos, aumentando a esperança de êxito futuro da vida humana em sociedade. Psicologia social: temas e teorias 221 GLOSSÁRIO DOS CONCEITOS CENTRAIS ABORDADOS NESTE CAPÍTULO Conceitos-chave Definição Emoções São fenômenos psíquicos importantes para a adaptação humana e a vida em sociedade. Podem ser caracterizadas por quatro componentes: (a) excitação neurofisiológica decorrente de um contato direto com um evento afetivo externo ou interno, que prepara o organismo para a ação; (b) expressões e manifestações faciais, corporais e verbais, que correspondem ao modo como as emoções são sentidas, visualizadas e relatadas entre os indivíduos; (c) senso de propósito, que corresponde ao aspecto motivacional das emoções, uma vez que esses estados nos direcionam a realizar ações visando extinguir ou aumentar as sensações vivenciadas; e (d) experiências subjetivas que correspondem à consciência acerca dos processos emocionais e à interação das emoções com os componentes cognitivos (Reeve, 2009) Emoções Primárias Correspondem às respostas instintivas e imediatas a um determinado evento ou circunstância, sendo de curta duração. Mostram-se como as primeiras respostas fisiológicas que ocorrem logo após um evento que a desencadeie. Essas respostas têm caráter adaptativo e traduzem-se em expressões faciais, vocais e motoras. São exemplos de emoções primárias: Medo, Raiva, Nojo, Alegria e Surpresa (Ekman, 2003) Emoções Secundárias Referem-se a estados afetivos decorrentes de experiências sociais e processo de elaboração cognitiva (self), podendo resultar de múltiplas combinações de emoções primárias. Esses estados afetivos ou sentimentos podem ter duração mais longa, pois independem diretamente de um evento desencadeador eliciador. Podem ser vivenciados mesmo que o evento original já tenha cessado. As experiências sociais influenciam como essas emoções serão expressas e que ações são permitidas para manifestá-las, e, portanto, seu modo de expressão pode variar entre culturas (Trzebińska, Dowgiert, & Wytykowska, 2014). São exemplos de emoções secundárias: Inveja, Orgulho, Vergonha, Culpa etc. Emoções Sociais Referem-se àquelas emoções secundárias que atuam como facilitadoras das interações sociais e a formação de grupos coesos, e dessa maneira são principais motivadores nos processos de afiliação interpessoal e identificação com um grupo de pertencimento, contribuindo para a adesão e o cumprimento de normas e a avaliação da conduta coletiva (Krendl & Heatherton, 2009). São exemplos de emoções sociais: Orgulho, Admiração, Culpa e Vergonha Emoções Morais Representam o estatuto a que as emoções galgam, quer sejam primárias ou secundárias, e que estão diretamente relacionadas às decisões de cunho ético/ moral. O self moral (Blasi, 1983) exerce um papel importante, funcionando como uma instância reflexiva sobre a aprovação ou reprovação da conduta pessoal e alheia. O self moral contribui para a incorporação de emoções morais como parte do autoconceito e à identidade pessoal. A raiva e o nojo, que representam emoções primárias, podem ser disparadas ante situações de injustiças, violações e desrespeito. Emoções secundárias e sociais também podem assumir caráter moral, como a compaixão, a elevação, a empatia, a vergonha, a admiração e a culpa (Etxebarría, 2020) 222 Emoções Emoções Grupais Emoções grupais podem ser definidas como os estados afetivos que emergem à partir da combinação de experiências emocionais individuais com o contexto afetivo presente em um grupo. A combinação das experiências afetivas individuais que são compartilhadas entre os membros de um grupo, e os elementos contextuais presentes no grupo em que se percebem as semelhanças com os demais membros, regula a forma no qual as experiências afetivas passam a ser notadas e interpretadas pelo grupo como um todo. As emoções grupais atuam como facilitadores para a formação de um grupo, bem como possibilitam a identificação com o grupo de pertencimento. Com isso, os indivíduos passam a descrever e expressar emoções e avaliarem seus processos emocionais partindo das informações adquiridas no grupo. O grupo funciona tanto como o contexto em que ocorre a expressão de emoções, quanto auxilia na regulação dos processos emocionais (Barsade & Gibson, 1998) Emoções Coletivas Emoções coletivas se referem àquelas emoções que surgem coletivamente e são compartilhadas ao mesmo tempo por um número considerado de pessoas. Elas emergem num nível macro e que não podem ser capturadas no nível individual, portanto são estados psicológicos compartilhados (Bar-Tal et al., 2007; von Scheve & Salmella, 2014). As práticas sociais e culturais, as crenças e os valores socialmente compartilhados, a lealdade aos grupos, à mídia e a comunicação, as estratégias políticas e discursos, cooperam para a compreensão das emoções em termos coletivos MATERIAL SUPLEMENTAR 1- Divertidamente da Disney – animação: aborda como as emoções interferem em nossa vida. 2- A mecânica do coração – animação: aborda a necessidade de viver as emoções. 3- UP- Altas aventuras – da Disney – animação: aborda decepções, sonhos e adversidades. 4- Frozen – aborda o poder das emoções e seus efeitos. 5- O Fabuloso Destino de Amélie Poulain – aborda os valores nobres com humor e sensibilidade. 6- O Discurso do Rei – aborda como o conhecimento das emoções é essencial no controle de um problema. 7- Avatar – aborda as emoções em diferentes culturas. 8- À Procura da Felicidade – aborda o papel das emoções. 9- América Proibida – aborda a emoção de ódio e suas repercussões. 10- 12 Anos de escravidão – aborda os conflitos interétnicos/raciais. 11- Quanto Vale ou É Por Quilo? – Filme brasileiro: aborda problemas raciais e sociais 12- Olhos que condenam – aborda conflitos interétnicos/raciais. Psicologia social: temas e teorias 223 DOCUMENTÁRIO 1- Happy e a busca pela felicidade – explora a busca da felicidade humana por meio de entrevistas. 2- Inteligência emocional – aborda a importância de reconhecer as emoções, para aprender a lidar com cada uma delas. CAPÍTULO 6 VALORES José Luis Álvaro Estramiana1 Cícero Roberto Pereira Miryam Rodríguez Monter Anna Zlobina INTRODUÇÃO 6.1 A NATUREZA DOS VALORES E DOS SISTEMAS DE VALORES 6.1.1 O QUE SÃO OS VALORES? É grande o dissenso na literatura sobre o que são os valores (veja Hitlin & Piliavin, 2004; Rohan, 2000). Por exemplo, no livro clássico sobre a psicologia das normas sociais, Sherif (1936/1964) definiu os valores como normas sociais, para quem “the social values are examples ‘par excellence’ of social norms” (p. 113). Mais tarde Kluckhohn (1968) propôs que um valor seria uma concepção explícita ou implícita sobre o que é 1 Os autores agradecem à Raquel Coelho pela tradução do espanhol para o português de partes deste capítulo. 226 Valores desejável. Posteriormente, Rokeach (1973) usa outro conceito para definir valores: os valores são crenças individuais. Especificamente, Rokeach apresentou as seguintes definições de valores e sistemas de valores que serviram como base conceitual para o desenvolvimento posterior das principais investigações sobre este tema no domínio da Psicologia Social: A ‘value’ is an enduring belief that a specific mode of conduct or end-state of existence is personally or socially preferable to an opposite or converse mode of conduct or end-state of existence. A ‘value system’ is an enduring organization of beliefs concerning preferable modes of conduct or end-states of existence along a continuum of relative importance (p. 5).2 Algum tempo depois, Schwartz e Bilsky (1987) elaboraram uma definição de valores que incorpora as principais características destacadas na proposta de Rokeach (1973) e na obra de Kluckhohn (1968), tonando o conceito de valores ainda mais ambíguo: “values are (a) concepts or beliefs, (b) about desirable end states or behaviors, (c) that transcend specific situations, (d) guide selection or evaluation of behavior and events, and (e) are ordered by relative importance” (p. 551).3 A ambiguidade é destacada aqui pelo fato de os valores poderem ser concepções ou crenças. Essa definição foi proposta de modo a corresponder ao que se supõe serem três requisitos fundamentais da natureza humana, considerados universais e preexistentes ao indivíduo (veja Schwartz, 1994): necessidades biológicas dos indivíduos, necessidades de interação social estável e necessidades de manter o bem-estar e a sobrevivência dos grupos. Os valores seriam, portanto, representações cognitivas dessas necessidades e o seu conteúdo seria gerado por esses requisitos (Schwartz, 1992). A relação dos valores com as necessidades foi mais claramente proposta por Gouveia (2003). Introduziu outro conceito para definir os valores. Para essa abordagem, os valores são categorias de orientação e são uma derivação direta das necessidades humanas básicas. A lista de necessidades que originariam os valores seriam aquelas especificadas por Maslow (1954) na sua teoria sobre a hierarquia das necessidades individuais. Ao vincular os valores às necessidades ou às motivações individuais, a maioria das definições aqui apresentadas parecem distanciar os valores do seu aspecto mais central – a sua natureza social, ainda que a importância de fatores sociais para os valores tenha sido realçada nessas abordagens. Uma definição menos individualizante foi 2 “Um valor é uma crença duradoura em que um modo específico de conduta ou estado final de existência é pessoal ou socialmente preferível a um modo de conduta ou estado final de existência oposto ou inverso. Um sistema de valores é uma organização duradoura de crenças em relação a modos de conduta preferíveis ou estados finais de existência ao longo de um contínuo de importância relativa”. 3 “Os valores são (a) concepções ou crenças, (b) sobre os estados-fins ou comportamentos desejáveis, (c) que transcendem situações específicas, (d) guiam a seleção ou a avaliação de comportamentos e eventos, e (e) são ordenados de acordo com a sua importância relativa”. Psicologia social: temas e teorias 227 proposta por Pereira, Camino e Costa (2005), em que os valores são estruturas de conhecimento socialmente elaboradas sobre como a sociedade deve ser organizada. Para esses autores, os valores expressam os conflitos ideológicos, orientam os comportamentos e estão ancorados nas identidades dos grupos sociais e nos posicionamentos ideológicos derivados dessas identidades (ver Capítulo 10 sobre Identidade Social). Essa abordagem, embora concorde com Schwartz (1992) relativamente a ideia de estudar tipos de valores, distancia-se dele quanto ao pressuposto de que os valores são representantes cognitivos de necessidades individuais. Ao contrário, como afirmam Deschamps e Devos (1993), os valores representam identidades ideológicas dos grupos sociais. 6.2 MEDIDA DOS VALORES 6.2.1 ROKEACH VALUE SURVEY Com base na ideia dos valores como crenças, Rokeach (1973) propôs que os valores teriam duas características básicas: (1) os valores são crenças duradouras; e (2) referem-se a modos específicos de condutas ou estados finais de existência. Com relação à primeira característica, Rokeach (1968) já havia identificado três tipos de crenças: descritivas (que se referem ao que é verdadeiro ou ao que é falso); avaliativas (quando o objeto da crença é julgado como bom ou ruim); e prescritivas (quando uma forma ou finalidade de uma ação é julgada como desejável ou indesejável). A segunda característica – modos de condutas e estados finais de existência – traduz a distinção entre valores instrumentais e valores terminais. Os valores instrumentais – definidos como modos de conduta – podem ser definidos como meios que as pessoas utilizam para alcançar algo desejado, enquanto os valores terminais – concebidos como estados finais de existência – são designados como o que é, em si, desejável (e.g., igualdade, liberdade, justiça). Embora possa existir uma relação funcional entre esses dois tipos de valores, o número total de valores terminais, contudo, não é o mesmo que o de instrumentais. Além disso, Rokeach distinguiu teoricamente dois tipos de valores terminais: pessoais e sociais. Essa distinção traduz o que ele chamou de valores autocentrados (como salvação e harmonia interior) versus socialmente-centrados (como um mundo de paz e fraternidade). Rokeach postulou que as atitudes e comportamentos das pessoas podem variar de acordo com a posição que cada um desses tipos de valores ocupa na hierarquia do sistema de valores dessas pessoas. Rokeach também distinguiu dois tipos de valores instrumentais: valores morais; e valores de competência. Os valores morais (tais como agir de forma honesta e ser polido) são valores instrumentais de natureza interpessoal que, quando violados, produzem na pessoa um sentimento de culpa em função do não cumprimento de um comportamento desejado. Os valores de competência (tais como mostrar-se inteligente e exprimir raciocínio lógico) – chamados valores da autorrealização – são de natureza mais pessoal que interpessoal e sua violação produz um sentimento de vergonha e a diminuição da autoestima. 228 Valores Finalmente, para medir os valores, Rokeach (1968) elaborou uma lista contendo 24 valores (12 valores terminais e 12 instrumentais). Posteriormente, Rokeach (1973) apresentou a versão final de sua escala (veja a Tabela 1), a qual é composta por 36 valores (18 terminais, 18 instrumentais). Como podemos constatar, os itens da lista de valores terminais são apresentados em forma de substantivos (por exemplo, amor maduro, igualdade, liberdade), enquanto que os valores instrumentais são redigidos como adjetivos (por exemplo, alegre, inteligente). Para medir o sistema de valores, Rokeach pedia aos participantes para indicarem, em cada lista, “a ordem de importância de cada valor como um princípio que guia a sua vida”. A validade dessa escala foi constatada em pesquisas ao longo de mais de 15 anos (para uma revisão, veja Braithwaite & Scott, 1991). No Brasil, sua validade foi demostrada por Günther (1981). Tabela 1 – Escala de Valores de Rokeach Valores Terminais Valores Instrumentais Amor Maduro Alegre Autorrespeito Ambicioso Equilíbrio Interior Amoroso Educado Capaz Felicidade Controlado Igualdade Corajoso Liberdade Honesto Mundo de Beleza Imaginativo Mundo de Paz Independente Prazer Intelectual Reconhecimento Social Limpo Sabedoria Lógico Salvação Obediente Segurança Familiar Perdoar Segurança Nacional Prestativo Sentimento de Realização Responsável Verdadeira Amizade Tolerante Vida Confortável Vida Excitante Embora tenha sido utilizada por diversos pesquisadores, a perspectiva teórico-metodológica desenvolvida por Rokeach (1973) apresenta importantes limitações (Braithwaite & Law, 1985; Braithwaite & Scott, 1991). A principal limitação é a de que, embora a teoria tenha previsto a organização dos valores em função de dimensões ou padrões, como a diferenciação entre valores instrumentais e terminais, não há evi- Psicologia social: temas e teorias 229 dência empírica que fundamente esta distinção (veja, por exemplo, Schwartz & Bilsky, 1990). Além disso, Perron (1987) argumenta que o problema da teoria encontra-se no método utilizado, pois quando se pede para os sujeitos hierarquizarem os valores da escala, não há como saber quais são as estratégias utilizadas na classificação dos valores, as quais podem ser diferentes para cada um dos sujeitos. Apesar dessas limitações, a teoria de Rokeach e o seu método de medida dos valores influenciaram e serviram de base para a maioria das pesquisas sobre valores até o final dos anos 1980 (e.g., Bond, 1988; Chinese Culture Connection, 1987), período quando apareceram novos métodos de medida que propõem dar continuidade aos trabalhos de Rokeach, basicamente a partir da noção de tipos de valores. É o caso da teoria dos tipos motivacionais (Schwartz & Bilsky, 1987, 1990). 6.2.2 HOFSTEDE: TEORIA DAS DIMENSÕES CULTURAIS Para Hofstede (1980), a cultura é a programação coletiva das mentalidades das pessoas em um meio e contexto determinado, e permite que os membros de uma comunidade ou grupo diferenciarem-se de outros. Com sua pesquisa, realizada em mais de 50 países desde o final dos anos 1960 entre os executivos da IBM em todo o mundo, Hofstede definiu, a partir de mais de 116.000 questionários, quatro eixos ou dimensões culturais básicos: distância de poder (grau que os membros menos poderosos da sociedade aceitam que o poder é distribuído de forma desigual); evitação à incerteza (grau em que uma sociedade tenta controlar o incontrolável); individualismo x coletivismo (grau em que os membros de uma sociedade estão mais ou menos preocupados consigo mesmos ou com os grupos a que pertencem); e masculinidade x feminilidade (distribuição diferente dos papéis emocionais entre os sexos). Cada país ficou definido por sua posição específica em relação a esses eixos ou dimensões culturais. Hofstede (1980, 2001) propõe que variáveis econômicas (por exemplo, o PIB per capita), demográficas (como o tamanho da população) ou geográficas (a localização, por exemplo), entre outras, podem afetar as dimensões culturais (Gouveia et al., 2011). A primeira das quatro dimensões mencionadas, a correspondente à distância de poder, refere-se ao grau de desigualdade entre os indivíduos em uma sociedade que a população de um país considera como normal ou tolerável. Não somente se refere à desigualdade em termos econômicos ou sociais, mas também em relação ao poder, à aceitação por parte de uma sociedade ou instituição de um poder desigual exercido e mantido pela autoridade organizacional e/ou social. A segunda das dimensões mencionadas, a da evitação da incerteza, aborda o grau em que os indivíduos de uma sociedade preferem situações estruturadas frente àquelas que não estão. Ou seja, dar valor à existência, na sociedade em que se vive, de normas e regras específicas, claras e definidas, frente ao não tê-las e dar espaço à improvisação e incerteza normativa. A terceira das dimensões, a correspondente ao individualismo x coletivismo, mostra até que ponto as pessoas de uma sociedade sentem e entendem que dependem e devem ser cuidadas, quer pelos membros desta mesma sociedade (família, pessoas mais jovens ou instituições, por exemplo) ou por elas próprias. Trata-se do grau em que os indivíduos de uma sociedade decidem agir como membros de um grupo ou 230 Valores priorizar a dimensão mais individual e menos a coletiva. A quarta dimensão, masculinidade x feminilidade, mostra a diferença entre as culturas com maior grau de assertividade, dominação e materialismo, frente a culturas mais preocupadas com os indivíduos e pelos aspectos relacionados aos sentimentos e às emoções. Para Hofstede (1980), essa dimensão refere-se à dualidade existente entre os sexos, o que significa que diferentes culturas lidam com as situações com respostas “próprias” de um papel masculino ou feminino. Figura 1 – Dimensões culturais em Hofstede. Fonte: Inspirado em Hofstede (1980). 6.2.3 SCHWARTZ VALUE SURVEY Schwartz e seus colaboradores desenvolveram uma abordagem teórico-metodológica para o estudo dos valores. Schwartz e Bilsky (1987) aplicaram os 36 valores da escala Rokeach (1973) a uma amostra de professores israelenses e outra de alemães e, posteriormente, Schwartz e Bilsky (1990) replicaram o estudo em cinco amostras de estudantes universitários da Austrália, dos Estados Unidos, de Hong Kong, da Espanha e da Finlândia. Os resultados de uma Guttman Lingoes Smallest Space Analysis (SSA), aplicada aos escores de importância de cada valor como princípios guia na vida dos sujeitos revelaram, em cada amostra, a existência de quatro dimensões subjacentes à adesão aos valores. Duas projeções bidimensionais foram analisadas. Em uma, distinguiu-se os valores em função de serem terminais ou instrumentais, enquanto que na outra projeção separaram-se os valores em sete tipos motivacionais: prazer, realização, conformidade restritiva, autodireção, prossocial, maturidade e segurança. Psicologia social: temas e teorias 231 Constataram que a organização desses valores em uma figura permitia distinguir o tipo de interesse a que eles serviam: individualista (constituído pelos tipos do prazer, realização e autodireção); coletivista (formado pelos valores da conformidade restritiva e do tipo prossocial) e mistos (maturidade e segurança). Verificaram, também, que os tipos motivacionais organizaram-se dinamicamente entre si, expressando relações de compatibilidade entre os valores que representam a necessidade de relações sociais harmoniosas (prossocial, conformidade restritiva e segurança), entre os que concernem à autopromoção (realização e prazer) e entre os que expressam a confiança dos indivíduos em suas próprias capacidades (maturidade e autodireção). Além disso, eles observaram a existência de relações de conflito entre autodireção e conformidade restritiva; realização e segurança; realização e prossocial; e, por fim, prazer e prossocial. Segundo os autores, essas relações poderiam ser constatadas em todas as culturas. Para analisar a universalidade desses postulados, Schwartz (1992) modificou a versão original da teoria em várias direções. Inicialmente, foram especificados, derivados e estabelecidos métodos para medir três tipos motivacionais (tradição, estimulação e espiritualidade) não considerados anteriormente. Em seguida, ele modificou as definições e conteúdos em quatro dos oito tipos (prazer, maturidade, prossocial e segurança), especificando melhor o significado de seu conteúdo, bem como sua origem nas necessidades universais e sua relação com outros tipos de valores. Além disso, Schwartz postulou que, embora a distinção entre valores terminais e instrumentais tenha sido constatada, a separação desses valores nos resultados poderia ser um mero produto da forma como esses dois tipos de valores são apresentados na escala. Para testar a universalidade das hipóteses formuladas, Schwartz (1992) elaborou um instrumento contendo 56 valores, 36 dos quais foram retirados da escala de Rokeach (1973). Os valores foram apresentados em duas listas, a primeira contendo 31 valores terminais, e a segunda com 25 valores instrumentais e deveriam ser avaliados em uma escala de 9 pontos como um princípio guia na sua vida, variando de 7 (suprema importância) a -1 (oposto aos meus valores). Antes de classificá-los, os respondentes deveriam escolher o valor de suprema importância e o valor oposto aos seus valores, avaliando-os com 7 e -1, respectivamente. Esse procedimento de medida dos valores passou a ser chamado SVS (Schwartz Value Survey). Aplicando o SVS a 44 amostras de 22 países, Schwartz (1992) verificou que na maioria das amostras foi possível identificar 10 dos 11 tipos de valores hipotetizados:4 universalismo (34 amostras); benevolência (28 amostras); tradição (36 amostras); conformidade (29 amostras); segurança (32 amostras); poder (37 amostras); realização (40 amostras); hedonismo (32 amostras); estimulação (31 amostras); e autodireção (36 amostras). Os valores da espiritualidade, entretanto, foram verificados em apenas oito amostras. Não foi constatada a distinção entre valores terminais e instrumentais, mas observou-se que a projeção dos valores na figura bidimensional organiza-se a partir de relações de compatibilidade e conflito, as quais levaram à elaboração de um conjunto de hipóteses específicas para cada uma dessas relações de compatibilidade e conflito. 4 Nas duas amostras brasileiras (uma de professores e outra de estudantes universitários), contudo, apenas oito regiões foram identificadas. 232 Valores Segundo Schwartz (1992), uma dimensão opõe a Abertura à Mudança (compatibilidade entre os tipos de valores da Autodireção e Estimulação) aos valores de Conservação (compatibilidade entre os tipos de valores de Segurança, Tradição e Conformidade). O princípio motivacional que organiza essa dimensão é o conflito entre a ênfase na independência de pensamento e ação e o favorecimento da mudança versus a submissão, a autorrestrição e a proteção das práticas tradicionais e estabilidade pessoal. A outra dimensão opõe a Autotrancendência (compatibilidade entre os tipos de valores de Universalismo e de Benevolência) à Autopromoção (compatibilidade entre os tipos de Poder e de Autorrealização). O princípio motivacional que organiza essa dimensão é o conflito entre a aceitação dos outros como iguais transcendendo os próprios interesses em função do bem-estar coletivo e a valorização do sucesso e domínio sobre os outros. O hedonismo compartilha elementos tanto de Abertura à Mudança quanto de Autopromoção. A existência dessas dimensões foi constatada em várias culturas (Schwartz, 1994). Resultados similares foram obtidos após Schwartz et al. (2001) alterarem radicalmente os procedimentos de medida dos valores. Eles desenvolveram e validaram um instrumento mais parcimonioso para medir os valores contendo apenas 40 itens. Esse instrumento é denominado PVQ (Portrait Values Questionnaire) e avalia os valores por meio de itens menos abstratos, socialmente contextualizados e empregando um procedimento mais indireto por meio do qual as pessoas podem exprimir os seus valores. Cada item do instrumento apresenta dois pequenos cenários que descrevem uma pessoa a expressar um dos valores que se pretende medir. Por exemplo, para medir o valor da igualdade, o PVQ pede para os participantes imaginarem “uma pessoa que acha importante que todas as pessoas no mundo sejam tratadas igualmente. Acredita que todos devem ter as mesmas oportunidades na vida”. A tarefa dos participantes é indicar em que medida se sentem parecidos com essa pessoa imaginária e para isso usam uma escala que pode variar de 1 (“não tem nada haver comigo”) a 6 (“exatamente como eu”). Atualmente, a teoria dos tipos motivacionais é a mais utilizada em todos os domínios das ciências sociais. De fato, trata-se de um modelo bem estruturado e com evidências empíricas que dão suporte a vários de seus postulados, de modo a permitir que se elabore conjecturas sobre as relações entre os tipos motivacionais, bem como estabelecer hipóteses sobre as relações entre os valores, as atitudes, as opiniões e o comportamento. Recentemente Schwartz et al. (2012) apresentaram um refinamento na teoria, o que ditará o rumo que o estudo dos valores tenderá a seguir nos próximos anos. Essa reformulação manteve os pressupostos básicos sobre as fontes dos valores, a dinâmica de relações de compatibilidade e conflitos entre tipos motivacionais, mas acrescentou dois novos pressupostos. O primeiro é o de que alguns tipos motivacionais agregam diferentes motivos psicológicos básicos, o que permitiu a Schwartz et al. (2012) justificarem a presença de subtipos de valores. Por exemplo, o tipo motivacional autodireção seria representado pela motivação dos indivíduos para buscar a liberdade de pensamento e pela motivação para poder realizar os seus próprios comportamentos, o que a versão reformulada da teoria propõe representarem dois subtipos de valores: autodireção no pensamento; autodireção na ação. A Tabela 2 apresenta a definição motivacional e as fontes dos valores correspondentes a cada tipo e subtipo motivacional. 233 Psicologia social: temas e teorias Tabela 2 – Fonte, tipos e subtipos de valores e motivações FONTE (Necessidades) TIPO DE VALOR SUBTIPO DE VALOR MOTIVAÇÃO Organismo Pensamento Promover a liberdade para exprimir as próprias ideias e habilidades Ação Promover a liberdade para determinar as próprias ações Autodireção e interação Organismo Estimulação Procurar excitação, novidade e mudança Organismo Hedonismo Buscar o prazer e da gratificação sensual Interação grupal Realização Busca do sucesso de acordo com os padrões sociais Interação grupal Interação grupal Interação grupal Grupal Recursos Exercer o poder por meio do controle dos recursos materiais e sociais Obter segurança e poder por meio da manutenção da imagem pública e evitar humilhação pública Aparências Pessoal Promover a segurança do ambiente imediato Societal Promover a segurança e estabilidade da sociedade como um todo Manter e preservar as tradições culturais, familiares e religiosas Tradição Regras Promover a conformidade às regras, leis e obrigações formais Interpessoal Promover a conformidade com outras pessoas para evitar perturbá-las ou prejudicá-las. Conformidade Humildade Organismo e interação Benevolência grupal Interação grupal e organismo Exercer o poder por meio do controle sobre outras pessoas Poder Organismo e interação Segurança grupal Grupal Dominância Universalismo Reconhecer as próprias limitações Lealdade Ser fiel e confiável ao endogrupo Cuidado Buscar o bem-estar do endogrupo Social Promover a igualdade, a justiça e a proteção para todas as pessoas Prot. Natureza Promover a proteção da natureza e dos recursos ambientais Tolerância Promover a aceitação e a compreensão em relação às pessoas percebidas como diferentes 234 Valores O segundo pressuposto refere-se à possibilidade de os valores representarem relações de compatibilidade e conflito entre duas supra-dimensões: autoexpressão e crescimento com baixa preocupação sem ansiedade vs. busca de autoproteção e evitação da ansiedade; foco pessoal motivação (preocupação do indivíduo consigo próprio) vs. foco societal da motivação (preocupação do indivíduo perante as expectativas sociais). A Figura 2 apresenta a estrutura motivacional dos valores proposta na teoria após as recentes reformulações. Schwartz et al. também desenvolveram uma nova versão do PVQ contendo 47 indicadores (três por cada tipo e subtipo de valores), que foi aplicada a amostras de estudantes universitários e da população adulta proveniente de 10 países (Alemanha, Estados Unidos, Finlândia, Israel, Itália, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Suíça e Turquia). Os resultados de uma série de análises multidimensionais e de análises fatoriais confirmatórias permitiram conferir alguma validade à teoria agora proposta. Figura 2 – Estrutura Motivacional dos Valores Humanos. Fonte: Inspirado em Schwartz et al. (2012). Psicologia social: temas e teorias 235 6.2.4 DA TEORIA DOS VALORES INDIVIDUAIS À TEORIA DE VALORES CULTURAIS A teoria de Schwartz propõe um modelo sobre organização motivacional que defende a existência de uma estrutura de valores estáveis a nível transcultural. A teoria dos valores culturais tem como objetivo poder mostrar os problemas básicos enfrentados pelas sociedades (Schwartz, 1994). Esses problemas referidos pela teoria são: a) a natureza das relações entre o indivíduo e o grupo; b) garantir um comportamento responsável por parte dos cidadãos que ajude a preservar as sociedades; e c) manter em harmonia a relação dos seres humanos com a natureza e o mundo (Ros, 2000). Usando itens do SVS, Schwartz (1994) propôs uma medida de valores culturais que foi aplicada em 25 mil pessoas procedentes de 37 países, distribuídas em 86 amostras diferentes. A teoria de Schwartz (1992) afirma que o sistema universal de valores que guia a conduta humana responde à função adaptativa; os contextos culturais concretos são os que, por sua vez, fazem com que um ou outro tipo de valores prevaleça com mais ou menos intensidade. Como resultado, distinguiu sete tipos de valores culturais agrupados em três dimensões bipolares: Conservação, Autonomia Intelectual, Autonomia Afetiva, Hierarquia, Compromisso Igualitário, Competência e Harmonia. De acordo com os sete tipos de valores culturais, a estrutura dos mesmos forma três dimensões bipolares: Conservação ╳ Autonomia (Intelectual e Afetiva). Com essa dimensão Schwartz (1994) pretende estudar a complicada relação entre o indivíduo e o grupo social. No extremo de Conservação se encontram aquelas culturas em que a pessoa é vista dentro do grupo e onde o importante é manter a ordem e a tradição. Em contraste, no polo da Autonomia se localizam aquelas culturas em que o indivíduo é autônomo e onde se valoriza a distintividade, independentemente do estabelecido com o grupo. Hierarquia ╳ Compromisso Igualitário. Essa dimensão contrapõe culturas nas quais se considera legítimo que a responsabilidade corresponde a quem tem o poder e que para assegurar a responsabilidade social é legítimo que o poder esteja distribuído de forma desigual às outras. Ao contrário, o Compromisso Igualitário considera que os membros de uma sociedade são pessoas iguais que buscam o bem-estar comum. Competição ╳ Harmonia. Essa dimensão reflete a relação cultural entre as sociedades e o meio ambiente. No extremo de Competição se localizam aquelas culturas que exploram e dominam a natureza a seu favor. No lado oposto encontram-se as culturas que tentam adaptar-se à natureza tal como ela é. 6.2.5 O MÉTODO DE INGLEHART Inglehart (1977) propôs uma taxonomia dos valores sociais e políticos que distingue dois grupos de valores: os materialistas e os pós-materialistas. Os primeiros estão associados à satisfação de necessidades básicas, à coesão social e ao crescimento econômico, enquanto que os segundos revelam preocupações sociais e individuais com a qualidade de vida, a realização no trabalho, a vida comunitária e a justiça política 236 Valores (veja Inglehart, 1990). Reinterpretando as teses de Weber (1904-5/1994) sobre o desenvolvimento do capitalismo, Inglehart (1994) considera que, nos valores materialistas, efetua-se uma passagem dos valores religiosos espiritualistas à concepção de um estado laico e materialista. Nos valores materialistas, encontrar-se-ia a diferenciação entre valores espirituais e valores materiais. Nesse sentido, a passagem da sociedade feudal ao capitalismo moderno seria acompanhada por sucessivas mudanças nos valores que teriam dominado a sociedade em suas diferentes fases; as sociedades modernas teriam passado do domínio dos valores religiosos ao dos valores materialistas para, atualmente, se encontrarem sob o domínio do que ele denomina valores pós-materialistas. O seu principal postulado para explicar esse processo é o de que o desenvolvimento econômico conduz a determinadas mudanças no sistema de valores e crenças das pessoas nas diversas sociedades. Essa modificação de valores produz, por sua vez, um efeito de feedback em direção à mudança nos sistemas econômicos e políticos das sociedades. Seu interesse era analisar as mudanças sociais em longo prazo observáveis em sociedades ocidentais industrializadas. Para tanto, Inglehart (1990) derivou doze indicadores da teoria de Maslow (1954) sobre a hierarquia das necessidades humanas. Metade desses indicadores foi inspirada nas necessidades fisiológicas. Os indicadores luta contra a alta nos preços, crescimento econômico e economia estável foram elaborados para apreender a importância da segurança econômica; por sua vez, manutenção da ordem, luta contra o crime e forças armadas fortes foram criados para expressar a ênfase na segurança física. Segundo Inglehart essas necessidades descreveriam os valores de orientação materialista, pois estariam ligadas à sobrevivência dos indivíduos. Os outros seis indicadores foram derivados das necessidades sociais e de atualização. Destes, cidades e natureza mais belas, importância das ideias e liberdade de expressão foram derivados das necessidades estética e intelectual, enquanto sociedade menos impessoal, importância das opiniões pessoais no trabalho e na comunidade e maior influência no governo foram derivados da necessidade de pertença e de autoestima positiva. Segundo Inglehart (1990) esses indicadores deveriam descrever os valores de orientação pós-materialista, uma vez que revelariam preocupações sociais e individuais com a qualidade de vida, a realização no trabalho, a vida comunitária e a justiça política. A teoria prevê também que a ênfase dada aos valores materialistas tenderia a formar um perfil valorativo, ao passo que o grau de importância atribuída aos indicadores pós-materialistas formaria outro perfil. Ao nível cultural, apenas as sociedades que atingiram a satisfação das necessidades fisiológicas e de segurança dariam, com maior probabilidade, prioridade aos valores pós-materialistas. A hipótese principal de Inglehart (1994) pressupõe que uma parte da população das sociedades ocidentais foi socializada em um período de segurança em relação à satisfação das necessidades fisiológicas. Essas sociedades teriam alto nível de desenvolvimento social e econômico. As populações das diversas sociedades deveriam polarizar-se ao longo da dimensão materialista × pós-materialista, sendo que alguns enfatizariam sistematicamente as metas materialistas e outros dariam prioridade às metas pós-materialistas. A Figura 3 sintetiza essas hipóteses. Psicologia social: temas e teorias 237 Figura 3 – Tipologia dos Valores Materialistas e Pós-materialistas (Inglehart, 1990). Fonte: Inspirado em Inglehart, 1990 De um modo geral, os resultados de várias pesquisas com amostras de 40 países permitem aceitar essas hipóteses. Inglehart (1990) mostrou, através de uma análise dos componentes principais que, dos seis indicadores elaborados para descrever os valores materialistas, pelo menos cinco se agrupavam no polo positivo do continuum, ao passo que todos os itens derivados para avaliar os valores pós-materialistas agrupavam-se ao redor do polo negativo. Portanto, a tipologia de valores materialistas e pós-materialistas pressupõe uma dimensão bipolar. Essa dimensão tem subjacente uma hierarquia de necessidades e um princípio histórico-social responsável pela criação de contextos onde um outro tipo de necessidade seja mais saliente. A tipologia de valores materialistas e pós-materialistas também foi submetida à prova em diversos estudos transculturais (e.g., Flanagan, 1987; Halman & Morr, 1994; Inglehart, 1990) e intraculturais (e.g., Bean & Papadakis, 1994), com a utilização de vários instrumentos e procedimentos metodológicos para a medida e análise dos valores. 238 Valores 6.2.6 MODELO DESENVOLVIDO NO BRASIL 6.2.6.1 A Integração Psicossociológica: O QVP Os métodos de medida até aqui apresentados foram elaborados com base em dois pressupostos sobre a natureza dos valores, que podem ser sintetizados em duas perguntas também colocadas sobre outros conceitos estudados na Psicologia Social (veja Camino, 1996): a natureza dos valores é individual, i.e., eles são necessidades individuais, como defende Schwartz (1992); ou a natureza dos valores é social, i.e., eles emergem quando ocorrem mudanças culturais, como afirma Inglehart (1997). Uma possibilidade de resposta para essas questões tem sido proposta pela Abordagem Societal dos Valores (Lima & Camino, 1995; Pereira, Camino, & Costa, 2004; Pereira et al., 2005; Pereira, Lima, & Camino, 2001; Pereira, Torres, & Barros, 2004). Essa abordagem tenta integrar a perspectiva psicológica elaborada por Schwartz (1992) sobre os tipos motivacionais com a perspectiva sociológica proposta por Inglehart (1990) sobre os valores materialistas e pós-materialistas. As características básicas dessa abordagem são as ideias de que os valores expressam os conflitos ideológicos, orientam os comportamentos e estão ancorados nas identidades dos grupos sociais e nos posicionamentos ideológicos derivados dessas identidades. 239 Psicologia social: temas e teorias Questionário de Valores Psicossociais (QVP–24) Instruções: Logo abaixo você encontrará uma lista contendo um conjunto de valores sociais aos quais deve atribuir uma nota variando de 0 (zero) a 10 (dez), considerando o grau de importância de cada um dos valores para a construção de uma sociedade ideal para se viver. Lembre-se de que quanto menor a nota, menor será a importância do valor e, quanto maior for a nota, maior será a importância do valor. Nota Nota ALEGRIA..................................... [ ] AMOR............................................ [ ] AUTORREALIZAÇÃO................ [ ] AUTORIDADE.............................. [ ] COMPETÊNCIA.......................... [ ] CONFORTO.................................. [ ] DEDICAÇÃO AO TRABALHO. [ ] FRATERNIDADE......................... [ ] IGUALDADE............................... [ ] JUSTIÇA SOCIAL......................... [ ] LIBERDADE................................ [ ] LUCRO.......................................... [ ] OBEDIÊNCIA ÀS LEIS DE DEUS [ ] PRAZER......................................... [ ] RELIGIOSIDADE........................ [ ] REALIZAÇÃO PROFISSIONAL. [ ] RIQUEZA..................................... [ ] RESPONSABILIDADE................. [ ] SENSUALIDADE........................ [ ] SALVAÇÃO DA ALMA............... [ ] STATUS....................................... [ ] SEXUALIDADE............................ [ ] UMA VIDA EXCITANTE........... [ ] TEMOR A DEUS........................... [ ] Figura 4 – O questionário de valores psicossociais. Com base nesses postulados, Camino e colaboradores (Pereira, Camino et al., 2004; Pereira et al., 2005; Pereira, Lima et al., 2001) apresentaram o Questionário de Valores Psicossociais (QVP-24) para medir os sistemas de valores (veja a Figura 4). Esse questionário foi validado em várias investigações realizadas em amostras de universitários brasileiros (e.g., Pereira, Camino et al., 2001). Resultados de análises fatoriais confirmatórias indicam que o QVP-24 é adequado para medir os sistemas de valores de estudantes universitários (Pereira, Camino et al., 2004) e de adolescentes brasileiros (veja Moraes, 2002). 240 Valores O QVP-24 mede quatro sistemas de valores: religioso (medido pela adesão à religiosidade, à salvação da alma, ao temor a Deus e à obediência às leis de Deus); hedonista (medido pela importância atribuída ao prazer, à sensualidade, à sexualidade e a ter uma vida excitante); materialista (medido pela adesão à autoridade, à riqueza, ao status e ao lucro); pós-materialista (medido pela importância atribuída aos valores do bem-estar social, do bem-estar profissional e do bem-estar individual). As investigações conduzidas com o QVP-24 indicam que os sistemas de valores são correlacionados positivamente. Segundo Pereira, Lima et al. (2001) essas correlações indicam que não há relações de conflito na adesão aos valores. Para esses autores, isso ocorre porque o valor pouco tem haver com necessidades. Como indicam Deschamps e Devos (1993), os valores relacionam-se, sobretudo, com as ideologias sobre como a sociedade deve ser organizada.5 6.3 RELAÇÕES DOS VALORES COM OUTRAS VARIÁVEIS Os valores afetam a maneira que as pessoas percebem o mundo, suas decisões, preferências e suas ações, influenciados pelos contextos sociais (Fischer et al., 2011). Ao mesmo tempo, os valores refletem as soluções que os grupos (nações, organizações) desenvolvem para responder aos desafios da existência (Hofstede, 2001; Schwartz, 2005a). Nessa parte revisaremos a literatura sobre o papel de fatores antecedentes e variáveis nas quais os valores exercem algum impacto. 6.3.1 ANTECEDENTES DOS VALORES Como as pessoas chegam a adquirir seus valores? Sem dúvida, a cultura na qual nos toca nascer e viver nos oferece um conjunto de orientações de valores e de significados compartilhados que impregnam toda atividade no nosso meio. No entanto, dentro do mesmo contexto cultural existem variações individuais importantes. Ou seja, todos nós conhecemos os elementos-chave da nossa cultura, mas todos somos diferentes. As diferenças individuais nos valores surgem como resultado de uma combinação única das influências culturais, das características biológicas e das experiências sociais (Rokeach, 1973; Schwartz, 2009). Assim, a história pessoal, suas características, localização, pertença a uma cultura dentro de um contexto mais amplo e outros fatores vêm determinar seus valores. O processo de socialização pelo qual nos convertemos em seres sociais plenos começa no seio da família. Ali adquirimos nossos valores iniciais ou posturas com respeito às questões vitais, por exemplo, as relações com outras pessoas, nosso êxito pessoal ou as relações com autoridade. Os pais são agentes ativos de socialização e de transmissão dos valores. Eles, de forma mais ou menos consciente, elaboram um con5 Outro procedimento desenvolvido no Brasil para medir os valores foi proposto por Gouveia (2003) e é designado Questionário dos Valores Básicos. Com esse questionário, Gouveia (2003) propõe medir os valores como representantes das necessidades humanas básicas (ver também Fischer, Milfont, & Gouveia, 2011). Psicologia social: temas e teorias 241 junto de prioridades, modos globais de pensar, sentir e atuar que tentarão transmitir aos seus filhos. A eficácia de seus esforços dependerá, entre outros fatores, da coerência entre suas posturas declaradas (por exemplo, o respeito aos demais) e suas condutas efetivas (por exemplo, o tratamento respeitoso com os vizinhos ou com seus próprios filhos), da clareza e consistência de suas mensagens e da adequação destas mensagens à idade e ao nível do desenvolvimento da criança (Ceballos & Rodrigo, 1998; Grusec & Goodnow, 1994). A socialização nos valores está ligada à situação concreta na estrutura social ou ao nincho evolutivo (Super & Harkness, 1986) onde se encontra a criança. O estatuto social e ocupacional de seus pais pode determinar os valores que lhe serão transmitidos com maior ênfase. Nos trabalhos já clássicos de Kohn (1969), podemos verificar que os valores ligados à autodireção, por exemplo, a curiosidade, a responsabilidade, e o esforço por triunfar e se superar serão priorizados pelos pais das classes médias que desempenham trabalhos profissionais que requerem uma maior iniciativa e autonomia. Por outro lado, as crianças de pais das classes trabalhadoras com os trabalhos rotineiros, estritamente supervisionados e regrados serão socializadas nos valores de conformidade em que se priorizam a obediência, os bons modos e a honestidade. Processo similar ocorre no modo como a socialização familiar determina a avaliação do êxito. As expectativas dos pais sobre o êxito dos seus filhos transmitidas junto com uma maior independência e as práticas concretas que a fomentam se traduzem em que as crianças estão mais motivadas ao êxito nas suas vidas (Rosen & D’Andrade, 1959). A transmissão de valores de pais para filhos se situa em um meio cultural determinado e está baseada nos significados compartilhados neste meio. Entretanto, o processo não é automático. Os pais avaliam o potencial adaptativo de seus próprios valores para o futuro de seus filhos (Youniss, 1994) e podem chegar a promover uns valores distintos dos seus. Esse dilema está especialmente presente entre os pais imigrantes que em uma situação determinada podem encarar uma dura incompatibilidade (real ou percebida) entre seus valores culturais e religiosos e os do meio receptor. Os valores que então serão transmitidos a seus filhos serão o resultado da elaboração de uma postura determinada com respeito às duas culturas. Entretanto, isso não será unicamente o resultado da decisão individual dos pais imigrantes. O grupo majoritário pode favorecer a preservação dos valores culturais dos imigrantes ou contrariamente, forçá-los a abandonar sua herança cultural. Igualmente, a condição de grupo minoritário pode fazer com que os pais desenvolvam umas estratégias específicas para defender sua postura ou identidade grupal e assegurar a transmissão de seus valores aos filhos (Molpeceres, Llinares, & Musitu, 2000). Ao mesmo tempo, os filhos de pais imigrantes ou membros de grupos minoritários experimentam a influência socializadora em valores tanto por parte de seus pais como pela sociedade que os rodeia e, às vezes, as mensagens que lhes chegam competem entre si (Szapocznik & Kurtines, 1993). Em resumo, as características sociais, culturais e estruturais da família, junto com as características dos pais, formam um contexto em que se realiza a socialização inicial por meio dos quais os valores sociais são transmitidos. 242 Valores 6.3.2 EDUCAÇÃO Durante o período educativo, o passar por várias etapas de crescente complexidade acadêmica, com os desafios intelectuais cada vez mais complexos e a exposição a distintas ideias, promove a abertura e flexibilidade intelectual e pessoal (Kohn & Schooler, 1983). Isso se traduz em uma maior valorização de autodireção e estimulação (Schwartz, 2009). Ao mesmo tempo, aprende-se a não aceitar sem questionar as normas e tradições preestabelecidas, o que faz com que as pessoas com mais anos de estudos em um ambiente cultural laico valorizem menos a conformidade e a tradição. Por último, os valores de universalismo começam a florescer só ao final da escola secundária (Schwartz, 2009), possivelmente unidos ao desenvolvimento moral e cognitivo. Esses valores são mais fortes entre as pessoas que atendem à universidade devido, possivelmente, ao fato que a experiência universitária amplia os horizontes pessoais e intelectuais. 6.3.3 IDADE E CICLOS DE VIDA Os valores podem mudar ao longo da vida. As circunstâncias relacionadas com distintas etapas do desenvolvimento e as demandas específicas dos ciclos de vida produzem mudanças nas prioridades que as pessoas dão a diferentes aspectos da existência. Assim, por exemplo, a experiência da paternidade aliada a uma relativa estabilidade laboral produz mudança de perspectiva quando a preocupação com satisfazer as necessidades próprias e conseguir coisas dá lugar a um maior interesse pelo bem-estar dos demais (Veroff, Reuman, & Feld, 1984). Essa tendência se traduz, como a diminuição na ênfase nos valores de autopromoção (êxito e poder) e o início da priorização aos valores de autotranscendência (benevolência e universalismo) e é bastante generalizada, confirmada em uma amostra de 20 países europeus usando o modelo de Schwartz (Schwartz, 2009). Em geral, com aumento da idade as pessoas estão mais engajadas em redes sociais, mais apegadas aos hábitos, e menos expostas às situações e desafios excitantes (Glen, 1974). Isso se traduz, segundo Schwartz (2009), no incremento dos valores de conservação (tradição, conformidade, seguridade) e no enfraquecimento dos valores de abertura à mudança (autodireção, estimulação, hedonismo). Ainda que aqui se possa encontrar variações culturais significativas, é possível que essa tendência seja mais marcada nos países menos afluentes dado o predomínio de valores materialistas, enquanto que nas culturas em que se valoriza (e é possível encontrar) valores vinculados à autorrealização, as pessoas estarão mais orientadas a usufruir sua vida e a perseguir suas próprias metas também numa etapa vital mais avançada. Os jovens, por outro lado, sobretudo os adolescentes, são mais flexíveis e podem adaptar seu sistema de valores às mudanças situacionais. Assim, no geral, os imigrantes mais jovens adotam mais os valores da sociedade de acolhida que os mais velhos (Marín, Sabogal, Marín, Oter-Sabogal, & Perez-Stable, 1987). Por outro lado, sugeriu-se que as mudanças vitais cruciais e a subsequente necessidade de adaptação impactuem os valores de uma maneira mais poderosa que a idade (Bardi, Lee, Hofmann-Towfigh, & Soutar, 2009). As mudanças podem ocorrer em qualquer etapa vital. Portanto, uma reestruturação das prioridades valorativas é uma possibilidade tangível. Psicologia social: temas e teorias 243 6.3.4 FATORES SOCIAIS, POLÍTICOS E ECONÔMICOS Tal como comentado anteriormente, a posição de uma pessoa na estrutura social afeta a sua orientação valorativa no seu percurso de vida. Isso se explica pelos valores transmitidos pelos pais, mas também porque as pessoas adaptam seus valores às suas circunstâncias vitais, pessoais e organizacionais (Gouveia et al., 2009). A situação requer novas condutas e isso pode produzir mudanças valorativas. Por exemplo, as pessoas que desempenham os trabalhos que permitem uma maior liberdade de decisão, incrementam sua valorização de autodireção enquanto que diminui a importância da conformidade (Kohn & Schooler, 1983). Por outro lado, as pessoas que experimentam dificuldades econômicas e instabilidade social outorgam uma maior importância à segurança comparadas com aquelas que se encontram em uma situação protegida (Inglehart, 1997). Poderíamos dizer que isso se baseia nas necessidades de carência (Bilsky & Schwartz, 1994; Maslow, 1954). Igualmente, os fatos coletivos traumáticos podem aumentar a valorização da proteção e a necessidade de segurança. Por exemplo, os ataques terroristas (9/11, as explosões em Londres, em 2005) fizeram com que se incrementasse a importância da segurança (Goodwin & Gaines, 2009; Verkasalo, Goodwin, & Bezmenova, 2006). 6.3.5 GÊNERO Várias teorias sobre diferenças entre os gêneros postulam que as mulheres enfatizam mais os valores de tipo expressivo-comunal de cuidado, apoio e preocupação pelos demais enquanto que os homens se centram mais nos valores de tipo instrumental, por exemplo, ambição ou influência. Nessa linha, confirmou-se que as mulheres outorgam uma maior importância aos valores de benevolência e universalismo enquanto que os homens valorizam mais o êxito e o poder como princípios importantes em suas vidas (Schwartz, 2009; Schwartz & Rubel, 2005). Entretanto, o gênero explica as diferenças entre as pessoas em suas prioridades valorativas só de forma muito modesta comparado com a idade e, sobretudo, com a cultura onde as pessoas foram socializadas. 6.3.6 VALORES E TRAÇOS DE PERSONALIDADE Antes de passar a analisar o papel dos valores como antecedentes ou preditores de atitudes e comportamentos, discutiremos brevemente sua relação com outro conceito importante na psicologia, os traços de personalidade. Em geral, pode-se dizer que a personalidade representa o que as pessoas são e tendem a fazer de forma natural, enquanto que os valores refletem o que consideram importante e creem que têm que fazer (Parks & Guay, 2009; Roccas, Sagiv, Schwartz, & Knafo, 2002). Existe a evidência de uma relação estreita entre os dois fenômenos. Vários estudos com amostras de diferentes culturas constataram as associações entre o traço de abertura à experiência e os valores de abertura à mudança (sobretudo a autodireção) e autotranscendência (especialmente, o universalismo), entre o traço de agradabilidade e os valores de auto- 244 Valores transcendência (sobretudo benevolência) e conservação, entre o traço de extroversão e os valores de autopromoção e estimulação, e entre o ser consciencioso ou tenaz e os valores de conservação e autopromoção (Dollinger, Leong, & Ulicni, 1996; Luk & Bond, 1993; Olver & Mooradian, 2003; Parks, 2007; Roccas et al., 2002; Yik & Tang, 1996). O que ainda não está claro é a natureza da relação causal entre os dois construtos psicológicos. A pergunta aqui seria, por exemplo, até que ponto é verdade que uma pessoa que é inicialmente extrovertida (assertiva, sociável e ativa), valorize como consequência a estimulação (novidade, desafios e excitação)? ou ao contrário, é mais provável que uma pessoa que valoriza as experiências estimulantes os busque de forma sistemática até tal ponto que esta conduta se converta em característica dela? Vários autores, incluindo os proponentes da teoria dos cinco grandes traços de personalidade (Big Five personality traits, Costa, & McCrae, 2001), o modelo dominante dos traços de personalidade, afirmam que estas são as tendências básicas endógenas baseadas nas características biofisiológicas e que influenciam as “adaptações características” o indivíduo, incluídos os seus valores e atitudes (McCrae et al., 2000). Se isso é assim, então os traços de personalidade predeterminam os valores das pessoas de tal maneira que suas prioridades sobre o que é valioso e desejável se elaborem para encaixar e justificar suas tendências estáveis de conduta (Roccas et al., 2002). Entretanto, também é possível que dado que as prioridades em valores induzam condutas correspondentes (Rokeach, 1973; Schwartz, 1996), estas depois se solidifiquem e sejam percebidas como traços de personalidade. A discussão está ainda aberta e inconclusiva. Entretanto, é curioso anotar um padrão transculturalmente confirmado de que tanto os traços de personalidade como os valores pessoais mudam ao longo da vida dos indíviduos (McGrae et al., 2000; Schwartz, 2009). Outra possibilidade é que a relação entre traços e valores seja recíproca e circular, refletindo sua origem motivacional e também as adaptações ao meio. 6.3.7 AS CONSEQUÊNCIAS DAS DIFERENÇAS EM VALORES Para entender como funcionam os valores, analisaremos primeiro o seu papel motivacional descrevendo sua relação com a conduta através dos objetivos derivados dos valores. Segundo, descreveremos a literatura sobre a relação entre os valores, as atitudes e as condutas. Por último, apresentaremos alguns exemplos do impacto dos valores nas condutas específicas. 6.3.7.1 Os valores e a motivação A motivação pode ser considerada como um fator diretamente relacionado com a intensidade e persistência de nossas ações e a consecução de nossos objetivos (Mitchell, 1997). Tanto Rokeach (1973) como Schwartz (2009) enfatizam a natureza motivacional dos valores afirmando que são o vínculo entre as necessidades mais gerais do indivíduo e os objetivos específicos que se concebem. Por sua vez, afirma-se que os valores guiam a conduta e se traduzem na ação concreta porque se “cristalizam” nos objetivos específicos, indicando aos indivíduos algo determinado a perseguir (Lewin, Psicologia social: temas e teorias 245 1952; Locke & Henne, 1986). Assim, os valores induzem os objetivos, determinam seu conteúdo e estes, por sua vez, dirigem a ação. Por exemplo, em um estudo realizado por Feather (1995), os estudantes que valorizavam altamente a autodireção avaliaram como mais atrativo um trabalho que oferecia liberdade, independência e criatividade, mas baixa segurança, enquanto que aqueles que priorizavam a segurança preferiram um trabalho com as características opostas. De forma similar, os representantes de vendas japoneses e norte-americanos com alta adesão aos valores de segurança preferiam um aumento de segurança laboral como recompensa por seu bom trabalho, enquanto que os que priorizavam valores de êxito preferiam promoções e oportunidades de desenvolvimento profissional (Dubinsky, Kotabe, Lim, & Wagner, 1997). Assim, na hora de estabelecer conscientemente os objetivos a perseguir, as pessoas podem se basear em suas prioridades de valor. Ao mesmo tempo, os valores podem motivar a conduta de uma forma mais automática, sem um processamento analítico, mas sim emocional da experiência. Por exemplo, demonstrou-se que as atividades habituais e rotineiras dos indivíduos podem ser congruentes com os seus valores (Bardi & Schwartz, 2003). Nesse caso, o mecanismo afetivo de desfrutar as ações que estão em harmonia com os princípios próprios explicaria o vínculo motivacional entre os valores e os comportamentos das pessoas. Entretanto, é plausível que os valores, enquanto representações cognitivas do desejável, tenham uma relação mais estreita com as condutas dirigidas a conseguir objetivos escolhidos de forma consciente e voluntária, comparados com as condutas mais espontâneas ou intuitivas menos autocontroladas. 6.3.7.2 Os valores, a atitude e o comportamento Obviamente, é interessante saber que uma pessoa valoriza mais as experiências inovadoras e excitantes enquanto que outra prioriza um ambiente seguro para si mesma e para as pessoas próximas a ela. Entretanto, o que nos traz esse conhecimento? O interesse dos estudos sobre os valores está em poder predizer as diferenças no comportamento das pessoas partindo da discrepância em seus valores. As investigações realizadas em mais de 30 países puderam estabelecer o impacto dos valores individuais em múltiplas formas de expressão de atitudes e comportamentos, entre as quais podemos mencionar as atitudes em relação aos dilemas éticos, o meio ambiente, o sexismo e as condutas religiosas e sexuais, o uso de álcool e outras drogas, a caça, a competição, a cooperação e as condutas de consumo (Schwartz, 2009). Mas, como operam os valores sobre a conduta humana? O tema é complexo e foram propostos vários mecanismos de vinculação direta e indireta. No que se refere às atitudes, sabemos que ajudam a nos posicionar frente a determinados assuntos, a orientar nossa conduta e a justificar nossas ações. Entretanto, os valores são distintos das atitudes ao serem mais globais e ao transcenderem as situações e as questões específicas. Algumas atitudes podem estar diretamente relacionadas com os valores. Por exemplo, uma atitude favorável à proteção do meio ambiente expressará os valores do universalismo. Igualmente, uma atitude de oposição à medidas discriminatórias contra minorias sociais expressaria esses mesmos valores (ver 246 Valores Ramos, Vala, & Pereira, 2008). Ao mesmo tempo, a evidência empírica aponta que existe um grau distinto de consistência entre as atitudes e comportamentos. Como, então, se articulariam os valores, as condutas e as atitudes? Uma das respostas possíveis baseia-se no fato de que uma das funções das atitudes é expressar os valores centrais do autoconceito (Katz, 1960). Nesse sentido, cabe esperar uma relação direta entre os valores mais cruciais para a pessoa e sua identidade e as atitudes correspondentes. Assim, se a preservação das tradições é central para o sentido de identidade de uma pessoa, é provável que o expresse consistentemente com suas atitudes sobre a manutenção da ordem estabelecida das coisas em distintos âmbitos pessoais e sociais. Isso se daria, sobretudo, quando pelas pressões do contexto a pessoa se vê forçada a atuar contra seus princípios ou a ajustar suas respostas às normas dominantes. Outro mecanismo proposto para vincular os valores com as atitudes e condutas é pela norma pessoal como uma obrigação moral interiorizada de responsabilidade frente à ação. Essa norma pessoal baseada em valores é um motivador da ação e atua de uma maneira distinta da pressão social externa (Ros, 2000). Diferentes valores ativarão as normas pessoais correspondentes e serão, portanto, responsáveis por guiar as condutas. Além de analisar a relação valores-atitudes-condutas, existe uma linha de estudos que se centra na relação sistemática entre valores e comportamentos sem considerar o papel das atitudes. Aqui se assume que os valores predizem os comportamentos diretamente. Isso ocorre, sobretudo, quando existe uma pressão relativamente baixa do contexto, ou seja, quando o individuo é mais livre para atuar de acordo com seu próprio critério. Então, de que maneira atuam os valores que possuem uma pessoa sobre suas condutas? Vários mecanismos têm sido propostos: A ativação de valores: afirma-se que os valores dirigem a conduta apenas se estiverem ativados (Verplanken & Holland, 2002). Essa ativação não implica obrigatoriamente que o indivíduo se torne consciente de suas prioridades, mas que a situação mobilize os valores correspondentes. Por exemplo, no momento de decidir entre estudar para tirar uma boa nota no exame ou ficar com um amigo que tem problemas pessoais. Podem-se ativar a importância dos valores da ambição ou o valor da amizade, sobretudo se ambos são centrais para a pessoa. Nesse caso, os valores ativados (êxito vs. benevolência) e a sua motivação correspondente promoverão diretamente a decisão sobre o comportamento (ficar em casa para estudar vs. telefonar para o amigo para se encontrar). A centralidade dos valores para o autoconceito: certos valores são centrais para o sentido do si mesmo e representam uma parte importante do autoconceito. São precisamente esses valores que terão uma relação mais estreita com o comportamento e, uma vez ativados, guiarão a ação de forma poderosa (Verplanken & Holland, 2002). Por exemplo, em um estudo realizado por Verplanken e Holland (2002), estudantes noruegueses para os quais os valores de proteção do meio ambiente eram centrais para sua identidade, tenderam a votar durante as eleições nacionais em um partido que defendia uma plataforma que salientava a importância da proteção do ambiente. Nota-se que o contexto das eleições é uma situação que ativa de forma poderosa os valores e as ideologias das pessoas. Psicologia social: temas e teorias 247 Os valores dirigem a atenção, a percepção e a interpretação da situação: os valores podem ser concebidos como as cognições ou lentes através das quais uma pessoa vê a situação. Por exemplo, como comentaremos mais adiante, se para um indivíduo é central manter o seu domínio sobre as outras pessoas (poder), estará muito suscetível às possíveis ameaças a sua imagem pública ou a como o tratam os demais, sobretudo nos contextos de alta tensão interpessoal. Além disso, quando uns valores são centrais para a pessoa e estão ativados, aumenta-se a busca das informação relacionada (indícios de insulto ou provocação) e isto, por sua vez, determinará a ação (e.g., a agressão). Os valores influenciam o planejamento da ação: quanto mais importante é a prioridade dada a um valor, mais provável será que o individuo elabore um plano que se traduza em ação. Ao promover o planejamento, a prioridade dada a valores específicos incrementa a conduta consistente com esses valores. Na mesma linha, os valores predizem as condutas no futuro de uma forma mais forte que as condutas imediatas (Eyal, Sagristano, Trope, Liberman, & Chaiken, 2009). Apresentados alguns mecanismos que vinculam os valores, as atitudes e os comportamentos, passaremos a descrever alguns exemplos de condutas ligadas diretamente aos valores. 6.3.7.3 Valores e condutas no âmbito pessoal Os valores estão ligados às condutas dos indivíduos tanto na área mais pública de sua vida como na mais privada. Por exemplo, estão relacionados com a escolha da carreira, uma decisão que em geral implica uma avaliação muito séria dos aspectos favoráveis e desfavoráveis e, portanto, a ativação dos valores centrais para a pessoa. Assim, encontra-se que os valores de autopromoção (poder e êxito) são os mais altos entre os estudantes de cursos relacionados com atividades empresariais, enquanto que o universalismo é mais característico dos estudantes de ciências sociais (Myyry & Helkama, 2001). Enquanto na vida espiritual, constatou-se uma tendência bastante universal e encontrada em vários relatos que consiste em que as pessoas mais religiosas são aquelas que valorizam mais a tradição, a conformidade e em certo grau a benevolência (mas não o universalismo), e que se opõem à estimulação e autodireção, o que confirma a sua descrição como bastante conservadoras (Saroglou, Delpierre, & Dernelle, 2004). 6.3.7.4 Valores e conduta social Violência: os valores podem ter suma relação direta e indireta com a agressão. Em vários estudos realizados com adolescentes, uma população muito vulnerável nesse sentido, constatou-se que as condutas violentas são, sobretudo, características dos indivíduos com alta adesão aos valores do poder (controle e domínio sobre pessoas). Essa relação se acentuava ainda mais nos colégios onde a violência era mais comum. É possível que nesses contextos, aqueles indivíduos que dão uma grande importância 248 Valores à dominância e à sua imagem pública sejam muito vigilantes (valores ativados dirigindo a atenção) e que interpretem erroneamente os insultos não intencionados (valores afetando os julgamentos e as atitudes) e que reajam com violência (valores influenciando a conduta) (Knafo, Daniel, & Khoury-Kassabri, 2008). Adicionalmente, pelo visto, a combinação de uma alta valorização do poder junto com ter os pais autoritários conduz aos níveis mais altos do abuso (e.g., bullying) entre os adolescentes e os conduz a se associar a amigos “bullies” (Knafo, 2003). Os valores que poderíamos denominar “a medicina contra a violência”, por exemplo, o universalismo (tolerância, bem-estar de todos) são os que mais estão relacionados à diminuição de comportamentos agressivos nos colégios com alta violência. Esse valor junto com a benevolência se associa a um nível mais alto de empatia (Myyry & Helkama, 2001). Além disso, a conformidade (pelo menos nos contextos onde a norma é a conduta pró-social) e a segurança se vinculam com as atitudes negativas relacionada com a violência (Mokounkolo, 2004). O voto e o ativismo político: os indivíduos utilizam seus valores pessoais para organizar e priorizar suas crenças e sentimentos com respeito à vida política, e também para tomar e justificar as decisões relacionadas a ela. No que se refere ao voto político, os valores de universalismo e benevolência explicam a primeira orientação enquanto a conformidade e a tradição são os valores mais associados a ter a orientação política de direita, nos países europeus, com exceção dos países do antigo bloco comunista onde existe múltiplas dimensões que definem o significado de posicionamento esquerda-direita (Piurko, Schwartz, & Davidov, 2011). Outra investigação demonstrou que os valores dos eleitores (tradição, conformidade, poder e êxito vs. universalismo, benevolência e autodireção) prediziam seus valores políticos (governo forte, moral tradicional, intervenções militares, mercado competitivo vs. políticas orientadas à justiça, tolerância e bem-estar para todos) de uma maneira consistente e estes, por sua vez, determinaram a direção do voto (partidos de direita vs. partidos de esquerda) durante as eleições em Itália em 2006 (Schwartz, Caprara, & Vecchione, 2010). O ativismo político tende a se associar com valores de universalismo (os que promovem a justiça social), à pouca valorização da segurança e da conformidade (já que o ativismo pode supor riscos e tenta promover a mudança), e aos valores de estimulação – acrescentando que os ativistas políticos não só estão motivados pelas considerações ideológicas, mas também buscam experiências excitantes (Schwartz, 2009). 6.3.7.5 Valores e relações intergrupais Os valores podem servir como padrões sobre o que deveria fazer uma pessoa com respeito às pessoas que são distintas por não pertencer a seu próprio grupo, e que atitudes e ações intergrupais deveriam apoiar. A esse respeito, os valores de universalismo e autodireção promoviam atitudes de abertura ao contato mútuo entre os judeus e os árabes em Israel, enquanto que a valorização da tradição, da segurança e da conformidade a limitava essas atitudes (Sagiv & Schwartz, 1995). Esse resultado se assemelha ao que Rokeach (1973) encontrou com respeito à postura dos brancos norte-americanos em relação às pessoas percebidas como afro-americanos. Psicologia social: temas e teorias 249 As atitudes em relação à imigração e a consequente diversidade cultural representam outro tema onde a postura de um quanto ao “outro” é influenciada pelos valores pessoais (ver especialmente Ramos, 2011). Assim, na França especialmente aqueles que concediam uma alta importância à segurança (que pode ser interpretada como preocupação em evitar uma possível ameaça pessoal, nacional e interpessoal) opuseram-se veementemente à imigração. Por outro lado, aqueles que valorizavam, sobretudo, o universalismo (aceitação e preocupação, inclusive por aqueles que são diferentes) eram mais dispostos a aceitar os “outros” (Schwartz, 2009). Finalmente, deve ser levado em consideração que o contexto cultural onde vive e opera uma pessoa modera a relação entre os seus valores, atitudes e condutas. As pessoas em diferentes culturas variam no grau em que utilizam os seus atributos internos para orientar a sua conduta, podendo estar mais determinada pelas circunstâncias e requisitos da situação. A cultura também modera a relação entre os valores e as condutas ao determinar o repertório das ações normativas e o significado que uma determinada conduta pode assumir. 6.3.8 VALORES SOCIAIS COMO PREDITORES: RELAÇÃO ENTRE ATITUDES E COMPORTAMENTO A importância do estudo dos valores e a sua preocupação teórica e prática tem provocado grande interesse nos pesquisadores do domínio da Psicologia Social. O interesse encontra-se principalmente em ser capaz de conhecer e estabelecer quais são os fatores que podem explicar o comportamento dos indivíduos, direta ou indiretamente. Dado o menor poder preditivo que as atitudes têm sobre a intenção do comportamento humano, frente a outras variáveis, como as normas (pessoais ou subjetivas), tem-se aumentado o interesse em estabelecer e estudar o papel dos valores como precedentes das normas (Ros, 2001; Bardi & Schwartz, 2003; Schwartz, 2011). Os valores, tanto os pessoais como os culturais, parecem estar relacionados com diferentes aspectos do comportamento humano, como a justiça, a orientação política, as relações intergrupais e a cooperação (Fisher, 2006; Schwartz, 2011). As pessoas estão continuamente desenvolvendo atitudes. Basta pensar em como nos posicionamos frente a acontecimentos da vida quotidiana, frente a outras pessoas ou às coisas em geral. Nesse sentido, as atitudes são orientações de caráter avaliador em relação a um objeto de natureza física ou social. As conhecidas e trabalhadas teorias da Ação Racional e Planificada (Fishbein & Ajzen, 1980; Ajzen, 1998) estabelecem as atitudes como os antecedentes de nossos comportamentos. Agora, essa abordagem mostra uma limitação quando se trata de abordar as explicações, já que não são levados em conta comportamentos nos quais se implicam outras pessoas, como poderiam ser a persuasão ou a liderança. Frente a essa concepção, autores como Rokeach (1973) e Schwartz (1992) deram um contributo importante ao incluir o papel dos valores como um componente explicativo para o comportamento humano em suas pesquisas. Rokeach trabalhou para estabelecer uma vinculação teórica entre os valores, as atitudes e, finalmente, sua correspondência com o comportamento; Schwartz, por outro lado, incorporou uma ampla e completa teoria integrada sobre os valores, cuja estru- 250 Valores tura pode ser relacionada aos comportamentos pessoais (individuais) e sociais (grupais). Para Rokeach (1973), os valores são crenças que transcendem situações específicas (são transituacionais), que também estão ordenados de forma hierárquica (em ordem de importância), e que atuam como guias das atitudes e comportamento das pessoas (diferença fundamental em relação às atitudes, que são consideradas crenças específicas e concretas sobre um objeto ou situação). De acordo com esse pensamento, as atitudes que são ativadas por pessoas frente a um determinado objeto de atitude conduzirão para a ativação de um conjunto de valores instrumentais e terminais com os que estão (atitudes) funcionalmente conectados. Por sua vez, Schwartz (1992, 2001) determina que o sistema de valores deveria ser tratado como um todo integrado no comportamento humano, ou seja, os comportamentos estarão mais relacionados com alguns tipos de valor, e não tanto com outros. Dessa forma, podemos identificar o valor que está a motivar o comportamento, assim como o valor que está a inibi-lo. SUMÁRIO E CONCLUSÕES Neste capítulo, fizemos um percurso pela natureza, teoria e aplicações dos valores sociais. Através de Rokeach (1973, p. 5), apresentamos a definição de valores que, mais tarde, serviria como padrão conceitual para o desenvolvimento das principais investigações sobre este tema na Psicologia Social: uma crença duradoura sobre comportamentos (e.g., ser honesto) ou princípios-fim (e.g., a igualdade) que uma pessoa acredita que a sociedade prefere que sejam realizados. Posteriormente, o trabalho de Kluckhohn (1968), Schwartz e Bilsky (1987), Schwartz (1992, 1994) e Pereira, Camino e Costa (2005) destacaram e perfilaram aspectos, como os valores individuais, a necessidade das motivações sociais, os conflitos ideológicos ou de identidade, mostrando com isto a intercomunicação entre cada um dos diferentes componentes. A Tabela 3 sistematiza as principais definições dos valores aqui apresentadas, especificando as fontes dos valores e os seus principais procedimentos de medida. Rokeach (1973) é o primeiro a propor que os valores teriam duas características básicas, as quais foram fundamentais para o desenvolvimento de um instrumento de medição: os valores são crenças duradouras; referem-se a modos específicos de conduta ou estados finais de existência. Com seu trabalho, Rokeach postulou que as atitudes e comportamentos das pessoas podem variar de acordo com a posição que cada um desses tipos de valores ocupa na hierarquia do sistema de valores destas pessoas, e que um aumento na importância atribuída para um valor pessoal leva a um aumento na importância dada a outro valor social e a uma diminuição da importância dos valores pessoais. Para ser capaz de trabalhar e medir os valores, Rokeach (1968) propôs uma lista contendo 24 valores que têm em sua representação final (Rokeach, 1973) 36 valores, a principal base de investigação e medição para futuras pesquisas sobre valores sociais. 251 Psicologia social: temas e teorias Tabela 3. Natureza, fonte e procedimentos metodológicos destacados nas principais abordagens sobre os valores na Psicologia Social (adaptado de Torres et al., 2001). Autores Natureza Fonte Procedimento Metodológico Rokeach (1973) Crença do Indivíduo Necessidades Inglehart (1991) Indicadores de Mu- Necessidades e Es- Hierarquização das metas a serem priodanças Culturais trutura Econômica rizadas por um determinado país Schwartz (1992) Concepções do Indivíduo Gouveia (2003) Categorias de orienNecessidades tação Atribuição de importância de cada valor como “um princípio-guia na sua vida” Pereira et al. (2001) Estruturas de ConheIdeologia cimento Atribuição de importância a cada valor para a “construção de uma sociedade ideal” Hierarquização de um conjunto de valores como “princípios guia em minha vida” Requisitos univerClassificação dos valores como “princísais da existência pios guia em minha vida” humana Posteriormente, o trabalho de Hofstede (1980) estabeleceu quatro eixos ou dimensões culturais básicas dos valores sociais: distância ao poder (grau em que os membros menos poderosos da sociedade aceitam que o poder se distribua desigualmente); evitação da incerteza (grau em que uma sociedade tenta controlar o incontrolável); individualismo x coletivismo (grau em que os membros de uma sociedade se ocupam mais ou menos de si mesmos ou dos grupos a que pertencem); e masculinidade x feminilidade (distinta distribuição dos papéis emocionais entre os sexos). Hofstede nos mostrou a existência de perfis culturais tanto de nível regional como nacional que, de uma forma ou de outra, podem afetar o comportamento de organizações e associações. Com o programa de investigação realizado por Schhwartz (1992, 1994), foi possível identificar uma estrutura motivacional nos valores humanos, concebidos como entidades cognitivas, crenças ou conceitos que se referem a objetos, e que nos servem de critérios para a seleção e avaliação das diversas condutas. Sua lista de dez tipos motivacionais (universalismo, benevolência, tradição, conformidade, segurança, poder, realização, hedonismo, estimulação e autodireção) se organizam em uma estrutura formada por duas dimensões (autotranscendência vs. autopromoção; abertura à mudança vs. conservação). Com sua estrutura motivacional dos valores humanos, à medida que as condutas estão direcionadas para atender às necessidades humanas 252 Valores universais, pode-se especificar diferentes domínios motivacionais responsáveis pela adesão das pessoas aos valores, bem como compatibilidades e incompatibilidades entre eles. O interesse dessa teoria reside em que oferece uma definição dos valores que é ao mesmo tempo conceptual e operacional. Ao conectar valores e motivações, Schwartz reconhece neles um conteúdo ou significado tanto psicológico como social e torna possível seu estudo sistemático, mesmo em contextos transculturais. Schwartz também nos propõe um modelo alternativo que defende a existência de uma estrutura de valores estável a nível transcultural. A teoria dos valores culturais destina-se a mostrar os problemas básicos que enfrentam as sociedades (Schwartz, 1994). Os problemas referidos nessa teoria são a natureza das relações entre o indivíduo e o grupo. Para nos mostrar isso, Schwartz (1994) testou a sua teoria com base no questionário de valores de Schwartz (SVS), distinguindo entre sete tipos de valores culturais agrupados em três dimensões bipolares: Conservação, Autonomia Intelectual, Autonomia Afetiva, Hierarquia, Compromisso Igualitário, Competência e Harmonia. De acordo com os sete tipos de valores culturais, a estrutura dos valores culturais seguiria também uma organização motivacional similar à estrutura bidimensional anteriormente obtida ao nível individual: conservação vs. Autonomia; hierarquia vs. Compromisso Igualitário e concorrência vs. Harmonia. A última revisão que fizemos aproxima-nos do trabalho desenvolvido por Inglehart (1977). Sua proposta apresenta uma taxonomia dos valores sociais e políticos que distingue dois grupos de valores: os materialistas e os pós-materialistas. Os primeiros estão associados à satisfação de necessidades básicas, à coesão social e ao crescimento econômico, enquanto os segundos revelam preocupações sociais e individuais com a qualidade de vida, a realização no trabalho, a vida comunitária e a justiça política (Inglehart, 1990). Reinterpretando as teses de Weber sobre o desenvolvimento do capitalismo, Inglehart (1994) considera que, nos valores materialistas, efetua-se uma passagem dos valores religiosos espiritualistas à concepção de um estado laico e materialista. Os valores afetam a maneira em que as pessoas percebem o mundo, suas decisões, preferências e suas ações, influenciadas pelos contextos sociais (Fischer et al., 2011). Ao mesmo tempo, os valores refletem as soluções que os grupos (nações, organizações) desenvolvem para responder aos desafios da existência (Hofstede, 2001; Schwartz, 2005a). Revisamos também a literatura que mostra como os valores influenciam a maneira com que as pessoas percebem o mundo, tomam suas decisões ou decidem quais são suas preferências, influenciadas sempre pelos contextos sociais (Fischer et al., 2011). Finalmente, ressaltamos a necessidade de desenvolvermos uma abordagem dos valores a partir de uma perspectiva psicosociológica. A intenção final foi que o leitor pudesse conhecer como e de onde provém o estudo dos valores sociais. Embora os valores sejam um produto da história das sociedades, eles são adotados pelos indivíduos como se fossem seus e são transmitidos e reforçados por estes enquanto agentes sociais. O grande desafio está em explicar como os valores predominantes na sociedade passam a ser assumidos pelos indivíduos, e vice-versa, como os valores de uma sociedade podem ser alterados quando se alteram os valores das pessoas que a compõem. Psicologia social: temas e teorias 253 GLOSSÁRIO Atitude: processo avaliativo e integral de um objeto/circunstância social, que inclui dimensões e aspectos cognitivos, comportamentais e emocionais, levando a um comportamento final. Cognição Social: na Psicologia Social, teoria que estuda os processos pelos quais interpretamos, analisamos, lembramos e usamos informações sobre o mundo social em que nos desenvolvemos (como pensamos e como damos sentido à informação) (ver Capítulo 3 deste livro). Conduta/Comportamento: conjunto de respostas (presentes ou ausentes) que se expressam em relação a um ambiente e/ou estímulo de forma consciente, inconsciente, voluntária ou involuntária. Conduta/Comportamento social: comportamento que é enquadrado e relacionado aos componentes de um sistema social e suas normas. Cultura: conjunto de saberes de um grupo social transmitidos de geração em geração que permitem orientar e desenvolver as práticas individuais e coletivas de um grupo/sociedade. Dimensão: característica, aspecto, tipologia que permite categorizar e descrever algo (um objeto, um fato, uma categoria). Indicador: característica específica e observável que permite a construção de uma unidade de medida para avaliar um processo, um resultado. Motivação: razão, motivo, causa que induz à realização ou omissão de uma ação. Componente psicossocial que orienta, mantém e determina o comportamento de uma pessoa. Norma: conjunto de regras, diretrizes e critérios que regulam o que se estabelece como desejável, preferível ou correto. Valores: qualidades, características, propriedades que direcionam as ações das pessoas orientando comportamentos (individuais e grupais), dentro da estrutura social. Material Suplementar Livros acadêmicos Álvaro Estramiana, J. L. (coord.). (2018). La interacción social. Escritos en homenaje a José Ramón Torregrosa. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológicas (CIS). ISBN: 9788474767599. Rodríguez Martínez, P. (2021). Cambio de valores en las sociedades del siglo XXI. Madrid: Dykinson, S. L. ISBN: 978-84-1377-870-9 Literatura (Romances) Sloan Wilson (2005). O homem no terno de flanela cinza. Editora Girafa. Descrição: a busca pelo sentido da vida confrontando valores culturais e sociais com os seus próprios valores. 254 Valores Fernando Aramburu (2019). Pátria. Editora ‎ Intrínseca. Descrição: choque entre valores pessoais e culturais. Preconceitos, estereótipos e contradição cognitiva. Khaled Hosseini (2009). A cidade do sol. Editora Escala. Descrição: valores pessoais, culturais, identidade. Audiovisual (filmes, documentários e séries) Filme A onda – (Die Welle). Alemanha. 2008 Direção: Dennis Gansel Descrição: filme baseado no experimento da terceira onda (sobre ideologias autoritárias e ditadores) ocorrido nos EUA. O filme alemão nos mostra o experimento que envolve emular um regime autoritário nas aulas do ensino médio. Babel. EE.UU. México, Japão. 2006 Direção: Alejandro González Iñárritu. Descrição: interculturalidade e marginalização social, valores culturais, respeito e tolerância. Série O gambito da Rainha. EE.UU. 2020 Distribuidor: Netflix. Produtores: Scott Frank, William Horberg e Allan Scott. Descrição: transformação cultural, choque de valores pessoais e sociais. Preconceito e estereótipos. CAPÍTULO 7 INFLUÊNCIA SOCIAL Raimundo Gouveia INTRODUÇÃO O campo de estudos da influência social marca a evolução da psicologia social enquanto ciência, ao mesmo tempo que reflete a própria história da civilização ocidental. Obras como A Lógica Social de Gabriel Tarde, e A Psicologia das Massas, de Gustav Le Bon, ambas lançadas no final do século XIX, são consideradas como bases teóricas que precederam a disciplina que viria a se desenvolver nas décadas seguintes (Álvaro & Garrido, 2003). Gabriel Tarde via a necessidade de compreensão de fenômenos psicológicos, como a imitação, para estudar os fatos sociais. Já Gustav Le Bon acreditava que as multidões eram entidades psicológicas independentes de seus membros, com base na ideia de uma mente coletiva. Ambos consideravam que as aglomerações representavam uma ameaça à sociedade, pois levavam as pessoas a perderem o discernimento e até a civilidade. Esse tema será visto mais detalhadamente no Capítulo 01. Vivia-se o auge da Revolução Industrial e eclodiam movimentos grevistas que reivindicavam mudanças nas relações de poder e ampliação da democracia. Esses movimentos chamavam a atenção para a dependência mútua entre patrões e empregados. Segundo o historiador Eric Hobsbawn (1998), “nunca na história da Europa e poucas vezes em qualquer outro lugar, o revolucionismo foi tão endêmico, tão geral, tão capaz 256 Influência social de se espalhar por propaganda deliberada como contágio espontâneo” (p. 127). Pouco a pouco, as políticas socioeconômicas começaram a refletir a necessidade de adotar a persuasão das massas através de determinados valores e crenças sociais relacionados à importância do trabalho para o desenvolvimento da sociedade (Weber, 2002). Esse cenário sociopolítico resultou em questões que precisavam de respostas. As ideias fundadoras da psicologia social iam nessa direção. De lá para cá, o processo histórico e o conhecimento científico têm levado as ciências sociais, entre as quais a psicologia social, a procurar entender como o senso comum é formado a partir da convivência social. As pessoas dependem umas das outras para compreender e expandir o sentido da realidade. Esse fenômeno é denominado de influência social, e é definido por Solomon Asch (1952/1977) como “a influência de condições sociais na formação e modificação de juízos e opiniões” (p. 379). As pesquisas nesse campo têm observado o modo como as normas sociais e o senso comum são institucionalizados. A maioria dos historiadores (Álvaro & Garrido, 2003) destaca os trabalhos de Sherif e Asch como os mais relevantes na constituição do conceito, servindo como referência para os estudos seguintes. Portanto, as pesquisas sobre a influência social têm buscado observar como a convivência social pode influenciar a formação de crenças, valores, atitudes e opiniões pessoais, compondo as normas sociais e a noção do que é considerado como certo ou errado nas diversas sociedades humanas. Esse tema ganha mais relevância em uma época em que redes sociais digitais são utilizadas para nos convencer, não apenas da qualidade de produtos de consumo, mas também de certos posicionamentos políticos. Segundo Figueira e Santos (2019), “a retórica política continua a manter-se nesse equilíbrio instável onde a imprecisão da linguagem está ao serviço da persuasão e da construção de pós-verdades” (p. 8). O próprio espaço público abriu-se para a discussão de temas como as chamadas fake news, a ponto de o Collins Dictionary ter escolhido esta expressão como a “Palavra do Ano 2017”, após verificar um aumento de 365% do seu uso online. Esse assunto também implica na reflexão sobre a influência da própria ciência no conhecimento partilhado por toda a sociedade. Novos horizontes históricos trazem a necessidade de aprofundamento do conhecimento a partir de novos pontos de vista. Depois de décadas de hegemonia, o conhecimento científico tem sido questionado com base em misticismos religiosos e tecnológicos: O pensamento místico-tecnológico do século atual assinala essa descrença no discurso iluminista e o retorno de soluções místicas, seja pelo retorno da crença de salvação nas religiões, seja na subserviência total às tecnologias e às políticas que se propõem a resgatar um paraíso perdido das nações (Marcondes Filho, 2019, p. 12). Para compreendermos a influência social, é necessário percebermos que o senso comum e as culturas são dinâmicos e sensíveis aos movimentos da história. Aqui, procuramos entender a trajetória percorrida pelos cientistas sociais ao estudar fatores psicológicos, sociais e culturais relacionados a esse campo de conhecimento, bem como sua relação com cenários históricos do passado e do presente. Comecemos pelas ideias que antecederam a consolidação da psicologia social como área de conhecimento. Psicologia social: temas e teorias 257 7.1 QUESTÕES HISTÓRICAS QUE INDICARAM UM NOVO CAMPO DO SABER No final do século XIX, as descobertas científicas despertavam muita curiosidade na sociedade em geral, entre elas a hipnose. McDougall (1926) definiu a sugestão hipnótica como a aceitação de uma proposição na ausência de um fundamento logicamente adequado, baseada em laços sociais e emocionais. Teorias, como átomo, evolução das espécies e contágio bacteriológico, também chamavam a atenção na época. Talvez isso tenha influenciado a compreensão inicial da influência social como um fenômeno que pode levar as massas a desenvolverem uma dependência psicológica diante de indivíduos dotados do poder de liderança. Tarde (1986/1904) estabeleceu a relação entre os fenômenos da imitação e da identificação. Seus efeitos sobre o comportamento individual eram entendidos como produto das relações recíprocas entre as consciências individuais. Polemizando com Durkheim, sustentou que a consciência coletiva não tem uma existência independente dos indivíduos. Processos sociais podem ser explicados pela combinação da interação mental (imitação-contágio) e da inovação de ideias. Criminologista, estatístico e sociólogo, via a psicologia social como uma psicologia intermental ou uma sociologia elementar, cuja unidade de análise eram as ações e interações individuais: Uma multidão de homens reunidos é muito mais crédula do que cada um deles separadamente; porque o simples fato de ter sua atenção concentrada sobre um único objeto é uma espécie de monoidealismo coletivo, assemelhando-se ao estado de sono ou de hipnose, de onde o campo da consciência, singularmente reduzido, é invadido inteiramente pela primeira ideia que se ofereça (Tarde, 1904, p. 73). Le Bon considerava as massas como entidades psicológicas independentes de seus membros. As ações das multidões eram resultado das emoções, e não da razão. Por isso, considerava sua ascensão como sinal de decadência da civilidade. O comportamento compartilhado das massas seria motivado por uma aceitação irrefletida e propensa ao domínio de líderes forjados nas ações sociais. Ele criou o conceito de unidade mental das massas. Para ele, quando se forma uma multidão, surgem certos processos psicológicos que não dizem respeito a indivíduos isolados, ou seja, surgem entidades psicológicas supraindividuais. Essa seria a lei psicológica da unidade mental das massas. Para Álvaro (2006), apesar de certa parcialidade frente aos movimentos sociais, esses autores foram importantes no processo de surgimento da psicologia social como disciplina independente. Juntos tentaram articular as dimensões psicológica e sociológica, avançando os estudos sobre as massas para além dos aspectos criminais, que, até então dominavam este campo. Em busca de uma perspectiva própria da psicologia social, Allport (1924/1985) assumiu que o papel desta disciplina era explicar como os pensamentos, sentimentos e comportamentos dos indivíduos são influenciados pela presença implícita ou explícita de outros indivíduos ou grupos. Com esses pressupostos, estabeleceu a conduta social como objeto de estudo, definindo-a como “as estimulações e reações que surgem entre os indivíduos e seu meio social, isto é, entre os mesmos indivíduos” (p. 3). 258 Influência social Sua tese é que o estímulo social em uma situação de multidão é de caráter sugestivo, mas depende das reações individuais: Os membros de uma multidão podem ser sugestionados nas mãos de um líder, mas tal sugestão deve estar sempre em consonância com alguma poderosa resposta do indivíduo na mesma direção. Portanto, o indivíduo é a razão de ser da multidão. Sua resposta não só promove o motivo para a conduta coletiva, como limita sua direção. A ação é facilitada e intensificada através da presença da multidão, mas aquela tem sua origem nos impulsos individuais (Allport, 1985, p. 295). Dessa perspectiva, esse autor propôs o conceito de facilitação social ao demonstrar que a realização de uma tarefa é incrementada pela simples presença de outras pessoas realizando a mesma tarefa. Allport (1985) também realizou uma pesquisa experimental que demonstrava uma tendência dos indivíduos a expressarem julgamentos menos extremistas e mais conservadores na presença de outros, do que isoladamente. Do ponto de vista metodológico, adotou o experimentalismo, muito embora tecesse algumas críticas a suas limitações, em especial, a generalização de estudos realizados em laboratório. De fato, o rigor metodológico dos planejamentos experimentais não garante necessariamente uma interpretação teórica correta e definitiva. Estudos clássicos foram alvo de várias reinterpretações teóricas. Por outro lado, análises fenomenológicas, como as que foram realizadas por Le Bon e Tarde, à guisa de explicações do comportamento social, de certo modo podem ser criticadas pela falta de evidências empíricas que lhes permitissem ser tomadas como referências teóricas de uma nova disciplina que veio a se consolidar como predominantemente experimental. 7.2 SHERIF E A INTERNALIZAÇÃO DA INFLUÊNCIA SOCIAL Avançando nas tentativas de estabelecer bases empíricas para o conhecimento sobre a influência social, Muzafer Sherif investigou o compartilhamento de padrões de conduta formados através do contato social. Partiu do conceito de quadro de referência, definido como um contexto comparativo de estruturas referenciais compartilhadas, desenvolvidas e internalizadas, visando introduzir ordem, estabilidade e coerência nas relações sociais. Sua questão inicial era que o indivíduo apresenta uma tendência a organizar suas experiências a partir de estímulos internos e externos, estabelecendo limites e atribuindo significados àquilo que é vivenciado (Sherif, 1936). Pretendia estabelecer a ligação entre a formação das normas sociais e o desenvolvimento do consenso dentro do grupo. Sua hipótese era que um sujeito recorreria às suas próprias crenças e atitudes quando colocado em uma situação na qual não dispusesse de um quadro de referência externo; mas, numa situação grupal, cada um seguiria o comportamento do outro como padrão organizador de seu próprio comportamento. Ele adotou a analogia entre os quadros de referências externos e as normas sociais, refletindo os valores sociais ligados às convicções ou crenças a respeito do que pode ser considerado como certo ou errado. 259 Psicologia social: temas e teorias A situação experimental foi inspirada no efeito autocinético, que consiste na percepção ilusória de movimentos na ausência de pontos de referência. Em uma sala escura, projetava um ponto luminoso em uma parede à cinco metros de distância. Então, pedia aos participantes que marcassem o surgimento e o desaparecimento desse ponto de luz e estimassem, em voz alta, a distância que teria “percorrido”. Alguns passavam por essa situação primeiro sozinhos, depois com um colega e em seguida sozinhos novamente. Outros passavam primeiro com um colega e depois sozinhos (Sherif, 1936). Os resultados demostraram que se produzia um padrão pessoal de estimativas para cada sujeito. Quando o experimento começava na condição em grupo, os participantes utilizavam o comportamento dos outros na construção de seu padrão pessoal, o qual continuava a ser utilizado na situação isolada que se seguia. Já os que construíam primeiro individualmente o próprio quadro de referência, faziam com que ele convergisse na direção às estimativas dos outros nas sessões em grupo (ver Figura 1). Embora essa convergência variasse em extensão e se mostrasse menos forte do que quando não partia de nenhum quadro de referência externo, a convergência individual em sessões de grupo foi universal. Sherif concluiu que a tendência para a auto-organização da experiência se confirmava e tinha como base ora o comportamento próprio, ora o dos outros. Também observou que a influência dos outros parecia mais decisiva, permanecendo igual ou mais forte na ausência daqueles. sujeito A sujeito B sujeito C sozinho em grupo sozinho Figura 1 - Exemplo dos resultados obtidos por Sherif (1936). Sherif concluiu que a norma coletiva internalizada não representava um efeito de submissão – já que permanecia nas situações individuais posteriores – e sim uma aceitação das informações expressas pelo outro. Também ficou demonstrado que as pessoas internalizam as normas dos grupos e que este efeito permanece no tempo. As principais imprecisões apontadas posteriormente na teoria de Sherif dizem respeito tanto à analogia entre o padrão pessoal de estimativas e as atitudes e crenças consideradas como referências individuais, quanto ao padrão grupal considerado como análogo às normas sociais. Embora possa ser usado como quadro externo de referência, o padrão grupal tem um aspecto contingencial que o diferencia das normas sociais, no que se refere à generalização ou padronização comportamental 260 Influência social (Garcia-Marques, 1993). O fato de não envolverem problemas reais e consequentes, somado ao caráter monótono da tarefa (repetida de 100 a 300 vezes), poderia produzir respostas que não expressassem necessariamente uma atitude a respeito do assunto. Mesmo não sendo considerados conclusivos em termos conceituais, essa pesquisa estabeleceu argumentos empíricos para a adoção de uma perspectiva psicossocial na explicação do comportamento humano. Por isso, ganhou grande relevância histórica e tornou-se uma referência clássica para as pesquisas posteriores. 7.4 ASCH E A CONFORMAÇÃO DIANTE DE UMA POSIÇÃO MAJORITÁRIA Inicialmente, a psicologia social desenvolveu-se em direção à sociologia. A partir dos anos 1930, a orientação mais psicológica afirmou-se mais, por se ajustar melhor às regras metodológicas do positivismo lógico. Além disso, as ciências sociais receberam a influência da teoria da evolução das espécies de Darwin, compondo uma corrente que ficou conhecida como evolucionismo social. Segundo Álvaro (1995), o evolucionismo social determinou uma mudança de rumo na psicologia, que deixou de interessar-se pelo estudo da estrutura da mente (elementarismo de Wundt) para prestar atenção nos processos de evolução e às suas funções. Por outro lado, a psicologia da gestalt destacou a importância de se estudar a percepção social a partir da ideia de que este processo se dá através de uma estrutura mental. A fusão entre as visões teóricas do gestaltismo e o rigor metodológico do positivismo resultou mais tarde no movimento conhecido como cognitivismo social (ver capítulo Cognição Social). Referindo-se à visão do sujeito passivo diante da influência da sociedade, Sampson (1983) diz que “o cognitivismo vem mudar essa perspectiva, oferecendo-nos uma realidade passiva sobre a qual a pessoa cognitivamente ativa escreve” (p. 734). Nessa abordagem, os estímulos sociais (S) não influenciam as pessoas indiscriminadamente, uma vez que seus efeitos (R) dependem da interpretação de quem os recebe, considerando suas expectativas e os padrões de comparação. Desde sua origem, o cognitivismo social priorizou os níveis de análise intra e interindividual. Como explica Berkowitz (1962), um de seus representantes, “o estudo dos grupos é, em última instância, um problema da psicologia individual. São os indivíduos que decidem ir à guerra; são os indivíduos que lutam nas batalhas e são os indivíduos que decidem pela paz” (p. 167). De certo modo, essa visão resultou em um afastamento da psicologia social do estudo dos grupos sociais mais amplos, inclusive das categorias sociais. Porém, trouxe grandes contribuições à afirmação da disciplina, colocando-a em posição mais relevante entre as ciências sociais. Uma das primeiras contribuições do cognitivismo foi desenvolvida por Heider (1944), adaptando o conceito de homeostasia, próprio da fisiologia, para o campo psicológico. Segundo essa ideia, há uma propriedade em determinados seres vivos de manterem em equilíbrio todas as suas funções e a própria constituição química dos seus tecidos, apesar das variações do meio ambiente. Com o paradigma do equilíbrio cognitivo, Heider mudou os rumos da psicologia social e influenciou novos pesquisa- Psicologia social: temas e teorias 261 dores. Seu discípulo Festinger (1957) criticou os modelos da aprendizagem social, ajudando a solidificar a ideia de que a mente e o comportamento humanos são motivados pelo equilíbrio interno e não por uma recompensa (ou reforço). Segundo a teoria da comparação social de Festinger (1954), o indivíduo tem uma tendência para avaliar a si mesmo, e só se avalia por comparação com os outros na ausência de meios não sociais objetivos. A partir dessa nova perspectiva de análise, a influência social voltou a despertar o interesse dos pesquisadores, focalizando mais o sujeito-alvo. Vivia-se ainda o período de pós Segunda Guerra Mundial e tentava-se entender por que as populações de vários países teriam apoiado ou permanecido indiferentes a regimes políticos considerados fascistas. Nesse contexto, Solomon Asch (1952/1977) mostrou-se insatisfeito com as teorias baseadas no que ele denominou de sonambulismo social, que supunham a submissão como um traço inerente à natureza humana. Ele destacou a capacidade humana de processar informações, considerando a influência como um processo de concessões recíprocas. Nessa perspectiva, Asch fez uma série de investigações sobre a influência da pressão grupal. Diferentemente de Sherif, procurou criar uma situação experimental que oferecesse aos sujeitos uma evidência clara da resolução de um problema concreto. Sua intenção era demonstrar que as pessoas seriam capazes de resistir à sugestão “irracional” e à pressão social, se dispusessem de informações objetivas para se apoiar. Foram constituídos pequenos grupos de estudantes universitários do sexo masculino, aos quais foram mostrados dois cartões com linhas verticais pretas (ver Figura 2). Um continha uma única linha (padrão), enquanto o outro possuía três linhas de tamanhos diferentes (comparação). Pedia-se aos participantes que dissessem, em voz alta, qual das linhas do cartão de comparação correspondia ao tamanho da linha padrão. Aparentemente, a tarefa era muito fácil de resolver, considerando-se a discrepância de tamanho entre as linhas de comparação e a proximidade do cartão de comparação. No entanto, havia uma informação da qual o participante não dispunha: ele era o único sujeito a ser testado na situação experimental. Os outros membros do grupo eram assistentes treinados, que davam respostas erradas em determinadas ocasiões. O participante verdadeiro era deixado entre os últimos a responder. No experimento original, foram solicitados doze julgamentos e, em sete deles, os assistentes respondiam com estimativas erradas que variavam em grau de discrepância. Figura 2 - Modelo dos cartões utilizados por Asch: à esquerda a linha padrão X e à direita as linhas de comparação A, B e C. 262 Influência social Aparentemente, a maioria dos participantes manteve as próprias estimativas, no entanto, um terço submeteu-se à pressão social. Apesar das evidências contrárias, esse subgrupo conformou-se com a posição majoritária. A análise das entrevistas realizadas a posteriori revelou (1) que todos os participantes verdadeiros experimentaram visível desconforto diante da situação (pelo menos 75% deu alguma resposta errada); e (2) que sua principal preocupação era fundamentar as próprias opiniões, sem questionar as do grupo. Muitos revelavam até sentir dúvidas quanto à exatidão de sua percepção ou tentavam fugir da situação de conflito cedendo à pressão do grupo. Em conclusão: dispondo de informações objetivas, a maioria das pessoas eram capazes de resistir à sugestão irracional e à pressão social. Desse modo, a atividade cognitiva individual aparece como argumento contrário à tese do chamado sonambulismo social. No entanto, não se podia ignorar que uma “norma” contrária aos fatos provocava tensão e incerteza nos sujeitos, por ocuparem uma posição dissidente. Tal inquietação chamou mais atenção do que a própria confirmação das hipóteses. Várias pesquisas têm sido feitas, ao longo do tempo, utilizando esse modelo. Um levantamento bibliográfico publicado em 2011, apresenta estudos mais recentes sobre a conformidade, detalhando algumas características do fenômeno. Fischer e Vauclair (2011) citam pesquisas de Bond e Smith (1996) que constataram uma diminuição dos índices de conformidade em relação aos anos e a algumas condições estudadas: um material muito ambíguo aumenta os índices; assim como os grupos de pares (estudantes da mesma universidade); notaram também que os índices são mais altos em sociedades mais coletivistas. No Brasil, cuja cultura é considerada coletivista (Rodrigues, 1983), os índices são muito mais altos do que em países de cultura individualista, tais como Estados Unidos e Inglaterra. No entanto, os revisionistas afirmam que, em média, aqui também há uma diminuição geral e progressiva desses índices. Ela é atribuída ao avanço da globalização da cultura individualista, caracterizada por maior liberdade individual e menor pressão social sobre os indivíduos. Asch demonstrou um desequilíbrio entre a atitude do sujeito, que o predispõe a agir de acordo com a sua percepção, e o seu comportamento aquiescente diante da pressão grupal (Freedman, Carlsmith, & Sears, 1976). Inspirado em Heider e na tendência à busca de equilíbrio, Festinger (1957) concebeu a teoria da dissonância cognitiva, com o objetivo de explicar e prever as mudanças de atitudes (ver capítulo sobre a Cognição Social). Ela considera que a pessoa tende a reestabelecer o equilíbrio entre comportamentos, crenças e motivações, que tenha sido quebrado por alguma contradição entre estas instâncias. No entanto, há críticos que discordam dessa perspectiva, afirmando que a teoria de Festinger situa um produto da vida social (a dissonância) como se fosse um impulso na mente dos indivíduos. De acordo com esse raciocínio, uma situação de conflito social é reduzida a um mecanismo de desequilíbrio individual (Álvaro, 2006). Álvaro argumenta que a percepção do conflito como fator estressante é reflexo de tendências sociais que tiveram lugar no crescimento da economia baseada no mercado e o consequente reforço de um ethos de individualismo possessivo, característico da sociedade de consumo. Assim, reforçou-se a visão do conflito como uma força destrutiva que interfere nas habilidades pessoais e na atitude diante da influência. Psicologia social: temas e teorias 263 Em sua análise das teorias sobre a influência social, Turner (1991) avalia que as normas sociais proporcionam ordem, coerência e estabilidade, seja nas dimensões macrossociais, históricas e culturais, seja nas condutas individuais e nas relações interpessoais. Defende a ideia segundo a qual “os grupos tendem a se tornar mais extremos em relação às suas tendências [e as] informações alinhadas com as tendências dominantes do grupo são percebidas como mais persuasivas” (p. 78). Seu argumento é que esse viés conformista manteve a interpretação da dependência como traço dominante nas teorias sobre a influência social. Trata-se, portanto, de um modelo funcionalista de explicação da influência como controle social e manutenção do status quo, através da adaptação a normas e papéis sociais preestabelecidos. De qualquer modo, além da pressão social, há outros fatores relacionados à influência, entre eles a persuasão. 7.5 PERSUASÃO, MÍDIA E DEMOCRACIA Até meados do século XX, predominou na psicologia social uma preocupação com o acúmulo de conhecimentos, que resultou no predomínio de procedimentos metodológicos que utilizavam escalas de aferição das atitudes. Desse modo, Hovland, Janis e Kelley (1953) estudaram a comunicação persuasiva e a mudança atitudinal em soldados norte-americanos diante da guerra. Eles mediram a influência de filmes oficiais sobre as atitudes das tropas. As atitudes são disposições ou tendências a responder positiva ou negativamente diante de certa classe de objetos (ideias, pessoas ou situações) (ver capítulo de Atitudes). A partir de uma visão neocomportamentalista, propunham substituir o conceito de reforço pelo de incentivo. A mudança de atitude é definida como uma modificação de hábitos verbais que resulta da aprendizagem. Visavam uma tecnologia da mudança de atitude pela comunicação persuasiva, determinando os efeitos dos três elementos que formam a persuasão – comunicador, mensagem e público – na mudança de atitude dos sujeitos. Algumas das conclusões em relação ao processo de persuasão: 1. Comunicador: a mudança de atitude é mais provável quando o emissor da mensagem é percebido como inteligente e confiável; 2. Mensagem: a mensagem mostra-se mais persuasiva quando é afirmativa do que quando deixa que a audiência tire as suas próprias conclusões. Do mesmo modo, o processo de persuasão é menos eficaz quando a mensagem provoca um alto grau de temor na audiência, enquanto que as mensagens unilaterais são mais efetivas se a audiência não tem informações sobre o tema ou se já está predisposta a concordar; 3. Audiência: características pessoais, como neuroses e grau de autoestima influem na persuasão, ao contrário da inteligência (Janis, 1954). Muitas críticas surgiram contra esse modelo de aprendizagem, pois ele reforça a imagem de que a pessoa responde de forma passiva a influências unidirecionadas do meio. Segundo Festinger (1957), o papel do reforço é o contrário do que acredita Hovland: quanto menor ele for, maior será a probabilidade de produzir mudança na 264 Influência social atitude para diminuir a dissonância. Álvaro e Garrido (2003) acreditam que ele só considerou os conteúdos da mensagem e deixou de lado o contexto sociocultural, no qual ocorrem o processo comunicativo e as relações de poder. Ainda surgiram outras tentativas de compreender a comunicação de massa e sua influência. Uma delas é a teoria da influência pessoal, de Katz e Lazarfield (1955), na qual os efeitos dos meios de comunicação não são diretos, mas mediados pelas relações sociais e pelo pertencimento a diferentes grupos. As pessoas teriam atitudes mais ativas ou mais passivas diante dos meios de comunicação. Por exemplo, os líderes de opinião teriam um papel determinante na repercussão da comunicação de massa, já que utilizariam a mídia mais frequentemente, teriam relações sociais mais variadas e se perceberiam (e seriam percebidos) como influentes. Nos dias de hoje, a comunicação via mídia digital afirmou-se como estratégia de persuasão (definida no Dicionário Oxford como uma certeza fortemente estabelecida, uma convicção) usada tanto no mundo dos negócios quanto da política. O papel de líder de opinião passou a ser mais acessível e menos regulado. Os chamados influenciadores digitais têm assumido certa relevância em setores variados da sociedade, dependendo do número de “seguidores” que mantêm seu poder de propagação de conteúdo. A tecnologia persuasiva tem desenvolvido sistemas interativos de computação elaborados para influenciar atitudes e comportamentos das pessoas, a exemplo dos algoritmos que guiam a propaganda segmentada a partir do perfil do alvo (Fischer & Vauclair, 2011). A mídia tornou-se mais democrática e menos comprometida com o sistema organizacional do jornalismo tradicional. Isso faz com que, muitas vezes, represente uma ameaça à própria democracia. O novo ecossistema mediático online assume as redes sociais como o seu centro, onde coabitam media, utilizadores comuns e novos gatekeepers. Num espaço em que a desintermediação é cada vez maior, notícias falsas propagam-se com a ajuda de algoritmos automatizados. É a denominada era da “pós-verdade” ou dos “factos alternativos”, em que a distorção da realidade transita do online para o offline com capacidade de influenciar eleições. (Figueira & Santos, 2019, p. 63). A manipulação da informação na retórica não é novidade na política. No entanto, hoje ela é potencializada pelos recursos tecnológicos e pode adquirir dimensões imprevisíveis. Segundo Figueira e Santos, “a retórica política continua a manter-se nesse equilíbrio instável onde a imprecisão da linguagem está ao serviço da persuasão e da construção de pós-verdades” (2019, p. 8). Os autores referem-se à desinformação deliberada com a intensão de manipular a opinião pública e influenciar os posicionamentos políticos. Episódios, como campanhas presidenciais americanas em 2016 e brasileiras em 2018, assim como a consulta pública do Brexit no Reino Unido, trouxeram a questão das fake news para o centro do debate político. Castells (2003, 2012) reconhece que as redes sociais digitais potencializam novas formas de movimentos sociais, mas as diferencia das comunidades offline. Estas últimas caracterizam-se por laços fortes de interação social, identificação e interesses comuns. Já na rede digital, sem localização geográfica e com laços mais fracos, os grupos recebem a interferência de indivíduos mais dispersos e menos comprometidos com os objetivos comuns. Psicologia social: temas e teorias 265 Em outras palavras, a democratização midiática proporcionou o reconhecimento da capacidade de todos defenderem seus posicionamentos, influenciando o debate público e as ações políticas. Como consequência colateral, deu voz a autores/atores pouco ou nada comprometidos com códigos de conduta que regulem a responsabilidade pela propagação de informações. Muitos influenciadores adotam preferências, interesses e emoções pessoais como critérios de avaliação de conteúdo, tendo como motivação as interações geradas na rede. Tais preferências e emoções servem como elementos mobilizadores, ligados a sentimentos de pertença grupal (Castells, 2003; Gouveia, Ribeiro, & Souza, 2016), de ações coletivas com potencial capacidade de influência social e política (ver capítulo de Emoções). O que tem causado preocupação com as ações desses produtores e disseminadores não profissionais de notícias é a falta de comprometimento ético. Paul (2017) analisou algumas publicações realizadas por não jornalistas, no que diz respeito à orientação moral. Ele identificou basicamente dois tipos de princípios éticos subjacentes: um de orientação teleológica, que considera principalmente a intencionalidade e a justificação de finalidades; e outro, de orientação deontológica, baseado no dever, no cumprimento de regras e obrigações. Quando muito, tais conteúdos mostram-se mais guiados por princípios éticos prescritivos, fundamentados na obediência burocrática a determinadas regras morais, do que por princípios de responsabilidade social mais dialógicos (Spink, 2000). A influência desses agentes sociais surge como campo promissor de investigações para os psicólogos sociais. De acordo com Camino (2005), as pesquisas exaustivas sobre atitudes e mudanças de atitude representam um esforço dos psicólogos sociais para aproximar a psicologia social das expectativas da sociedade, através da busca de relevância social para os estudos desta disciplina. No período pós-guerra, assim como hoje, havia a expectativa de prever as consequências dos regimes autoritários nas atitudes dos cidadãos, considerando o respeito à dignidade humana. Vejamos a seguir o paradigma clássico na psicologia social sobre a obediência à autoridade, o qual provocou polêmica no que diz respeito à orientação ética inerente a seus procedimentos metodológicos. 7.6 OBEDIÊNCIA À AUTORIDADE: EXPERIMENTOS DE MILGRAM O pesquisador da Universidade de Yale Stanley Milgram apresentou uma série de pesquisas sobre a obediência e provocou grande debate a respeito da interpretação de resultados obtidos e da ética dos procedimentos adotados. Seu objetivo era analisar as condições que podem levar uma pessoa a obedecer a ordens que colocariam em risco a integridade física de quem não representava nenhuma ameaça. Vamos descrever um pouco mais detalhadamente a situação experimental, para dar oportunidade ao leitor de analisar melhor os resultados obtidos e as conclusões a que ele chegou. Um dos estudos mais importantes de Milgram, realizado em 1963, contou com a participação de (Milgram, 1963) 40 pessoas com idades entre 20 e 50 anos, de classes sociais e profissões variadas, recrutadas através de anúncios em jornais, de New Haven, e cuja participação foi remunerada com quatro dólares americanos. Cada pessoa 266 Influência social (sujeito) era recebida no laboratório da universidade juntamente com outra (que, na verdade, era um assistente do pesquisador). Ela era informada que se tratava de uma pesquisa científica sobre os efeitos da punição na aprendizagem, para a qual era necessário que assumissem os papéis de instrutor (assistente) e aprendiz (sujeito). A simulação de um sorteio atribuía ao participante o papel de instrutor e o de aprendiz ao assistente do pesquisador. O assistente era levado a uma sala contígua e atado, diante do sujeito participante, a uma cadeira “eletrificada”, justificada pela necessidade de evitar movimentos bruscos durante os choques vindos de um eletrodo preso aos pulsos (ver Figura 3). Respondendo a uma pergunta do assistente, o pesquisador dizia que os choques podiam ser extremamente dolorosos, mas não causariam danos aos tecidos epidérmicos. Então, o assistente (“aprendiz”) citava uma possível condição cardíaca frágil, ao que o experimentador respondia que era seguro, e aplicava um choque de 45 volts no “instrutor” para que este ficasse convencido da veracidade da situação. Figura 3 - layout de sala utilizada por Milgram em seu experimento. A tarefa de aprendizagem consistia na memorização, pelo aprendiz, de pares de palavras lidas em voz alta pelo instrutor, que depois repetia uma palavra de cada par e dava quatro alternativas de respostas. Usava um painel luminoso do gerador de choques, o qual também indicava a intensidade dos choques em volts e nomeava sua intensidade em etiquetas (por exemplo, “45v – choque ligeiro”, “300v – perigo, choque severo”, ou simplesmente “450v – XXX”). O sujeito era instruído a administrar um choque sempre que o assistente cometesse um erro, aumentando a intensidade a cada erro e anunciando em voz alta a voltagem do choque. Na verdade, o gerador só provocava choques de 45 volts. O assistente cometia um terço de erros, a não reagia até os 300 volts e, depois disso, uma gravação de áudio dava a impressão de que ele batia na parede com a mão livre e, em seguida, não respondia mais. Se cogitasse parar, o sujeito era incitado, pelo experimentador responsável, a continuar mediante uma série de quatro estímulos verbais, em nome do sucesso da experiência. No entanto, o estudo Psicologia social: temas e teorias 267 não pretendia verificar o efeito da punição na aprendizagem. Seu objetivo verdadeiro era estabelecer índices de obediência à autoridade medindo a intensidade dos choques que o sujeito (“instrutor”) administraria no assistente (“aprendiz”). Os resultados surpreenderam os próprios pesquisadores. A estimativa de psiquiatras consultados era que a maioria dos sujeitos não ultrapassaria os 150 volts e que apenas portadores de psicopatia – estimados em 0,2% da população dos Estados Unidos na época – chegariam aos 450 volts. No entanto, constatou-se que 88% dos participantes ultrapassaram os 300 volts e 65% foram até os 450 volts. O autor (Milgram,1963) concluiu que “uma proporção substancial de pessoas faz o que lhe mandam, qualquer que seja o conteúdo do ato e sem entraves de consciência [sic], desde que considerem o comando como emitido por uma autoridade legítima” (p. 75). A análise das entrevistas pós-experimentais e das filmagens mostra que os sujeitos acreditaram na veracidade da situação e que a viveram sob extrema tensão, embora o autor tenha concluído pela ausência de “entraves de consciência”. Apesar de que, os procedimentos metodológicos e éticos seguissem os padrões exigidos na ocasião. Ainda foram realizadas algumas variações do estudo, nas quais se modificavam a proximidade do sujeito para com a suposta “vítima” (assistente), a proximidade do experimentador para com o sujeito, o prestígio do experimentador, a localização fora da universidade, entre outras variações. Em quase todas elas, foram obtidos resultados aproximados. Uma das situações em que se destacou uma maior diferença nos resultados foi quando se colocava um aliado dividindo a função de “instrutor”, o qual, em alguns casos, aplicava choques até o máximo da voltagem e, em outros, se recusava a continuar no meio do experimento. Observou-se que a influência desse aliado era mais eficaz na promoção da desobediência do que da obediência (Milgram, 1974). Esses resultados podem ser encarados como a constatação de uma tendência generalizada das pessoas à obediência cega? Antes de concordar, é preciso refletir sobre alguns aspectos dos procedimentos adotados. Em primeiro lugar, o recrutamento dos participantes através de anúncios de jornal pode ter atraído participantes com tendência a serem mais sugestionáveis ao meio acadêmico e ao ambiente do laboratório. Embora a experiência tenha sido repetida em outros ambientes fora do campus universitário, a ciência enquanto instituição continuava, de algum modo, fazendo parte da situação. Por não serem estudantes universitários afeitos a situações como essa, como é mais comum, pode ter ocorrido um sentimento de estranheza nos voluntários diante da situação. Seguiram-se à publicação muitas reflexões sobre os rumos tomados pelas teorias sobre influência social. As teorias baseadas no paradigma da dependência da informação consideram o poder de quem a detém como a base da influência. Esse ponto de vista reduz a influência a um processo unilateral de submissão à pressão social. No entanto, Moscovici (1976) sustenta que o poder e a influência são processos diferentes e que as pessoas só se submetem à influência quando se consideram impotentes. Desse ponto de vista, o poder pode provocar uma concordância superficial ou resistência, já a influência pode provocar uma mudança de percepção mais profunda e permanente. As teorias baseadas no conformismo representam uma visão fundamentada na dicotomia entre 268 Influência social o indivíduo e a sociedade, entre a realidade física e a social. É preciso fazer uma diferenciação entre a percepção, propriamente dita, e a atribuição de significados que ela promove. A percepção estaria relacionada ao processamento de informação, e a atribuição de significados a um contexto interacional e comunicativo. Qual a importância do objeto da influência na vida das pessoas a quem se pretende influenciar? Há normas sociais que preconizam a concordância com pessoas consideradas como experts, embora elas também possam errar. Como analisa Turner (1991), “a certeza individual não é associal. A incerteza é um produto de relações sociais conflituosas, e o que conta como informação é definido pelas normas e valores sociais [...]. A necessidade de informações é um produto da influência” (p. 85). Isso significa que a eficácia da persuasão depende da relação entre comunicadores e público-alvo em uma determinada situação. Moscovici e Turner referiam-se a Deutsch e Gerard (1955), que categorizaram a influência a partir de dois tipos distintos de motivação: o normativo e o informativo. A influência normativa refere-se a situações em que há, nos indivíduos, a necessidade de aceitação pelo grupo e o medo de frustrar suas expectativas. É o que parece acontecer na situação apresentada por Asch, na qual o participante é pressionado pelas respostas de uma maioria (composta por colegas da mesma universidade) que o leva a reavaliar suas próprias percepções. Apesar de ser menos estudada, sabe-se que a influência normativa depende da expectativa de interação em relação ao grupo e do grau de controle que este exerce em seus membros. Na motivação informativa, a influência acontece quando as pessoas necessitam das qualidades ou conhecimentos dos quais o grupo dispõe. Esse é o tipo estudado por Sherif, no qual o sujeito aceita a posição do grupo para obter informações. Nesses casos, o grau de incerteza do sujeito é decisivo. Moscovici sugeriu um terceiro tipo de motivação: a inovação. Ele evidenciou a possibilidade de uma minoria, dotada de habilidades persuasivas, provocar uma reavaliação das crenças e normas grupais. Isso representa uma visão do poder da influência e da persuasão que leva em consideração os movimentos de mudança da ordem social surgidos a partir da segunda metade do século XX. 7.7 O PODER INOVADOR DAS MINORIAS ATIVAS Moscovici, Lage e Nafrechoux, (1969) analisaram a influência social levando em conta a nova conjuntura política, social e cultural que estava se compondo na época, a exemplo da Contracultura. Para isso, reinterpretaram os resultados dos paradigmas clássicos a partir de novos pontos de vista. Nos estudos de Sherif, por exemplo, verificaram que a ausência de um quadro de referência leva os indivíduos a fazerem concessões mútuas até chegarem a uma posição consensual sobre determinada questão. Já nos estudos de Asch, constataram que a ambiguidade da situação não é uma condição imprescindível para o conformismo. Aqui é importante ressaltar que esses autores não falaram dos trabalhos de Milgram sobre a obediência à autoridade, pois o consideraram como uma variação dos trabalhos de Asch sobre o conformismo. Essa Psicologia social: temas e teorias 269 análise resultou na renovação de dois conceitos básicos. (1) A influência passou a ser observada além do comportamento manifesto, considerando a assimilação da mudança de percepção. (2) Já os conceitos de minoria e maioria adquiriram uma dimensão qualitativa. Ou seja, incorporaram o aspecto hegemônico dos padrões sociais. Os pesquisadores constataram, nos resultados de Asch, o baixo índice de aceitação privada da posição majoritária na situação experimental. Muitos afirmaram, em entrevista posterior ao experimento, que sabiam que as respostas da maioria estavam erradas, mas a seguiam para evitar conflitos. Eles interpretaram que, embora os participantes se percebessem em uma posição minoritária quanto às próprias percepções, intimamente podiam intuir que faziam parte de uma maioria, que concordaria com os seus posicionamentos diante do problema apresentado. Portanto, as pessoas não respondiam à situação apenas a partir de suas percepções imediatas. Aplicavam convenções compartilhadas culturalmente, por não se sentirem isoladas psicologicamente. Como argumento a favor da ideia de motivação para a inovação, destacaram mais a negociação coletiva para definir uma realidade coerente e estável do que a troca de informações, ou a busca de prestígio no grupo. Mais do que uma tentativa de redução da incerteza cognitiva, o conflito social assumiu o lugar de principal motivação do processo de influência social. Moscovici avalia que a psicologia social sempre se interessou mais pela influência dos grupos sobre os indivíduos, do que pela possibilidade de mudança das normas grupais. Isso, segundo ele, pressupõe uma distorção da conformidade, uma busca de adaptação motivada pela aversão ao conflito. Assim, propõe a ideia de inovação, na qual o conflito tem a função de provocar as mudanças necessárias à evolução do grupo. Argumenta que o conformismo pode ser antiadaptativo, já que as necessidades dos grupos mudam de acordo com as situações e as épocas. Em suas palavras (Moscovici, 2003): “o que faltou, aparentemente, a esses modelos foi tensão, um intercâmbio entre o emissor e o receptor do conhecimento. A difusão é aqui reduzida a uma série infindável de escolhas individuais e aceitação de conhecimento” (p. 362). A partir daí os pesquisadores formularam sua principal hipótese: para convencer um grupo e mudar suas normas, uma minoria deve expressar opiniões consistentes e coerentes com suas atitudes (Moscovici, Lage, & Nafrechoux, 1969). Consideraram que o estilo da argumentação pode levar uma minoria a conseguir influenciar padrões hegemônicos. O estilo consistente de argumentação deveria apresentar algumas características especiais: 1. Romper a norma estabelecida e produzir dúvida e incerteza na maioria; 2. Tornar-se visível, chamando a atenção para si mesma; 3. Mostrar que há um ponto de vista alternativo e coerente além do convencional; 4. Demonstrar certeza, confiança e comprometimento em seu ponto de vista; 5. Deixar claro seu compromisso com o grupo; 6. Inferir que a solução para restaurar a estabilidade social e a coerência cognitiva é a mudança de ponto de vista. 270 Influência social Note-se que a posição de dissidência vai além do conflito em busca da negociação. Essas características compõem uma retórica persuasiva, que tenta estabelecer uma norma alternativa, percebida como diferente, plausível, espontânea e coerente com a realidade objetiva, evitando a rigidez. Além da influência minoritária, os pesquisadores testaram um modelo de explicação do tipo de influência: a influência normativa, que ocorre de forma pública e direta, como na situação criada por Asch; e a influência informativa, que ocorre de maneira privada e indireta, como no caso dos estudos de Sherif. Acreditavam que, no primeiro caso, havia uma aquiescência aparente diante da norma, enquanto que, no segundo caso, havia uma concordância plena diante da norma. Então, foi criada uma situação experimental apresentada como uma pesquisa sobre a percepção de cores. Seis participantes (entre os quais estavam dois comparsas) foram submetidos a um teste de acuidade visual que tinha dupla função: eliminar participantes com problemas de visão e demonstrar que todos eram capazes de distinguir cores. O teste Farnsworth Munsell 100 sobre a percepção de cores – círculos que variam ligeiramente em coloração entre azul e verde – foi aplicado individualmente, pedindo-se que nomeassem a cor de cada círculo. Depois, foram projetados 32 slides azuis esverdeados, e pediu-se a indicação de sua cor. Os julgamentos eram anunciados publicamente e dois assistentes do pesquisador infiltrados no grupo, como se fossem sujeitos verdadeiros, repetiam a mesma resposta em relação à cor azul, dizendo que era verde. Foram mensuradas as respostas “verde” dadas pelos participantes verdadeiros. Como podemos notar, houve uma inversão da situação experimental de Asch. Enquanto lá a tentativa de influenciar um sujeito único partia de 6 a 8 assistentes que se passavam por sujeitos, aqui partia de dois falsos sujeitos diante de 6 sujeitos verdadeiros. Ao final da projeção era aplicado novamente o teste de percepção de cores, para verificar até que ponto as respostas da minoria tinham modificado o limiar entre o azul e o verde nos participantes verdadeiros. Essa diferenciação foi tomada como evidência de que a influência tinha atingido o nível perceptivo, ou seja, de que os participantes estavam realmente convencidos. Portanto, ficava evidente uma mudança perceptiva, e não apenas posicional. A análise dos resultados demonstrou que houve uma média de 8% de respostas “verde” pelos participantes verdadeiros; 44% deles mudaram suas respostas de azul para verde em, pelo menos, quatro das 36 respostas; 32% mantiveram “azul” como resposta, criando duas categorias: os que foram influenciados e os que não o foram. No grupo experimental, no qual não havia a intervenção dos assistentes se passando por sujeitos, todos os discos foram julgados de forma ambígua, com divergência de respostas em algum grau, o que indica a alteração do critério de julgamento. Em seguida, de forma privada, foi verificada a mudança perceptiva da cor do slide (de azul para verde), ou seja, a influência indireta, privada e latente (de acordo com definição que se segue na sessão 6.1). Psicologia social: temas e teorias 271 Moscovici & Faucheux (1972) concluíram que uma minoria de indivíduos pode ter um impacto (moderado) nas respostas públicas de uma maioria, em relação a um objeto de julgamento, desde que se possa defini-lo claramente. Também foi considerado que essa influência pode ir além de uma simples aceitação pública (aquiescência), alcançando o nível perceptivo do sujeito-alvo no que diz respeito ao conhecimento em questão. A partir desses resultados, vemos que a minoria consistente exerce influência à medida que os sujeitos ingênuos lhe atribuem uma maior segurança. Se os membros da minoria são consistentes, não são rechaçados enquanto líderes, mas tampouco são rejeitados para esta tarefa (Moscovici, 2011, p. 214). Segundo os pesquisadores, isso indica que a resposta pública expressou parcialmente o fenômeno da influência minoritária. Eles interpretaram que é preciso que se resolva internamente o conflito originado pelas minorias consistentes. Essa necessidade é atendida pela mudança das respostas privadas; a quantidade delas é inversamente proporcional à das respostas públicas. No caso, a influência indireta é independente da influência direta. Já as minorias inconsistentes não exercem nenhuma influência (Moscovici et al., 1969). Portanto, a influência social pode ser exercida por uma minoria que expresse uma maneira consistente de comportamento, mesmo que essa influência consista apenas em provocar um processo de questionamento ou conflito interno. Também indica que a dependência é relativa ao grau de resistência ou passividade da minoria na situação, a despeito de a influência majoritária ser mais forte. Em outras palavras, antes se acreditava que os membros minoritários precisavam conformar-se primeiro (para serem aceitos pelo grupo), tentar provar sua capacidade de liderança (poder), e, só então, conseguiriam influenciar as normas vigentes. A interpretação desses resultados indica que as relações de poder podem ser alteradas a partir de sua contestação. No entanto, essas conclusões foram alvo de críticas. Papastamou e seus colaboradores (Papastamou, Gardikiotis, & Prodromitis, 2017) argumentam que a pesquisa não adotou níveis de análises que dessem conta das relações de poder, quais sejam os níveis posicionais e societais. As perspectivas metodológicas intra e interpessoal, adotadas nas teorias anteriores não foram superadas como pretendiam os autores inicialmente. Isso pode ser atribuído ao fato de essas pesquisas terem sido realizadas e publicadas durante o período em que Moscovici trabalhou nos Estados Unidos, onde tais parâmetros são mais reconhecidos. Porém, o pesquisador provocou o interesse de vários psicólogos sociais sobre o tema da influência social, principalmente sobre a influência indireta e privada. Em conclusão, Moscovici e seus colegas sugeriram que as minorias podem estimular a atividade cognitiva e a criatividade dentro do grupo, exercendo uma influência implícita, o que seria o bastante para provocar uma reflexão da maioria a respeito da questão em pauta. Isso significa que é preciso entender melhor como os fatores individuais variam de acordo com o contexto e os tipos de influência que estão em jogo na situação de conflito social. Essa influência implícita tem características subjetivas e merecem uma análise específica para se entender como acontece. 272 Influência social 7.7.1 A INFLUÊNCIA SOCIAL INDIRETA E OS EFEITOS SOCIOCOGNITIVOS Como vimos, apesar de não assumirem uma posição dominante, os movimentos minoritários podem chamar a atenção da população sobre as questões que apresentam. Mas, tal reflexão é suficiente para promover efetivamente a inovação de crenças, normas e valores sociais? Alguns estudiosos do tema mostram que esse processo não é tão simples quanto possa parecer. Mugny (1981) lembra que o processo de persuasão para a inovação envolve três entidades sociais: (1) o poder majoritário, considerado em seu sentido amplo, em uma relação de dominação e simbolizado pelas normas consideradas hegemônicas de uma situação dada; (2) a população, que compõe o alvo das influências dos poderes majoritários e minoritários; e (3) as minorias, definidas pela contranorma que propõem, e por sua capacidade de argumentação. Vemos na tese de Moscovici e Faucheux (1972), que um estilo de argumentação percebido como consistente pode ser decisivo para que a minoria provoque mudança. Porém, o modo como a inovação é percebida e negociada depende do apoio social obtido e da importância para a população da questão que está em jogo. Como foi evidenciado por Moscovici (2011), as influências da minoria e da maioria têm implicações diferentes nos níveis privado e público. Isso foi analisado por Ibáñez a partir de uma perspectiva psicológica. O poder minoritário encontra resistência na população-alvo e produz uma sensação de ambivalência dos valores e crenças, o que resulta em uma reavaliação de posicionamentos. O conformismo é menos complexo, já que implica em não resistência. Ibáñez (1991) argumenta que “apenas os mecanismos de resistência mobilizados podem atenuar ou bloquear o efeito de mudança” (p. 280). No caso de o poder minoritário conseguir superar os esforços de resistência, as mudanças serão assimiladas de forma mais profunda e permanente. A resistência manifesta-se de diferentes formas e com variadas justificativas. Entre elas, o apoio social, as pertenças e identificações grupais, a denegação e a psicologização (Moscovici, Mugny, & Pérez, 1991). Vejamos como se manifestam as estratégias da psicologização e da identificação. No entanto, antes é importante esclarecer que o “poder” se refere à instância pública; enquanto que a influência, e o conformismo que pode ser dela decorrente, é privada, pois diz respeito à percepção, que, por sua vez, pode provocar reflexões que influenciem o posicionamento majoritário. Segundo Papastamou (1991), a estratégia da psicologização serve para justificar o conteúdo conflitante, a partir da atribuição de certas características psicológicas à fonte de influência. Mascara-se o caráter alternativo do conteúdo inovador do discurso, questionando sua coerência e estabilidade; exacerba-se uma percepção da consistência como rigidez e intransigência, e da flexibilidade como incoerência. Assim, o processo de psicologização da fonte de inovação interfere tanto nas formas diretas e imediatas de influência, quanto nas indiretas e delongadas. Na estratégia de identificação, estabelece-se uma relação intrínseca entre o conteúdo do discurso e a identidade de sua fonte para evitar as mudanças. Querendo preservar as normas e crenças que compõem a própria identidade social, o sujeito passa a questionar defensivamente a da fonte. Com isso, tenta reduzir a importância da Psicologia social: temas e teorias 273 mensagem ao âmbito da minoria, neutralizando sua capacidade inovadora já no momento de interpretação. Deixa de refletir sobre seu conteúdo e estabelece um processo de diferenciação grupal para evitar a influência. Isso significa dizer que as atitudes de resistência diante da proposta de inovação representam uma estratégia de defesa da própria identidade social, à medida que tentam preservar os valores e normas que implicam no sentimento de pertença grupal. A resistência à mudança se traduz em uma resistência à identificação com a minoria. As minorias não exercem na maioria a pressão normativa da comparação por não serem consideradas como semelhantes. Sua ação persuasiva vem da pressão de diferenças na informação. Isso gera nos alvos uma necessidade de validação informacional para reduzir o conflito. O fato de sentir-se incluído ou não no processo de comparação social inerente à situação de influência é decisivo para a validação da influência minoritária (Pérez & Mugny, 1991). A convergência do posicionamento do sujeito com o da minoria compromete sua identidade social, pois provoca um contraste que o leva a perceber melhor sua singularidade e, ao mesmo tempo, a dissociar-se cognitivamente da categoria social majoritária. Isso leva a uma maior probabilidade de a minoria ser bem-sucedida no processo de persuasão. O simples fato de as minorias ativas provocarem uma reação de resistência na maioria faz com que o debate sobre a questão seja considerado mais cedo ou mais tarde na população. Mas, Ibáñez (1991) lembra que o processo de inovação depende de sua adoção e difusão por parte da maioria. Esta representa centros reguladores do poder, que não adotarão posições que coloquem em perigo sua hegemonia.1 Portanto, o conteúdo inovador das mensagens da minoria não é engendrado apenas por ela mesma, mas no seio do sistema social, no qual desempenha o papel de catalisador e difusor das necessidades de mudança dele próprio. A minoria ocupa uma posição periférica que a deixa menos comprometida com as normas hegemônicas. Álvaro e Garrido (2003) concordam com essa visão sistêmica dos processos de influência e relativizam o conceito de minoria. Argumentam que nem sempre as minorias estão comprometidas com a inovação social. De fato, não se pode esquecer as minorias ultraconservadoras, cada vez mais presentes no cenário geopolítico atual. Diante do debate público pela hegemonia de uma ordem social mais igualitarista, elas tentam atribuir um sentido de inovação a estratégias de resistência à mudança da ordem social. Em seu conjunto, tais críticas não comprometem substancialmente o paradigma das minorias ativas, nem suas conclusões mais importantes. Pode-se sustentar que as maiorias nem sempre são mais influentes que as minorias, e que é mais fácil manter o status quo do que inová-lo, resistindo de maneira consistente à pressão social. Isso dá uma característica pontual e momentânea ao poder minoritário. Mesmo não mudando a situação grupal prontamente, pode provocar a reavaliação dos valores e 1 Esse pensamento pode ser ilustrado por um slogan do Movimento Negro que diz: “Não basta não ser racista. É preciso ser antirracista”. Tal discurso é dirigido às pessoas brancas para cobrar delas ações efetivas contra o racismo. Isso representa um reconhecimento da necessidade de engajamento para além da comunidade de pessoas negras. 274 Influência social influenciar indiretamente as normas do grupo, mesmo que não seja no sentido que vislumbrava. O paradigma das minorias ativas leva à reavaliação da importância do poder, em seus vários níveis, na compreensão dos processos sociocognitivos. Isso indica que a questão da influência está relacionada com a linguagem e seu papel persuasivo na interação. Mais do que trocar informações objetivas, a linguagem pode ser usada para argumentar, mesmo que implicitamente, a respeito dos posicionamentos de cada um de nós diante do mundo. SUMÁRIO E CONCLUSÕES Independentemente das críticas mútuas, os paradigmas da psicologia social têm vários pontos em comum. A evolução desse conhecimento torna possível superar uma concepção dicotômica na análise da influência social, superando a ênfase exacerbada no sujeito-alvo da persuasão. A visão da influência unilateral ora coloca os indivíduos em uma posição passiva diante da pressão social, ora retrata a sociedade como mero aglomerado de indivíduos. Sua superação permite à psicologia social um aumento da capacidade de compreensão da dinâmica social mais apropriada para os dias de hoje. Muitos fenômenos sociais contemporâneos extrapolam os limites de tempo e espaço e demandam abordagens teóricas e metodológicas mais dinâmicas. Como exemplo, pode-se citar a análise do poder de influência da mídia eletrônica, na qual os recursos de interatividade devem ser analisados no contexto da globalização cultural. A facilidade de contato com outras sociedades tem colocado os indivíduos diante de modos de vida tão díspares que dificultam a construção de categorias permanentes, tal como a diferenciação entre sociedades individualistas e coletivistas. Como afirma Milgram (1963), referindo-se à busca de explicações universais para o comportamento social no século XX, “a psicologia social de nosso século revela-nos uma lição fundamental: muitas vezes não é tanto o tipo de pessoa que um homem é realmente, mas o tipo de situação em que se encontra, o que determina como vai agir” (p. 194). Considerando-se os aspectos epistemológicos, metateóricos, teóricos e metodológicos, a análise da trajetória do conhecimento sobre a influência social possibilita uma articulação da análise de processos que abrangem desde o nível intraindividual até o transcultural. Isso possibilita uma atualização da compreensão desse fenômeno a partir do fluxo de uma nova ordem social. GLOSSÁRIO Conformação social: desequilíbrio entre a atitude do sujeito, que o predispõe a agir de acordo com a sua percepção, e o seu comportamento aquiescente diante da pressão grupal. Fake News (notícias falsas): desinformação deliberada com a intensão de manipular a opinião pública e influenciar, principalmente, os posicionamentos políticos. Psicologia social: temas e teorias 275 Influência social informativa: acontece quando as pessoas necessitam das qualidades ou conhecimentos dos quais o grupo dispõe. Influência social normativa: refere-se a situações em que há, nos indivíduos, a necessidade de aceitação pelo grupo e o medo de frustrar suas expectativas e provocar sanções. Influência social: o modo como o senso comum é formado a partir da convivência social, considerando a dependência mútua entre as pessoas para compreender e expandir o sentido da realidade e o que é considerado certo ou errado. Diz respeito à maneira como as normas sociais e o senso comum são institucionalizados. Inovação social: refere-se à possibilidade de uma minoria, dotada de habilidades persuasivas, provocar na maioria uma reavaliação das crenças e normas grupais. Minorias ativas: grupos que podem estimular a atividade cognitiva e a criatividade em um julgamento social, exercendo uma influência implícita, o que seria o bastante para provocar uma reflexão da maioria a respeito da questão em pauta. Mudança de atitude: definida como uma modificação de hábitos verbais e posicionamentos que resulta da aprendizagem e da persuasão. Quadro de referência: um contexto comparativo de estruturas referenciais compartilhadas, desenvolvidas e internalizadas, visando introduzir ordem, estabilidade e coerência nas relações sociais. Sonambulismo social: abordagem que supõe a submissão como um traço inerente à natureza humana. Unidade mental das massas: efeitos da imitação e da identificação sobre o comportamento individual, entendidos como produtos das relações recíprocas entre as consciências individuais. MATERIAL SUPLEMENTAR Está disponível no Canal TED do YouTube a conferência da jornalista britânica Carole Cadwalladr intitulada Facebook’s role in Brexit - and the threat to democracy, na qual ela discute, após uma longa investigação, os crimes cometidos, por pessoas e empresas, contra as regras democráticas durante a campanha do Brexit e a impotência das organizações governamentais para responsabilizá-las. Ela explica, de forma muito clara, como funciona a chamada indústria das fake News (https://www.youtube.com/watch?v=OQSMr-3GGvQ&t=31s, acesso em 12 dez. 2020). Como ilustração do caráter dramático do estudo, sugerimos o filme biográfico sobre Stanley Milgram (Experimenter), dirigido por Michael Almereyda, e cujo título em português é O Experimento de Milgram, lançado em 2015. O filme publicitário de uma campanha governamental espanhola sobre a dependência de drogas ilustra muito bem os estudos de Solomon Asch sobre o fenômeno do conformismo social: Influencia Social - Bing video (acesso em 01 ago. 2022). CAPÍTULO 8 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Yuri Sá Oliveira Sousa Antonio Marcos Chaves INTRODUÇÃO As sociedades contemporâneas são detentoras de um vasto conjunto de conhecimentos sobre o mundo de objetos que fazem parte da sua realidade, os quais são coletivamente nomeados, interpretados e integrados à vida cotidiana dos indivíduos. Por conta da inerente complexidade das formas de organização social e modos de vida dessas sociedades, esse conjunto de conhecimentos encontra-se distribuído de acordo com as condições concretas de inserção e participação das pessoas em grupos, comunidades, instituições e culturas. Assim, o conhecimento que os indivíduos possuem sobre o mundo em que vivem resulta de processos sociais e cognitivos que filtram a quantidade e a qualidade das informações que circulam na sociedade, ao mesmo tempo que tornam possível conceber e criar a própria realidade. Isso ocorre com base no sentido prático desse conhecimento para a manutenção das relações materiais e simbólicas que se estabelecem com o outro no cotidiano. Nessas condições, diferentes formas de saber são socialmente produzidas e compartilhadas, sendo que algumas delas chegam a constituir verdadeiros sistemas organizados de opiniões, crenças, informações, avaliações e tomadas de posição, influenciando a relação com os outros, com o autoconceito e com os objetos que fazem 278 Representações sociais parte da realidade. Essas formas específicas de saber podem ser chamadas de Representações Sociais e o estudo científico desses fenômenos encontra respaldo na abordagem psicossociológica da Teoria das Representações Sociais (TRS). Neste capítulo, apresentamos um texto introdutório sobre a TRS com o objetivo de sistematizar algumas das principais características e contribuições da abordagem, oferecendo parâmetros teórico-conceituais para o desenvolvimento de pesquisas na área. Inicialmente, o texto apresenta um breve panorama sobre a formação do campo da psicologia social no que diz respeito a tensões epistemológicas e níveis de análise que decorrem da relação entre indivíduo e sociedade. Trata-se de uma discussão que permite situar no contexto da psicologia social os fundamentos históricos e epistemológicos da Teoria das Representações Sociais (TRS). Especificamente, busca-se responder aos seguintes questionamentos: De que modo o binômio indivíduo-sociedade deu origem à psicologia social? Quais são os principais níveis de análise que caracterizam a produção de conhecimento nesse campo? Como a Teoria das Representações Sociais pode ser situada na psicologia social? Quais são as contribuições dessa abordagem para a análise do pensamento social? Na segunda metade do texto, busca-se apresentar, discutir e sistematizar as principais ferramentas teórico-conceituais que fundamentam o estudo dos fenômenos representacionais. Pretende-se com isso responder às seguintes perguntas: O que são representações sociais e quais são as suas características como noção, conceito e fenômeno? Por que representações sociais são produzidas e quais são os processos sociocognitivos que orientam a sua construção? Que funções as representações sociais desempenham na vida cotidiana? Quais são as dimensões de uma representação social? Como se organizam os conteúdos de uma representação social? Por fim, o texto busca indicar alguns dos desdobramentos atuais e características da utilização da TRS na literatura psicossocial brasileira. Apesar do caráter introdutório do capítulo, espera-se que a sua leitura possa oferecer ferramentas teóricas, argumentos e reflexões pertinentes para o desenvolvimento de estudos sobre representações sociais no Brasil. 8.1 A PSICOLOGIA SOCIAL E SEUS NÍVEIS DE ANÁLISE: EM DIREÇÃO A UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL INTEGRATIVA O desenvolvimento da psicologia social como disciplina foi marcado por tensões a respeito do seu escopo e níveis de análise. Essa discussão remete ao binômio indivíduo-sociedade, que se apresenta como pertinente para a psicologia desde a sua formalização como ciência (esse tema será aprofundado no Capítulo 1). Em 1879, Willem Wundt fundou o laboratório de psicologia experimental de Leipzig, evento que é registrado como um marco na história dessa disciplina (Goodwin, 2010). Nesse cenário de institucionalização, a psicologia do século XIX buscava demarcar a sua legitimidade e independência, o que promovia intensos debates sobre seu objeto, a natureza e o valor do conhecimento ali produzido (Álvaro & Garrido, 2003). Em seu projeto experimental, Wundt endereçou o campo da psicologia aos fenômenos da mente humana, Psicologia social: temas e teorias 279 então entendidos como passíveis de serem explicados pelo estudo da consciência individual. Curiosamente, Wundt não se limitou a promover uma psicologia experimental, mas também trabalhou em favor de uma Völkerpsychologie, ou “psicologia dos povos”. Nesse projeto, considerado por Farr (1996) como uma forma de psicologia social, o autor pretendia oferecer subsídios para a análise de fenômenos coletivos, como a linguagem, os mitos, os costumes e a religião. Wundt justificava a divisão entre as duas formas de psicologia com base em um argumento ontológico e outro metodológico. O primeiro tratava da natureza dos fenômenos analisados e defendia que os objetos da Völkerpsychologie não poderiam ser explicados em termos de consciência individual, pois eram simultaneamente individuais e sociais (Farr, 1996). O segundo dizia que, dada a complexidade dos fenômenos mentais coletivos, não era possível submetê-los ao método experimental. O exemplo mencionado evidencia que, desde os primeiros movimentos de institucionalização da psicologia como ciência, houve tensões teóricas e metodológicas resultantes do binômio indivíduo-sociedade, cujas repercussões seriam posteriormente observadas no desenvolvimento da psicologia social. Ainda que Wundt tenha dedicado grande parte da sua obra ao estudo dos fenômenos mentais coletivos, restou à psicologia a expectativa do estudo sobre os processos mentais elementares e individuais, ao passo que a sociologia estabelecia o seu objeto nos fatos sociais e nas representações coletivas (e.g., Durkheim, 1898). Institucionalizava-se, assim, uma dicotomia entre individual e coletivo que se materializava nos dois projetos disciplinares. Além disso, como assinalam Álvaro e Garrido (2003), definir as relações entre elas não era uma tarefa fácil, pois quaisquer aproximações poderiam ser entendidas como uma ameaça à objetividade científica ou à especificidade de cada projeto. Em que pese a possibilidade de uma suposta perda de identidade disciplinar, a psicologia social emerge justamente da articulação entre esses campos de conhecimento, que passam a ser tomados como matrizes de um pensamento psicossociológico. Entretanto, se não era possível estabelecer uma unidade na psicologia geral, tampouco seria esperado que houvesse alguma homogeneidade nas formas de expressão de um campo de saber eminentemente interdisciplinar como a psicologia social. Nesse sentido, é comum encontrar na literatura a organização do surgimento desse campo a partir de duas orientações: uma psicologia social psicológica e outra sociológica (Álvaro & Garrido, 2003; Farr, 1996; Ferreira, 2010; Rodrigues et al., 2010; Santos et al., 2013). Segundo Farr (1996), como a psicologia social tem o seu nascimento no interior tanto da psicologia quanto da sociologia, por razões históricas e culturais, esse duplo florescimento repercutiu nas duas orientações citadas. De acordo com Rodrigues, Assmar e Jablonski (2010), a diferença fundamental entre as duas perspectivas reside nos níveis de análise abordados. Se por um lado a chamada psicologia social psicológica enfatiza os níveis pessoais e interpessoais nos seus esquemas de análise, por outro, a psicologia social sociológica tende a dar mais atenção aos níveis intergrupais e coletivos (Rodrigues et al., 2010). Embora a discussão sobre os diferentes níveis de análise da psicologia social possa ser encontrada em outros textos, retomá-la aqui pode ser útil para compreender como a Teoria das Representações Sociais (TRS) se insere nesta disciplina. É creditado ao 280 Representações sociais psicólogo social Willem Doise a elaboração de um sistema de classificação dos estudos realizados no campo da psicologia social a partir de quatro níveis de análise (Doise, 1978, 1980, 1982, 2002): (1) intraindividual; (2) interindividual, ou situacional; (3) posicional; e (4) ideológico. As explicações orientadas aos processos intraindividuais são aquelas que lidam com as maneiras pelas quais os indivíduos interpretam e organizam as informações do ambiente. São exemplos desse nível (ver. Doise, 1980; Doise & Valentim, 2015) as formulações baseadas no modelo do equilíbrio cognitivo (e.g., Heider, 1946) e na teoria da dissonância cognitiva (e.g., Festinger, 1957). De modo característico, explicações desse tipo não consideram, diretamente, a interação recíproca entre os indivíduos. O segundo nível, chamado de interindividual ou situacional, se ocupa das relações produzidas em uma situação particular, salientando dinâmicas de conflitos e tensões entre indivíduos (Doise, 1980). São exemplos desse nível os estudos clássicos sobre influência social (e.g., Asch, 1956; Sherif, 1936) e sobre os processos de atribuição de causalidade (e.g., Weiner, 1985). Observa-se que os indivíduos são aqui considerados como intercambiáveis (Doise, 2002) e as posições que eles ocupam fora da situação não são levadas em conta (Doise, 1980). O terceiro nível de análise considera as posições que ocupam os indivíduos em determinado sistema social, analisando como diferenças de poder e status são capazes de modular processos típicos dos dois primeiros níveis (Doise, 2002). Nesse contexto, explicações baseadas na teoria da identidade social (e.g., Tajfel et al., 1971; Tajfel & Turner, 1979), por exemplo, permitem analisar processos sociocognitivos de construção do autoconceito considerando as relações de poder estabelecidas, de acordo com as posições grupais dos indivíduos, como dominantes ou dominados, majoritários ou minoritários (Doise, 2002). Por fim, o quarto nível de análise enfatiza a influência de sistemas de crenças, representações, normas e valores característicos de uma cultura ou de grupos específicos, sendo atuantes mesmo em situações experimentais (Doise, 1980, 2002). Tais aspectos constituem um nível ideológico principalmente porque possuem a função de criar ou de dar suporte a relações desiguais, diferenciações e divisões sociais (Doise, 2002; Doise & Valentim, 2015). Os estudos sobre obediência à autoridade (Milgram, 1974) são citados para ilustrar como o prestígio associado à ciência pode levar indivíduos a adotar comportamentos contrários a seus valores pessoais quando tais atos são ordenados por uma autoridade percebida como legítima (Doise, 1978; Doise & Valentim, 2015). Doise (1980) também cita como exemplo os estudos sobre a crença no mundo justo (Lerner, 1980), que constatam a existência de uma maneira de pensar, calcada na crença de que o mundo é um lugar justo, onde as pessoas têm aquilo que merecem e merecem o que têm, que seria capaz de dar suporte às hierarquias sociais e até à desqualificação de vítimas inocentes (Doise, 1980). Como consequência, pessoas que se encontram em situações de injustiça ou que sofrem com perdas, doenças, violência e opressão, por exemplo, ainda teriam de lidar com a frequente minimização do seu sofrimento, desvalorização, evitação e mesmo a culpabilização pelo seu próprio infortúnio (Correia, 2000). Psicologia social: temas e teorias 281 Além dos quatro níveis de análise apresentados, Doise e Valentim (2015) incluíram recentemente mais dois: um neurológico e outro intersocietal. O primeiro reconhece os avanços das neurociências no estudo dos aspectos afetivos e cognitivos envolvidos na experiência social, enquanto o segundo destaca a existência de programas normativos supraordenados, valores, crenças e modelos relacionais transculturais. Os autores salientam que a existência desses dois tipos de explicação não torna os quatro níveis de análise apresentados obsoletos. De outro modo, designam dois níveis suplementares que permitem enriquecer a compreensão sobre diferentes fenômenos e processos psicossociais. No Brasil, até a década de 1970, as pesquisas em psicologia social priorizavam os níveis intra e interindividual de análise, bem como tendiam a utilizar métodos experimentais em seus estudos (Santos et al., 2013). No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, tomou forma um movimento que argumentava em favor da inclusão do contexto social, cultural e histórico na análise dos fenômenos psicossociais, o que significava que níveis de análise posicionais e ideológicos ganhavam mais atenção (Santos et al., 2013). Além disso, reivindicava-se a necessidade de aumentar o engajamento político da psicologia social, que passava a ser entendida como uma forma de consciência crítica dirigida à mudança social (Lane, 1980). Esse movimento, muito identificado com a emergência de uma psicologia social crítica (cf. Álvaro & Garrido, 2003; Ferreira, 2010), também foi acompanhado por uma maior adesão a métodos não experimentais, como a pesquisa-ação e a pesquisa participante (Santos et al., 2013). É certo que a divisão do campo em tendências psicológicas, sociológicas e críticas possui limitações, pois, além de reunir tradições teóricas e de pesquisa muito distintas em uma mesma categoria, a classificação tende a produzir a falsa impressão de que apenas a chamada psicologia social crítica seria capaz de produzir conhecimento socialmente relevante e comprometido com a mudança social diante dos efeitos deletérios das desigualdades, relações de dominação, exploração, violência, discriminação e exclusão que caracterizam os problemas enfrentados pela população brasileira. Por exemplo, embora seja costumeiramente classificada como uma forma de psicologia social sociológica (cf. Álvaro & Garrido, 2003; Ferreira, 2010), a abordagem das representações sociais se desenvolveu no Brasil como um instrumento de compreensão, mas também de intervenção diante da realidade dos problemas sociais concretos identificados no país (Jodelet, 2011). Além dessa questão, é importante ressaltar que as críticas dirigidas a perspectivas individualistas da psicologia social não foram formuladas para rejeitar explicações individuais e interindividuais. Em vez disso, elas questionavam a tendência encontrada em algumas correntes teóricas de reduzir as explicações sobre o comportamento social a princípios meramente psicológicos (Farr, 1996). Conforme explica Asch (1977), a tese individualista buscava extrapolar o estudo do funcionamento psicológico individual a situações sociais. No entanto, quando se parte da compreensão de que fenômenos coletivos não são a mera soma de componentes individuais (e.g., Durkheim, 1898; Tajfel, 1982), torna-se necessário adotar princípios explicativos de ordem societal, integrando os níveis posicional e ideológico nas investigações psicossociais (Doi- 282 Representações sociais se, 2002). Assim, à psicologia social caberia o estudo do indivíduo, mas justamente naquilo que ele é influenciado socialmente, pela sua inserção e participação em grupos sociais, instituições e comunidades, assim como por costumes, normas, valores e representações historicamente determinadas (Lane, 1981). Até aqui, é possível perceber que o desenvolvimento da psicologia social no Brasil foi acompanhado por tensões epistemológicas, metodológicas e políticas, o que repercutiu na própria diversidade que se observa atualmente na disciplina, em seus temas, níveis de análise, abordagens teóricas e métodos. A despeito das especificidades de cada vertente ou perspectiva, argumenta-se que o potencial heurístico da psicologia social reside na sua capacidade de: articular explicações de ordem individual com explicações de ordem societal; de mostrar como o indivíduo dispõe de processos que lhe permitem funcionar em sociedade e, de maneira complementar, como dinâmicas sociais, particularmente interacionais, posicionais ou de valores e de crenças gerais, orientam o funcionamento desses processos (Doise, 2002, p. 28). Essa postura assinala a necessidade de integração entre dimensões pessoais, interpessoais, intergrupais e ideológicas na explicação dos fenômenos analisados e reafirma a indissociabilidade entre indivíduo e sociedade. Ela caracteriza a orientação epistemológica da Teoria das Representações Sociais (TRS), mas também de outras abordagens com pressupostos semelhantes. Por exemplo, ao discutir sobre as orientações paradigmáticas da psicologia social, Vala (1993a) identifica aproximações entre a Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 2009, 1978/2012a), a Teoria das Minorias Ativas (Moscovici, 2011) e a Teoria da Identidade Social (Tajfel, 1982), pois, segundo o autor, são abordagens que compartilham uma mesma noção de sujeito, sendo este entendido como ativo e indissociável do contexto sociocultural. A próxima seção tem o objetivo de desenvolver melhor essas e outras características epistemológicas da TRS no campo da psicologia social. 8.2 AS BASES EPISTEMOLÓGICAS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS A Teoria das Representações Sociais (TRS) é uma abordagem psicossociológica que se debruça sobre os processos de construção do pensamento social (Vala & Castro, 2013). Trata-se de uma teoria científica que estuda o fenômeno das representações sociais, entendidas como verdadeiras “teorias do senso comum”, elaboradas na vida dos grupos e nas comunicações cotidianas (Santos, 2005). As bases da abordagem foram apresentadas por Serge Moscovici, com a publicação da primeira edição da obra A psicanálise, sua imagem e seu público (1961), revista e ampliada na edição de 1978 (Moscovici, 1978/2012a). Nessa obra, Moscovici desenvolveu grande parte do aparato conceitual que possibilitou a criação de um novo objeto em psicologia social: Psicologia social: temas e teorias 283 o fenômeno das Representações Sociais (Jesuino, 2011). O autor se interessava em compreender como a psicanálise, um tipo de conhecimento especializado, era apropriado pelo saber do senso comum. Os resultados da pesquisa permitiram elaborar uma construção teórica geral, não mais limitada à questão do conhecimento no universo reificado (e.g., conhecimento científico) e no universo consensual (e.g., teorias do senso comum), mas que pode ser aplicada ao estudo de diferentes objetos sociais com o interesse mais amplo de analisar o processo de construção social da realidade (Santos, 2005). Antes de prosseguir com a discussão, há que se colocar uma questão importante: o que se entende por um objeto social? De acordo Wagner (1998), um objeto social é “qualquer entidade material, imaginária ou simbólica que as pessoas nomeiam, atribuem características, valores e, assim, são capazes de falar sobre” (p. 306, tradução livre). O autor afirma que quando as pessoas nomeiam determinadas “coisas”, findam por reconhecê-las como entidades no mundo e passam a ser capazes de falar sobre elas. Essas “coisas” no mundo são, portanto, objetos sociais inseridos em práticas linguísticas que atuam na própria definição da realidade intersubjetiva. Como afirma Kristeva (1969), nomear é demarcar, significar e comunicar. Quando nomeamos um objeto de determinada forma e falamos sobre ele, não estamos, a rigor, descrevendo-o ou desvelando as suas características inerentes, mas constituindo-o e definindo suas relações com o mundo em contextos sociais e culturais específicos. Em suma, desde que uma entidade material, imaginária ou simbólica é percebida como algo que existe, passa a ser categorizada e é inserida nas comunicações, ela se apresenta como um objeto social. Embora essa pequena digressão sobre a noção de objeto social possa parecer desnecessária, ela se faz relevante por duas razões. Em primeiro lugar, a discussão torna possível enfatizar o papel da linguagem nos processos de construção de representações e, por conseguinte, da própria realidade social. De forma sensível a essa questão, Moscovici e Vignaux (2009) afirmam que: Não há representações sociais sem linguagem, do mesmo modo que sem elas não há sociedade. O lugar do linguístico na análise das representações sociais não pode, por conseguinte, ser evitado: as palavras não são a tradução direta das ideias, do mesmo modo que os discursos não são nunca as reflexões imediatas das posições sociais (p. 219). Em segundo lugar, explicitar o que se entende por objeto social facilita o desenvolvimento de uma discussão sobre os fundamentos epistemológicos da abordagem das representações sociais. Esses fundamentos são encontrados na própria maneira pela qual Moscovici concebia a especificidade do campo da psicologia social, notadamente a partir do que o autor desenvolveu sobre o chamado “olhar psicossocial” (Moscovici, 1984). Conforme discutido na seção anterior, se não é possível definir a psicologia social a partir de uma teoria ou abordagem, também não seria suficiente caracterizar 284 Representações sociais sua produção pelo estudo de um tema. Afinal, o escopo da disciplina pode contemplar, de modo muito amplo, fenômenos do pensamento, influência e comportamento social (cf. Myers, 2014). Na perspectiva de Moscovici (1984), por sua vez, o que distinguiria a psicologia social de outros campos de conhecimento seria a adoção de um “olhar psicossocial”, entendido como uma maneira específica de interpretar os fenômenos da realidade. Para o autor, a psicologia geral se legitimou no estudo das relações binárias entre um sujeito individual (o organismo) e um objeto (aspectos do ambiente ou estímulos), enquanto a sociologia se apropriou das relações entre um sujeito coletivo (grupo, classe, estrato, Estado) e um objeto (interesses, instituições, outros grupos etc.). Ao seu turno, a psicologia social seria caracterizada por empregar um olhar ternário, capaz de incluir o sujeito, o objeto e o outro em seus esquemas interpretativos (Moscovici, 1984). Nessa perspectiva, tanto o sujeito quanto o objeto são instâncias sociais, já que dependem da relação com o outro para serem constituídos. Embora essa caracterização simplifique demasiadamente os campos da psicologia e da sociologia, ela se torna útil na medida em que enfatiza, no campo da psicologia social, o interesse pela mediação constante do outro na análise da relação dos sujeitos com o mundo. Segundo Apostolidis (2006), esse sistema analítico permite aproximar o olhar psicossocial da perspectiva fenomenológica, que postula a interdependência entre eu, outro e mundo, de maneira tal que não há lugar para dicotomias ou oposições entre sujeito-objeto e indivíduo-sociedade. Entretanto, é preciso notar que a articulação entre as dimensões constituintes do olhar psicossocial pode ser realizada em diferentes orientações epistemológicas, o que faz com que o esquema ternário não seja, por si só, suficiente para caracterizar a perspectiva psicossocial que fundamenta a TRS. Por conta disso, Apostolidis (2006) desenvolve quatro aspectos que devem ser levados em conta nesse tipo de caracterização: (1) a integração necessária entre diferentes níveis de análise psicossocial; (2) a compreensão de um sujeito ativo e criador da realidade, o que aproxima a perspectiva de uma orientação construtivista; (3) a impossibilidade de separação entre realidade subjetiva e realidade objetiva, cujas repercussões permitem distanciar o olhar psicossocial de uma ontologia objetivista, assim como de princípios positivistas sobre o fazer científico; (4) a necessidade de ultrapassar reducionismos e limitações disciplinares, uma vez que a adoção de uma abordagem psicossocial demanda uma postura de transversalidade teórica e pluralidade metodológica. O olhar psicossocial, com seu esquema ternário de análise, evidencia uma perspectiva que pode ser caracterizada como dialógica (Marková, 2006), segundo a qual o conhecimento é produzido na relação simultânea com o objeto e com o outro, o que afasta a abordagem da concepção de um sujeito solipsista (Alaya, 2011). Ao mesmo tempo que a ordem de objetos da realidade é socialmente determinada e organizada (Berger & Luckmann, 1966/2005), a atividade representacional não pode ser compreendida como um processo que se encerra na relação entre sujeito e objeto, em um vazio relacional, já que o próprio objeto social se apresenta como realidade intersubjetiva (Jovchelovitch, 2008) (ver Capítulo 9). Com base no olhar psicossocial, a TRS se insere no campo da psicologia social como uma abordagem que busca articular dimensões individuais e societais em suas Psicologia social: temas e teorias 285 análises, o que conduz à rejeição de explicações puramente cognitivas, mas também de explicações puramente coletivas (Almeida & Santos, 2011). Ao produzir uma teoria aplicada às “sociedades pensantes”, Moscovici (1978/2012a) questionava tanto abordagens individualistas, que se apoiavam no processamento mecânico da informação, como teorias coletivistas, que postulavam a primazia de ideologias (e.g., de classe, Estado e religião) sobre a formação do pensamento individual e grupal (Cabecinhas, 2004). Como alternativa, lançou as bases para uma teoria que articulava conceitos psicológicos (e.g., crenças, opiniões, atribuições) e sociológicos (e.g., ideologia, cultura, sistema de valores) na tentativa de estabelecer pontes conceituais para uma análise das relações entre indivíduo e sociedade (Cabecinhas, 2004). Embora outras abordagens psicossociológicas também se dediquem ao estudo do pensamento social, os fundamentos da TRS assinalam a sua especificidade. Por exemplo, o campo da cognição social, (ver Capítulo 3), tem se interessado pelo modo como as pessoas pensam sobre o mundo social e como formam julgamentos que permitem interpretar a realidade e orientar seus comportamentos cotidianos (Greifeneder et al., 2018). Entretanto, as pesquisas da cognição social geralmente buscam compreender como processos cognitivos básicos influenciam as relações sociais, enquanto os estudos sobre representações sociais analisam como processos sociais influenciam os processos cognitivos de indivíduos e grupos (Vala & Castro, 2013). Além disso, a TRS adota uma perspectiva molar (em vez de molecular) na análise do pensamento social e enfatiza o papel dos contextos interacionais, históricos e culturais na determinação dos conteúdos sociocognitivos compartilhados (Cabecinhas, 2004). É possível supor a partir da discussão apresentada que a abordagem das representações sociais guarda uma série de premissas teóricas sobre como as pessoas, de forma interativa, constroem a realidade. Isso significa dizer que a noção de “representação social” não deve ser abordada de forma isolada do seu campo teórico. Essa questão é ressaltada pelo fato de se saber que muitas pesquisas empíricas utilizam o conceito de representação social, mas não o fazem de maneira consistente com os pressupostos e repertório conceitual produzido na TRS (Santos et al., 2013). Diante disso, com fins de apresentação da abordagem, discutiremos como a noção e o conceito de representação social têm sido tratados na literatura para, em seguida, discorrer sobre as principais características do fenômeno, seus processos de construção, funções e possibilidades de análise. 8.3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: DA NOÇÃO AO CONCEITO Segundo Jovchelovitch (2008), a noção de “representação” esteve por muito tempo atrelada à perspectiva cartesiana, centrada na mente individual. Essa corrente se interessava pela função epistêmica da consciência humana e estabelecia a racionalidade como base para acesso à verdade através de representações mais ou menos adequadas. Guareschi (2012) acrescenta que no final do século XIX e início do século XX, a oposição entre individual e coletivo somou-se àquela que tratava do racional-irracional, havendo, de um lado, a identificação entre individualidade e racionalidade, e, de ou- 286 Representações sociais tro, entre coletividade e irracionalidade. A ideia de que o pensamento coletivo representava uma ameaça ao pensamento racional pode ser observada, por exemplo, na psicologia das massas e das multidões (ver Capítulo 1). Quando Moscovici esboça os fundamentos da TRS e valoriza o senso comum como objeto de estudo, o autor inaugura uma perspectiva que se recusa a reduzir o pensamento social a um saber errôneo, ilógico ou meramente determinado pela ideologia (Almeida & Santos, 2011). Nesse sentido, o conhecimento social é entendido como qualquer corpo de conhecimento socialmente estabelecido como realidade (Berger & Luckmann, 1966/2005), de modo que o estudo do senso comum na perspectiva da TRS não pretende avaliar a veracidade dos saberes produzidos, mas, de outro modo, busca analisá-los a partir da racionalidade coletiva que institui o próprio real (Moscovici, 2012b). Desse modo, o campo teórico das representações sociais se desenvolve como uma psicologia “preocupada em compreender como pessoas comuns, comunidades e instituições produzem saberes sobre si mesmas, sobre outros e sobre a multidão de objetos sociais que lhes são relevantes” (Jovchelovitch, 2008, p. 87). Tal como outras abordagens da chamada psicologia social sociológica, a TRS enfatiza o papel da comunicação e da linguagem na construção da realidade social, algo que as orientações psicológicas tenderam a não dispensar a mesma atenção (Farr, 1996). Nesse contexto, a palavra “representação” não deve ser entendida como uma cópia ou duplicação da realidade na mente de um indivíduo, como algumas teorizações e/ou críticas propuseram (Jesuino, 2011). Parece haver aqui certa confusão com a corrente filosófica denominada por “representacionismo”. Ibañez (2005) a define como uma doutrina que postula a relação de correspondência entre o conhecimento e a realidade. Supõe-se, então, a existência de uma realidade última que poderia ser alcançada e comunicada de forma neutra. Por outro lado, conforme desenvolvem autoras e autores do campo da TRS (e.g., Alaya, 2011; Banchs, 2011; Jovchelovitch, 2008; Marková, 2006), entende-se que a noção de representação utilizada nessa abordagem reivindica justamente o caráter não representacionista do pensamento social. Afinal, as representações sociais “(...) possuem uma função constitutiva da realidade, da única realidade que nós experimentamos e na qual a maioria de nós se movimenta” (Moscovici, 1978/2012a, p. 27, grifo nosso). Nessa direção, Abric (1998) argumenta que toda realidade é representada, reapropriada, reconstruída no sistema cognitivo dos indivíduos, integrada ao seu sistema de valores e dependente de seu contexto sócio-histórico. Desse modo, existe sempre uma reestruturação da realidade que integra as características objetivas do objeto às experiências anteriores do sujeito e seu sistema de valores (Abric, 1998). Tratar de representações sociais é, portanto, falar de construções dinâmicas da realidade que não são apenas cognitivas, psicológicas ou muito menos individuais, mas sociais pelo seu caráter de produção interativa (Banchs, 2011). Ora, se a realidade é entendida como produzida socialmente e se a realidade social é a única realidade que os indivíduos dispõem para se orientar, não seria adequado tratar a TRS como uma teoria representacionista. Retomando o caráter dialógico da abordagem (Marková, 2006), que parte de um olhar psicossocial atento às relações recíprocas entre eu, outro e objetos do mundo, depreende-se que a representação social não se encerra em Psicologia social: temas e teorias 287 nenhuma dessas instâncias específicas, mas que reside no “entre” que marca a complexidade da vida social. A separação entre sujeito e objeto, por exemplo, só faz sentido no que diz respeito à maneira como a realidade é experimentada, pois, como escrevem Berger e Luckmann (1966/2011), “a realidade da vida cotidiana aparece já objetivada, isto é, construída por uma ordem de objetos que foram designados como objetos antes de minha entrada em cena” (p. 38, grifo dos autores). Dito de outro modo, a realidade é socialmente experimentada como possuindo uma existência própria e, muitas vezes, independente da ação humana. Apesar disso, os objetos do mundo não deixam de ser produções sociais, por mais maciça que a experiência de objetividade possa ser (Berger & Luckmann, 1966/2005). Com isso, as relações triádicas apresentadas tratam de um esquema em que o eu, o outro e os objetos se fundem na produção da vida social, tornada comum e experimentada como realidade natural. No quadro teórico oferecido por Moscovici (2009, 1978/2012a), a noção de “representação” se afasta da perspectiva cartesiana de racionalidade ao mesmo tempo que rejeita a existência de um conhecimento puramente individual. Sobre o primeiro ponto, Moscovici (2009) desloca a ideia de racionalidade de critérios lógicos e a aproxima de uma perspectiva pragmática do conhecimento: “o critério de racionalidade aparece como uma norma inscrita na linguagem, nas instituições e representações de uma cultura específica” (Moscovici, 2009, p. 188). Sobre o segundo, entende-se que o qualificador “social” que acompanha a noção de representação possui desdobramentos importantes. O termo enfatiza o conhecimento como uma produção coletiva derivada das trocas comunicativas cotidianas e, sobretudo, reconhece que as representações sociais possuem funções práticas na vida com o outro: (...) para apreender o sentido do qualificativo “social” é melhor destacar a que função corresponde do que as circunstâncias e as entidades que reflete. A função é própria ao social, na medida em que a representação contribui exclusivamente aos processos de formação das condutas e de orientação das comunicações sociais (Moscovici, 1978/2012a, p. 71). Na avaliação de Vala (1993a), dizer que uma representação é social remete à consideração simultânea de três critérios: um quantitativo, um genético e um funcional. Sobre o aspecto quantitativo, entende-se que as representações são sociais porque seus conteúdos são compartilhados por um conjunto de indivíduos, constituindo quadros simbólicos tomados como pontos comuns de referência. Em que pese a pertinência desse critério, as representações sociais não correspondem à soma de representações individuais. Desse modo, a partir de um critério genético, considera-se que as representações são sociais porque tratam de formas de conhecimento socialmente elaboradas e cujas condições de produção encontram-se na interação social cotidiana. Ao seu turno, quando se considera o critério funcional, diz-se que as representações são sociais quando desempenham funções relevantes na manutenção e transformação de comunicações e práticas coletivas. Assim, representações sociais são verdadeiramente sociais porque, além de designarem sistemas de saber socialmente compartilhados e 288 Representações sociais produzidos, permitem orientar os comportamentos dos indivíduos e grupos a partir de realidades tornadas comuns, incluindo aquelas que constroem formas de identidade e alteridade, fundamentais na vida com o outro. É importante enfatizar que essa discussão possui desdobramentos importantes na maneira de definir e operacionalizar o conceito de representação social. De acordo com Wagner (2011), há pelo menos duas formas de concebê-lo. A primeira compreende as representações sociais como estruturas cognitivas, afetivas, simbólicas e avaliativas que organizam conteúdos sobre objetos socialmente relevantes. A segunda entende as representações sociais como processos públicos de criação, difusão e transformação da realidade social por meio de interações discursivas cotidianas (Wagner, 2011). Embora a primeira definição se assemelhe ao conceito de esquema, entendido como uma estrutura cognitiva que comporta conhecimentos sobre determinado objeto ou aspecto do mundo (Tróccoli, 2011), “as representações sociais, diferentemente dos esquemas, são consideradas como estando profundamente ligadas aos processos intergrupais, sendo criadas através das interacções sociais” (Cabecinhas, 2004, p. 11). Ainda que diferentes maneiras de definir o conceito de representação social terminem por enfatizar alguma dimensão específica do fenômeno (e.g., processo, conteúdo, estrutura ou funções), todas elas guardam relação direta com os fundamentos teóricos apresentados por Moscovici (2009, 1978/2012a). Além disso, conforme argumentou Moscovici (1988) em resposta às críticas de Jahoda (1988), a complexidade inerente aos fenômenos representacionais tende a dificultar a utilização de uma definição totalizante. A respeito dessa complexidade, Sá (1998) afirma que os fenômenos de representação social são “por natureza, difusos, fugidios, multifacetados, em constante movimento e presentes em inúmeras instâncias da interação social” (p. 21). Portanto, é esperado que conceitos psicossociais possuam diferentes definições, tal como ocorre com as atitudes, os esquemas, o self, entre outros, sem que isso signifique inconsistência ou desacordo teórico interno (Moscovici, 1988). Feitas essas considerações, é possível levantar a seguinte questão: como o conceito de representação social tem sido definido na TRS? Antes de oferecer respostas mais diretas, cumpre retomar brevemente o contexto da obra seminal de Moscovici (1978/2012a), em que o conceito de representação social surgia para explicar a transformação de um tipo de saber em outro. Tratava-se de analisar o modo como o saber do senso comum se apropriava de um saber especializado e situado no campo científico, como era o caso da psicanálise na sociedade francesa da década de 1960. Se muitas vezes os debates científicos partem de problemas suscitados pelo pensamento coletivo, também é verdade que a ciência se insere na vida cotidiana de indivíduos e grupos de uma sociedade, assumindo o caráter de fato social. Nessa proposta, ciência e senso comum não eram concebidos como sistemas de conhecimento opostos ou hierarquizados em termos de valor, mas designavam formas de saber com processos de construção e funções distintas (Santos, 2005). Para Moscovici (1978/2012a), a ciência busca conhecer e controlar a natureza enquanto produz conhecimentos com base em processos formais (e.g., formulação de hipóteses, observação, experimentação, validação dos resultados e aplicação). Ao seu Psicologia social: temas e teorias 289 turno, o saber do senso comum seguiria uma lógica natural, baseada em processos sociocognitivos (e.g., objetivação e ancoragem), com o objetivo de tornar familiar a realidade, garantindo a comunicação e as práticas sociais (Santos, 2005). O processo de transformação de uma forma de saber em outra “implica uma descontinuidade, um salto de um universo de pensamento e de ação para outro, e não uma continuidade, uma variação do mais para o menos” (Moscovici, 1978/2012a, p. 27). Nesse sentido, diferente do que propunham formulações marxistas e algumas correntes cognitivistas da psicologia social, a transformação do saber científico em saber do senso comum não deveria ser apreendida como uma deturpação do conhecimento verdadeiro, mas como um processo de reelaboração ativa por uma sociedade capaz de pensar por conta própria (Almeida & Santos, 2011). Quando apropriado pelo senso comum, o saber científico é reelaborado e adaptado às necessidades específicas do contexto social em que essa transformação ocorre, o que finda por produzir uma nova forma de conhecimento: as representações sociais. Nas palavras de Moscovici (1978/2012a), uma representação social designa “uma modalidade de conhecimento particular tendo a função de elaboração dos comportamentos e da comunicação entre os indivíduos” (p. 27). Trata-se de um sistema compartilhado de valores, noções e práticas relacionadas a um objeto que permite estabilizar a vida social de indivíduos e grupos, funcionando como instrumento de orientação para a interpretação das mais diversas situações cotidianas, bem como da elaboração de respostas apropriadas (Moscovici, 1978/2012a). Embora a origem do conceito remeta à pesquisa de Moscovici sobre a psicanálise na sociedade francesa, as formulações teóricas apresentadas pelo autor foram utilizadas para compreender o processo de construção social de outros objetos. Não mais restrito à relação entre ciência e senso comum, o conceito recebeu diferentes definições ao longo do tempo, notadamente com o objetivo de operacionalizar a investigação sobre aspectos específicos dos fenômenos de representação social em contextos culturais e empíricos mais diversos. Por exemplo, algumas definições conceituais ressaltam as relações entre saber e prática social, entre pensamento e ação, enfatizando as funções das representações sociais na construção de um mundo inteligível no qual é possível interagir e se comunicar com o outro. De acordo com Jodelet (1984), as representações sociais podem ser entendidas como formas de pensamento social que têm por função organizar e interpretar a vida social, orientar condutas, comunicações, e se apropriar de novos objetos sociais, tornando-os familiares. Em outra ocasião, a autora apresentou uma definição bastante conhecida e utilizada na literatura: para ela, o conceito de representação social designa “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada, que possui uma finalidade prática e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 1989/2003, p. 53, tradução livre). Esses conjuntos de conhecimentos socialmente elaborados se apresentam como sistemas de interpretação da realidade que são capazes de modelar e reelaborar os elementos constitutivos do próprio contexto em que são produzidos, oferecendo referenciais de conduta e circunscrevendo possibilidades de comunicação (Moscovici, 1978/2012a). Assim, ao mesmo tempo que representações sociais são sociocognitivas, filtradas pela 290 Representações sociais experiência dos sujeitos em coletividades e produzidas no contato com os discursos dos outros (Moscovici & Vignaux, 2009), elas são sempre orientadas para a ação na vida social (Jodelet, 1989/2003). Por conta dessa orientação para a comunicação e a ação, as representações sociais podem ser caracterizadas como teorias sociais práticas (Cabecinhas, 2004). Outras formas de caracterizar o conceito buscam ressaltar a indissociabilidade existente entre a representação e o sujeito (social) que a produz. Se a representação social é um sistema de saber prático que liga um sujeito a um objeto (Jodelet, 1989/2003), elas podem ser entendidas como “programas de percepção e de ação, sintomáticos da esfera sociocultural e regulados pelas posições sociais e pelos princípios que regem o funcionamento social” (Apostolidis, 2017, p. 159). Esse tipo de definição coloca em evidência a relação entre o sistema de operações cognitivas dos indivíduos e o metassistema social, que opera no controle, validação e coerência do pensamento natural em função dos contextos específicos de atualização das representações (Doise, 2011; Doise et al., 1992; Moscovici, 1978/2012a). Isso significa que os conteúdos de uma representação social dependem do modo como se organizam as relações de determinado contexto, o que implica considerar as pertenças sociais dos indivíduos e as dinâmicas intergrupais que daí decorrem (Apostolidis, 2017). Se a construção da realidade social não pode ser traduzida por uma relação binária entre um sujeito epistêmico (indivíduo ou grupo) e um objeto, as diferentes formas de atribuir sentido e estabilidade à realidade não devem ser entendidas como o produto de um vazio relacional, mas como algo que decorre das condições concretas de inserção e participação social. Ainda que o conceito de representação social se refira a um fenômeno produzido pelo “coro” coletivo da opinião pública de determinada sociedade, esses saberes não são homogêneos em suas formas de distribuição e expressão (Moscovici, 1978/2012a). As diferentes proposições, reações e avaliações diante de um objeto social apropriado pelo pensamento coletivo formam, em uma representação social, um universo simbólico que é organizado de acordo com as pertenças dos indivíduos em grupos e comunidades. Assim, as representações sociais são marcadas tanto pela relação dos indivíduos com o objeto, como pela sua inscrição em dado contexto social, cultural e histórico (Apostolidis, 2017), funcionando como “princípios organizadores das variações entre tomadas de posição de diferentes indivíduos” (Doise et al., 1992, p. 15, tradução livre), ou, ainda, como “princípios organizadores das relações simbólicas entre indivíduos e grupos” (Doise, 2002, p. 30). Por fim, também é possível identificar maneiras de definir o conceito de representação social com base na organização e estrutura dos seus conteúdos. Nessa perspectiva, uma representação social é concebida como “um conjunto organizado e estruturado de informações, de crenças, de opiniões e de atitudes, ela constitui um sistema sociocognitivo particular composto por dois subsistemas em interação: um sistema central (ou núcleo central) e um sistema periférico” (Abric, 2001a, p. 82). As características dos dois subsistemas que compõem uma representação social serão apresentadas mais adiante, mas, por ora, é suficiente dizer que esse tipo de definição evidencia os aspectos estruturais e de organização dos elementos que compõem Psicologia social: temas e teorias 291 o campo representacional de um objeto para um grupo. Embora uma concepção estrutural pareça conferir demasiada estabilidade ao fenômeno, deve-se lembrar que há uma lógica de intercâmbio e permeabilidade entre diferentes formas de pensamento social, cujo arcabouço material pode ser localizado na história e na memória social de uma cultura. Ressalta-se que as representações sociais podem ser entendidas simultaneamente como produto e como processo. Como produto, elas remetem ao conjunto organizado de conteúdos que confere ao objeto social estatuto de realidade, a saber, as crenças, opiniões e valores. Como processo, elas remetem à atividade sociossimbólica a partir da qual um grupo reconstrói o real, conferindo forma e função aos conteúdos que caracterizam o objeto em suas diferentes modalidades de expressão, como os discursos, as imagens midiáticas e os comportamentos (Dany, 2016). Ainda que existam diferentes definições sobre o mesmo conceito, a consideração simultânea dos processos e dos conteúdos pode ser indicada como um fundamento comum a todas elas. Isso parece ficar evidente em uma definição apresentada por Moscovici, em que o autor concebe a representação social como “a elaboração de um objeto social pela comunidade com o propósito de se comportar e comunicar” (Moscovici, 1963, p. 251, tradução livre), pressupondo a indissociabilidade entre o processo (a atividade de elaboração) e o produto (o próprio objeto socialmente elaborado). Uma vez que diferentes definições teóricas sobre o conceito de representação social ressaltam aspectos específicos do fenômeno, em direção ao que discute Sá (1998), é possível argumentar que a operacionalização e consistência teórica desse construto decorram da própria pergunta de pesquisa que se elabora em situações de análise psicossocial, o que pode orientar a escolha por uma ou outra perspectiva. Por exemplo, questões sobre a sociogênese de uma representação podem ser respondidas com base nas formulações que enfatizam as relações entre os saberes e as práticas sociais. De modo análogo, perguntas sobre a imbricação das dinâmicas societais na atualização dos modos de funcionamento cognitivo em contextos específicos podem ser atendidas por definições teóricas que concebem as representações sociais como princípios organizadores das relações simbólicas dos indivíduos com os grupos. Ao seu turno, comparações entre grupos ou questões a respeito da organização e estrutura de uma representação social podem ser beneficiadas por formulações interessadas pelas características dos subsistemas central e periférico do campo representacional de determinado objeto. É certo que essas indicações não são suficientes para esgotar as possibilidades de análise ou de caracterização conceitual, mas acredita-se que elas são, ao menos em parte, capazes de orientar a escolha do enfoque teórico conferido pela pergunta de pesquisa em situações concretas de investigação psicossocial. 8.4 O FENÔMENO DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL: CARACTERÍSTICAS, FUNÇÕES, PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO E DIMENSÕES DE ANÁLISE As considerações apresentadas na seção anterior buscaram caracterizar os modos como a noção e o conceito de representação social são concebidos na literatura da 292 Representações sociais psicologia social. Por sua vez, esta seção pretende discorrer sobre as características das representações sociais como fenômeno, seus processos de construção, funções e possibilidades de análise. Uma questão que deve ser inicialmente colocada diz respeito à especificidade de uma representação social em relação a outras formas de expressão do pensamento social. Trata-se de responder à seguinte pergunta: todo tipo de saber socialmente compartilhado pode ser considerado uma representação social? Se as representações sociais designam verdadeiras teorias coletivas do senso comum (Moscovici, 1978/2012a), elas não podem ser confundidas com meras opiniões, crenças ou informações desconexas sobre um objeto. Como conjuntos articulados e dinâmicos de conceitos, categorias e formas de pensamento, as representações sociais se distinguem de outros fenômenos pelo seu caráter de produção e compartilhamento coletivo, pela existência de uma organização que estrutura e define as relações entre seus elementos sociocognitivos, assim como pelas funções desempenhadas na relação dos indivíduos com os grupos com os quais interage cotidianamente (Rateau et al., 2011). Do mesmo modo que não se pode falar que há representações sociais para todo e qualquer objeto, também não é possível tratar toda forma de expressão simbólica como um conteúdo de representação social. Os elementos constitutivos de uma representação devem desempenhar funções de organização e regulação das relações entre os atores sociais de determinado contexto (Dany, 2016). Nessa perspectiva, para que uma representação social seja construída, o objeto deve ter suficiente espessura ou relevância cultural, devendo estar implicado de forma consistente nas práticas sociais e comunicativas do(s) grupo(s) em questão (Sá, 1998). Ao encontro dessa ideia, Santos (2005) afirma que: Não é, portanto, todo e qualquer conhecimento do senso comum que pode ser denominado de representação social. Para gerar representações sociais o objeto deve ser polimorfo, isto é, possível de assumir formas diferentes para cada contexto social e, ao mesmo tempo, ter relevância cultural para o grupo (p. 22). Para que seja possível argumentar em favor da existência de uma representação social, é necessário considerar as condições que facilitam a sua emergência: a saliência do objeto na sociedade e na vida dos grupos; a sua apropriação por meios de comunicação de massa; a dispersão de informações existentes sobre o objeto na cultura e em diferentes sistemas de saber; a consequente defasagem de conhecimentos por parte dos indivíduos em relação à totalidade das informações que circulam na sociedade; a focalização produzida pelos interesses dos grupos a respeito de determinados aspectos do objeto; e a pressão à inferência, que ocorre pela necessidade que os indivíduos têm de reagir e se posicionar diante do objeto em comunicações e práticas cotidianas (Moscovici, 1978/2012a; Sá, 1998; Santos, 2005). Psicologia social: temas e teorias 293 Se uma representação social é concebida como um tipo de saber prático que liga um sujeito a um objeto (Jodelet, 1989/2005), diferentes representações não apresentam necessariamente as mesmas características. Segundo a tipologia esboçada por Moscovici (1988), as representações sociais podem ser classificadas como hegemônicas, emancipadas e polêmicas. As representações hegemônicas são aquelas compartilhadas por um grupo social que não as produziu. São representações que possuem um caráter coercitivo, tal como as representações coletivas (ver. Durkheim, 1898), e que, por isso, não são questionadas. As representações emancipadas são aquelas produzidas no interior de grupos sociais específicos e que são marcadas pelo tipo de relação que o grupo estabelece com o objeto. Nesse sentido, cada grupo constrói sua própria versão da realidade em questão com base no grau de proximidade e na maneira de se relacionar com o objeto social (Cabecinhas, 2004). Por fim, as representações polêmicas são aquelas produzidas nas relações de conflito e disputas intergrupais, não sendo, portanto, aceitas por todos os grupos envolvidos com o objeto. Deve-se notar que a operacionalização dessa tipologia na pesquisa psicossocial guarda consigo o desafio de contextualizar não apenas as características do objeto, mas também as marcas do próprio sujeito (coletivo) que constrói a representação. Esse desafio pode ser ampliado para o estudo das representações sociais como um todo, principalmente se for colocado o questionamento sobre quem produz ou quem compartilha uma representação social. Ao encontro do que discute Moscovici (1978/2012a) sobre a questão de quem produz um sistema de pensamento coletivo (e.g., representação social, ciência ou ideologia), argumenta-se que “saber ‘quem’ produz esses sistemas é menos instrutivo que saber ‘por que’ foram produzidos” (Moscovici, 1978/2012a, p. 71). Isso não significa abandonar a necessária reflexão sobre as relações dos grupos com os objetos sociais analisados, mas o argumento pode servir para não reduzir a análise do fenômeno da representação social a uma busca apressada pela definição do sujeito com base em um grupo taxionômico (i.e., aqueles que são definidos a partir de alguma característica em comum, como mulheres, estudantes, adolescentes etc.). Desde uma perspectiva sociogenética da questão, mais do que localizar em um grupo ou categoria a origem da representação social, o que deve ser colocado em evidência são as suas dinâmicas de elaboração, de acordo com as condições de participação e pertencimento social que regulam a relação dos indivíduos com os objetos. Em que pese a pertinência dessa observação, definir operacionalmente um grupo a partir de critérios taxionômicos pode ajudar a contextualizar as condições de produção de uma representação social, principalmente porque grupos baseados em categorizações sociais também servem para indicar a existência de interesses comuns, senso de identidade e pertencimento (Sá, 1998). Embora a discussão sobre o sujeito da representação social pareça demasiadamente específica, ela permite ressaltar que as condições de determinação do fenômeno não podem ser explicadas apenas pela participação de um grupo, seja ele real, psicológico ou taxionômico. Se assim o fosse, o “social” da representação estaria reduzido ao nível posicional de explicação (ver Doise, 1982, 2002) e o conceito perderia a sua capacidade de integração com outros níveis de análise. Em vez disso, argumenta-se 294 Representações sociais que a abordagem oferece um quadro teórico-conceitual para o estudo dos fenômenos representacionais capaz de integrar, por exemplo, a singularidade da experiência dos sujeitos com o objeto, seus modos de organizar as informações do campo representacional, as características da situação de expressão e ativação dos conteúdos sociocognitivos compartilhados, as formas de pertença e participação social dos indivíduos, bem como as crenças, as normas e os valores sociais que são hegemonicamente compartilhados em dado contexto cultural. Se essa reflexão não ocorre, a análise pode perder parte da complexidade inerente ao “olhar psicossocial” e conferir demasiada rigidez ao nível posicional de explicação, pressupondo, por exemplo, que o pertencimento a determinado grupo seria igualmente valorizado por todos os seus membros ou, ainda, que essa pertença seria saliente em toda e qualquer situação que envolva o objeto social estudado. Feitas essas considerações sobre “quem” produz uma representação social, duas novas perguntas podem ser formuladas: por que construímos representações sociais e quais são as suas funções? De acordo com Moscovici (2009), “a finalidade de todas as representações sociais é tornar familiar algo não-familiar, ou a própria não-familiaridade” (p. 54). Como assinala Wagner (1998), trata-se de produzir um mundo de objetos “domesticados”, com os quais os indivíduos podem interagir, lidar simbolicamente e se comunicar com o outro. A construção de representações sociais é, portanto, motivada pela necessidade de inclusão do indivíduo nas trocas comunicativas, garantindo a possibilidade de falar de maneira consensual sobre o mundo e sobre partes dele. A ideia não é meramente ampliar o conhecimento que se tem sobre dado objeto, mas saber se comunicar sobre aquilo que os grupos se comunicam (Moscovici, 1978/2012a). É a partir dessa dinâmica de construção e familiarização, de apropriação e reelaboração da realidade, que as representações são construídas, produzindo uma realidade consensual, compreensível e percebida como natural. Importa notar que a ideia de consenso aqui utilizada se refere muito menos a uma homogeneidade nas formas de pensar do que a uma experiência de inteligibilidade compartilhada. Além de tornar familiar o não familiar (ou a própria não familiaridade), as representações sociais desempenham quatro funções essenciais (Abric, 2001b). A primeira delas se refere à função de saber, que permite que os indivíduos compreendam e expliquem a realidade de maneira coerente com seu sistema cognitivo e valores. O saber prático das representações sociais define os quadros comuns de referência a partir dos quais as trocas comunicativas são garantidas, incluindo as comunicações midiáticas. Nesse contexto, a existência de representações sociais é entendida como condição necessária para a comunicação social (Abric, 2001b), ao mesmo tempo que os meios de comunicação de massa atuam na “organização e construção das informações que permitem a emergência de teorias do senso comum a respeito dos diferentes objetos sociais” (Santos et al., 2009, p. 447). Em seguida, é possível falar em uma função identitária, pois as representações contribuem para definir identidades pessoais e sociais por meio de processos de comparação social que ocorrem nas relações interpessoais e intergrupais (Abric, 2001b). Isso ocorre, por exemplo, porque os indivíduos constroem e compartilham representações sociais sobre os seus próprios grupos de pertença e sobre os grupos dos quais Psicologia social: temas e teorias 295 não fazem parte, mas com os quais tendem a se comparar para construir suas identidades sociais. Tratam-se, respectivamente, de representações identitárias do endogrupo e do exogrupo (Deschamps & Moliner, 2014). Nesses casos, o exogrupo é frequentemente representado de maneira mais estereotipada (homogeneizada) e menos positiva (ou mesmo negativa) em relação ao endogrupo, de modo que essas representações acompanham e atualizam dinâmicas de conflito intergrupal e as diferentes formas de manifestação do preconceito (cf. Cavazza, 2008; Deschamps & Moliner, 2014; Lima, 2020). Além dessas representações identitárias, deve-se lembrar que diferentes grupos entram em disputa pela definição dos objetos sociais que consideram importantes para alcançar seus objetivos e para construir a identidade social dos seus membros (Vala, 1997). Dessa maneira, a função identitária pode ser observada tanto em representações identitárias quanto nos processos de construção de objetos sociais que se encontram inseridos em dinâmicas que influenciam a definição da identidade e da diferença. A terceira função das representações sociais diz respeito à própria finalidade prática do saber socialmente elaborado e compartilhado. Trata-se da função de orientação na elaboração de condutas e práticas sociais. De acordo com Abric (2001b), isso resulta de três fatores: as representações sociais contribuem para definir a finalidade das situações, determinando o tipo de gestão cognitiva adotada pelo sujeito e pelo grupo; elas também produzem um sistema de antecipação e de expectativas, o que antecede e determina as maneiras possíveis de se relacionar com o outro e com o objeto; e, por fim, as representações são prescritivas, pois definem os comportamentos aceitáveis e inaceitáveis em função das regras e normas sociais características de determinado contexto ou situação social. A quarta função descrita por Abric (2001b) possui relação estreita com a anterior. Se as representações sociais funcionam como guias de conduta, elas também permitem justificar posteriormente os comportamentos e práticas sociais adotados. Isso significa que elas desempenham um papel fundamental no modo como os indivíduos explicam e legitimam suas ações diante do outro, incluindo aquelas que ocorrem em contextos de interação intergrupal (Abric, 2001b). Depreende-se, portanto, que as representações sociais atuam não apenas na justificação dos comportamentos em um nível situacional de análise, mas também estão presentes em condutas intergrupais, servindo à diferenciação social e à criação ou manutenção de relações assimétricas de poder, que são processos típicos dos níveis posicional e ideológico de explicação (ver Doise, 1982, 2002). Até aqui, a presente seção buscou responder às perguntas sobre o que são representações sociais, por que elas são construídas e para que elas servem, mas pouco se discutiu sobre o seu processo de construção. Portanto, uma nova pergunta sobre o fenômeno se faz necessária: como são construídas as representações sociais? Certamente há diferentes maneiras de abordar essa questão e algumas delas já foram indicadas ao longo do texto. Aqui, especificamente, torna-se pertinente construir uma resposta com base em processos gerais, baseados em interações sociais e comunicativas, mas também nos processos sociocognitivos de objetivação e ancoragem. 296 Representações sociais De modo geral, é possível afirmar que as representações sociais são formadas pelo próprio processo de construção social da realidade, ainda que isso não ocorra de maneira consciente, deliberada ou intencional. A construção social é um caminho contínuo que não acontece simplesmente porque os atores sociais querem, mas que depende dos discursos e significados que foram produzidos ao longo da história a partir de práticas sociais culturalmente determinadas (Wagner, 1996). Isso significa que o processo não ocorre de maneira arbitrária, pois “os objetos, pessoas e acontecimentos são percebidos e compreendidos em relação a prévios encontros e paradigmas” (Moscovici, 2009, p. 55). Nesse contexto, as interações comunicativas desempenham um papel fundamental, conforme resume Jodelet (1989/2003): “a comunicação social, sob seus aspectos interindividuais, institucionais e midiáticos, aparece como condição de possibilidade e de determinação das representações e do pensamento sociais” (p. 64, tradução livre). Por conta da ênfase dada por essa abordagem aos processos comunicativos que constroem representações sociais, muitas pesquisas do campo têm se interessado por analisar os conteúdos que são veiculados em meios de comunicação de massa (Simoneau & Oliveira, 2014). Esse interesse está presente na TRS desde a publicação da obra seminal de Moscovici (1978/2012a), quando o autor buscou analisar como a psicanálise era apropriada por diferentes veículos e sistemas de comunicação da imprensa francesa. Nessa pesquisa, Moscovici oferece uma tradição teórica que aborda as produções midiáticas a partir de uma concepção orgânica e dialógica da comunicação (Camargo & Bousfield, 2011; Sousa et al., 2019). Nesse contexto, “operar uma análise psicossocial da mídia no âmbito das representações sociais significa abordá-la como produto e produtora de interações comunicativas, atuando na visibilização de fenômenos de interesse coletivo, assim como na manutenção e legitimação de comportamentos e normas sociais” (Sousa et al., 2019, p. 230). Além da possibilidade de localizar os processos de construção de representações nas práticas sociais e comunicativas, é fundamental considerar a participação de dois processos sociocognitivos específicos na formação do conteúdo e da estrutura de uma representação: a objetivação e a ancoragem. De acordo com Moscovici (2009), a objetivação é o processo que transforma um conceito em uma imagem, ou núcleo figurativo, concretizando aquilo que é da ordem do abstrato por meio de características do objeto e conteúdos selecionados pelas próprias dinâmicas grupais. Esse processo ocorre em três etapas (Cabecinhas, 2004; Jodelet, 1989/2003; Moscovici, 1978/2012a): por conta da dispersão e defasagem das informações sobre o objeto, alguns conteúdos são selecionados e descontextualizados em função das normas e dos valores do grupo ou coletividade que constrói a representação; em seguida, esses conteúdos são organizados em um núcleo figurativo, formado por elementos que mantêm entre si padrões estruturados de relação; por fim, ocorre a naturalização, etapa que confere materialidade ao objeto, que passa a ser percebido como realidade objetiva e independente das relações intersubjetivas que o construíram. Em síntese, “(...) trata-se de privilegiar certas informações em detrimento de outras, simplificando-as e dissociando-as de seu contexto original de produção” (Almeida & Santos, 2011, p. 293). Psicologia social: temas e teorias 297 O segundo processo, a ancoragem, é caracterizado pela inserção do objeto em um sistema de pensamento preexistente, estabelecendo uma rede de significações em torno dele, tornando-o familiar e conferindo-lhe valor funcional e instrumental na vida com o outro (Jodelet, 1989/2005; Moscovici, 1978/2012a). Em suma, “a ancoragem corresponde exatamente à incorporação ou à assimilação de um novo objeto em um sistema de categorias que são familiares e funcionais aos indivíduos e que lhes estão facilmente disponíveis na memória” (Almeida & Santos, 2011, p. 293). Esse processo começa desde o momento em que o objeto é nomeado, isto é, classificado linguisticamente na relação com outras categorias já conhecidas. Isso é fundamental para a construção de uma representação social, sobretudo porque “(...) representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes” (Moscovici, 2009, p. 62). De acordo com Doise (1992), a operacionalização da noção de ancoragem é crucial para ultrapassar as limitações colocadas por uma abordagem exclusivamente centrada na análise dos conteúdos de representações sociais. O autor enfatiza a necessidade de analisar as dinâmicas relacionais que determinam as formas particulares de organização de conteúdos semânticos de dado contexto social. Essa maneira de pensar conduz à identificação de três tipos de ancoragem (Doise, 1992): o primeiro analisa a intervenção de crenças e valores gerais; o segundo ocupa-se da relação entre os modos como os sujeitos se percebem e se localizam em termos de posições ou categorias sociais e a organização dos conteúdos de representação; e o terceiro busca estabelecer conexões entre as formas de organização simbólica e as inserções sociais dos indivíduos, o que viabiliza a comparação entre grupos em função das suas condições de inserção e participação social. Outro modo de caracterizar o conceito foi abordado por Buschini e Doise (2008), que, conforme resumem Trindade, Santos e Almeida (2011), propõem duas formas de operacionalizar o processo de ancoragem: uma ancoragem semântica, que se debruça sobre as redes de sentido que são construídas em torno do objeto e outra que se dedica a analisar os processos de regulação social que organizam as variações interindividuais das tomadas simbólicas de posição a respeito dos conteúdos de uma representação. Cumpre ressaltar que as noções de objetivação e a ancoragem não descrevem processos isolados ou independentes entre si. Antes, são operadores analíticos que permitem compreender as condições de emergência e estruturação de uma representação ao mesmo tempo que são observadas as formas de enraizamento social e cultural do objeto. Nesse contexto, uma perspectiva interessada pelo processo de elaboração representacional da realidade deve ser capaz de integrar diferentes sistemas de representação que regulam as relações dos membros de uma sociedade com os objetos: (...) trata-se não apenas de apreender as ideias, noções, imagens, modelos, dos quais as representações sociais são a concretização, e os quadros categoriais e classificatórios que são os princípios de ordem que asseguram a articulação entre o sistema de pensamento e ação. Trata-se também de apreender 298 Representações sociais as modalidades coletivas segundo as quais os membros da sociedade ou de um de seus grupos religam os elementos representativos em suas operações de pensamento, isto é, as lógicas e sintaxes específicas às quais os sistemas de representações obedecem. Em uma palavra, trata-se de estudar globalmente os processos de pensamento de uma sociedade (Jodelet, 1984, p. 26, tradução livre). Os pontos de discussão abordados até o momento permitiram indicar alguns dos principais elementos teóricos que fundamentam a abordagem das representações sociais no estudo dessas modalidades específicas de manifestação do pensamento social. Uma última questão pode ser colocada com o objetivo de facilitar o desenvolvimento de análises psicossociais a respeito desses fenômenos no âmbito da psicologia social, a saber: quais são as dimensões de uma representação social? Desde a publicação de La psychanalyse, son image et son public, em 1961, Moscovici (1978/2012a) propôs que as representações sociais possuem três dimensões: informação, atitude e campo. A dimensão da informação diz respeito às características qualitativas e quantitativas da informação que os indivíduos e os grupos possuem a respeito de determinado objeto. Isso significa retomar a observação de que as pessoas não têm acesso à totalidade dos conhecimentos que são produzidos sobre o objeto em uma cultura, já que os membros de uma sociedade dispõem de informações específicas em função da saliência do objeto nas suas práticas cotidianas e das suas condições de inserção social. A atitude, por sua vez, diz respeito à orientação avaliativa global que se estabelece diante do objeto (favorável/desfavorável, positiva/negativa). Por fim, o campo da representação designa o modo como os elementos sociocognitivos da representação são hierarquizados, organizados e estruturados em uma imagem ou núcleo figurativo, o que ocorre no processo de objetivação. De acordo com Sá (1998), muitos estudos tentaram operacionalizar as duas primeiras dimensões em pesquisas, mas essas tentativas se revelaram pouco frutíferas: “Havia o risco de se cair em um estudo clássico de sociais e/ou, pior ainda, em uma simples testagem de conhecimentos populares a ser comparada com aqueles próprios dos universos reificados” (Sá, 1998, p. 69). Além disso, Moliner (1996) considera que a dimensão da atitude, tal como foi conceituada, não seria pertinente para todo e qualquer objeto social: “nós compreendemos bem o exemplo proposto por Moscovici ao descrever as respostas de pessoas favoráveis ou desfavoráveis à psicanálise. Mas que sentido tem em ser favorável ou desfavorável à inteligência, à doença mental ou à economia?” (Moliner, 1996, p. 53, tradução livre). Por conta disso, o autor sugeriu abordar a dimensão da atitude com base no reconhecimento dos elementos de uma representação que desempenham funções avaliativas, sejam eles afetivos, cognitivos ou conativos (Moliner, 1996). Nesse contexto, as pesquisas passaram a se ocupar quase que exclusivamente da dimensão do campo da representação (Sá, 1998). Para Jesuino (2011), a noção de imagem, vinculada à operacionalização do campo representacional, possui um caráter dinâmico e comporta tensões e transformações na forma de Psicologia social: temas e teorias 299 organização dos conteúdos que caracterizam a representação. Assim, o campo da representação passa a ser compreendido como um modelo que permite considerar as dimensões de informação e atitude (Jesuino, 2011). Conforme é possível depreender, a contribuição teórica da noção de campo reside precisamente na possibilidade de abordar as formas de organização e estruturação dos conteúdos de uma representação social, já que ela não pode ser reduzida a simples opiniões, crenças e fragmentadas (Moscovici, 1978/2012a). Além disso, com a noção de campo organizado e hierarquizado, compreende-se que os elementos de uma representação não possuem a mesma importância nos processos de construção social do objeto para determinado grupo, comunidade ou cultura. Em outras palavras, alguns elementos ocupam posição central em determinadas construções, enquanto outros são periféricos ou menos característicos. Marková (2006) identifica duas maneiras de analisar essa questão: uma representada pela teoria do núcleo central, que marca a chamada abordagem estrutural da TRS (ver Abric, 1998; Sá, 2002), e outra pela abordagem dialógica, que busca analisar como a história, a cultura e outras circunstâncias contribuem para a estruturação e mudança das representações (Marková, 2006). Na abordagem estrutural das representações, esses fenômenos são estudados como um conjunto organizado de informações, crenças, opiniões e atitudes a respeito de um objeto, composto por dois subsistemas interdependentes, um sistema (ou núcleo) central e um sistema periférico (Abric, 1998, 2003). O primeiro, de caráter consensual, é composto por elementos notavelmente estáveis, consistentes e resistentes à mudança. O sistema central tem a função de conferir sentido a uma representação, de organizar e estabilizar os seus elementos a partir de normas e valores sociais. O segundo é constituído por elementos mais flexíveis, negociáveis e dinâmicos. A função do sistema periférico está ligada à concretização da representação, à regulação e orientação de comportamentos, bem como à legitimação e contextualização dos elementos do sistema central (Abric, 2001a). Além de observar as características estruturais dos elementos do campo (cognemas), essa abordagem permite identificar os esquemas cognitivos de base que definem os tipos de relações possíveis entre os cognemas centrais de uma representação (Wachelke, 2012; Wolter et al., 2016). Deve-se ressaltar que a abordagem estrutural não pretende retirar o caráter dinâmico das representações, mas, de outro modo, busca compreender como as formas de pensamento social são constituídas, organizadas e atualizadas em práticas sociais e situações interacionais de contextos específicos (Wachelke, 2012). Em outra direção, as relações entre os processos de construção de uma representação social e a estruturação do seu campo encontram lugar privilegiado no estudo sobre os themata, conceito que se refere às antinomias dialógicas do pensamento que são partilhadas culturalmente na memória coletiva de contextos sócio-históricos determinados (Marková, 2002). De acordo com Marková (2002, 2006), o pensamento, a percepção da realidade e a linguagem são domínios caracteristicamente antinômicos, de modo que as pessoas classificam o mundo e seus objetos a partir de temas estruturados por relações de oposição e diferenciação (e.g., nós/eles, humano/não humano, liberdade/opressão, saúde/doença, sujo/limpo, racional/irracional, perigoso/inócuo, 300 Representações sociais familiar/estranho etc.). Segundo Moscovici e Vignaux (2009), essas antinomias expressam ideias-fonte culturalmente arraigadas que facilitam os processos de apreensão da realidade. Embora as antinomias de pensamento atuem na base dos processos de categorização e diferenciação, um tema antinômico só se torna efetivamente themata quando passa a ocupar centralidade na estruturação de determinado fenômeno de representação social, apresentando-se como fonte de tensão e conflito (Marková, 2002, 2006). A identificação e análise dos themata que constroem determinado objeto social oferece uma possibilidade profícua de explorar as formas de estruturação dos elementos que conferem estabilidade ao campo representacional (Marková, 2006). Por essa razão, o conceito tem sido tomado como um operador analítico importante no estudo do campo representacional, uma vez que permite identificar ideias-fonte culturalmente partilhadas que atuam na construção de diferentes objetos sociais (Moscovici & Vignaux, 2009; Trindade et al., 2011). Conforme discutido ao longo desta seção, a TRS guarda consigo um conjunto de pressupostos e ferramentas teóricas que auxiliam a realização de pesquisas psicossociais interessadas em compreender as origens, o desenvolvimento, as formas e as funções do saber social na vida cotidiana. As contribuições dessa abordagem para o campo da psicologia social são marcadas pelo pluralismo metodológico, pela coexistência de orientações e possibilidades de estudo sobre os fenômenos representacionais, assim como pela capacidade de integrar diferentes níveis de análise que derivam das relações entre o indivíduo, o outro e os objetos construídos em determinado contexto histórico-cultural (Almeida & Santos, 2011; Palmonari & Cerrato, 2011; Rateau et al., 2011; Santos, 2009; Vala, 1993a; Vala & Castro, 2013). Os desdobramentos da TRS no Brasil serão brevemente indicados a seguir, mas a leitura de outros trabalhos é recomendada para uma revisão mais detalhada (e.g., Collares-da-Rocha et al., 2016; Martins-Silva et al., 2016; Santos et al., 2012; Silva et al., 2011; Simoneau & Oliveira, 2014; Spezani & Oliveira, 2013; Wachelke et al., 2015). 8.5 DESDOBRAMENTOS ATUAIS: OS ESTUDOS SOBRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NO BRASIL De acordo com Ferreira (2010), desde a sua introdução na literatura da psicologia social, a TRS ganhou espaço em pesquisas realizadas na Europa e na América Latina, buscando analisar teorias do senso comum que se construíam sobre uma infinidade de objetos sociais. Para a autora, a abordagem “tem contribuído para a compreensão de fenômenos tão diversificados quanto a saúde/doença, a doença mental, a violência, a justiça, o desemprego, a amizade, os sistemas tecnológicos, os sistemas econômicos etc.” (Ferreira, 2010, p. 58). Com base em uma revisão sistemática sobre as características de 636 artigos do campo da psicologia social, publicados no Brasil em seis periódicos com avaliações A1 e A2 no sistema Qualis 2010, Ferreira (2010) identificou que 15% da amostra foi composta por estudos sobre representações sociais. Entre os estudos da chamada psicologia social sociológica, os estudos sobre representações sociais representaram 91% da produção. Em outra pesquisa bibliográfica (Santos et al., 2013), foram analisados 550 artigos de psicologia social, publicados entre 2007 e 2011 em 16 Psicologia social: temas e teorias 301 periódicos avaliados no Qualis 2012 como A1, A2 e B1, com o objetivo de identificar as tendências teórico-conceituais do campo. Os resultados desse levantamento indicaram que a abordagem das representações sociais foi utilizada em 18% desses trabalhos. As duas pesquisas citadas sinalizam, entretanto, que grande parte dos artigos apenas citam a escolha pela TRS, mas não desenvolvem discussões comprometidas com a apresentação dos fundamentos teóricos da abordagem (Ferreira, 2010) ou não articulam as frequentes observações de natureza societal com aspectos ligados a processos psicológicos de outros níveis de análise (Santos et al., 2013). Embora os levantamentos citados não sejam tão recentes, é possível tecer duas pequenas considerações. Em primeiro lugar, fica nítido que a abordagem das representações sociais possui expressividade no conjunto de trabalhos publicados na área da psicologia social, especialmente entre aqueles que se ocupam dos níveis de análise posicionais e ideológicos, tradicionalmente associados a uma orientação sociológica da disciplina. Apesar disso, a declaração de escolha da TRS como abordagem nem sempre é acompanhada de justificativas ou mesmo da operacionalização de seus fundamentos e ferramentas teórico-conceituais. Isso pode indicar certo esvaziamento teórico, o que deveria ser evitado em nome da consistência da pesquisa em relação à perspectiva escolhida, mas também ao olhar psicossocial que lhe é característico. Além dessa questão, deve-se notar que os levantamentos citados apenas dizem respeito à inserção da TRS no campo da psicologia, mas o alcance das contribuições dessa abordagem em outras áreas também merece destaque. Nessa direção, alguns trabalhos teóricos ou de revisão têm indicado possibilidades de articulação entre a TRS e áreas como saúde (Bittencourt & Vilela, 2011), enfermagem (Silva et al., 2011), educação (Alves-Mazzotti, 1994; Sousa, 2002), educação física (Sousa et al., 2018), estudos de gênero (Arruda, 2002; Nascimento et al., 2012), estudos organizacionais (Martins-Silva et al., 2016), administração (Natt & Carrieri, 2014; Vergara & Ferreira, 2007), entre outros. A despeito dessa variedade de campos, um trabalho que buscou identificar e caracterizar os núcleos de pesquisa que desenvolvem estudos sobre representações sociais indicou que as áreas da psicologia e educação, juntas, respondem por 70% dos grupos registrados no CNPq (Martins et al., 2014). Feitas essas considerações sobre a difusão da TRS na produção científica brasileira, parece necessário comentar algo sobre as especificidades dessa abordagem no país. A produção científica se apresenta como um conjunto de práticas sociais que seleciona determinados problemas e objetos de acordo com demandas próprias ao contexto cultural em que ocorre. O uso da Teoria das Representações Sociais no Brasil reflete essa ideia, notadamente quando são consideradas as suas aplicações no presente e as possibilidades de desenvolvimento futuro. Sobre isso, Jodelet (2011) indica particularidades do movimento brasileiro ao refletir sobre a existência de estilos, orientações ou preocupações que caracterizariam suas pesquisas em relação às chamadas “escolas” ou abordagens de outros contextos. Para a autora, há no Brasil um interesse menos voltado ao desenvolvimento puramente teórico, ou ao exclusivo refinamento metodológico, do que para o entendimento de problemas sociais relevantes: “A perspectiva comum é de usar a teoria e os modelos das representações sociais para enfrentar questões vivas que atravessam a sociedade brasileira hoje em dia” (Jodelet, 2011, p. 22). 302 Representações sociais As observações da autora vão ao encontro da própria especificidade do desenvolvimento da psicologia social na América Latina. Em outras palavras, as características dos estudos sobre representações sociais no Brasil parecem se relacionar com as críticas dirigidas à importação descontextualizada de objetos, teorias e métodos dos Estados Unidos e da Europa, assim como da necessidade de produzir pesquisas baseadas em problemas sociais reais, conferindo, inclusive, maior engajamento político à psicologia social. No bojo do movimento de crítica a determinadas tradições de pesquisa psicossocial, a ideia de “neutralidade” científica passa a ser questionada, ao mesmo tempo que setores da psicologia social reivindicam objetivos emancipatórios na produção de uma consciência crítica dirigida à mudança social (cf. Ferreira, 2010; Lane & Codo, 1984; Santos et al., 2013). Ainda que não seja possível atribuir as causas das características da TRS no Brasil a esse movimento, parece necessário reconhecer que entre as chamadas psicologia social psicológica, psicologia social sociológica e psicologia social crítica há contrastes, mas também interseções e sobreposições, algo mais complexo do que a classificação pode fazer crer. Assim, embora a TRS seja considerada uma abordagem sociológica no campo da psicologia social, o seu desenvolvimento no Brasil apresenta as marcas de um processo sócio-histórico que confere materialidade às práticas político-científicas e contribui para colocar determinadas realidades em evidência no meio acadêmico. Nesse contexto, o “movimento” brasileiro na TRS pode ser caracterizado pela tentativa de responder aos problemas que derivam da realidade social, contribuindo diretamente para os domínios de aplicação do conhecimento em áreas como saúde, educação, política, justiça, direitos humanos, movimentos sociais, entre outras (Jodelet, 2011). Embora as reflexões apresentadas não sejam capazes de encerrar a discussão, conclui-se que a TRS é uma abordagem psicossocial heuristicamente útil na análise de problemas sociais, notadamente em um contexto que é historicamente marcado por desigualdades estruturais, processos de dominação e exclusão que atualizam as dinâmicas cognitivas, afetivas e comportamentais de indivíduos e grupos. Nesse contexto, em direção ao que discute Jodelet (2013), caberia à psicologia social lançar mão de explicações que não se encerrem em análises históricas, econômicas ou macrossociais, mas que possam, de maneira específica, contribuir para compreender os aspectos sociais e simbólicos que acompanham os problemas de uma sociedade. Esse parece ser o principal ponto que resume o presente, mas que também é capaz de indicar parte do futuro da TRS nos estudos psicossociais realizados no Brasil. SUMÁRIO E CONCLUSÕES O presente capítulo buscou oferecer uma introdução à Teoria das Representações Sociais (TRS) a partir dos fundamentos históricos e epistemológicos da abordagem no campo da psicologia social, bem como das características do conceito e do fenômeno das representações sociais. Embora o texto possua limitações de conteúdo que são intrínsecas à natureza introdutória do capítulo, acredita-se que a sua utilidade reside na tentativa de sistematização de discussões teórico-conceituais que, embora sejam fundamentais para o desenvolvimento de pesquisas consistentes no campo das repre- Psicologia social: temas e teorias 303 sentações sociais, raramente são encontradas ou aprofundadas em estudos empíricos. O texto deve ser entendido como um convite à elaboração de novos questionamentos sobre os processos de construção, as formas e as funções do saber social na vida dos indivíduos, dos grupos e da sociedade. Assim, espera-se que as reflexões aqui apresentadas sirvam, ainda que parcialmente, para responder as perguntas já realizadas, mas, fundamentalmente, para produzir inquietações capazes de levar a novos percursos de investigação psicossocial e interpretação crítica da realidade. GLOSSÁRIO Ancoragem: processo sociocognitivo de construção de uma representação social responsável por inserir o objeto em redes simbólicas, sistemas de categorias e de pensamento preexistentes, o que ocorre de acordo com as condições de inserção e participação social dos indivíduos, que regulam a organização das variações interindividuais das tomadas simbólicas de posição a respeito dos conteúdos da representação. Cognição social: subárea da psicologia social que se interessa pelo modo como as pessoas pensam sobre si, sobre os outros e sobre os objetos do mundo social de maneira articulada com processos sociocognitivos que lhes permitem organizar as informações do ambiente, formar julgamentos, explicar o passado, compreender o presente e antecipar o futuro. Objetivação: processo sociocognitivo de construção de uma representação social responsável por concretizar aquilo que é da ordem do abstrato, transformando um conceito em uma imagem, ou núcleo figurativo, por meio da seleção, descontextualização e naturalização de informações sobre o objeto social, em dinâmicas grupais, intergrupais e ideológicas. Objeto social: qualquer entidade material, imaginária ou simbólica que é reconhecida por um grupo, comunidade ou cultura como algo que existe, que pode ser nomeado, caracterizado e comunicado, contribuindo para a própria definição da realidade em que os indivíduos se inserem, se orientam e interagem uns com os outros. Olhar psicossocial: forma de abordar e interpretar fenômenos relacionados ao binômio indivíduo-sociedade por parte da psicologia social, caracterizados pela integração entre níveis de explicação individuais e coletivos, bem como pela utilização de modelos teóricos dialógicos, que articulam as instâncias do eu, do outro e dos objetos sociais de determinado contexto na análise de temas e processos psicossociais. Práticas sociais: conjuntos de ações organizadas e padronizadas de acordo com normas sociais e culturais, bem como da tipificação de condutas em sistemas de papéis, instituições e grupos, contribuindo para a elaboração de representações sociais ao mesmo tempo que por elas são orientadas. Psicologia social crítica: vertente da psicologia social desenvolvida na América Latina que reivindica a necessidade de contextualização sócio-histórica, abertura metodológica, comprometimento social e aplicação do conhecimento produzido em es- 304 Representações sociais tudos psicossociais, visando contribuir com processos de desideologização, tomada de consciência e superação das relações de dominação e desigualdades. Psicologia social psicológica: vertente da psicologia social dedicada ao estudo dos sentimentos, pensamentos e comportamentos dos indivíduos em situações caracterizadas pela presença real ou imaginada de outras pessoas, com ênfase em níveis de explicação intraindividuais/intrapsicológicos e interpessoais/situacionais. Psicologia social sociológica: vertente da psicologia social dedicada ao estudo da experiência social dos indivíduos, influenciada por formas de consciência, pertença e participação em grupos sociais, instituições e contextos culturais, com ênfase em níveis de explicação posicionais/intergrupais e ideológicos. Representações sociais: formas específicas de conhecimento do senso comum, produzidas em dinâmicas grupais, intergrupais e ideológicas com a finalidade de garantir processos de comunicação e prática social, que se apresentam como sistemas organizados de opiniões, crenças, informações, avaliações e tomadas de posição, contribuindo para compreender a realidade, orientar e justificar comportamentos, bem como para definir formas de identidade e alteridade. Senso comum: modalidade de conhecimento social que se orienta por critérios práticos e funcionais de produção e validação do saber, integrando racionalidades coletivas que expressam dinâmicas grupais, intergrupais e ideológicas. Sistema/Núcleo central: subsistema de uma representação social de caráter consensual, composto por elementos sociocognitivos mais estáveis, consistentes e resistentes à mudança, conferindo sentido e organização aos elementos de uma representação social a partir de normas e valores compartilhados. Sistema periférico: subsistema de uma representação social de caráter prático e funcional, constituído por elementos mais flexíveis, negociáveis e dinâmicos, responsável por concretizar e contextualizar os elementos consensuais e normativos do núcleo central de uma representação, regulando, orientando e justificando os comportamentos dos indivíduos. Thematas: antinomias dialógicas do pensamento que são compartilhadas culturalmente na memória coletiva e que, quando constituem fonte de tensão e conflito na relação com um objeto social, funcionam como ideias-fonte que atuam na definição e estruturação do seu campo representacional. MATERIAL SUPLEMENTAR Livro Teoria das Representações Sociais: 50 anos (2019, 2 ed., revista e ampliada) Organizadoras: Angela Maria de Oliveira Almeida, Maria de Fátima de Souza Santos, Zeidi Araujo Trindade. Editora: Technopolitik. Disponível em: http://technopolitik.com.br/downloads/files/TRS50anos2aEdRevDez19r.pdf Psicologia social: temas e teorias 305 Obras completas e edições originais Serge Moscovici: http://classiques.uqac.ca/contemporains/moscovici_serge/moscovici_serge.html Denise Jodelet: http://classiques.uqac.ca/contemporains/jodelet_denise/jodelet_denise.html Redes internacionais e grupos de pesquisa sobre representações sociais http://www.europhd.net/international-networks-and-research-centres-social-representations Centro Internacional de Pesquisa em Representações e Psicologia Social “Serge Moscovici” http://www.centromoscovici.unb.br/ Congressos e eventos científicos relacionados Conferência Internacional sobre Representações Sociais (CIRS) Jornada Internacional sobre Representações Sociais (JIRS) Simpósio Internacional de Psicologia Social – Associação para o Desenvolvimento da Psicologia Social (ADEPS: https://.adeps.com.br/sips/) Encontro nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO: https://site.abrapso.org.br/) CAPÍTULO 9 PSICOLOGIA SOCIAL DISCURSIVA Pedro de Oliveira Filho INTRODUÇÃO Falas e textos constituem os diferentes fenômenos psicossociais que têm sido objeto de estudo dos psicólogos sociais ao longo de sua história, iniciada no início do século XX (ver Capítulo 1 deste livro). Mas como ocorre esse processo de constituição? Como diferentes formas e conteúdos discursivos constroem a identidade de um grupo político ou de um grupo religioso? Qual o papel da retórica nesse processo de construção? Essas são algumas questões que serão abordadas neste capítulo. Nem sempre questões como essas foram objeto de atenção dos psicólogos sociais. A indiferença em relação ao papel da linguagem na constituição dos processos psicossociais tem caracterizado historicamente a produção teórico-empírica da psicologia social – destacadamente na versão da psicologia social que é hegemônica nos Estados Unidos, versão que Farr (1998) denomina de psicologia social psicológica (para uma revisão sobre os paradigmas da psicologia social, veja o Capítulo 1 deste Manual). A linguagem, nessa tradição, é representada como um meio neutro cuja única função é expressar as diferentes entidades que habitam a mente. Essa indiferença não pode ser atribuída à ausência de reflexões sobre a relação entre linguagem e psiquismo nos Estados Unidos da primeira metade do século XX. Um autor como Sapir (1980), linguista norte-americano de grande influência, escre- 308 Psicologia social discursiva vendo nas primeiras décadas daquele século, referia-se de maneira irônica às teorias que concebiam a linguagem como uma roupagem do pensamento. Não se pode deixar de mencionar, também, a obra filosófica de John Dewey (Dewey, 1974), um ícone do pragmatismo norte-americano, que, no início do século passado, já concebia a linguagem como instrumento de ação sobre o mundo. Não surpreende, portanto, que seja no interior da tradição pragmatista dos Estados Unidos que emerge, na primeira metade do século XX, uma produção teórica de natureza psicossocial que abordava de maneira notavelmente sofisticada as relações entre linguagem e psiquismo. Trata-se da produção teórica de George Mead, na qual se argumentava, segundo Farr (1998, p. 100), que “a mente era um produto da linguagem”, e não o contrário. De qualquer forma, nas últimas três décadas esse desprezo injustificado da psicologia pelas questões de linguagem e discurso vem dando lugar ao reconhecimento do papel fundamental da linguagem na construção do psiquismo humano e das relações sociais, – acompanhando um movimento perceptível também em outras disciplinas das ciências humanas e sociais. Como resultado desse processo existe hoje um conjunto de abordagens discursivas, ou discursivamente orientadas, na psicologia e na psicologia social, lutando por espaço no meio acadêmico e se posicionando de maneira crítica em relação às abordagens tradicionais. Essa “onda discursiva” na psicologia social está representada, em uma de suas formas mais destacadas, nos estudos de psicólogos sociais ingleses ou de língua inglesa (e.g., Antaki & Widdicombe, 2008; Billig, 1985, 1987, 1988, 1991, 2012; Edwards & Potter, 1992; Edwards, 2008; Potter & Wetherell, 1987; Potter et al., 1990; Potter, 1996, 1998, 2012; Stokoe, 2015; Wetherell & Potter, 1992; Wetherell, 1996, 2007, 2008, 2015), responsáveis, nas últimas décadas, pelo desenvolvimento de uma psicologia social que usa o método de análise de discurso para abordar, de maneira inovadora, alguns dos fenômenos psicossociais investigados pela psicologia social ao longo de sua história. Este capítulo apresenta e discute, primeiramente, os conceitos de discurso e análise de discurso na psicologia social discursiva. Em seguida, apresenta quatro conceitos centrais dessa perspectiva: ação, construção, retórica e variabilidade. Depois disso, explora o uso dos métodos e conceitos da psicologia social discursiva em alguns temas tradicionais estudados por psicólogos e psicólogos sociais. Por fim, apresenta e discute as posições epistemológicas defendidas pelos teóricos dessa perspectiva. 9.1 DISCURSO E ANÁLISE DE DISCURSO Os termos discurso e análise de discurso são usados em diferentes disciplinas e perspectivas teóricas, por isso mesmo esses termos são equívocos, estão associados a muitos sentidos e definições. Segundo Fairclough (2001), na linguística o termo discurso é frequentemente usado para denominar amostras ampliadas de diálogos falados, grandes amostras de linguagem falada e escrita e diferentes tipos de linguagem: discurso do universo publicitário, discurso de consultas médicas etc. Fora da linguís- Psicologia social: temas e teorias 309 tica, um autor como Foucault (1972) usa o termo discurso para denominar discursos sociais constituídos historicamente e que atravessam amplos períodos históricos, o discurso médico, o discurso psicológico etc. A expressão análise de discurso não é menos polissêmica. É utilizada por pesquisadores interessados no uso ideológico da linguagem em determinados contextos sociais e cognitivos, e na relação entre linguagem e cognição, como é o caso de van Dijk (2000). Também é adotada por pesquisadores que privilegiam as unidades linguísticas acima do nível da sentença (Dooley & Levinsohn, 2004); por autores influenciados pela psicanálise, linguística estruturalista e marxismo; e por autores interessados nas relações entre discurso, poder e subjetividade, como os teóricos da análise de discurso francesa (ver Pêcheux, 2002), e por um autor como Foucault (1972), interessado no “poder de afirmação” do discurso, na sua capacidade de “constituir domínios de objetos, a propósito dos quais se poderia afirmar ou negar proposições verdadeiras ou falsas” (p. 69-70). Para Michel Foucault, a análise de discurso não é um tipo de análise linguística, nem o discurso pode ser visto como sinônimo de linguagem. A análise de discurso, nessa perspectiva, interessa-se por especificar formações discursivas, ou discursos, que determinam a ocorrência de determinadas categorias e enunciados em determinados períodos históricos, lugares e instituições (Fairclough, 2001). Em Discourse and Social Psychology: Beyond Attitudes and Behaviour – obra em que apresentaram nos anos 1980 do século passado alguns dos conceitos definidores da Psicologia Social Discursiva – Potter e Wetherell (1987) usam o termo discurso para fazer referência a todas as formas de interação pela fala –, conversas cotidianas, entrevistas etc. – e aos textos escritos de todos os tipos. O termo análise de discurso, nessa perspectiva, é usado para nomear a análise de todas essas formas de produção de sentido. O termo discurso na obra supracitada significa, mais especificamente, performance discursiva, linguagem em uso, falar, escrever um texto etc. Potter e Wetherell (1987) estão compreendendo “discurso” como o ato de produzir significado, como ação. Mas há um segundo significado para “discurso” em Potter e Wetherell (1987). Esses autores reconhecem que ao falar e produzir textos as pessoas utilizam um ou mais discursos. De fato, uma palestra contra o uso de drogas de um militante político conservador pode, por exemplo, ser constituída por conceitos e expressões do discurso cristão e do discurso psiquiátrico. “Discurso” nomeia agora não mais a ação, o ato de discursar; nomeia um tipo de estrutura de significação que as pessoas utilizam quando falam ou produzem textos. Em outra obra (Potter et al., 1990), as noções de verbo e substantivo serão usadas para definir os dois sentidos de “discurso”: “discurso” entendido como verbo refere-se à linguagem em ação, “discurso” entendido como substantivo refere-se a estruturas de significação como o discurso psiquiátrico, o discurso liberal etc. Mas reconhecer a existência de discursos, entendidos como estruturas de significação, não significa aceitar uma definição que reifica esses fenômenos. Não significa endossar a ideia que os discursos – o discurso cristão, o discurso psiquiátrico, o discurso da democracia racial, dentre outros – seriam entidades que usariam as pessoas 310 Psicologia social discursiva e não seriam usadas por elas. Por entender que discursos são abstrações do uso da linguagem em diferentes contextos, um tipo de realidade que não existe por si só, que só existe porque é produzida continuamente pelas práticas discursivas dos seres humanos, esses autores (Potter & Wetherell, 1987; Potter et al., 1990; Wetherell & Potter, 1992) substituem “discurso” por “repertório interpretativo” nas duas primeiras décadas de desenvolvimento da psicologia social discursiva. A expressão repertórios interpretativos é apresentada nas primeiras obras desses autores (Potter & Wetherell, 1987; Potter et al., 1990; Wetherell & Potter, 1992) como uma expressão mais apropriada para destacar o caráter prático e situado da linguagem, uma preocupação central da psicologia social discursiva. Wetherell e Potter (1992) definem repertórios interpretativos como conjuntos de termos e descrições agrupados ao redor de metáforas, figuras, imagens. Sistemas de significação utilizados para descrever as estruturas sociais, o eu e suas ações, recursos discursivos usados para avaliar, construir versões tidas como verdadeiras e realizar ações específicas (Wetherell & Potter, 1992). O repertório de comunidade, por exemplo, é formado por um conjunto de termos que descrevem relações sociais de certo tipo – marcadas pela coesão, proximidade, integração – e por metáforas que fazem referência às relações espaciais, ao organismo e à agência. Diferentemente do tipo de análise realizada por Foucault, por exemplo, a análise de discurso desenvolvida pela psicologia social discursiva não tentaria identificar a construção de um determinado objeto de maneira abstrata por esse repertório, e sim os diferentes objetos produzidos por ele em diferentes práticas (Potter et al., 1990). Um repertório bem conhecido dos brasileiros, que poderia ser denominado de repertório ou discurso da democracia racial (também se poderia denominá-lo de repertório ou discurso da mestiçagem), pode ajudar a compreender a diferença entre os dois modos de trabalhar com a noção de discurso, o de Foucault e o da psicologia social discursiva. Como se pode ver em Oliveira Filho (2005, p. 249), esse discurso é composto por expressões como “todos nós temos um pouquinho de negro”, todos somos “mestiços”, por imagens como “lá atrás a raiz dele é negra”. Trata-se de um discurso que tende a construir o Brasil como um país não racista ou pouco racista, que rejeita o modo de classificação racial dos Estados Unidos, que tem aversão ao conceito de raça. No estudo de Oliveira Filho (2005), ele atua para amenizar o racismo no Brasil, em outro estudo desse mesmo autor (Oliveira Filho, 2009) ele combate as cotas para afrodescendentes, mas não há nenhuma necessidade lógica que determine ações desse tipo em todas as ocasiões em que ele é usado. Em outros termos, esse discurso, assim como todo e qualquer discurso, nem sempre construirá os seus objetos, as relações raciais no Brasil, os negros, os brancos, da mesma maneira, por isso é preciso em cada caso acompanhar a linha argumentativa em que ele é mobilizado. O tipo de análise desenvolvida pela psicologia social discursiva também se diferencia claramente de outras abordagens analíticas, desenvolvidas em disciplinas, como a linguística ou a psicologia. Os psicólogos sociais discursivos não estão interes- Psicologia social: temas e teorias 311 sados na interface entre discurso e cognição – no papel de estruturas cognitivas na compreensão de textos, por exemplo –, em questões fundamentalmente linguísticas ou nas variações da linguagem quando usadas por diferentes grupos sociais, no estilo da sociolinguística. Estão interessados no poder construtivo da linguagem, em entender como o eu, a mente, a interação, as relações sociais e a vida social são construídos discursivamente. Assim, direcionam seus olhares para as interações discursivas cotidianas, para as atividades discursivas e os recursos – termos, vocabulários e sistemas de categorias – utilizados quando realizam essas atividades (Potter, 1996). Interessada como está nas atividades realizadas discursivamente, a psicologia social discursiva direciona sua atenção para quatro tópicos: ação, construção, retórica e variabilidade. 9.2 CONCEITOS CENTRAIS NA PSICOLOGIA SOCIAL DISCURSIVA 9.2.1 AÇÃO Um pressuposto central do construcionismo, presente num artigo seminal de Gergen escrito na década de 1980 do século passado (Gergen, 1985), é a ideia de que fazer uso da linguagem é uma forma de ação como qualquer outra, ação que produz os mais diversos efeitos sobre as relações sociais – nessa perspectiva, as pessoas realizam ações quando formulam argumentos, descrições, narrações etc. Esse tema será aprofundado e transformado num princípio fundamental da técnica de análise de discurso desenvolvida pelos psicólogos sociais discursivos (Potter & Wetherell, 1987; Potter et al., 1990; Wetherell & Potter, 1992; Potter, 1998). A perspectiva teórico-metodológica desenvolvida por esses autores inspira-se nas teorias desenvolvidas pela filosofia analítica inglesa (Austin, 1998; Ryle, 1990; Wittgenstein, 1979), principalmente pela filosofia dos atos de fala desenvolvida por Austin. Segundo Potter (1998), uma característica central da filosofia de Austin é o combate às teorias filosóficas que privilegiam os aspectos referenciais da linguagem, preocupando-se somente, no que diz respeito à linguagem, com questões de verdade e falsidade. Austin (1998) parte de uma distinção entre duas classes de expressões, as que afirmam coisas e as que fazem coisas, e depois procura demonstrar que essa distinção não se sustenta, na medida em que toda e qualquer expressão depende de questões de verdade e falsidade e realiza ações. Dois exemplos podem ajudar a compreender o argumento do autor. A expressão “Recife localiza-se no litoral de Pernambuco”, além de ser uma expressão que se caracteriza fundamentalmente por seu caráter de verdade ou falsidade, é também um ato de afirmar. Por outro lado, a expressão “prometo devolver seu dinheiro amanhã na casa de Maria” é parte do ato de prometer, mas também depende da existência de referentes reconhecidos para termos como “dinheiro” e “casa”, por exemplo. Outra abordagem teórica que ressalta as ações realizadas pela linguagem em uso é a etnometodologia, corrente teórica da sociologia norte-americana que se desenvol- 312 Psicologia social discursiva veu a partir dos trabalhos do genial sociólogo Harold Garfinkel (Garfinkel, 1987). Os teóricos que participaram da construção da etnometodologia e da análise conversacional, disciplina esta que se desenvolveu a partir da etnometodologia, combatem a noção de que no estudo das produções discursivas o mais importante é saber se elas representam objetos do mundo de maneira mais ou menos verídica (Potter, 1998). Argumentam que as falas das pessoas são parte constitutiva das ações e eventos, e não somente relatos sobre eventos, e que os sentidos dos seus relatos são dependentes do contexto (Potter & Wetherell, 1987). Os etnometodologistas usam o termo reflexibilidade para falar do caráter constitutivo da fala, para ressaltar sua capacidade de produzir consequências dentro das situações ao descrevê-las, para falar, enfim, do caráter funcional da linguagem. Segundo Garfinkel (1987), a principal recomendação que deve ser seguida por um etnometodologista é tratar as atividades pelas quais as pessoas gerenciam e produzem suas relações nos cenários cotidianos como idênticas aos procedimentos usados para torná-las explicáveis, justificáveis. Em outras palavras, descrevendo, explicando e classificando as pessoas produzem a si mesmas e ao mundo social em que vivem, e essa produção é interminável, contínua e contingente. O termo indexicabilidade, por sua vez, é usado por esses teóricos para afirmar que os sentidos das expressões humanas só podem ser acessados em seus contextos de uso, que a mesma sentença pode apresentar diferentes sentidos em diferentes contextos (Potter & Wetherell, 1987). Essa ideia já estava presente na filosofia analítica inglesa, e encontrou uma expressão célebre na frase de Wittgenstein segundo a qual “... a significação de uma palavra é seu uso na linguagem” (1979, p. 28). Um exemplo apresentado em Gill (2003, p. 249) é bem ilustrativo da indexicabilidade. A frase “meu carro quebrou” pode ser interpretada como uma descrição sobre o estado desse objeto, mas pode ter seu sentido radicalmente modificado com mudanças no “contexto interpretativo”. Quando dito para um amigo na saída de uma reunião, isso pode ser um pedido explícito para uma carona. Quando dito a uma pessoa que lhe vendeu o carro há apenas alguns dias pode fazer parte de uma acusação ou repreensão. Quando dito para um professor para cuja aula você está meia hora atrasado, pode se constituir em uma desculpa ou explicação (Gill, 2003, p. 249). Toda essa ênfase na ação, no caráter funcional do discurso – nos contextos discursivos – não deixam dúvidas sobre o posicionamento anticognitivista e antirrepresentacionista da psicologia discursiva, e das abordagens nas quais foram buscar alguns de seus mais importantes princípios teóricos. Comentando as diferenças entre as abordagens sociocognitivas da psicologia social e as abordagens discursivas, Augoustinos e Walker (1995) afirmam que, enquanto as primeiras compartilham da noção de representações mentais internas e entendem a cognição como anterior à linguagem – linguagem essa que seria simplesmente o Psicologia social: temas e teorias 313 meio através do qual a cognição se expressa –, as últimas enfatizam o modo como a linguagem constitui formas de experienciar o mundo. De fato, a psicologia social discursiva está mais interessada na ação dos discursos – nas funções das falas e textos – do que em cognições. Ao analisar uma descrição qualquer, se interessará antes por identificar a natureza da ação ou das ações realizadas do que por revelar as atitudes e representações subjacentes do sujeito responsável por tal descrição (Potter, 1996) (para uma compreensão dos fenômenos das atitudes e das representações sociais, veja os Capítulos 4 e 8 deste Manual). Potter (1998), um dos mais ácidos críticos do cognitivismo entre os psicólogos discursivos, elenca alguns dos principais problemas associados à noção de representações mentais internas (para uma compreensão do cognitivismo na psicologia social, veja o Capítulo 3 deste Manual). Essas representações são inferidas a partir de práticas figurativas diversas, e essas inferências são frequentemente circulares, uma vez que as próprias representações são usadas como explicações para as práticas figurativas. Um outro problema: nas correntes cognitivistas, as representações são separadas das práticas, são concebidas como entidades psicológicas estáticas dentro das pessoas e essa compreensão, segundo Potter, impede os cognitivistas de atentarem para a mobilização das representações nos contextos em que são produzidas. Além desses problemas, Potter destaca a tematização dessas entidades cognitivas no discurso cotidiano. E nesse discurso, segundo ele, é bastante problemática a distinção entre expressões que nomeiam entidades internas e expressões que nomeiam outros objetos. Sendo assim, em termos analíticos, seria pouco produtivo partir do pressuposto de que as descrições de entidades internas têm um status diferenciado. O antimentalismo também diferencia a psicologia social discursiva da teoria das representações sociais (ver capítulo sobre a teoria das representações sociais deste livro), teoria que tem no psicólogo social francês Serge Moscovici (Moscovici, 2009) sua figura central. Potter e Litton (1985), em um artigo crítico, reconhecem que Moscovici destaca o papel da linguagem na construção das representações sociais e entende a linguagem como algo mais do que simplesmente um meio neutro de representação do mundo, mas lamentam que defina as representações sociais como matrizes cognitivas subjacentes a ideias, imagens, palavras e que misture termos mentalistas e linguísticos em sua teoria. Mas no interior da multifacetada perspectiva da psicologia social discursiva alguns autores ressaltam mais os pontos de aproximação entre a teoria das representações sociais e a psicologia social discursiva do que suas diferenças. É o caso de Billig (1991), autor que não esconde sua simpatia pelo conceito de sociedade pensante de Moscovici, ao argumentar que o estudo da sociedade pensante deve levar em conta os temas contrários que constituem o senso comum, ou as representações sociais, e os recursos argumentativos mobilizados para dar conta desses temas em conflito. Mais recentemente Batel e Castro (2018), psicólogos sociais com vasta produção teórico-empírica fundamentada na teoria das representações sociais, propõem uma reabertura do diálogo entre as duas perspectivas teóricas. Ressaltam quatro suposições compartilhadas entre elas. Primeiramente, alguns estudiosos das representações 314 Psicologia social discursiva sociais definiriam esses fenômenos mais como conhecimento prático, que emerge nas relações sociais, do que como estruturas e processos mentais compartilhados. Além disso, ambas concederiam uma atenção especial à produção de sentido por meio do discurso e da comunicação, ressaltariam a variabilidade intrapessoal e interpessoal na produção de sentido e reconheceriam que a produção de sentido é dependente de relações de poder. No mesmo sentido, de Rosa (2006), num artigo crítico ao que denomina de radicalismo da psicologia social discursiva, advoga uma fertilização cruzada entre a teoria das representações sociais e o que ela denomina de abordagens menos radicais da psicologia social discursiva. 9.2.2 CONSTRUÇÃO E RETÓRICA O termo construção tem três sentidos na psicologia social discursiva. Em primeiro lugar, procura destacar que nossos discursos sobre objetos, grupos sociais etc., são manufaturados de recursos linguísticos (termos, formas narrativas, lugares comuns etc.) já existentes. Em segundo lugar, refere-se ao fato de que, diante da existência de tão variados recursos linguísticos, nossas descrições envolvem inevitavelmente uma escolha; e como há diversas possibilidades, o mesmo fenômeno pode ser descrito de diferentes maneiras. Por fim, o termo é usado para evidenciar a ideia de que, na maior parte do tempo, temos acesso ao mundo (aos grupos sociais, aos eventos etc.) por meio de construções discursivas (Potter et al., 1990). Com a ideia de construção, os autores da psicologia social discursiva procuram ressaltar que falar sobre objetos do mundo não é simplesmente descrever a natureza do mundo ou reagir a ele, é construir um mundo, à medida que nossas descrições ou versões têm efeitos concretos na vida social. Tais versões produzem realidades sociais e psíquicas à medida que produzem e reproduzem grupos sociais, sentimentos de identidade nacional, instituições etc. (Wetherell, 1996). O foco sobre os efeitos de realismo produzidos pela linguagem em ação associa-se ao interesse dos psicólogos sociais discursivos pela retórica. De fato, esse é um tema fundamental da psicologia social discursiva. Michael Billig (1985, 1987, 1988, 1991) é o estudioso que mais tem contribuído para o despertar do interesse pela retórica entre os psicólogos sociais. Para esse autor, os velhos “insights” acerca da “natureza retórica da argumentação” seriam muito úteis no estudo da ideologia e das opiniões. Tais fenômenos diriam respeito essencialmente à retórica e à argumentação (1991, p. vii). Ao acentuar a natureza retórica da ideologia e do discurso, essa perspectiva teórica direciona nossa atenção para a questão do conflito na sociedade. De fato, o contexto da retórica não se resume às relações entre o orador e a audiência. Tal contexto inclui, geralmente, as opiniões que o orador está tentando tornar justas e legítimas para seu público, mas nele também se encontram as opiniões contrárias que estão sendo combatidas, de maneira implícita ou explícita (Billig, 1987). Em outras palavras, “o argumento a favor de uma posição é sempre um argumento contra outra posição” (Billig, 1991, p. 17). Psicologia social: temas e teorias 315 Nessa perspectiva interessa observar como o discurso é organizado para tornar determinadas versões da realidade factuais, verdadeiras. Portanto, algumas características discursivas merecem uma atenção especial: o uso da categorização e da particularização para produzir os mais variados efeitos, o uso de diferentes “técnicas narrativas”, a combinação de “formulações sistematicamente vagas”, formas retóricas básicas etc. (Potter & Wetherell, 1992). 9.2.3 VARIABILIDADE DISCURSIVA Para os psicólogos discursivos, a orientação para a ação do discurso e as diferentes atividades que podem ser realizadas numa mesma intervenção, ou em intervenções diferentes, produzem mudanças na forma e conteúdo dos discursos. Em outras palavras, características individuais, eventos, grupos sociais serão descritos de diferentes maneiras como resultado de mudanças na orientação funcional (Potter et al., 1990). A variabilidade (a inconsistência, a contradição) nos discursos das pessoas não se apresenta como algo incômodo para os teóricos discursivos. Como não se pressupõe que discursos são reflexos de atitudes, estruturas ou disposições dos sujeitos, também não se espera que seus discursos sejam coerentes e consistentes (Potter & Wetherell, 1987). Segundo Billig (1991), uma das maiores diferenças entre uma psicologia social discursivamente orientada e uma abordagem cognitivista diz respeito à questão da variabilidade. Os cognitivistas, geralmente, descontextualizam os discursos dos indivíduos, os relacionam a supostas estruturas internas e tendem a supor que os indivíduos produzem respostas fixas, ao assumir que as pessoas têm sistemas de atitudes ou de crenças e que tais sistemas determinarão as respostas que serão produzidas: respostas geralmente consistentes, pois teriam sido geradas pela mesma estrutura cognitiva. As abordagens discursivas e retóricas não esperam tal consistência, segundo Billig (1991), porque não pressupõem nenhuma estrutura cognitiva gerando nossas respostas. Para Billig (1991), a variabilidade nos discursos também ocorre porque as pessoas reproduzem em seus argumentos as diversas concepções que estão em conflito no interior da sociedade, do senso comum. A variabilidade, portanto, não seria somente uma consequência de considerações estratégicas ou da orientação funcional do discurso – a variabilidade teria relação também com a própria natureza do senso comum e dos temas em conflito no senso comum. Augoustinos e Walker (1995), partindo de uma posição crítica à noção de variabilidade desenvolvida pelos psicólogos discursivos, aceitam a descrição do discurso como algo dilemático, contraditório e fragmentário, mas ressaltam que é possível identificar coerência em meio a tanta contradição. Esses autores não estão argumentando a favor da existência de indivíduos que poderiam ser classificados de maneira essencialista como os “preconceituosos”, os “racistas”, os “conservadores”, os “liberais” etc. Como os psicólogos sociais discursivos, entendem que tais tipologias são problemáticas, argumentam, no entanto, que os psicólogos discursivos superestimam a variabilidade nos relatos das pessoas. 316 Psicologia social discursiva A sugestão de uma possível superestimação da variabilidade discursiva entre os psicólogos discursivos é relevante, e aponta para a necessidade de uma atitude analítica mais cuidadosa por parte de todos aqueles que procuram destacar a variabilidade discursiva em suas análises. Mas é importante dizer que a consistência não é negada pelos psicólogos discursivos. Para eles, assim como para Augoustinos e Walker (1995), pode-se encontrar tanto consistência quanto inconsistência no discurso (ver Potter & Wetherell, 1987). Nos trechos a seguir, retirados de uma entrevista realizada com uma participante de uma pesquisa que abordava, entre outras coisas, o posicionamento de brasileiros brancos sobre o modo bipolar de classificação racial (Oliveira Filho, 2005), pode-se observar a inconsistência discursiva que tem despertado o interesse dos psicólogos discursivos e, também, a consistência ressaltada por Augoustinos e Walker. No primeiro trecho, formula-se um argumento crítico ao uso de categorias como “moreno”, “mulato”, acionadas frequentemente para nomear afrodescendentes no Brasil, categorias que deveriam, segundo a entrevistada, ser substituídas pela categoria “negro”. Trata-se de um argumento que, sem citar nenhum modo de classificação racial, é crítico em relação ao modo multipolar de classificação racial e simpático ao modo bipolar. No entanto, no segundo trecho – numa flagrante inconsistência discursiva – a entrevistada posiciona-se criticamente em relação ao modo bipolar. Sandra – Eu acho que aprender história de uma maneira geral é interessante. Acho que...sem...sem querer dar tanta ênfase, acho que é válido. Se nós tivemos...muita...muita história sobre a...a...a população branca européia, que são os imigrantes aqui, né?, eu acho que tem que ter conhecimento...Mais uma vez: evitando a discriminação..., esse negócio de bairrismo, de bandeira, eu não gosto muito disso; eu acho que isso acaba partindo pra...prum lado ruim que é a violência, depois, né? Quer dizer: um contra o outro. Eu acho que tem que haver uma integração. E acho que quando perguntam pro negro, qual é a sua cor? Tem que falar: sou negro!, num tem que falar: sou moreno, sou queimadinho, sou não sei o que, que é o que se escuta aqui, né? Sou meio escuro. Então é: sou negro e acabou!, né? E o mulato: sou negro!, porque ele é negro mesmo, né? Então...acontece que ele...ele próprio tem vergonha de dizer o que ele é. O branco tem...tem...fica com...cheio de dedos também pra falar que tem um amigo negro, quer dizer: parece que todo mundo tem um pouco de vergonha pra falar a coisa, não sei o que que acontece. Sandra – Bom, eu não...não sou uma expert em parte de genética; eu acho que tem gens recessivos, dominantes; eu não sei o que que é recessivo e dominante em alguém que tem um... um antepassado negro. Não sei o que que é. Psicologia social: temas e teorias 317 Pra mim, cor é cor. Acho que se divide pelo...pelo...pelo exterior, não é?, mais ou menos. Não sei. Não tenho conhecimento genético suficiente pra falar sobre isso. Mas tenho impressão que... Entrevistador – A senhora classificaria pela aparência, então? Sandra – Num primeiro momento, sim, que é pra mim a classificação mais óbvia, né? Quer dizer: a pele, a tez e tudo mais. Se ele se considera negro porque teve um avô negro e os outros três avós italianos, aí é um problema dele, não é verdade? Se é três a um e ele acha que um ganha...aí é o critério dele. Agora, geneticamente, cientificamente, eu não sei como... eh...classificar, mas me parece que você tem que ter uma certa proporção. Se você tem dois negros e dois brancos, ele é meio a meio, né? Se você tem um negro com três brancos, ele é mais branco do que negro. Isso é um problema de...de...genético que também é matemático, né? Então (trecho incompreensível) problema matemático. No primeiro trecho, Sandra discorre sobre o que pensa acerca de um currículo escolar com disciplinas que abordem a história e a cultura africanas. O currículo em questão foi apresentado pelo entrevistador como uma proposta de grupos da população negra no Brasil. Sandra procura mostrar-se simpática ao diferencialismo presente na proposta, posicionando-se de maneira favorável em relação ao conhecimento sobre as origens das diferentes etnias que constituem o povo brasileiro. Após ressaltar que o conhecimento sobre as origens não deve ser entendido como sinônimo de “bairrismo” e “discriminação” – que podem produzir “violência” –, Sandra assume novamente um tom diferencialista muito semelhante ao diferencialismo de grupos que militam no movimento negro: o “negro” e o “mulato” devem dizer claramente que são negros, nada de “moreno” e “queimadinho”. Tacitamente, ela afirma que os brancos também devem adotar o vocabulário diferencialista próprio do modo bipolar de classificação racial: “O branco tem...tem...fica com...cheio de dedos também pra falar que tem um amigo negro…”. No segundo trecho, Sandra está falando sobre o que pensa sobre a classificação de alguém como negro pelo fato de ter um antepassado negro. Usa dois critérios de classificação, a aparência e a genética, para rejeitar essa regra de classificação. Esses critérios aparecem em seu discurso como mais racionais, mais próximos do bom senso, do que a origem tal como usado no modo bipolar de classificação. Para ela, se um indivíduo “se considera negro porque teve um avô negro e os outros três avós italianos, aí é um problema dele”, “se é três a um e ele acha que um ganha...aí é o critério dele”. Contrasta a suposta racionalidade do modo de classificação nacional – que leva em conta a aparência e a quantidade de parentes negros e brancos de um indivíduo – com a suposta falta de bom senso do critério usado nos Estados Unidos. 318 Psicologia social discursiva Esse trecho é ao mesmo tempo coerente e contraditório em relação ao primeiro. É contraditório porque nele o modo bipolar é representado como contrário ao bom senso, enquanto no primeiro ele é representado como um fato inquestionável: “o mulato deve se classificar como negro porque ele é negro mesmo”. É coerente em relação ao primeiro trecho porque nele encontram-se também os elementos antidiferencialistas e assimilacionistas que caracterizam o discurso nacional sobre raças. No primeiro trecho ela afirma que devemos falar da história e da cultura africanas, mas sem muita “ênfase”, porque destacar em excesso a cultura negra ou outra qualquer pode resultar em “violência”. Devemos falar das diferentes culturas, mas “não com o intuito de ficar separando”, “tem mais é que integrar”. 9.3 ABORDANDO TEMAS TRADICIONAIS DA PSICOLOGIA SOCIAL 9.3.1 ATITUDES E PRECONCEITO O conceito de atitude surge na psicologia social no momento em que a disciplina estava nascendo no início do século XX. Billig (1987) ressalta que a palavra atitude no século XVII referia-se à pose dos corpos em pinturas. Quando os psicólogos sociais começaram a usar o termo no começo do século XX o sentido já tinha mudado radicalmente. O termo já não nomeava algo visível – a postura de nosso corpo – nomeava uma espécie de postura mental diante de determinados objetos. Billig (1987) afirma que, não obstante às discordâncias acerca de diferentes aspectos do conceito de atitude, os psicólogos sociais concordam que o elemento avaliativo é central no fenômeno atitudinal. Ter uma atitude é, para esses psicólogos sociais, um processo de natureza avaliativa em que as pessoas se posicionam de maneira favorável ou contrária a pessoas, grupos, visões de mundo etc. Um processo, portanto, carregado de afeto. Mas as atitudes não são simplesmente respostas afetivas a determinados estímulos; são constituídas por justificativas e criticidade, fazem parte de contextos retóricos ou argumentativos, e isso teria sido subestimado pelas teorias tradicionais sobre as atitudes. Para Billig (1987), ter uma atitude implica em justificar uma posição e atacar posições contrárias, é concordar ou discordar de algo no mundo, e esse posicionamento já torna as pessoas predispostas a iniciar um debate em defesa de suas posições – debates não ocorrem sem justificativas, construção de linhas argumentativas etc. As atitudes são, portanto, posicionamentos que ocorrem no espaço público e que se apresentam em forma de argumentos. No mesmo sentido, Potter e Wetherell (1987) elencam vários problemas com o conceito tradicional de atitude no interior da psicologia social e com o modo como as atitudes são investigadas. Os estudos sobre atitudes na psicologia social, segundo esses autores, negligenciam a importância do contexto quando se trata de evidenciar a orientação para a ação da fala e as ações de ataque e defesa que as pessoas realizam Psicologia social: temas e teorias 319 quando falam e constroem textos. Um outro problema diz respeito à supressão da variabilidade por meio do uso de escalas que constroem um sujeito com atitudes muito mais estabilizadas do que quando se usa instrumentos, como as entrevistas que não impedem e nem dificultam a emergência de contradições e inconsistências no discurso. Quando esses instrumentos são usados, produzem uma imagem bem diferente daquela em que conjuntos de atitudes se apresentam estáveis em diferentes contextos. Por fim, para esses autores um terceiro problema com os estudos tradicionais sobre atitudes diz respeito ao objeto das atitudes. Não se trata de um objeto abstrato, numa posição de exterioridade em relação aos sujeitos que o avaliam, trata-se de um objeto constituído de diferentes maneiras e a sua avaliação seria guiada pelo modo como ele foi constituído. Para superar os problemas com os estudos tradicionais sobre atitudes, os autores propõem que os psicólogos sociais não mais compreendam as atitudes como entidades mentais que exercem influência sobre o comportamento e passem a investigar os diferentes modos de produção de expressões avaliativas em falas e textos. O preconceito, um tipo de atitude, à medida que se trata de avaliação de grupos humanos, foi investigado exaustivamente pelos psicólogos sociais no século XX e em muitos desses estudos a categorização era o conceito principal (para uma discussão sobre o preconceito veja o Capítulo 12 deste Manual). A categorização – compreendida como um processo cognitivo – é central na perspectiva teórico-metodológica dominante na psicologia social, a perspectiva da cognição social. Nessa perspectiva pressupõe-se que o uso de categorias sociais (negros, brancos, pobres, ricos etc.) é uma tendência cognitiva que trabalha para simplificar e racionalizar um mundo marcado pela complexidade. A categorização, portanto, seria um processo cognitivo funcional e adaptativo (Augoustinos & Walker, 1995). Para a psicologia social discursiva, o individualismo e o universalismo, característicos dos estudos sobre categorização social realizados pelos teóricos da cognição social, naturalizam processos psicossociais intimamente ligados à exclusão social (Wetherell, 1996). Segundo Wetherell e Potter (1992), os estereótipos e os preconceitos sociais seriam, na perspectiva da cognição social, produtos das limitações cognitivas da espécie humana e não dos discursos que os difundem sistematicamente no cotidiano das pessoas. Como argumenta Billig (1985, 1987), para os teóricos da cognição social, o pensador típico é aquele que, diante dos estímulos desordenados e complexos do mundo, tenta colocá-los em esquemas e categorias. Nesse modelo burocrático de pensamento, os sujeitos, como os burocratas, procuram incansavelmente a ordem, a organização e a eficiência. Mas, continua Billig (1985, 1987), para esses teóricos há um preço a pagar por toda essa eficiência: os sujeitos procurando tornar o mundo mais racional são obrigados a produzir retratos simplificados, e até mesmo distorcidos, desse mesmo mundo. O preconceito, para a cognição social, seria, portanto, mais um produto de limitações da racionalidade do que um produto de subjetividades irracionais. Em outras palavras, para a cognição social, o preconceito seria uma limitação da racionalidade que afetaria todos os seres humanos (à medida que todos categorizam), mas não uma psicopatologia que afetaria somente um tipo particular de pessoa, como seria o 320 Psicologia social discursiva caso, por exemplo, se o preconceito fosse uma patologia da personalidade que tornasse as pessoas mais vulneráveis ao discurso preconceituoso ou mesmo predispostas ao preconceito. Billig (1985, 1987) também critica a indiferença em relação à particularização nos estudos dos teóricos cognitivos que trabalham com o conceito de categorização. De fato, tanto os estudos clássicos da psicologia social quanto os leigos nessa disciplina costumam superestimar a generalização cognitiva. A particularização seria um contraponto à ideia de que todos os indivíduos teriam uma tendência cognitiva para o preconceito em razão da generalização que acompanharia o processo de categorização. Para Billig (1985, 1987), assim como os indivíduos categorizam produzindo representações estereotipadas (“todos esses indivíduos são brasileiros e, portanto, são também alegres e festivos”), também particularizam (“esses indivíduos são brasileiros, mas não têm a natureza festiva que eu pensava ser inerente aos brasileiros”). A particularização, em casos como esses, desestabiliza a ideia tão difundida de que o preconceito seria inevitável em razão do processo de generalização que acompanharia a categorização. Outras teorias não afirmam os pressupostos universalistas das teorias cognitivas na medida em que localizam a tendência para a generalização preconceituosa somente em determinados indivíduos, os indivíduos preconceituosos. Elas são responsáveis por uma imagem muito difundida dos indivíduos preconceituosos segundo a qual esses indivíduos não suportam a ambiguidade e só pensam em determinados grupos sociais homogeneizando-os, tornando-os indiferenciados. Enfim, segundo essa imagem, os indivíduos preconceituosos pensam de maneira diferente dos indivíduos tolerantes. Talvez nenhuma obra tenha contribuído tanto para a ideia de que a forma do pensamento diferencia os indivíduos preconceituosos dos não preconceituosos do que a obra A Personalidade Autoritária de Theodor Adorno e colaboradores (1950). Essa ideia foi divulgada também por outros importantes psicólogos sociais. Em La naturaleza do prejuicio, Gordon Allport (Allport, 1971) afirmava que os processos cognitivos das pessoas preconceituosas são, de uma forma geral, diferentes dos processos cognitivos das pessoas tolerantes. Segundo Allport, os intolerantes se incomodariam com categorias diferenciadas – pensariam, portanto, como categorias indiferenciadas, homogêneas, seriam pessoas, enfim, cujo pensamento seria caracterizado pela rigidez. A ideia de que o pensamento preconceituoso é sempre generalizante não resiste, contudo, a um exame mais cuidadoso. Como argumenta Billig (1985), o pensamento mais fortemente preconceituoso e intolerante pode usar particularizações. Portanto, para esse autor, se em alguns contextos a particularização pode ser um processo de pensamento que desestabiliza a generalização preconceituosa, em outros pode ser um processo cognitivo ou discursivo inequivocamente preconceituoso. A “rigidez cognitiva”, portanto, não seria um bom critério para distinguir o preconceito da tolerância. Psicologia social: temas e teorias 321 Casos de particularização preconceituosa são frequentes no cotidiano e geralmente ocorrem quando as pessoas querem atacar algum grupo social e ao mesmo tempo se apresentarem como pessoas tolerantes, guiadas pelos valores do Iluminismo, em formulações como esta, por exemplo: “algumas mulheres são frias e racionais, mas muitas são movidas pelas emoções” (para uma discussão crítica sobre emoções e gênero, veja os Capítulos 5 e 13 deste Manual). Essas formulações são, geralmente, tentativas fracassadas de evitar a acusação de intolerância porque, em alguns contextos, o ataque presente nelas é rapidamente reconhecido. As teorias situadas no campo da cognição social tendem ao perceptualismo. Até mesmo aquelas que admitem a construção social de grupos e categorias sociais, como é o caso da self-categorization theory (Turner et al., 1987), partem do pressuposto de que a percepção individual é a base do conhecimento. Nesse modelo teórico, as categorias são concebidas como entidades que são apresentadas visualmente para as pessoas e as interações entre os indivíduos são estruturadas pelo olhar e não por discursos (Wetherell & Potter, 1992). Para as abordagens discursivas, a perspectiva da cognição social, em sua tentativa de explicar fenômenos, como o preconceito, os estereótipos e a discriminação, peca por dar mais atenção aos processos e estruturas da mente humana do que aos discursos que circulam na sociedade, por não conectar as categorias e os estereótipos à dinâmica da linguagem, dos discursos sociais, dos argumentos. O foco de atenção, portanto, deveria ser desviado para a constituição e mobilização das categorias nos discursos cotidianos e para as suas diferentes funções. Wetherell e Potter (1992), em uma obra exemplar de uma abordagem discursiva do racismo, afirmam que o foco analítico deve ser deslocado do conteúdo do discurso para a prática discursiva. Para esses autores, algumas linhas argumentativas – o igualitarismo, por exemplo – tanto podem ser usadas para objetivos racistas quanto para combater o racismo. Os argumentos podem ser mobilizados em muitas direções, por isso deve-se dar prioridade ao discurso em ação e não à linguagem, entendida como um sistema abstrato (Wheterell & Potter, 1992). Wheterell e Potter (1992) reconhecem que alguns recursos interpretativos são racistas na maioria das vezes em que são usados. Contudo, enfatizar esses recursos, segundo eles, poderia obscurecer a importância de recursos interpretativos mais flexíveis, muito usados no racismo predominante na atualidade – racismo que não apela para a raça e nem para a biologia. Por outro lado, argumentam, não se deveria esquecer que o essencialismo biológico e as caracterizações fenotípicas do senso comum, recursos que, indubitavelmente, são racistas na maioria das vezes em que são usados, também podem ser mobilizados com sucesso no combate ao racismo. O contraste entre essa forma de abordar o racismo e a abordagem do racismo encontrada na obra A personalidade autoritária, muito popular e paradigmática na psicologia social, tornará mais claro o seu poder analítico. Nessa obra, Adorno et al. (1950) analisaram exaustivamente, apoiados teoricamente na psicanálise e no marxismo, a relação entre personalidade e racismo. 322 Psicologia social discursiva A hipótese básica da pesquisa relatada em A personalidade autoritária era a seguinte: as convicções políticas, econômicas e sociais de um indivíduo frequentemente formam um amplo e coerente padrão, como se formassem uma mentalidade ou espírito, e este padrão expressa profundas tendências em sua personalidade (Adorno et al., 1950). O convencionalismo, a submissão à autoridade, a agressividade, a oposição ao subjetivo, o pensamento estereotipado – um pensamento que trabalha por meio de categorias rígidas–, a identificação com o poder, o cinismo e a projeção de impulsos inconscientes são algumas das características da personalidade autoritária (Adorno et al., 1950). A personalidade em Adorno et al. (1950) não é responsável pela existência de ideologias racistas na sociedade, mas é responsável pela atração que certos indivíduos sentem por ideias antidemocráticas ou por ideologias racistas. Para Wetherell e Potter (1992), a obra A personalidade autoritária transforma o racismo em sinônimo de autoritarismo. E isso, segundo eles, seria nocivo para a luta antirracista. Entendem que é importante observar as relações entre, por um lado, os discursos fascista, nacionalista e conservador, e, por outro lado, o discurso racista, mas ressaltam que o discurso racista utiliza também argumentos liberais, reformistas e humanitários e que, por isso, o foco sobre o pensamento autoritário e sobre os indivíduos autoritários é limitador. Para Wetherell (1996), a ênfase sobre a irracionalidade do racismo coloca em segundo plano os interesses materiais e a luta por poder que estão associados às ideologias racistas. Além disso, Adorno e companheiros subestimariam o poder da linguagem e do discurso na constituição de indivíduos racistas. Como afirmam Wetherell e Potter (1992), em A personalidade autoritária as motivações organizam as palavras, mas nessa obra não se analisa como as palavras podem, do mesmo modo, constituir a subjetividade dos indivíduos. Na análise do material discursivo quase nenhuma atenção é dispensada ao “contexto interacional imediato da entrevista” ou à natureza “ativa”, “funcional” dos discursos emitidos em tais contextos. “O movimento é da superfície do discurso para os conteúdos latentes supostos” (p. 55). Em La Naturaleza del prejuicio, Gordon Allport (Allport, 1971, p. 196), discorrendo sobre “o princípio do menor esforço” na categorização de grupos sociais – a tendência para a simplificação no processo de categorização de grupos sociais–, afirmava que uma de suas consequências era a “fé em essências”. Quando as pessoas falam em “alma oriental”, por exemplo, estariam expressando a crença em essências. A observação de Allport é bem adequada para definir diversas teorias psicológicas sobre o preconceito. Os psicólogos sociais que construíram e difundiram a ideia de que há um indivíduo preconceituoso essencialmente diferente dos outros membros da sociedade também parecem crer em essências. Nesse sentido, a ênfase dos psicólogos discursivos na variabilidade representa um grande avanço no combate ao essencialismo característico de grande parte da produção teórica da psicologia social, principalmente aquela interessada no estudo do preconceito e do racismo. A noção de Psicologia social: temas e teorias 323 preconceito, tal como tem sido usada, produz, como afirma Rattansi (1992, p. 25), a “essencialização” do indivíduo “preconceituoso”, um indivíduo sempre consistente em suas atitudes preconceituosas e que age de acordo com essas atitudes de maneira sistemática e não contraditória. A ênfase na variabilidade discursiva dissemina a desconfiança em relação às descrições que apresentam indivíduos antirracistas totalmente consistentes, não contraditórios, intocados pelo racismo, puros. O racismo, e outros processos psicossociais, como o sexismo e o preconceito de classe, encontram-se na sociedade, em discursos que circulam ao redor das pessoas e dentro das pessoas, discursos cujas consequências e armadilhas não se pode conhecer ou controlar totalmente. Wetherell e Potter (1992) usam a expressão “problemática do preconceito” para nomear os discursos criados pela psicologia social para lidar com as relações de conflito e poder entre grupos. Segundo eles, trata-se de uma estrutura relativamente integrada de sentenças, estratégias intelectuais, questões e problemas que se apresentaria de maneira mais integrada, como não poderia deixar de ser, nos textos de psicologia social, e mais fragmentado e contraditório no senso comum. Esses autores destacam dois tipos de tensão no interior dessa problemática. Haveria, por um lado, uma tensão entre o otimismo que acredita na reforma dos indivíduos desviantes e o pessimismo conservador, que entende o preconceito como uma aversão inconsciente – ou mesmo instintiva – à diferença, o qual seria cético em relação a uma possível reforma da natureza humana (Wetherell & Potter, 1992). Por outro lado, haveria uma tensão espaço entre a universalização e a particularização do preconceito. As abordagens psicodinâmicas seriam particularizantes: o preconceito é encontrado em um tipo específico de personalidade. A universalização, por outro lado, seria típica de algumas teorias do campo da cognição social que tendem a explicar fenômenos como o preconceito como um produto de limitações da racionalidade, algo, portanto, inerente a todos os seres humanos. 9.3.2 A MENTE E A CONSCIÊNCIA Conceber a mente e a consciência em termos de signo, discurso, linguagem, texto etc., ou simplesmente substituir aqueles por esses últimos, é uma característica que distingue as abordagens discursivas da psicologia das outras abordagens presentes no campo. O que Eagleton (1988, p. 22-23) afirma para as ciências humanas, que “falar de ‘consciência’ perdeu o sex-appeal”, vale também para grande parte das abordagens discursivas da psicologia social. Essa tendência faz parte de um movimento mais amplo do século passado, que poderíamos chamar de virada linguística. Segundo Eagleton (1997, p. 171), uma de suas consequências foi a tendência para “pensar em conceitos em termos de palavras” ao invés de “pensar nas palavras em termos de conceitos”. Em contraposição às correntes empíricas para as quais os conceitos são representados por palavras, o ato de conceituar passou a ser compreendido como “a capacidade de usar as palavras de maneiras particulares”. Nesse sentido, conceitos seriam menos estados mentais do que práticas. 324 Psicologia social discursiva Pensar nos conceitos dessa forma não implica necessariamente em uma redução, à moda do behaviorismo, do significado, da consciência e da identidade, ao uso das palavras. Como afirmam Wheterell e Potter (1992), a identidade não é produzida do nada a cada vez que uma pessoa fala. Há continuidade decorrente da sedimentação de práticas discursivas ao longo do tempo. A consciência, nesse sentido, pode ser entendida como um conjunto de discursos que os sujeitos tornam seus ou como discursos que habitam um sujeito, e não como uma entidade mental desvinculada dos discursos presentes na vida social e da materialidade dos signos. Uma definição de mente encontrada em Rom Harré (1989, p. 40) dá uma ideia apropriada de um psiquismo assim entendido: “Uma mente (...) é uma área parcialmente cercada, dentro do amplo campo de conversações da humanidade. É uma área dentro da qual há dois ou três animais tomados dos grandes rebanhos que marcham sobre o vasto campo”. O psiquismo, nessa perspectiva, é um produto das interações discursivas e não um produto de sujeitos isolados que pensam sozinhos. O filósofo e educador pragmatista norte-americano John Dewey já alertava para esse fato no começo do século passado, e para as consequências do seu esquecimento: A falta do reconhecimento de que esse mundo da experiência interior depende de um prolongamento da linguagem, a qual é uma produção e uma operação de caráter social, conduz a linguagem subjetivista, solipsista e egotista no pensamento moderno. Se os pensadores clássicos criaram um cosmo segundo o modelo da dialética (...) os pensadores modernos compuseram a natureza conformemente ao modelo do solilóquio (Dewey, 1974, p. 191). A mesma ênfase pode ser encontrada em Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, teóricos belgas da argumentação e da retórica na metade do século passado: “[...] é a análise da argumentação dirigida a outrem que nos fará compreender melhor a deliberação consigo mesmo, e não o inverso” (Perelman, & Olbrechts-Tyteca, 1996, p. 46). Dito de outra maneira, o pensamento privado é “modelado” pela argumentação pública, o pensamento, portanto, é “dialógico” e não “monológico” (Billig, 1987). O filósofo e crítico literário russo, Mikhail Bakhtin, escrevendo nas primeiras décadas do século XX, destacava, em Marxismo e filosofia da linguagem, a natureza discursiva dos processos psicológicos. Para ele, o psiquismo sem seu “conteúdo semiótico” e “ideológico” não é nada (Bakhtin, 1997). Há vários argumentos na obra de Bakhtin que são compatíveis com os pressupostos teóricos dos psicólogos discursivos. Como esses, Bakhtin é profundamente anti-individualista. Trata-se de um autor profundamente cético em relação à noção tradicional de autoria, e para ele, a ideia de que o autor é o único responsável por aquilo que produz não faz o menor sentido. Segundo Jobim e Souza (1994), para Bakhtin, a palavra não pertence somente ao falante ou àquele que escreve um texto. Cada um Psicologia social: temas e teorias 325 de nós encontra-se num mundo já falado de diferentes maneiras por outros; tanto os potenciais ouvintes quanto todas as vozes que antecederam uma determinada produção textual ressoam nas palavras do autor. Em Bakhtin, o psiquismo está situado menos no interior dos sujeitos individuais do que na interação discursiva, no signo. Por todas essas características, Eagleton (1997) afirma que, para Bakhtin, “a consciência é menos algo ‘dentro’ de nós que algo ao redor de nós e entre nós, uma rede de significantes que nos constitui inteiramente” (p. 172). A ideia de consciência como algo que transcende os sujeitos individuais tem uma certa semelhança com uma das mais polêmicas teses da psicologia social discursiva (Potter & Wetherell, 1987; Wetherell & Potter, 1992). Para a psicologia social de orientação cognitivista, os processos psicológicos são fenômenos intraindividuais, ocorrem apenas nos indivíduos, como afirmam Turner et al. (1987). Combatendo essa concepção, Wetherell e Potter (1992) argumentam que ela está baseada em uma forte distinção entre o individual e o social. Para esses autores, as categorias que as pessoas mobilizam nos seus discursos cotidianos dependem de eventos cognitivos nos indivíduos, mas o sentido, a função e os significados social e psicológico dessas categorias são estabelecidos dentro de contextos discursivos, assim, mudanças nos contextos discursivos produzirão mudanças nos sentidos dessas categorias. O argumento sobre os vários sentidos que pode adquirir a expressão “meu carro quebrou”, apresentado por Gill (2003) anteriormente neste capítulo, ilustra a mudança no significado de uma sentença com a variação do contexto discursivo. 9.3.3 O EU E A IDENTIDADE Os mesmos argumentos apresentados pelos psicólogos discursivos para compreender a produção discursiva da mente são mobilizados para compreender a produção discursiva da entidade tida como a essência do mundo mental em nossa cultura, o eu. Para compreender o modo como os psicólogos discursivos abordam essa noção, é bastante ilustrativo recordar uma das críticas filosóficas mais contundentes às abordagens tradicionais do eu, levando-se em conta que ela antecipa um argumento que será retomado, agora falando em discursos e não em ideias ou impressões, pelos psicólogos discursivos. No século XVIII o filósofo empirista escocês David Hume, em palavras que se tornaram célebres, fazia sérias objeções às concepções substancialistas do eu predominantes nas doutrinas filosóficas de sua época: De minha parte, quando penetro mais intimamente naquilo que denomino meu eu, sempre deparo com uma ou outra percepção particular, de calor ou frio, luz ou sombra, amor ou ódio, dor ou prazer. Nunca apreendo a mim mesmo, em momento algum, sem uma percepção, e nunca consigo observar nada que não seja uma percepção. Quando minhas percepções são supri- 326 Psicologia social discursiva midas por algum tempo, como ocorre no sono profundo, durante todo esse tempo fico insensível a mim mesmo, e pode-se dizer verdadeiramente que não existo... Se, após uma reflexão séria e livre de preconceitos, ainda houver alguém que pense possuir uma noção diferente de si mesmo, confesso que não posso mais raciocinar com ele. Posso apenas conceder-lhe que talvez esteja certo tanto quanto eu, e que somos essencialmente diferentes quanto a esse aspecto particular. Talvez ele perceba alguma coisa simples e contínua, que denomina seu eu; mas estou certo de que não existe tal princípio em mim (Hume, 2000, p. 284-285). Essas considerações não impediram que parte da psicologia, que surgiria como disciplina científica mais de um século depois, profundamente influenciada pelo cartesianismo, tratasse com muita frequência o eu como uma substância que preexiste aos discursos e representações que os indivíduos mobilizam para falar de si mesmos e de suas experiências no mundo. Princípio da racionalidade no sujeito humano, o eu se apresentou predominantemente na psicologia como aquilo que garante a autonomia individual e organiza as diferentes experiências do sujeito no mundo. A imagem do eu em que ele aparece como o centro da experiência, origem da ação, coerente, autônomo e separado dos outros eus tem sido um dos principais alvos dos ataques dessas psicologias. Wetherell e Potter (1987) afirmam que uma característica distintiva das abordagens discursivas do eu é o fato de olharem para ele não como algo a ser descoberto, mas como algo que é fabricado com determinados métodos. Para esses autores, as maneiras de definir o eu são culturalmente e historicamente contingentes, dependentes de práticas culturais. O modelo ocidental do eu como centro da experiência não teria as características universais que lhe são atribuídas; os psicólogos, portanto, deveriam concentrar sua atenção nas múltiplas formas de construção do eu encontradas em diferentes contextos culturais e em suas funções. Não se pode pensar no eu de uma pessoa sem que se pense nas diferentes formas de defini-lo, nas diferentes identidades que ele pode assumir. A identidade de indivíduos e grupos é um tema central em diferentes correntes teóricas da psicologia social, trata-se de um fenômeno que se relaciona com vários outros fenômenos que despertam o interesse dos psicólogos sociais e de outros cientistas sociais: o conflito e a cooperação intergrupais, a coesão e a fragmentação intragrupais, a mobilização de grupos, movimentos sociais etc. (para uma discussão do fenômeno da identidade social na psicologia social, veja o Capítulo 10 deste Manual). A produção discursiva de identidades tem sido ressaltada nas últimas décadas por psicólogos sociais que trabalham numa perspectiva discursiva (Antaki & Widdicombe, 2008; Benwell & Stokoe, 2006; Wetherell & Potter,1992; Wetherell, 2008). Para Benwell e Stokoe (2006), a identidade é uma realização discursiva que pertence bem mais ao mundo público do que ao mundo privado dos processos cognitivos, é construída por práticas discursivas e não refletida por elas, na medida em que não é uma Psicologia social: temas e teorias 327 substância que existiria antes de qualquer discurso e simplesmente se manifestaria nele. Para essas autoras, identidades são definições que as pessoas produzem umas das outras, definições marcadas por negociações, disputas e conflitos. Mas como exatamente os psicólogos sociais discursivos compreendem o processo de definir o outro e a si mesmo? Como compreendem o processo discursivo de construção de identidades? Segundo Antaki e Widdicombe (2008), um indivíduo tem uma identidade quando é inserido numa categoria, não importa se é esse indivíduo quem fala, se é o indivíduo com quem se fala ou sobre quem se fala. Esse raciocínio vale também para grupos e categorias sociais. Ao afirmar que ter uma identidade é ser inserido numa categoria, esses autores estão destacando um ato – ou processo – discursivo que está na base do processo de construção de identidades. De fato, sentenças como “Paulo é nordestino” ou “os brasileiros são desonestos” são exemplos do processo de categorização discursiva. No primeiro exemplo, uma pessoa foi colocada na categoria “nordestinos”, e, portanto, igualada ou assemelhada a todas as pessoas nordestinas. No segundo caso, uma categoria de pessoas foi inserida na categoria das pessoas desonestas e, portanto,os seus membros, os brasileiros, foram assemelhados a todas as pessoas que possuem a desonestidade como atributo moral. Como diria Jenkins (2004), no primeiro exemplo formula-se uma identidade para um indivíduo, no segundo exemplo, uma identidade para um grupo, uma identidade coletiva. Os dois processos são profundamente sociais e interdependentes, à medida que os indivíduos só podem ter identidades – ser identificados – porque existem identidades coletivas e os atos discursivos por meio do qual se identificam e são identificados – “eu sou brasileiro”, “eu sou católico”, “ele é brasileiro”, “ele é católico” – constituem identidades coletivas, nesses casos, os católicos e os brasileiros. Como argumenta Wetherell (2008), a identificação é um complexo ato discursivo por meio do qual os indivíduos constituem um mundo ao constituírem discursivamente a si próprios. Ter uma identidade é ser assemelhado a algumas pessoas, mas esse mesmo processo de assemelhar-se a algumas pessoas é acompanhado necessariamente pelo processo de diferenciar-se de outras (Jenkins, 2004). De fato, quando alguém diz que é brasileiro ele se assemelha – no atributo brasilidade – a todos os outros brasileiros e se diferencia de todos os outros que não são brasileiros – de argentinos, de ingleses etc. O processo de categorizar e, portanto, de identificar, de produzir discursivamente uma identidade para si mesmo e para outras pessoas, pode ser compreendido tanto como um processo cognitivo quanto como um ato discursivo, como já foi visto aqui quando se comparou a abordagem retórica de Billig (1985, 1987) com as abordagens cognitivas. Billig (1985, 1987) não trata diretamente do fenômeno identitário nessas obras. Ele aborda os processos indissociáveis de categorização e particularização – compreendendo-os mais como atos retórico-discursivos de pensamento do que como estratégias de produção de identidades –, mas a discussão que ele realiza contribui inquestionavelmente para a compreensão da produção de identidades numa perspectiva discursiva. 328 Psicologia social discursiva A categorização e a particularização estão situadas no interior de estratégias argumentativas, e a compreensão dessas estratégias lança luz sobre os processos de negociação, disputa e conflito que são inerentes à construção de identidades – evidencia as diferentes possibilidades argumentativas para questões que fazem parte do mundo social e político, questões que dizem respeito à definição da natureza da realidade social. As batalhas argumentativas em torno de questões que dizem respeito às identidades são onipresentes na vida social e se apresentam de diferentes formas. Algumas vezes as pessoas procuram decidir se um determinado indivíduo deve ser categorizado como branco, negro ou mestiço, ou se outro deve ser categorizado como conservador ou liberal. Outras vezes devem decidir se um determinado movimento político é conservador ou fascista. Se outro movimento é libertário ou puritano e autoritário. Mas nem sempre o que está em disputa são as identidades de indivíduos e grupos e seus conteúdos. Às vezes pessoas ou grupos de pessoas contestam esquemas classificatórios que conformam as identidades em determinados contextos. Nas últimas décadas, movimentos sociais passaram a contestar o esquema classificatório binário que organiza há milênios as identidades de gênero no mundo ocidental; outros movimentos podem atacar o esquema racial dominante em determinados contextos – alguns atacam o esquema racial multipolar dominante no Brasil (várias categorias raciais), outros atacam o esquema racial bipolar dominante nos Estados Unidos (somente duas categorias raciais). Potter e Wetherell (1987) e Wetherell e Potter (1992) também ressaltam a natureza retórico-argumentativa da categorização, colocando em destaque a função das categorias. Se os pesquisadores da cognição social privilegiam o poder das categorias – entendidas como estruturas mentais – na determinação de representações sobre grupos humanos, eles privilegiam a mobilização dessas categorias em descrições e narrativas para produzir determinadas versões da realidade social. Em outra obra, Potter (1998) usa a noção de manipulação ontológica para falar dessas descrições que categorizam diretamente ou indiretamente indivíduos e grupos constituindo identidades para eles. Particularmente interessantes são as identidades formuladas para grupos e indivíduos que não usam de maneira direta categorias que os desqualificam (“violentos”, “perigosos”, “imorais” etc.). Assim, em vez de afirmar: “os militantes de esquerda são perigosos”, pode-se simplesmente descrever atos violentos supostamente realizados por esses militantes em diferentes contextos. Como se pode ver em Wetherell e Potter (1992) e Potter (1998), o uso de narrativas é um poderoso recurso retórico quando se trata de construir identidades para grupos minoritários e discriminados, pois protege os autores das narrativas da acusação de intolerância contra os grupos cujas identidades estão construindo, afinal eles estão simplesmente narrando a vida como ela é, de maneira objetiva, apresentando relatos factuais sobre os grupos em questão. Na psicologia social discursiva há uma tensão, que foi se acentuando ao longo dos anos, entre dois grupos: aqueles que olham tão somente para o aspecto epistemológico da mobilização de categorias, ou de quaisquer conteúdos discursivos – sem fazer Psicologia social: temas e teorias 329 qualquer inferência sobre a mente ou subjetividade dos indivíduos ou coletividades que formulam estes discursos ou conhecimentos – e aqueles que entendem que o foco na faceta epistemológica, performática, funcional do discurso, não impede o estudioso de fazer considerações ontológicas sobre os sujeitos que constroem estes conhecimentos. Representantes do primeiro grupo, como Jonathan Potter, Charles Antaki, Sue Widdicombe, Derek Edwards (Edwards & Potter, 1992; Antaki & Widdicombe, 2008; Potter, 1998), são muito fortemente comprometidos com os princípios teóricos e metodológicos da etnometodologia e da análise de conversação. Representantes do segundo grupo, que constituiriam a psicologia discursiva crítica, segundo Margaret Wetherell (2007), inclui ela própria, Michael Billig (1988, 1991), Reicher e Hopkins (2001), Hopkins e Reicher (2014), só para citar alguns, e dialoga com diferentes teorias e disciplinas: a etnometodologia e a análise de conversação, mas também com o pós-estruturalismo, a semiologia, o dialogismo de Bakhtin, dentre outras. Ressalte-se que esse modo de compreender a psicologia social discursiva estava presente em duas obras fundamentais na construção dessa perspectiva teórica – Discourse and Social Psychology: Beyond Attitudes and Behaviour (Potter & Wetherell, 1987) e Mapping the language of racism: discourse and the legitimization of exploitation (Wetherell & Potter, 1992) – antes do distanciamento teórico que marcou as relações entre Margaret Wetherell e Jonathan Potter nos anos seguintes, em razão do comprometimento cada vez maior deste último com os princípios teóricos da etnometodologia e da análise de conversação. Os membros do primeiro grupo não discordariam de Wetherell (2007) quando ela afirma que o modo como a identidade de uma pessoa é construída discursivamente tem efeitos ontológicos, mas são profundamente desconfiados, influenciados que são por Wittgenstein (1979), de que se possa inferir identidade, personalidade ou estados e processos mentais a partir do discurso das pessoas. Como afirma a própria Wetherell (2007), para os construcionistas epistemológicos, só temos acesso à linguagem em uso e não aos estados mentais das pessoas, e a tarefa do analista é descrever como eles interpretam o mundo, descrevem e constroem a si mesmos, seus estados mentais etc., e não interpretá-los, dizer o que eles são. Wetherell (2007), por sua vez, defende o que ela denomina de construcionismo ontológico, argumentando que, com tal defesa, não está propondo uma abordagem essencialista dos atores sociais. Para ela não há qualquer natureza fixa dos atores sociais que estaria tendo expressão nas práticas discursivas das pessoas e sim uma natureza inacabada, construída e reconstruída discursivamente. A proposta de Hopkins e Reicher (2014) para o estudo das identidades, uma tentativa de encontrar pontos de contato entre a psicologia social discursiva e a teoria da identidade social, ilustra essa abordagem mais flexível dos psicólogos sociais que propõem um olhar para a faceta epistemológica e ontológica de toda e qualquer produção discursiva. Segundo Hopkins e Reicher (2014), os psicólogos sociais discursivos in- 330 Psicologia social discursiva fluenciados pela etnometodologia criticam o uso da identidade como um recurso analítico. eles, no entanto, argumentam que o fenômeno identitário tem valor como constructo analítico, e não somente como tópico cuja mobilização no discurso deve ser analisada. Segundo eles, é importante considerar a definição subjetiva dos indivíduos e o modo como ela modela, dá forma ao comportamento humano. No entanto, ressalva que as identidades que os indivíduos atribuem a si mesmos devem ser entendidas como construídas, contestadas, precárias, e não como entidades reificadas e estabilizadas da realidade social e que a construção argumentativa dessas identidades deve ser objeto preferencial dos psicólogos sociais. 9.4 BASES EPISTEMOLÓGICAS Não obstante à grande variedade de interesses teóricos, e às muitas divergências que caracterizam o campo construcionista, as diferentes perspectivas teóricas desenvolvidas nesse campo têm como objetivo comum superar as epistemologias representacionistas. Esses teóricos não têm, evidentemente, nenhum problema com o uso do termo representação, desde que usado com o sentido de interpretação, significação, e não com o sentido de reflexo mais ou menos límpido, mais ou menos opaco, da realidade. Nos anos 1980, Kenneth Gergen já combatia as epistemologias representacionistas usando termos que, desde então, têm sido recorrentemente mobilizados nos escritos de outros psicólogos construcionistas. Gergen (1985) afirmava, então, que nossa experiência com o mundo não nos apresenta os termos que devemos usar para descrevê-lo ou entendê-lo. Essa ideia encontra a seguinte formulação nas palavras do filósofo Ian Hacking: “os construcionistas tendem a manter que as classificações não são determinadas pelo modo como o mundo é, são maneiras convenientes de representá-lo” (Hacking, 1999a, p. 33). É preciso que se diga que os teóricos construcionistas da psicologia não negam a existência do mundo lá fora. Não se trata de uma posição teórica para a qual só há realidades linguísticas, para a qual, como afirma Hacking: “only what is talked about exists; nothing has reality until it is spoken” (Hacking, 1999a, p. 24). Para Hacking (1999), os construcionistas não são, em sua maioria, herdeiros do Bispo Berkeley, já que não pressupõem um mundo formado somente por realidades mentais ou linguísticas. Os construcionistas geralmente distinguem sua posição epistemológica desse tipo de idealismo. Um construcionista dos mais militantes na psicologia, Tomás Ibañez (1993), afasta-se de maneira explícita do que ele denomina de “idealismo ontológico”. Mas, no campo construcionista, a afirmação de que nossa experiência com o mundo não nos diz quais os termos que devemos usar para descrevê-lo quer, frequentemente, ressaltar muito mais do que a mera participação dos sujeitos na construção do conhecimento sobre o mundo. Frequentemente esse tipo de afirmação faz parte de Psicologia social: temas e teorias 331 uma linha argumentativa construída para demonstrar que a relação entre nossas descrições e classificações, por um lado, e o mundo social ou natural, por outro lado, é arbitrária. Uma das obras mais associadas à ideia de um significado arbitrário é o Curso de linguística geral de Ferdinand de Saussure, publicado no início do século passado. Nessa obra, Saussure (1995, p. 80) afirma que “o signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica”. Ao conceito, Saussure denomina significado, e à imagem acústica, significante. Um dos princípios básicos da linguística de Saussure é o da arbitrariedade do signo. Segundo Potter e Wetherell (1987), com a ideia de arbitrariedade do signo, Saussure não só afirma a arbitrariedade do significante (da qual ninguém discorda), todavia afirma também a arbitrariedade do significado. Mas há quem discorde dessa leitura da obra de Saussure. Para Merquior (1991), “Saussure percebeu claramente que cada língua natural tende a delimitar áreas de significado de forma própria e diferente” (p. 268), mas, ainda segundo Merquior, “até agora não se aduziu nenhuma declaração geral sua que possa ser usada para alegar uma arbitrariedade normal dos significados”. Sendo correta ou não, essa é a leitura construcionista – e também dos estruturalistas e pós-estruturalistas – da obra de Saussure. Essa obra passou a ser vista como a base para a ideia de que os significados das palavras são produtos tão somente das diferenças entre elas e as outras palavras, de que não devemos pensar a língua como algo que tem conexões referenciais com o mundo objetivo (Giddens, 1999). Segundo Cardoso (2003, p. 117), nessa perspectiva a questão da referência deixa de ter qualquer importância: “...dilui-se completamente, para deixar livre acesso aos significantes da linguagem, ou àquilo que se pode chamar de ‘auto-referencialidade’”. Eagleton (1997), falando de uma perspectiva marxista, elabora uma crítica contundente a essa posição que vale a pena ser examinada com atenção. Eagleton (1997, p. 179) discorda do pressuposto dos autores antirrealistas segundo o qual “o significado é apenas o que arbitrariamente construímos por nossos atos doadores de sentido”. Ele não está dizendo que o mundo é independente das descrições que fazemos dele. Descrições, avaliações ou distinções dos objetos do mundo não estão inscritas na realidade, autônomas “diante de qualquer coisa que possamos dizer a respeito do caso”. No entanto, segundo esse autor, não teriam necessariamente o caráter arbitrário advogado pelos herdeiros de Saussure. Se é verdade que não existe nenhuma relação “motivada” entre, digamos, ser um intelectual pequeno burguês e opor-se ao fascismo, segue-se que não existe tal relação entre a ideologia puritana e a burguesia primitiva, entre as crenças anti-imperialistas e a experiência do colonialismo, ou entre o socialismo e o desemprego de uma vida? Todas essas relações são tão arbitrárias quanto ser um anti-semita e um expressionista abstrato simultaneamente? (Eagleton, 1997, p. 186) 332 Psicologia social discursiva Eagleton reconhece o avanço representado pelo construcionismo, principalmente quando o comparamos com as formas ingênuas de realismo, mas ainda está comprometido com formas críticas de realismo que tendem a entender argumentos dessa natureza como uma sugestão de que estamos impossibilitados de avaliar, de maneira legítima, quaisquer julgamentos sobre o mundo. “Uma vez que os próprios fatos são produtos do discurso, seria um círculo vicioso tentarmos analisar nosso discurso confrontando-os com eles” (Eagleton, 1998, p. 45). Segundo Eagleton (1998, p. 45), o pragmatismo e o relativismo pressupõem que “o mundo não faz inserções na nossa conversa, ainda que estejamos conversando sobre ele”. Essa maneira de pensar, segundo ele, seria um “retrocesso” ao Wittgenstein do Tractatus logico-philosophicus (Wittgenstein, 1994), para o qual uma vez que a linguagem nos dá o mundo, não pode, ao mesmo tempo, falar de sua relação com o mundo. O “Wittgenstein tardio” (ver Wittgenstein, 1979), ainda segundo Eagleton (1998, p. 45), renunciou a esse monismo impiedoso reconhecendo uma linguagem ligada ao mundo das mais diferentes maneiras, reconhecendo que nossos discursos têm relações com o mundo à medida que “alguma parte” do mundo fornece a “razão” para tais discursos. A crítica de Eagleton (1998) não parte de premissas radicalmente distintas daquelas encontradas entre os autores construcionistas. Não está fundamentada na suposição de que o mundo possa fazer inserções na nossa conversa sem algum tipo de interpretação. Eagleton também discorda, assim como os construcionistas, das distinções rígidas entre discurso e realidade social. É interessante observar a semelhança dessa posição com a posição de Bakhtin, um autor marxista (como Eagleton) de muita influência no campo construcionista. Para Bakhtin os sentidos que os sujeitos dão à sua “vida real” são plenos de realidade: “Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade” (Bakhtin, 1997, p. 33). Uma última questão acerca da relação entre discurso e realidade na epistemologia construcionista deve ser examinada com alguma atenção. O construcionismo e todos os relativismos epistemológicos são frequentemente vistos com posições teóricas insustentáveis (ver Blackburn, 2006), pois afirmam uma tese – o caráter construído da realidade – que, partindo dos próprios pressupostos dessas abordagens, seria uma mera construção, nem mais nem menos justificável racionalmente do que a tese realista. De fato, não podemos saber se tal tese é verdadeira ou falsa se aceitarmos a epistemologia construcionista, porque para ela não podemos ter acesso à realidade de maneira independente de descrições. Para Potter (1998), no entanto, não saber se a “metáfora da construção” é verdadeira ou falsa não é um problema. Segundo ele não tem o menor sentido ter que decidir se as descrições do mundo constroem a realidade – como querem os construcionistas – ou se a descrevem de maneira mais ou menos fiel. A metáfora da construção é mobilizada por razões puramente pragmáticas. É mais produtiva do que a metáfora do realismo, segundo a qual as descrições espelham de maneira mais ou menos fiel a Psicologia social: temas e teorias 333 realidade; e permite formular algumas perguntas que não teriam sentido para as epistemologias realistas. Como organizamos a realidade com nossas construções? Quais os materiais utilizados? O que produzimos? SUMÁRIO E CONCLUSÕES Neste capítulo apresenta-se uma perspectiva teórico-metodológica em psicologia social, a psicologia social discursiva, que contesta vigorosamente o tradicional desprezo da psicologia social pela relação entre discurso e processos psicossociais. Quatro tópicos centrais de interesse da psicologia social discursiva, o discurso como ação, a construção discursiva da realidade, a retórica, e a variabilidade, são apresentados e discutidos; com destaque para a influência do construcionismo, da etnometodologia e da filosofia analítica desenvolvida por Wittgenstein e Austin, perspectivas teóricas que têm em comum o antimentalismo e a ênfase no caráter contextual dos processos de significação. A contribuição da psicologia social discursiva para a compreensão dos diferentes fenômenos psicossociais tradicionalmente investigados pela psicologia social é destacada, e argumenta-se que esses fenômenos apresentam uma nova configuração quando se passa a compreendê-los como fenômenos intimamente ligados a práticas, estratégias e conteúdos discursivos. Duas obras, publicadas no mesmo ano, estabelecem os conceitos e pressupostos centrais da psicologia social discursiva e são indispensáveis para a compreensão dessa perspectiva teórico-metodológica. Uma delas é Discourse and Social Psychology: Beyond Attitudes and Behaviour de Jonathan Potter e Margeret Wetherell (1987). A outra é Arguing and Thinking: A Rhetorical Approach to Social Psychology de Michael Billig (1987). Outras duas obras de Michael Biliig, Ideology and opinions (1991) e Ideological dilemmas: a social psychology of everyday thinking, são muito esclarecedoras no que diz respeito ao modo como a psicologia social discursiva aborda fenômenos, como as atitudes, a retórica política, as ideologias e os dilemas ideológicos. Por fim, a obra Mapping the language of racism: discourse and the legitimization of exploitation, de Wetherell e Potter (1992), é um belo exemplo de como essa perspectiva teórico-metodológica aborda fenômenos, como racismo, preconceito e produção de identidades. GLOSSÁRIO Agência: capacidade dos atores individuais de compreenderem criticamente suas próprias ações e o contexto em que elas se desenvolvem. Construcionismo: perspectiva epistemológica para a qual o objeto do conhecimento é construído pelo sujeito com categorias do seu mundo cultural e não um reflexo do mundo tal como ele é. Pragmatismo: corrente filosófica para a qual a verdade de uma crença ou teoria deve ser julgada por suas consequências práticas. 334 Psicologia social discursiva MATERIAL SUPLEMENTAR Obras artísticas de diferentes tipos abordam frequentemente um tema central neste capítulo, o papel do discurso na constituição da realidade social. Na produção cinematográfica, dois filmes abordam de maneira didática e com qualidade artística essa temática. O filme Malcolm X, de 1992, dirigido por Spike Lee, é um esclarecedor exemplo de como o discurso religioso, no caso, o discurso da religião islâmica, reconfigura a identidade racial de afrodescendentes nos Estados Unidos. American history X, filme de 1998, dirigido por Tony Kaye, no Brasil, traduzido como A outra história americana, aborda com notável força dramática a redefinição da identidade racial em um jovem branco dos Estados Unidos, por meio do contato com o discurso neonazista. Na literatura, o célebre romance distópico Mil novecentos e oitenta e quatro, de autoria de George Orwell, e publicado em 1949, é, entre outras coisas, um magistral exemplo de como o discurso, operando por meio de uma novilíngua ou novafala, pode ser usado para, a serviço do poder totalitário, produzir mudanças radicais e sinistras na definição da realidade. CAPÍTULO 10 GRUPO SOCIAL, RELAÇÕES INTERGRUPAIS E IDENTIDADE SOCIAL Ana Raquel Rosas Torres Leoncio Camino Khalil da Costa Silva INTRODUÇÃO Nosso objetivo, neste capítulo, é apresentar ao leitor o papel que o grupo possui na Psicologia Social para a análise dos fenômenos sociais. Diferentemente com o que ocorre com as visões mais frequentes sobre o grupo desenvolvidas no seio da disciplina, nós não falaremos apenas dos pequenos grupos, nos quais seus membros mantêm relações face a face. Nossa ênfase será nos grandes grupos, ou categorias sociais, tema que tem recebido pouca atenção da Psicologia Social, mas que é essencial para as investigações que concebem os fenômenos sociais como sendo produzidos nas relações de poder estabelecidas entre os grupos que formam as sociedades. Considerando-se que os grupos constituem um fenômeno fundamental na vida social dos indivíduos, era de se esperar que desde sua origem a Psicologia Social tivesse se orientado para o estudo desta forma particular de organização social. Mas, de fato, por um conjunto de razões, a Psicologia Social demorará em colocar o grupo como tema próprio (Camino et al., 2007). O objetivo deste capítulo é analisar, come- 336 Grupo social, relações intergrupais e identidade social çando com uma revisão histórica, as principais teorias desenvolvidas na psicologia que tratam das relações entre indivíduo e seus grupos de pertenças. A partir daí, argumenta-se que, embora muitas vezes a psicologia social contemporânea tenha o indivíduo como centro de suas análises, ela não deve colocar o grupo em um papel secundário dos fenômenos sociais, pois corre o risco de desenvolver explicações extremamente reducionistas para fenômenos sociais complexos. Defende-se que, dada a importância teórica dos processos grupais, uma maior articulação entre sociologia e psicologia social é fundamental para o desenvolvimento desta disciplina. Para alcançar esse objetivo, incialmente analisa-se o percurso histórico do desenvolvimento do conceito de grupo, destacando-se que sua incorporação como objeto de estudo encontrou resistência tanto por parte da Psicologia, a qual se estabeleceu como disciplina primordialmente interessada em fenômenos individuais, como por parte da Sociologia, dado que no âmbito desta disciplina o grupo possuía conotação negativa, sendo associado a características, como irracionalidade ou descontrole. Em seguida, discute-se a natureza dos grupos, destacando as consequências das diferentes pertenças grupais. Concluímos o capítulo argumentando o papel de destaque que o grupo possui na vida psicológica das pessoas, não só no nível individual, por exemplo, no desenvolvimento de uma identidade social, mas também no nível societal, uma vez que as pertenças grupais podem dar origem a fenômenos, como o preconceito e a discriminação. 10.1 PRIMEIRAS IDEIAS SOBRE AS RELAÇÕES INDIVÍDUO-GRUPO Os primeiros estudos da vida social realizados na perspectiva da Psicologia, e publicados no final do século XIX e início do século XX, transmitiam uma visão bastante negativa não só dos fenômenos sociais característicos deste período, como aconteceu com o movimento operário que emergia frente ao crescimento do capitalismo industrial, mas também dos próprios fundamentos da vida grupal e institucional como um todo. Como exemplos de trabalhos publicados naquele período temos o do advogado italiano Sighele (1901) e o do jurista francês Gabriel Tarde (1890), que concebiam as multidões como possuidoras de uma mente coletiva. No entanto, o teórico mais importante desse período foi, sem dúvida, Gustave Le Bon, cujo livro The Crowd tem sido reeditado sem interrupção desde a sua primeira publicação, em 1896. Frente às ações da massa de trabalhadores, categoria social nova que se constituía com a consolidação do capitalismo, o trabalho de Le Bon (1896), denominado de Psicologia das Massas, considerava que os indivíduos, independente de seu estilo de vida, caráter e inteligência, estariam propensos à manifestação de atos de barbárie e à perda da racionalidade ao se integrarem a uma multidão. Para esse autor, as massas são uma entidade psicológica supraindividual, caracterizadas por dois processos: a sugestionabilidade excessiva e o contágio. Uma vez estando sob o manto do anonimato fornecido pela multidão, o indivíduo estaria livre das pressões sociais e daria vazão a seus instintos de destruição. Por conseguinte, o comportamento das multidões seria sempre caracterizado pela violência e pela irracionalidade. Psicologia social: temas e teorias 337 A perspectiva de Le Bon (1986) estabelece, portanto, um contraste entre as mentes individual e grupal. A primeira, qualificada como racional e civilizada; e a mente grupal, como selvagem e irracional. A sugestionabilidade e o contágio seriam os fenômenos psicológicos responsáveis pela substituição da racionalidade individual e civilizada pela mente grupal, selvagem e incontrolável. Cabe assinalar, desde agora, que a obra de Le Bon expressa a forte oposição ideológica entre indivíduo e massa, também presente nas ideias que autores desse período introduziram na reflexão psicológica imediatamente posterior (Camino, 2004; Goethals, 2003). Os primeiros manuais que utilizaram explicitamente o título de Psicologia Social (McDougall, 1908; Ross, 1908) não dedicaram espaço próprio ao estudo dos grupos. Edward Ross (1866-1951), que era sociólogo, por exemplo, discutia o papel da opinião pública, dos costumes e cerimônias para a manutenção da estabilidade social. Já William McDougall (1871-1938), que era psicólogo, defendia que todo comportamento humano, incluindo as relações sociais, poderia ser explicado pelos instintos, que seriam relacionados com as emoções primárias (ver Capítulo 5 sobre Emoções). Assim, o sociólogo falava sobre a sociedade e o psicólogo falava sobre o indivíduo, respeitando-se desta maneira à tradição fundada por Émile Durkheim (1895/2007), que em Regras do Método Sociológico (1895/2007) reservava o estudo de grupos e instituições à Sociologia e o estudo dos indivíduos à Psicologia, como vimos no capítulo primeiro deste livro. Para esse autor, a vida em coletividade seria o último estágio da evolução psíquica da raça humana, sendo o social aqui concebido como uma espécie de hiperpsiquismo, irredutível ao aspecto meramente psicológico. Assim, para ele, a Psicologia só poderia ser individual, nunca social, sendo esta última o objeto maior da Sociologia. Nesse contexto em que a Sociologia e a Psicologia são disciplinas concebidas a partir de uma noção dicotômica de indivíduo e sociedade, a Psicologia Social começou a ser delineada como o campo de estudo acerca da maneira que o comportamento de um indivíduo é influenciado por outros indivíduos. Tal perspectiva foi apresentada por McDougall (1920) em seu livro The Group Mind, que defendia que o comportamento social era de natureza instintiva, devendo ser estudado como produto das forças mentais que seriam, por sua vez, objeto de estudo dos psicólogos sociais. Tais forças seriam constituídas pelos instintos, conceito adotado para caracterizar uma disposição inata que determina a forma de perceber, experimentar reações emocionais e atuar frente a diversos eventos. A consolidação da Psicologia Social como disciplina independente, tal como ocorre com os demais saberes científicos, foi moldada por fatores de ordem sócio-histórica. O cenário político que caracterizava a Europa no início do século XX era marcado pelo fortalecimento de organizações que aglutinavam trabalhadores das mais diversas categorias. Nesse contexto, demandava-se do saber psicológico a compreensão dos diversos fenômenos coletivos. Coube a Sigmund Freud (1856-1939) a tarefa de explicar os laços sociais que caracterizavam as massas. Freud, diferentemente de Gabriel Tarde, pretendia explicar não só os fenômenos de irracionalidade e emotividade já atribuídos aos participantes de uma massa, mas 338 Grupo social, relações intergrupais e identidade social também os laços de solidariedade existentes entre seus membros. Em Psicologia de grupo e análise do ego (1921), ele parte do que denomina de “massa artificial”, concepção que lembra a noção de corporação de Tarde (1890),1 para estabelecer a natureza desses laços. Os indivíduos que formam uma massa se identificam todos com uma mesma pessoa: o chefe. Eles o amam, mas, justamente por serem muitos, não podem ser amados por ele de modo recíproco. Então, os impulsos libidinais inibidos quanto a seu objeto irradiam-se horizontalmente entre os membros do grupo. Estabelece-se, assim, um duplo jogo de identificações: todos os membros da massa se identificam verticalmente (introjetivamente) com o chefe, que se torna o ideal do ego de cada um deles. Ao mesmo tempo, se identificam horizontalmente (libidinosamente) entre si. O exemplo paradigmático desta situação se encontra na descrição freudiana da horda primitiva em Totem e Tabu (Freud, 1913/1971). Para melhor entendermos o conceito da “horda primitiva”, temos que ter em mente a noção de pai. Para Freud, o Pai Primevo, da horda primitiva, seria aquele que teria acesso a todas as mulheres e, consequentemente, o único a ter o poder do gozo. Assim, para os membros terem acesso às mulheres e ao gozo, teriam que matar o pai ou o Totem. Ao matá-lo, no entanto, dois processos ocorreriam simultaneamente: os membros poriam fim à autoridade patriarcal, mas, ao devorar o pai, se identificariam com ele. Para Freud, como essa analogia debatia a relação entre natureza e cultura, pois, para ele, seria justamente para evitar a barbárie do assassinato do Totem, o homem teria que civilizar-se por meio das leis (os Tabus). Como vimos no Capítulo 1, as ideias de Freud levaram a uma mudança de foco nos estudos sobre os grupos. Os seus antecessores estavam mais preocupados com a influência do grupo sobre o indivíduo, ao passo que ele compreende a identificação com a figura do líder como o mecanismo de inserção do sujeito num grupo e numa cultura. (Guimarães & Celes, 2007). O interesse central de Freud, portanto, não está no estudo dos grupos sociais e de suas características em si, mas no estudo da maneira como se constroem as instâncias da personalidade humana na vida social, particularmente na vida em família (Saraiva & Camino, 2007). Ademais, ao analisar a relação entre o grupo e seu líder, a obra de Freud introduz na Psicologia Social o estudo acerca da influência do indivíduo sobre o grupo (Godoi, Cargnin, & Uchôa, 2017; Saraiva & Camino, 2007). Aqui é importante ressaltar que o interesse em analisar a figura de um líder sobre o grupo não surge num vácuo social, mas coincide com a ascensão do nazismo na Europa. Tomados em conjunto, os trabalhos dos autores discutidos até agora apontam que, desde suas origens, as fronteiras entre a Psicologia Social, voltada para o estudo das interações entre indivíduos e a psicologia individual, preocupada com fenômenos como os instintos e os processos mentais estabeleciam campos de saber distintos. Da mesma forma, os campos de atuação de sociólogos e psicólogos sociais se localizavam em esferas diferentes. Aos primeiros, cabia o estudo das sociedades como um todo. Aos segundos, o social era muito mais um adjetivo de processos considerados puramente psicológicos, do que o próprio objeto substantivo de análise. 1 Para Tarde, as corporações seriam grupos sociais organizados, com normas e leis próprias. Psicologia social: temas e teorias 339 A questão básica que se colocava naquela época e que, de certa forma, ainda é atual, é se o social produz as disposições psicológicas individuais ou se, ao contrário, são as disposições psicológicas individuais que produzem as instituições sociais. Dito de outra forma, seria o social redutível ao individual? Para F. Allport (1924), a resposta seria positiva, pois, para ele “não existe uma psicologia dos grupos que não seja essencialmente e inteiramente uma psicologia dos indivíduos” (p. 6). Posição rebatida por Tajfel (1978), que defendia que os fenômenos sociais não poderiam ser explicados a partir de processos individuais: eles seriam de naturezas diferentes e como tais, necessitariam de explicações teóricas de níveis diferentes das relativas aos fenômenos individuais. Em meio a posições contraditórias acerca da relação entre indivíduo e sociedade, o estudo do grupo só se desenvolverá fortemente nos anos 1950, após a Segunda Guerra Mundial. Essa grande difusão deveu-se, em grande parte, aos esforços pioneiros de Kurt Lewin. Sua importância para a aceitação do grupo enquanto objeto de análise dos psicólogos sociais foi ressaltada desde cedo. Por exemplo, Deutsch (1968, p. 466) afirma que “uma das maiores contribuições de Lewin foi ajudar a converter a noção de grupo mais aceitável aos psicólogos levando-os a aceitar a ideia de que os grupos além de ter características em si, influenciam fortemente os indivíduos”. Como cientista, Lewin foi um dos primeiros a salientar a importância do estudo dos grupos não só para a compreensão dos fenômenos sociais, mas também para o desenvolvimento de técnicas capazes de administrar problemas do cotidiano e solucionar conflitos sociais (Wennberg & Hane, 2005). Distinguindo-se de teóricos anteriores como Tarde e Le Bon, os quais compreendiam a vida coletiva como resultado, respectivamente, de processos de imitação e sugestionabilidade, Lewin propôs uma psicologia dos grupos que levava em consideração, ao mesmo tempo, o aspecto de dinamicidade, para ele inerente à vida coletiva, e o aspecto das configurações das relações, que se desenvolvem nos e pelos grupos, e que estaria intrinsecamente ligado ao primeiro. Lewin ajudou na futura popularização do conceito de dinâmica de grupo não só com suas contribuições teóricas e empíricas, consolidadas em 1945 com a criação da primeira organização dedicada ao estudo do Grupo (The Research Center for Group Dynamics, no Massachusetts Institute of Technology – M.I.T.), mas também com sua intervenção direta, via a noção de pesquisa-ação, nos problemas sociais que afligiam a sociedade norte-americana da época. Essa noção tem como princípio o convite ao repensar a experimentação em psicologia social. Em oposição ao uso impessoal dos experimentos, cujas condições e manipulações beiravam a preocupação de assepsia das ciências da saúde, Lewin foi um dos pioneiros a propor que a investigação produtiva dos fenômenos grupais deveria ser levada a cabo no próprio campo psicológico em que eles se inserem. Em outras palavras, a pesquisa-ação propunha que a identificação e manipulação das variáveis grupais deveriam acontecer no próprio grupo. Para ele, a pesquisa em psicologia social deveria se converter primordialmente em uma ação social, na qual o pesquisador deveria inicialmente tentar perceber os fenômenos de grupo como gestalts para, depois, empreender a tarefa de reestruturá-los, facilitando assim suas transformações. 340 Grupo social, relações intergrupais e identidade social Aqui é importante ressaltar que essas ideias de Lewin, na época em que começaram a ser publicadas (meados dos anos 1940 e, postumamente, nos anos 1950), representaram também uma posição política, em que os psicólogos sociais se viram convidados a investigar os sérios problemas raciais dos Estados Unidos onde eles realmente aconteciam: na própria sociedade. Por outro lado, elas representam também uma forma diferente de se pensar a intervenção psicológica. No lugar de intervenções cujo modus operandis era baseado no modelo médico de atendimento individual, Lewin propôs que os psicólogos sociais se misturassem à sociedade e, a partir daí, planejassem intervenções que objetivassem a mudança social e não a mera adaptação do indivíduo ao seu meio. A contribuição de Lewin para o estudo dos grupos sociais deu-se, principalmente, por meio de três aspectos: a) a definição de grupo; b) a maneira como as relações entre indivíduo e grupo são concebidas; e c) a forma de inserir os grupos num sistema social. Para Lewin (1952), o grupo é uma totalidade diferente da soma dos indivíduos que o compõe. Isso equivale a afirmar que o grupo possui sua própria estrutura, seus próprios objetivos, suas próprias relações sociais. Evidentemente que Lewin não propõe uma entidade diferente, independente dos membros do grupo no sentido do inconsciente coletivo de Jung (1995) ou das representações coletivas de Durkheim (1898). Para ele, a essência do grupo está nos seus membros, na qualidade destes. Mas não se trata de alguma característica em comum que os membros possuem, não é a semelhança deles que determina a unidade do grupo. A essência do grupo estaria na interdependência, ou seja, no sentimento de um destino em comum, que seus membros possuem entre si: qualquer mudança em uma das partes afeta as outras partes do grupo. Cabe também assinalar que para Lewin (1948), o grau de interdependência entre os membros de um grupo pode variar desde uma menor interdependência, que caracteriza as categorias sociais, a uma interdependência mais estreita, própria dos pequenos grupos formais. Outro grande contributo teórico de Lewin está na maneira como as relações entre indivíduo e grupo são concebidas. Para poder entender melhor essa análise devemos considerar o conceito de “Espaço Vital”, que se refere à totalidade dos fatos que determinam o comportamento de um indivíduo em determinado momento. Isso equivale a afirmar que o comportamento é função do Espaço Vital. Esse espaço, ou Campo Psicológico, é resultante das interações entre a Pessoa e seu Meio Ambiente. Lewin (1952) afirma que os grupos fazem parte do Espaço Vital onde o indivíduo se movimenta. Conceber os grupos como parte do Espaço Vital implica em considerá-los como parte constitutiva da vida psicológica do indivíduo. Para Lewin, ingressar em grupos, reforçar sua posição ou status neles, ser aceito por seus membros são objetivos vitais dos indivíduos. O comportamento, portanto, não seria resultado de “traços psicológicos”, mas um processo dinâmico decorrente da interação de diversos fatores presentes na relação entre indivíduo e grupo, a exemplo da posição ocupada no grupo e das características partilhadas entre seus membros. Psicologia social: temas e teorias 341 Lewin (1952) introduz também uma imagem um pouco diferente da atribuída ao espaço vital quando se refere aos grupos como o solo em que a pessoa se sustenta. Ele ilustra essa concepção a partir da Psicologia da Percepção, que em diversos experimentos mostra a importância do contexto ou fundo para qualquer percepção. De maneira análoga, Lewin (1935) afirma que todas as ações se baseiam no terreno em que a pessoa se situa e um dos elementos mais importantes deste terreno em que atua o indivíduo é o grupo social a que pertence. A firmeza das ações de uma pessoa e a clareza de suas decisões dependem em grande parte desse terreno, embora a própria pessoa possa nem ter consciência desta situação. Finalmente, talvez a maior contribuição de Kurt Lewin esteja na sua maneira de conceber a sociedade como uma rede constituída de grupos. Essa situação teria uma série de consequências para o indivíduo. Para ele, uma pessoa não age apenas como um indivíduo, mas como membro de um grupo social. Uma das características básicas da participação social é que o mesmo indivíduo pertence, geralmente, a muitos grupos. Mas dependendo das circunstâncias, esses grupos não são todos igualmente importantes. Geralmente, em cada situação a pessoa parece saber a que grupo pertence e a que grupo não pertence. Mas existem ocasiões em que é duvidosa ou não muito clara para o indivíduo sua participação em um grupo. Essas experiências são típicas tanto das pessoas em situações de mudanças sociais (passagem de um grupo para outro), como dos membros de grupos minoritários frente aos grupos majoritários. A existência dessas experiências pessoais não reduz os grupos a um campo puramente psicológico. Assim, Lewin (1948), analisando um conjunto de pesquisas de sua época, conclui que as ideologias e estereótipos que regulam as relações intergrupais não devem ser considerados como traços individuais de caráter. Ao contrário, fundem-se em padrões culturais, sendo que sua estabilidade e mudança dependem em grande parte de acontecimentos de grupos enquanto grupos. Por exemplo, Lewin foi um dos primeiros a analisar o fenômeno da autodepreciação entre judeus, compreendendo que a expressão de estereótipos negativos contra o próprio grupo seria resultado da interação com grupos de alto status, a qual levava à internalização de percepções negativas de outros grupos em relação ao seu próprio grupo. Fenômeno também observado entre outras minorias, a exemplo dos negros e dos imigrantes europeus (Burkley & Blanton, 2008). A obra de Lewin tornou-se ainda referência para a compreensão dos processos de mudança social. Tomando como ponto de partida o princípio de que o comportamento de uma pessoa é resultado das condições objetivas em que se situa e dos grupos com os quais interage, suas investigações elucidam que o processo de mudança social envolve ciclos de ação e reflexão, nos quais os participantes modificam a si mesmos e aos sistemas em que eles transitam (Coghlan & Jacobs, 2005). Para que essa mudança social ocorra, por conseguinte, é necessária a construção de novos modelos de relacionamentos e de exercício do poder no interior da situação social concreta. Tomadas em conjunto, as ideias discutidas até aqui e que viriam a formar os pilares da psicologia social moderna, desde o início já apontavam a importância do grupo para a vida psicológica das pessoas. Ou seja, o cerne das ideias de Kurt Lewin reside 342 Grupo social, relações intergrupais e identidade social no aspecto fundamental do grupo para os indivíduos. Assim, seu equilíbrio ou desequilíbrio psicológico, sua adaptação ou não, teriam que ser entendidos a partir de suas condições de vida concreta: sua classe social, suas redes de relações interpessoais, sua escolaridade etc. O que faltava então para que o grupo encontrasse seu lugar de honra na Psicologia Social? Ou em outras palavras, qual era a resistência que o grupo encontrava para se converter no tópico fundamental da Psicologia Social? Alguns autores defendem frequentemente, como causa dessa situação, as influências ideológicas recebidas pela Psicologia desde sua origem. Não negaríamos nunca a influência da esfera do ideológico na construção e desenvolvimento de uma ciência. Mas pensamos, primeiramente, que a ideologia é muito mais complexa e menos homogênea do que as afirmações anteriores permitem supor (Camino, Lima, & Torres, 1997). A própria existência dessas denúncias permite comprovar a heterogeneidade dessas influências. Segundo, não adianta muito a pura denúncia da influência ideológica. É necessário, também, descrever como atuam as tendências ideológicas na construção de conceitos e na utilização de métodos de pesquisa. Acreditamos que boa parte da resistência em converter o grupo em um objeto privilegiado de estudo na Psicologia se origina na própria definição que se dá à Psicologia ou, mais exatamente, do objeto formal que se atribuía a ela. Seja qual for o objeto do estudo da Psicologia: a consciência, o comportamento, o inconsciente etc., a unidade de análise destes fenômenos é o indivíduo. Concepções como “Representações Coletivas” (Durkheim, 1898), “Mente Grupal” (McDougall, 1920) e outras deste tipo, foram fortemente questionadas pela maioria dos psicólogos. É exemplar, a esse respeito, a posição de F. Allport (1924) citada anteriormente. Pode-se compreender o dilema da psicologia desse período em relação à perspectiva que se deveria adotar para estudar o grupo. Por um lado, achava-se descabido postular entidades psicológicas, como mente grupal, inconsciente coletivo etc., separadas dos indivíduos que as constituiriam. Por outro, adotar o grupo como unidade de análise implicaria em adotar uma perspectiva sociológica. Devemos lembrar que nesse período predominava a concepção durkheiniana da Sociologia como estudo das instituições sociais. Como veremos mais à frente, muitos elementos desse velho dilema continuam presentes na Psicologia Social. Acreditamos, no entanto, que um dos primeiros passos para sua solução seria definir o que a psicologia social concebe como “grupo”. 10.2 NATUREZA E CLASSES DE GRUPOS Pode-se reunir pessoas em conjuntos com base em uma ou várias características comuns. Assim, pode-se falar do conjunto de pessoas que possuem a mesma data de aniversário, ou de pessoas cujo nome começa com a letra “R”. Trata-se de “classes” ou “categorias” de indivíduos que inicialmente não parecem interessar à Psicologia, na Psicologia social: temas e teorias 343 medida em que fica difícil se fazer alguma pergunta científica, desde a perspectiva da psicologia, sobre o simples fato dessas pessoas possuírem iniciais ou datas de aniversários comuns. Perguntas como: por que essas pessoas têm a mesma data de aniversário ou que características específicas de comportamento podem ser esperadas de pessoas com inicial “R”, são claramente descabidas. Esse tipo de grupo não mereceria o nome de “grupo psicológico”. Mas certos conjuntos ou categorias de pessoas são constituídos por critérios menos arbitrários ou mais primários, como raça, gênero, nacionalidade etc. Esses agrupamentos são denominados, geralmente, de “categorias sociais”. Uma série de investigações apontam que a tendência a perceber as pessoas como membros de determinadas categorias é automática, o que traz consequências para os processos de formação de julgamentos e tomada de decisão (Devine, 1958; Fiske & Neuberg, 1990; Weisman, 2015). Embora não faça muito sentido se perguntar, desde a perspectiva da Psicologia, qual a origem de categorias sociais, como gênero ou raça, pode-se analisar como as categorias sociais guiam nossos pensamentos, crenças e interações sociais (Sprott, 1958; Liberman, Woodward, & Kinler, 2017). As categorias sociais, portanto, são objeto de estudo da Psicologia Social, mas não suficientes para qualificar os grupos psicológicos. É possível, também, imaginar conjuntos de pessoas, pertencentes a categorias arbitrárias que fazem fila, seja em um banco para receber o FGTS, seja para se inscrever em um Congresso Científico (o caso das pessoas com a mesma inicial). Essas duas categorias, em que as pessoas possuem inicialmente um elemento comum bastante extrínseco, passam agora a ser denominadas de “agregados” na medida em que em cada fila as pessoas, além de estarem fisicamente próximas, possuem um interesse comum (Olmsted, 1959; Milgram & Toch, 1969). Podemos constatar que ambos agregados oferecem temas para pesquisa psicológica na medida em que é possível levantar hipóteses sobre o comportamento das pessoas nesses agregados. Assim, por exemplo, é bastante provável que as pessoas que fazem fila na Secretaria do Congresso Científico estabeleçam um maior número de interações entre si que os candidatos a recuperar o FGTS. Já estes manifestarão mais hostilidade frente a qualquer interrupção na entrega do dinheiro esperado. Apesar dessas possibilidades, várias das abordagens psicológicas, por exemplo todas as que só consideram a interação face a face como fator primordial para a definição do que é um grupo, negariam o status de grupo psicológico a estes conjuntos, particularmente ao agregado formado por pessoas em uma fila do banco. Mas imaginemos que o gerente do banco comunique ao público da fila que o Governo não pagará o FGTS. Não seria surpreendente que essas pessoas reagissem, protestando no interior do banco com maior ou menor violência. Poderíamos esperar também que saíssem na rua, que se juntassem aos outros correntistas do FGTS, igualmente frustrados, e que, finalmente organizassem uma passeata barulhenta até a sede do Governo. Trata-se de “ações de massa” ou “ações coletivas” que tradicionalmente têm sido objeto do estudo da Psicologia (Milgram & Toch, 1969; Moscovici, 1976). Essas formas de organização nem sempre têm sido consideradas como grupos psicológicos. 344 Grupo social, relações intergrupais e identidade social Mas voltemos à calma do Congresso Científico e à sua bem-comportada fila de inscrição. Entre os “R” que faziam a fila, vários saíram juntos após a inscrição e formaram uma turma que se manteve unida durante todo o Congresso. Esse conjunto de pessoas que durante o Encontro mantiveram relações interpessoais frequentes caracteriza o que, tradicionalmente, é considerado ser o objeto clássico de estudo da Psicologia Social: “O Pequeno Grupo”. Por que se juntam? O que os mantêm unidos? Como se influenciam mutuamente? São algumas das perguntas que podem ser feitas a respeito desse tipo de organização social. No entanto, se na linguagem cotidiana emprega-se a palavra grupo como significados de diversas formas de organização social, na Psicologia Social existe uma tendência a limitar o uso do termo “grupo psicológico” a algumas formas de agrupamento mais restritas, em função de certas perspectivas teóricas. Não necessariamente todos os autores concordariam nem com as distinções anteriormente citadas nem com a exclusão delas do conceito de grupo. Mas essas distinções e exclusões mostram as dificuldades que têm acompanhado a elaboração de uma definição psicológica de grupo. Para qualificar de grupo um conjunto de pessoas, a primeira condição é que elas mantenham uma relação específica entre elas. Temos já observado que agrupamentos de pessoas feitos na base de critérios arbitrários como iniciais, datas de aniversário etc., não justificam a utilização do conceito “grupo” dado que estes critérios não permitem estabelecer nenhum tipo de relação psicológica entre os indivíduos. Mas diversas formas de relação entre os membros de um agrupamento podem ser pensadas. Todo o problema está em estabelecer o tipo de relação que permita falar da existência de um grupo no nível psicológico. No início das teorizações psicossociais sobre grupo, a relação colocada com maior frequência como essencial na definição de um grupo era a “interação face a face” (Bales, 1950; Homans, 1950). Diversas razões podem ser acrescentadas para justificar a preponderância adquirida por essa definição nos anos 1950. A primeira, que ela caracterizava bem a distinção entre as abordagens psicológicas e sociológicas do grupo. Se a Psicologia lidava com o indivíduo, em contraposição à Sociologia, que lidava com a Sociedade como um todo, era evidente que ao estudar o grupo ela o fizesse a partir da ótica do individual e, portanto, escolhesse como elemento fundamental do grupo as relações “face a face”. A segunda considera que, dada a influência tanto da perspectiva comportamental como da metodologia experimental na Psicologia Social, era de se esperar que a atenção se dirigisse particularmente as “interações” entre os membros do grupo, ou seja, no aspecto que é diretamente observável: o comportamento. Para os defensores dessa abordagem, a interação direta seria a base da construção de diversas estruturas do grupo como normas sociais (Sherif, 1935, 1966), padrões de comunicação (Bales, 1950). Já outros autores colocaram como base da definição de grupo, as consequências psicológicas do grupo nos indivíduos. Para Freud (1921), por exemplo, o grupo psicológico é constituído por duas ou mais pessoas que possuem o mesmo objeto ou ideal como parte do superego. Na tradição psicanalítica o que constitui a característica fundamental do grupo é a construção de uma norma Psicologia social: temas e teorias 345 comum, as formas de interação são consequências dessas normas profundas. Nessa linha de raciocínio alguns autores colocaram como fundamental na noção de grupo a satisfação que os membros obtêm dele (Bass & Norton, 1951; Zimerman, 2007). De fato, as definições baseadas nas consequências do grupo não cumprem uma função fenomenológica (descrever o fenômeno em questão), mas uma função teórica à medida que descrevem o que é considerado a natureza do grupo. Mas é possível uma análise puramente descritiva? Como já vimos anteriormente, para distinguir um grupo de um agrupamento se precisa, de alguma maneira, explicitar o tipo de relação que os membros de um grupo mantêm entre si. Dificilmente essa explicitação não conterá alguma perspectiva do que se considera próprio da “natureza psicológica”. Cientes dessa dificuldade, Cartwright e Zander (1968) propuseram uma definição ampla, que englobasse todos os tipos de grupos. Partindo da concepção de Lewin (1935) de que os grupos são totalidades sociológicas que podem ser definidas operacionalmente, ou caracterizadas pelas formas concretas de interdependência das partes, Cartwright e Zander (1968, p. 46) definem o grupo como “o conjunto de indivíduos que possuem um tipo de relação entre eles que faz com que se sintam interdependentes”. Mas, quais seriam as consequências psicológicas dessas pertenças grupais? Uma das mais importantes e nefastas consequências seria a Diferenciação Grupal, processo psicológico pelo qual tendemos a manifestar favoritismo endogrupal em detrimento do exogrupo. O primeiro fenômeno consiste na avaliação positiva de nosso próprio grupo (endogrupo), ao passo que o segundo é caracterizado por atitudes negativas contra o grupo do outro (exogrupo). Esses processos de diferenciação grupal são essenciais no campo de investigação denominado “Relações Intergrupais” (Brewer, 2016; Stephan, 1985). Para entender melhor esse processo faremos, primeiramente, uma breve apresentação histórica de como tem sido estudado esse conceito para, em seguida, analisar mais detalhadamente a teoria da Identidade Social. 10.3 A DIFERENCIAÇÃO GRUPAL: BREVE PERSPECTIVA HISTÓRICA O fenômeno de diferenciação grupal foi descrito já há bastante tempo por Summer (1906) sob o conceito de “Etnocentrismo”, conceito que descrevia a maneira pela qual os povos se consideravam o centro de todas as coisas. O Etnocentrismo leva os povos a exagerarem e intensificarem as características que lhes são peculiares e que os diferenciam dos outros. Numa perspectiva evolucionista, compreende-se que o etnocentrismo é um fenômeno universal que favoreceu a coesão endogrupal e, por conseguinte, assegurou a sobrevivência de diferentes sociedades (Hammond & Axelrod, 2006). Se por um lado o etnocentrismo é apontando como base para a cooperação entre membros de um mesmo grupo, por outro há uma grande diversidade de perspectivas teóricas que situam o etnocentrismo como o cerne dos fenômenos de preconceito e discriminação (Bizumic, 2015). 346 Grupo social, relações intergrupais e identidade social Na Psicologia, as primeiras teorias desenvolvidas sobre etnocentrismo partiam da abordagem psicodinâmica. Aqui pode ser incluída a grande maioria dos estudos sobre o preconceito, discutidos mais detalhadamente no Capítulo 12 deste livro), baseados na teoria psicanalítica, por exemplo, o clássico estudo de Adorno et al. (1950) sobre a Personalidade Autoritária. Partindo de estudos sobre o antissemitismo, esses autores construíram uma escala de Etnocentrismo que incluía tanto atitudes negativas em relação às minorias étnicas como atitudes de exaltação e de fidelidade à sua própria identidade cultural. Eles pretendiam demonstrar que o etnocentrismo era característico de um traço de personalidade, desenvolvido em decorrência de pais autoritários. A educação autoritária e a repressão da agressão levariam a sentimentos de hostilidade reprimidos, que seriam posteriormente deslocados em direção a outros grupos. Também inspirada nos conceitos psicanalíticos de deslocamento está a concepção do “bode expiatório”. Dollard et al. (1939) formularam essa concepção no contexto da Teoria da Frustração-Agressão, onde a diferenciação intergrupal seria fruto do deslocamento da hostilidade produzida pelas frustrações inerentes à vida, sobre categorias sociais que, pelo seu status na sociedade, não podem revidar adequadamente. Aqui é importante ressaltarmos que tanto o trabalho de Adorno et al. (1950) como o trabalho de Dollard et al. (1939) representam explicações que colocam como centro dos fenômenos sociais e coletivos certas características individuais. Ou seja, embora tratando de fenômenos coletivos, o objeto de análise continuava sendo o indivíduo. A partir de uma perspectiva diferente, a clássica pesquisa de Muzafer Sherif e colegas (Sherif et al., 1961; Sherif & Sherif, 1969) é uma perfeita demonstração de que o processo psicológico de diferenciação grupal decorre do contexto normativo onde se dão as relações entre os grupos. Como ponto de partida teórico, Sherif pressupõe que as atitudes e condutas de um grupo em relação ao outro traduzem a situação objetiva de possíveis interesses em conflito entre os dois grupos. Os experimentos de Sherif e colaboradores mostram claramente que a hostilidade existente entre grupos não pode ser atribuída exclusivamente a traços de personalidade, como proposto por Adorno et al. (1950), mas às características objetivas que a relação intergrupal possui, particularmente às condições de competição entre os grupos. Pode-se, pois, concluir a partir dos trabalhos de Sherif e colegas que o fenômeno de diferenciação grupal começou a ser concebido como estando inexoravelmente ligado à existência de conflitos intergrupais. De fato, observando numerosos gerentes da indústria e do comércio em programas de treinamento, Blake e Mouton (1962) e Bass e Norton (1951) puderam constatar que grupos de administradores colocados em competição com outros grupos manifestavam frequentemente o fenômeno de diferenciação grupal. Ao longo de décadas, o pressuposto de Sherif de que a competição por recursos produz diferenciação e conflito intergrupal tem recebido suporte empírico de diversas investigações, as quais evidenciam que a manifestação de atitudes hostis contra determinados grupos, a exemplo dos imigrantes, está relacionada à percepção de que os mesmos acentuam a disputa por recursos econômicos (Stephan et al., 2005; Stephan, 2014). Mas, que tipo de relação existe entre conflitos e diferenciação grupal? 347 Psicologia social: temas e teorias Podemos afirmar, seguindo Brewer (1979), que as pesquisas de Sherif et al. (1961) e de Blake e Mouton (1962) são mais uma demonstração da existência de processos de diferenciação grupal em situações de conflito intergrupal do que um teste da relação causal entre conflito e diferenciação. Observar-se-ia o fenômeno de diferenciação grupal fora de um contexto competitivo ou conflituoso? Comentários efetuados por Sherif et al. (1961) sobre a reação negativa dos jovens ao saber da existência de outros grupos, mesmo antes de começar os jogos competitivos, parecem indicar que o fenômeno de diferenciação grupal pode acontecer fora do contexto conflituoso. Será que a antecipação da interação competitiva já é suficiente para causar esse fenômeno? Várias pesquisas tentaram responder a essa questão controlando sistematicamente a possível antecipação de interações competitivas. Rabbie e Horowitz (1969), por exemplo, dividiram seus sujeitos arbitrariamente em dois grupos (azuis e verdes) e lhes pediram, sem maiores explicações, para avaliar traços das pessoas dos outros grupos e do próprio grupo. Esses autores não observaram nenhuma diferença entre as duas avaliações. Mas, podemos nos perguntar se a divisão arbitrária em “azuis” e “verdes” constitui uma verdadeira categorização social? É a partir da análise do que significa uma categorização social que Tajfel et al. (1971) desenvolveram um paradigma experimental que permitia estudar a situação do grupo mínimo. Os indivíduos eram separados em dois grupos com base em um critério arbitrário, por exemplo, a preferência por um determinado pintor. Nessa situação, não havia nenhum tipo de interação entre os participantes ou entre os grupos, e as pertenças sociais eram anônimas, ou seja, os participantes não sabiam quem eram os membros do seu grupo ou do outro grupo. Nessa situação completamente sem sentido social, a tarefa fundamental destinada aos participantes consistia em distribuir recompensas para um membro de seu grupo (endogrupo) e para um membro do outro grupo (exogrupo). Para tanto, eram utilizadas matrizes inspiradas na teoria dos jogos, que eram concebidas de tal maneira que exigiam uma alocação conjunta de recursos, o que permitia estudar, em um contexto intergrupal, a estratégia de distribuição que cada sujeito empregava (Figura 1). As instruções deixavam bem claro que a escolha das recompensas era feita simultaneamente para o membro do endogrupo e do exogrupo. Sujeito “A” – Preferiu as pinturas de Klee 18 17 16 15 14 13 12 11 10 09 08 Preferiu as pinturas de Kadinsky 23 (exogrupo) 21 19 17 15 13 11 09 07 05 03 (endogrupo) Sujeito “B” – Figura 1 - Exemplo de matriz utilizada por Tajfel et al. (1971). 348 Grupo social, relações intergrupais e identidade social Essas matrizes permitiam estudar a estratégia usada pela pessoa para distribuir conjuntamente prêmios ou recompensas a membros de seu grupo e a membros do outro grupo. O uso de diversos tipos de matrizes tem permitido, até agora, estudar quatro tipos de estratégias: a. Maximização da recompensa dada ao próprio grupo (alternativa 18/23 da Figura 1); b. Maximização conjunta das recompensas dadas aos dois grupos (de novo a alternativa 18/23); c. Maximização da igualdade das recompensas dadas aos dois grupos (alternativa 13/13); d. Maximização da diferença a favor do próprio grupo (alternativa 08/03). Tajfel et al. (1971) observaram, em três experimentos realizados com esse paradigma, que as estratégias mais utilizadas foram a primeira, maior benefício absoluto, e a última, maior benefício relativo, embora percebessem também nos participantes, uma certa tendência à distribuição igualitária. Eles concluíram que em uma situação de grupo mínimo, as pessoas embora procurem maximizar os ganhos do próprio grupo, tentam superar ao máximo o outro grupo, mesmo em detrimento ao obtido para o próprio. Esses dados confirmam a existência da diferenciação grupal mesmo nas situações onde só existe categorização social sem nenhuma interação nem real nem antecipada entre os dois grupos. Mas como explicar este fenômeno? Tajfel et al. (1971) lançam mão do conceito de “Identidade Social”, que se refere tanto à consciência que o indivíduo possui de pertencer a um determinado grupo social, como à carga afetiva e emocional que esta pertença traz para o sujeito. O pressuposto fundamental dessa concepção é de que os indivíduos procuram alcançar um tipo de identidade social que contribui para obter uma autoimagem positiva. Essa imagem seria obtida por meio da diferenciação positiva do endogrupo em contraste com os demais grupos durante o processo de comparação social. Uma das consequências desse pressuposto é que quanto maior é o sentimento de pertença a um grupo, maior será a tendência a diferenciar, de uma maneira favorável, seu próprio grupo (endogrupo) dos outros grupos (exogrupo). Para entender tanto o impacto dessa teoria na Psicologia Social contemporânea como seu potencial em se aplicar a uma dinâmica social, caracterizada pela ruptura de estruturas sociais, pela imigração global, pelo surgimento de relações virtuais, entre outros fenômenos que resultam em crise e inconstância (Giddens, 2000), devemos examinar seus três pressupostos fundamentais. O primeiro pressuposto refere-se à natureza do comportamento social. Esse se situa num continuum em que se distingue, em um extremo, o comportamento interpessoal, constituído pela interação entre duas ou mais pessoas e que é totalmente determinada pelas características individuais dos participantes e pela própria relação. No outro extremo situa-se o comportamento intergrupal, constituído pela interação entre dois ou mais indivíduos ou grupos, e determinado totalmente pelas respectivas pertenças sociais dos participantes na interação. É evidente que se trata de um continuum teórico, à medida que seria impossível en- Psicologia social: temas e teorias 349 contrar nas relações sociais situações puras de um ou outro extremo (Tajfel, 1981; Turner & Giles, 1981). Essa diferenciação nos níveis da interação social pode ser relacionada igualmente aos diferentes níveis de explicação que podem ser oferecidos para os fenômenos sociais (Lorenzi-Cioldi & Doise, 1990). Assim, como vimos no Capítulo 1, as diversas explicações em Psicologia Social, podem ser classificadas de intraindividuais, interpessoais, intergrupais a ideológicas. A possibilidade de existirem diversos níveis de explicação está ligada à complexidade e dinamismo dos fenômenos sociais. Situa-se aqui o segundo pressuposto da teoria que defende que a Identidade Social não é um ato, mas um processo social, que toma lugar não só no interior do indivíduo (fatores intrapsíquicos) ou no espaço das relações individuais (fatores interindividuais), mas se desenvolve no nível social e institucional (fatores intergrupais). Essa abordagem psicossocial pressupõe que o processo da identidade social é dialético à medida que a identidade modifica o sujeito, facilitando a incorporação de valores e normas do grupo social e, ao mesmo tempo, esse processo implica em uma participação ativa dos sujeitos na construção da identidade do grupo (ver Capítulo 6 sobre Valores). Finalmente, o terceiro pressuposto amplia o caráter dialético do processo ao conjunto do sistema social. Segundo Tajfel (1972), o processo de identidade social não ocorre no vazio social, mas em determinado contexto histórico onde os diversos grupos mantêm relações concretas entre si, relações que são igualmente mediadas pelos processos de identidade social. Para entender o tipo de relações intergrupais que podem ocorrer (basicamente fusões ou conflitos intergrupais), a teoria pressupõe que o processo de identidade social media a maneira em que indivíduos e grupos percebem a organização da sociedade, sua estrutura, estabilidade e legitimidade. Essa percepção, segundo Tajfel e Turner (1979), pode ser situada em um continuum de crenças sociais. Em um extremo situa-se o que eles denominam de “Sistema de Crenças na Mobilidade Social”, que descreve a crença em uma sociedade flexível e permeável na qual os sujeitos não satisfeitos com as condições oferecidas pelos seus grupos de pertença podem transferir-se, individualmente, a outros grupos. No outro extremo encontra-se o “Sistema de Crenças na Mudança Social”, em que a sociedade é considerada como estratificada e totalmente impermeável às tentativas de mudança individual. Tajfel e Turner (1979) afirmam que esses sistemas de crenças não devem ser confundidos com a perspectiva sociológica, que estuda os diversos níveis de estratificação e permeabilidade social que as formações sociais concretas podem ter. Referem-se, expressamente, a sistemas de crenças que influenciam o comportamento das pessoas e dos grupos. Assim, as crenças na mobilidade social, abrindo perspectivas de ascensão social individual, estimulariam estratégias individualistas de ação (comportamentos interindividuais), enquanto que as crenças na mudança social favoreceriam estratégias coletivas (comportamentos intergrupais). Em ambos os casos, a relação entre crenças e ação estaria mediada pelos processos de identidade social e diferenciação grupal: sujeitos de alta crença na mobilidade so- 350 Grupo social, relações intergrupais e identidade social cial avaliando negativamente seu próprio grupo, se esforçariam para pertencer ao grupo positivamente avaliado; já sujeitos fortemente identificados com seu próprio grupo procurariam ações coletivas, com objetivo de mudar coletivamente as suas condições de vida. A identidade social pressupõe dois processos básicos. Primeiro, os sujeitos procurariam manter identidades sociais positivas (Tajfel & Turner, 1979), tentando estabelecer formas de comparação social que sustentassem essa imagem positiva. Segundo Festinger (1954), existiria no organismo humano uma forte tendência a avaliar suas habilidades e opiniões. Essa avaliação se faria através da comparação com outras pessoas e grupos, de uma maneira que não ameaçasse a autoestima do sujeito. O segundo processo básico refere-se à categorização social, que permite aos sujeitos dividirem o mundo social em duas categorias fundamentais: o seu próprio grupo e os grupos dos outros. Podemos agora tentar sintetizar a Teoria da Identidade Social. Essa teoria se desenvolve a partir de uma noção de identidade que traduz a consciência que o sujeito possui de pertencer a uma categoria ou grupo social concreto, junto com o significado emocional dessa pertença. Postula que os indivíduos são motivados a conseguir uma identidade social positiva que contribua em sua própria autoestima e que, para tanto estabelecem comparações sociais nas quais procuram diferenciar-se positivamente dos outros grupos. Conclui que, quanto mais forte seja a identidade do sujeito com um grupo, maior será sua tendência de supervalorizar seu grupo e desvalorizar outros grupos. Assim, os processos psicológicos que acontecem com e no indivíduo se dariam a partir do jogo das relações de poder entre os grupos que formam uma determinada sociedade, em um determinado momento histórico. Um último aspecto da Teoria da Identidade Social merece ainda ser ressaltado. Henri Tajfel morreu relativamente jovem, em 1982 aos 62 anos. No entanto, passados 40 anos de sua morte, a influência de suas ideias na psicologia social mundial ainda pode ser percebida. A busca das citações de sua obra feita na Web of Sciense em maio de 2022 resultou em 6.045 artigos que, de alguma forma, citam seu trabalho. Especificamente, o capítulo publicado em 1979 juntamente com John C. Turner intitulado “An integrative theory of intergroup conflict” foi citado 4.259 vezes. Finalmente, como Brown (2020) tão bem esclarece, é importante notar que a grande maioria dessas citações, principalmente as mais recentes, ressaltam três aspectos da TIS que são considerados suas maiores contribuições, a saber: a) a ideia de que as pessoas constroem uma identidade social a partir dos grupos aos quais ela pertence; b) em contextos nos quais essa identidade é enfatizada elas vão agir em termos de suas pertenças grupais ao invés de agirem como indivíduos; e c) a análise de fenômenos grupais, por exemplo, o preconceito e a discriminação, devem levar em consideração tanto os aspectos estruturais de uma dada sociedade em um determinado momento histórico como também os processos de identificação com os diversos grupos de formam essa sociedade. Dito de outra forma, a originalidade do pensamento de Henri Tajfel residiria na proposta inequívoca de articular o indivíduo a seus grupos de pertença. Psicologia social: temas e teorias 351 SUMÁRIO E CONCLUSÕES Diante do exposto, parece-nos claro, portanto, o papel de destaque que o grupo possui na vida psicológica das pessoas, não só no nível individual, por exemplo, no desenvolvimento de uma identidade social, mas também no nível societal, uma vez que as pertenças grupais podem dar origem a fenômenos, como o preconceito e a discriminação. Mas, por que, mesmo assim, as análises sobre os grupos têm ficado em segundo plano tanto na psicologia como um todo, como na psicologia social, em particular? Como dito anteriormente, atribuir o papel secundário do grupo na psicologia social unicamente à distinção feita por Émile Durkheim (1895/2007) entre a psicologia e a sociologia ou ao papel preponderante que o Positivismo teve na consolidação desta disciplina não nos parece suficiente. Ressalte-se que, dentro da psicologia social contemporânea se desenvolvem perspectivas, por exemplo, os estudos sobre a subjetividade (e.g., Rey, 2005), que dificilmente seriam considerados positivistas, mas que possuem como característica primordial a ênfase no indivíduo como objeto de análise. Acreditamos que um dos principais empecilhos para a aceitação do grupo enquanto objeto de análise da psicologia social reside no processo de individualização que o mundo atual vem sofrendo, onde as necessidades individuais são colocadas à frente da coletividade. Não estamos defendendo uma relação puramente causal entre ideologia e ciência e, sim, um jogo de mútua influência no qual a primeira justifica a segunda, e esta dá argumentos de sustentação à outra. Por outro lado, diante do discutido até aqui, fica claro que as explicações para fenômenos societais que partem de processos puramente psicológicos geram, também, intervenções que colocam no indivíduo, isoladamente, a responsabilidade pelas mudanças sociais. Tomemos, mais uma vez, o exemplo do preconceito e da discriminação dele decorrente. Explicações que privilegiam as características idiossincráticas do indivíduo preconceituoso, ou do indivíduo vítima do preconceito, tendem a gerar também intervenções que colocam em segundo plano a necessidade de mudanças sociais. O “problema” estaria nos indivíduos e não nas relações de poder existentes entre seus respectivos grupos de pertença. Consequentemente, sua “solução” residiria, por exemplo, no desenvolvimento, do lado da vítima do preconceito, de estratégias de enfrentamento de situações adversas. Do lado do perpetrador, as intervenções seriam planejadas a partir do desenvolvimento de atitudes tolerantes para com o diferente. Em ambos os casos, entretanto, o status quo continuaria o mesmo. 352 Grupo social, relações intergrupais e identidade social Glossário Categorização Social Representação cognitiva da estrutura social em termos de categorias, permitindo segmentar, classificar e ordenar o ambiente social e, ao mesmo tempo, definir o lugar do indivíduo na sociedade. Comparação Social Conceito desenvolvido por Festinger (1954), parte do princípio de que os sujeitos realizam avaliações sobre si mesmos a partir da comparação com os demais. Diferenciação Grupal Processo psicológico pelo qual tendemos a manifestar favoritismo pelo nosso próprio grupo de pertença e hostilidade contra os demais grupos. Endogrupo Grupo com o qual se estabelece um sentimento de pertença ou identificação. Exogrupo Grupo com o qual não há relação de pertença ou identificação. Grupo Mínimo Metodologia experimental criada por Tajfel (1971), na qual os grupos são estabelecidos pela total ausência de interação ente os participantes, sendo criados com a finalidade de identificar condições mínimas para a diferenciação grupal. Identidade Social Conceito desenvolvido por Tajfel et al. (1971) que consiste na consciência que o sujeito possui de pertencer a um grupo social concreto, junto com o significado emocional desta pertença. Mobilidade Social Crença numa sociedade flexível e permeável na qual os sujeitos não satisfeitos com as condições oferecidas pelos seus grupos de pertença podem transferir-se, individualmente, a outros grupos. Mudança Social Crença numa sociedade como estratificada e totalmente impermeável às tentativas de mudança individual, demandando-se estratégias coletivas. MATERIAL COMPLEMENTAR Filme: Filhos da Guerra/Europa Europa Ano: 1990 Diretora: Agnieszka Holland Duração: 107 min O filme é baseado na história real de Solomon Perel, judeu que, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), disfarçou-se de soldado da SS e auxiliou a capturar o filho de Stalin. No filme, Solomon é um adolescente que, devido à perseguição nazista, é obrigado a fugir da Alemanha para Polônia com toda sua família. Após nova invasão de tropas alemãs, ele é separado de sua família e vê-se obrigado a viver num orfanato soviético por dois anos. Porém, quando as tropas nazistas invadem a Rússia, Solomon oculta sua origem judaica e convence a todos que é um ariano legítimo, unindo-se à Juventude Hitlerista. Adotando como cenário a violência da guerra e a sucessão de fatos que acompanham o drama do protagonista em esconder sua verdadeira identidade para garantir sua própria sobrevivência, o filme ilustra como os processos identitários são inseparáveis das questões de ordem sociopolítica que ocorrem num dado momento histórico, ao mesmo tempo que retrata como o conflito de interesses, a pertença grupal e a adesão a ideologias contribuem para a manifestação de Psicologia social: temas e teorias 353 favoritismo endogrupal e hostilidade contra o exogrupo. Destaque para a cena em que professor nazista examina as características de Solomon diante da classe e o declara como um legítimo “exemplar da raça ariana”, uma ilustração surreal de como ideologias racistas utilizam aspectos físicos externos para criar processos de hierarquização e discriminação entre os grupos sociais. Filme: Hotel Rwanda Ano: 2004 Diretor: Terry George Duração: 120 min Em Ruanda, a categorização da população nativa em Hutu e Tutsi, feita arbitrariamente pelos belgas, está enraizada na mentalidade do país, apesar de sua independência. Até o início da colonização, as duas etnias viviam em relativa harmonia. O filme se passa em 1994 e é ambientado no Hotel Des Milles Collines, na capital Kigali. O hotel é da Companhia área belga Sabena, é um hotel 4 estrelas e que hospeda basicamente turistas e homens de negócio brancos europeus os estadunidenses. Paul Rusesabagina, um Hutu Casado com uma Tutsi, Tatiana Rusesabagina, é o gerente do Paul, que conhece muito bem as engrenagens do funcionamento do hotel e tem muito orgulho porque os hóspedes brancos o tratam com respeito. Depois de um incidente específico, a calma relativa entre as guerrilhas Tutsi e o governo liderado pelos Hutu termina. Paul acredita que a população nativa que não estava diretamente envolvida com o conflito seria protegida já que as forças de paz da ONU e, consequentemente o mundo está acompanhando. Mas isso não acontece, pois só foram evacuados os europeus e estadunidenses e os nativos foram deixados à própria sorte. E esse foi o início do genocídio da população Tutsi. Filme: Um reino unido Ano: 2016 Diretora: Amma Asante Duração: 120min O filme é baseado na história verdadeira do herdeiro do trono do país africano Bechuanaland, atual Botsuana, que foi para Londres logo depois de Segunda Guerra Mundial para estudar Direito. Lá ele conhece uma mulher inglesa (branca), por quem se apaixona e com quem casa, apesar dos protestos das duas famílias e da forte oposição do governo britânico, que estava preocupado com as relações diplomáticas com a África do Sul, cujo regime do Apartheid proibia casamentos inter-raciais. Então, o que deveria ser apenas um casamento entre um homem e uma mulher se torna um grande problema diplomático. CAPÍTULO 11 A SOCIALIZAÇÃO Dalila Xavier de França INTRODUÇÃO As crianças mudam em decorrência das interações estabelecidas, desde os anos iniciais de suas vidas, nos diferentes contextos sociais nos quais se inserem; inicialmente, na sua família e, por conseguinte, em outros lugares, como na escola, nas relações com pares e sob a influência das mídias e redes sociais, entre outras. Nessas circunstâncias, elas aprendem hábitos e maneiras de convivência, paulatinamente, pelo contato direto ou indireto com as outras pessoas ou informações. Essas inserções e influências resultam na assimilação de um conjunto de valores específicos da sociedade, adquiridos por meio de uma variedade de pressões, a fim de conformá-las às normas dominantes em seu grupo social e torná-las um membro legítimo (Schaffer, 1984) (para uma revisão sobre influência social, veja o Capítulo 7 deste Manual). Esse percurso é denominado de processo de socialização e é de grande importância na realidade social, uma vez que abarca, em um mesmo conceito, o desenvolvimento humano, as tentativas mútuas de ajustamento comportamental das pessoas aos contextos e às formas de manutenção da ordem social. A socialização é um fenômeno essencialmente humano, que não se resume apenas à apreensão de valores e normas sociais; o complexo de atividades humanas deriva desse processo, quando vemos, por exemplo, um adulto indo às compras ou ao traba- 356 A socialização lho; tomando um banho ou preparando um alimento; conversando com um vizinho ou fechando um negócio. O percurso por ele percorrido para finalmente agir e se comportar em cada cenário, desde a aprendizagem básica de cada comportamento, até a valorização e à percepção da necessidade de praticar cada um deles, incluindo o modo como são performados, são adquiridas pelo processo de socialização. A socialização ocorre durante toda a vida da pessoa. Vários dos seus conteúdos já estão predefinidos mesmo antes do nascimento do indivíduo, uma vez que cada sociedade tem um modelo ideal do tipo de indivíduo que quer formar. No processo de socialização, as pessoas aprendem não só o que fazer em determinadas situações, mas também como fazer, como são vistas pelo seu grupo cultural; ser socializado não é apenas uma questão de aprender capacidades, mas também de aprender significados (Milner, 1983). Os contextos nos quais ocorrem o processo de socialização são denominados de agências de socialização, como: família, escola, grupos de pares, vizinhança, organizações comunitárias, igrejas, mídias e redes sociais. Assim como os atores, que introduzirão o novato no grupo social, facilitando a aquisição dos conhecimentos e habilidades necessárias para sua inserção social, são os agentes de socialização. O objetivo deste capítulo é fornecer pressupostos teóricos para a compreensão do fenômeno da socialização, dando enfoque à socialização das atitudes dirigidas a outros grupos sociais, particularmente como tais processos ocorrem na infância. Inicialmente, apresentaremos uma análise conceitual desse fenômeno. Em seguida, apresentaremos alguns aspectos históricos que subsidiaram a origem de modelos de socialização. Dissertaremos sobre a socialização no contexto da família, na escola, nas relações com pares e nas mídias sociais; finalizaremos examinado uma forma de socialização específica, que consiste na influência dos valores, das crenças e das práticas educativas na formação de preconceitos e do racismo nas crianças. 11.1 ANÁLISE CONCEITUAL DO CONSTRUTO SOCIALIZAÇÃO Muitas são as definições de socialização. A maioria delas pouco diferem na forma de pensar os elementos envolvidos no processo de socialização. É importante salientar que o termo socialização foi desenvolvido no âmbito da psicologia e sociologia (Saraswathi, 1999). Segundo L. Camino (2006), na perspectiva psicológica, esse termo explica como as pessoas se desenvolvem em conformidade com os outros membros de seu grupo, mantendo suas individualidades e diferenciando-se dos membros dos outros grupos. Na perspectiva sociológica, o vocábulo pretende explicar como um grande número de seres humanos são capazes de ajustar mutuamente seu comportamento para manter uma ordem social. O processo de socialização explica não apenas a igualdade, mas, também, a diferença entre as pessoas em um nível individual e grupal. Outwaite e Bottomore (1996), em uma perspectiva sociológica, definem a socialização como os processos pelos quais os seres humanos são induzidos a adotar os padrões de comportamento, normas, regras e valores do seu mundo social. Nessa mesma perspectiva, para Giddens (1993, p. 81), “a socialização é o processo através do Psicologia social: temas e teorias 357 qual as crianças indefesas se tornam gradualmente auto-conscientes, pessoas com conhecimentos, treinadas nas formas da cultura em que nasceram”. Na perspectiva da Psicologia, a socialização é definida como o processo pelo qual a criança se torna membro de uma sociedade, referindo-se à aprendizagem das regras, crenças, proibições, valores e modos de comportamento compartilhados por seu grupo social (Guimond, 2000), ou ainda, como o processo de deliberada modelagem, por treinamento consciente e ativo do indivíduo, a fim de adaptá-lo aos costumes, comportamentos, valores e expectativas da sociedade em que vive (Berry, Poortinga, Segall, & Dasen, 1992). Podemos destacar em ambas as perspectivas os seguintes aspectos: • A socialização é um processo, e por ser um processo, está implícita a ideia de continuidade. • A socialização começa na infância e prossegue ao longo da vida, ou seja, tem caráter desenvolvimental. • A socialização possibilita a reorganização e inovação do indivíduo, à medida que as situações passadas são pontos de referência para as novas situações. Isto é, em todos os momentos da vida, o indivíduo adquire novas aprendizagens e reformula as que já possui como forma de se ajustar à nova situação. • A socialização é um processo adaptativo na vida do indivíduo, pois contribui na provisão de habilidades necessárias para que se torne um membro participativo da sociedade, e serve para inseri-lo no convívio com outros semelhantes. Ambas as perspectivas de análise da socialização enfatizam a ideia de aprendizagem, ou seja, supõem a ideia de transmissão de informações de uma geração para outra. Assim, há alguém que ensina, seja de modo direto e explícito, como acontece na escola, ou de modo indireto e implícito, como ocorre na transmissão cultural que se dá nos relacionamentos com os outros membros, na família, na vizinhança, na mídia, nas brincadeiras, dentre outros. Entretanto, ao que parece, a perspectiva sociológica supõe uma socialização mais indireta, sem imposições expressas, demonstrada pelos termos referidos “são induzidos a adotar os padrões de comportamento” e “tornam gradualmente autoconscientes”; enquanto que, na perspectiva psicológica, a socialização parece ser mais explícita, como pode ser visto na expressão “é o processo de deliberada modelagem”. Em ambas as perspectivas, há expectativa de resultado na socialização. O resultado é a organização e manutenção da estrutura social. Assim, o que é que se ensina nos processos de socialização? Ensinam-se as noções de realidade social que cada grupo possui (Berger & Luckmann, 1966/2005). Nessa definição, se inserem os papéis que serão assumidos durante toda a vida e todos os requisitos necessários para o cumprimento desses papéis, a exemplo dos papéis de gênero (para uma revisão sobre gênero, veja o Capítulo 13 deste Manual). O entendimento, pelo indivíduo, de seu papel no grupo social e a importância do grupo social são aspectos por demais importantes para serem deixados ao acaso. Nessa expectativa de resultado, isto é, um indivíduo 358 A socialização socializado, está implícito, ainda, que os papéis têm um tempo para se manifestarem, no curso da existência; ou seja, há uma época para ser criança, e as crianças têm determinadas atividades a cumprir. Depois dessa época, previamente determinada, não se esperam mais atos infantis. Há uma época para casar, trabalhar etc.; a pessoa e, principalmente, o grupo social, ao qual ela pertence, ficam bastante atentos a esse tempo. Contudo, as definições apresentadas não deixam claro o aspecto dinâmico envolvido no processo de socialização, pois, sendo um processo de aprendizagem, está implícita na socialização a ideia de dinâmica: a pessoa que aprende também ensina. Os atores do processo se influenciam mutuamente. São as relações estabelecidas nos contextos que determinam quem será sujeito e quem será objeto da socialização. Em determinado momento, o agente pode ser o aprendiz. A dinâmica da socialização implica ainda a sucessão de papéis que o indivíduo vai desempenhar e que vários papéis podem ser desempenhados ao mesmo tempo, por exemplo, alguém pode ser filho, jovem, casado, trabalhador e pai. Em cada uma dessas situações, as condições de agente e aprendiz estarão se interpenetrando. Em uma concepção dinâmica da socialização, outro aspecto a destacar é que, assim como a socialização atua pela manutenção de uma ordem social, é também ela quem produz inovação e mudança social. A socialização é um fenômeno prospectivo, voltado para o futuro. Há pouco tempo, os estudos sobre socialização enfatizavam apenas as crianças; atualmente, é unânime que a socialização não acontece apenas na infância. Ao longo da vida, novos papéis têm de ser aprendidos; antigos comportamentos serem esquecidos porque já não são adequados aos novos papéis assumidos (Musgrave, 1979). Para todas as situações, há um treino anterior: durante o período do noivado, os jovens ensaiam a vida de casados; as crianças ensaiam possíveis funções familiares ou empregatícias, quando brincam de faz de conta, utilizando estes temas como motivo da brincadeira. Esse aspecto do treino social é importante, pois, executado de modo adequado, facilita a transição para a aquisição de novos papéis (Musgrave, 1979). Atualmente, diversos novos temas têm entrado na agenda dos estudiosos da socialização, a exemplo das condições específicas relativas ao desenvolvimento em diversos campos, como a puericultura, a escolaridade, a vida profissional, propaganda, a experiência da velhice e a morte; e, especificamente, em relação aos processos grupais, como a influência dos grupos e das relações de poder social, na identidade social e pessoal (para uma revisão sobre identidade social, veja o Capítulo 10 deste Manual); relações intergrupais e estratégias de mudança social, conflito e violência, associando as temáticas à sua compreensão em diversos grupos, sejam étnicos, raciais, de gênero, religiosos, de idade, profissionais; assim como, amparando-se em diferentes interpretações teóricas (Vala, Waldzus, & Calheiros, 2016; Rutland, Nesdale, & Brown, 2017). Desse modo, as agências de socialização também se ampliaram, visto que não só a família participa desse processo, mas também a escola, os grupos de pares, o ambiente do trabalho, as redes sociais, a exposição aos outros veículos de comunicação de massa, a participação na vida comunitária organizada e na vida política, dentre outros (Outwaite & Bottomore, 1996). Nesse leque, ainda podem ser referidas as agên- Psicologia social: temas e teorias 359 cias que entram em cena, quando desajustamentos nos objetivos de socialização ocorrem e reabilitações são necessárias, como aquelas dedicadas à ressocialização, como hospitais psiquiátricos, prisões, alcoólicos anônimos etc. (ver Gecas, 2017 para uma revisão). Embora a socialização seja um continuum na vida do indivíduo, do seu nascimento à morte, as crianças são vistas geralmente como centro deste processo, pelo seu caráter de noviço na realidade social e no mundo adulto. Essa concepção de que as crianças necessitam de um olhar diferenciado é quase contemporânea. Segundo alguns estudiosos, essa centralidade deriva de um longo processo de evolução do pensamento sobre a criança, que é atravessado por mudanças políticas sociais e econômicas, e é um importante marco da história da humanidade. 11.2 DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO SOBRE A CRIANÇA A análise de como as crianças e a infância foram percebidas em diferentes momentos históricos e contextos geográficos foi interesse de muitos estudiosos (Ariès, 1981; Badinter, 1985; Del Priore, 2010; Guimarães, 2017; Kuhlmann, 1998). Esses estudiosos trouxeram luz à compreensão de como essas concepções sobre a crianças variaram nos períodos da história, os fatos sociais políticos e econômicos que as motivaram, e servem de apoio para compreensões atuais sobre o público infantil. Como demonstra Ariès (1981), a visão que se tem hoje da criança, nas sociedades ocidentais, é bem diferente daquela que prevalecia na época medieval. As crianças medievais não eram cuidadas com a deferência, proteção e amparo observadas na atualidade. Eram retratadas vestidas como miniaturas dos adultos, trabalhando nos campos ou no comércio, e participando das festas e orgias. Badinter (1985) descreve que, devido à necessária dedicação ao trabalho, por parte dos membros adultos da família, as crianças eram deixadas aos cuidados de amas-de-leite, já desde as primeiras horas de nascidas. Tal situação data do século XIII e se prolongou até o século XVIII, sendo um costume aceito por todas as camadas da sociedade urbana. Durante os séculos XVII e XVIII, houve uma mudança nas atitudes relacionadas à criança e à sua criação. Ideias de que as crianças eram inocentes e frágeis e que deveriam ser protegidas dos comportamentos descuidados dos adultos começaram a ser difundidas. Essa mudança, em parte, teve motivação política, econômica e ideológica. Nessa época, o tratamento dado às crianças resultava em altas taxas de mortalidade infantil. Na França dos séculos XVII e XVIII, a morte de crianças era coisa banal (Badinter, 1985). Embora os números não sejam precisos, a mortalidade infantil era maior entre as crianças submetidas a amas-de-leite do que aquelas amamentadas e cuidadas pelas próprias mães. No final do século XVIII, preocupações sociodemográficas começam a fazer mudar o tratamento propiciado às crianças, passando a serem valorizadas como seres humanos e vistas como a riqueza do Estado. O reduzido crescimento populacional compromete a riqueza e o poderio militar estatal. Em consequência, toda perda humana era um prejuízo para o Estado. 360 A socialização Entre os séculos XVIII e XIX ocorreu a Revolução Industrial e impactos foram observados, em decorrência desta transformação econômica mundial. Segundo Motkouri (2004), o trabalho infantil era comum, embora não tenha sido exclusividade dessa época, pois foi um fênomeno pré-capitalista e pré-industrial. Entretanto, nessa época, crianças foram submetidas à exploração e à superexploração por meio de castigos corporais. Mudanças associadas à economia e a relações de trabalho, sobretudo, eliminação do trabalho infantil, tiveram impacto na qualidade de vida das crianças. Quatro mudanças que conduziram a eliminação do trabalho infantil, na Europa, são referidas por Motkouri (2004): 1- Aumento da renda dos pais, de modo que não necessitavam da contribuição dos filhos para o sustento familiar; racionalmente, decidiram retirar filhos do trabalho; 2- Ação do Estado, pelas mudanças de leis trabalhistas e de escolarização; 3- Desenvolvimento do mercado de trabalho capitalista, pela presença de sindicatos e avanços tecnológicos; 4- Mudanças de valores culturais, como a entrada das mulheres no mercado de trabalho, somada à ideia de que a contribuição da criança era insignificante para a economia da família e nacional, sendo profícuo garantir seu completo processo de amadurecimento. Sobre as mudanças na escolarização, ressalta-se o incremento de leis de educação de massa e a escolaridade obrigatória. Embora a escolaridade existisse antes da Revolução Industrial, poucos participavam dela. A escola, antes organizada pela Igreja, passa à tutela do Estado. O argumento da necessidade de educação foi fortalecido pela crença de que as pessoas educadas são mais fáceis de ser governadas, são cumpridoras da lei, dóceis e sóbrias (Motkouri, 2004). Por exemplo, Becker, Hornung e Woessmann (2009) observaram na Prússia, que regiões com altos níveis educacionais, responderam com mais sucesso às oportunidades criadas pelas mudanças tecnológicas da Revolução Industrial. O estudo analisou indicadores de educação e desenvolvimento, em 1816, antes do início da Revolução Industrial na Prússia (ocorrida em meados da década de 1830), com os de educação e de emprego no final da primeira fase da industrialização, em 1849, e durante a segunda fase, em 1882. O resultado evidenciou que o desenvolvimento industrial evoluiu de forma totalmente nova como consequência de trabalhadores mais educados. As mudanças não ocorreram em todos os setores da indústria, mas indicavam que o desenvolvimento econômico industrial dependia da disponibilidade de uma população educada, previamente consciente do potencial produtivo das novas tecnologias e mais capaz de se ajustar às mudanças do mercado. Para Motkouri (2009), as transformações ocorridas durante a Revolução Industrial, possibilitaram o reconhecimento da importância do conhecimento científico para um trabalhador industrial. A ciência, a par das mudanças da época, investiu em produções sobre a criança. Filósofos, médicos e teólogos se esforçam por fazer mudar a visão sobre a criança, baseando seus discursos nos cuidados proporcionados a elas. As publicações recomendam, às mães, cuidar pessoalmente dos filhos e amamentá-los; ao Estado e à sua administração conservar vivas as crianças abandonadas e aperfeiçoarem sua higiene e aleitamento artificial, para que os futuros homens sobrevivam. Tal fato teve impacto ainda sobre a relação homem/mulher. O poder absoluto, antes atribuído ao homem, foi questionado. A proteção da mulher, representada pelo seu direito à igualdade po- Psicologia social: temas e teorias 361 lítica, repercutiria sobre a preservação e o bem-estar da criança. “De um lado, o pai e a mãe têm o mesmo ‘direito de superioridade e de correção sobre seus filhos’, por outro lado, seus direitos são limitados pelas necessidades da criança” (Badinter, 1985, p. 162), pois, a criança é incapaz de zelar pela própria sobrevivência. Começou-se a incentivar os pais a enviarem os filhos para a escola, onde era ensinada educação religiosa e moral, além da leitura e escrita, o que os transformava em bons servos e trabalhadores. Os pais também foram encorajados a tratarem os filhos com mais afeto (Ariès, 1981). Literatura sobre a infância passa a fazer parte da pauta do pensamento de filósofos sociais e influenciam os modos de tratamento adotados por pais e educadores. A visão de Ariès foi considerada, por alguns autores, dentre eles, Rocha (2002) e Santos Júnior (2017), como a mais representativa da classe abastada europeia. Os autores afirmam que, em famílias rurais ou mesmo entre os menos abastados, as crianças eram tratadas com mais consideração e afeto do que referia Ariès. Independente da origem ou classe, em um momento da história, o mundo voltou-se para as crianças. E cabe analisar como se deu essa história na realidade das crianças do Brasil. 11.3 HISTÓRIA DA CRIANÇA NO BRASIL No Brasil, os estudos concentram-se nas pesquisas de Del Priore (2010). A autora mostra semelhanças e diferenças da história das crianças brasileiras daquelas referidas por Ariès, e destaca a dificuldade de registro desta história neste país. Entre as comunalidades encontradas nos registros, destaca-se o tratamento dado às crianças. Aqui, há relatos de desumanidades dirigidas a elas, quando ainda trazidas da Europa no período da colonização. História de doenças, fome, maus tratos, trabalhos forçados, violência, abuso e separações, muitas vezes consequência de naufrágios. Para Guimarães (2017), do século XVI ao XVIII pouco foi feito em termos de atendimento e proteção jurídica à criança. Outra peculiaridade dessa história, no Brasil, foi a produzida pelo processo de composição populacional ocorrido nessa sociedade, que contou com a participação de povos europeus, de africanos e dos indígenas, primeiros habitantes desta terra. As histórias das crianças africanas foram marcadas pelo trabalho forçado e escravização; condições semelhantes à das crianças indígenas, dominadas pelo colonizador e destituída da cultura de seu povo, o que leva historiadores da infância afirmarem que, para um real quadro da história da criança no Brasil, é necessário considerar as especificidades étnicas (Azevedo & Sarat, 2015; Del Priore, 2010). Assim, os eventos descritos pelos historiadores mostram um quadro de tratamento semelhante ao encontrado por Ariès, entretanto, por motivos distintos: expansão e exploração econômica. Em contraposição à visão expressa por Ariès, alguns relatos destacam a afetividade e a preocupação dirigida às crianças, por mães escravas ou não, exemplificadas pela recusa a ceder suas crianças para combater na guerra do Paraguai. Esse comportamento da parte dos cuidadores era visto com crítica, pois tornava as crianças 362 A socialização dependentes e mimadas (Del Priore, 2010). Outro aspecto que distingue a história da criança no Brasil, refere-se ao atraso da emergência da vida privada e comportamentos associados à civilidade (Azevedo & Sarat, 2015; Del Priore, 2010). Para Del Priore, essa demora deveu-se à predominância de lares monoparentais, à pobreza material e arquitetônica, que impediam a separação de crianças e adultos, e à instauração de um foro íntimo e privado. Soma-se a isso, a tardia chegada e expansão da escolarização. Segundo Del Priore, o atraso do desenvolvimento econômico, na época predominantemente sustentado por sistema de produção agrária mais do que industrial, reverberou na baixa exigência de qualificações dos indivíduos e, consequentemente, na baixa implementação do sistema educacional nacional. Historicamente, um “ensaio” de educação pública ocorreu no século XVIII, com a pedagogia pombalina; entretanto, esta era privilégio da elite. Acrescente-se a isso o fato de que as escolas se limitavam aos grandes centros e, dela, eram excluídos os escravos, as mulheres, os negros livres, os pardos, os filhos ilegítimos e as crianças abandonadas (Saviani, 2008). No século XIX, a alternativa possível para a transformação dos filhos dos pobres em cidadãos úteis e produtivos era o trabalho, e não a educação (Del Priore, 2010). Assim, desde o século XIX, atravessando o século XX, como subproduto da falta de políticas adequadas de inclusão populacional, ocorre a formação de uma massa de crianças abandonados, de quem se previa raras chances de sucesso, sendo depositadas em instituições (Rodas de Expostos, FEBEM, FUNABEM, entre outras) (Del Priore, 2010; Guimarães, 2017). Porém, nesse século, em 1927, é promulgado o primeiro Código de Menores do Brasil, que contribuiu para o questionamento de algumas práticas de tratamento ministrados às crianças (Waquim, Coelho, & Godoy, 2018). Outras leis, pouco a pouco, elevaram a criança ao status de sujeito de direito, que tiveram sua culminância com a constituição de 1988, ocasião em que o direito à cidadania e à educação foi considerado fundamental para seu pleno desenvolvimento. Consequentemente, no final do século XX e adentrando ao XXI, iniciativas jurídicas e educacionais foram tomadas, visando à estruturação e ao desenvolvimento da educação e proteção da criança. As medidas, sobretudo de caráter educacional, visando à recuperação dos prejuízos herdados de outras épocas, tornaram-se pauta central de políticas voltadas à infância (ver Guimarães, 2017; Saviani, 2008; e Waquim et al., 2018 para uma revisão). No estudo da socialização, observou-se que concepções filosóficas sobre a “natureza” do ser humano basearam a maneira como a infância foi percebida e manejada ao longo da história. É importante salientar que concepções foram influenciadas por questões de ordem econômica, política, cultural e social que determinaram os interesses nos diversos períodos históricos, produzindo diferentes modelos de socialização. Os modelos clássicos de socialização foram adotados por pais e, principalmente, pelas escolas. Psicologia social: temas e teorias 363 11.4 MODELOS DE SOCIALIZAÇÃO INFANTIL Os modelos de socialização foram baseados inicialmente em concepções de filósofos da educação, posteriormente em teorias do desenvolvimento infantil, e orientaram a educação das crianças. O pensamento de filósofos sociais, dentre os quais destacam-se Hobbes, Locke e Rousseau, fundamentaram alguns modelos de socialização, a exemplo do Processo de Modelagem, Laissez-Faire, e o do Conflito. Outros modelos foram desenvolvidos a partir de pressupostos de teorias de desenvolvimentistas. O Modelo do Processo de Modelagem concebe a socialização em termos da modelagem da criança. É baseado nas concepções de John Locke (1632-1704), que afirmava que, no início, a mente de uma criança é uma tábula rasa, sendo as ideias originadas da experiência, e não trazidas ao nascimento. Ou seja, as crianças não são inerentemente boas ou más. Suas experiências sobre o mundo é que determinarão o que elas serão. Locke percebia a criança como passiva e propunha uma educação para a disciplina, a fim de assegurar a aquisição de bons hábitos. No modelo derivado de suas ideias, os agentes de socialização, representados pela mãe, pai, professores e outras figuras de autoridade, procedem à modelagem na forma desejada. A criança é entendida como passiva, sendo sua personalidade inteiramente explicada em termos de influências externas, como adultos, coetâneos, redes sociais etc. As concepções desse modelo são compartilhadas por behavioristas, como John B. Watson (1878-1958). As principais limitações desse modelo referem-se à concepção da criança como ser passivo e às relações com os pais como unidirecionais. Tal visão desconsidera que, mesmo bebês, apresentam consideráveis graus de competência e organização psicológica. Como demonstra Piaget (1973), já nas primeiras semanas de vida as crianças têm estruturas cognitivas que as capacitam a interagir com o ambiente e influenciá-lo. Além disso, existem notáveis diferenças individuais entre as crianças, evidenciado o quanto suas características forçam o adulto a adotar respostas apropriadas em cada situação, de modo que o modelo do processo de modelagem é atualmente considerado como insatisfatório. O Modelo de socialização infantil Laissez-Faire é fundamentado nas ideias de Jean-Jacques Rousseau. Para esse filósofo, o homem nasce bom e deve ser protegido dos males da civilização. Já ao nascer, a criança possui um senso intuitivo do que é certo e errado, devendo receber maior liberdade para desenvolver suas potencialidades inatas. Para ele, a criança participava ativamente na formação de seu intelecto e personalidade. Esse modelo defende que aspectos básicos da personalidade são inatos, de modo que a criança necessita apenas de acompanhamento do seu percurso de desenvolvimento (Schaffer, 1996), pois, as tendências exploratórias naturais da criança podem ser inibidas pela imposição de padrões ou orientações de pais, cuidadores e educadores (Karbowniczeck, 2017). O papel dos educadores consiste em proporcionar um ambiente o mais permissivo e desestruturado possível, a fim de possibilitar o crescimento do potencial da criança, pela livre expressão dos seus interesses e atividades. Investigações, nessa área, concentram-se mais no modo como as capacidades se manifestam na criança (Schaffer, 1996). 364 A socialização Embora o modelo seja reconhecido como livre de estresse, limitações, proibições, padrões e regras de ensino, requisitos mínimos são esperados (Karbowniczeck, 2017). Contudo, o que parece ser sua qualidade, é também sua limitação. Estudos em ambientes organizacionais afirmam que lideranças Laissez-Faire produzem, ao contrário do que se imagina, um ambiente estressante caracterizado por altos níveis de conflitos interpessoais como o bullying, resultando em altos níveis de sofrimento psíquico entre os envolvidos, sejam observadores ou vítimas. É ainda gerador de improdutividade (Skogstad, Einarsen, Torsheim, Aasland, & Hetland, 2007). Já o Modelo do Conflito afirma que a incompatibilidade de objetivos dos pais e das crianças é geradora de conflitos. As crianças têm desejos próprios, socialmente contraditórios, que as impelem a se comportar de determinada maneira. A criança, por seu lado, é determinada a dar vazão à sua natureza primitiva, agindo de forma egocêntrica, sem considerar as consequências das suas ações. Os pais, por outro lado, representantes da ordem social, agem no sentido de conter, inibir ou dirigir os impulsos da criança a canais socialmente mais aceitáveis. Esse modelo tem uma base filosófica inspirada em Thomas Hobbes (1588-1679), defensor da concepção da criança como inerentemente egoísta, que deve ser contida pela sociedade; e nas concepções de Freud (1856-1939), de que a criança traz impulsos internos, como o de realização de seus desejos corporais, que conflitam com as restrições impostas pela sociedade de satisfação dos mesmos. Por outro lado, ao contrário de Hobbes, Freud ressaltou a importância do conflito entre pais e filhos, na formação e desenvolvimento da personalidade, e nas esferas emocional, moral e cognitiva como catalisador desses desenvolvimentos (Goodman, Waters, & Thompson, 2011). Entretanto, para que o conflito, ou seja, a oposição entre os atores em interação, produza desenvolvimento, necessita ser compreendido e mediado de forma positiva (ver Chiaparini, Silva, & Leme, 2018). A principal limitação desse modelo recai sobre o modo como o conflito é percebido e manejado por pais e educadores. Chiaparini, Silva e Leme (2018) enfatizam que educadores devem estar preparados para mediar situações conflituosas, analisando os contextos em que ocorrem e situações geradoras deles. Já Goodman et al., (2011) destacam os estilos parentais de disciplina. Se os pais adotam visões tradicionais da criança como passiva e influenciada de modo unilateral, ignoram o papel ativo da criança e as influências bidirecionais, nas interações conflituosas, negando, por exemplo, a possibilidade das crianças se expressarem ou discordarem; há risco aumentado delas serem vitimizadas pelos pares, por não desenvolverem modelos adequados e a prática da habilidade de gerenciamento de conflitos em um contexto seguro e de apoio. Outro modelo de socialização é o da Mutualidade, que se baseia em uma visão da criança como participativa e ativa no seu crescimento; concebe-se que é a adaptação mútua que rege as interações pais-crianças. Nesse modelo, a criança nasce pré-adaptada para as interações sociais, os educadores permitem-lhe atuar na interação, frequentemente deixam-lhe determinar o que fazer, apresentando grande sensibilidade para as sugestões da criança (Schaffer, 1984, 1996). O modelo é inspirado em princípios da teoria da Ligação afetiva de Bowlby (1907-1990), que afirma que para que a criança desenvolva confiança, conforto efetivo, e entusiasmo para exploração do ambiente, é necessário que esteja envolvida em condições emocionais seguras, que levam Psicologia social: temas e teorias 365 ao desenvolvimento de estratégias adaptativas de regulação emocional fisiológica e comportamental aplicáveis a diferentes situações. A falta de condições emocionais seguras compromete a adaptação social. Para dar uma perspectiva dinâmica ao modelo, no entanto, a teoria da influência social é chamada a contribuir. Afirma-se que desde o nascimento os seres humanos estão sujeitos a processos de influência social, isso pode ser evidenciado nas pesquisas sobre influência comunitária e parental, nas quais enfatizam-se a reciprocidade e a mutualidade dessas interações (Kim, Bolt, & Kochanska, 2015; Kochanska, Bolt, & Goffin, 2019). No processo interacional recíproco, as partes esperam responder às necessidades do outro, sendo sensíveis e preocupadas com o bem-estar (Kochanska, 1997). Segundo esse modelo, para se obter uma interação bem-sucedida, não se pode arbitrariamente impor demandas à criança, mas deve-se levar em conta seus estados particulares e ajustar seu próprio comportamento (Schaffer, 1984, 1996). Uma das limitações do modelo da mutualidade refere-se à maximização da capacidade de iniciativa infantil, nas interações e minimização do papel dos pais, cuidadores ou educadores, que apenas adaptam-se aos desejos da criança (Schaffer, 1984). Outra limitação é que os dados das pesquisas são gerados com base em estudos experimentais e longitudinais, em que há excessiva mortalidade e redução das amostras, de modo que, é importante a cautela na generalização dos resultados relativos aos desenvolvimentos desencadeados, nas crianças, em consequência do relacionamento mútuo positivo e responsivo (Kim et al., 2015). Todos os modelos de socialização infantil, citados anteriormente, põem em evidência a relação mãe-criança ou pai-criança como principal influência no processo de socialização, o que constitui uma limitação. Um outro modelo, mais sistêmico, que considera os diversos contextos de inserção da criança, surgiu mais recentemente, trata-se do Modelo Bioecológico. Baseando-se nos estudos de Urie Bronfenbrenner (1917-2005) sobre o desenvolvimento humano, salienta a importância de considerar, no desenvolvimento da criança, os múltiplos sistemas nos quais ela está envolvida, bem como as interações entre eles. Assim, são consideradas as combinações das características individuais da criança (temperamento, competência, sexo e idade), fatores sociocontextuais (família, grupo de pares, escola, babás e vizinhos) e processos de desenvolvimento (educação, práticas disciplinares etc.) como importantes influências na socialização (Bronfenbrenner, 1979). A influência dos pais é vista como condicional e não como absoluta, ou seja, não está necessariamente presente em todos os contextos (Carvalho-Barreto, 2016). Observamos que os modelos de socialização variam em termos da concepção das crianças como ativa ou passiva, na determinação do seu desenvolvimento. Esse é um ponto crítico nas diferentes abordagens analisadas. Na presente discussão, não se defende que a criança é um epifenômeno do adulto, mas entende-se que a criança é inserida em uma estrutura social pré-formada, o que limita seu poder (França & Da Costa Silva, 2021). A estrutura social definida como “padrões estáveis de comportamentos e interações sociais entre pessoas e posições sociais”, que ocorrem no interior de grupos (House, 2017, p. 520), se concretiza nos diferentes contextos de socialização. Os contextos, representados por seus agentes, são impregnados de formas diferenciais de poder, assim como da reação a ele. 366 A socialização 11.5 CONTEXTOS DE SOCIALIZAÇÃO O contexto de socialização é o lugar no qual a socialização acontece. Toda socialização é contextual e os contextos de socialização são quase ilimitados (Gecas, 2017). Os contextos são configurados por instituições ou por grupos que compõem a sociedade, chamados ainda de agências de socialização. Neste capítulo, analisaremos quatro contextos de socialização, considerados por serem lugares nos quais as crianças atuam e pelo seu potencial de interferência no desenvolvimento psicossocial delas, são eles: a família, a escola, o grupo de pares e os meios de comunicação de massa. As situações, nas quais os encontros socializadores ocorrem nesses contextos, podem ser duradouras ou transitórias, no que se refere à experiência (p.e., família – duradouro); quanto à organização podem ser mais ou menos formais (p.e., escola – mais formal; pares – menos formais). Os agentes são as pessoas que fazem o processo acontecer. As mudanças que possibilitam a efetividade da socialização, como a apreensão ou reconstrução de valores, crenças, costumes culturais e identidades podem resultar de influências devidas ao pertencimento aos grupos ou agências com os quais os indivíduos interagem e mantêm relações organizadas. Processos identitários, como a ligação emocional do indivíduo ao grupo ou a membros dele, condicionarão a aceitação das normas e padrões do grupo (Gecas, 2017). 11.5.1 A FAMÍLIA Como vimos, o processo de socialização ocorre no interior dos grupos. Um dos principais grupos de socialização das crianças é o familiar, por ser o primeiro grupo de inserção social e assumir características distintas dos demais, devido ao tipo de relação que nele se estabelece. Na família, a relação dos pais/cuidadores com os filhos é única, embora apresente características semelhantes a toda relação próxima, pois o grau de obrigação dos pais, em relação aos filhos, é máximo (Maccoby & Martin, 1983). A socialização na família pode ser influenciada pela estrutura e tamanho das famílias. Na sociedade contemporânea, a estrutura das famílias tem se amplificado; antes, predominantemente tradicional, composta por pais e filhos; com o aumento de divórcios, gravidez solo, e casamentos intergênero tem crescido famílias com um dos pais e filhos, ou pais do mesmo gênero e filhos, e ainda famílias formadas por avós, entre outras estruturas familiares (Bozhkova, Shatunova, Shastina, 2020; O’Connell, Owen, Padley, Simon, Brannen, 2019). Nessas estruturas familiares, o número de crianças pode ser pequeno ou grande; essa característica tem impacto sobre o comportamento dos pais (p.e., o uso do poder e autoridade) e dos filhos (p.e., dependência ou independência ) (ver Gecas, 2017 para uma revisão). As experiências das crianças, nas interações com os pais, ajudam a formar os traços de personalidade, competências e responsabilidades que permanecem em várias arenas da vida adulta. No curso da socialização, os pais exercem papel preponderante na interpretação e instrução das crianças. As crianças aprendem com eles/elas a ma- Psicologia social: temas e teorias 367 neira de reagir e de ver os grupos sociais, étnicos e religiosos, entre outros. Essa maneira de reagir e de ver a sociedade está envolvida em crenças e valores que as crianças poderão manter como seus (Milner, 1983). Para Gecas (2017), a função dos pais é levar as crianças a tornarem-se adultos morais, competentes e independentes em seu pertencimento à família e à sociedade. No grupo familiar, a relação pai-filho é assimétrica, uma vez que os pais e cuidadores estão supostamente em nível mais avançado de conhecimento sobre a realidade social e, portanto, de socialização. Já os filhos vão construir todo um corpo de características com base nos pais e no ambiente que é estabelecido (Maccoby & Martin, 1983). Os pais, assim como os irmãos mais velhos, detêm um poder, o poder que advém da posse das respostas para resolver as incertezas da criança (Milner, 1983). Os pais e familiares são, desse modo, importantes agentes de socialização, pois seus valores, atitudes e comportamentos transmitem informações fundamentais para a criança sobre seu próprio grupo (Hughes & Chen, 1999). Entretanto, não apenas os pais causam efeitos sobre os filhos ou apenas os irmãos mais velhos influenciarão os mais novos. Cada filho não somente exercerá uma influência mútua e recíproca, como influenciará os pais, tornando a influência no sistema familiar um processo cíclico e recíproco; quanto mais membros tenham na família, mais complexas ficam as influências no ambiente familiar (Belsky, 1981). Segundo Musgrave (1979), a família cumpre as funções sociais de satisfação das necessidades afetivas, econômicas e de socialização. Com relação à primeira função, a família garante ao indivíduo proteger-se do sentimento de isolamento causado pelos contatos impessoais das sociedades atuais, ao oferecer a segurança afetiva necessária para encorajar os contatos do indivíduo com o mundo exterior. Considerando-se a segunda função, uma vez que a criança e o jovem ainda não têm condições de se manter e estão se preparando, aprendendo as aptidões necessárias com vistas a uma futura inserção no mercado de trabalho, fica a cargo da família garantir e prover a sua segurança econômica. Por fim, na terceira função, Musgrave (1979) afirma que os pais não fornecem apenas o cuidado físico, mas ensinam aos filhos a própria interpretação da realidade social. Assim, os primeiros papéis que o indivíduo desempenhará e o conhecimento das hierarquias sociais são aprendidos no interior da família. A família funciona como o primeiro e mais importante contexto para o crescimento físico, psicológico e social da criança (Schaffer, 1996). Entretanto, na sociedade contemporânea, a natureza complexa e especializada dos papéis sociais exige um conjunto de conhecimentos que a família sozinha não é capaz de suprir (Musgrave, 1979), de modo que a escola vem cumprir a função de fornecer os conhecimentos necessários para o desempenho de tais papéis. 11.5.2 A ESCOLA A escola tem características que a tornam uma instituição particularmente significativa. As crianças passam uma grande parte do tempo nela, desempenhando papéis diferentes daqueles desempenhados em casa. O sistema escolar é diferente do 368 A socialização familiar, é muito mais amplo, é organizado, é formal, e ambos têm fins específicos (Schaffer, 1996). Sua organização e formalidade são expressas no conjunto de regras observadas nos horários que devem ser seguidos; nos códigos de disciplina, que devem ser observados, e nos regulamentos de conduta e apresentação, a que se deve conhecer e obedecer (Müller, 2008). A finalidade da escola é não só a de transmitir a instrução formal e capacidades cognitivas (p.e., conhecimentos acadêmicos, como ler, escrever, contar), mas também, normas sociais, o desenvolvimento de atitudes socioafetivas, como a solidariedade, a tolerância, a responsabilidade e a autonomia (Gegas, 2017; Rocha & Morais, 1999). Assim, as crianças vão para a escola a fim de adquirir os conhecimentos culturalmente aprovados e aprender capacidades que as habilitem a adquirir uma profissão no mundo dos adultos (Setton, 2002). Nesse contexto, as trocas se dão entre o professor e o aprendiz ou estudante. As relações que se estabelecem no ambiente escolar são definidas pelo papel de cada membro: um professor, que é o transmissor, e um estudante, aquele que vem para conhecer, que é integrado no processo de aprendizagem pelo professor (Müller, 2008). A escola é responsável pela socialização do conhecimento. Para tanto, o ambiente de aprendizagem deve contemplar alguns aspectos: a) considerar, na relação professor-aluno, o desenvolvimento e bem-estar pessoal e social do aluno; b) estimular a participação ativa dos alunos na aprendizagem; c) estimular a independência, permitindo aos alunos tomarem decisões e controlarem seu próprio comportamento e aprendizagem; d) despertar e incentivar as habilidades de solução de problemas e o questionamento; e e) respeito à diferença, ou seja, o tratamento seletivo do aluno, segundo sua capacidade, estilo de aprendizagem, interesses e ritmo de trabalho (Gecas, 2017; Müller, 2008; Setton, 2002). Esse conjunto de características pode determinar um certo ambiente psicológico, responsável pelo modo como as crianças se comportam na escola (Schaffer, 1996). A escola é o contexto em que ocorrem as primeiras experiências de avaliação de desempenho de modo formal e público. Os julgamentos sobre o comportamento, desempenho e capacidades das crianças são avaliados e conhecidos por outros na classe e também pelos pais. Nesse contexto, ressalta-se a conexão das duas dimensões de influências da escola na vida das crianças, a pedagógica e a sociopsicológica: a primeira se refere à necessidade de demonstrar produtividade acadêmica e a segunda consiste na oportunidade do estudante comparar o próprio desempenho e características com os de outros e os desdobramentos desse processo (Gecas, 2017; Zorzi, 2016). Para Gecas (2017), o processo de comparação e a diferenciação social são inerentes à realidade escolar, sendo facilitados pela equidade de idades e de status dos estudantes. Por exemplo, as crianças comparam-se relativamente às habilidades e realizações e percebem seu lugar em relação aos outros colegas. Nesse sentido, a classe funciona como um grupo de referências para cada estudante, em relação aos outros. Tais aspectos influenciam a autoimagem da criança. Psicologia social: temas e teorias 369 O desenvolvimento de uma autoimagem positiva é outro objetivo que toda escola deve perseguir. Principalmente na pré-escola, observa-se que a eficácia da educação está menos ligada aos conteúdos aprendidos e mais ao desenvolvimento de uma autoestima positiva nos estudantes, resultante do seu desempenho nas tarefas (Sylva, 1994). Crianças bem-sucedidas academicamente terão mais probabilidade de persistir em caso de fracasso, terão menor tendência à ociosidade, permanecerão mais tempo na escola e farão mais trabalhos por iniciativa própria fora da escola (Weiner, 1979). Já Corsaro e Fingerson (2006) afirmam que o uso de linguagem comparativa, na avaliação dos estudantes pelos professores, pode produzir a inibição da participação dos alunos. Por outro lado, as comparações que produzem efeitos sobre a autoestima dos alunos não se limitam às associadas à dimensão pedagógica; as comparações relativas à dimensão psicossocial merecem atenção (Gecas, 2017). Nessa perspectiva, Rosenberg (1977) afirma que, quando as diferenças entre as características sociais do indivíduo e a dos outros, no ambiente em que estão inseridos são marcantes, por exemplo: pertencer a um grupo minoritário, seja relativo à classe social, à raça ou à capacidade, produz impactos negativos na autoestima das crianças. O autor explica que pela natureza da comparação no ambiente escolar, se dar por meio de interações diretas e face a face, a comparação resulta em consequências mais fortemente negativas do que quando a ampla sociedade é a estrutura de referência. Entretanto, sabemos que a autoimagem não é resultado apenas da escola, mas também da família e dos outros agentes de socialização, uma vez que a variação na autoimagem está, em certa medida, associada a expectativas e convicções dos agentes em relação às conquistas e realizações das crianças (Schaffer, 1996). Nesse contexto, as interações com outros que vivenciam os mesmos processos e influências serão fundamentais na socialização infantil. 11.5.3 GRUPO DE PARES Os pares, companheiros, colegas ou amigos são grupos formados por pessoas da mesma idade ou idades próximas (Giddens, 1993). Esses grupos tornam-se referências importantes para a socialização, à medida que as crianças crescem. Nas idades que compreendem o segundo e o décimo segundo anos de vida, as crianças passam mais tempo com seus companheiros do que com adultos (Gecas, 2017). Pesquisas mostram que a maioria dos jovens se considera pertencente a um desses grupos. Para Schaffer (1996), o grupo de pares é como uma sociedade em miniatura, caracterizada por possuir um conjunto de regras e organização social próprias, que cumpre a função de proporcionar aos membros aptidões de conformidade, lealdade e cooperação. A cada etapa da vida, as interações dentro dos grupos de pares apresentam características específicas. Gecas (2017) destaca três principais características dos grupos de pares: a voluntariedade, a igualdade de status e a segregação por sexo. Assim, no grupo de pares, as relações são voluntárias, não estão tão submetidas a etiquetas sociais de deferência e tato; os elos são fluidos, as crianças têm a experiência de escolher 370 A socialização aqueles com quem se relacionar em nível de amizade e intimidade, possibilitando experiências de independência, de exploração de novas regras de condutas e de solução de problemas, as interações são mais abertas e espontâneas se comparadas àquelas estabelecidas com os pais ou na escola. Os grupos de pares podem ser compostos por dois, três e até um número médio de cinco membros. As relações são baseadas na norma da igualdade de status, produzindo uma hierarquia informal; os indivíduos passam a adquirir status por seus próprios meios. O fundamental no grupo, mais do que a hierarquia, são as relações dentro do grupo, os elos de amizade, baseados na igualdade, tolerância e interesse mútuo. O alto grau de tolerância nessas relações permite a liberdade de expressão, de comportamentos e autoconcepções sem receio de condenação. Na sua formação, o grupo de pares sofre influência das diferenças sexuais. Observa-se que, na infância e início da adolescência, os grupos de pares são predominantemente homogêneos; em meados da adolescência, os grupos começam a tornar-se cada vez mais mistos. A intensa associação com pares do mesmo sexo e envolvimento em atividades tipificadas sexualmente, produz aquisição de papel sexual e identificações (Gecas, 2017). Corsaro e Fingenson (2006) salientam que o grupo de pares favorece o desenvolvimento do autocontrole e do compartilhamento do controle com outros. Já nos anos pré-escolares, o interesse pela participação social coloca a criança frente ao desafio da autoridade adulta. Na escola elementar, observa-se o crescimento da diferenciação social, marcada pela presença de negociação de conflitos e interesse em exercer controle sobre os pares. Gecas (2017) refere que o grupo de pares favorece o desenvolvimento do eu e autoapresentação. Por exemplo, nas interações produzidas com os pares ocorre a afirmação do eu – o aumento da competência na apresentação do eu, pela representação de papéis e do gerenciamento das impressões causadas. Para o autor, os grupos de pares colaboram preenchendo lacunas dos conhecimentos fornecidos pelos adultos de modo parcial. Nos estudos sobre interação entre os pares, analisam-se, ainda, os tipos sociométricos, ou seja, o grau de aceitação dos membros. Encontram-se cinco tipos sociométricos claros: o tipo médio, aqueles que não se destacam quanto à apreciação dos outros membros; o tipo popular, aqueles que são socialmente aceitos e participativos; os rejeitados, aqueles que são preteridos por muitos pares; os ignorados, aqueles que parecem invisíveis dentro do grupo; e os controvertidos, aos quais são atribuídas qualidades tanto positivas quanto negativas pelos membros (Cillessen & Bukowski, 2018). Os estudos nessa área preocuparam-se com o que fundamenta a aceitação dos pares e com seus efeitos sobre vários aspectos da vida, particularmente com a personalidade. Por exemplo, Rubin e colaboradores (2013) observaram a associação significativa entre a rejeição dos pares e a exibição de características, que se desviam das normas do grupo, enquanto há a associação entre possuir características valorizadas pelos pares e sua aceitação pelos companheiros. Ilmarinen e colaboradores (2019) afirmam que o status sociométrico tem potencial para explicar o desenvolvimento da personalidade, devido à sua estabilidade, amplitude e possível impacto, em uma variedade de processos de personalidade (ver Rubin et al., 2013 e Ilmarinen et al., 2019 para uma revisão). Psicologia social: temas e teorias 371 Com relação a como os membros se escolhem mutuamente, estudos observam que o motivo da escolha passa por uma evolução da infância para a adolescência, podendo se basear nas interações do momento, em características físicas, cognitivas e de temperamento, ou no compartilhamento de pontos de vista e interesses (Hartup, 1983; Selman, 1980). O grupo de pares oferece contribuições no desenvolvimento da identidade e, pela aprendizagem do papel de amigo, promove maior diferenciação do eu, além de favorecer a transição para a sociedade adulta (Schaffer, 1996; Gecas, 2017). Todavia, nas sociedades atuais, temos assistido ao progressivo contato dos indivíduos, crianças, adolescentes, jovens e adultos com aparelhos eletrônicos, demonstrando a importância crescente das mídias sociais como agentes de socialização. 11.6 OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA Outro contexto de socialização que tem demandado pesquisa são os meios de comunicação de massa. Esses recursos, que assumem qualidades informacionais, educacionais, interacionais e de entretenimento, têm se ampliado e invadido o dia a dia da população mundial, emergindo preocupações quanto às vantagens e riscos que podem acarretar ao desenvolvimento de crianças e jovens. Atualmente, apresentam grau de interatividade variável: rádio, televisão, cinema, jornais, revistas são menos interativos; com o advento da internet, tornaram-se cada vez mais interativos, ampliando as possibilidades de contato entre os usuários e seus produtores, assim como a criação de realidades novas, ou um mundo virtual, viabilizado pela difusão de computadores, celulares, jogos eletrônicos, redes sociais conectados à internet (Genner & Süss, 2017; Ibáñez-Cubillas et al., 2017; Milenkova et al., 2018). Os meios de comunicação de massa são considerados um poderoso contexto de socialização (Genner & Süss, 2017). Desde a invenção da imprensa, a mídia influencia a vida das pessoas de diferentes idades. Com sua evolução e diferenciação, os veículos midiáticos se inseriram em todas as esferas do cotidiano: nos quartos das crianças, nas escolas, nas famílias e nos lares dos idosos. Oferecendo produtos diferenciados, em função das etapas evolutivas, mais meios de acesso e variedade de conteúdo dialogam, de maneiras diferentes, com as diversas gerações (Genner & Süss, 2017). Sua importância pode ser expressa ainda pelo potencial de ilustrar como os indivíduos percebem e sentem a si mesmos e os outros; por contribuir, juntamente com as interações e experiências estabelecidas na escola, na família e com os pares, na produção de informações, imagens e mensagens, que fundamentam as opiniões e julgamentos sobre os outros, seja com base na raça ou etnia, gênero, deficiências, orientação sexual, classe e idade; assim como por atingir crianças, em uma fase muito precoce (Luther, Lepre, & Clark, 2017). Lee e Warner (2022) denominam de tempo de tela (screen times) o fenômeno de exposição das crianças a aparelhos eletrônicos digitais, conectados à rede de internet ou não, como televisores, telefones celulares, dispositivos de jogos portáteis, tablets, computadores, que têm aumentado e causado preocupação. Analisaremos brevemente duas dessas influências, uma mais passiva, a televisão; e outra mais ativa, jogos 372 A socialização eletrônicos e redes sociais. Os termos passivo e ativo estão sendo entendidos pelo grau de agência da criança nos eventos dos enredos apresentados, e de interatividade com outros participantes, em contatos online mediante esses dispositivos. Desde os anos 1950, a televisão se inseriu nos lares por todo o mundo, em especial, na vida das crianças. Com o desenvolvimento de novos dispositivos, o acesso às telas tem se ampliado. Um estudo realizado nos EUA, por Kenney e Gortmarker (2017), verificou que adolescentes (13-18 anos) passam mais de 6 horas por dia expostos a algum dispositivos de tela (televisão, computador, videogame, smartphone ou tablet). Observa-se que o uso de smartphones supera o de outros dispositivos entre adolescentes, jovens e crianças mais novas; aos 3 anos de idade, metade delas possui seu próprio dispositivo. No Brasil, entre os anos de 2018 e 2019, cresceu o percentual de pessoas com posse de telefone celular para uso pessoal. Na população com idade de 10 anos ou mais, subiu de 79,3% para 81,0% (IBGE, 2020). Nesse país, entre os anos de 2004 e 2014, observou-se o aumento do tempo médio de exposição à televisão, nas crianças e adolescentes de 4 a 17 anos, de 4 horas 43 minutos, em 2004, para 5 horas e 35 minutos, em 2014. Independente da classe social, houve um aumento de 52 minutos por dia (Feitosa & Zanella, 2022). Questões como o impacto da televisão no comportamento e na visão de mundo de crianças e adolescentes foram notificadas na literatura da psicologia (Bandura, Ross, & Ross, 1961; Gerbner, 1972; Monteiro, 1999). Tais questões envolvem diferentes esferas, como a saúde física, sobretudo, o sobrepeso, a alimentação inadequada, os distúrbios do sono (Feitosa & Zanella, 2022; Milenkova et al., 2018; Silva, Oliveira et al., 2017); como a saúde psicológica, tendo em vista a precoce exposição que as torna vulneráveis a demandas e informações, para as quais têm pouca maturidade cognitiva para avaliar os riscos, como a violência, pornografia, drogas, padrões enviesados de beleza, alienação e extremismo políticos (Genner & Süss, 2017; Ibáñez-Cubillas et al., 2017). Assim, as pesquisas iniciais sobre os impactos da televisão no desenvolvimento infantil, mantêm a relevância de seus achados na análise da influência de outros veículos midiáticos, na socialização de crianças e jovens na atualidade (Genner & Süss, 2017). Os estudos se iniciaram com as pesquisas sobre a televisão, que se preocuparam com seu conteúdo (Baber, Kelly Collings et al., 2017), principalmente, porque se observou a diminuição do interesse por programas educativos e um aumento do interesse pelos desenhos e comédias, em estudos, com crianças entre 3 e 7 anos; esse interesse é tanto maior quanto mais velha é a criança (Wright, Huston, Murphy et al., 2021). Observa-se, ainda, que os meninos assistem mais à televisão do que as meninas; crianças de minorias pobres são propensas a assistir mais à televisão do que as não minoritárias e de nível socioeconômico alto (Huston, Wright, Marquis, & Green, 1999; Wright, Huston, Murphy et al., 2021). Além dos aspectos como conteúdo e tempo de exposição à televisão, há ainda aspectos concernentes às características desenvolvimentais das crianças. Por exemplo, observa-se que com menos de 7 anos as crianças não compreendem completamente a natureza fictícia da televisão, muitas vezes acreditando que o personagem mantém Psicologia social: temas e teorias 373 seu papel na vida real. As intenções dos personagens só vão ser percebidas pelas crianças por volta dos 10 anos de idade. Por outro lado, as limitações cognitivas de uma criança de 6 anos podem fazê-la avaliar positivamente as atitudes negativas de uma personagem que finge ser boazinha, em virtude de seu enfoque sobre os comportamentos concretos mais do que sobre as intenções subjacentes (Van den Broek, 1997). Da perspectiva das interações, e considerando as mídias atuais, novos dispositivos, uso da internet, e acesso a redes sociais, Genner e Süss (2017) referem um fenômeno que emergiu da necessidade de interação social, a interação parassocial, que consiste no notório desenvolvimento de relacionamentos unilaterais de um indivíduo com personagens midiáticos, ao ponto de senti-los como sendo verdadeiros amigos. O efeito foi verificado em audiências relativas à televisão; não se sabe ainda se o efeito pode ser potencializado pela interação com celebridades espiadas nos bastidores permitidas pelas redes sociais. Alguns estudos encontraram relação entre assistir à televisão e a manutenção de visões tradicionais, acerca dos papéis masculinos e femininos, em crianças expostas a mais tempo de audiência, do que entre aquelas que assistem por menos tempo (Huston & Wright, 1998; Salinas et al., 2021). Esses resultados chamaram a atenção para a possibilidade de influência da televisão sobre a formação de imagens estereotipadas dos grupos sociais (Luther, Lepre, & Clark, 2017). A esse respeito, Mok (1998), em seu estudo, afirma que a televisão não oferece uma imagem ou modelos de papéis positivos de grupos minoritários. Outros estudos corroboram esses achados e afirmam que frequentemente, na televisão, as personagens pertencentes a grupos minoritários são descritas de maneira desfavorável, como cômicas, pouco aptas e preguiçosas, ou como vilões ou vítimas (Luther, Lepre, & Clark, 2017; Salinas et al., 2021). Graves (1993) observa que a descrição desfavorável de personagens de grupos minoritários leva à adoção, por parte das crianças, de atitudes raciais negativas em direção a esses grupos, enquanto retratos positivos de minorias parecem reduzir estereótipos étnicos e raciais e aumentam a probabilidade do estabelecimento de amizades interétnicas entre as crianças. A esse respeito pode-se citar o estudo realizado no Brasil, por Lima, França, Gouveia e Costa (2014) que analisaram o impacto da mídia nas atitudes intergrupais de crianças, especificamente, a contribuição da representação viesada do negro em desenhos e programas de televisão, na produção discursiva estereotipada do negro. O estudo foi realizado com crianças brancas pardas e pretas, de 7 a 10 anos, às quais assistiam ou a um episódio de vídeo de conteúdo estereotípico (priming racista) ou a outro com conteúdo pró-social (priming pró-social), e eram, em seguida, solicitadas a narrar uma história sobre dois personagens representados por crianças brancas e negras. Os resultados tratados por meio de Análise de Conteúdo evidenciaram a presença de seis categorias narrativas. A primeira foi a “Interação positiva”, cujo conteúdo central foi amizade, ajuda mútua, relação horizontal entre as crianças com final feliz, evidenciada com maior frequência entre os que assistiram ao vídeo pró-social. A segunda foi “Parentesco inter-racial” cujas narrativas referem que os personagens têm o mesmo pai ou mãe, também mais evidente nas participantes submetidas ao priming pró-social. A terceira foi denominada de “União por um Objetivo Comum” e se refe- 374 A socialização riu às narrativas com enredo sobre a união das personagens para resolverem um conflito produzido por um terceiro personagem, ou por uma condição, e esteve presente nas histórias de crianças submetidas a ambos os primings. A quarta categoria foi “Interação negativa”, cujas narrativas destacam temas, como brigas, conflitos entre as crianças ou de acontecimentos inesperados, que perturbam a harmonia, e algumas vezes apresentam fim trágico. Esses temas estiveram presentes nas histórias contadas pelos participantes que viram o priming pró-social. A quinta categoria foi denominada de “Características estereotipadas atribuídas ao negro” e versaram sobre narrativas em que o personagem negro age ou é descrito de modo estereotipado, nas quais emergem palavras, como malvado, reprovou, foi preso, e comportamentos, como travesso e desobediente, presentes com mais intensidade na história contada pelos participantes que assistiram ao priming racista. Por fim, a sexta e última categoria foi a “Rejeição do negro” que consistiu em narrativas que expressavam a rejeição, exclusão ou abandono do personagem negro, e estiveram presentes predominantemente na condição de priming racista. Resumindo, o priming pró-social gerou mais narrativas das categorias “interação positiva” e “interação negativa”; o priming racista gerou narrativas inseridas nas categorias “características estereotípicas atribuídas ao negro” e “rejeição do negro”. Ambos os primings geraram narrativas associadas às categorias “parentesco inter-racial” e “unidos por um objetivo comum”. Assim, os autores afirmam que crianças submetidas a vídeos racistas ou com a presença de estereótipos raciais podem reproduzir esses conteúdos em seus discursos e que os vídeos pró-sociais podem produzir narrativas positivas ou que expressam conflitos existentes nas relações pessoais. Os autores salientam que, embora as evidências corroborem estudos semelhantes sobre o tema, é necessário o desenvolvimento de mais análises, considerando o efeito da idade e etnia dos participantes e das normas sociais presentes nos contextos de resposta. Outros meios de comunicação têm ganhado visibilidade e espaço na vida das pessoas em geral, especialmente, na das crianças. Esses novos meios são considerados socializadores, uma vez que têm ocupado um tempo considerável da vida de crianças e adolescentes, até por serem utilizados para esclarecer dúvidas sobre questões importantes, para comunicação, formação de amigos e lazer. Conhecidos como “as novas tecnologias”, referem-se ao computador, internet, videojogos, entre outros que surgem em profusão diariamente. Desde a década de 1950, mais especificamente em 1947, os computadores entram no cenário mundial (Villaça & Steinbach, 2015), seguidos pela internet, que surgiu na década de 1960 e se popularizou na década de 1990 (Castells, 2003). Esses meios têm se tornado imprescindíveis nos lares por sua diversidade de uso e suas características de permitir a interatividade e o acesso à informação atualizada, em tempo real. As novas tecnologias podem interessar a crianças e a adultos. Por meio do computador e da internet, as pessoas podem se comunicar com outras que estão a distância, em um contato face a face, através de uma câmera. O uso intenso da internet, dos novos dispositivos e meios de comunicação é um fenômeno global (Milenkova, Peicheva, & Marinov, 2018; PNAD, 2020). Consequentemente, surgem preocupações quanto aos efeitos do seu uso. Muitas das preocupações assemelham-se àquelas discutidas com relação à televisão. Entretanto, Psicologia social: temas e teorias 375 as discussões quanto aos benefícios e malefícios do uso dessas ferramentas tecnológicas são controversas. Genner e Süss (2017) observam efeitos da conectividade na identidade, particularmente na comparação com pares e relação com pais, oferta de possibilidade de identificação e autorepresentação, e comportamento de consumo. Considerando a identidade como sentimento de pertencimento a grupos sociais, a conectividade online, por um lado, pode oferecer oportunidades de experimentar contato com colegas; por outro lado, pode trazer complicações. Por exemplo, a presença contínua dos pares pode tornar difícil escapar de demandas excessivas desse grupo, levando à alta impulsividade e ao distanciamento dos pais. Genner e Süss (2017) observam ainda as oportunidades de identificação e diferenciação com personagens e personalidades da televisão, dos quadrinhos, dos videogames, dos livros, com as celebridades da vida real, retratadas na mídia, podendo levar utilizadores a descobrir preferências individuais e testar a própria autorrepresentação. Os autores referem que sites e redes sociais servem como plataformas para exploração de identidade, pela comparação social. Exemplificam, com achados relativos a sentimentos de inveja ou depressão, em relação às postagens de feeds do facebook, que podem estar associados a comparações desfavoráveis com pessoas que postam seus momentos felizes e não os infelizes. Por outro lado, o aumento da atividade de atualização do próprio status no site pode fazê-los sentir-se mais conectados a seus amigos e, portanto, reduzir sentimentos de solidão. Ibáñez-Cubillas, Díaz-Martín e Pérez-Torregrosa (2017) referem que, no mundo virtual, as fronteiras entre realidade e fantasia, ou o real e o virtual são transpostas. Nesse meio, as crianças estabelecem identidades virtuais conforme os próprios desejos e expectativas; os recursos e a liberdade de escolher avatares permitem a modificação de identidade. Através dos jogos, no mundo online, o indivíduo desempenha papéis, realiza tarefas (cuidados com animais de estimação, conserto de carros etc.). Ou seja, no mundo virtual, ocorre a transmissão de informações sobre os papéis e valores sociais. Outra consequência da conectividade é relativa ao comportamento de consumo. Crianças e jovens tornaram-se grupos-alvos de comerciais que promovem a ideia de que o consumo e gratificação instantâneas aumentam a felicidade individual. Nesse processo, as marcas de produtos tornaram-se expressão de identidade, por exemplo, por meio de estilo de roupas; criação de identidade digital, exigindo a atualização de perfis, status e publicações, em redes sociais; ou que possuam aparelhos mais modernos (Genner & Süss, 2017). Com relação aos riscos, os autores referem ao envolvimento com conteúdos impróprios, como drogas, pornografia, padrões tendenciosos de beleza, extremismo e violência. Genner e Süss (2017) afirmam que a exposição, mesmo que por pouco tempo, a conteúdos violentos ao jogar videogames, causa um aumento na probabilidade de se comportar de forma agressiva imediatamente depois. A exposição habitual a cenas violentas aumenta a probabilidade de comportamento e personalidade agressivos. Outros riscos aos quais usuários estão submetidos são: cyberbullying, vício em jogos, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, e as invasões de privacidade digital. 376 A socialização No entanto, resultados de pesquisas experimentais sugerem que o contato ativo nas mídias sociais reduz a solidão. O uso de mídias sociais (por exemplo, Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp, Snapchat) demonstrou fortalecer laços sociais. A experiência de pressão para estar constantemente conectado é compartilhada por usuários. Psicólogos têm relatado o fenômeno denominado de “medo de perder”, que se refere à impressão de exclusão de experiências gratificantes vivenciadas por outros, em contexto de conectividade (Genner & Süss, 2017). Kenney e Gortamaker (2017) realizaram um estudo entre crianças de 9 a 12 anos de idade, norte-americanas, com o objetivo de verificar correlações entre o uso excessivo de TV, smartphones, tablets, computadores e videogames e comportamentos promotores de obesidade. Assistir à TV foi associado à ingestão diária de bebidas açucaradas e obesidade entre meninos e meninas, e com inatividade física entre meninas. O uso de outros dispositivos de tela, incluindo computadores, videogames, smartphones e tablets foi significativamente associado a todos os fatores de risco de obesidade. Ibáñez-Cubillas, Díaz-Martín e Pérez-Torregrosa (2017) destacam a importância de um ambiente de rede social protegido e seguro, que afaste das crianças e jovens o risco de aliciamento (ser intimidado, ameaçado ou abusado), cyberbullying, ou sexting (divulgação de informações sexuais). Um ambiente virtual protegido e seguro garante a aprendizagem dos comportamentos que se deseja sejam aprendidos. Muitos estudos referem-se à importância da internet na educação. Para Milenkova, Peicheva e Marinov (2018), a socialização midiática é um processo proposital, que deve ocorrer em ambiente institucional de educação e ser implementado por tecnologias informacionais. As contribuições da mídia para as conquistas educacionais são percebidas pelos estudantes e podem ser facilitadas pelo acesso que indivíduos de todas as idades estão tendo a diversas mídias – computador, tablet, smartphone, internet, na família e na escola. As crianças percebem o ambiente digital por meio de seus pais e professores, que explicam o significado dos diferentes conteúdos da mídia. O letramento midiático é um pré-requisito para o pleno uso dos recursos digitais no processo educacional. O letramento midiático se refere à capacidade de usar, analisar, avaliar e criar conteúdo de mídia educacional e psicossocialmente responsáveis (Genner & Süss, 2017, grifo nosso). Esse conceito abrange as estratégias de enfrentamento para distrações digitais, sobrecarga de informações, compartilhamento de dados, privacidade digital e habilidades psicossociais em contextos sociais mediados ou semimediados. Adquirir o letramento midiático envolve reconhecer e limitar os riscos potenciais de exposição na mídia e usá-la como recurso para aprender e se informar, reconhecendo conteúdos distorcidos, preconceituosos e os efeitos da rápida mudança dos recursos, ou seja, a sobrecarga de informações e as distrações digitais. Nos contextos de socialização analisados, crianças e jovens têm oportunidade de encontros com as diferenças e a diversidade, por exemplo, ao entrarem em contato com valores, crenças e posicionamentos diversos sobre grupos sociais, visões estereotipadas, preconceitos ou racismo (para uma revisão sobre racismo, veja o Capítulo 12 Psicologia social: temas e teorias 377 deste Manual). Em países como o Brasil, que possuem composição etnográfica diversificada, é importante conhecer como estes valores, crenças e visões sobre grupos sociais são transmitidos às crianças. A seguir, analisaremos a socialização em meio às relações intergrupais; focalizaremos sobre a transmissão e gerenciamento desses processos nas famílias, considerando os grupos racializados (Cabecinhas, 2007). 11.7 SOCIALIZAÇÃO E RELAÇÕES INTERGRUPAIS Os grupos sociais estão em constante interação. Na sociedade globalizada, aumentou o contato entre os grupos através de diversos meios, nem sempre de modo direto, mas de modo mediado por valores e crenças de grupos que dominam as informações transmitidas. Mesmo quando decorrente de interações diretas, o contato pode ser baseado no desconhecimento sobre os grupos ou em informações deturpadas, que produzem ruído e originam preconceitos. A formação de impressões sobre os grupos pode ser decorrente de processos históricos produzidos no cenário social e nas visões sobre eles. Por exemplo, no Brasil, a história da colonização e da opressão de negros e indígenas, associada à negação das consequências deste processo pelo Estado, em relação tanto ao racismo estrutural e cultural (Lima, 2020), quanto pelo preconceito de ter preconceito (Fernandes, 1966), condicionou as relações intergrupais neste país. De um ponto de vista microscópico desse processo, na transmissão e apreensão de informações sobre os grupos e consequente formação de impressões sobre eles, a compreensão do papel das distintas crenças, valores e comportamentos que os agentes mantêm, ao socializarem as novas gerações, é um parâmetro significativo na compreensão sociopsicológica dos aspectos ligados ao comportamento e atitudes étnicas, numa determinada época. Os estudos a respeito da socialização associados às relações intergrupais, ao longo da história, evoluíram da análise do fenômeno, considerando a difusão de valores, crenças e práticas educativas dos agentes a respeito da educação de crianças, em especial no interior das famílias, para os conteúdos e a transmissão de mensagens relativas ao gerenciamento das interações, em encontros inter-raciais (socialização étnico-racial) (Hughes et al., 2006). Falaremos sobre esses aspectos em seguida, destacando a importância da relação com os pais, uma vez que os achados se referem à importância desses agentes, na socialização intergrupal. Por exemplo, Horowitz e Horowitz (1938) afirmam que as atitudes das crianças para as pessoas negras são mais determinadas pelo contato com as ideias e atitudes dominantes em seu grupo social do que pelos seus contatos diretos com pessoas negras. Outros autores destacam que a visão dos pais sobre os diferentes grupos étnicos influencia as atitudes das crianças para esses grupos e a formação da identidade delas (ver Carlson & Iovini, 1985; Jeter, 1995; Lasker & Lasker, 1991). Robinson, Witenberg e Sanson (2001) afirmam que a demonstração de tolerância dos pais, para pessoas de outras raças ou etnias, afeta a preferência dos filhos em direção a pares de outras raças ou etnias. Já Nesdale (2001) afirma que as crianças são capazes de expressar racismo por volta dos 5 anos, e que os pais e os pares são a primeira influência dessas expressões. Outros estudos têm mostrado não existir relação entre as 378 A socialização atitudes étnicas dos filhos e aquelas de seus pais (Aboud & Doyle, 1996; Weigl, 1995). Esses achados remetem à importância de entender os processos subjacentes à transmissão de valores, crenças e práticas parentais na socialização de crianças. Iniciaremos, discutindo os valores e a educação dos filhos. 11.8 VALORES E EDUCAÇÃO DOS FILHOS Como referido, o processo de socialização de crianças consiste, entre outras coisas, na transmissão de valores aos filhos. Os valores são uma dimensão importante na definição de uma variedade de aspectos da vida das pessoas, incluindo comportamentos indesejáveis socialmente, como o preconceito e o racismo. Neste Manual, Álvaro e colaboradores apresentam as principais teorias e análises dos valores na psicologia. Nestes tópicos, centraremos o foco na implicação dos valores na socialização das crianças. A pesquisa psicológica tem avançado na compreensão dos valores e mostrado que afetam uma variedade de aspectos da vida das pessoas, como as decisões dos indivíduos em direção a certos objetos, e como o comportamento de consumo, preconceito e o racismo (Bernart, Vescio, Theno, & Crandall, 1996; Vala & Lima, 2002). Ao longo dos estudos na psicologia social, os valores receberam várias definições, sendo a de Rokeach (1973) a mais clássica. Esse autor define os valores como crenças relativamente estáveis de que um determinado modo de conduta ou finalidade de existência é desejável socialmente (para uma revisão sobre valores, veja o Capítulo 6 deste Manual). As pesquisas na área da relação mãe/pai-filho admitem uma forte relação entre os valores, atitudes e comportamentos, e enfatizam a influência parental na socialização de atitudes e valores particulares. Os pais são a primeira fonte de aquisição dos valores das crianças (Grusec, Goodnow, & Kuczynski, 2000; Rohan & Zanna, 1996), embora não sejam as únicas. Alguns estudiosos têm recorrido ao estudo dos valores dos pais para compreender o comportamento e atitudes dos filhos (Baer, Curtis, Grabb, & Johnston, 1996; Castro, 1997; Rohan & Zanna, 1996; Spencer,1983). Castro (1997) estudou a relação entre identidades maternas e os valores que as mães desejam para seus filhos, com o objetivo de verificar se as mães, que se identificam com valores da competência e realização (materna e profissional), desejavam esses valores para os seus filhos. A autora tipifica a identidade materna em identidade de “supermulher”, caracterizada pela associação simultânea e conjunta de pertença ao mundo familiar e do trabalho, e “identidade tradicional”, caracterizada pela adoção de ideias religiosas e tradicionais. Os valores requeridos para os filhos são os valores de autorregulação (independentes, curiosos e com ideias próprias) e valores conformistas (obedientes, bons pais/maridos/mães/esposas e respeitadores dos mais velhos). Castro (1997) verificou que as mães querem que os filhos sejam simultaneamente obedientes e independentes. A valorização do conformismo não se relaciona à identidade ou à escolaridade da mãe, mas sim ao gênero da criança. As mães expressam Psicologia social: temas e teorias 379 desejo por valores conformistas, quando consideram os filhos do sexo masculino. Para a autora, esse resultado, aparentemente contraditório, pode estar relacionado, por um lado, à oposição das mães à ideia generalizada de que rapazes seriam desobedientes e, por outro lado, a sua oposição ao estereótipo feminino tradicional, que vincula esse valor ao gênero feminino. Observou-se, ainda, que o valor da autorregulação está relacionado à identidade e à escolaridade materna. Mães mais escolarizadas, e aquelas que têm identidade de “supermulher”, são as que mais desejam o valor da autorregulação para os filhos. Gonzales-Ramos, Zayas e Cohen (1998) realizaram um estudo para identificar os valores que orientam as crenças e práticas de educação dos filhos de mães porto-riquenhas, residentes nos EUA. As mães foram avaliadas quanto ao seu nível de aculturação (processo de adaptação a uma nova cultura), e avaliaram a importância de 13 valores para a criação dos filhos pré-escolares. Dez dos valores foram coletados a partir de estudo piloto com mães profissionais e não profissionais, e os três restantes foram coletados da literatura como relativos à cultura anglo-saxônica (e.g., assertividade, independência e criatividade). As mães consideraram a honestidade, respeito e responsabilidade como valores mais importantes na criação dos filhos e a lealdade para com a família, afeição e altruísmo como os próximos mais prioritários. Quanto menos aculturadas eram as mães, mais consideravam importantes os valores de humildade e respeito. As mães mais aculturadas valorizavam mais a independência e a criatividade. Esses resultados são corroborados por estudos mais recentes realizados por Calzada, Huang, Anicama et al. (2012). No Brasil, Moraes e cols., (2007) analisaram as relações existentes entre a percepção das práticas parentais de socialização e os valores de adolescentes da cidade de João Pessoa, com idades entre 10 e 18 anos. A percepção dos jovens sobre as práticas parentais se organizou em três dimensões: coerção (privação, coerção física e coerção verbal); aceitação (afeto e diálogo) e displicência (displicência e indiferença). Quanto aos valores dos jovens, estruturaram-se em quatro sistemas: materialistas (reuniu valores, como: status, riqueza, lucro e autoridade); hedonista (reuniu valores, como: vida excitante, sensualidade, prazer e sexualidade); religiosos (temor a Deus, religiosidade e salvação da alma); e pós-materialistas (reuniu os valores ligados ao bem-estar profissional, como: realização profissional, responsabilidade, dedicação ao trabalho e competência; e valores ligados ao bem-estar individual: alegria, amor, autorrealização e conforto; e valores ligados ao bem-estar social: fraternidade, liberdade, igualdade e justiça social). Os autores observaram que os valores ‘pós-materialistas’ se correlacionaram positivamente com todas as dimensões das práticas. Já os ‘materialistas’ se correlacionam positivamente com as práticas ‘aceitação’ e ‘displicência’, e os ‘religiosos’ se correlacionam positivamente com a ‘aceitação’, e negativamente com a ‘displicência’. Os autores concluem que a socialização parental repercute na construção dos valores dos adolescentes, pois eles apresentaram valores semelhantes aos que acreditavam ser os defendidos por seus pais. Com relação ao valor hedonista, a ausência de correção com as práticas foi atribuída à crença de responsabilidade da escola e mídias sociais, na socialização destes valores. 380 A socialização Também Gomes (2015) investigou o desenvolvimento dos valores, em crianças de 8 a 12 anos de idade, e a transmissão destes pelas mães (26 a 56 anos de idade). Seu estudo foi realizado em escolas particulares e públicas da cidade de Recife. Os resultados indicaram que a estrutura dos valores das crianças distinguiu-se por rede de ensino, idade e gênero. Assim, crianças das escolas particulares, mais velhas e do sexo feminino mostraram adesão aos valores da dimensão da autotranscendência1/abertura a mudanças. Já as da escola particular, mais novas e do sexo masculino aderiram aos valores da dimensão da conservação/autopromoção. No que concerne à transmissão pelas mães, analisou-se a transmissão direta, ou seja, se a estrutura de valores das mães está relacionada aos valores das crianças. Verificou-se a correlação entre valores das mães e das crianças quanto aos valores da dimensão da abertura à mudança, particularmente, a ‘estimulação’ e ‘autodireção’. Segundo o autor, a transmissão direta da autodireção pode estar associada ao interesse das mães em educar suas crianças para a autotranscendência, enquanto a estimulação pode se dar por sua associação com a dimensão da autodireção. Já a transmissão indireta, ou seja, a percepção da criança de semelhança entre os próprios valores e aqueles de suas mães, mostrou correlações positivas para os valores: ‘hedonismo’, ‘estimulação’, ‘autodireção’, ‘conformidade’, ‘tradição’, ‘benevolência’ e ‘universalismo’; o valor ‘tradição’ teve a correlação mais alta. Os valores segurança, poder e realização apresentaram correlações negativas. Dessa forma, nota-se que a transmissão indireta foi mais intensa que a direta, o que quer dizer que, embora crianças e mães apresentem valores semelhantes, a percepção da criança sobre os valores da mãe prediz mais eficientemente seus próprios valores, do que é um preditor dos valores da própria mãe. Assim, o tipo de valor e a via de transmissão mereceram consideração quando se analisa o desenvolvimento dos valores nas crianças. Esses estudos demonstram que a transmissão de valores parentais aos filhos pode variar conforme a cultura e os contextos de socialização, ou seja, são influenciados pelas diferentes condições de vida em que as crianças nascem e se desenvolvem (Lordelo, Carvalho, & Koller, 2002). Estudos têm demonstrado o impacto dos valores nas atitudes intergrupais, como o preconceito. 11.9 VALORES E PRECONCEITO Valores são usados como critério para selecionar, justificar ações e avaliar pessoas (Schwartz, 2012). São também importantes no aprendizado do preconceito. O papel dos valores no preconceito foi primeiramente demonstrado em pesquisas que analisam a relação entre a dissimilaridade percebida de valores e crenças entre os grupos e a desvalorização das minorias sociais (e.g., Rokeach, Smith, & Evans, 1960). Mais recentemente, os valores tornaram-se eixos centrais de importantes teorias sobre o ra1 “Autopromoção: formado por ‘poder’ e ‘realização’, significa a busca por interesses pessoais; Autotranscendência: inclui ‘benevolência’ e ‘universalismo’ e representa a consideração do bem-estar e dos interesses de outrem; Abertura a mudanças: compreende ‘estimulação’ e ‘autodireção’, significando independência de pensamento e ação e um interesse acentuado em novidades; Conservação: constitui-se de ‘segurança’, ‘conformidade’ e ‘tradição’, referindo-se a preservação do status quo, da ordem e de auto-restrições” (Gomes, 2015, p. 18). Psicologia social: temas e teorias 381 cismo, como a do Racismo Moderno e Simbólico (McConahay & Hough, 1976; Sears & Kinder, 1971), do Racismo Aversivo (Gaertner, 1976; Kovel, 1970) e do Racismo Ambivalente (Katz & Hass, 1988). Algumas dessas teorias enfatizam um aspecto central da relação entre valores e preconceito: as atitudes negativas para outros grupos estão relacionadas à percepção de que valores estimados são ameaçados (Zanna, Haddock, & Esses, 1990). Cabe referir que os valores dos grupos são transmitidos entre gerações. Rohan e Zanna (1996), investigando estudantes universitários e seus pais, demonstraram que mães e pais têm perfis de valores muito similares, e que os filhos também têm perfis de valores similares aos de seus pais. A média de correlação de similaridade entre filhos e seus pais, dentro de cada família, foi muito alta. De forma específica, a literatura, baseada na teoria dos valores de Shalom Schwartz, tem mostrado que uma maior aceitação dos valores da autopromoção (poder e realização) implica maior discriminação contra exogrupos minoritários (e.g., Biernat et al., 1996; Crandall, 1994; Lima & Vala, 2002; Schwartz, 2012). A esse respeito, Da Costa Silva e França (2016) analisaram os valores que as mães desejam para seus filhos e a relação entre esses valores e o preconceito racial em crianças. O estudo foi realizado com crianças brancas, pardas e pretas de 6 e 10 anos de idade do estado de Sergipe e suas respectivas mães. O preconceito das crianças foi avaliado numa escala de distância social, considerando-se a disposição para manter contato social com pessoas brancas em detrimento de pessoas pretas e pardas. Já as mães responderam a um questionário sobre valores humanos (Schwartz, 2012). Os resultados do estudo indicaram que os valores das mães foram agrupados em cinco domínios motivacionais: Realização (agrupou os valores: competente, criativo, honesto, respeitador das diferenças, responsável, trabalhador e respeitador da tradições); Poder ( agrupou os valores rico e poder social); Universalismo (aglutinou os valores igualitário, independente, religioso e justo); Conformidade (reuniu os valores obediente, moderado, prestativo, respeitador, polido e inteligente); e Segurança (composta pelos valores bem-sucedido e bom esposo). Com relação ao perfil de valores que as mães desejam para os filhos, observou-se em maior grau o desejo do desenvolvimento dos valores da dimensão segurança e, em ordem decrescente de interesse, os valores da realização, conformidade, universalismo e poder. Com relação ao preconceito da criança, observou-se a aproximação de pessoas brancas em todas as situações de interação e distanciamento de pretos e pardos. Os autores analisaram a capacidade preditiva dos valores das mães sobre o preconceito das crianças, verificando que os valores de realização predizem o preconceito contra o negro, ou seja, quanto mais as mães querem os valores da dimensão “realização” para seus filhos, menos os filhos demonstraram disposição de aproximação com pessoas negras. Ao passo que valores de conformidade o inibem ao preconceito, pois o interesse no desenvolvimento desses valores nos filhos pelas mães, leva à aproximação de pessoas negras pelas crianças. Concluiu-se que os valores atuam como motivações subjacentes ao preconceito (Da Costa Silva & França, 2016). Em outro estudo, França, Andrade e Da Costa Silva (2016) analisaram a influência dos valores pessoais das crianças sobre a discriminação racial delas. O estudo foi realizado com crianças brancas de 6 a 12 anos de idade. Para aferir os valores, se utilizou 382 A socialização a versão infantil da escala de valores (Picture-Based Value Survey for Children /PBVS–C; D¨Oring, Blauensteiner, Aryus, Drögekamp, & Bilsky, 2010); a discriminação colhida foi por meio da tarefa de distribuição de recompensas para crianças brancas e pretas, baseada nos estudos de França e Monteiro (2013). Os resultados indicaram que os valores das dimensões: a tradição, a benevolência, a conformidade e o Universalismo foram os mais adotados pelas crianças; os menos adotados foram os das dimensões do poder e da realização. Observou-se ainda a discriminação do alvo negro na distribuição de recompensas. Quanto aos efeitos dos valores sobre a discriminação, verificou-se que os valores do universalismo e da realização afetaram o preconceito racial das crianças: quanto maior adesão à realização, maior a discriminação do alvo negro, enquanto a maior adesão ao universalismo afeta o favorecimento do negro. Os autores discutem o resultado considerando as predições teóricas que afirmam que o valor da realização faz parte da dimensão da autopromoção, juntamente com o poder, sendo associado a outros que promovem a competição por recurso e domínio, levando à intolerância e à discriminação. Já o universalismo compõe a dimensão da autotranscendência e se associa ao valor da benevolência, levando à promoção de relações mais harmoniosas com os outros indivíduos, à tolerância e à preservação do seu bem-estar. Em outra perspectiva, Legault, Green-Demers, Grant e Chung (2007) identificaram uma taxonomia de motivos subjacentes ao desejo de regular o preconceito. Esses autores se fundamentam na teoria da autodeterminação, que explica o processo de internalização de objetivos e valores. Conforme essa teoria, quanto mais um objetivo ou valor for internalizado, mais o indivíduo age em conformidade com ele. Assim, seis níveis de motivação para regular o preconceito são propostos, dispostos ao longo de um continuum de autodeterminação, que varia conforme o grau de internalização. O primeiro nível, chamado motivação intrínseca, consiste no maior grau de autodeterminação: o indivíduo persegue livremente seu objetivo e sente prazer, satisfação e competência em fazê-lo. A motivação para não ser preconceituoso é mantida mesmo na ausência de incentivos externos, simplesmente por ser satisfatório para si mesmo, ou porque ser igualitário causa prazer. O segundo nível, denominado de motivação extrínseca, subdivide-se em cinco classes de motivação: a) “regulação interiorizada”: ocorre quando valores e objetivos que são defendidos se fundem ao eu e se tornam parte do autoconceito da pessoa, de forma que, valores e comportamentos são interpretados como extensões naturais da identidade; b) “regulação identificada”: refere-se à adoção de valores, porque são vistos como valorizados ou importantes, garantindo o engajamento pessoal na motivação para internalizar o não preconceito; c) “regulação introjetada”: nesta, a motivação do comportamento advém de pressões externas, os comportamentos são aceitos e realizados a fim de evitar culpa ou para melhorar a autoestima; d) “regulação externa”: nela, a obtenção de recompensas ou evitação de punições é que motiva o comportamento; e e) “baixa autodeterminação”: caracterizada pela falta de intenção de agir e de percepção de qualquer relação entre o próprio comportamento e um resultado posterior, o indivíduo pode se sentir impotente ou indiferente. Os autores demonstram que uma regulação interiorizada produz respostas igualitárias ou não preconceituosas (avaliadas por meio de um teste de preconceito implícito); ao passo que, uma regulação externa, aumenta o preconceito. Psicologia social: temas e teorias 383 11.10 CRENÇAS PARENTAIS E PRECONCEITO A literatura tem afirmado que a compreensão dos pais sobre socialização dos filhos é organizada em amplas categorias de crenças apoiadas mutuamente e relacionadas de maneira sistemática às suas ações (Harkness & Super, 1996). Tem havido grande interesse em compreender a influência das crenças dos pais sobre educação dos filhos (Castro & Monteiro, 1996; Sigel, McGillicuddy-DeLisi, & Goodnow, 2014). As crenças parentais podem ser definidas como conhecimentos, apoiados ou não em evidências, aos quais os pais conferem um valor de verdade (Sigel, 2014). Elas podem ser baseadas em convicções ou cognições estruturadas em sistemas, que adquirem o seu sentido e valor de verdade na relação com o sistema de valores dos indivíduos. Essa definição de crenças parentais abrange sete aspectos: 1) as crenças surgem das experiências e definem a realidade psicológica dos indivíduos; 2) são organizadas em domínios (e.g., político, social e religioso); 3) os domínios têm fronteiras que variam em permeabilidade, cujo grau está relacionado à probabilidade de assimilação de novas informações e de reorganização das crenças; 4) as estruturas das crenças não são apenas organizadas com base na racionalidade, mas também com base nos afetos, de modo que, a intensidade dos afetos determina a prontidão para a mudança das crenças; 5) as crenças podem variar em tipos e em níveis hierárquicos, algumas podem estar mais ligadas à ação, outras podem ser mais concretas; 6) as crenças são orientadoras das práticas parentais e estão impregnadas de conteúdo situacional, ou seja, com base nas crenças, os indivíduos escolhem os eventos para os quais reagir; e 7) aparentes inconsistências nas crenças podem ser compreendidas quando se analisam elos situação/crenças (Sigel, 2014). As crenças são, assim, distintas de outras cognições, como desejos e valores. Contudo, podem ser influenciadas pelos valores que os pais mantêm (Miller, Manhal, & Mee, 1991) e são dependentes do nível de instrução dos pais (McGillicuddy-DeLisi, 2014; Castro & Monteiro, 1996). As crenças dos pais sobre as crianças atuam para dar sentido às práticas de socialização por eles adotadas. Há um intenso debate sobre a origem das crenças; acredita-se que podem estar situadas nas experiências iniciais do sujeito ou nas suas inserções sociais, ou seja, em nível mais individual e/ou mais social. Outros argumentam que as crenças dos pais surgem nas suas interações diárias com os filhos, com o intuito de legitimar suas ações (Perozynski & Kramer, 1999). Muitos estudos têm sido desenvolvidos com o interesse de explorar as implicações das crenças parentais com o comportamento e as cognições das crianças (Castro & Monteiro, 1996; Harkness & Super, 1996; Miller, Manhal, & Mee, 1991; Monteiro & Castro, 1997; Pinderhughes, Dodge, Bates, Pettit, & Zelli, 2000; Sigel, McGillicuddy-DeLisi, & Goodnow, 2014). Por exemplo, estudos com mães e professoras relacionam estrutura e conteúdo das crenças com os valores parentais, analisam a articulação entre crenças e práticas parentais e identificam os fatores responsáveis pela variação nas crenças (Carvalho, 1997; Carvalho, Mouro, António, & Monteiro, 2002; Castro, 1997; Castro & Monteiro, 1996; Ventura & Monteiro, 1997). Tais estudos demonstram que conjuntos de crenças são consistentes ao longo dos estudos: 1) crenças “tradicionais” – é uma categoria que reflete visões tradicionais sobre educação e a aprendiza- 384 A socialização gem, por exemplo: as crianças aprendem e os professores ensinam; a escola é responsável pela educação; os pais não devem interferir, e as crianças têm de ser inteligentes para aprender; 2) crenças na “autorregulação” – crenças dessa categoria admitem as crianças como seres autônomos no seu processo de aprendizagem e todas diferentes entre si; 3) crenças inatistas – as mães que professam essas crenças concebem que todas as capacidades já nascem com a criança e que não mudam ao longo da vida; 4) crenças dos “bons-selvagens” – essa categoria de crenças reúne ideias de que as crianças são seres que nascem bons e todos semelhantes; e 5) crenças de que “educar é moldar” – refletem a necessidade de controle sobre as crianças para prevenir a livre expressão dos seus impulsos naturais, considerados prejudiciais à sociedade e a elas próprias. Outros estudos analisam as crenças relativas a contextos educacionais integrados e segregados. Novas categorias de crenças educativas emergem, considerando-se o contexto escolar assim como as ideias de professores e mães: 1) crenças “altruístas”, que se referem à concepção de que o cenário integrado promove a aprendizagem da diversidade social; 2) crenças na “autonomia”, em que o cenário integrado associado à educação informal promove a aprendizagem da solidariedade; 3) crenças “elitistas”, que reúnem as concepções relativas às desvantagens do cenário integrado, como a falta de motivação das outras crianças e a diminuição do ritmo de ensino dos professores; 4) crenças “democráticas”, que integram ideias anti-inatistas com a ideia da escola como garantia de igualdade de oportunidades para todas as crianças (Carvalho et al., 2002; Ventura & Monteiro, 1997). Nos estudos supracitados, os autores encontraram relações das crenças das mães com diversas variáveis. Assim, em Castro e Monteiro (1996), observa-se que as crenças das mães variam consoante o seu grau de escolaridade, sendo que as categorias de crenças com que as mães menos escolarizadas concordam são a “Tradicional”, “Educar é Moldar” e “Inatista”, e a categoria de crença com a qual as mães mais escolarizadas concordam é a de “Autorregulação”. Os indicadores de experiência materna não estão relacionados a diferenças nas crenças. Castro (1997), por sua vez, afirma que a variabilidade das crenças, como as associadas aos contextos de socialização, decorre destas serem construções sociais relacionadas aos valores e identidades. Carvalho (1997) observa que a variabilidade das crenças é uma função também da profissão das mães: mães que têm profissão na área das ciências concordam mais com a crença da “Autorregulação” e menos com a crença do “Bom Selvagem” do que as que têm profissão em áreas administrativa e comercial, ou que não trabalham. Quando se considera a relação entre grupos sociais e as crenças dos educadores, observa-se que mães com filhos em escolas integradas concordam mais com crenças “Altruístas” e de “Autonomia” do que mães com filhos em escolas segregadas. Ambos os grupos de mães não aderiram às crenças “Tradicionais” e “Democráticas” (Ventura & Monteiro, 1997). Já no estudo de Carvalho, Mouro, António e Monteiro (2002), com mães e professores de escolas em que a maioria dos alunos era de cor de pele branca ou negra, foi observado que as crenças que mais caracterizam o pensamento dos educadores (pais e professores) eram de “Autorregulação”. Os educadores discordam das ideias refletidas nas crenças “Tradicionais” e “Educar é Moldar”, e não Psicologia social: temas e teorias 385 apresentam diferenças quando consideram as ideias contidas nas crenças “Elitistas”. Considerando-se a raça das mães, apenas o conjunto de ideias contido na crença “Tradicional” foi fator diferenciador, sendo essas ideias menos aceitas pelas mães brancas do que pelas negras. As crenças das mães não se diferenciam em função dos filhos frequentarem escolas de maioria branca ou negra. Os professores, todavia, diferenciam-se em suas crenças consoante sua formação (se tinham formação multicultural ou não) e o contexto escolar (composição numérica da turma em termos raciais). Os professores com formação em educação multicultural aderem menos às crenças “Tradicional” e “Elitista” do que os professores sem essa formação. Quando se considera o contexto escolar, os professores de escolas de maioria negra aderem mais às ideias contidas na crença “Educar é Moldar” e “Elitista” do que os professores de escolas de maioria branca. Um estudo de França (2006) investigou a influência da socialização, das atitudes e da identidade étnicas das mães sobre as atitudes étnicas de crianças brancas, pardas e pretas. Para tanto, foram entrevistadas mães de crianças de 5 a 10 anos e seus filhos, em Sergipe. Às mães perguntou-se sobre suas crenças e práticas educativas empregadas na educação dos filhos e os valores que querem que eles adotem quando crescerem. Às crianças, perguntou-se sobre suas preferências para o próprio e outro grupo. Os resultados mais relevantes encontrados apontam para a importância da escolaridade sobre as crenças das mães e os valores que elas querem para seus filhos, de modo que mães mais escolarizadas acreditam menos nas ideias “tradicionais”, como as de que a educação deve ser passada pelos pais, professores e pela escola às crianças e que estas aprendem passivamente o que lhes é transmitido. Observou-se, ainda, que as mães pardas e pretas, que têm mais anos de estudo, concordam menos com ideias “inatista” e “essencialistas”, acerca da natureza humana, como a de que a capacidade para os estudos nasce com as crianças. Sobre os valores, observou-se que mães brancas e pardas com mais tempo de estudo valorizam o universalismo-benevolência, ou seja, querem que os filhos sejam justos, honestos, igualitários, prestativos e responsáveis. Entretanto, as mães pardas com mais anos de estudo valorizam as dimensões do conformismo-tradição e da realização, ou seja, querem que os filhos sejam, ao mesmo tempo, religiosos, obedientes e inteligentes, bem-sucedidos, competentes e trabalhadores. Já as mães pretas, que têm mais rendimentos, querem que seus filhos apresentem valores da dimensão da realização. Entende-se que a maior adesão das mães, pertencentes a grupos minoritários, aos valores da dimensão da realização pode estar relacionada à necessidade de manutenção de um padrão social adquirido, o que pode poupar seus filhos da possibilidade de discriminação racial. Essa análise pode ser corroborada pelos achados de Lima e Vala (2004), que encontram que os adultos brasileiros percebem pessoas negras de alto status como mais brancas, e quando elas são branqueadas, são menos discriminadas do que pessoas negras de baixo status. O interesse pelo estudo do pensamento, ideias ou crenças parentais, no campo das relações interétnicas, tem se intensificado, de modo que surgem investigações que analisam os conteúdos das comunicações de pais, de diversos grupos étnicos, com os filhos sobre discriminação e preconceito (Hugles & Chen, 1999). Outros analisam a relação das crenças com as estratégias de educação com pais de diferentes etnias. Nos 386 A socialização Estados Unidos, por exemplo, pais afro-americanos ensinam a seus filhos sobre a possibilidade de discriminação e sobre as maneiras de lidar com ela, bem como a história e as tradições de seu grupo, quando as famílias vivem em vizinhanças etnicamente misturadas (Hugles & Chen, 1997; Thornton, Chatters, Taylor, & Allen, 1990). Os estudos sobre as crenças e sua relação com a socialização étnica estenderam-se por muitos países de composição étnica diversa (França & Da Costa Silva, 2021), e se ampliou também o escopo dos estudos para as práticas educativas, como discutiremos a seguir. 11.11 PRÁTICAS PARENTAIS E PRECONCEITO Existem grandes diferenças nas práticas de educação aplicadas pelos progenitores (Schaffer, 1996). As práticas estão vinculadas ao conteúdo das crenças dos pais e constituem estratégias educativas compatíveis com os objetivos individuais e sociais presentes em cada cultura (Monteiro & Castro, 1997). As práticas educativas parentais, portanto, não existem em um vazio social. Os pais pensam, analisam, problematizam, sentem e tomam decisões sobre suas ações com os filhos (Monteiro & Castro, 1997). Seus pensamentos, sentimentos e decisões estão impregnados pelos valores concernentes ao que é apropriado para seus filhos e explicam uma parte substancial do seu comportamento no processo de socialização (Grusec, Goodnow, & Kuczynski, 2000; Maccoby & Martin, 1983). Para compreender os aspectos importantes dos estilos parentais, diferentes níveis de análise são propostos consoante à sensibilidade, afeto, espírito diligente, calor humano, permissividade, atitude punitiva e capacidade de resposta dos pais (Schaffer, 1996). Desses aspectos, quatro emergiram de forma consistente, em diversos estudos, e foram organizados em duas dimensões ortogonais, considerando o afeto envolvido e o controle dispensado: calor humano/hostilidade e permissividade/severidade (Maccoby & Martin, 1983; Palácios & Moreno, 1999; Schaffer, 1996). A primeira dimensão se refere à quantidade de afeto que os pais manifestam na relação com os filhos. Pais calorosos são afetuosos, manifestam aprovação, elogiam e sentem prazer na relação com os filhos. A segunda dimensão refere-se ao controle dispensado, em um extremo: os pais dão total liberdade, não têm regras definidas que sejam impostas aos filhos; no outro, há excessivo controle, restrições e regras (Schaffer, 1996). Essas dimensões geraram um esquema de quatro categorias do comportamento dos pais em relação aos filhos, que foram descritas no trabalho clássico de Baumrind (1971) como estilo parental autoritário, autoritativo, permissivo indulgente e permissivo-negligente (ver Maccoby & Martin, 1983; Rohan & Zanna, 1996). Cada estilo parental implica, por um lado, uma determinada postura dos pais em relação aos filhos; por outro, diferentes consequências em níveis cognitivo e social, além de uma reação específica dos filhos em relação aos pais. A reação das crianças, por seu lado, depende do seu nível intelectual, sua prontidão para usar informações externas, seu temperamento e humor, e, ainda, das mudanças de emoções e de suas interpretações das ações dos pais durante a interação (Grusec et al., 2000) (para Psicologia social: temas e teorias 387 uma revisão sobre emoções, veja o Capítulo 5 deste Manual). As principais características de cada estilo parental são assim descritas por Baumrind (1971): • Os pais autoritários são caracterizados como muito exigentes, por imporem seu poder e não aceitar as demandas dos filhos. Esses pais esperam que seus filhos vivam sob rígidos padrões, não os encorajando às trocas verbais. Raramente elogiam ou revelam prazer nas realizações dos filhos ou incentivam a independência e individualidade, tendendo a utilizar a ameaça e imposições para controlá-los. Considerando-se as dimensões ortogonais, esses pais são ao mesmo tempo hostis e severos. • Os pais autoritativos são igualmente exigentes, têm padrões educativos firmes, mas diferentemente dos pais autoritários, incentivam as trocas verbais, respeitando a opinião dos filhos e explicando as razões subjacentes a seus pedidos. Exercem, sobretudo, controle não punitivo, têm mais clareza na expressão dos modos de conduta, incentivam a autonomia dos filhos, esperando e exigindo sua cooperação, no respeito às regras. Conseguem controle pelo diálogo e pela explicitação das consequências que as ações dos filhos terão para eles próprios e para os outros. Esses pais são ao mesmo tempo calorosos e exigentes. • Os pais permissivos-indulgentes são caracterizados pela tolerância excessiva aos impulsos dos filhos. Exigem poucas realizações deles, evitam controlar, punir ou demonstrar sua autoridade. São geralmente frouxos quanto às normas de conduta, permitindo que os filhos regulem seu próprio comportamento e tomem suas próprias decisões em tudo que é possível. Esses pais não se consideram responsáveis ativos por mudanças no comportamento dos filhos. São ao mesmo tempo afetuosos e pouco controladores. • Os pais permissivos-negligentes caracterizam-se por estarem próximos da indiferença em relação aos filhos e pelo não comprometimento com seu papel de pais. Estão envolvidos e preocupados com outras atividades e dispensam pouco tempo aos filhos. Geralmente, não são responsivos, interessados nem exigentes quanto às normas de conduta, além de prestar pouca atenção ou interagirem com os filhos. Podem rejeitar ou negar as próprias responsabilidades na educação. Esses pais são, ao mesmo tempo, hostis e pouco controladores. Esses estilos educativos representam situações extremas da realidade do contexto familiar. Situações puras, envolvendo a adoção de um único modelo por parte dos pais, não são possíveis de se observar (Palácios & Moreno, 1999). Convém salientar, entretanto, que os pais nem sempre coincidem nos seus estilos educativos, ainda que o uso destes dependa de uma série de fatores contextuais, como o tamanho da família; posição de nascimento e sexo dos filhos; sexo, escolaridade e status socioeconômicos dos pais (Sigel, 2014). Estudos mostram que algumas práticas parentais podem ser mais utilizadas por pais de determinados níveis socioeconômicos e enfatizam que o tratamento dispensado à criança parece influenciar seus valores no futuro (Kasser, Koestner, & Lekes, 2002). Como afirmam Grusec et al. (2000), o modo como os pais abordam seus filhos muda em função das características da criança e da situação; 388 A socialização dependendo do caso, uma ação pode ser apropriada ou não. Por isso, a paternidade efetiva significa mais do que a oposição entre estilos educativos ou o uso de um estilo ou estratégias específicas o tempo todo. Spencer (1983) analisou as relações entre estratégias educativas de mães afro-americanas e a identidade étnica dos seus filhos. As mães foram indagadas sobre educação dos filhos, disciplina, identidade étnica e socialização. Os resultados mostraram que elas acham as escolas para crianças brancas mais bem equipadas e que a educação em escola segregada “negra” proporciona um conjunto de experiências diferentes para seus filhos. Os pais de baixa renda ensinam mais frequentemente que ser rico é melhor do que ser pobre. As mães de classe média consideram a classe social sem importância. Apenas 32% das mães acham importante ensinar seus filhos sobre questões étnicas e preparação para a discriminação. Quarenta por cento valorizam instigar o orgulho étnico e a consciência cultural. Quando se perguntou a respeito do conhecimento dos filhos acerca da história dos negros, as mães dividiram-se: metade afirma que eles conhecem muito sobre essa questão, enquanto a outra metade não estava segura quanto a isto. De maneira geral, as análises indicam que a comunicação dos valores parentais relativos a questões étnicas prediz as atitudes étnicas e preferências dos filhos. A falta de discussão e de ensino dos valores culturais do próprio grupo resulta na aquisição de valores e crenças culturais, preferência e atitudes do grupo dominante. A aquisição de valores culturais do próprio grupo resulta principalmente da intervenção parental, pela transmissão direta, por via do ensino ou discussão. No estudo de França (2006), que investigou a influência da socialização, das atitudes e identidade étnicas das mães sobre as atitudes étnicas de crianças brancas, pardas e pretas, outro resultado se destacou, no que concerne às práticas educativas das mães, à identidade da própria mãe e às atitudes raciais das crianças. Quanto ao primeiro aspecto, os resultados indicaram que mães pretas, que adotam mais a prática de autonomia, atribuem maior importância à cor da própria pele. Acredita-se que o uso de prática reflexiva pelas mães, somada à sua identidade positiva, pode ser ainda uma forma de levar seus filhos a terem também uma atitude positiva em relação à própria etnia. Já as análises das atitudes raciais indicaram que filhos de mães pardas, que adotam práticas de autonomia e de punição, preteriram o alvo branco. Quando as mães pardas utilizam a prática de autonomia, seus filhos preferem o alvo pardo. Esses resultados parecem corroborar os estudos que concluem que, quando os pais valorizam e defendem a própria etnia, seus filhos também apresentam elevados índices de valorização da própria etnia. Assim, parece que a maior adesão à prática de autonomia, por parte das mães de grupos minoritários, pode levar seus filhos a preferirem o próprio grupo, em detrimento do exogrupo. O estudo das práticas educativas associadas à socialização étnica passou por um processo de evolução e se distanciou dos estudos iniciais, pautados nos tipos de práticas adotados pelos pais (Baumrind, 1971; Sigel et al., 2014), para uma abordagem da experiência do racismo pela criança e reação dos pais a estes eventos (Hughes & Chen, 1999). A exploração do conteúdo expresso pelos pais, em reação à circunstância de racismo enfrentado pelas crianças, tornou-se alvo de interesse. Os estudos, inicial- Psicologia social: temas e teorias 389 mente concentrados na compreensão dos comportamentos dos pais negros, se estenderam para os pais brancos, professores, pares e para a mídia. Os estudos de Hughes e cols., (1999, 2006) sintetizam achados relativos aos pais e pode ser considerado um dos estudos que introduziu o conceito de socialização étnico-racial (França & Da Costa Silva, 2021). 11.12 SOCIALIZAÇÃO ÉTNICO-RACIAL “A socialização étnico-racial é definida como processos e meios utilizados pelos agentes e agências de socialização a fim de produzir a conscientização sobre o pertencimento a um grupo étnico e racial, sobre o valor social dos grupos, bem como o fornecimento de estratégias proativas e protetivas às relações étnico-raciais face ao preconceito contra grupos estigmatizados” (França & Da Costa Silva, 2021, p. 59). Hughes e Chen (1999) analisaram a influência da comunicação pai-filho sobre as atitudes étnicas, preconceito e discriminação. Para as autoras, os pais desempenham um papel muito importante na orientação das crianças quanto às questões étnicas (compreensão da hierarquia étnica, sistemas de estratificação étnica e processos associados, como o preconceito e a discriminação). Os pais realizam esse objetivo pelas mensagens transmitidas aos filhos, e estas apresentam características e conteúdos distintos. Quanto às características, as mensagens podem ser verbais e/ou não verbais, exemplo é a transmissão das tradições culturais, do falar em linguagem nativa em casa, ou da estruturação do ambiente da criança, disponibilizando objetos de artes tradicionais de sua cultura, e ainda da influência na escolha dos pares das crianças. As mensagens podem ainda ser transmitidas de modo intencional ou não. A primeira ocorre pelo ensino da história da herança dos antecedentes e da preparação para o viés étnico. Já a segunda ocorre quando os pais reagem a situações de depreciação étnica de modo sarcástico. No tocante ao conteúdo, Hughes e Chen (1999) afirmam que as mensagens podem incluir várias dimensões, como: a) ênfase no orgulho étnico, tradições e história (chamados de socialização cultural); b) conscientização sobre a existência do preconceito e discriminação (chamada preparação para enfrentar o preconceito); c) emissão de avisos e advertências sobre outros grupos étnicos, ou sobre relações intergrupais (chamada inculcação da desconfiança); e d) ênfase na necessidade de valorizar todos os grupos étnicos (chamado igualitarismo). Do estudo de Hughes e Chen (1999), tem emergido uma série de pesquisas sobre socialização étnica e racial. A socialização étnica e racial tem sido considerada como a principal prática utilizada por famílias e comunidades afro-americanas para ajudar as crianças a lidar com questões relacionadas à discriminação racial. Concebe-se que alguns dos efeitos negativos associados a se perceber vítima de discriminação racial podem ser minimizados se os indivíduos forem socializados para lidar com essas experiências (Harris-Britt,Valrie, Kurtz-Costes, & Rowley, 2007). 390 A socialização Importantes resultados têm sido produzidos, a partir das pesquisas nessa área. Por exemplo, Hughes et al. (2006) têm demonstrado que os pais mencionam comumente a socialização cultural e igualitarismo como estratégias mais usadas por eles, quando falam sobre racismo e discriminação com seus filhos, como mensagens sobre orgulho étnico e diversidade. No entanto, os estudos que envolvem os pais de minorias reportam ainda a preparação para enfrentar o preconceito, especialmente os pais afro-americanos. Já a inculcação da desconfiança é menos incentivada pelos pais. Pais de origem asiática (japoneses e chineses) conversam menos sobre discriminação ou igualdade entre os grupos do que os pais afro-americanos. As práticas de socialização étnico-raciais variam de acordo com as características das crianças e dos seus pais, assim como dos contextos; com relação às crianças, essas práticas vão variar conforme seu gênero e sua idade. As mensagens de socialização mudam de acordo com as capacidades cognitivas e experiências das crianças. Por exemplo, os pais de crianças pequenas discutem menos do que os pais de crianças mais velhas problemas relativos à socialização racial ou étnica, especialmente discriminação. Já na adolescência, os processos de busca de identidade, a maior capacidade para refletir sobre as próprias experiências e o aumento da probabilidade de exposição a situações que envolvem o preconceito racial podem levar os pais a iniciar discussões sobre esses temas. Em decorrência disso, quando os pais empreendem discussões sobre preconceito e racismo com crianças pequenas, tendem a utilizar ou mensagens de socialização cultural ou igualitárias, enquanto com os mais velhos tendem a usar as mensagens de inculcação da desconfiança e preparação para enfrentar o preconceito. Com relação ao gênero dos filhos, observa-se que meninos são mais propensos a receber mensagens sobre preparação para enfrentar o preconceito, enquanto as meninas são mais propensas a receber mensagens sobre socialização cultural (Hughes et al., 2006). Considerando as características dos pais, os pesquisadores observam que as experiências anteriores e visões de mundo dos pais moldam suas práticas de socialização e determinam o contexto proximal no qual a família e as crianças operam. Observa-se que os pais, que possuem maiores níveis de rendimento, são mais propensos a se envolverem em estratégias de socialização cultural e preparação para enfrentar o preconceito do que os de baixos rendimentos. Assim, em contextos de alta discriminação, como vizinhanças altamente discriminatórias, nas quais a raça se torna altamente saliente, os pais tendem mais a transmitir mensagens sobre a etnia e raça aos seus filhos, do que em contextos não discriminatórios e nos quais a raça não está saliente (Hughes et al., 2006). Com relação às consequências das estratégias de socialização racial usada pelos pais, os autores referem que o uso da socialização cultural pelos pais está associado à identidade étnica positiva dos jovens e, também, à menor frequência de envolvimento em brigas, melhor gerenciamento da raiva (especialmente entre os meninos), maior autoestima com os colegas e melhores resultados cognitivos. Já são mais escassos os estudos analisando as estratégias de preparação para enfrentar o preconceito, de inculcação da desconfiança e do igualitarismo. Entretanto, alguns estudos demonstram Psicologia social: temas e teorias 391 que a preparação para enfrentar o preconceito fornece aos jovens competências para compreender e lidar com a discriminação, enquanto os resultados relativos à inculcação da desconfiança são menos favoráveis, pois os jovens desenvolvem expectativas de discriminação e desconfiança dos outros grupos. Já o uso de estratégia igualitária está associado à baixa autoestima do jovem, e a não discussão do racismo e da discriminação está associada ao baixo rendimento acadêmico, além de deixar os jovens despreparados para enfrentar a realidade racial, que poderão encontrar (Hughes et al., 2006). Harris-Britt et al. (2007) analisaram as estratégias usadas pelos pais para reduzir os efeitos negativos da percepção da discriminação racial e sua relação com a autoestima dos filhos. Os autores entrevistaram jovens de 13 anos, perguntando-lhes sobre as mensagens sobre orgulho racial (por exemplo, “diz para ter orgulho de ser negro”) e preparação para enfrentar o preconceito (por exemplo, “diz que as pessoas podem ser maltratadas devido à raça”), transmitido pelos seus pais (escala de socialização étnica e racial – Hughes & Chen (1997)). Os adolescentes também responderam a um Inventário de Autoestima (RSE; Rosenberg, 1965). Os resultados indicaram que apenas as mensagens de orgulho racial tiveram efeitos sobre a autoestima dos adolescentes. De modo que, aqueles que relataram maior exposição a mensagens de orgulho racial demonstraram estar menos negativamente afetados pela discriminação racial percebida, comparados aos que relataram exposição mínima a mensagens positivas sobre o seu grupo e cultura. Seok et al. (2012) estudaram crianças e adolescentes da Malásia e seus pais, com o objetivo de analisar a contribuição das práticas de socialização étnica dos pais, no desenvolvimento da identidade étnica, autoestima e ajustamento psicológico dos filhos. A socialização étnica foi medida pela escala de socialização étnica e racial (Hughes & Chen, 1997). Os resultados indicaram que a socialização étnica contribui significativa e positivamente no desenvolvimento da identidade étnica das crianças; quanto mais os participantes perceberam que seus pais transmitiam socialização étnica, maior foi a identificação, preferência e sentimentos positivos para o próprio grupo étnico. As práticas de socialização étnica dos pais também contribuíram positivamente para a autoestima dos filhos, contudo não tiveram influência no ajustamento psicológico dos participantes. Nesdale (2001) analisa o desenvolvimento das atitudes étnicas e dos estereótipos nas crianças pelo impacto da linguagem na criação e perpetuação das relações intergrupais. Os estudos que analisam as atitudes étnicas das crianças em sua resposta verbal a entrevistas estruturadas e não estruturadas têm mostrado que crianças de grupos dominantes têm revelado preferência endogrupal, já desde os 3 anos, e algumas expressam verbalmente afeto negativo em direção a exogrupos minoritários, já pelos 5 anos. Esses estudos mostram que, quando os rótulos étnicos eram mencionados pelo experimentador, as crianças aumentavam as afirmações negativas sobre as características exogrupais dos 5 aos 9 anos de idade. Foram verificados, também, comentários despersonalizadores e afetos negativos dirigidos ao exogrupo (e.g., as crianças diziam: “eles pensam” vs. “eu penso”) ou excesso de rótulos étnicos derrogatórios. Essas verbalizações apresentavam similaridade à linguagem expressa pelos 392 A socialização pais nas afirmações negativas dirigidas a grupos minoritários. Nesdale (2001) conclui afirmando que, embora as análises sugeriram que as habilidades cognitivas das crianças, para imitar as expressões dos adultos, não têm um impacto sobre a aquisição de atitudes étnicas, crianças de 5 anos podem já ter adquirido um léxico de linguagem racista para utilizarem quando decidirem depreciar exogrupos étnicos particulares. No Brasil, estudiosos têm se interessado pela socialização étnico-racial. Estudos com famílias brasileiras, que têm analisado o gerenciamento das relações entre grupos, mostram diferenças intergeracionais nos comportamentos e atitudes para o próprio e para o outro grupo de famílias. Sansone (2004), em sua análise comparativa das condições de vida (renda, escolaridade), crenças e uso de terminologias raciais de pais e filhos, entrevistou pessoas abaixo de 25 anos e seus pais, da cidade satélite de Camaçari. Observou entre os jovens uma alta taxa de desemprego, embora seu nível de escolaridade fosse mais alto do que o de seus pais. O autor explica isso dizendo que, embora os filhos tenham um nível educacional mais elevado, ainda é insuficiente para as exigências do mercado de trabalho. Os jovens também estão mais insatisfeitos com seu padrão de vida, com as oportunidades disponíveis e, embora tenham aprendido a acreditar na mobilidade social, sentiam-se excluídos, tendiam a comparar-se em termos de sucesso mais com a classe média do que com seus pais. Os pais, entretanto, percebiam-se em situação melhor do que seus próprios pais. Contudo, os jovens pesquisados não se viam em melhores condições de vida, nem percebiam as mudanças no nível de emprego moderno como conquistas de seus pais. Mesmo com relação à crença religiosa, segundo o autor, válvula de escape às frustrações, não há grande adesão por parte dos jovens, como ocorreu na geração anterior. Com relação ao uso de terminologias raciais, observa-se que a palavra negro é geralmente utilizada por jovens com um grau de instrução mais elevado, e se refere a um termo bastante ofensivo, mas que nas últimas décadas mostrou-se como sinônimo de afirmação étnica. O termo mais tradicional é “preto” e se refere à cor negra real. Embora o termo “negro” esteja sendo usado ultimamente, tal fato ainda não indica uma afirmação direta da cor e do orgulho da própria raça. Os informantes demonstraram preferência somática pelo branco, o que foi mais evidente entre as pessoas acima de 40 anos, mas também entre jovens, mesmo aqueles que se identificam como negros. Amaral (2001) analisou os discursos de mães e pais negros na transmissão de informações sobre preconceito e afirma que as crianças estão sendo socializadas para ignorar o preconceito, que deve ser silenciado, negado ou driblado. As mães e pais evitam falar do preconceito com os filhos. Segundo essa autora, isso ocorre por vários fatores que envolvem os diversos contextos de inserção da criança. Tomando a sociedade mais amplamente, temos a crença dos pais de que estamos num país onde há democracia racial. Por outro lado, na escola não se fala da história do povo negro, da contribuição do negro na sociedade, das personalidades negras marcantes na sociedade; consequentemente, só pais negros militantes do movimento negro e de alta escolaridade os conhecem. No contexto da família, a negação do preconceito faz com que os pais não tenham respostas para ajudar seus filhos nas situações de discriminação; os pais não sabem como agir e desconhecem um modo de reação nesses contextos; preferem ignorar, evitar falar ou problematizar mais quando um fato ocorre. Psicologia social: temas e teorias 393 O estudo de França, Da Costa Silva, Santos e Batista (2019) analisou as estratégias de socialização étnico-racial dos pais e os efeitos produzidos na identidade dos filhos. O estudo foi realizado em Sergipe, com crianças brancas, pardas e pretas, de 5 a 13 anos de idade, e suas respectivas mães. Nas crianças se analisou identidade étnico-racial pela categorização racial, autocategorização racial e avaliação emocional da pertença, conforme França e Monteiro (2002). As mães referiram suas estratégias de socialização étnico-racial, respondendo a um conjunto de itens baseados nos estudos de Hughes e Chen (1999). Com relação à identidade das crianças, observou-se que elas reconheceram as categorias presentes no seu contexto e se perceberam em conformidade com seus grupos de pertencimento, obtendo elevados percentuais de autocategorização racial. Entretanto, crianças negras e pardas avaliaram sua pertença de modo desfavorável quando comparadas às brancas. Com relação à socialização étnico-racial das mães, se observou que ocorre em baixos níveis, pois elas tenderam a responder que apenas “às vezes” falam com os filhos sobre o grupo dos negros (cultura, diferença, discriminação). Todavia, os níveis de socialização étnico-racial eram mais elevados em mães com alta escolaridade (ensino superior) comparativamente às mães com menos escolaridade (ensino médio e fundamental). Os impactos da socialização étnico-racial sobre a identidade foram observados, sobretudo, nas crianças pretas. Notou-se que, as que referiram gostar mais de seu próprio grupo, foram aquelas cujas mães mencionaram que falavam com elas sobre a história e cultura do grupo. Os resultados mostram a importância do diálogo sobre raça e racismo para o fortalecimento da identidade de crianças negras. No estado do Espírito Santo, Cardoso (2018) tem investigado a socialização étnico-racial em ciganos da etnia Calon. Seu estudo analisou os processos identitários e o contexto de socialização étnica entre três gerações de ciganos: idosos, adultos e crianças. Observou-se que, para os idosos, primeira geração, a noção de ser cigano está fundamentada na história do grupo, na herança cultural dos antepassados e seus ensinamentos, assim como na memória de suas vivências. Para essa geração, os elementos importantes de ser cigano são traduzidos na herança cultural aprendida com a língua Caló: a lei cigana, as tradições, as vestimentas típicas e a moradia em barraca. Já para os adultos, a segunda geração pesquisada, ser cigano perpassa, sobretudo, pela transmissão cultural aos filhos das regras de vestimentas, do respeito ao grupo, do trabalho com a barganha, das leis e da língua. Entre as crianças, terceira geração, a socialização primária assume importância pela aprendizagem da língua Caló e a distinção entre ciganos e não ciganos. Esses ensinamentos são importantes para que, nas futuras interações, por exemplo na escola, as crianças ciganas possam lidar com os desafios e preconceitos, pelo fato de ser cigano no relacionamento com os não ciganos. Nesse processo, a autora destaca o papel dos pais no fortalecimento da autoconfiança, autoestima e identidade da criança a fim de promover, nelas, o orgulho de ser cigano. Em outro estudo, Cardoso e Bonomo (2019) analisam o papel da socialização étnica, na construção da identidade da criança cigana. As autoras observaram que a socialização étnica se dá por meio da imersão cultural e apreensão da cultura. Os processos identitários ocorrem nas experiências coletivas das crianças e nas trocas intergeracionais. Assim, a transmissão da cultura enfatiza as tradições culturais, as 394 A socialização leis ciganas, o uso da língua, o fazer diário e as resistências às pressões da integração com o grupo externo. A identidade é definida pela herança cigana e pelo sentimento de ser cigano. Considerando as pesquisas sobre socialização étnico-racial com professores, há uma vasta literatura, em nível internacional, que pode ser consultada, para o aprofundamento do tema, por pessoas interessadas. Por exemplo, Aldana e Byrd (2015), Bañales, Aldana, Richards‐Schuster e cols. (2021), Mulvey, Gonulta, Irdam e cols. (2021), Husband (2012), Tjhijs (2017) e Ülger, Dette-Hagenmeyer, Reichle e Gaertner (2018). No Brasil, também temos estudos com essa população. É fato que, com a promulgação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, os estudos com professores, com o foco no ensino de conteúdos étnico-raciais aumentaram. Alguns desses estudos são da área da sociologia e educação, utilizam o conceito de socialização étnica ou racial, adotando literatura diversa. Referimos, a seguir, dois estudos na área da psicologia social. Santos, França e Moreira-Primo (2020) investigaram o quanto os professores dos estados de Sergipe e Bahia socializam seus estudantes, considerando seus pertencimentos étnico-raciais. Esses professores sentem-se preparados e responsáveis pela transmissão de conteúdos étnico-raciais na escola. Os professores responderam à escala de socialização étnica de Hughes e Chen (1999), adaptada para professores, e ainda a um conjunto de perguntas sobre a disposição para empreender estratégias de combate ao preconceito na classe, além de perguntas sobre a própria identidade racial. Os resultados mostram a indecisão entre os professores de idades intermediárias sobre perceberem a responsabilidade da escola, no combate ao preconceito, e sua preparação, em termos de conteúdo, para lidar com o tema. Os professores mais jovens e os mais velhos, aqueles que se autodefinem como brancos, e os negros, de identidade étnica positiva, percebem a responsabilidade da escola no ensino de conteúdos étnico-raciais e se sentem preparados para a tarefa. A indecisão sobre a percepção da própria preparação foi atribuída à formação limitada sobre relações entre grupos raciais, racismo e preconceito. Já a indecisão, sobre a responsabilidade em informar sobre o tema, foi relacionada à valorização da dimensão pedagógica do processo educacional, em detrimento do aspecto humano. Os resultados encontrados nos professores mais jovens e os mais velhos foram atribuídos ao aumento da oferta de cursos de capacitação sobre o tema, e a sua identidade racial fortalecida. Já os resultados relativos à socialização étnico-racial, ou seja, se de fato os professores transmitem informações sobre grupos étnicos e raciais, demonstraram que os educadores apenas “às vezes” o fazem, caracterizando-os como com baixos índices de socialização. Mais especificamente, os mais preocupados em falar sobre conteúdos étnico-raciais foram os professores negros, as professoras, os que têm mais tempo de profissão, e brancos que consideram a cor de pele importante. Os autores advertem, com base no estudo realizado e na literatura investigada, que o descaso com a transmissão de conteúdos étnico-raciais na escola preocupa, pois pode afetar o desempenho escolar dos educandos, causar a negação da identidade negra, sofrimento psíquico em pessoas dos grupos minoritários e manter os privilégios do grupo maioritário. Psicologia social: temas e teorias 395 Matos e França (2022) analisaram a percepção dos docentes sobre os efeitos negativos do racismo, na trajetória escolar dos discentes negros, e o impacto da identidade étnico-racial do professor, nas suas práticas de socialização étnico-racial. O estudo online foi realizado com professores da educação básica dos estados da Bahia e Sergipe. A socialização étnico-racial foi avaliada pela escala de socialização étnica de Hughes e Chen (1999); a identidade étnico-racial consistiu na satisfação e importância da própria cor da pele. Construiu-se um conjunto de itens para aferir os efeitos do racismo no desempenho escolar de alunos negros. Os resultados indicaram que a socialização étnico-racial foi predita pela percepção de que o racismo prejudica o desempenho escolar de alunos negros e não pela cor da pele do professor. Entretanto, a interação entre a cor da pele e a identidade positiva do professor explica a percepção de que o racismo prejudica o desempenho escolar de alunos negros. O estudo aponta para a necessidade de adesão de medidas de fortalecimento das identidades dos professores, tendo em vista que ter identidade étnico-racial positiva torna o professor mais sensível em relação à percepção de situações de racismo na escola, bem como mais engajado na prática da socialização étnico-racial. Estudos, analisando o papel dos pares entre si na socialização étnico-racial, são mais raros. Pesquisadores têm se dedicado à análise dos pais e professores e se ausentado da construção de um arcabouço teórico relativo à função dos pares e irmãos como agentes de socialização étnico-racial (Su-Russell & Finan, 2022; Wilson, 2019). Wilson (2019) analisou como mensagens de socialização de pais e pares contribuem para o uso de estratégias de enfrentamento ou evitação em situações de discriminação. Os participantes foram estudantes universitários (18 a 25 anos de idade) negros que completaram medidas de discriminação percebida, socialização racial e estratégias de enfrentamento, usadas em resposta a eventos discriminatórios específicos. Os resultados das análises de regressão revelaram que a socialização dos pares estava associada à busca de apoio social, enquanto a dos pais se associava à resolução de problemas. A socialização racial não se relacionou com a estratégia de evitação. O autor identificou quatro perfis de experiências de socialização racial, que foram categorizadas com base no nível de congruência ou incongruência das mensagens dos agentes. A congruência refere-se a semelhanças nas frequências das mensagens de cada agente. Os perfis “alta congruência” (elevada frequência de mensagens de pais/pares) e “baixa congruência” (baixa frequência de mensagens de pais/pares) envolveram os participantes que relataram frequências semelhantes de mensagens de socialização racial. Os perfis “baixa incongruência” de pares e dos pais se referiam ao contraste nas frequências de mensagens de pais e pares (frequência relativamente baixa de socialização de pares e frequência moderada de socialização dos pais). Os jovens com perfil “baixa congruência” eram mais propensos a usar a estratégia de evitação e menos propensos a buscar apoio social ou usar a solução de problemas para lidar com a discriminação, do que aqueles dos outros perfis. O autor conclui afirmando a importância de receber pelo menos uma frequência moderada de mensagens de socialização racial de qualquer agente de socialização, estando associada a formas mais adaptativas de enfrentamento da discriminação, sobretudo, de pais e pares. 396 A socialização Já Su-Russell e Finan (2022) notaram a ausência de estudos que analisem o papel dos irmãos como agentes de socialização étnico-racial. Os autores afirmam que os irmãos contribuem, mutuamente, no desenvolvimento de vários comportamentos, entre eles se destaca a preparação para a experiência de preconceito. Eles são mais inclinados a confiar um no outro, do que nos adultos, especialmente entre irmãos adolescentes. As conversas são facilitadas pela natureza mais igualitária do relacionamento, podendo envolver assuntos mais íntimos ou desafiadores (sexo, relacionamentos, escola, bullying e raça). Observa-se que a qualidade do relacionamento entre irmãos, as diferenças de gênero e a idade podem contribuir para a probabilidade, frequência, qualidade e profundidade das conversas relacionadas à raça. Considerando o desenvolvimento da identidade étnico-racial, afirmam que, a despeito do papel primordial dos pais, o desenvolvimento da identidade racial dos irmãos pode ser coconstruído. Por exemplo, irmãos mais novos, podem observar ou trocar informações sobre as experiências de irmãos mais velhos, e desenvolver estratégias de construção da própria identidade racial. Os irmãos geralmente compartilham status racial, contextos (por exemplo, escola), estando presentes durante esses eventos significativos e, nesse processo, podem se desenvolver e se fortalecer. Os estudos, apresentados a seguir, versam sobre como a socialização étnico-racial ocorre através dos meios de comunicação de massa. Reportam também um desenvolvimento no campo de estudo da socialização étnico-racial, que se refere à participação das pessoas brancas nesse processo, uma vez que os estudos têm se ampliado para entender como esse grupo contribui para o enfrentamento ao racismo e preconceitos ou para manutenção de privilégios associados a seu grupo, no contexto de relações intergrupais. Em um estudo realizado nos Estados Unidos, Frey, Weiss, Ward e Cogburn (2022) analisam a socialização étnico-racial nas redes sociais. Particularmente, a socialização étnico-racial no grupo social branco. Inicialmente, os autores verificam que os estudos com esse grupo basearam sua metodologia naqueles iniciados com pais negros, ou seja, investigado o conteúdo de mensagens diretas e indiretas, e suas variações, considerando o contexto e estágio de desenvolvimento. Os autores referem que o processo de socialização, no grupo branco, se caracteriza pela ênfase na relação cor e poder. Com relação às mensagens transmitidas pelos pais brancos, encontraram-se dois padrões: aqueles que falam sobre raça com os filhos são mais inclinados a adotar uma abordagem evasiva da cor, do que uma abordagem consciente de cor. Por exemplo, eles falam para os filhos que raça não é um aspecto importante a se considerar quando se analisa uma pessoa, em vez de refletir sobre as desigualdades raciais e importância da diversidade racial. Outro padrão encontrado entre os pais mais proativos, é o incentivo ao contato intergrupal, como as amizades inter-raciais, em vez de questionar privilégios estruturais ou associados à valorização do branco como norma (branquitude). Com relação aos filhos, os estudos mostram que suas crenças sobre raça podem ser construídas independente dos pais discutirem essas questões com eles, e que estas podem estar relacionadas aos contextos raciais, nos quais estão inseridos, segregados ou integrados; nas identidades estabelecidas, se comprometidas ou não com a evasão da cor; ou nas ideologias defendidas de evitar o poder (hegemonia branca) ou normalizar o privilégio branco. Psicologia social: temas e teorias 397 Os autores destacam que a Internet adquiriu importância na vida dos adolescentes como recurso de socialização, potencionalmente, como transmissora de informação sobre raça, racismo e discriminação racial, na qual os adolescentes se atualizam e se informam. Por meio de interfaces digitais, os jovens podem conectar seu conteúdo a eventos, comunidades e tendências; buscar informações com relativa facilidade e praticar ações para além daquelas planejadas pelos produtores. Frey e colaboradores (2022) defendem que a branquitude assume um caráter de ideologia e prática direcionadas por ações, e que o meio digital contribui para a criação do que denominam de zona pedagógica racializada, que se refere ao ensino de ideologias e posicionamentos tendenciosos, acríticos e arraigados, sobre raça e racismo, “incentivando esse aprendizado por meio do princípio do prazer nas plataformas de mídia social – curtidas, visualizações, seguidores, notificações e a possibilidade de maior exposição de impressões” (p. 9).2 Esse ensino tem como consequência o aumento da segregação racial na sociedade. Os estudiosos explicam, com base na descoberta de um estudioso da inteligência artificial, Marc Faddoul, que as recomendações dos conteúdos do TikTok seguem alguns princípios de escolhas por semelhanças, entre eles a aparência e a raça são salientes. Assim, se alguém seguir uma pessoa branca no TikTok, o programa sugere outras pessoas brancas para seguir. O mesmo ocorre se alguém seguir uma pessoa negra, que recebe sugestões de outras pessoas negras para seguir. Essa prática pode levar os jovens a construir relacionamentos digitais pautados na segregação, solidificando a falta de consciência do racismo e da desigualdade, reificando a segregação offline. Frey e colaboradores (2022) afirmam ainda que a socialização de crianças brancas está apoiada na normalização da brancura e hegemonia branca, que leva os jovens à adoção de ideologias e práticas evasivas de cor e poder. O meio digital reforça práticas semelhantes de racismo e supremacia, incluindo complacência racial, apatia e cumplicidade na branquitude, reafirmando essa posição de poder. Concluindo, deve-se alertar para a necessidade de expansão teórica do tema da socialização étnico-racial de pessoas brancas; por meio de análises conceitualmente guiadas, mapear empiricamente as características das configurações nas mídias sociais e suas implicações para a compreensão dos modos de infiltração da branquitude, nas práticas cotidianas (Frey et al., 2022). No Brasil, Fonseca, Marcelino, Machado e Melo (2017) analisam relações étnico-raciais nas redes sociais utilizando posts do Facebook sobre o tema, com o objetivo de debater a interculturalidade como suporte na educação. Para as autoras, as redes sociais são campo fértil para o debate sobre temas desafiadores: de um lado, publicizam as atitudes extremas que podem alienar e coisificar o homem e suas relações. Por outro, podem responder às atitudes dominantes demonstrando modos alternativos de participação crítica, científica e politicamente fundamentadas. As autoras concebem a interculturalidade como a busca de “se conectar às diversas identidades e compreender distintos contextos de identificação”, seja com base nas diferenças raciais, étnicas, de gênero, idade, físicas e ou mentais. Argumentam que o aumento da participação no 2 “Teaching entrenched ideologies of race and racism and incentivizing these learnings through the pleasure principles of social media platforms – likes, views, followers, notifications, and the possibility for increased exposure and impressions” (Frey, Weiss, Ward, & Cogburn, 2022, p. 9). 398 A socialização ciberespaço, a hiperconexão, permitida pela oferta variada de dispositivos móveis e a acessibilidade, repercutiram no aumento de publicações pouco refletidas, na polarização de opiniões e julgamentos superficiais. Entretanto, não se pode negar a potência das mídias sociais digitais como formadoras e difusoras de opiniões, nem cometer o equívoco de analisá-las de modo parcial, ignorando os aspectos positivos e negativos que o meio oferece. As autoras investigam post e afirmam que são espaços de visibilidade das diferenças e diversidade, que, se contextualizados pela perspectiva intercultural, podem contribuir para a desnaturalização dos preconceitos, para a análise da intolerância às diferenças entre grupos sociais, fundamentadas na compreensão dos processos históricos, sociais e políticos que as originaram, e que determinam, por consequência, a adoção de padrões ideológicos enviesados de comportamentos, beleza, ou modos de ser, que refletem visões reducionistas da realidade social. Contribuem ainda para denunciar a existência dos preconceitos (racismo, sexismo, homofobia etc.) por meio de eventos reais. Para as autoras, a escola pode gerenciar o enfrentamento de atitudes preconceituosas expressas nos meios midiáticos, por meio de ações planejadas, produzir o questionamento dos conteúdos e situações apresentadas nas redes sociais que tenham impacto sobre a formação de impressões sobre os grupos sociais. Considerando os estudos apresentados, convém tecer algumas considerações sobre a mídia como agente de socialização e, especificamente, para a socialização étnico-racial. O conceito de socialização étnico-racial se sustenta no enfrentamento às situações de discriminação e intolerância, pressupõe a existência de interação com os agentes que fazem o processo acontecer. De maneira simplificada, os agentes são as pessoas que habitam esses contextos, p.e., na família, os pais, irmãos e irmãs, avós e parentes próximos; na escola, professores, diretores, coordenadores pedagógicos; no grupo de pares, os amigos e colegas. Todos esses agentes são personalizados e possuem papel e objetivos frente a cada indivíduo a ser socializado, ou colocado sob sua responsabilidade. É importante observar que, mesmo no grupo de pares, a afinidade e a amizade desenvolvidas criam um elo de responsabilidade entre as partes. No grupo de pares, cada um se preocupa com e se interessa pelo bem-estar de cada outro. Entretanto, na mídia, especificamente nas redes sociais, essa definição não é clara, de modo que, em circunstância de publicação de atos e conteúdos extremos, ou inconsequentes, como posts racistas ou preconceituosos, a responsabilização volta-se para o controle dos pais e professores, que devem gerenciar os caminhos das crianças e jovens, nas redes sociais; ou para as demais instâncias de socialização, entidades organizadas ou instituições jurídicas, que enfrentam os excessos das redes sociais, por meio de morosos processos de judicialização, por vezes seguidos pelo debate que, muitas vezes, evidenciam as divergências frente a opiniões extremas sobre o tema. SUMÁRIO E CONCLUSÕES No presente capítulo, procurou-se fornecer pressupostos teóricos para a compreensão do fenômeno da socialização, no desenvolvimento de crianças e adolescentes; enfatizou-se a socialização dirigida às atitudes frente aos grupos sociais. Inicialmente, Psicologia social: temas e teorias 399 analisou-se conceitualmente o construto socialização, considerando-a como um fenômeno essencialmente humano, inerente e produzido em meio às relações sociais dos indivíduos. Destacou- se o termo em sua concepção no âmbito da sociologia e psicologia. A primeira, explicando o ajustamento comportamental mútuo dos indivíduos, em benefício da manutenção de uma ordem social; a segunda, salientando os processos de conformidade, identidade e diferenciações pessoais e grupais, em meio à manutenção das individualidades. Assim, se define a socialização como o processo de se tornar membro de uma sociedade, referindo-se à aprendizagem das regras, crenças, proibições, valores e modos de comportamento compartilhados pelos grupos sociais. Analisa-se como o processo de socialização é efetivado e, para isso, apresenta-se o desenvolvimento do pensamento sobre a criança, ou seja, a compreensão histórica sobre as concepções da infância em nível internacional e nacional. Assim, mostra-se o processo de mudança nas concepções da infância, da ausência de percepção de singularidade da criança e a sua valorização como agente social, e os motores desta transformação pautados no desenvolvimento social, político e econômico da sociedade. Nesse aspecto, discutem-se os modelos de socialização ou tendências de ação dos agentes para gerenciamento e manutenção de comportamentos infantis, que têm, por base, percepções sobre a natureza do seu comportamento, disposições da criança e do agente e propósitos da sociedade, em consonância com as teorias que os geraram. Os modelos possibilitam perceber a compreensão do desenvolvimento psicossocial que o agente tem da criança e sua interação com o desenvolvimento psicossocial do próprio agente, para extrair decisões de ação. Destacam-se os modelos: “processo de modelagem”, que vê a criança como passiva, e que os pais devem direcionar seu comportamento; “laissez-faire”, concebe que a criança traz tendências inatas, os agentes devem oferecer um ambiente desestruturado para facilitar a livre expressão dessas tendências; “conflito”, baseado no embate entre a necessidade de realização de desejos pela criança e o controle e direcionamento deles pelos agentes; “mutualidade”, diz que a criança nasce pré-adaptada para as interações sociais, os agentes possibilitam sua participação, sendo sensíveis às suas sugestões; “bioecológico”, diz que a criança vive num sistema complexo, em que cada elemento da interação sistêmica é um contexto, devendo ser observado suas especificidades e interações recíprocas, a fim de extrair decisões comportamentais. Os contextos de socialização, ou seja, o lugar no qual as relações que possibilitam a socialização acontecem, foram discutidos com destaque para os contextos familiar, escolar, relações com pares e mídias sociais, cuja influência na vida das crianças é direta e imediata. Enfatizaram-se as características das relações em cada contexto e as possibilidades de desenvolvimento permitidas. Por exemplo, a família caracteriza-se pela proximidade e assimetria nas relações estabelecidas, alto grau de poder e responsabilização dos agentes no processo. Possibilita desenvolvimento da personalidade, responsabilidade social, competências cognitivas e afetivas, como oferta de proteção e segurança, suporte econômico, interpretação da realidade social, o conhecimento de papéis e hierarquias sociais. Já a escola se caracteriza pela formalidade, nas relações estabelecidas e papéis desempenhados, e na finalidade do processo que é a transmissão de conhecimentos culturalmente aprovados, capacidades cognitivas e habilidades 400 A socialização profissionais. A escola favorece ainda o desenvolvimento de normas sociais, de atitudes socioafetivas, responsabilidade, comparação e a diferenciação social. Os pares, por sua vez, caracterizam-se por aglutinar pessoas da mesma idade ou idades próximas, possuir regras próprias de organização social, relações baseadas na igualdade, tolerância mútua, interesses e preferências individuais. Possibilita, ainda, a aquisição da independência, da conformidade, lealdade e cooperação, liberdade de expressão, desenvolvimento do eu e autoapresentação. Analisa-se ainda o grau de aceitação entre os membros denominados de tipos sociométricos, considerando-se os meios de comunicação de massa, que se caracterizam pela utilidade, grau de interatividade, tempo de exposição, conteúdo e grau de realismo de seus produtos. Foram analisadas a televisão e as redes sociais, ambas ora consideradas vilões, ora mocinhos. O que determina uma ou outra qualidade, é o gerenciamento do conteúdo transmitido ou acessado, o tempo de exposição e o propósito de seu uso, que, quando monitorados em conformidade com as fases evolutivas e acompanhados seus efeitos, podem ser ferramentas úteis ao desenvolvimento dos usuários. Como possibilidades de desenvolvimento, destacam-se a formação de impressões sobre grupos sociais e da identidade, identificação, autorrepresentação e oportunidades de contato; como riscos ao desenvolvimento podem tornar os usuários vulneráveis a conteúdos impróprios, para a fase evolutiva em que se encontram. Para melhor compreender a socialização, o conhecimento dos valores e das crenças, bem como, das práticas educativas, utilizadas pelos agentes nas interações com as crianças, é um pressuposto necessário. Esses são os conteúdos do processo que orientam atitudes e ações dos agentes na formação de vários comportamentos; aqui, são considerados os que dão origem aos preconceitos e ao racismo. Os valores foram definidos como crenças relativamente estáveis de que um determinado modo de conduta ou finalidade de existência é desejável socialmente. As pesquisas se voltaram para a compreensão dos valores desejados para os filhos pelos pais, a correspondência entre valores dos pais e filhos e a associação com as práticas educativas parentais. Discutem-se os condicionantes dos valores pais/crianças, considerando fatores como: idade e gênero da criança, objetivos de socialização, modo de transmissão direta ou indireta, escolaridade dos pais e aspectos culturais dos grupos investigados. Os valores afetam o preconceito e a discriminação racial pelo seu aumento, particularmente, em desejar os valores da dimensão da realização para os filhos, que reduz a disposição de interação com minorias raciais e aumenta a discriminação desses grupos. A maior adesão aos valores da dimensão do universalismo leva ao favorecimento do negro. Já as crenças parentais foram definidas como conhecimentos, apoiados ou não em evidências, aos quais os pais conferem um valor de verdade. Os estudos nessa área preocuparam-se por entender o sistema de crenças dos pais, demonstrando que é formado por amplas categorias de crenças. No que concerne às relações entre grupos, observa-se a associação entre crenças das mães e a escolaridade, cor da pele, e o tipo de escola do filho, se integrada ou segregada, composição étnica, se de maioria branca ou negra. Com relação às crenças dos professores, ter formação em educação multicultural ou não, afeta as crenças deles, em relação aos grupos sociais. Psicologia social: temas e teorias 401 As práticas educativas são as ações empreendidas pelos pais no processo educativo com vista ao desenvolvimento e manutenção de comportamentos desejados. Elas estão vinculadas às crenças e aos valores parentais; organizam-se em diferentes tipologias, consoante o afeto envolvido e o controle dispensado, e produzem consequências comportamentais, cognitivas e sociais para a criança, condicionando as reações mútuas na interação pais/filhos. No campo intergrupal, as práticas são afetadas pela identidade e a cor da pele da mãe. O uso da prática de autonomia, pelas mães pardas e pretas, somada à sua identidade positiva, pode levar os filhos a expressarem atitudes positivas em relação ao próprio grupo de pertença. O estudo das práticas associados ao contexto intergrupal tem ampliado seu escopo, para a compreensão das ações específicas dos pais, em contextos de preconceito e discriminação. Os estudos sobre socialização têm analisado as mensagens de pais negros e brancos, em relação a como lidam com questões raciais, ou atuam mediante a experiência da discriminação sofrida ou percebida pelos filhos, denominados de socialização étnico-racial. Os estudos caracterizam as mensagens de pais negros quanto à forma de transmissão se verbal ou não verbal, se intencional ou não. Quanto ao conteúdo, podem incluir: a) ênfase no orgulho étnico, tradições e história (socialização cultural); b) conscientização sobre a existência do preconceito e discriminação (preparação para o preconceito); c) emissão de avisos e advertências sobre outros grupos étnicos, ou sobre relações intergrupais (inculcação da desconfiança); e d) ênfase na necessidade de valorizar todos os grupos étnicos (igualitarismo). Estudos recentes têm incluído novas dimensões de socialização étnico-racial. Uma delas é a do silêncio, caracterizada pela ausência de menção dos agentes a assuntos relacionados à raça, racismo ou desigualdade social, em diálogos com a criança; e a da cegueira da cor (color blind), inspirada nos estudos de Bonila Silva, afirmam que a cor da pele não importa (Hughes, Harding, Niwa, Toro, & Way, 2017). Os estudos com pais brancos seguiram a metodologia semelhante à adotada nos estudos com pais negros; a socialização étnico-racial de pais brancos caracteriza-se pela ênfase na relação cor e poder. Dois padrões de mensagens práticas são comuns entre os pais brancos: o primeiro refere-se ao uso de mensagens evasivas (color blind) quando falam sobre cor, raça, e o segundo seria o incentivo ao contato intergrupal. Os estudos com pais negros mostram efeitos diferenciais da socialização étnica nas crianças, condicionados pela idade, gênero, local de residência, experiência de racismo e escolaridade dos pais. O uso da socialização cultural promove o fortalecimento da identidade de crianças e jovens e modos mais adaptativos de reação ao racismo. No Brasil, os estudos têm se concentrado nos efeitos da socialização, na identidade com resultados semelhantes aos de outros países, no que concerne aos efeitos da socialização cultural. Os estudos sobre socialização étnico-racial têm se expandido e investigado outros agentes, como professores, pares e a mídia. Com relação aos professores, observa-se que a prática da socialização étnico-racial por eles fortalece a identidade das crianças e jovens; entretanto, ocorre em baixos níveis, sendo atribuídas a dificuldades na formação dos professores e à crença de que não é responsabilidade da escola lidar com aspectos raciais dos estudantes e, ainda, à valorização da dimensão pedagógica em detrimento da humana. Os professores que tendem a socializar 402 A socialização mais os estudantes são aqueles que consideram a cor da pele importante, ou seja, que têm identidade étnico-racial positiva. Já os pares são vistos como fonte de apoio social e as mensagens de socialização étnica dos pares estão associadas a formas adaptativas de lidar com a discriminação. A socialização étnico-racial foi analisada pela influência da mídia virtual na socialização para o grupo dos brancos. Foi verificado que a mídia virtual reproduz a ideologia hegemônica branca, podendo produzir relacionamentos étnico-raciais segregados no meio digital, que são consubstanciados no meio offline. Por outro lado, os meios digitais fomentam a visibilidade de temas tabus, das diferenças e diversidades identitárias que, se analisados criticamente, podem denunciar e desnaturalizar preconceitos. Na análise da influência da televisão no comportamento intergrupal, assumiu-se sua importância na transmissão de estereótipos e formação de impressões enviesadas sobre os grupos, por exemplo, sobre padrões tendenciosos de beleza, ênfase no protagonismo branco, presente na representação dos brancos por personagens em posição valorizada e os pretos e pardos desempenhando papéis subalternos. É possível perceber, na discussão travada no capítulo, que a socialização é um construto social importante na investigação da compreensão dos processos de inserção da criança na realidade social. Os estudos sobre socialização possibilitam a compreensão sobre a formação de atitudes e comportamentos na criança e a interação com agentes de socialização, no alcance de metas de socialização. Pesquisas sobre socialização étnico-racial contribuem para desvelar o impacto adverso da discriminação, além de fatores de risco e proteção associados a pertencer a minorias étnicas e raciais. A socialização étnico-racial está associada a uma ampla gama de aspectos de desenvolvimento, necessitando de mais estudos sobre seus impactos, nos diferentes estágios da vida, e a implicação dos diferentes agentes. Por exemplo, estudos têm tendido a se concentrar no papel dos pais, entretanto, abranger os professores, pares e a mídia, contribuirá para a compreensão da natureza cada vez mais diversa da estrutura e relacionamentos em contextos sociais mais alargados. Abordar essas lacunas na literatura contribui no esclarecimento das maneiras pelas quais populações diversificadas étnica e racialmente ajustam-se frente a experiências de discriminação. SUGESTÃO DE FILMES E LITERATURA SOBRE O TEMA: Filmes: • Capitão fantástico (2016) Direção: Matt Ross. (Conta a história de um pai que cria seus filhos num modo alternativo de educação, utilizando práticas nada tradicionais). • Separados, mas iguais (1991) Jeorge Stevens Jr. (Conta um caso judicial de segregação de estudantes negros e brancos nas escolas públicas). • Alguém falou de racismo (2002). Daniel Caetano. (Conta a história de um episódio de racismo ocorrido na escola que leva um professor a praticar socialização étnico-racial com os estudantes). Psicologia social: temas e teorias 403 Literatura: • Contos Africanos: Histórias dos Povos de Língua Portuguesa (David Santos, Zangu Cultural, 2016). • A infância e sua educação: Materiais, práticas e representações (Portugal e Brasil) (Luciano Mendes de Faria Filho, Autêntica, 2004). • Por que somos de cores diferentes? (Carmen Gil, Girafinha; 1ª edição, 2006). Sites: https://www.baoba.org.br https://vladimirherzog.org/ CAPÍTULO 12 PRECONCEITO Marcus Eugênio Oliveira Lima INTRODUÇÃO No quarto episódio da primeira temporada da série de TV “100 humanos”, é possível ter uma visão panorâmica sobre como os preconceitos se constroem e se expressam. Os apresentadores fazem uma série de perguntas para cem pessoas comuns, de vários grupos sociais, que participam de “experimentos” psicossociais. Dos 100 participantes, 80 acreditam ser mais inteligentes que os demais, 84 dizem ser mais honestos, 94 afirmam ser mais tolerantes que os outros. No entanto, em simulações de situações reais, os 100 participantes demonstram evitarem outros indivíduos que não são parecidos com eles, por possuírem certos estigmas sociais (tatuagens, velhice e obesidade). Considerando a distância mantida em interações com pessoas representantes desses três grupos estigmatizados, os organizadores da pesquisa observaram que pessoas que não usam tatuagens, em comparação com pessoas que usam tatuagens, se mantêm fisicamente mais distantes de pessoas tatuadas. No entanto, os mais jovens mantiveram interações mais próximas com pessoas idosas do que os mais idosos o fizeram e não houve diferenças nas distâncias físicas nas interações entre obesos e não obesos na relação com um obeso. Noutra tarefa, quando deveriam compor casais a partir da escolha de pares entre seis pessoas que já possuíam relacionamentos amorosos, três de sexo masculino e três de sexo feminino, 99 dos 100 participantes só 406 Preconceito foi capaz de compor casais heterossexuais, apenas uma senhora conseguiu acertar os dois casais homossexuais do grupo. Não obstante, numa tarefa anterior, 90% deles houvesse afirmado que aprovavam o casamento homossexual. O que essas “distâncias” e “escolhas” nos ensinam? Primeiro, que o preconceito é muito mais sentido e expresso do que conscientemente reconhecido. Segundo, que ele varia de pessoa para pessoa e se expressa em níveis diversos contra minorias diversas. Terceiro, que ele depende dos grupos aos quais pertencemos e da sua “afinidade” em relação aos grupos aos quais os outros pertencem. E, finalmente, que os nossos preconceitos se expressam em muitos planos ou dimensões, desde a distância física até o “falar mal”; interferindo, em seguida, nas nossas escolhas e visões de mundo, para chegar, muitas vezes, à exclusão e até extermínio do outro. Mas, o que é preconceito? Você acha que tem algum preconceito? Seus amigos são preconceituosos? O Brasil é um país com muitos preconceitos? É possível combater os preconceitos ou eles são inevitáveis? O preconceito é algo que você, individualmente, pode controlar, ou você não tem controle sobre ele? Como podemos “medir” os preconceitos? Qual a relação entre o preconceito e outros fenômenos, como estereótipos, discriminação, racismo e exclusão social? Neste capítulo tentaremos responder a essas questões, apresentando algumas das principais visões, teorias e evidências de pesquisa da psicologia social sobre o fenômeno do preconceito. Conscientes da impossibilidade de, em um único capítulo, falarmos sobre todas as formas ou tipos de preconceito, abordaremos mais em profundidade um caso típico, o preconceito racial, e remeteremos o leitor a outras fontes que abordam outros tipos de preconceito. 12.1 O QUE É PRECONCEITO Existem muitas e diversas definições do preconceito. Em um dicionário comum da língua portuguesa ele é concebido como um “juízo de valor preconcebido sobre algo ou alguém”; ou como “opinião ou pensamento acerca de algo ou de alguém, construída a partir de análises sem fundamento, conhecimento nem reflexão”; “repúdio demonstrado ou efetivado através da discriminação de grupos religiosos, pessoas, ideias”; “comportamento que demonstra esse repúdio ou aversão”. Essas noções repousam na etimologia da palavra “preconceito”, que seria um pré + conceito.1 As palavras-chave nessas várias noções do preconceito na língua portuguesa são: juízo, opinião ou pensamento, repúdio e comportamento. Ou seja, coexistem no preconceito elementos de pensamento (opinião, juízos), dos afetos ou emoções (repúdio) e das ações (comportamento); sendo, portanto, um fenômeno de múltiplas dimensões. Essa é, quase exatamente, a forma como a psicologia social define uma atitude (ver Capítulo 4 deste Manual para uma revisão). Nessa disciplina, o preconceito é definido como uma atitude, uma atitude hostil contra um indivíduo, simplesmente porque ele pertence a um grupo desvalorizado socialmente (Allport, 1979, p. 7): “Uma 1 https://www.dicio.com.br/preconceito/. Psicologia social: temas e teorias 407 atitude de prevenção ou de hostilidade dirigida a uma pessoa que pertence a um grupo simplesmente porque ela pertence àquele grupo, e se presume que possua as qualidades desagradáveis desse grupo”. Preconceitos são atitudes e, como tais, se constituem em julgamentos antecipados que têm componentes cognitivos (as crenças e os estereótipos), afetivos (antipatias e aversões) e disposicionais ou volitivos (tendências para a discriminação) (ver Figura 1). Seguindo a lógica dessa definição e considerando que existem vários grupos socialmente desvalorizados, podemos ter tantos tipos de preconceito quantos pertencimentos a grupos minoritários houver na estrutura de poder (e.g., preconceito contra as mulheres ou sexismo, preconceito contra os homossexuais ou homofobia, contra transsexuais ou transfobia, preconceito contra os velhos ou idadismo, preconceito contra pessoas gordas, preconceito contra pessoas com deficiências físicas e/ou mentais, preconceito contra os nordestinos, contra os ciganos etc.). Figura 1 – Esquematização das dimensões do preconceito entendido enquanto atitude (retirada de Lima, 2020, p. 20). Há duas diferenças importantes entre a noção mais popular do preconceito, aquela expressa nos nossos dicionários da língua, e a noção psicossocial. Vimos que o dicionário afirma que o preconceito é algo não racional, construído “a partir de análises sem fundamento, conhecimento nem reflexão”. Na psicologia social são destacados, além dos aspectos não conscientes e muitas vezes não racionalizados do fenômeno, seus aspectos estratégicos, racionais e táticos, responsáveis pelo estabelecimento, justificação e manutenção de hierarquias de poder, status e privilégios entre os grupos. A outra diferença é a de que, para a psicologia social, há formas mais justificáveis de preconceito do que outras, uma vez que o preconceito é entendido como uma norma social (Crandall, Eshleman, & O´Brien, 2002). Por exemplo, não gostar de alguém porque ele/ela é um neonazista é muito mais aceitável que ter preconceito contra os homossexuais. Por isso, para a psicologia social, o preconceito é mais que um “pré + conceito”, pois reflete não somente a atitude de um indivíduo, mas as posições e normas de grupo numa estrutura sociorrelacional. A esse respeito, cabe destacar a definição de preconceito formulada por Jones (1972), que recebe a influência dos processos de comparação social e relaciona o preconceito à discriminação: 408 Preconceito O preconceito é uma atitude negativa dirigida a uma pessoa ou a um grupo, que resulta de uma comparação social na qual o indivíduo (preconceituoso) ou o seu grupo de pertencimento é tomado como referência positiva. A manifestação comportamental do preconceito é a discriminação – as ações realizadas para preservar ou criar vantagens de um grupo em detrimento dos membros do grupo de comparação (Jones, 1972, p. 3-4). O leitor deve se lembrar que no referido episódio dos “100 humanos” os tatuados tinham menos preconceito contra o seu grupo que os não tatuados. Esse aspecto é destacado na definição de preconceito de Muzafer Sherif (1967). Para esse autor, o preconceito é produto do pertencimento a um grupo social. Ou seja, aprendemos com nossos pares e pessoas referenciais de nossos grupos contra quem ter e de que modo expressar o preconceito. O preconceito, nessa perspectiva, é entendido como uma norma social de conduta compartilhada, que é mais aceita por alguns membros que por outros, mais interiorizada para alguns e mais rejeitada por outros. Isso nos ajuda também a entender porque houve tanta variação nos comportamentos dos 100 participantes daquele episódio. Ao longo dos anos, as definições do preconceito na psicologia social foram se tornando mais completas, reconhecendo no fenômeno, além dos seus aspectos mais cognitivos, os emocionais, e além dos seus aspectos mais conscientes, os não conscientes ou automáticos (Duckitt, 1992, 2001). No final da década de 1990, assiste-se a uma superação do primeiro desses aspectos, com a ênfase crescente sobre o papel das emoções no preconceito. É assim que Brown (1995, p. 8), formula a seguinte definição do preconceito: “um conjunto de atitudes sociais de inferiorização ou de crenças depreciativas, a expressão de afetos negativos, ou a expressão de comportamentos hostis ou discriminatórios contra membros de um grupo e por causa do seu pertencimento a esse grupo”. Entretanto, de forma geral, as mais atuais definições do preconceito baseiam-se em Allport e refletem uma forte influência da cognição social, uma vez que concebem este fenômeno como um erro cognitivo. Augoustinos e Reynolds (2001) sintetizam o conteúdo das modernas definições do tema e pontuam dois aspectos principais no modo como o preconceito é definido: a) uma orientação negativa em relação a membros de determinados grupos; e b) algo que é aversivo, não justificado, irracional, errado e inflexível. Alguns autores acrescentam a essa noção de preconceito seu caráter racional e estratégico, definindo-o como uma decorrência de relações assimétricas de poder entre os grupos sociais (e.g., Billig, Condor, Edwards, Gane, Middleton, & Radley, 1988; Operario & Fiske, 1998; Vala, Brito, & Lopes, 1999). Ou ainda como “uma atitude de nível individual (subjetivamente positiva ou negativa), dirigida a grupos e a seus membros, que cria ou mantém relações de status hierárquicos entre os grupos” (Dovidio, Glick, & Rudman, 2008, p. 7). Ou, mais recentemente, como “aquelas ideologias, atitudes e crenças que ajudam a manter e legitimar hierarquias e explorações nas relações grupais” (Sibley & Barlow, 2018, p. 1). Psicologia social: temas e teorias 409 Tais perspectivas situam o preconceito no campo das relações de poder entre os grupos, de forma a considerar que não é porque os outros são diferentes que não gosto deles, mas, ao contrário, não gosto deles e é por isso que os percebo como diferentes de mim: Na nossa perspectiva, não é o processo de construção da identidade ou o processo de categorização que geram discriminação e preconceito. O que parece ser bastante plausível é que estes processos reflictam as relações sociais onde ocorrem e que, consequentemente, as legitimem, quer através da idealização do endogrupo, quer através da construção de uma imagem negativa sobre exogrupos relevantes. (Vala, Brito, & Lopes, 1999, p. 13-14) Como já havia referido Jean-Paul Sartre (1944/1968, p. 8), no seu livro Raça e História: “Longe da experiência engendrar a noção de judeu, é esta, ao contrário, que ilumina a experiência; se o judeu não existisse, o anti-semita inventá-lo-ia”. Sabemos que existem muitos tipos de preconceitos. Cabe, portanto, indagar se uma única definição seria capaz de nos fazer entender as múltiplas manifestações do fenômeno. Ou seja, se ela nos ajuda a conceber o preconceito de cor, de gênero, de orientação sexual, de idade, de religião, dentre outros. Não obstante cada tipo de preconceito ter suas especificidades, alguns elementos são comuns a todas as formas: a) a ênfase ou a construção das diferenças entre os grupos e a sua e hierarquização (“eles são diferentes e nós somos melhores que eles”); b) os sentimentos e emoções negativas contra alguém, simplesmente porque pertence a outro grupo (“não gosto/tenho pena/nojo/raiva/medo... deles”); c) a uniformização ou homogeneização dos membros do grupo, alvos de preconceito (“eles são todos iguais”); e d) uma resistência cognitiva e social à desconfirmação das crenças e expectativas negativas em relação a esse grupo, mesmo quando as evidências favoráveis ao grupo são fortes (“as exceções confirmam a regra”). Sumarizando este tópico, podemos dizer, juntamente com Lima (2020), que três aspectos principais do preconceito são destacados na psicologia social: 1) o preconceito é simultaneamente individual e grupal, sendo necessário considerar seus diversos níveis de manifestação; 2) o preconceito é contextual, pois trata-se de uma “atitude-em-contexto” (Eagly & Diekman, 2008), influenciada pelas normas sócio-históricas vigentes e pelos interesses envolvidos nas relações; e 3) o preconceito é relacional, pois depende do tipo de minoria envolvida e da distribuição de poder nos planos interpessoal e intergrupal da relação estabelecida. No Quadro 1 é apresentada uma síntese das várias definições de preconceito na psicologia social, considerando os aspectos mais enfatizados em cada uma delas. 410 Preconceito Quadro 1 - Definições de preconceito na Psicologia Social segundo a ênfase em aspectos identitários ou hierarquias de poder (retirado de Lima, 2020, p. 28) 12.2 DE QUEM É O PROBLEMA? Até então procuramos definir o preconceito à luz da psicologia social. No entanto, antes de prosseguirmos, é preciso destacar ainda um aspecto do fenômeno que interfere decisivamente na sua percepção. Mais cedo referimos que o preconceito é muito mais sentido e expresso do que reconhecido. Trata-se de um aspecto essencial na análise, o preconceito é um tema árduo de abordar, um fenômeno escorregadio para se detectar e um crime difícil de coibir, porque raramente é assumido. Nas discussões cotidianas ele aparece como algo da ordem do indesejável, do “feio” e condenável, quase sempre como um problema do outro, seja o outro vítima, seja o outro autor, Psicologia social: temas e teorias 411 raramente como um problema do sujeito da fala. Mas, será o preconceito apenas um problema do outro? E quem é esse outro? Vamos começar ouvindo o que tem a dizer um brasileiro de classe média alta, branco e de sexo masculino: Sou um pequeno empresário, residente nos EUA. Viajo a negócios para vários países. Até o ano de 2000 eu usava passaporte brasileiro. Ao entrar na Europa via Portugal, Espanha ou Itália, era sempre a mesma história: perguntas e mais perguntas sobre meu destino, hotel, quantidade de dólares etc. A partir de 2001, passei a usar passaporte americano. Por coincidência, nunca mais, em dezenas de viagens à Europa, fui questionado por qualquer autoridade imigratória. Minto, fui questionado uma vez, numa viagem Atlanta/Milão, por distração, apresentei o passaporte brasileiro. O agente ficou surpreso quando viu que eu era brasileiro, perguntando por que eu estava entre os americanos, quanto dinheiro trazia, quanto tempo ia ficar etc. (Folha online, 07/03/2008). Não será difícil ao leitor imaginar como esse mesmo empresário seria tratado se, além de brasileiro, fosse mulher, negro, mulato, índio ou transexual. Vários estudos mostram que há no Brasil muito preconceito e discriminação contra negros, mulheres, índios, homossexuais, idosos, pessoas gordas, evangélicos, umbandistas, dentre outros grupos minoritários. Se você não pertence a nenhuma dessas categorias sociais, para descobrir o nível do preconceito basta entrar em um espaço em que as pessoas não se preocupam muito com o “politicamente correto”, como em comunidades virtuais, e procurar posts sobre elas. Um mapeamento de discursos presentes no Facebook entre dezembro de 2015 a fevereiro de 2016, indicou que os homossexuais eram associados à promiscuidade, violência doméstica e pedofilia, havendo comentários abertamente homofóbicos que eram muito compartilhados e curtidos (Silva, 2016). Outro estudo, indicou que 67% de uma amostra de estudantes referiu que foram alvo de cyberbullying homofóbico na adolescência e 34% admitiram ter postado pelo menos uma vez uma comunicação de teor homofóbico (Magalhães, Cameira, Rodrigues, & Nogueira, 2019). A violência preconceituosa explícita não está circunscrita apenas às comunidades virtuais. Entre janeiro e maio de 2019, foram assassinados em nosso país 141 homossexuais (Sousa & Arcoverde, 17/05/2019).2 Somos campeões mundiais em homicídios contra gays.3 Somente em 2007, 76 pessoas foram assassinadas por serem indígenas e, 2019, foi o ano que mais se matou lideranças indígenas no Brasil moderno.4 No pri2 https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/05/17/brasil-registra-uma-morte-por-homofobia-a-cada-23-horas-aponta-entidade-lgbt.ghtml 3 https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-homossexuais-no-mundo 4 https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/12/10/mortes-de-liderancas-indigenas-batem-recorde-em-2019-diz-pastoral-da-terra.ghtml 412 Preconceito meiro semestre de 2020, foram assassinadas 648 mulheres por motivação relacionada ao gênero (feminicídio). Em 2017, o Brasil ocupava a 7ª posição no ranking mundial de feminicídios, em 2019 já ocupava o 5º lugar (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos – ACNUDH). Há mais mortalidade infantil entre os negros do que entre brancos. Uma mulher negra recebe, em termos de salário, pouco mais da metade do que recebe uma mulher branca e menos a metade do que recebe um homem branco, mesmo em estratos de mesma escolaridade (Mendonça, 13/11/2019).5 Seriam muitos os dados, acreditamos que esses já são suficientes para situar o preconceito como problema de todos nós e entendermos que é importante para estudantes, cientistas sociais e cidadãos comuns informarem-se melhor sobre as lógicas de operação e modos de controle desse fenômeno. Vamos, a partir de agora, tentar entender como se constroem os preconceitos. 12.3 A FORMAÇÃO DOS PRECONCEITOS No tópico anterior, vimos que existem muitas definições de preconceito e que é nuclear à maioria delas a noção do preconceito como um julgamento desfavorável, feito antes de um exame ponderado e mantido rigidamente mesmo quando as evidências o invalidam (Williams Jr., 1996). Mas será que sempre existiu e existirá preconceito? Todas as culturas e sociedades são preconceituosas? Todas as pessoas são preconceituosas? Todos possuem preconceitos na mesma intensidade? Estamos diante de questões fundamentais, que carregam implicações ou consequências da máxima importância ética e política. Se o preconceito sempre existiu, então ele sempre existirá. Se ele existe em todas as culturas, então todos possuem preconceitos. Se todos são “imanentemente” preconceituosos, então não há o que fazer e talvez estejamos perdendo nosso tempo neste texto. Vamos, então, analisar aspectos da formação, função e manutenção dos preconceitos. O passo inicial para responder a tais questões é o de entender as origens do preconceito. As explicações para a origem do preconceito vêm, sobretudo, da sociobiologia, da antropologia e da história. Na análise psicossocial das causas do preconceito, conforme Lima (2020), são considerados desde seus aspectos individuais (fisiológicos, neurológicos, afetivos e cognitivos), até os aspectos coletivos das relações entre grupos (poder, conflitos, ideologias e normas). 12.3.1 CAUSAS BIOLÓGICAS Na perspectiva da sociobiologia, afirma-se que o preconceito surge das relações de conflito e ódio entre os grupos, e que essas relações se caracterizam por três aspectos constitutivos da evolução das espécies: a) aptidão para a inclusão; b) tendência à criação de sistemas de autoridade; e c) hostilidade intergrupal (Fishbein, 2004). A aptidão 5 https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/12/politica/1573581512_623918.html Psicologia social: temas e teorias 413 para a inclusão prevê que os membros de uma comunidade tendem a preferir seus parentes em detrimento dos outros. Estudos nessa perspectiva demonstram que os primatas são evolutivamente predispostos ao favorecimento endogrupal, ou seja, do seu grupo de pertencimento, e que, na ausência de recursos materiais, podem apresentar antagonismo contra o grupo dos outros (exogrupos). Algo semelhante aconteceria com os seres humanos que, devido às suas necessidades adaptativas, se organizam em sistemas hierárquicos de autoridade, sendo esses sistemas os responsáveis pela difusão, aceitação e interiorização de crenças, valores e atitudes, dentre as quais estaria o preconceito. De modo que, a criação de sistemas de autoridade seria a principal causa genético-evolutiva do preconceito contra outros grupos (Fishbein, 2004). A hostilidade intergrupal, por sua vez, está evolutivamente ligada, de forma primária, à busca de proteção das fêmeas e dos jovens do grupo e, secundariamente, ao controle da alimentação e à busca de coesão grupal. Estudos feitos com macacos, bem como inferências acerca de tribos humanas de caçadores e coletores, indicam que a hostilidade intergrupal é mais forte entre os machos que entre as fêmeas (Fishbein, 2004). Seguindo ainda uma perspectiva evolucionista, biológica, de análise das causas do preconceito, é preciso considerar que se ficássemos, enquanto espécie, restritos às três necessidades referidas: aptidão para a inclusão, tendência à criação de sistemas de autoridade e hostilidade intergrupal, perderíamos outro aspecto fundamental na adaptação e sobrevivência: a variabilidade genética. Essa necessidade produz no ser humano a busca de contatos fora dos grupos mais restritos de pertencimento, ou seja, relações intergrupais de amizade e amor, o que alimentaria outra força, também de origem biológica, de atratividade do exogrupo, a qual se contrapõe às forças que produzem preconceito e hostilidade para com o diferente. Tal ambivalência de impulsos e necessidades estaria na base das ambivalências entre amor e ódio que os preconceitos muitas vezes carregam. Contudo, a visão dominante na sociobiologia do preconceito advoga a favor da existência de uma base evolucionária, enraizada nas necessidades de sobrevivência, para o preconceito e a discriminação entre os seres humanos (Fishbein, 2002, 2004). Aprofundando essa perspectiva, Pierre van den Berghe refere a necessidade de considerar, ao mesmo tempo, os aspectos objetivos ou biológicos e os subjetivos ou culturais das relações raciais e étnicas. Ele defende que no âmbito da chamada “aptidão para incluir”, os animais, dentre eles os seres humanos, preferem incluir os parentes ou os geneticamente mais parecidos e excluir os diferentes (van den Berghe, 1978). Tal “aptidão biológica” (objetiva), se baseia numa expectativa psicológica (subjetiva), que pode ser assim expressa: as semelhanças aparentes (físicas) entre parentes consanguíneos significam que eles têm valores, crenças e comportamentos semelhantes (cultura), o compartilhamento desses atributos conduz à maior preferência por eles. Seguindo essa lógica argumentativa, o autor afirma que apenas em sociedades em que houve pouca ou nenhuma miscigenação é que se sustentam formas mais flagrantes e violentas de preconceito racial ou étnico, como na África do Sul e nos Estados Unidos. Em sociedades miscigenadas esse preconceito seria menor. Mas será mesmo assim? 414 Preconceito Freud já nos ensinava que para entender a filogênese é importante analisar a ontogênese. Nesse sentido, estudos sobre as causas do preconceito na infância podem nos ajudar a entender melhor as causas do fenômeno. 12.3.2 CAUSAS ONTOGENÉTICAS Como descrito no capítulo de Dalila França, neste livro, muitas pesquisas mostram que, por volta dos três anos de idade, as crianças já conseguem perceber-se como fisicamente distintas de outras e já apresentam consciência da sua pertença a um determinado gênero e etnia. Além disso, a partir dessa idade, as crianças já são capazes de apresentar a competência cognitiva da constância racial e de raciocinar em uma lógica de tipo essencialista, concebendo que há invariantes nos pertencimentos sociais que os tornam análogos a pertencimentos naturais. Crianças por volta dos três e quatro anos de idade afirmam que um tigre permanece tigre mesmo que seja alterada a aparência do animal, colocando, por exemplo, uma roupa de leão nele ou quando ele nasce albino (Hirschfeld, 1998). Não obstante tais achados da psicologia do desenvolvimento, não há evidências empíricas sobre simbolismo da cor ou atitudes preconceituosas em crianças de menos de três anos de idade e, mais importante, a evidência empírica encontrada demonstra que o preconceito de gênero em crianças pré-escolares, avaliado em atividades de escolha de bonecas, é mais forte que o de cor (Katz, 1976). França e Monteiro (2004) demonstram que, à medida que as crianças vão evoluindo cognitivamente elas vão se tornando mais capazes de aceitar e interiorizar as normas dos seus grupos em relação ao tratamento de outros grupos, seja de forma mais explícita e direta, seja de forma mais implícita e indireta. Além de tais evidências nos estudos sobre desenvolvimento infantil contra a hipótese de uma tendência biológica ao preconceito, existem as evidências da antropologia e da história. Ashley Montagu, em uma perspectiva antropológica, afirma que, embora não se possa negar a existência de uma agressividade inata e universal na espécie humana, o objeto contra o qual essa agressividade será dirigida é definido pelas condições particulares de cada contexto, de tal modo que a agressividade comum a todos os seres humanos não seria o motivo do preconceito racial, mas apenas a energia emocional que o alimenta quando encontra as condições necessárias para tal. O autor foi um dos primeiros e mais importantes críticos da ideia de raças humanas. Para ele não existe nenhuma conexão entre comportamentos, traços mentais e raça. Em 1942, época do nazifascismo, ele escreveu um importante livro intitulado Man’s Most Dangerous Myth: The Fallacy of Race, que teve papel decisivo nos movimentos antirracistas capitaneados pela UNESCO a partir da década de 1950 (Chor Maio & Ventura Santos, 2015). Na perspectiva da história, Frank Snowden, realiza uma série de estudos em que demonstra que na antiguidade, nos contatos entre gregos, romanos e etíopes, não havia preconceito de cor. Relatos de poetas e historiadores da época, tais como Hesíodo, Xenófanes e Heródoto, retratam um povo de pele negra, vivendo ao sul, com nariz Psicologia social: temas e teorias 415 largo e cabelos enrolados, que, não obstante todas as diferenças físicas em relação aos gregos, era percebido como sábio, guerreiro, justo e belo (Snowden, 1995). Mesmo quando as relações entre esses grupos passam a ser de conflito e guerra, as imagens positivas permanecem, não havendo na antiguidade clássica o que hoje chamamos de uma “linha de cor” separando os grupos humanos (Snowden, 1983). As diferenças em termos de cor da pele, costumes e vestimentas eram explicadas pelos gregos com base em uma teoria ambientalista, afirmando que os povos do sul, que viviam em regiões ensolaradas, eram diferentes por causa do clima e das condições geográficas. Mesmo no início da era cristã a imagem dos negros permanece positiva. Apenas na época da Patrística, início da Idade Média, é que começa a ser construído no seio da Igreja Católica um simbolismo que assimila o mal e demoníaco à cor negra e a virtude e o divino à cor branca (Snowden, 1995). Há, entretanto, divergências sobre se a Igreja Católica foi precursora do preconceito contra os negros. Fredrickson (2004), outro importante historiador do racismo, afirma que o mundo islâmico precedeu o mundo cristão na representação dos africanos subsaarianos como os descendentes de Cam, povo que foi amaldiçoado e condenado à servidão perpétua por causa das más ações de seu antepassado. Consensual entre os historiadores é o fato de que o preconceito de cor surgiu apenas no fim da Idade Média e início da Modernidade, no âmbito dos interesses comerciais de uso de escravos negros. A partir de então, surgiu e, progressivamente, se espraiou, uma associação da cor negra com a servidão, o que tornou mais fácil tratar os negros com a brutalidade típica e necessária desse modo de produção. 12.3.3 CAUSAS COGNITIVAS A psicologia cognitiva também produz uma teoria sobre a gênese dos estereótipos e do preconceito. Essa perspectiva afirma que na busca cotidiana de conhecimento tendemos a agrupar os objetos físicos e sociais em categorias, em função da sua semelhança e/ou função. Quando formada, a categoria satura tudo que contém em um mesmo conteúdo ideativo e emocional (Allport, 1979). Ou seja, os elementos que pertencem a uma mesma categoria passam, de acordo com esse processo, a ser mais percebidos como semelhantes entre si e os que não pertencem, como mais diferentes. Henri Tajfel (1983) aperfeiçoa essa ideia, na formulação da sua Teoria da Identidade Social, afirmando que, quando o pertencimento a um grupo ou categoria social está interligado com alguma dimensão avaliativa, cria-se uma tendência a ampliar a percepção das diferenças do grupo em relação a outros grupos naquela dimensão avaliativa, e a minimizar as diferenças internas ao grupo em relação à mesma dimensão. Por exemplo, os gays são frequentemente associados à promiscuidade sexual (dimensão avaliativa), de tal forma que basta alguém ser categorizado como “gay” para que se imagine que ele é muito semelhante a todos os outros gays em sua promiscuidade, e muito diferente dos heterossexuais neste aspecto. Ainda que, na realidade, haja proporcionalmente tantos gays quanto heterossexuais promíscuos. 416 Preconceito Ao longo da nossa vida, nos inserimos em inúmeros grupos sociais, mas há alguns que são mais significativos para nós do que outros. Dessa forma, o universo cognitivo das pessoas é povoado por categorizações sociais mais importantes ou centrais e por outras mais periféricas. Todos esses pertencimentos desempenham um papel na autodefinição ou identidade pessoal de cada um de nós, passando a ser “nomes coletivos” que nos significam. Uma vez construída uma categoria ou rótulo, criam-se lógicas de potencial indutivo e de inalterabilidade para essa categoria (Rothbart & Taylor, 1992). Por causa desse processo, quando conhecemos um caso particular de pertencimento a uma categoria é como se soubéssemos de todos os casos. Uma vez pertencendo a uma categoria, raramente se consegue deixar de pertencer a ela. Os judeus, mesmo quando assimilados pelo Catolicismo, não eram considerados cristãos, mas “cristãos novos”. Os pobres que repentinamente se tornam ricos são definidos como “emergentes” e não como ricos. Na Europa, mesmo que um filho de imigrante tenha nascido em solo europeu é chamado de “imigrante de segunda geração”; seus filhos serão os “imigrantes de terceira geração”. Essa forma de lógica, que naturaliza a diferença, é estudada na psicologia social por vários autores no âmbito das teorias sobre o “essencialismo” (Hirschfeld, 1998; Haslam, 1998; Haslam, Rothschild, & Ernst, 2000). Nas explicações apresentadas sobre as causas do preconceito, nota-se que um elemento comum é a suposição de que o conflito entre grupos acompanha a história do homem, mesmo antes de este poder ser assim definido. Também parece ser ponto pacífico nessas discussões que a percepção de alguma diferença, nas comparações com o outro, seja de origem, de aparência, de crença ou de cultura, desempenha um papel importante na produção do preconceito. No entanto, o modo como se dá a passagem do conflito interespecífico e da percepção da diferença para o preconceito, está longe de ser consensual. Por que escolhemos uns grupos para discriminar e outros não? Por que às vezes somos cegos para a cor, como na antiguidade clássica, e outras vezes a cor nos cega? Finalmente, quem define o que é diferente, quando, como e por que a diferença faz diferença? No próximo tópico focaremos nossa análise nas teorias da psicologia social sobre os preconceitos. 12.4 A TEORIZAÇÃO SOBRE O PRECONCEITO NA PSICOLOGIA SOCIAL As diversas teorias e aportes para explicar o preconceito têm sido dominantes em diferentes períodos históricos, quando emergem questões sociais e políticas que definem certas visões de mundo e de homem. No Quadro 2, podemos ver uma esquematização da relação entre os contextos históricos, as definições de preconceito e as explicações dominantes para o tema na psicologia social. Não obstante seja uma análise que se aplica ao preconceito racial e que foi construída no solo da psicologia estadunidense, consideramos que alguns elementos mais comuns do fenômeno podem nos ajudar a entendê-lo de forma mais ampla e em outros contextos. Importante referir ainda que a ênfase no preconceito étnico e racial, que se notará em grande parte das teorias que apresentaremos, deve-se ao fato de que, até a década de 1960, o precon- Psicologia social: temas e teorias 417 ceito contra outras minorias, a exemplo do gênero e da orientação sexual, ainda não era objeto de preocupação social e, portanto, de estudo na psicologia. Até 1920, imperava a “Psicologia da Raça”, que propunha a defesa das hierarquias raciais, inclusive recebendo suporte da psicologia através dos testes de inteligência.6 Nas décadas de 1920 e 1930, o preconceito passou a ser considerado como irracional e injustificável, começando a se constituir em um problema de pesquisa, sobretudo para mensurá-lo. Nas décadas de 1930 e 1940, as análises procuram identificar os processos universais que subjazem ao preconceito, o qual, sob a influência da teoria psicanalítica, passa a ser entendido como uma defesa inconsciente. Na década de 1950, as consequências do holocausto levam as análises a indagaram o que torna as personalidades propensas ao preconceito, e os estudos passam a analisar as diferenças individuais na expressão do preconceito. Nos anos 1960, a questão era entender como as normas influenciavam o preconceito, e os estudos versavam sobre a transmissão sociocultural do fenômeno. Na década de 1970, a análise focava como o preconceito se enraíza nas estruturas sociais e nas relações intergrupais, o preconceito passa a ser concebido como uma expressão dos interesses grupais. Nas décadas de 1980 e 1990, a suposição de inevitabilidade e universalidade do preconceito nas relações de conflito intergrupal leva as análises a focalizarem o preconceito como resultado da categorização social e dos processos de construção identitária, isto é, da divisão do mundo social em “nós” vs. “eles”. Nos anos 2000, há uma ênfase nos processos cognitivos automáticos, focando as dimensões motivacionais e afetivas do fenômeno e buscando estratégias de controle nesses âmbitos (Duckitt, 1992, 2010). 6 A psicologia também produziu uma série de trabalhos que colaboraram com as ideologias racistas e preconceituosas, mesmo depois dos anos 1920, a exemplo da psicologia diferencial, dos trabalhos sobre inteligência de Hans Eysenck. Para uma análise sistemática do racismo na psicologia veja o texto de Michael Billig (1979) Psychology, racism & facism: A searchlight booklet. Birmingham: A. F. & R. Publications. 418 Preconceito Quando 2 – Mudanças históricas nas abordagens teóricas e políticas do preconceito (retirado de Duckitt, 2010, p. 31) Orientação político-social dominante Contexto social e histórico Noção de preconceito/aporte dominante Até 1920: Dominação branca e regras coloniais para “povos atrasados” O preconceito é uma resposta na- Dominação, discriminação e tural às “deficiências das pessoas segregação são políticas natuatrasadas”/ Teorias raciais rais e justificadas Na década de 1920: Desafios à legitimidade da dominação branca O preconceito é irracional e injustificável/Medidas e estudos descritivos do preconceito O preconceito pode desaparecer com a ajuda da ciência, mostrando que ele é errado e não justificável Entre 1930 e 1940: A persistência e onipresença do “racismo dos brancos” O preconceito é uma defesa inconsciente/ Hipótese da Frustração-Agressão e Psicanálise Aceitação gradual da assimilação cultural das minorias sociais Na década de 1950: A ideologia racial nazista e o holocausto O preconceito está enraizado nas ideologias antidemocráticas e nas personalidades autoritárias Os valores da democracia podem erodir a intolerância e o preconceito Na década de 1960: O proble- Explicações socioculturais/Racisma do racismo institucional no mo enraizado nas normas sociais Sul dos EUA e estruturas sociais discriminatórias. Leis antidiscriminação e segregação Na década de 1970: O problema do racismo informal O preconceito é uma expressão dos interesses dos grupos dominantes para manter as desigualdades Redução das desigualdades por meio de Políticas de Ação Afirmativas e empoderamento das minorias Entre 1980 e 1990: A persistência dos estereótipos, preconceitos e discriminação O preconceito é expressão de um processo cognitivo universal/ Categorização e identidade social Políticas multiculturais para a construção de identidades positivas e promoção da tolerância Anos 2000: Vivendo num mundo de múltiplas, intensas e irracionais hostilidades intergrupais O preconceito é complexo, afetiva Abordagens amplas e variadas e motivacionalmente dirigido para alterar padrões de preconceito e dinâmicas sociais Conforme refere Lima (2020), é a partir da década de 1950 que o tema do preconceito começa a ser analisado de forma mais sistemática na psicologia social. Isso se deve, em ampla medida, ao livro The nature of prejudice publicado pela primeira vez em 1954 pelo psicólogo social estadunidense Gordon Allport, que se tornaria uma referência incontornável. Para Allport, o preconceito é um fenômeno multicausal, de forma que existem muitas explicações possíveis para ele. Tais explicações devem ser lidas como o objetivo de chamar a atenção para um importante fator causal do fenômeno, sem implicar que outros fatores não estejam também operando simultaneamente na sua produção. Nesse sentido, não existe uma teoria que, sozinha, seja capaz de explicar de forma completamente satisfatória o preconceito. A melhor estratégia é, portanto, integrar planos explicativos ou níveis de análise. 419 Psicologia social: temas e teorias Allport (1954/1979) propõe que os diversos planos explicativos do preconceito se estruturam à semelhança de um telescópio, integrando seis diferentes níveis que variam do próximo para o distante. Na Figura 2 vê-se que o preconceito pode ser entendido desde os seus determinantes históricos, decorrentes da relação entre os grupos; até os seus determinantes individuais, referentes às personalidades e a percepção de atributos nas vítimas que induzam a sua desvalorização. Também é salientada a dimensão de socialização ou aprendizado e difusão das atitudes preconceituosas. Destaca-se ainda o tipo de vítima ou grupo-alvo, que interferirá de forma decisiva no tipo de preconceito, na sua intensidade e formas de expressão (ver Lima, 2020 para uma revisão). Nesse sentido, para entender o preconceito devemos considerar desde um plano neurológico, que impacta processos fisiológicos e reações emocionais, ligadas à região cerebral da amídala; assim como os processos cognitivos da percepção. Noutro patamar, interconectado, temos o plano intrapsíquico, das personalidades mais ou menos preconceituosas, no qual devemos considerar os aspectos específicos da socialização e aprendizado da norma do preconceito e do seu combate. A um terceiro nível deve-se ter em conta aspectos das relações interpessoais, das amizades e conflitos nos contatos pessoais, por exemplo. O quarto plano considera as relações intragrupo ou dentro dos grupos, destacando o status e poder das pessoas nesses grupos. Sabemos que o racismo dos brancos pobres é diferente do racismo dos brancos ricos. O quinto nível explicativo do preconceito é o das relações entre grupos ou intergrupais. Nele são enfatizadas as relações de interdependência positiva (cooperação) ou negativa (conflito) e os interesses de domínio e legitimação envolvidos nessas relações. Finalmente, num plano mais amplo, o sexto, devemos considerar que as sociedades se integram numa lógica intersocietal, definindo e impondo, em escala global, culturas e formas de rel Ato preconceituoso VÍTIMA socialização Tipo de explicação Histórica Sociocultural Situacional Personalidade ação com o outro (Doise, 1986; Doise & Valentim, 2015). Fenomenológica Grupoalvo Figura 2 - Modelo do telescópio sobre os níveis de explicação do preconceito (Extraído de Allport, 1979, p. 207). 420 Preconceito Em seguida, apenas por estratégia didática, destacamos algumas das principais teorias do preconceito considerando a integração dos níveis neurológico e intrapsíquico num plano mais amplo, que chamaremos de individual; os níveis interpessoal, intragrupo ou posicional e intergrupal serão integrados ao plano das explicações culturais; enquanto que o intersocietal será analisado em termos de explicações históricas. 12.4.1 TEORIZAÇÕES INDIVIDUALIZANTES Seguindo o modelo do telescópio de Allport (1979), algumas teorias enfatizam os aspectos mais individuais, em termos da personalidade ou das dinâmicas psicológicas do preconceito. Dentre elas, merecem destaque as teorias da Frustração-Agressão, da Personalidade Autoritária e da Dominância Social. A teoria ou, mais precisamente, hipótese da Frustração-Agressão (F-A), surgiu no final da década de 1940 para integrar contribuições da psicanálise e o do behaviorismo no entendimento da agressão. Seus autores propõem que a agressão é sempre precedida de uma frustração, e a frustração produz alguma forma de agressão. A frustração consistiria em impedir a realização de alguma expectativa do organismo. O organismo então agrediria para descarregar a energia psíquica represada (Dollard, Dood, Miller, Mowrer, & Sears, 1939). Em termos psicanalíticos, a agressão seria a “catarse” ou descarga dessa energia. O principal suporte empírico para a hipótese F-A foi a análise que Hovland e Sears fizeram sobre os linchamentos de negros no Sul dos Estados Unidos entre os anos de 1882 e 1930. Esses autores observam que quanto menor o preço do algodão, maior o número de linchamentos. A explicação para o fenômeno era que a frustração dos agricultores brancos encontrava nos trabalhadores negros a sua descarga catártica ideal, sendo estes o “bode expiatório” da ira dos primeiros, que então expressavam preconceito (Nelson, 2002). Todavia, ainda que pesquisas mais recentes confirmam que a frustração, muitas vezes, gera agressão (ver Anderson & Huesmann, 2003 para uma revisão), o cerne da hipótese F-A para explicar o preconceito pode ser questionado em vários aspectos. A Teoria da Aprendizagem Social demonstra que nem sempre a frustração produz agressão e que muitas vezes a agressão ocorre sem frustração prévia (Hogg & Vaughan, 1998). A partir dessa constatação, as explicações começam a considerar que não é a frustração objetiva que produz o preconceito, mas o sentimento de ter sido frustrado (frustração subjetiva). Ademais, os sentimentos negativos, de forma geral, não apenas de frustração, poderiam levar à violência e ao preconceito. Esses desdobramentos da hipótese F-A influenciaram no surgimento de uma teoria mais ampla, de âmbito não apenas individual, chamada de “Teoria da Privação Relativa”. Depois da Segunda Guerra Mundial, sob a égide da psicanálise, ocorre uma mudança no paradigma de análise do preconceito. Embora permaneça o foco individualizante das teorizações, com ênfase nos aspectos psicológicos, o novo aporte considera o preconceito como resultado de uma estrutura relacional de personalidade, Psicologia social: temas e teorias 421 forjada na primeira infância, que levaria as pessoas à adoção de atitudes preconceituosas. O preconceito passa a ser visto como expressão de uma necessidade interna gerada por uma personalidade patológica. O principal representante dessa perspectiva de entendimento do preconceito é a teoria da personalidade autoritária formulada por autores da Escola de Frankfurt logo depois da Segunda Guerra Mundial. A Teoria da Personalidade Autoritária (TPA), diferentemente da hipótese da Frustração-Agressão que enfatizava processos psíquicos não racionais, fundamenta-se na formação de estruturas de personalidade que geram o preconceito. A TPA, que surgiu no cenário pós-guerra para entender como foi possível tanta adesão aos horrores do nazifascismo, adotou como hipótese geral a crença de que apenas pessoas com disfunções ou distúrbios de personalidade poderiam tolerar ou participar das atrocidades do nazismo e que esses “distúrbios de personalidade” eram socialmente produzidos (Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson, & Sanford, 1950). O conjunto de trabalhos realizados pelo grupo de Adorno nas décadas de 1940 e 1950 buscava investigar como as convicções políticas, sociais e econômicas de um indivíduo formavam um padrão coerente e construíam um tipo de mentalidade ou espírito, enfim, uma personalidade, suscetível a render-se aos apelos da propaganda antidemocrática e fascista. Ainda que a ênfase esteja na personalidade individual, a TPA é, talvez, a primeira teoria mais psicossocial formulada para explicar o preconceito, uma vez que procura articular os fatores econômicos, políticos e sociais com os psicológicos na análise do fenômeno (Crochík, 2006). Dois postulados norteiam as formulações dessa teoria: 1) o antissemitismo não é um fenômeno isolado ou específico contra judeus, mas uma parte de uma ideologia mais ampla; e 2) a suscetibilidade dos indivíduos aos apelos dessa ideologia depende das suas necessidades psicológicas (Adorno et al., 1950). A teoria propõe que o preconceito é consequência de uma personalidade autoritária, a qual é definida como uma configuração de características que incluem respeito e obediência exagerados às figuras de autoridade, obsessão pelas hierarquias de poder e de status, intolerância à ambiguidade ou incerteza, desejo de situações rigidamente definidas, sem ambiguidades, e dificuldades de realização pessoal. Esses traços seriam impressos na personalidade da criança desde o início da infância e a tornariam um adulto preconceituoso. Embora ainda seja atual em vários aspectos, sobretudo na sua tentativa de articular elementos de âmbito social aos psicológicos, a TPA recebe uma série de críticas. Uma primeira refere-se à pouca ênfase sobre os fatores situacionais e socioculturais do preconceito. Analisando comparativamente os racismos da África do Sul e do Sul dos EUA na década de 1950, constatou-se que, apesar de haver mais preconceito racial entre os brancos da África do Sul do que entre os dos EUA, eles não diferiam em termos de personalidade autoritária; sendo as variáveis de conjuntura econômica e histórica mais explicativas dos tipos de preconceito do que as de personalidade (Pettigrew, 1958). Há ainda variantes teóricas mais psicanalíticas na explicação individualista do preconceito. Maria Aparecida Silva Bento propõe que existe no preconceito uma relação dialógica: de um lado, a estigmatização de um grupo como perdedor e a omissão 422 Preconceito diante da violência por ele sofrida; de outro um silêncio cúmplice para com o grupo que pratica a violência racial e dela se beneficia simbólica e materialmente. Considerando a análise freudiana do narcisismo, Bento (2002) afirma que a preservação do amor a si opera pela defesa do indivíduo e gera aversão contra o outro diferente. Isso levaria as pessoas a projetarem sobre os outros as mazelas e defeitos que não podem assumir. Nessa lógica, o outro seria construído com base em referências do próprio eu, e a diferença seria percebida como uma ameaça, que geraria medo. O medo do diferente seria a essência de toda forma de preconceito e estaria enraizado no inconsciente (Bento, 2002). José Leon Crochík, desenvolvendo essa perspectiva, afirma que a própria configuração social moderna se tornou narcisista, uma vez que não reconhece mais os seus membros, os indivíduos, e adquiriu sobre eles um tal grau de autonomia que quase não necessita mais deles nas suas lógicas de reprodução. Na sua análise do preconceito, Crochík (2006) segue os caminhos dos teóricos da Escola de Frankfurt ao afirmar que esse fenômeno decorre da necessidade de dominação que os homens têm na busca pela autoconservação, e que pode ser superado pelo progresso, por formas de vida que levem à eliminação da luta diária pela sobrevivência. O pressuposto psicanalítico fundamental, que sintetiza as concepções da Escola de Frankfurt sobre o preconceito, é claramente expresso por Crochík (2006) quando afirma que: “Conforme temos alegado, a dominação da natureza é concomitante com a introjeção da violência do homem sobre si mesmo, que reaparece na relação com outros homens” (p. 116). Esse também é um pressuposto básico em uma versão mais moderna das relações entre personalidade, busca pelo poder e preconceito: a Teoria da Dominância Social. A Teoria da Dominância Social (TDS) propõe que as pessoas teriam uma Orientação para a Dominância Social (ODS). De acordo com os proponentes da teoria, a ODS é uma motivação básica para dominar os outros, que estrutura hierarquias e se opõe à igualdade. A orientação para a dominação leva “ao desejo do indivíduo de que seu grupo domine o outro grupo e que dentro do seu grupo ele ou ela domine os outros membros” (Sidanius, Pratto, & Bobo, 1996, p. 1000). A ODS é mensurada por perguntas do tipo: “vencer é a coisa mais importante quando um jogo é jogado”; “é necessário estar sempre à frente independentemente dos meios utilizados”; “algumas vezes a guerra é necessária para pôr certos países em seus lugares”; “grupos inferiores devem permanecer nos seus lugares”. Quanto maior a concordância com essas de afirmações maior a orientação para a dominância social e maior o preconceito. A TDS propõe a existência de três grandes sistemas de hierarquias de grupos humanos que estariam presentes na maioria das culturas. O primeiro é o sistema etário, de acordo com o qual os adultos possuem mais poder que os jovens. O patriarcado, segundo sistema, estabelece que os homens desfrutam de mais poder do que as mulheres. O terceiro sistema de hierarquias é chamado arbitrário, pois se refere às relações de domínio mais contextuais e históricas, como as que envolvem heterossexuais vs. homossexuais, brancos vs. negros, cristãos vs. muçulmanos (Sidanius, Cotterill, Sheehy-Skeffington, Kteily, & Carvacho, 2018). Tais sistemas de dominação explicariam a existência de vários tipos de preconceito. Todavia, cabe indagar, se estamos mesmo, em todas as situações, buscando o poder e o domínio sobre os outros? Psicologia social: temas e teorias 423 Para responder a essa pergunta vale a pena recuperarmos uma crítica aos modelos teóricos baseados na concepção hobbesiana da luta pelo poder. Para esse autor, o que a criança procura desde o início de sua vida não é o poder pelo poder, mas afeto e relações próximas e amigáveis, de modo que o desejo de simbiose e de relações de amor é anterior e fundante em relação ao ódio pelo outro (Allport, 1979). Essa asserção nos permite passar a discorrer sobre um segundo grupo de teorias do preconceito, aquelas que enfatizam os aspectos históricos na análise do fenômeno. 12.4.2 TEORIZAÇÕES HISTORICISTAS Em relação ao preconceito racial ou étnico, a perspectiva histórica defende que ele surgiu devido ao interesse dos europeus colonizadores em justificarem a sua expansão colonial e exploração dos negros e índios. De forma que a segregação e discriminação dessas minorias surgiram como mecanismos para prevenir ou evitar sentimentos de simpatia, solidariedade e mesmo de culpa. Vários autores defendem essa perspectiva, com destaque para Robert Miles (1989, p. 25) que afirma: O contato direto e as interações com as populações fora da Europa foram acompanhados por uma simultânea reafirmação e reconstrução das primeiras representações (Walvin, 1986). As classes europeias envolvidas neste processo reconstruíram as representações destas populações indígenas, a fim de legitimar suas ações e responder às suas experiências com estas populações. Era um complexo de articulação entre a justificação dos interesses e estratégias de uma classe, e a observação empírica de mudanças situacionais. A representação do outro que resulta deste processo era homogênea e não estática. Miles (op. cit.) afirma, ainda, que mais do que um mecanismo de exploração e legitimação, o preconceito permite organizar a sociedade de uma tal maneira que os grupos percebem sua posição na estrutura social como natural e legítima. É nesse nível de explicação que se situam, também, algumas importantes contribuições da psicologia do discurso, as quais afirmam que o preconceito é uma forma de construção ideológica que reflete as contradições, ambivalências e conflitos do sistema, e engendra práticas e retóricas sociais que legitimam as assimetrias de poder entre os grupos (Billig, 1991; Wetherell & Potter, 1992). No âmbito da sociologia, a Teoria do Senso de Posição Grupal afirma que o preconceito surge de quatro dimensões das relações hierárquicas entre os grupos: sentimento de superioridade; sentimento de que os dominados são intrinsecamente diferentes (“outro tipo de gente”); sentimento dos dominantes de terem direito legítimo a privilégios; acompanhado do medo de que os dominados ameacem sua posição de domínio. A combinação dos sentimentos de superioridade e de distintividade levaria ao preconceito e hostilidade contra os outros. Os quatro sentimentos serviriam para 424 Preconceito manter a posição de dominância: o de superioridade mantém os dominados abaixo, o de distintividade os mantém aquém, o de propriedade os exclui de, e o de medo mantém os dominantes vigilantes contra as ameaças (Blumer, 1958). Nas palavras de Pierre Bourdieu (1985, p. 728): “O senso do lugar de alguém, define o que alguém pode ou não pode ‘permitir-se’, implicando uma aceitação tácita do lugar, um senso de limites (‘o que não é para nós’), é o equivalente a uma sensação de distância, a ser marcada e mantida, respeitada ou esperada”. Considerando os pressupostos da perspectiva historicista, pode-se afirmar que a luta contra o preconceito tem de enfrentar não apenas ideias, crenças e atitudes preconceituosas; mas, igualmente, as estruturas políticas, sociais e econômicas que criam essas ideias e crenças, e as demandas de justificação e legitimação destiladas por essas estruturas (Banton, 1991; Rex, 1992). Não obstante, a importância das explicações das teorias da exploração ou da legitimação para o entendimento do tema, elas não conseguem explicar: a) por que o preconceito não é igual contra todos os explorados; b) porque alguns grupos-alvo de preconceito não foram historicamente explorados, a exemplo dos Quakers e dos Mórmons, nos Estados Unidos, e dos Judeus, na Alemanha; e c) porque brancos pobres, operários e agricultores, também explorados, não são definidos em termos raciais e inferiorizados por isto? Tais críticas, levantadas por Allport (1979), permitem concluir que outras explicações são ainda necessárias para um entendimento mais amplo do preconceito, com destaque para aquelas que enfatizam a cultura dos grupos e os conflitos simbólicos, além dos conflitos materiais. 12.4.3 TEORIZAÇÕES CULTURALISTAS As teorias que enfatizam a relação entre preconceito e cultura são muito desenvolvidas na sociologia e antropologia e estão estreitamente relacionadas com a perspectiva histórica anteriormente referida. O elemento central nas explicações do preconceito nessa lógica é o contexto no qual as atitudes preconceituosas se desenvolvem. Algumas enfatizam as tradições que levam ao conflito, outras a falta de mobilidade ou mudança nas relações entre os grupos na estrutura social ou, ainda, o tamanho e densidade das populações envolvidas e os tipos de contato entre os grupos (Allport, 1979). Gustav Jahoda, um psicólogo culturalista, afirma que vários elementos políticos, culturais e sociais presentes nos contextos das primeiras relações entre europeus, negros e índios, agregados aos interesses econômicos, produziram o preconceito racial tal como o conhecemos. Os europeus, tomando sua própria aparência física e modo de vida como critério de completa humanidade, encontraram os “selvagens”, com sua cor de pele, sua nudez, hábitos e práticas culturais diferentes, e assim, em face ao “exótico” e ao novo, tendem a interpretar o “outro” através de categorias familiares, como “raça pliniana” ou “homens selvagens” (Jahoda, 1999). De modo que, as imagens construídas sobre os outros grupos dependem dos interesses, ideias e valores que estruturam as relações e contextos dos encontros sociais. Psicologia social: temas e teorias 425 Allport (1979) menciona como exemplo desse tipo de teorização, as análises que enfatizam que em cidades grandes o tratamento costuma ser mais impessoal e desumano, gerando insegurança. Isso alimenta o medo e o ódio contra grupos. Por outro lado, o contexto cultural das modernas sociedades de consumo pode levar à busca pelo luxo e ostentação, consumir sempre mais, desejar mais status e, assim, construir e legitimar hierarquias de poder. Tudo isso conduziria a sentir como ameaçadores aqueles que não alcançam o nível de existência material que é proposto. Por conseguinte, o preconceito contra muitos grupos decorreria do fato de eles serem percebidos como mal instalados socialmente e malsucedidos economicamente, tais como os negros, os ciganos, os pobres e os migrantes. A ênfase nos aspectos culturais do preconceito começa a partir das décadas de 1960 e 1970 (Duckitt, 1992), criando uma nova fase na análise do tema na psicologia social, a qual se caracteriza por dois movimentos: 1) a influência das teorizações sobre normas sociais no início dos anos 1960, sobretudo, com os estudos de Muzafer Sherif; e 2) as análises sobre conflitos e dinâmicas sociais, na década de 1970, com a Teoria da Identidade Social de Henri Tajfel. A teoria de Sherif foi conhecida como teoria do conflito real de interesses e a de Tajfel, por contraste, como a teoria do conflito simbólico. Sherif, um psicólogo social turco imigrado para os Estados Unidos, realizou uma série de estudos conhecidos como “meninos nos acampamentos”. Esses estudos foram realizados em 1949, 1953 e 1954, e envolveram crianças norte-americanas com idades entre 11 e 12 anos, protestantes de classe média e baixa, e com histórico de boa adaptação na escola e na família. O estudo mais completo, aconteceu em 1954, em um acampamento de férias chamado Robbers Cave, em Oklahoma, e consistiu de três etapas: (i) os grupos eram formados com o uso do sociograma, de modo a colocar em grupos diferentes as crianças afetivamente mais próximas; (ii) foi criada uma situação de conflito intergrupal, produzida por atividades de competição e de frustração de expectativas; e (iii) foram criadas atividades com objetivos mais amplos (supra ordenados) que demandam a cooperação grupal (interdependência positiva), buscando reduzir o conflito entre as crianças. A primeira fase dos estudos foi a de formação de grupo. Nessa fase, as crianças tinham que resolver problemas em atividades que exigiam coordenação e cooperação. Foram formados dois grupos, nos quais se verificou o surgimento de normas e de uma estrutura de organização grupal por parte das crianças. Em seguida, houve a introdução de atividades de competição entre os grupos, nas quais eram distribuídos prêmios para o grupo vencedor. Nessa etapa surgiram estereótipos e atitudes muito negativas em relação ao outro grupo, e aumentou a cooperação e a solidariedade dentro do próprio grupo. As atitudes eram tão negativas, nesse momento da pesquisa, que as crianças não podiam se encontrar que partiam para xingamentos, brigas e ao acampamento do outro grupo. Na terceira fase, Sherif e colaboradores (Sherif, Harvey, White, Hood, & Sherif, 1954) introduziram uma série de estratégias de redução do conflito, tais como a disseminação de informações positivas sobre os grupos, a ênfase sobre a realização individual, para reduzir as fronteiras grupais, a produção de um 426 Preconceito inimigo comum aos grupos e a criação de objetivos supraordenados. Apenas a última dessas estratégias surtiu efeitos consistentes na redução do conflito e do preconceito entre os grupos. Os meninos eram confrontados com problemas comuns aos dois grupos, como a escassez de água no acampamento ou a falta de transporte para ir buscar comida. Para sua solução era necessário colaborar. Sherif et al. (1954) observaram que, depois das atividades realizadas em comum, os estereótipos, a distância social e as atitudes negativas em relação ao exogrupo diminuíram significativamente. Nas interações onde havia uma interdependência positiva até as informações favoráveis ao exogrupo, que na fase de conflito eram ignoradas ou ridicularizadas, passaram a ser efetivas e deram “uma nova luz às relações” (Sherif, 1958, p. 70). Como vimos no capítulo de Ana Torres, Khalil da Costa Silva e Leoncio Camino deste manual, a Teoria da Identidade Social (TIS) de Henri Tajfel afirma, em linhas gerais, que é o conflito simbólico, entendido como necessidade de diferenciação ou distintividade social, que gera o preconceito. Tajfel, um polonês que se radicou na Inglaterra, propõe o preconceito como um mecanismo cognitivo derivado dos processos de comparação e categorização sociais. O pressuposto fundamental da sua teoria é o de que, diferentemente do que afirmavam a psicanálise e outras perspectivas, o preconceito é racional e tem caráter estratégico no quadro das relações de poder entre os grupos sociais. É nesse sentido que ele define o preconceito como o resultado de um pré-julgamento favorável ou desfavorável sobre um indivíduo ou grupo, que implica uma atitude a favor ou contra (Tajfel, 1983). A Teoria da Identidade Social (TIS) procura traçar um esboço da etiologia cognitiva do preconceito, e, para tanto, considera que as mudanças das relações entre grupos exigem reajustamentos da nossa compreensão, e atribuições causais sobre o porquê e o como das condições dessas mudanças. Essas atribuições se baseiam em três processos: categorização social, assimilação e procura de coerência cognitiva. A categorização social pode ser compreendida como a ordenação do ambiente social, em termos de grupos de pessoas, para dar sentido à realidade social. A categorização permite estruturar a compreensão do ambiente social e guiar as ações sociais (Tajfel, 1978). Os estereótipos, entendidos como imagens e crenças formuladas sobre a “personalidade” dos grupos, se associam aos rótulos construídos sobre os grupos. Para Tajfel (1983), depois que as pessoas são categorizadas em grupos, por exemplo, heterossexuais ou homossexuais, uma segunda dimensão classificatória, de atributos, lhes é atribuída, graças à experiência pessoal e/ou cultural do percebedor na sua categoria de pertencimento. Essa dimensão é constituída pelos estereótipos. A assimilação se refere ao processo de aprendizado social das categorizações e classificações. Tajfel afirma que a tarefa do psicólogo social é descobrir de que modo essas imagens são transmitidas aos membros de uma sociedade e como elas se tornam atitudes de preferência ou de repúdio em relação aos grupos sociais e a seus membros. De acordo com a TIS, o processo de identificação com o grupo de pertencimento leva à assimilação das imagens (estereótipos) e das atitudes (preconceitos) contra o outro grupo. Os estudos realizados por Tajfel e colaboradores (Tajfel, Flament, Billig, & Psicologia social: temas e teorias 427 Bundy, 1971) demonstram que mesmo em uma situação de pertencimento a um grupo sem significado social e sem interação, as pessoas tenderiam a favorecer seu grupo e desfavorecer ou discriminar o grupo do outro. A terceira dimensão na etiologia do preconceito seria a procura por coerência cognitiva. Essa dimensão visa entender como os indivíduos reagem a situações específicas de contato entre grupos. Nesses contatos, o indivíduo precisa muitas vezes ajustar suas lentes à realidade e de modo não menos frequente ajustar a realidade às suas lentes. Para Tajfel (1983), qualquer mudança no status quo das relações entre os grupos impõe a necessidade de construir uma explicação causal que preserve a coerência cognitiva. Essa explicação pode ser de dois tipos: (a) referente ao contexto ou situação das relações intergrupais, por exemplo, mudanças econômicas, políticas, movimentos sociais; ou (b) referente às características de personalidade dos grupos ou de seus membros. Essas últimas explicações podem ainda, em função da sua estabilidade, se referir a traços de personalidade de dois tipos: transitórios ou flexíveis, e inerentes ou imutáveis. Quantas vezes você já ouviu expressões do tipo: “o lugar do negro”, “alma branca”, “faz parte da natureza deles serem assim” etc. Todas essas expressões constituem o campo das explicações essencializantes, referidas anteriormente. Os processos de categorização social não são apenas ações cognitivas de classificação do mundo sensorial, são ações políticas, marcadas por poder, desigualdades e interesses. De forma que, como refere Bourdieu (1985), o conhecimento sobre o mundo social e as categorias que o tornam possível são apostas numa luta política para conservar ou transformar o “nome social”, e assim manter ou alterar as relações entre as categorias (ver ainda Lima, 2020). 12.4.4 INTEGRANDO PLANOS DE ANÁLISE Talvez o leitor, imerso em tantos pressupostos teóricos e diferentes níveis de análise, agora se pergunte: “Mas, qual dessas teorias ou visões escolher para entender o preconceito?”. A melhor resposta é “todas e nenhuma”. Para ampliar o entendimento, vamos recorrer a uma parábola supostamente indiana que conta a história de seis sábios cegos que nunca haviam se deparado com um elefante.7 Eles tiveram que conceituar o elefante por apalpadelas. Um deles, tocando o dorso do animal, afirmou que se tratava de uma parede. Outro que tocou as presas afirmou ser uma lança. Apalpando a tromba, um terceiro concluiu tratar-se de uma mangueira d’água. O seguinte disse que era uma árvore, após tocar a perna do animal. O que tocou as orelhas definiu-o como um abano. Finalmente, o último dos sábios, abordou a cauda do animal e afirmou ser uma cobra. Definir e analisar o preconceito é um pouco como apalpar esse elefante. Necessitamos integrar e contrastar visões, pôr os “sábios” para conversar, a fim de termos uma visão mais completa, pois, como nos lembra Allport (1979), o preconceito é multidimensional, sendo cada parte ou manifestação fundamental no seu entendimento: “Nós podemos considerar, para todos os fenômenos sociais, que a causalidade múltipla é a regra mais aplicável e adequada para as análises e isto inclui a análise do preconceito”. (p. 218). 7 https://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Cegos_e_o_Elefante 428 Preconceito Sabemos que no campo de estudo do preconceito, assim como em outras áreas, proliferaram teorizações competitivas (Duckitt, 1992). Contudo, isso não deve causar espanto. Se não existe um “preconceito” único, mas diversas formas de manifestação, histórica e culturalmente determinadas, então, é inevitável e até salutar para a análise da temática, a coocorrência e concorrência de teorias. Como vimos no modelo do telescópio, a perspectiva proposta não é a da competição entre níveis de explicação, mas a de articulação entre explicações de diferentes âmbitos. Novamente, como nos lembra o próprio Allport (1979, p. 208): Nosso aporte para o problema é eclético. Existe valor nos seis tipos ou níveis de explicação e alguma verdade em todas as teorias deles resultantes. Não existe uma chave-mestra, o que temos à nossa disposição é um molho de chaves e cada uma delas abre uma porta de compreensão.8 O Quadro 3 sumariza o caráter multidimensional do preconceito e a necessidade de planos analíticos integrando diferentes níveis. O nível causal psicológico remete para uma visão do preconceito como mais universal e imanente, demandando análises mais individualizantes e gerando teorias mais focadas nos processos intrapsíquicos.9 Entender o preconceito como sendo causado pelas dinâmicas intergrupais conduz à visão de que ele é relacional, o que leva a um nível de focalização grupal e produz teorias sobre o conflito, a competição e a luta por posições de poder. A ênfase nos processos de transmissão social do preconceito se baseia numa visão de que ele possui uma natureza apreendida, que o plano analítico deve ser mais o das relações interpessoais e que as teorizações mais comuns analisam o aprendizado de normas sociais e a socialização. Finalmente, o entendimento de que o preconceito é causado no âmbito das diferenças individuais decorre de uma visão de que essas diferenças modulam a influência social do fenômeno, isto é, cada um sente e expressa de um jeito e com determinada intensidade, o que remete a análises num plano mais individual, levando à construção de teorias mais focadas nas personalidades preconceituosas, nos fatores cognitivos, no ajustamento e na autoestima. 8 Tradução nossa. 9 Uma crítica que pode ser feita a essa proposta de Duckitt (1992), refere-se à colocação da Teoria da Identidade Social (TIS) no âmbito intrapsíquico. A TIS ficaria melhor situada no conjunto das teorias sobre as dinâmicas das relações intergrupais. Entretanto, imagina-se que o autor considerou o caráter motivacional, de imanência da proteção da autoestima individual, da TIS para situá-la nesse nível. Sabemos que qualquer classificação de uma ampla teoria numa “gaveta” é sempre simplificadora, forçando encaixes. Não há teorias puras, mas ênfases em certos aspectos, maiores numas que noutras. 429 Psicologia social: temas e teorias Quadro 3 - Estrutura integrativa das explicações para o preconceito (retirado de Duckitt, 1992, p. 1190) Causas Fundamentos psicológicos Dinâmicas das relaTransmissão social ções intergrupais Diferenças individuais Modulação da influência social pelas diferenças individuais na susceptibilidade ao preconceito Natureza do processo Imanente e universal Condições da interação social Socialização e aprendizado das atitudes preconceituosas Níveis de análise Psicológico Grupal Interpessoal Individual Pressão para a conformidade Autoritarismo Conflito real Competição social Socialização Dominância social Percepção e atribuição social Deslocamento Semelhança de crenças Projeção Teorias Categorização social Identidade social Posição grupal e poder Contato interpessoal Frustração Ajustamento Fatores cognitivos Ideologia política Autoestima Sociobiológicas 12.5 OS ANTIGOS E OS NOVOS PRECONCEITOS Como nos lembra Lima (2019), o preconceito pode ser comparado a um vírus. Os vírus parasitam células e tecidos, modificando seu metabolismo, provocando degeneração e morte. Eles se reproduzem e se adaptam em resposta ao ambiente interno e externo dos organismos infectados. O mesmo acontece com todas as formas de preconceito: elas mudam para expressões diferentes face às pressões normativas, tornando-se mais difíceis de reconhecer e combater (Dovidio & Gaertner, 1998); o preconceito “corrói os tecidos sociais com violência discreta quando a norma da igualdade está saliente, mas quando encontra uma norma social qualquer que justifique a sua expressão mais virulenta, explode em fanatismo nacionalista e xenófobo” (Lima & Vala, 2004, p. 408); tal qual um vírus, ele gera novas colônias para uma doença que não temos ainda a cura (Fredrickson, 2004); e, finalmente, atua como um conjunto de crenças que são capazes de sofrer transformações adaptativas (Vala & Pereira, 2012). De tal forma que, as principais marcas do preconceito são a persistência e a flexibilidade (Lima, 2019). Existe uma estreita relação entre o preconceito e as normas sociais. No passado, na época da exploração do trabalho escravo dos Negros, da colonização dos índios, da falta total de direitos das mulheres e de outras minorias de gênero, o preconceito era expresso abertamente, com violência explícita, pois refletia as normas sociais da épo- 430 Preconceito ca: as normas da exploração e da opressão. Depois das duas guerras mundiais ocorrem mudanças históricas significativas. Exemplos dessas mudanças são a emergência dos movimentos pelos direitos civis, os movimentos de libertação de antigas colônias europeias e, principalmente, as consequências do nazismo e da Declaração dos Direitos Humanos, e o Movimento Feminista nos anos 1970 do século passado. A partir desse momento, as formas de expressão do preconceito mudaram tão significativamente que se poderia pensar que estes fenômenos estavam acabando. Mas todos ou, pelo menos, muitos de nós, sabemos que não. Em vários contextos os estereótipos negativos associados a minorias étnicas tornaram-se menos negativos. Na Europa, na década de 1990, pareciam aumentar a tolerância e solidariedade em relação aos imigrantes (Ben Brika, Lemaine, & Jackson, 1997). Houve também um reconhecimento mais igualitário dos direitos das mulheres (Gemberling, 2014). Surgiram mais leis de proteção aos direitos da população LGBTQIA (Lôbo & Nascimento, 2016) e dos idosos (Graeff, Bestetti, Domingues, & Cacchioni, 2019). Entretanto, tais mudanças se referiam a adaptações do preconceito aos novos contextos de expansão dos direitos civis das minorias e de maior controle normativo das expressões abertas de discriminação. Nesses cenários emergem aquilo que a literatura psicossocial tem estudo sob o nome de “novas formas de preconceito”. Nos Estados Unidos e no Canadá, surgiu o “smiling racism” (Codjoe, 2002), baseado na elaboração de uma agenda política racial que evita referências raciais diretas, enquadrando-se no “color-blind racism” ou ainda no “racismo sem racistas” (Bonilla-Silva, 2013). No caso do Brasil, temos o “racismo cordial” (Turra & Venturi, 1995) e, mais recentemente, como invenção dos conservadores, o racismo vitimista, o chamado “mimimi” das minorias (Lima, Barbosa, Araujo, & Almeida, 2020). Em todos esses tipos de racismo as expressões agressivas tornam-se mais indiretas e sutis, assumindo uma lógica do “deixe tudo como está” ou racismo “laissez faire” (Bobo, Kluegel, & Smith, 1996). O sexismo passou a se expressar também de forma ambivalente, assumindo muitas vezes uma face “benevolente” paternalista, uma “dominação docilizada” (Glick & Fiske, 1996). A homofobia, mais recentemente, também começou a se estruturar em dimensões mais flagrantes e outras mais veladas de inferiorização da diferença (Herek, 2008). Da mesma forma que o preconceito contra os idosos (Fraboni, Saltstone, & Hughes, 1990). Quando falamos de “novas expressões” do preconceito estamos nos referindo àquelas condicionadas pela desejabilidade social, que se expressam de modo velado, como a vergonha de aparecer no espaço público, esgueirando-se pelo espaço privado. Nesse cenário, é importante destacar o fato de apenas começarem a existir novas expressões de preconceito contra os homossexuais e de ainda não haver contra os ciganos. Como veremos mais a frente, o preconceito contra homossexuais ainda se expressa de modo violento e aberto, como acontecia contra os negros no século XIX, e como ainda acontece na Europa e no Brasil contra os ciganos (Correia, Brito, Vala, & Perez, 2001). Essas novas expressões do preconceito recebem diversos nomes e apresentam peculiaridades próprias dos seus contextos de expressão e dos grupos vitimizados. Temos o preconceito moderno, o sexismo ambivalente, o preconceito simbólico, o Psicologia social: temas e teorias 431 racismo aversivo, o preconceito sutil, o idadismo benevolente, o racismo cordial, dentre outros. Agora vamos falar de algumas dessas novas formas de expressão do preconceito, focando, sobretudo, o racial e o étnico. 12.5.1 PRECONCEITO SIMBÓLICO E MODERNO A primeira conceituação de novos preconceitos data dos anos 1970 do século XX e surge através do conceito de racismo simbólico10 (Sears & Kinder, 1971). O racismo simbólico representa uma forma de resistência às mudanças no status quo das relações racializadas nos EUA pós Declaração dos Direitos Civis, e se baseia em sentimentos e crenças de que os negros violam os valores tradicionais americanos do individualismo (obediência, ética do trabalho, disciplina e sucesso). Trata-se de um tipo de preconceito caracterizado pela lógica do “lugar do negro”, também comum na sociedade brasileira e semelhante às formas de preconceito contra as mulheres. De acordo com essa lógica, quando o negro ou a mulher começam a ter mobilidade social e a ocuparem postos importantes no mercado de trabalho, surge uma espécie de mal-estar em pessoas que, antes aparentemente não sexistas ou racistas, se sentem ameaçadas e começam a expressar atitudes contrárias a esses grupos. 12.5.2 RACISMO AVERSIVO Essa teoria, que também surge no contexto das relações racializadas dos Estados Unidos, distingue dois tipos de racista: os racistas flagrantes, aqueles que abertamente manifestam crenças e comportamentos de inferiorização biológica das raças, e os racistas aversivos, que por terem aversão ao racismo, tentam se apresentar como pessoas igualitárias e até antirracistas. Esses, entretanto, quando encontram um contexto no qual a norma igualitária não esteja explícita, agem de modo preconceituoso e discriminatório contra as minorias. O racismo aversivo é concebido como uma síntese ambivalente, resultante da assimilação de um sistema de valores igualitários e da vivência de sentimentos e crenças negativos em relação aos Negros. Esses sentimentos e crenças negativos seriam uma decorrência de dois mecanismos: do contexto racista de socialização a que os atores sociais estão sujeitos, e da categorização social com seu viés de favorecimento do próprio grupo. O estudo original que inspirou essa teoria foi realizado ainda na década de 1970 por Samuel Gaertner (1973) que, utilizando o paradigma do comportamento de ajuda, cria uma situação na qual um cúmplice do pesquisador, branco ou negro (a “raça” era identificável pelo sotaque), telefonava para simpatizantes dos partidos Liberal e Conservador e explicava que seu carro havia quebrado em um lugar distante e que ele estava tentando chamar o serviço de garagem por meio de um telefone público, mas que fizera a ligação errada. Entretanto, como não tinha mais como fazer outra chama10 Os autores não diferenciam teoricamente preconceito de racismo, considerando como fenômenos homólogos. 432 Preconceito da, o cúmplice pedia ao indivíduo que atendeu ao telefone para ajudá-lo avisando à garagem em que local ele e seu carro se encontravam. O indicador de racismo era o comportamento de telefonar para a suposta garagem. Os resultados indicam que os simpatizantes do partido Conservador prestaram menos ajuda aos negros do que aos brancos (65% vs. 92%), que os simpatizantes do partido Liberal ajudaram negros e brancos de uma maneira não diferenciada (75% vs. 85%). No entanto, os liberais desligaram o telefone mais prematuramente para os negros do que para os brancos (19% vs. 3%), enquanto os conservadores não discriminam desta maneira (8% vs. 5%). Gaertner conclui afirmando que, quando as normas para comportamentos apropriados estão bem definidas, sujeitos brancos não discriminam os negros; quando as normas são ambíguas ou conflitantes, tornando o conceito de certo e errado menos aplicável, aí surge o racismo aversivo (ver Gaertner & Dovidio, 1986). 12.5.3 PRECONCEITO SUTIL O preconceito sutil é ambientado na Europa e tem como grupo alvo minorias culturais advindas de antigas ex-colônias de países europeus. Essa forma de preconceito ganha dimensão à medida que a globalização das economias intensifica os contatos interétnicos e os fluxos migratórios. Pettigrew e Meertens (1995), seguindo Allport (1979), distinguem entre preconceito flagrante e preconceito sutil. O preconceito flagrante é definido como mais direto, aberto e “quente”, ao passo que o preconceito sutil é “frio”, distante e indireto. O preconceito sutil é composto por três dimensões. A primeira é a da defesa dos valores tradicionais e esta dimensão se refere à percepção dos membros do exogrupo como agindo de maneira incorreta, e mesmo condenável, na busca da realização social. A segunda dimensão é a do exagero das diferenças culturais, que se refere à percepção de que o exogrupo é culturalmente muito diferente do endogrupo. Finalmente, a terceira dimensão do preconceito sutil, a da negação de emoções positivas, caracteriza-se pela rejeição à expressão de simpatia e admiração em relação aos membros do exogrupo (Pettigrew & Meertens, 1995). A suposta sutileza dessa forma de preconceito pode ser expressa do seguinte modo: “Eles (os imigrantes) não são piores que nós (europeus), nós é que somos melhores que eles” (Vala, Brito, & Lopes, 1999; Vala, Lopes, & Brito, 1999). 12.5.4 PRECONCEITO AMBIVALENTE A ambivalência de sentimentos e atitudes é uma característica fundamental das interações sociais e os seus efeitos têm consequências sobre as mais variadas esferas da vida social (Conner & Sparks, 2002). No campo do preconceito existe uma teoria específica que trata dos efeitos da ambivalência de sentimentos na expressão do preconceito, a teoria do preconceito ambivalente. Katz, Wackenhut e Hass (1986), considerando que os valores determinam as atitudes e os comportamentos, analisam um suposto conflito entre duas orientações axiológicas. Por um lado, existe uma valorização da democracia e do igualitarismo e, por outro, também são importantes o individualismo e a meritocracia, caracterizado pela ênfase na liberdade pessoal, auto- Psicologia social: temas e teorias 433 confiança, devoção ao trabalho e realização pessoal. Essas duas orientações podem produzir um conflito e gerar ambivalência de sentimentos e atitudes nos indivíduos. Ao aderir aos valores da igualdade e do humanitarismo, os grupos dominantes podem sentir simpatia pelas minorias sociais, que estão em desvantagem social e econômica. Essa simpatia pode gerar ações em prol dessas minorias. Por outro lado, a adesão aos valores do individualismo, típicos da Ética Protestante, levaria os dominantes a identificarem os dominados como desviantes em relação a esses valores. Essa percepção estaria na origem de sentimentos de aversão e de atitudes negativas face às minorias étnicas. Além dessas novas formas de racismo ou de preconceito de cor, existem novas expressões do sexismo, de idadismo (preconceito contra idosos) e de homofobia, para as quais remetemos os leitores a autores, como Camino et al. (2004); Pereira (2013); Glick e Fiske (1996); Nelson (2002); Fiske, Cuddy, Glick, & Xu (2002); Felix Neto (2004); Lacerda, Torres & Garcia (2004); Kilianski (2003); Gouveia (2007), dentre outros. 12.6 PRECONCEITO E RACISMO NO BRASIL: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS Não obstante a sua importância, os temas do preconceito e do racismo são ainda pouco pesquisados no Brasil. Em uma pesquisa realizada no SciELO no dia 26 de novembro de 2020, buscamos publicações em cujos títulos aparecesse o termo “racismo”. Foram recuperados 139 trabalhos, sendo mais da metade publicados nos últimos quatro anos. Refinando a busca constatamos que o termo “psicologia” aparece em apenas oito dos resumos dos 139 artigos. Outra revisão, esta mais ampliada, dos trabalhos disponíveis até agosto de 2014 nas bases SciELO, PePSIC, Index Psi, LILACS e PsycINFO, utilizando os termos “racismo ou preconceito racial” encontrou pouco mais de 70 artigos (Sacco, de Paula Couto, & Koller, 2016). Uma análise das publicações realizadas até novembro de 2020, em quatro das sete revistas melhor qualificadas na psicologia do Brasil, considerando a presença das palavras “estereótipos”, “preconceito” e “racismo” nos títulos dos artigos, indicou que, em termos proporcionais, esses temas são minoritários nas revistas: menos de 0,5% das publicações totais para o racismo e de 2% para preconceito e estereótipos. Concretamente, três das quatro revistas (Temas em Psicologia, Estudos em Psicologia da PUC e Psicologia: Teoria e Pesquisa), todas com mais de mil publicações, publicaram apenas um trabalho em cujo título aparece a palavra “racismo”. A revista Psicologia & Sociedade da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), marcada pelas lutas ideológicas por uma psicologia pautada no estudo da opressão e do empoderamento das minorias, publicou oito artigos sobre racismo e seis sobre preconceito, totalizando 1,1% das suas 1.256 publicações até novembro de 2020. A título de comparação, o principal periódico de psicologia social da Europa (European Journal of Social Psychology (EJSP) e três das principais revistas de psicologia dos Estados Unidos (JESP, JPSP e PSPB) têm em cada número, desde o início do ano 2000, pelo menos 10% dos seus artigos focando o tema (Dovidio, Hewstone, Glick, & Esses, 2010). 434 Preconceito O ainda reduzido destaque dado pela psicologia social brasileira ao tema do preconceito tem uma relação direta com a nossa história e com o tabu que este tema se tornou na nossa miscigenada cultura. Todavia, muitos novos pesquisadores têm começado a se interessar pela temática realizando estudos que merecem destaque. Alguns dos quais relatamos em seguida. De acordo com o levantamento feito em 1995 pelo Datafolha, e publicado sob o título Racismo cordial, o racismo nacional pode ser definido como uma forma de discriminação contra os negros e mulatos, caracterizada por uma polidez superficial que reveste atitudes e comportamentos discriminatórios, e que se expressam no nível das relações interpessoais através de piadas, ditos populares e brincadeiras de cunho “racial”. O pressuposto empírico dessa teoria resulta de um estudo realizado junto a uma amostra representativa da população brasileira no qual se verificou que, apesar de 89% afirmar que existe racismo no Brasil, apenas 10% admitem ser racistas. Turra e Venturi (1995) utilizam, então, uma escala menos direta com 12 itens (e.g., “Negro bom é negro de alma branca”, “Negro quando não faz besteira na entrada faz na saída” etc.), e verificam que mais de 50% da amostra pesquisada concorda com afirmativas deste tipo. E mais, 83% da população entrevistada concorda, em algum nível, com os itens da escala de racismo cordial. Todavia, se por um lado a teoria do racismo cordial tem o mérito de estar estruturada em uma pesquisa sistemática e representativa sobre as atitudes raciais dos brasileiros, por outro ela é limitada no que concerne à análise e discussão teórica dos dados encontrados no estudo, além de já ter mais de 25 anos de formulada. Crochik (2005), utilizando os postulados da teoria da Personalidade Autoritária, realiza um estudo com o objetivo de verificar a relação entre personalidade, ideologia e preconceito. Em uma amostra de estudantes universitários de São Paulo, o autor encontra correlações significantes entre a escala F de autoritarismo, com a ideologia da racionalidade tecnológica e com o preconceito. Crochik conclui afirmando que a ideologia e a personalidade são variáveis importantes na constituição do preconceito. Fernandes, da Costa e Camino (2007) observaram que existe uma correlação positiva entre preconceito (orientação à dominância social) com os valores materialistas, e uma correlação negativa com os valores pós-materialistas. Ferreira (2002), em um estudo teórico sobre os modos de difusão do preconceito, com destaque para a relação entre modernidade e preconceito, afirma que o preconceito se vincula aos projetos de modernidade, nascidos primeiramente no seio do Positivismo, que na busca de certezas desenvolveram uma espécie de horror à ambivalência e uma busca obsessiva pela classificação e pela ordem. Segundo Ferreira, em uma perspectiva pós-estruturalista este seria o terreno fértil para a constituição de subjetividades dirigidas para a exclusão do diferente, para o desenvolvimento dos preconceitos raciais atuais. Fleury e Torres (2007) realizam um estudo com o objetivo de analisar os processos de infra-humanização de homossexuais em Goiânia. Os participantes eram pós-graduandos da área de recursos humanos que deveriam avaliar homossexuais ou heterossexuais, atribuindo-lhes traços positivos e negativos de natureza ou de cultura. Os resultados indicaram que a homofobia se expressa de forma mais sutil que flagrante, Psicologia social: temas e teorias 435 indicando uma maior atribuição de características positivas para os heterossexuais que para os homossexuais, não havendo diferenças na atribuição de características negativas. Formiga (2007) também analisa a relação entre sexismo, racismo e valores em estudantes universitários. O autor encontra que os valores individuais se relacionam com o sexismo hostil, enquanto que, os valores sociais se associam positivamente com o sexismo benevolente. Em contrapartida, nas análises da relação dos valores com o racismo, observa-se que os valores individuais fomentam tanto o preconceito sutil quanto o flagrante. Gouveia, Souza Filho e Araújo (2006) analisaram a relação entre as motivações interna e externa para responder sem preconceito com os valores humanos. A amostra de estudantes do ensino médio e universitário respondia a uma série de escalas, que eram seguidamente correlacionadas entre si. Os resultados indicam que a motivação interna se correlaciona positivamente com os valores suprapessoais (e.g., maturidade, beleza e conhecimento). Já a motivação externa se relaciona apenas com os valores da realização, com destaque para o prestígio social e a privacidade. Lima e Vala (2004) realizam uma investigação com estudantes universitários para analisar as novas formas de expressão do preconceito. Nesse estudo, os autores observam que o preconceito contra os negros se manifesta através da mediação do branqueamento. Utilizando fotografias de negros e brancos bem e malsucedidos social e economicamente, os autores constataram que os participantes percebem como mais clara a cor da pele dos negros e brancos bem-sucedidos, e como mais escura a cor dos negros e brancos malsucedidos. Notam ainda que, quanto maior o embranquecimento dos grupos, menor a atribuição de características negativas a eles. Tais resultados são replicados em outro estudo, feito noutro contexto (Lima & Vala, 2005). Com o intuito de analisar a influência de uma retórica justificadora da discriminação no preconceito racial, Pereira, Torres e Almeida (2003) realizaram um experimento com cenários de seleção profissional. Em um dos cenários de resposta, uma gerente de loja contratava uma candidata branca, em detrimento de uma candidata negra. Metade dos participantes teve acesso a um argumento que justificava a contratação. Os resultados mostram que os participantes que tiveram acesso ao discurso justificador consideraram a atuação da gerente mais profissional e menos injusta do que os participantes da outra condição de pesquisa, sem acesso a uma justificativa para a discriminação. Lima e Almeida (2010), analisando as representações sociais dos índios, observam que não obstante já terem transcorrido mais de 500 anos de história de contato, esse grupo continua sendo visto como selvagens, morando nas matas e andando nus e pintados. Para a grande maioria dos entrevistados, existe apenas um índio imaginado, um índio que não passou por um processo de mudança ou transfiguração étnica. Alguns comentários encontrados são emblemáticos dessa imagem: “índios são só os que pintam a cara, andam nus e vivem nas matas (...)”. Já Bonomo e cols. (2011), investigando as percepções de mulheres não ciganas da zona rural acerca das mulheres ciganas, verificaram a presença de categorizações e estereótipos negativos, por exemplo, ladrões, malfeitores e amaldiçoados. 436 Preconceito Outros estudos foram realizados no Brasil com o objetivo de adaptar escalas clássicas de racismo utilizadas em outros contextos, caso do estudo de Santos, Gouveia e Navas (2006). Esses autores adaptaram a Escala de Racismo Moderno ao contexto brasileiro. Foram encontrados dois fatores ou dimensões ambivalentes do racismo moderno, uma pautada na negação do preconceito e outra na afirmação de diferenças. Na mesma direção, Lima et al. (2020), a fim de compreenderem novas expressões do racismo no Brasil, com a emergência do conservadorismo político, construíram e validaram a Escala de Racismo Revitimizador (ERR), a qual se mostrou menos obstrutiva que a Escala de Racismo Moderno e se relacionou com o autoritarismo e independente da motivação para responder sem preconceito. Depois de termos sumarizado alguns dos estudos empíricos sobre preconceito no Brasil, vamos tentar agora responder à questão mais importante: É possível vencer o preconceito? 12.7 COMO COMBATER O PRECONCEITO O preconceito e o racismo se adaptam historicamente, assumindo formas de expressão permitidas, ou pelo menos não sancionadas, nos novos contextos normativos. Em que pese essa persistência e flexibilidade, esses fenômenos podem e devem ser combatidos. São invenções humanas, produzidas por seres humanos, e por isso podem ser vencidas também por eles (Oskamp, 2002). Ainda que essa afirmação seja óbvia, ela nem sempre é considerada. Muitas pessoas alegam que não há como vencer os preconceitos, pois eles acompanham a história da humanidade. Se isso fosse verdade, então não poderia haver pessoas não preconceituosas; e, como sabemos, existem pessoas assim; de forma que pode haver sociedades sem preconceito. Para discutir formas de combate a esse fenômeno, é importante não esquecer da sua tripla constituição: individual, cultural e institucional. Em cada uma dessas dimensões, devemos considerar, para seu combate efetivo, as possíveis causas, interesses e formas de manifestação (Oskamp, 2000). Assim, devemos considerar, simultaneamente, causas e consequências individuais, culturais e institucionais do preconceito e do racismo para perpetradores e para as vítimas. A proposta de combate apresentada nesta parte do texto se organiza conforme Paluck e Green (2009). Esses autores realizaram uma extensiva metanálise, incluindo 985 produções, acadêmicas e não acadêmicas, publicadas e não publicadas, disponíveis em bases de dados de todas as áreas entre 1993 e 2008. Eles usaram na sua busca vários termos: “racismo”; “homofobia”; “ageísmo”; “antipatia por grupos étnicos, religiosos, nacionais e fictícios (experimentais)”; “preconceito contra pessoas com excesso de peso, pobres ou incapacitadas” etc. Em seguida, apresentamos os principais modelos de combate ao preconceito e sumarizamos os resultados obtidos por eles. Psicologia social: temas e teorias 437 12.7.1 COMBATENDO O PRECONCEITO NO NÍVEL INDIVIDUAL No nível individual de expressão e de combate ao preconceito, um primeiro plano de análise é o das supostas predisposições genéticas e evolucionárias para o preconceito. Ainda que a esse respeito pouca coisa possa ser feita; podemos supor que mudanças nos outros planos podem alterar esses padrões (Oskamp, 2000). Ademais, é preciso considerar que as explicações biologizantes sobre preconceito apresentam uma série de inconsistências; sendo suas evidências pouco confiáveis e passíveis de polêmicas. No nível individual, o plano das diferenças pessoais ou de personalidade é outro que merece atenção da literatura. As estratégias de combate são variadas e todas focalizadas nos indivíduos. Merecem destaque nesse plano as teorias que propõem como causas do preconceito a personalidade (Adorno et al., 1950), a orientação para a dominância social (Sidanius & Pratto, 1999) e as teses sobre economia psíquica, categorização social e identidade (Fiske & Taylor, 1984; Tajfel, 1981). Como a “doença” tem a ver com fatores cognitivos (i.e., crenças, estilos de pensamento, opiniões etc.) e afetivos (i.e., emoções associadas aos “outros”), a “cura” também foca estes aspectos. As estratégias de combate podem incluir instrução ou reeducação, manipulação de responsabilidade, conscientização, foco na autoestima ou emoção levando as pessoas a situações de empatia com as vítimas do preconceito e, ainda, terapias e aconselhamentos (Oskamp, 2002; Paluck & Green, 2009). Boa parte das intervenções experimentais feitas em laboratórios concebem o preconceito como ignorância ou desconhecimento face ao diferente; em decorrência, as estratégias mais comuns de combate são a instrução ou o treino contra estereotípico, ou seja, expor os indivíduos a informações que contrariam o estereótipo das minorias; treino de responsabilidade, no qual os sujeitos são levados a apresentar razões lógicas para seus preconceitos; tarefas que focalizam as emoções, geralmente tentando fazer com que os perpetradores de preconceito sintam aquilo que as vítimas sentem; outras estratégias são voltadas para o contra condicionamento, as quais procuram combater o preconceito implícito, ou inconsciente, por meio da supressão do pensamento, conscientização, recondicionamento e controle racional (ver Blair, 2002, para uma revisão). Para um aprofundamento nas possibilidades desses tipos de técnicas, recomendamos que assista o documentário O olho da tempestade, de 1970, no qual é retratado um exercício chamado “olhos azuis vs. olhos castanhos”,11 que coloca crianças em situação de vivência como vítimas e como perpetradoras do preconceito. As intervenções de tipo experimental têm na sutileza dos meios e na capacidade de controle de possíveis interferências nos dados, sua principal virtude e, ao mesmo tempo, seu principal limite (Paluck & Green, 2009). Os experimentos de laboratório carecem muitas vezes de validade externa, ou seja, não é possível saber se eles se aplicam a situações mais complexas: históricas, políticas e econômicas, onde o preconceito se manifesta. Além desse, alguns outros limites são destacados pelos autores: (i) populações – a grande maioria dos estudos experimentais em laboratório são feitos com estudantes universitários, norte-americanos, brancos de classe média; de modo que são 11 https://www.youtube.com/watch?v=In55v3NWHv4. 438 Preconceito pouco aplicáveis à população em geral (Sears, 1986); (ii) relevância das tarefas – os construtos (atitudes, crenças, comportamentos) medidos no laboratório são abstrações geralmente de pouca relevância social para os participantes dos estudos, como simulações de contratação de empregados, avaliações de grupos ou pessoas fictícias, ou breves interações com um estranho, de forma que podem gerar pouco engajamento nas respostas; e (iii) nem sempre se mede o que interessa medir – o que significa um escore “preconceituoso” num teste, como o de Associações Implícitas (TAI),12 seriam estereótipos, preconceito, ou apenas um mau hábito? Finalmente, outras estratégias para combater racismo e preconceito tomando os níveis individual e interpessoal de expressão foram: entretenimento, a exemplo de livros, filmes, programas de TV, com mensagens políticas de integração cultural; leituras e contação de histórias, nas quais membros das minorias são representados positivamente. Essas técnicas, no seu conjunto, alcançaram resultados medianos ou fracos de redução do preconceito, tanto no curto, quanto no médio prazo (Paluck & Green, 2009). A melhor recomendação para aqueles que pretendem trabalhar com programas de redução do preconceito no nível individual é permanecerem críticos em relação às recomendações advindas de pesquisas em laboratório até que estas sejam testadas em situações mais amplas e complexas, como as da vida real (Paluck & Green, 2009). 12.7.2 COMBATENDO O PRECONCEITO NO NÍVEL CULTURAL E INSTITUCIONAL Nada mais errônea que a crença de muitos judeus de que não haveria anti-semitismo se todos os judeus se comportassem adequadamente. Pode-se mesmo dizer que é o bom comportamento dos judeus, seu trabalho árduo, sua eficiência e êxito como negociantes, médicos e advogados, que estimulam a propensão anti-semita. O anti-semitismo não pode ser detido pelo bom comportamento do judeu individual, porque não se trata de um problema individual, e sim de um problema social (Lewin, 1948, p. 176). A advertência citada, de Kurt Lewin, nos ajuda a introduzir o tema do combate ao preconceito no nível intergrupal de análise. As intervenções conduzidas em laboratórios, considerando a expressão do preconceito perpetrada no nível dos grupos e das instituições, de forma geral, se debruçam sobre os efeitos do encontro com a diferença. Exemplos são: os modelos de recategorização, descategorização, categorização cruzada ou interseccionalidade e os modelos de integração. Todos esses modelos derivam da hipótese do contato de Allport (1954), pois supõem que o preconceito e o racismo se vinculam à identidade e ao etnocentrismo. 12 Para ver como funciona o teste acesse https://implicit.harvard.edu/implicit/brazil/ Psicologia social: temas e teorias 439 O modelo da recategorização proposto por Gaertner, Dovidio, Anastasio, Buchman e Rust (1993) sugere que a criação e ênfase em um pertencimento grupal mais amplo e inclusivo (superordenado), algo como: “embora tenhamos cores diferentes, somos todos seres humanos”, pode ajudar a superar os conflitos entre grupos. O modelo da descategorização, por sua vez, afirma que as interações personalizadoras podem atuar no combate às fronteiras identitárias de percepção das diferenças entre grupos (Brewer & Miller, 1984); por exemplo, “embora tenhamos cores diferentes, somos ambos indivíduos peculiares (eu e você), e isso é o que importa”. Os outros modelos se referem, de forma geral, à noção de diferenciação mútua e sugerem que, preservando as identificações aos pertencimentos grupais originais dos indivíduos, pode-se afirmar a interdependência positiva, isto é, necessidade de cooperação para alcançar metas coletivas comuns. Ou ainda, reportam-se ao fato de que, em algum nível no emaranhado de fios que nos ligam aos grupos nas teias sociais, há uma intersecção, ou seja, dois indivíduos totalmente diferentes em alguns aspectos, podem ter um pertencimento comum: eu sou mulher, você homem, eu sou branca, você negro, sou evangélica, você católico, sou homossexual, você hetero; mas somos ambos psicólogos. A metanálise de Paluck e Green (2009), indica que todas as intervenções baseadas nesses modelos identitários obtêm algum sucesso na redução do preconceito e racismo. Nos planos institucional e cultural de combate ao preconceito, muitas das intervenções são feitas, como era de se esperar, em instituições: escolas, empresas, comunidades, hospitais, delegacias e mídia. Embora elas tenham o mérito de atacar o problema no contexto onde ele emerge, há consequentes limitações metodológicas, de falta de controle de interferências ou de falta de instrumentos precisos que permitam avaliar, de forma sistemática, o que funciona e o que não funciona em termos de combate ao preconceito. Paluck e Green (2009) analisam ainda o efeito das intervenções experimentais conduzidas em cenários naturais ou realísticos para redução do preconceito no plano intergrupal das relações. São coligidas 107 intervenções de campo, a maioria delas sobre aprendizagem cooperativa. A principal estratégia empregada foi a técnica do “Jigsaw”, em sala de aula, a qual consiste em criar atividades do tipo quebra-cabeças, a fim de que crianças de diferentes grupos que, individualmente, possuem informações específicas necessárias para resolver o problema, interagem cooperativamente para a solução. Os estudos meta-analisados encontram resultados positivos de redução do preconceito contra diversas minorias sociais. Podemos chegar a partir da análise dos métodos que tratam da redução do preconceito a duas conclusões importantes. A primeira é a de que é possível vencer o monstro – se as pessoas aprendem a ser preconceituosas pelas mais diversas razões e interesses, elas também podem desaprender. Como referem Paluck e Green (2009), se a sociedade induz conformismo com as normas do preconceito, ela também pode induzir conformismo com as normas da tolerância e do respeito à diferença. A segunda diz respeito à falta de resultados consistentes no combate ao preconceito – pode se dever à ausência de teoria(s) adequada(s) para o entendimento dos fenômenos e das suas imbricações em diferentes níveis de análise, a exemplo do individual, cultural e 440 Preconceito institucional. Também é necessário construir, testar e aplicar medidas mais precisas sobre os efeitos das intervenções empregadas, considerando seus resultados a curto, médio e longo prazo. É preciso ter em conta que preconceito e racismo não são apenas marcas do nosso atraso moral, enquanto pessoas, e civilizacional, enquanto sociedade; eles impedem o desenvolvimento econômico e custam caro também em termos materiais. Somente em 2008 o governo francês gastou 600 mil euros para combater a discriminação. Nos Estados Unidos, os gastos com treinamento em diversidade corporativa chegam a 8 bilhões de dólares por ano (Er-Rafiy, Brauer, & Musca, 2010). Novamente, é Kurt Lewin (1948, p. 181) quem nos ajuda a entender que: “(...) o destino das minorias está ligado ao bem-estar econômico da maioria. Infelizmente, será impossível resolver o problema econômico enquanto as minorias desprivilegiadas puderem fornecer mão-de-obra barata e bodes expiatórios políticos”. Não obstante, a urgência e importância dos temas do preconceito e do racismo, a produção da psicologia social dominante permanece rica, em termos teóricos, e sofisticada, em termos metodológicos, mas ainda muito pouco capaz de intervenções efetivas no campo de conflito intergrupal (Paluck & Green, 2009). Desse modo, precisamos também construir uma agenda mais ampla e permanente de análise do preconceito e racismo na psicologia social do Brasil. Continuar estudando o assunto é um bom início. Procuramos apresentar, respeitando a lógica dos níveis individual, cultural e institucional de produção e expressão do preconceito, modelos de combate produzidos na psicologia social. Vimos, a partir de uma metanálise, que as estratégias para vencer o “monstro” dependem do nível adotado, podendo envolver desde processos de reestruturação cognitiva, de crenças e hábitos, num nível mais individual, até mudanças culturais, na forma de apresentação dos grupos na mídia, e transformações institucionais, na representatividade dos grupos e distribuição de recursos materiais e poder. Como o preconceito não assume a lógica de ser um fenômeno do tipo “ou”: “ou individual ou cultural ou institucional”; mas sim do tipo “e”: “individual e cultural e institucional”, as armas para seu combate devem também estar integradas numa lógica multinível. SUMÁRIO E CONCLUSÕES Ao longo deste capítulo vimos muitas definições e formas de abordagem do preconceito. Em todas as definições adotadas o preconceito foi considerado como uma atitude desfavorável contra alguém só por pertencer a um grupo ou categoria social. Vimos ainda que, por se tratar de uma atitude, os preconceitos possuem componentes cognitivos (as crenças e os estereótipos), afetivos (antipatias e aversões) e comportamentais (tendências para a discriminação). Discutimos ainda o modo como os preconceitos são formados. Nas várias teorias analisadas notamos que há algo consensual: a ideia de que é o conflito, real ou simbólico, que está na base dos preconceitos. Outro elemento central na formação dos preconceitos é a percepção de alguma Psicologia social: temas e teorias 441 diferença entre o “meu grupo” e o “grupo do outro”. Salientamos que por se tratar de um fenômeno complexo e multicausado, as análises e as formas de combate necessitam integrar planos explicativos, desde os mais intraindividuais aos ideológicos e culturais. Apresentamos, ainda, um conjunto de teorias sobre os chamados “novos preconceitos”, todas elas enfocando formas de expressão do fenômeno que são disfarçadas ou veladas graças às pressões das normas e dos princípios da igualdade. Percebemos que cada contexto histórico e cultural produz uma forma peculiar de preconceito, ainda que seja comum a todas elas a expressão indireta de afetos e ações negativas contra minorias sociais. Enfocamos, também, aspectos peculiares do preconceito racial brasileiro, o qual já se manifestava de modo indireto ou sutil muito antes do racismo nos Estados Unidos e na África do Sul. Finalmente, apresentamos alguns dos modelos de combate ao preconceito que foram produzidos pela psicologia social. Vimos que tais estratégias de enfrentamento para se tornarem efetivas devem, assim como as análises sobre esses fenômenos, integrar planos de intervenção, desde os mais focados nas cognições individuais aos mais centrados nas práticas políticas e sociais. Esperamos que a leitura do texto tenha colaborado para ampliar, não só a sua compreensão, mas também a consciência da necessidade de atuar sobre ele. GLOSSÁRIO Atitude: uma classificação de um objeto social em uma dimensão avaliativa baseada ou gerada por três classes gerais de informação: afetiva, cognitiva e conativa ou de disposição ao comportamento. Bode expiatório: alvo deslocado ou substituto para sentimento de frustração e tendências agressivas, percebido/escolhido como fonte de danos e causa dos problemas e infortúnios de outros. Endogrupo: qualquer grupo ao qual pertencemos e nos sentimos ligados, definido como diferente de outros grupos aos quais não pertencemos (exogrupos). Exogrupo: qualquer grupo ao qual não pertencemos e com o qual não nos identificamos, o grupo dos outros. Explicações essencializantes: são aquelas que concebem ou descrevem fenômenos, acontecimentos, pessoas e grupos em termos de “essências” ou invariantes, refletindo a crença de que existem nelas certas propriedades ou caraterísticas essenciais e IMUTÁVEIS que fazem elas serem como são: “O que nos leva a perceber três tigres albinos como tigres? Uma propriedade causal invisível que governa o desenvolvimento e o crescimento do organismo “tigre”. Circunstâncias sociais – incluindo variações no processo de desenvolvimento, graças a acidentes pós-natais etc. – podem mudar a aparência, mas não a natureza essencial do organismo” (Hirschfeld, 1998, p. 336). Infra-humanização: é um processo de representação do outro (alteridade) no qual ele/ela é percebido como estando “abaixo” dos humanos, como sendo menos humano, de acordo com uma lógica que concebe “cadeia de ser” ou níveis de hominização. Uma das formas de expressá-la é considerando que o outro é menos capaz de sentir emo- 442 Preconceito ções complexas (sentimentos). A infra-humanização é uma forma de inferiorização da diferença ainda menos radical que a desumanização, que se refere a qualquer processo ou prática que reduzia os seres humanos ao nível de mecanismos (coisas, máquinas) ou animais. Interdependência: um estado no qual duas ou mais pessoas, situações, variáveis ou outras entidades dependem ou reagem umas com as outras, de tal forma que uma não pode mudar sem afetar a outra. Ou seja, os resultados de cada um dependem das ações dos outros. Nas relações entre interpessoais e intergrupais pode-se ter a interdependência positiva, quando as entidades colaboram para alcançar objetivos comuns ou a interdependência negativa, quando competem por interesses antagônicos. Normas sociais: qualquer padrão social consensualmente determinado que indique quais comportamentos são considerados típicos em um determinado contexto (normas descritivas) e quais comportamentos são considerados adequados no contexto (normas injuntivas). As normas sociais se aplicam a todos os grupos e configurações sociais, enquanto as normas de grupo são específicas de um grupo em particular. Processos cognitivos automáticos: são aqueles processos mentais espontâneos, que ocorrem muitas vezes fora do nosso controle consciente. Neles o processamento da informação pode ser realizado mais rapidamente, sem muito esforço e deliberação. Processos cognitivos controlados: são aqueles processos mentais deliberativos que envolvem um nível superior de planejamento, tomada de decisão, resolução de problemas, sequenciamento de ações, atribuição e organização de tarefas, busca de metas com esforço e persistência, flexibilidade na seleção de metas e ações, dentre outros. SUGESTÕES DE RECURSOS PARA APROFUNDAMENTO SOBRE O PRECONCEITO RECURSOS AUDIOVISUAIS -- O documentário sobre o exercício “Blue eyes–Brown eyes” de Jane Elliott. Trata-se de uma dinâmica conduzida pela professora na sua classe de alunos, em 5 de abril de 1968, um dia após o assassinato de Martin Luther King Jr. Os alunos são divididos pela cor dos olhos e à diferenciação é acrescida uma distintividade positiva, que produz conflito intergrupal e preconceito. Acessível em https://youtu.be/AeiXBLAlLpQ -- O documentário “It’s a Girl” com direção de Evan Grae Davis, produzido pela Shadowline Films, conta histórias sobre o genocídio de crianças do sexo feminino na Ásia. Acessível em https://www.youtube.com/watch?- v=6m3M_oHslQE -- Sobre processos cognitivos automáticos e controlados recomendamos um vídeo-aula. Acessível em https://study.com/academy/lesson/controlled-vs- -automatic-processing-definition-difference.html Sobre julgamentos sociais e preconceito sugerimos o filme “Doze homens e uma sentença”, dirigido por Sidney Lumet, no qual é retratado o julgamento de um jovem Psicologia social: temas e teorias 443 porto-riquenho acusado de assassinato. Também vale a pena o quarto episódio da primeira temporada da série de TV “Cem humanos”. RECURSOS BIBLIOGRÁFICOS -- Allport, G. W. (1954/1979). The nature of prejudice. 3ª Ed. Wokingham: Addison-Wesley. -- Lima, M. E. O. (2013). Preconceito. In A. R. R. Torres, L. Camino, M. E. O. Lima e M. E. Pereira (Org.). Psicologia Social: Temas e Teorias (pp. 589-642). Brasília: Techonopolitik. -- Torres, A. R., Camino, L. (2013). Grupo social, relações intergrupais e identidade social. In A. R. R. Torres, L. Camino, M. E. O. Lima e M. E. Pereira (Ed.), Psicologia Social: Temas e Teorias (pp. 513-538). 2ª ed. Brasília, DF: TechnoPolitik. -- Pereira, C., Torres, A. R. R., & Almeida, S. T. (2003). O preconceito na perspectiva das representações sociais: Análise da influência de um discurso justificador da discriminação no preconceito racial. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(1), 95-107. -- Evans, J. St. B. T. (2008). Dual-Processing Accounts of Reasoning, Judgment, and Social Cognition. Annual Review of Psychology, 59, 255-278. SUGESTÕES DE RECURSOS PARA APROFUNDAMENTO SOBRE O RACISMO RECURSOS AUDIOVISUAIS “A outra história americana” (filme de 1999 dirigido por Tony Kaye), “Moonlight: sob a luz do luar” (2016, direção de Barry Jenkins), “American Son” (2019, direção de Kenny Leon), “O mordomo da Casa Branca” (2013, direção de Lee Daniels). “Corra” (2017, dirigido por Jordan Peele), “Infiltrado na Klan” (dirigido por Spike Lee), “Selma – Uma Luta Pela Igualdade” (dirigido por Ava DuVernay). –– Há também várias séries para TV, sugerimos algumas: “Olhos que condenam” (direção Ava DuVernay), “Atlanta” (dirigida e estrelada por Donald Glover), “Cara gente branca” (criação Justin Simien) e “Mister Brau” (comédia de Jorge Furtado e Adriana Falcão). RECURSOS BIBLIOGRÁFICOS –– Camino, L.; Dilva, P.; Machado, A.; Pereira, C. (2001). A face oculta do racismo no Brasil: uma analise psicossociológica. Revista Psicologia Política, v. 1, n. 1, p. 13-36. –– Lima, M. E. O. (2019). O que há de novo no “novo” racismo do Brasil? Dossiê educação das relações étnico-raciais na contemporaneidade: permanências e transformações, 4(7). Disponível em http://costalima.ufrrj.br/index.php/REPECULT/article/ view/317. –– Vala, J., & Pereira, C. (2012). Racism: An Evolving Virus. Proceedings of the British Academy, 179, 49-70. 444 Preconceito –– Fredrickson, G. M. (2015). Racism: a short history. Nova Jersey: Princeton University Press. –– Taguieff, P. A. (2001). Racismo. Lisboa: Instituto Piaget. –– Vala, J. (2015). Racismos: representações sociais, preconceito racial e pressões normativas. In J. C. Jesuíno, F. R. P. Mendes & M. J. Lopes (Eds.), As representações sociais nas sociedades em mudança (p. 153-183). (Coleção Psicologia Social). Petrópolis, RJ: Vozes. Notas: CAPÍTULO 13 GÊNERO Luiza Lins Araújo Costa Hyalle Abreu Viana Iara Maribondo Albuquerque INTRODUÇÃO As últimas décadas foram testemunhas de uma crescente visibilidade e consciência pública acerca das questões de gênero. Contudo, esse crescimento não representa, necessariamente, avanços significativos, pois a violência contra a mulher continua a ser um dos problemas mais persistentes e desafiadores do nosso tempo. Dada a sua complexidade, a compreensão dessa problemática pode ser particularmente desafiante em um país como o Brasil, em que existem desigualdades de toda ordem e uma ofensiva conservadora em curso (Biroli, 2018). Segundo o Intitulo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2021), mesmo que os indicadores sobre violência contra a mulher esbarrem na subnotificação de casos, os dados são alarmantes e o ambiente doméstico, por exemplo, representa um contexto de risco com diferenças explícitas em função do gênero no país. Em 2019, enquanto para os homens a proporção de homicídios que ocorreram no domicílio foi de 11,2%, para as mulheres esse índice atingiu 30,4%, com taxas maiores entre mulheres pretas ou pardas. 446 Gênero Nesse contexto, este capítulo tem as questões de gênero como objeto de análise e objetiva discutir relações entre os conceitos de gênero, sexismo e discriminação, analisando sua importância e centralidade para a compreensão da realidade social. Mas, se como vimos no Capítulo 12 , existem tantos tipos de preconceito quanto pertencimentos a grupos minoritários na estrutura de poder (Lima, 2022), por que precisamos de um capítulo inteiro para abordar questões de gênero? O sexismo e a discriminação de gênero apresentam peculiaridades que justificariam essa escolha? Sob tais questões assentam o presente capítulo. Na tentativa de respondê-las, inicialmente, abordamos os conceitos em questão e desenvolvemos articulações com teorias e conceitos já abordados neste livro, como os estereótipos de gênero e o preconceito. Na sequência, o texto é estruturado em três seções que visam desenvolver as discussões sobre gênero em diferentes perspectivas, contemplando desdobramentos atuais sobre o tema, são elas: (1) Discriminação de gênero e sua centralidade na compreensão da realidade social; (2) Homens igualitários e as diversas faces do sexismo; e (3) Paridade de gênero e representação política de mulheres. 13.1 GÊNERO, SEXISMO E DISCRIMINAÇÃO: ALGUMAS RELAÇÕES O conceito de gênero é alvo de profundas discussões e seu emprego reflete as diferentes perspectivas teóricas e políticas daqueles que o utilizam. Parte importante dessas discussões, refere-se à origem das diferenças entre homens e mulheres, na clássica dicotomia: biologia vs. cultura. Em perspectivas mais biologizantes, o gênero se confunde com a noção de sexo, sendo esses termos utilizados como sinônimos. Por outro lado, perspectivas em ciências sociais compreendem o termo como uma ferramenta para pensar criticamente as concepções de masculino e feminino (Corrêa, 2011). Nesse ínterim, os estudos no campo da antropologia social foram cruciais para o questionamento do determinismo biológico na explicação de diferenças entre homens e mulheres. Margareth Mead (1988), por exemplo, investigou diferenças de temperamento entre os sexos em diferentes sociedades e observou que, em algumas culturas, o temperamento esperado para homens e mulheres era totalmente oposto àquilo que se espera em sociedades ocidentais (Oliveira, 2016). Com base nessa e em outras evidências, passou-se a contestar a naturalização da diferença entre homens e mulheres. Para Butler (2015), os corpos são produções discursivas, construções sociais e, por isso, o gênero também está em constante construção, em sincronia com os fatores cultural e social, de acordo com o que é histórico e o que nos cerca imediatamente. Os pós-estruturalistas consideram que o gênero é um efeito da linguagem, produzido e gerado a partir de discursos, e não a partir da biologia. Nessa perspectiva, não haveria essências verdadeiras ou naturais a serem manifestadas por homens ou mulheres, pois gênero e corpos são produções discursivas que se constituem no ato mesmo a partir do qual são nomeados (Narvaz & Kohler, 2007). Psicologia social: temas e teorias 447 Além disso, o gênero “estabelece interseções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas” (Butler, 2015, p. 20), não sendo possível separar a noção de “gênero” do contexto e das interseções em que invariavelmente ela é produzida e mantida. Ademais, ainda que não seja parte do escopo deste capítulo, é importante destacar que os estudos de gênero estão estreitamente relacionados ao movimento feminista. Conceituar o feminismo sempre foi algo controverso, não havendo uma definição unívoca ou uma unanimidade neste âmbito, pois, ao longo da história, observamos muitas fases, teorias e movimentos feministas. Entretanto, a mudança social necessária à plena igualdade foi sempre um objetivo central e apesar da existência de diferentes posturas, que ainda coexistem, podemos afirmar que o feminismo está fortemente relacionado ao caráter de luta e movimento social (Nogueira, 2012). A emergência dos movimentos feministas e dos estudos de gênero revolucionaram o campo das ciências sociais ao denunciar o silenciamento da contribuição das mulheres nos processos políticos contemporâneos (Santos & Amâncio, 2016). É por essa ótica que seguimos este capítulo, considerando que as mulheres ainda hoje são percebidas como um “segundo sexo” (Beauvoir, 1949/1999), cidadãs de segunda categoria, restritas a um enquadramento da cultura patriarcal, que impõe vários limites a seu efetivo acesso à cidadania (Connor, Glick, & Fiske, 2016; Morrell, Jewkes, & Lindegger, 2012). Cabe enfatizar, também, que em função dessa construção social e cultural dos gêneros, bem como das normas e valores relacionados a eles, aos homens é atribuída uma posição central, pública e ativa na sociedade (Scott, 1995). Isso faz com que, ao abordarmos as questões de gênero, muitas vezes deixemos de lado a importância de pensar a masculinidade e o papel ocupado pelo homem também como parte dessas discussões. Essa consideração é fundamental até mesmo para a compreensão do domínio masculino amplamente difundido (embora não necessariamente universal) e representado pelo termo patriarcado (Glick & Fiske, 2001). Na Psicologia Social, Alice Eagly desenvolveu, na década de 1980, a Teoria dos Papéis Sociais que aborda diferenças comportamentais entre homens e mulheres em vários níveis de análise. A teoria parte da concepção de papéis de gênero enquanto crenças consensuais sobre os atributos de mulheres e homens. Essas crenças tiveram origem na distribuição de papéis sociais em função de diferenças físicas (tamanho e força como masculinos, atividades reprodutivas, femininas) e a socialização promove a manutenção desses papéis típicos, permitindo que homens e mulheres, em geral, desenvolvam traços de personalidade e habilidades congruentes com tal distribuição inicial dos papéis sociais. Os papéis de gênero são, portanto, inferências que partem de uma noção equivocada de que existem atributos inatos e inevitáveis dos sexos. Quando o que existem, na verdade, são características sociais naturalizadas ao longo da história (Eagly & Mladinic, 1994; Eagly & Wood, 2012). Com base nessa naturalização, às mulheres são atribuídos estereótipos mais comunitários (como atenciosas, preocupadas com o bem-estar dos outros, sensíveis, afetuosas, emotivas) e aos homens são feitas atribuições de agentes (assertivos, com- 448 Gênero petitivos, controladores, independentes), sendo que o poder e a busca de poder, em particular, são centrais para a construção dessa dimensão de agência (Eagly & Mladinic, 1994; Eagly & Wood, 2012; Okimoto & Brescoll, 2010; Prentice & Carranza, 2002). Esses estereótipos de gênero acentuam as diferenças entre categorias (homens vs. mulheres), oferecendo uma versão simplificada da realidade. Portanto, o gênero como categoria social imediatamente detectada, cronicamente saliente, relativamente fixa e facilmente polarizada (Ellemers, 2018) serviu historicamente para legitimar a desigualdade entre homens e mulheres e naturalizar a invisibilidade feminina (Garrido, Álvaro, & Torres, 2018). Nessa direção, Cabecinhas e Laisse (2021) investigaram as representações das mulheres nos manuais de história em vigor em Moçambique e encontraram um quadro historiográfico apoiado na liderança masculina, enquanto as mulheres são confinadas aos papéis tradicionais de gênero, com raras exceções. Para as autoras, a construção da história é uma forma de exercício do poder e, por tal motivo, os manuais escolares e outros instrumentos de memória pública espelham as desigualdades de poder que estruturam a sociedade. Assim, as mulheres são representadas como uma categoria social homogênea e da qual nada se espera para além da reprodução biológica e cultural. Essa essencialização desempenha um papel importante na perpetuação do sexismo e outras formas de estereotipagem das diferenças sexuais (Pereira, Álvaro, & Garrido, 2016). Como vimos, o sexismo é um tipo de preconceito que tem a mulher como grupo alvo e apresenta uma faceta ambivalente, pois não objetiva seu distanciamento e sim sua aproximação, contanto que ocorra a partir da divisão sexual dos papéis. Há dois tipos de sexismo, o hostil e o benevolente: enquanto o sexismo benevolente “recompensa” mulheres que cumprem as normas sociais impostas a elas, o sexismo hostil se expressa abertamente, com a intenção de punir a mulher que não se mantém fixa aos papéis tradicionais de gênero (Glick & Fiske, 2001). Assim, a combinação do sexismo hostil e benevolente circunscrevem o poder político, econômico e pessoal das mulheres (Connor et al., 2016). Na explicação da discriminação sexista, Méndez (1995) e Zurutuza (1993) partem do pressuposto de que a dicotomia público vs. privado, característica da sociedade patriarcal, é constantemente reforçada durante o processo de socialização e levaria os meninos a desenvolverem imagens de masculinidade associadas à figura do homem como forte, dominador e responsável pelo sustento da família e imagens de feminilidade relacionadas à mulher como uma pessoa dócil, submissa e responsável pelo lar e pela prole. Em conjunto, tais imagens sobre a supremacia masculina formariam o substrato psicossocial que justificaria as atitudes de discriminação, opressão e dominação masculina (ver Capítulo 12 sobre Preconceito). Em síntese, a discriminação sexista pode ser entendida como um instrumento utilizado pela sociedade patriarcal para garantir as diferenças de gênero, que se legitimam por meio das atitudes de desvalorização do feminino. Cabe debater, portanto, variáveis psicossociais que estão subjacentes à manutenção da discriminação. Psicologia social: temas e teorias 449 13.2 DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO E SUA CENTRALIDADE NA COMPREENSÃO DA REALIDADE SOCIAL A discriminação de gênero refere-se a uma violação comum dos direitos civis que envolve o tratamento desvantajoso de um indivíduo ou grupo de indivíduos com base em sua identidade de gênero (Saffioti, 2004). Podemos tomar como exemplo a taxa de participação da população brasileira no mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE (2021), em 2019, a participação das mulheres foi de 54,5%, enquanto entre os homens esta medida chegou a 73,7%. Cabe destacar, também, que essa taxa está associada ao tempo dedicado às atividades domésticas, sendo que as mulheres dedicam quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas contra 11,0 horas semanais) nessas funções. Assim, compreender a centralidade e o impacto desse tipo de discriminação é fundamental para conceber intervenções políticas que promovam uma sociedade equânime (Barron, Ditlmann, Gehrig, & Schweighofer-Kodritsch, 2022). Como vimos, razões históricas e a manutenção do patriarcado, enquanto um sistema sociopolítico ainda vigente, impõem uma série de normas e padrões aceitáveis de comportamento às mulheres. Portanto, o pertencimento ao gênero e à identidade feminina, implica também que mulheres sejam consideradas enquanto um grupo minoritário na estrutura de poder, situando-se em um patamar de desigualdade em várias esferas e assumindo uma série de obrigações em relação aos homens. Enquanto elas são incentivadas a se manterem na vida privada e sob o domínio dos homens, esses são considerados os únicos capazes de conduzir a vida política, econômica, moral e social (Peng, Yu, Wang, & Zhang, 2022). Dito de outra forma, embora sejam maioria em número absoluto, as mulheres podem ser consideradas uma minoria social, pois têm acesso limitado ao poder nos âmbitos pessoal, econômico e político (Connor, Glick, & Fiske, 2016; Taschler & West, 2017). Apesar da antiguidade dessa visão, ela ainda persiste na contemporaneidade em diferentes contextos, assumindo novas roupagens. Entre os diferentes cenários onde é possível verificar a manutenção desse fenômeno, dois deles são comuns em nosso entorno: o âmbito laboral e de violência contra as mulheres (Pérez, 2017). Considerando o primeiro contexto supracitado, é possível apontar um conjunto de trabalhos que forneceu evidências de que a discriminação desempenha um papel importante na geração das diferenças de gênero. Essa influência é observada, por exemplo, na contratação, nos salários e na progressão de carreira. Em média, os homens têm duas vezes mais chances de serem contratados do que as mulheres, mesmo quando os dois têm currículos idênticos. As contribuições das mulheres são sistematicamente subestimadas o que também leva a resultados mais baixos no mercado de trabalho, condicionando a qualidade de suas ideias. Além disso, sabe-se que os indivíduos são menos propensos a serem selecionados em domínios considerados incongruentes em função do gênero e menos propensos à promoção quando estão na minoria de gênero dentro de seu grupo (Reuben, Sapienza, & Zingales, 2014; Bohnet, Van Geen, & Bazerman, 2015; Bohren, Haggag, Imas, & Pope, 2020; Coffman, Exley, & Niederle, 2020; Isaksson, 2018; Coffman, Flikkema, & Shurchkov, 2021; Sarsons, 2019; Hengel, 2022; Card, DellaVigna, Funk, & Iriberri, 2020; Sarsons, Gërxhani, Reuben, & Schram, 2021). 450 Gênero Tais investigações detectam a discriminação de gênero e seu impacto social. Contudo, é importante compreender também as causas subjacentes a esse fenômeno para a elaboração de políticas eficazes no sentido de extingui-la. Nessa direção, um corpo substancial de estudos revelou que os estereótipos de gênero funcionam como legitimadores do acesso limitado das mulheres ao poder nas esferas pessoal, econômica e política (Castillo-Mayén & Montes-Berges, 2014; Connor et al., 2016; Pedregosa & Díaz, 2016; Pereira, Álvaro, & Garrido, 2016). Os estudos sobre esse tema indicam, por exemplo, que a maneira como as mães são percebidas aumenta as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho (González, Cortina, & Rodríguez, 2019). As mulheres que têm filhos são avaliadas como menos competentes e mais emocionais em comparação com as mulheres que não têm filhos. Consequentemente, as mães que trabalham são menos propensas a serem entrevistadas, contratadas, treinadas ou promovidas em comparação com pais ou mulheres sem filhos (Correll, Bernard, & Paik, 2007; Cuddy, Fiske, & Glick, 2004; Sullivan, 2015). Adicionalmente, os homens comparados às mulheres não são suscetíveis às mesmas percepções negativas quando se tornam pais (Gungor & Biernat, 2009). Além disso, a promoção também é mais difícil para as mulheres em comparação aos homens, à medida que avançam na hierarquia organizacional, indicando que elas enfrentam obstáculos para alcançar posições de sucesso (Heilman, 2012). Nessa esteira, Albuquerque, Estramina, Torres e Luque (2020) ao investigarem a discriminação de gênero no mercado de trabalho, utilizando como cenário o exercício do direito à licença parental, confirmaram a influência dos estereótipos de gênero enquanto variável psicossocial que auxilia na manutenção do fenômeno. Concretamente, a investigação revelou que a mulher mãe que exerce o direito à licença parental é avaliada mais positivamente quando comparada à mãe que renuncia à licença que era legitimamente dela. Esse resultado é consistente com o pressuposto de que a mãe que renuncia ao direito à licença parental pode ter sido avaliada mais negativamente por violar o estereótipo de gênero que vincula a mãe aos cuidados físicos e emocionais de seus filhos (Etaugh & Folger, 1998). Nesse sentido, estudos descobriram que mães empregadas que não atendem às expectativas de gênero “apropriadas” são diminuídas como cuidadoras, e seu desempenho e competência no trabalho são questionáveis (Albiston, 2007; Benard & Correll, 2010; Sterling & Reichman, 2016). Além disso, no local de trabalho, uma interrupção dos papéis tradicionais de gênero está relacionada a uma série de desvantagens, como salários mais baixos, menor disposição para contratar e promover, bem como menos recomendações para recompensas organizacionais (Heilman & Chen, 2005). Por outro lado, os resultados encontrados em relação aos estereótipos de mulheres que exercem o direito à licença parental (em comparação com as que renunciam ao direito) como mais competentes, morais e sociáveis divergem do que foi mostrado em estudos anteriores. Nos estudos de Cuddy, Fiske e Glick (2004), as mães que trabalhavam eram percebidas como competentes, mas menos sociáveis quando comparadas àquelas não trabalhavam. Já os homens que exercem o direito à licença parental con- Psicologia social: temas e teorias 451 tinuam sendo vistos como competentes, além de serem considerados mais sociáveis e morais (Bygren, Erlandsson, & Gähler, 2017; Johansson, 2010). Assim, homens com filhos têm uma probabilidade significativamente menor de serem discriminados no local de trabalho, em comparação com as mães (Plickert & Sterling, 2017). Desse modo, os resultados encontrados por Albuquerque, Estramiana, Torres e Luque (2020) reforçam o argumento de que a igualdade de gênero no local de trabalho não será alcançada sem mudanças substanciais nos papéis tradicionais de gênero. Embora seja certo que tenha havido mudanças significativas nos estereótipos de gênero, especialmente no feminino, alguns dos estereótipos tradicionais permanecem em vigor, influenciando de maneira diferenciada as relações intergrupais e a discriminação contra as mulheres (Ellemers, 2018). Nesse sentido, ações e políticas para a igualdade de gênero poderiam prever propostas destinadas a promover mudanças efetivas na construção dos papéis de gênero; assim como estudos futuros poderiam investigar questões que apoiariam o desenvolvimento de tais práticas. Outras soluções viáveis para erradicar o fenômeno da discriminação contra as mulheres no local de trabalho dizem respeito ao uso da linguagem nas descrições e anúncios de empregos tradicionalmente masculinos (Horvath & Sczesny, 2011); empregar mulheres em papéis tradicionalmente masculinos nas organizações (Heilman, 2012); e apoio aos funcionários na reconciliação das expectativas de papéis estereotipados entre homens e mulheres em relação às necessidades de trabalho e familiares (Ellemers, 2018). Outro contexto que pode ser considerado no estudo da discriminação de gênero refere-se à violência contra a mulher que se configura como tema relevante para a saúde pública em decorrência de sua alta magnitude em todo o mundo (Conceição & Madeiro, 2022). Embora os números apresentados no cenário mundial atinentes a esse fenômeno sejam um reflexo parcial da realidade, dada a subnotificação de casos, são suficientes para definir a grave violação dos direitos humanos que representa. Esse cenário, que já poderia ser definido como uma pandemia de violência contra mulheres, foi agravado com a deflagração da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), declarada em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Visto que a pandemia produziu efeitos adversos em virtude das medidas de isolamento social rígido e as restrições de atividades econômicas. O número de mulheres vítimas de violência durante a pandemia cresceu, uma vez que elas passaram a ficar em casa com os perpetradores dessa violência (Santos, 2020). Segundo a Organização Mundial da Saúde (2020), concretamente, os casos de feminicídio aumentaram 22,2% entre março e abril do ano de 2020, em 12 estados do país, quando comparado ao ano de 2019. Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, antes da pandemia, em 2018, foram registrados 1.206 feminicídios no Brasil (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019). Convertendo esse número em horas já era possível afirmar que uma mulher era morta a cada oito horas no país. Esse cenário ficou ainda pior na pandemia. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas entre março de 2020 e dezembro de 2021, foram registrados 2.452 feminicídios e 100.398 casos de estupro de vulnerável de vítimas do gênero feminino. Esses dados têm como fonte os boletins de ocorrência das Polícias Civis das 27 Unidades da Federação. 452 Gênero As raízes da violência contra a mulher remontam o sistema patriarcal que reproduz relações desiguais de gênero. Essas, por sua vez, são complementares, ordenadas hierarquicamente na estrutura social e configuram-se enquanto produto da ampla difusão e aceitação da ideologia sexista (Connor, Glick, & Fiske, 2016; Johnson, Dowd, & Ridgeway, 2006; Santoro, Martínez-Ferrer, Gimeno, & Musitu, 2018). Mas quais são as variáveis psicossociais que estão subjacentes à violência contra mulher? Existem muitos processos psicossociais que contribuem para a manutenção da discriminação contra a mulher, dentre eles é possível citar a vitimização secundária, fenômeno no qual a vítima, além de ter sofrido um crime, é culpabilizada pelo surgimento dele. E, assim, o autor da violência é destituído da sua responsabilidade (Lima, Alves, & Ribeiro, 2022). A literatura tem investigado o que estaria relacionado ao endosso a esse fenômeno que, inicialmente, foi compreendido no nível cognitivo, como processamento de informações. Como um processo automático, as pessoas tenderiam a buscar “motivos” que justifiquem o crime, culpabilizando a vítima. No entanto, Albuquerque, Torres, Estramiana e Luque (2019) indicaram que esse endosso não ocorre exclusivamente no nível cognitivo e está relacionado a outras variáveis subjacentes ao fenômeno, como os valores definidos como vinculativos. Valores vinculativos visam avaliar as ações em termos de lealdade, autoridade e pureza e proteger o grupo, mesmo que isso signifique que a vítima deve ser culpada (Graham et al., 2011; Niemi & Young, 2016; Yilmaz et al., 2016). O estudo de Albuquerque, Torres, Estramiana e Luque (2019) evidencia, então, que a alta adesão aos valores vinculativos produz uma maior vitimização secundária, independente de pertença grupal da vítima (variável psicossocial). Ademais, verificaram que a alta adesão aos valores vinculativos leva a uma maior culpa da vítima do grupo interno em comparação com a vítima do grupo externo (Albuquerque, Torres, Estramiana, & Luque, 2019). Assim, independente das características da vítima ou dela fazer parte ou não do grupo de quem a avalia (interno ou externo), ela é mais culpabilizada quando o avaliador adere a esses valores. Essa compreensão das variáveis que estão por trás e contribuem para manutenção da violência de gênero é fundamental para o desenvolvimento de estratégias que considerem a complexidade do fenômeno para o seu melhor enfrentamento. Quanto ao perfil da vítima de violência, um estudo conduzido por Albuquerque, Torres, Estramiana, Luque e Rodrigues (2021) revelou que não há uma caracterização padrão, ou seja, basta se enquadrar na categoria “mulher” para se estar sujeito à violência de gênero. Embora as estatísticas apresentadas no cenário brasileiro sinalizem uma prevalência desse fenômeno na fase adulta e estudos prévios indiquem que as vítimas denunciantes, em sua maioria, são pardas e negras, estão na faixa etária entre 18 e 37 anos, possuem ensino médio completo, têm renda ou estão empregadas e são solteiras (Gadoni-Costa, 2010; Galvão & Andrade, 2004; Henriques, 2004; Kronbauer & Meneghel, 2005; Labronici, Ferraz, Trigueiro, & Fegadóli, 2010; Nascimento, Santos, & Santos, 2017; Teixeira & Miranda, 2017). Sobre o tipo de violência sofrida pelas mulheres, foi demonstrado que a maior parte das vítimas sofre violência psicológica e física, perpetrada pelo companheiro Psicologia social: temas e teorias 453 (Deslandes, 1999; Gadoni-Costa, 2010; Galvão & Andrade, 2004; Labronici et al., 2010). Quanto à violência física, percebe-se que o foco maior das agressões se concentra na cabeça, pescoço e braços (Albuquerque, Torres, Estramiana, Luque, & Rodrigues, 2021). Esse resultado condiz com estudo prévio que objetivou descrever o perfil dos atendimentos às vítimas de violência por parceiro íntimo em serviços de urgência e emergência vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS), sinalizando que a parte do corpo mais atingida era a cabeça ou pescoço, seguida por múltiplos órgãos (Garcia & Silva, 2018). Adicionalmente, nessa investigação, foi possível observar uma associação de álcool e outras drogas no relato sobre a violência sofrida pelas mulheres. Estudos prévios (Berg, Kremelberg, Dwivedi, Verma, Schencsul, Gupta et al., 2010; Reichenheim, Dias, & Moraes, 2006) demonstraram que as taxas de agressões contra as mulheres, em geral, são mais altas quando os homens bebem exageradamente, em comparação com dias de consumo de álcool socialmente aceitável. Desse modo, é possível afirmar que o consumo de álcool elevado pode acarretar mudanças de humor que repercutem desfavoravelmente na relação, potencializando situações de discussões e violência (Vieira, Cortes, Padoin, Souza, Paula, & Terra, 2014). Reunidas, essas informações contribuem para a análise do sexismo e da discriminação de gênero. Mas, ao abordarmos aqui a persistência da discriminação contra a mulher em dois contextos distintos (âmbito laboral e violência contra a mulher), os homens aparecem apenas como grupo majoritário, dominante ou mesmo enquanto perpetradores da violência. Será que esse é o único papel que os homens podem ocupar nessa discussão? Os fatores psicossociais que atuam na persistência da discriminação de gênero não afetariam também aos homens? 13.3 HOMENS IGUALITÁRIOS E AS DIVERSAS FACES DO SEXISMO Como vimos até aqui, a maioria das pesquisas que objetivam compreender o sexismo e a discriminação de gênero tem focado, sobretudo, em como esse fenômeno impacta na vida das mulheres em sociedade. No entanto, também é importante chamarmos atenção para o fato de que o sexismo é o preconceito baseado em construções normativas relacionadas ao gênero ou sexo de uma pessoa, e por essa razão pode atingir tanto mulheres quanto homens, mesmo que em proporções diferentes. Tendo essas reflexões como referência, os resultados do estudo desenvolvido por Anderson (2009) mostraram que homens defensores da igualdade são percebidos com estereótipos mais femininos. Esse mesmo autor, ao pedir aos participantes para avaliarem assuntos nas categorias “homem”, “mulher”, “feminista” e “homem feminista”, demonstrou que estes últimos também foram percebidos como relativamente mais fracos e homossexuais. Também em pesquisa desenvolvida por Rudman, Mescher e Moss-Racusin (2012) foi demonstrado que tanto homens como mulheres tendem a estigmatizar o “homem igualitário”, atribuindo-lhe estereótipos mais femininos e percebendo-o como mais suscetível de ser homossexual, quando comparado com os alvos masculinos que não apoiam a igualdade de direitos entre homens e mulheres. 454 Gênero Ademais, esses resultados apontam que quando um homem adere aos ideais da igualdade de gênero, ele começa a ser visto como possuindo características estereotípicas femininas e sua própria orientação sexual é questionada. Em um estudo com universitários, Viana, Souza e Torres (2018) também identificaram que o homem em profissão considerada feminina sofre o desafio de ser visto como homossexual. Diante desses resultados, é importante trazer para a reflexão que o problema não é ser percebido como homossexual, mas os fatores que estão subjacentes a essa percepção, justificando-a para proteger os padrões de uma categoria estereotípica e dominante. O estudo realizado por Viana, Torres e Estramiana (2020) corrobora todos esses dados ao mostrar também a influência do posicionamento igualitário na atribuição estereotípica a homens. Essa pesquisa investigou estereótipos frequentemente atribuídos a homens igualitários (entendidos nesse estudo como homens que defendem a igualdade de gênero). Os resultados também apontaram que os homens igualitários são frequentemente vistos como fracos ou possivelmente homossexuais. Esses autores fundamentaram suas reflexões na teoria das relações intergrupais (Tajfel, 1982) que entre outras coisas mostra que a mera consciência de pertencimento a um grupo (endogrupo) e não a outro (exogrupo) já seria capaz de promover a discriminação entre os membros desses grupos em um processo chamado de comparação social. Dessa forma, o fato dos homens se aproximarem de ideais defendidos historicamente por mulheres, como a pauta da igualdade de gênero, pode fazer com que eles sejam percebidos como uma ameaça à identidade do grupo masculino e ao status desse grupo. E, para protegerem a imagem e os privilégios do grupo, tendem a enxergar os homens igualitários com atributos costumeiramente direcionados às mulheres. Diante disso, mesmo que as pesquisas sobre gênero e sexismo majoritariamente considerem apenas a mulher como grupo alvo da discriminação, não se pode perder de vista que o sexismo é um construto multidimensional. O sexismo é um fenômeno que consegue assumir diversas facetas tendo em vista um único objetivo: “manter a mulher em seu devido lugar”, ou dito de outra forma: manter o status quo em que os homens são detentores do poder e dos privilégios (Connor, Glick, & Fiske, 2016). Como vimos, além do sexismo, a norma social, os estereótipos e os papéis de gênero ainda são bastante fortes e ditam os lugares sociais que cada um deve ocupar. Por isso que é tão urgente e necessário continuarmos estudando sobre preconceito, discriminação, sexismo, mas também é de extrema importância pensarmos em vias alternativas que possam nos ajudar a compreender esses fenômenos sob outros ângulos. Portanto, destacamos neste capítulo também a relevância de estudar a discriminação sofrida por homens que defendem a igualdade de gênero e outras possibilidades, ao passo que isso provoque em nós a busca pela compreensão do impacto que o estigma que acompanha esses homens pode gerar nos avanços e/ou retrocessos rumo à tão sonhada igualdade de gênero. Na tese de doutoramento de Viana (2020) foi possível concluir que os homens igualitários sofrem com preconceitos relacionados a sua orientação sexual e lhes são atribuídos estereótipos de feminilidade e sociabilidade. O homem igualitário foi percebido por algumas mulheres como sendo uma ameaça ao lugar de fala das feminis- Psicologia social: temas e teorias 455 tas, mas, por parte de outros participantes foi percebido como alguém que pode contribuir para a igualdade de gênero, embora seja também percebido como pouco competente. Os resultados da pesquisa realizada nessa tese mostraram ainda que os homens igualitários foram percebidos como mais sociáveis do que as mulheres igualitárias e os homens tradicionais (normativos). Sendo assim, os resultados mostram que na busca pela redução da discriminação contra as mulheres, também é importante que trabalhemos nos estereótipos vinculados ao homem, a fim de mudar sua imagem, humanizando-a no que diz respeito à expressão de afetos e posições igualitárias. Esse foi um dos motivos que nos levaram a pensar acerca da importância de conscientizar não só mulheres, mas também os homens, de que a luta por igualdade é de todos. Não basta apenas um dos lados querer romper a barreira se do outro lado há um exército “fortemente armado” preparado e motivado para não permitir nenhum tipo de mudança. Rudman et al. (2012) argumentam, inclusive, que os homens podem fazer uso dessas discriminações ou estigmas para afastar outros homens das lutas por igualdade de gênero, objetivando manter a hierarquia entre homens e mulheres e o status quo. Por essa razão é importante compreender tanto os estereótipos construídos sobre o homem igualitário como também como ele é avaliado em termos estereotípicos, para que possamos ter conhecimento se de fato o estigma ligado a esse homem pode ter impacto na sua adesão e participação em movimentos que buscam a igualdade de gênero. Toda essa discussão serve justamente para ressaltar que o sexismo se manifesta de diferentes maneiras para poder alcançar o seu objetivo, que é manter o status quo e os privilégios dos homens na estrutura social. Ele não atinge apenas as mulheres, pois como foi possível observar nos resultados de estudos anteriormente apresentados, ele também é capaz de penalizar os homens que, em alguma medida, ameaçam a norma social ao defenderem a igualdade de gênero. Além disso, a percepção de que relações mais igualitárias entre homens e mulheres podem levar à perda de certos privilégios está ligada à visão de uma sociedade patriarcal, na qual caberia ao homem o controle das instituições econômicas, legais e políticas e, à mulher, o cuidado da casa e dos filhos e a satisfação da sexualidade do marido, podem nos ajudar a compreender os resultados dessas pesquisas. Ainda mais quando essa divisão de papéis dotou o homem com um poder estrutural que lhe concedeu a primazia de grupo dominante e fez com que a família se constituísse em lócus privilegiado de reprodução dos valores patriarcais referentes à superioridade masculina e à inferioridade feminina. Essas pesquisas já detalhadas nos ajudam a pensar também sobre uma outra possibilidade – a dificuldade masculina de apoiar a igualdade entre homens e mulheres com medo de que eles próprios sejam discriminados por serem vistos como “femininos”. Claro que essas duas possibilidades são profundamente interligadas, pois a visão patriarcal produziria imagens sobre homens e mulheres que, de certa forma, justificam e perpetuam o status quo (Méndez, 1995; Zurutuza, 1993). Aqui é importante esclarecer que quando essas autoras falam em “imagens” estão se referindo aos estereótipos de gênero. 456 Gênero A visão de estereótipos enquanto justificadores do sistema vem sendo investigada desde os anos 2000 (Costa-Lopes, Dovidio, Pereira, & Jost, 2013; Pereira & Vala, 2007; Pereira, Vala, & Costa-Lopes, 2010), embora sempre enfatizando as relações inter-raciais e/ou interétnicas. Sendo assim, é importante ressaltar que, em conjunto, esses trabalhos não defendem que as injustiças sociais, sejam elas raciais, étnicas ou relacionadas ao gênero, podem ser explicadas apenas pelos estereótipos. O que esses trabalhos advogam é que eles seriam elementos importantes porque são, ao mesmo tempo, produto e justificadores das relações intergrupais, ideia originalmente defendida por Henri Tajfel (1981). Tajfel (1981) defendeu que as funções dos estereótipos podem ser entendidas a partir de dois aspectos: individuais e coletivos. De acordo com esse autor, as funções individuais dos estereótipos, além de simplificar a realidade permitindo uma economia cognitiva, também servem para proteger o sistema de valores do indivíduo e, assim, manterem uma autoimagem positiva. Já no que se refere às funções coletivas, Tajfel (1981) afirma que podem ser usadas para explicar e relacionar causas aos eventos complexos e/ou negativos geralmente considerando algum grupo vulnerável como causador, bem como também servem para um processo de diferenciação que vai estar agindo em prol de uma identificação positiva com o grupo. E, por fim, a terceira função dos estereótipos segundo Tajfel é a de justificação social, servindo para dar argumentos favoráveis a ações de divisão social com base na categorização. Assim sendo, os estereótipos seriam elementos importantes para compreendermos um aspecto relevante das relações de gênero: como os homens igualitários são vistos e quais as consequências, para eles, de assim serem vistos. Do ponto de vista teórico, podemos também compreender porque os homens têm agido para justificarem e manterem o status quo, devido aos privilégios que o seu grupo possui e ainda como isso interfere no cotidiano de uma forma favorável para os membros desse grupo. Considerando os estudos sobre os conteúdos estereotípicos de gênero, o modelo majoritariamente utilizado pela Psicologia Social é o Modelo do Conteúdo Estereotípico (Fiske, Cuddy, Glick, & Xu, 2002) que, de acordo com Cuddy et al. (2009), possibilitaria o conhecimento das habilidades dos outros para alcançar seus objetivos e antecipar as intenções dos outros frente a nós mesmos. Segundo Fiske et al. (2002), os estereótipos seriam organizados por meio de duas dimensões ortogonais, a saber: competência e sociabilidade, que, combinadas entre si, produziriam diferentes formas de atitudes ou preconceitos. Assim, enquanto a dimensão de competência reúne aspectos relacionados ao poder, status e instrumentalidade, a dimensão de sociabilidade envolve aspectos como expressividade e afetividade. Percebe-se assim que há uma dicotomização no conteúdo estereotípico que pode, dependendo do contexto, modificar a semântica do estereótipo, apontando para o caráter ambivalente dos estereótipos (Fiske, Xu, Cuddy, & Glick, 1999). Esses autores argumentam que um determinado grupo, ao ser percebido como detentor de altos valores em sociabilidade e baixos em competência, provocaria um preconceito do tipo paternalista (e.g., atitudes frente às mulheres). Já aqueles gru- Psicologia social: temas e teorias 457 pos com altos valores em competência e baixos em sociabilidade produziriam inveja e isso traria como consequência as atitudes de evitação. Assim sendo, os grupos com baixo status seriam percebidos como altamente sociáveis, porém pouco competentes (incapazes e pouco ameaçadores), enquanto àqueles grupos de alto status seriam atribuídas alta competência e baixa sociabilidade. A partir dessas ideias, Fiske et al. (2002) defendem que o papel secundário ocupado pelas mulheres nas sociedades atuais seria também fruto do estereótipo social. Assim, segundo esses autores, por serem membros de um grupo de baixo status elas seriam também percebidas como mais sociáveis e menos competentes. Em conjunto, esses processos estariam subjacentes à manutenção dos privilégios dos grupos majoritários, neste caso, os homens. Enquanto isso, a percepção de que os grupos de alto status são mais competentes e menos sociáveis ajudaria a justificar o sistema social e o ressentimento em relação aos grupos majoritários. Ainda de acordo com Fiske et al. (2002), o fato de a atribuição ser positiva em uma dimensão não contradiz necessariamente à discriminação, pois pode estar funcionalmente coerente com o conteúdo estereotípico negativo da outra dimensão. Esse modelo busca descrever e predizer como grupos são ordenados em uma sociedade, bem como entender como a posição de um grupo nesta estrutura está intimamente relacionada aos tipos de discriminação que seus membros possam vir a sofrer (Bergsieker, Leslie, Constantine, & Fiske, 2012). E o que é possível fazer para avançarmos e provocar as mudanças necessárias para alcançarmos a equidade de gênero? Alguns estudos têm considerado que o contato com pessoas contraestereotípicas colabora para a diminuição do sexismo (Bosak, Sczesny, & Eagly, 2012; Gocłowska, Crisp, & Labuschagne, 2012; Williams, Berdahl, & Vandello, 2016). No entanto, tem demonstrado também que homens que defendem a igualdade de gênero, por porem em risco a hierarquia social entre os sexos, estão sujeitos a sofrerem punições ao deslegitimarem a percepção do status quo, no qual os homens possuiriam maior poder e privilégios do que as mulheres (Rudman, Moss-Racusin, Phelan, & Nauts, 2012). Assim, os homens que fogem aos padrões normativos de masculinidade são descritos com estereótipos ligados a grupos de baixo status (fracos, sensíveis, femininos) ou percebidos como homossexuais, mesmo quando não haveria motivos para essa conclusão (Anderson, 2009; Brescoll, Uhlmann, Moss-Racusin, & Sarnell, 2012; Heilman & Wallen, 2010; Rudman & Mescher, 2013; Rudman et al., 2012; Viana, Souza, & Torres, 2018). Diante do que foi apresentado e discutido até aqui, assumimos que os estereótipos em torno dos homens também contribuem para a compreensão da persistência das desigualdades de gênero. Assim, pensar nas diversas faces do sexismo, considerando seu impacto em relação aos homens, ajuda a pavimentar o caminho para a construção de uma sociedade equânime. Mas, como esse combate ao sexismo e a discriminação de gênero podem ser operacionalizados? A liderança feminina na política e demais espaços de poder atua nessa direção? 458 Gênero 13.4 A PARIDADE DE GÊNERO E A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES Como vimos até aqui, as desigualdades entre homens e mulheres estão sustentadas em bases ideológicas e são persistentes, pois o longo processo de discriminação e exclusão das mulheres na sociedade tem um forte carácter histórico-cultural (Lobo & Cabecinhas, 2008). Embora essa exclusão ou maiores obstáculos às mulheres ocorram nas mais diversas áreas, como no acesso a direitos ou ao mercado de trabalho, a representação política feminina pode ser considerada simbólica diante do seu potencial impacto no combate ao sexismo e à discriminação de gênero. O empoderamento político das mulheres é uma das seis prioridades do mandato da ONU Mulheres e está presente em uma série de instrumentos internacionais. Para a ONU (2019), a paridade de gênero na política (quando homens e mulheres estão representados igualmente) é uma meta estratégica, pois possibilitaria avanços mais significativos nas oportunidades femininas também em outros contextos. Para isso, as mulheres deveriam ter oportunidades e efetivamente participarem da vida pública, em seus campos cívico e político. No entanto, os índices relacionados à representação política feminina são aqueles que menos avançam em direção ao fechamento das lacunas de gênero no mundo. De acordo com o Índice Global de Diferenças de Gênero, apresentado anualmente pelo Fórum Econômico Mundial, nenhum país fechou as lacunas em relação à representação política de mulheres, nem mesmo os países nórdicos, que apresentam o melhor desempenho neste âmbito. Além disso, em 81 países, entre os 156 avaliados pelo índice, nunca houve uma mulher chefe do Estado e, considerando a atual taxa de progresso, ainda serão necessários mais de 135 anos para atingir a almejada paridade de gênero na política. O Brasil, por exemplo, ocupa a posição 108º nessa lista e tal colocação é emblemática diante das inúmeras disparidades de gênero na realidade brasileira (Fórum Econômico Mundial, 2021). No governo de Jair Bolsonaro, que teve início em janeiro de 2019, entre os 22 ministros havia apenas 2 mulheres, assumindo o Ministério da Agricultura e Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Essa baixa representação, bem como as agendas conservadoras que ambas estabeleceram, ao contrário do que exigem os acordos e documentos internacionais, não sinalizaram qualquer indício de mudança no cenário nacional em direção à igualdade de gênero. Outro importante indicador para o monitoramento da participação feminina é o percentual de parlamentares mulheres em exercício. No Brasil, esse indicador passou de 10,5%, em dezembro de 2017, para 14,8%, em setembro de 2020. Apesar desse aumento, em 2020, o Brasil ainda era o país da América do Sul com a menor proporção de mulheres exercendo mandato parlamentar na câmara dos deputados (IBGE, 2021). Assim, mesmo que o Brasil tenha sido pioneiro nas discussões sobre o voto feminino na América Latina, o processo de emancipação política das mulheres brasileiras ainda parece estar em curso. Com as primeiras manifestações por volta de 1832, a luta pelos direitos políticos das mulheres no País passou por incontáveis avanços e retro- Psicologia social: temas e teorias 459 cessos. E os direitos políticos ativo (de votar) e passivo (de receber voto) foram assegurados à mulher brasileira apenas 100 anos depois, no Código Eleitoral de 1932. Em comparação a outros países, podemos dizer que essa conquista ocorreu relativamente cedo (quase 40 anos antes da Suíça, o último país ocidental a admitir o voto feminino, em 1971). Contudo, muitas mulheres brasileiras continuaram excluídas desse processo via analfabetismo até 1985, sendo que, naquele momento, as mulheres negras eram maioria entre a população analfabeta no Brasil (Bester, 2016). A conquista dos direitos políticos foi fundamental e impulsionou outras mudanças sociais. Porém, não foi capaz de garantir que as mulheres rompessem a barreira do ambiente doméstico e privado. Os argumentos daqueles que eram contrários à luta pelo voto feminino estavam centrados na ideia de que as mulheres deveriam cumprir apenas as suas “funções” de esposa e de mãe. E, tal justificativa, ainda hoje é reproduzida quando se aborda a maior participação feminina na vida pública e nos espaços de tomada de decisão (Navas & Costa, 2017). Assim, mesmo que ações afirmativas com cotas inclusivas para mulheres já estejam em ação no País, e que elas representem mais da metade do eleitorado, a paridade de gênero na vida pública brasileira ainda é uma meta distante (Bester, 2016). Diante disso, cabe questionar: o que efetivamente acontece com as mulheres em espaços de liderança? A escassez de mulheres na política pode ser explicada pelo fato de que os eleitores e todo o sistema político estereotipam candidatos com base em seu gênero (Schneider & Bos, 2014). Um conjunto de trabalhos tem evidenciado como mulheres sofrem desvantagens devido a avaliações tendenciosas de sua competência e se esforçam mais que os homens para demonstrar qualidades compreendidas como necessárias à liderança, seja na política ou em outros espaços, como o contexto laboral (Carli & Eagly, 2016; Eagly, 2018; Eagly et al., 1992; López-Zafra et al., 2014; Okimoto & Brescoll, 2010; Prentice & Carranza, 2002). Os resultados desses estudos indicam que, apenas por serem mulheres, as candidatas já teriam menores chances de alcançar o apoio necessário tanto para chegar quanto para se manter no poder. No entanto, algumas características podem reduzir ainda mais essas chances. Há na literatura uma série de evidências de que mulheres que ameaçam a hierarquia de status de gênero, confrontando o status quo sofrem mais reações negativas (Brescoll et al., 2018), como o estudo de Rudman et al. (2012) que indica uma maior rejeição às mulheres que agem de maneira assertiva e dominante (Rudman et al., 2012). Descobertas semelhantes já haviam sido documentadas em relação a outros tipos de comportamentos considerados mais agentes, como a autopromoção. Rudman (1998) abordou, por exemplo, as prescrições de gênero que esperam da mulher uma postura “modesta” e evidenciou que as mulheres que se autopromovem sofrem maiores represálias sociais. Na política, Okimoto e Brescoll (2010) indicaram também que as preferências de voto para candidatas foram negativamente influenciadas por suas intenções de busca de poder. Nesse estudo, mulheres que desejavam posições de alto status eram avaliadas mais negativamente, sendo que o mesmo não acontecia quando aquele que intencionava o poder era um homem. 460 Gênero Ademais, é importante destacar que mulheres politicamente ativas e que disputam cargos de liderança sofrem também com a violência de gênero na política. A intimidação a essas mulheres e seus familiares ocorre tanto no espaço presencial quanto no virtual e gera profundos impactos para suas vidas (Krook, 2018). Situações de agressão, assédio e abuso dirigido a mulheres, particularmente durante o período eleitoral, têm crescido tanto nos últimos anos que a ONU Mulheres produziu um guia para prevenção deste tipo de violência (ONU, 2017). Com isso, é fácil perceber que embora a representação da mulher na política e a paridade de gênero nos espaços de poder sejam temas cada vez mais frequentes no debate público, poderosos obstáculos seguem atuando na manutenção da sub-representação feminina nesses espaços. Casos marcantes no cenário mundial, como o de Julia Gillard, da Austrália e Dilma Rousseff, do Brasil, chefes de Estado que perderam apoio popular e foram destituídas dos seus cargos, são evidências emblemáticas da manutenção dessas dificuldades para a atuação das mulheres nas esferas de representação formal. No caso brasileiro, em 2016, um golpe parlamentar gerou o afastamento sem provas da primeira mulher a chegar à presidência da República no Brasil. Para Biroli (2018), o sexismo e a misoginia participaram da construção do ambiente político no qual Dilma Rousseff foi considerada incompetente politicamente e deposta. O processo de impeachment teve apoio dos meios de comunicação e, em muitas narrativas (de jornais e revistas), é possível identificar o recurso a estereótipos convencionais de gênero, nos quais a mulher foi associada, por exemplo, ao desequilíbrio emocional. Essa imagem de uma mulher “destemperada”, que perde o controle e é incapaz de reagir com sensatez à crise política colocaram em xeque não apenas as características de Dilma enquanto líder, mas a competência feminina para a vida pública. Ademais, durante o processo, muitas imagens que circularam na internet possuíam conteúdo sexualmente violento e um caráter extremamente conservador. Esse caráter emergiu também nas manifestações de voto dos parlamentares favoráveis à deposição. Ao defenderem, repetidamente, a “família tradicional”, muitos deles pareciam afirmar, de forma aberta, a concepção de que o lugar das mulheres é na vida doméstica. Portanto, podemos dizer que a destituição de Dilma Rousseff foi organizada, sobretudo, por estereótipos de gênero (Biroli, 2018). Por outro lado, sabemos que existem líderes aclamadas por suas nações e também pela mídia internacional. Sobre elas, não atuam os estereótipos de gênero? Para responder a essa pergunta, podemos tomar como exemplo a ênfase midiática dada à condução feminina da crise gerada pela pandemia de Covid-19. Nesse contexto, líderes como as primeiras-ministras Erna Soldberg, da Noruega e Jacinda Ardern, da Nova Zelândia, por exemplo, foram amplamente reconhecidas pela rapidez, determinação e eficácia de sua resposta à pandemia (Uchoa, 2020). Em uma primeira leitura, as narrativas com relação à gestão feminina na pandemia podem ser consideradas positivas e elogiosas. No entanto, muitas delas estiveram relacionadas à atribuição de características comunitárias às líderes, como cuidadoras Psicologia social: temas e teorias 461 ou “maternais”. O sucesso delas foi, inclusive, associado a características como empatia ou uma dita orientação feminina e natural para o cuidado (Luoto & Varella, 2021). A ênfase nos estereótipos comunitários, mesmo quando as mulheres ocupam os mais altos cargos na vida pública, evidenciam como a dimensão de competência segue como prerrogativa masculina. Assim, mesmo traços supostamente favoráveis também podem reforçar o status inferior das mulheres na sociedade, corroborando a crença de que são especialmente adequadas ao mundo privado e não à esfera pública (Eagly & Mladinic, 1994; Glick & Fiske, 2001). Esses elogios às líderes na pandemia podem ser compreendidos, então, como expressão de um sexismo benevolente, ao passo que a ofensiva conservadora que destituiu Dilma Rousseff ilustra a manutenção da dimensão hostil do sexismo. Nessa direção, os estereótipos de gênero enquanto elementos de uma representação social hegemônica da mulher, com a posição central da maternidade, por exemplo, parecem impactar a trajetória de mulheres na política. A tese de doutoramento de Costa (2022) buscou analisar essa relação, considerando especificamente o impacto da normatividade e da ideologia no apoio a uma candidata. Dentre os resultados, o estudo identificou que expectativas de gênero são sustentadas dentro dos grupos de identificação ideológica (direita e esquerda) e impactam o apoio a uma candidata no Brasil. A análise foi realizada com base no desvio ou cumprimento da norma da maternidade, sendo que a candidata avaliada era mãe ou escolheu não ter filhos. O que os resultados demonstraram é que pessoas de esquerda apoiaram menos uma candidata apenas porque ela era mãe e pessoas de Centro/Direita rejeitaram mais uma candidata apenas porque ela optou por não ter filhos. Tais resultados indicam como os estereótipos que se constroem ao redor da maternidade podem impactar no apoio a uma mulher na política. Os resultados dessa tese suscitaram também discussões sobre o que (ou quem) uma mulher na política representa. Embora a maior participação das mulheres na política seja importante para aumentar as chances de pautar a formulação de políticas públicas de suporte às agendas de promoção de equidade, de acesso a oportunidades e de proteção contra violência doméstica, assédios e abusos de toda ordem (IBGE, 2021), o aumento da presença feminina (quantitativamente) não é suficiente para combater tais questões de gênero. Para Tiburi (2018), não podemos considerar que alguém, por ser mulher, está de antemão isenta da sedução patriarcal. A maior participação de mulheres na política não garante que elas representem, necessariamente, avanços em direção a uma sociedade mais justa. Como vimos, o sexismo e a discriminação de gênero atuam nos mais diversos âmbitos e se expressam também de diferentes formas. Diante disso, é importante considerar a necessidade de mudanças institucionais e culturais profundas para que a paridade de gênero e a representação política de mulheres, de fato, atuem na construção de uma sociedade equânime. 462 Gênero SUMÁRIO E CONCLUSÕES Neste capítulo, procuramos discutir relações entre os conceitos de gênero, discriminação e sexismo, analisando sua importância e centralidade para a compreensão da realidade social. A introdução aborda a construção social do gênero, enquanto um conceito que historicamente serviu para explicar e manter desigualdades. Passamos por uma discussão sobre os estereótipos e papéis de gênero impostos a mulheres e homens, bem como o seu impacto nos mais diversos âmbitos. Apresentamos, ainda, discussões sobre a importância de pensar a masculinidade também como parte das discussões sobre gênero. Em resposta aos questionamentos suscitados na introdução, desenvolvemos o texto em três seções: (1) Discriminação de gênero e sua centralidade na compreensão da realidade social; (2) Homens igualitários e as diversas faces do sexismo; e (3) Paridade de gênero e representação política de mulheres. Na primeira delas, o leitor é convidado a considerar as variáveis psicossociais que estão subjacentes à manutenção da discriminação contra a mulher em diferentes contextos, como o âmbito laboral, e de violência contra a mulher. Na sequência, ganha espaço na discussão a relevância dos estereótipos de gênero, funcionando como mecanismo legitimador da desigualdade entre homens e mulheres. Adicionalmente, são apresentados diferentes estudos científicos que analisaram o papel de variáveis, como o sexismo e a vitimização secundária na manutenção da discriminação e violência contra mulheres. Já na segunda seção do texto, partimos da observação de que a maioria dos estudos sobre sexismo têm investigado a consequência deste fenômeno na vida das mulheres. No entanto, destacamos a importância de considerarmos as diversas faces do sexismo e como ele, inclusive, pode levar à discriminação de homens, quando eles se distanciam dos estereótipos que garantem a estabilidade, status e privilégio ao grupo masculino. Por meio da explanação de estudos recentes, discutimos que o sexismo pode ter várias formas de expressão e acometer tanto mulheres quanto homens. Homens que defendem a igualdade de gênero, por exemplo, podem ser percebidos como femininos, possivelmente homossexuais e fracos. Dessa forma, o fato dos homens se aproximarem de ideais defendidos historicamente por mulheres, como a defesa da igualdade de gênero, pode fazer com que eles sejam percebidos como uma ameaça à identidade do grupo masculino e ao status desse grupo. E, para proteção da imagem e dos privilégios do grupo dominante, há uma tendência social a enxergar os homens igualitários com atributos costumeiramente direcionados às mulheres. Por fim, na terceira seção deste capítulo, abordamos a questão da paridade de gênero e a maior representação política de mulheres enquanto uma meta estratégica frente ao objetivo de combater o sexismo e a discriminação de gênero na sociedade. Discutimos como os índices relacionados à representação política feminina são aqueles que menos avançam em direção ao fechamento das lacunas de gênero em todo o mundo e como as mulheres líderes, ou politicamente ativas, sofrem desvantagens devido a avaliações tendenciosas de sua competência. Abordamos ainda o aumento preocupante nos casos de agressão, intimidação e abuso dirigido a mulheres na política e Psicologia social: temas e teorias 463 resultados de um estudo sobre a relação entre normatividade e ideologia no apoio a uma candidata no Brasil, suscitando discussões sobre as consequências concretas ou implicações de uma maior representação política feminina. Tomadas em conjunto, as informações apresentadas nas três seções podem contribuir para a compreensão das relações entre gênero, sexismo e discriminação, fornecendo elementos para a análise e o desenvolvimento de ações políticas mais efetivas em prol de uma sociedade equânime. Na sequência, apresentamos o glossário deste capítulo e algumas sugestões de recursos audiovisuais para um aprofundamento sobre o tema. GLOSSÁRIO Gênero: conceito alvo de profundas discussões, relativas essencialmente às diferenças entre homens e mulheres. Essas diferenças são construídas socialmente, variando segundo a cultura e determinam o papel social atribuído ao homem e à mulher. Masculinidade: qualidade do que é masculino. Termo tradicionalmente relacionado à construção social do que é ser homem, contraposta ao que é ser mulher, e associada a ideias de virilidade, força e poder atribuídas ao masculino. Normatividade: qualidade ou condição do que é normativo, considerando as normas sociais, ou seja, regras e padrões compreendidos por membros de um grupo, que orientam e/ou restringem o comportamento social. Papéis de gênero: crenças consensuais sobre os atributos de mulheres e homens. Paridade de gênero na política: o termo paridade refere-se à característica do que é igual ou semelhante. Assim, entende-se que há paridade de gênero quando homens e mulheres estão representados igualmente na política. Patriarcado: relativo a patriarca, representa um sistema sociopolítico que coloca os homens em situação de poder, ou seja, representa um sistema de domínio masculino. Sexismo: tipo de preconceito que tem a mulher como alvo e apresenta uma faceta ambivalente. Há dois tipos de sexismo: hostil e benevolente, ambos objetivam colocar e/ou manter a mulher num lugar de submissão e normatividade, utilizando diferentes estratégias para isso. Valores vinculativos: valores que visam avaliar as ações em termos de lealdade, autoridade e pureza e proteger o grupo. Violência de gênero: qualquer tipo de agressão física, psicológica, sexual ou simbólica contra alguém em situação de vulnerabilidade devido a sua identidade de gênero ou orientação sexual. Algumas sugestões de recursos audiovisuais 464 Gênero Para o aprofundamento da temática, indicamos duas produções que abordam a questão da violência de gênero em diferentes perspectivas. A primeira delas, Maid, é uma minissérie original da Netflix, que narra a história de uma jovem mãe que refaz sua vida com a filha, limpando casas após escapar de um relacionamento abusivo. A obra tem especial relevância por abordar a questão da violência de gênero em sua complexidade, ao mostrar como a personagem não se enxergava como vítima, porque nunca havia sido agredida fisicamente. Assim, emerge uma importante discussão sobre tipos de violência e o impacto da violência psicológica, muitas vezes invisibilizada em sociedade. A segunda indicação é Vis a Vis, uma série espanhola que mostra o cotidiano de uma instituição prisional feminina e as diversas realidades das mulheres que estão ali confinadas. A protagonista é uma jovem manipulada por um homem por quem se apaixonou que comete um crime, é condenada à prisão e precisa se adaptar a este ambiente hostil. Partindo dessa narrativa, essa série, também da Netflix, aborda uma série de temáticas importantes, como o abuso de poder, críticas ao sistema prisional, tráfico de drogas e o afastamento de um olhar maniqueísta ao apresentar essas mulheres enquanto autoras e, também, como vítimas da violência. Sobre o impacto dos estereótipos de gênero na socialização e na vida dos homens, sugerimos o documentário O silêncio dos homens, parte de um projeto de pesquisa que ouviu mais de 40 mil pessoas a respeito das masculinidades. A produção apresenta uma série de diálogos e reflexões sobre o modelo de masculinidade que se impõe sobre meninos e homens, abordando como o silêncio pode ser uma consequência dessa socialização. Ademais, o documentário discute como o silêncio dos homens está relacionado a questões sociais de grande impacto, por exemplo, a violência doméstica ou a ausência de mulheres em posições de poder. O documentário está disponível na íntegra e gratuitamente no YouTube. Sobre a questão da participação política feminina, indicamos o filme As sufragistas que trata da luta de mulheres pelos direitos políticos na Inglaterra do início do século XX. O filme fornece uma contextualização histórica da luta feminista e do sacrifício de muitas mulheres na luta pela igualdade de diretos, ao apresentar um grupo militante que decide coordenar atos de insubordinação para chamar a atenção dos políticos à causa. Mais especificamente sobre a realidade de representação política na América Latina e no Brasil, indicamos Eleitas: mulheres na política (2020), uma série audiovisual, composta por 3 episódios: Mudança Cultural, Violência de Gênero e Paridade. Cada episódio tem como objetivo promover uma reflexão sobre o que acontece com a política quando mais mulheres são eleitas, relatando como influenciam instituições, o desafio de se manterem no poder e o caminho para garantir mais delas na política. A série também está disponível gratuitamente no YouTube. Por fim, sugerimos também algumas músicas que abordam a violência e os estereótipos de gênero, são elas: Lei Maria da Penha (Luana Hansen e Drika Ferreira); Maria da Vila Matilde (Elza Soares); Super-Homem (Gilberto Gil); Masculino e Feminino (Pepeu Gomes); Triste, louca ou má (Francisco El Hombre). NOTAS BIOGRÁFICAS Ana Raquel Rosas Torres: Psicóloga, Mestre em Psicologia Social (1992, UFPB), Doutora em Psicologia (1996, University of Kent – Inglaterra). Fez Pós-doutorado na Université de Provence (2006, França) e na Universidade Federal de Pernambuco (2022). Atualmente é Professora de Psicologia Social do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba, onde atua na graduação e no Programa de Pós-graduação em Psicologia Social (Mestrado e Doutorado). Seus temas de pesquisa são: identidade social e relações intergrupais, preconceito racial, sexismo. Anna Zlobina: Licenciada em Psicologia pela Universidade Estatal de Yaroslavl, Rússia. Doutora em psicologia pela Universidade do País Basco, Espanha. Atualmente é Professora adjunta do Departamento de Psicologia Social da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidad Complutense de Madri. Temas de interesse: identidade social, identidade nacional, valores, diferenças culturais, aculturação. Antonio Marcos Chaves: Professor aposentado do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (1976), mestrado em Planejamento do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará (1986) e doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (1998). Realizou Estágio Pós-doutoral em 2008 no Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI), da Universidade Aberta de Lisboa. Atua principalmente nos seguintes temas: psicologia e cultura, representações sociais, infância, significados de infância, trabalho infantil e infância pobre. Beatriz Hessel: Psicóloga, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (2021), Doutoranda no programa de Pós-graduação em Psicologia (UFBA). Atualmente é Supervisora clínica voluntária de acolhimento CULTS (UFBA). Temas de interesse: psicologia clínica e do desenvolvimento humano, psicologia hospitalar, Gestalt-Terapia, processos de saúde e adoecimento; morte, luto e cuidados paliativos. 466 Biografias Cícero Roberto Pereira: É Psicólogo e Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutorou-se em Psicologia Social Experimental pelo Instituto Universitário de Lisboa. Atualmente é Professor de Psicologia Social na UFPB e Pesquisador-coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Os seus interesses de pesquisa centram-se na análise dos processos de legitimação das desigualdades sociais nas sociedades democráticas contemporâneas. Dalila Xavier de França: Possui graduação em Formação de Psicólogo (1989) e mestrado em Psicologia (Psicologia Social) pela Universidade Federal da Paraíba (1996), doutorado em Psicologia Social pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (2006). Pós-doutorado na Universidade Complutense de Madrid (2011), e pela University of Queensland-Brisbane, Austrália (2019). Atualmente é Professora Titular do Departamento de Psicologia e Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. Coordenadora do grupo de pesquisa Socialização das Atitudes Intergrupais e Racismo. Pesquisa nas áreas da Psicologia social e do Desenvolvimento Humano, com ênfase na socialização étnico-racial, identidade racial, normas sociais e racismo na infância e juventude. Denis Sindic: Formado em Psicologia e em Filosofia pela Universidade de Louvain-la-Neuve (Bélgica) e Doutor em Psicologia Social pela Universidade de St. Andrews (UK). Os seus interesses de pesquisa centram-se no papel das identidades nacionais e da identidade europeia nos movimentos de separação e nas atitudes em relação à Europa e à imigração. Tem também interesse na filosofia das ciências e nos estudos sociais da ciência. Elza Maria Techio: Psicóloga, Mestre em Psicologia Social (1999, UFPB), Doutora em Psicologia Social (2008, Universidad del Pais Vasco, Espanha), e Pós-doutorado (2017, UFPB). Atualmente é Professora de Psicologia Social no Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, atua nos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia (Mestrado e Doutorado). Principais temas de pesquisa: relações intergrupais, identidade social, estereótipos, preconceito, discriminação, emoções sociais e memória coletiva. Gilcimar Santos Dantas: Psicólogo, militante do Movimento Negro e Doutor em Psicologia Social pela Universidade Federal da Bahia (PPGPSI-UFBA). Coordena o grupo pesquisa Processos Psicológicos Preconceito e Racismo da Universidade Salvador (UNIFACS) e é membro do Laboratório de Estudos de Processos Psicológicos e Sociais da UFBA (LEPPS-UFBA). Atualmente é Professor do curso de graduação em Psicologia da UNIFACS. Seus temas de pesquisa são preconceito, racismo, segurança pública e saúde da população negra. Hyalle Abreu Viana: É Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atualmente atua como docente do curso de Psicologia da UNINASSAU, João Pessoa-PB e é coordenadora da Liga Acadêmica de Estudos sobre gênero e sexualidade (LAEGS). Tem experiência na área de Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: Discriminação de Gênero, relações intergrupais, sexismo, estereótipos, direitos humanos. Psicologia social: temas e teorias 467 Iara Maribondo Albuquerque: É Doutora em Psicologia Social, em regime de cotutela, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pela Universidad Complutense de Madrid (UCM/Espanha, 2020). Mestre em Psicologia Social (2015.1) e graduada em Psicologia (2012.2) pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atua como docente na UNINASSAU, João Pessoa-PB. Tem experiência na área de Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: gênero; relações intergrupais; análise psicossocial dos processos de discriminação social; sexismo; valores morais e estereótipos. Jonatan Santana Batista: Psicólogo, Mestre (2018) e Doutor (2022) em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de Psicologia Organizacional e Escolar. Temas de interesse: relações intergrupais, personalidade, inteligência emocional, satisfação com o trabalho, congruência pessoa-ambiente. João Gabriel Modesto: Possui doutorado em Psicologia Social pela Universidade de Brasília (PSTO-UnB). É Professor DES IV da Universidade Estadual de Goiás, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Gestão, Educação e Tecnologia (PPGET-UEG). É também Professor Titular do Centro Universitário de Brasília, vinculado ao Programa de Mestrado em Psicologia (PPGPSI-CEUB). José Luís Álvaro Estramiana: Doutor em Psicologia Social e Catedrático de Psicologia Social pela Universidade Complutense de Madri. Tem sido Professor associado da Universidade de Cambridge, Reino Unido. Temas de interesse: história da psicologia social, efeitos psicossociais do desemprego e psicologia social dos valores. Atualmente investiga sobre estereótipos sociais, racismo e xenofobia. Khalil da Costa Silva: Psicólogo e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe. Doutor em Psicologia Social, em regime de cotutela, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pela Universidad Complutense de Madrid (UCM/Espanha – 2020). Tem experiência na área de Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: relações intergrupais; análise psicossocial dos processos de discriminação social e estereótipos sociais, racismo e xenofobia. Leoncio Camino: Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia da Alcalá de Henares (1966). Possui graduação em Psicologia (1967, Université Catholique de Louvain, Bélgica), mestrado em Psicologia (1969, Université Catholique de Louvain, Bélgica) e doutorado em Psicologia (1974, Université Catholique de Louvain, Bélgica). Atualmente é Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba. Trabalha principalmente nas áreas de Psicologia Social e de Psicologia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: Movimentos Sociais; Comportamento Eleitoral; Socialização Política; Processos de Exclusão Social e Direitos Humanos. Luana Elayne Cunha de Souza: É Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com estágio no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (Portugal). Atualmente é Professora Adjunta da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), atuando na graduação em Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia. É coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Processos de Exclusão Social (LEPES). 468 Biografias Luiza Lins Araújo Costa: É Psicóloga desde 2014, Mestra em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS, 2016) e Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente, é colaboradora do Grupo de Pesquisa em Comportamento Político (GPCP). Tem experiência na área de Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: gênero; representações sociais, preconceito, sexismo e discriminação. Marcus Eugênio Oliveira Lima: Graduado em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba e Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Psicologia Social pelo ISCTE. Pós-Doutorado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e na School of Psychology da Universidade de Queensland (Austrália). Desenvolve pesquisas no âmbito da psicologia social, com ênfase em Processos Grupais, Normas Sociais, Racismo e Infra-humanização. É Professor do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. Marcos Emanoel Pereira: Professor Titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Sergipe. Doutor em Psicologia (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Mestre em Psicologia (Universidade Gama Filho). Estágio pós-doutoral nas Universidad Complutense de Madrid, Espanha, Universidade de Cambridge, Inglaterra e Universidade Estudos de Pádua, Itália. Associado ao Laboratório de Estudos Psicológicos Sociais (UFBa). Miryam Rodríguez Monter: Doutora em Psicologia Social pela Universidade Complutense de Madri. É Professora adjunta do Departamento de Psicologia Social da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidade Complutense de Madri. Temas de interesse: valores sociais e as atitudes frente aos imigrantes. Pedro de Oliveira Filho: Concluiu o doutorado em Psicologia social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e foi Professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atualmente é Professor Associado IV da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Foi vinculado aos Programas de Pós-Graduação em Psicologia da UEPB e da UFPE. Em seus estudos mais recentes, tem estudado a retórica e as estratégias argumentativas de ativistas de direita e esquerda no atual contexto brasileiro. Raimundo Gouveia: Possui licenciatura em Psicologia pela Universidade Regional do Nordeste (1983), é Mestre e Doutor em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (2007). Tem experiência em ensino, extensão e pesquisa na área de Psicologia Social, atuando, principalmente, com os temas comportamento político e preconceito social. Foi bolsista Recém-doutor (DCR) no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no período entre 2008 e 2011. Atualmente, é Professor associado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), lotado no Instituto de Psicologia desde 2011. Psicologia social: temas e teorias 469 Sonia Maria Guedes Gondim: Professora titular aposentada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia. Psicóloga e Mestre em psicologia social pela Universidade Gama Filho-RJ. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal da Rio de Janeiro. Pós-doutorado (Complutense de Madrid e Magdalene College – University of Cambridge). Atua no programa de Pós-graduação em Psicologia na UFBA. Principais temas de interesse: emoções e trabalho, regulação emocional, trabalho emocional, competências emocionais, mapeamento de competências, identidade profissional, métodos qualitativos. Tiago Jessé Souza de Lima: Possui Doutorado em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com estágio no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (Portugal). É Professor Adjunto do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho (PST) e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações (PSTO) na Universidade de Brasília (UnB). É coordenador do Laboratório de Pesquisas em Mudanças Sociais (LPMS). Yuri Sá Oliveira Sousa: Psicólogo (2010), Mestre (2013) e Doutor (2017) em psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Realizou estágio doutoral (2014-2015) no Laboratoire de Psychologie Sociale da Aix-Marseille Université (Bolsa: Capes PDSE). Desde 2017 atua como Professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (IPS/UFBA). Possui experiência na área da Psicologia Social, notadamente com temas relacionados a aspectos psicossociais do campo das drogas, à Teoria das Representações Sociais (TRS) e métodos de análise lexical aplicados a pesquisas qualitativas. ÍNDICE REMISSIVO Símbolos (TAI) 438 A abordagem funcionalista 175 abordagem probabilística da categorização 132 abordagem psicossocial integrativa 278 abordagem sócio-histórica 106 ação 24, 42, 43, 52, 60, 65, 66, 99, 100, 101, 123, 124, 125, 126, 127, 136, 141, 145, 149, 151, 153, 154, 157, 160, 161, 163, 164, 165, 166, 167, 169, 183, 190, 197, 205, 211, 214, 216, 217, 221, 227, 232, 244, 245, 246, 247, 253, 258, 273, 281, 287, 289, 290, 297, 308, 309, 311, 312, 313, 314, 315, 318, 321, 326, 333, 339, 341, 349, 380, 383, 388, 399, 419, 459, 516, 540 agências de socialização 356, 358, 366, 389 agente cognitivo 22, 123, 124, 134, 140, 141, 144, 166, 169 aleatorização 105, 106, 107, 108, 109, 111, 112, 114, 156 ambivalência atitudinal 178 análise do pensamento social 24, 278, 285 ancoragem 71, 154, 157, 158, 289, 295, 296, 297 Antecedência temporal 104 Antecedentes dos valores 240 antimentalismo 313, 333 aprendizagem vicária 50 Articulação Psicossociológica 63, 71, 504 Associação 21, 53, 73, 195, 305, 433, 531 atitudes 13, 23, 24, 25, 46, 57, 60, 63, 64, 65, 71, 85, 113, 116, 117, 124, 141, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 199, 200, 201, 206, 218, 219, 227, 232, 243, 244, 245, 246, 247, 472 Índice remissivo 248, 249, 250, 256, 258, 259, 262, 263, 264, 265, 269, 273, 288, 290, 299, 313, 315, 318, 319, 323, 333, 345, 346, 351, 356, 359, 367, 368, 373, 377, 378, 380, 381, 385, 388, 389, 391, 392, 397, 398, 400, 401, 402, 407, 408, 413, 414, 419, 421, 424, 425, 426, 429, 431, 432, 433, 434, 438, 448, 456, 457, 466, 468, 499, 539, 543 Atitudes em perspectiva 179 atitudes frente ao comportamento 188 ativação de valores 246 atividade social 96 Ausência de relações espúrias 104 autocorreção 90, 91, 94 automatismos e controles 142 avaro cognitivo 131, 140, 141, 197 B bases epistemológicas 204, 282 bases epistemológicas da Teoria das Representações Sociais 282 bases subjacentes às atitudes 173 behaviorismo 43, 44, 45, 46, 48, 49, 51, 57, 64, 68, 324, 420 bode expiatório 56, 346, 420 C características das representações 292 caracterizando as emoções 206 categorias sociais 56, 129, 131, 260, 297, 319, 321, 327, 335, 340, 343, 346, 411, 557 categorização 22, 67, 69, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 142, 143, 186, 190, 300, 315, 319, 320, 322, 327, 328, 347, 348, 350, 353, 393, 409, 417, 426, 427, 431, 437, 438, 456 categorização social 22, 69, 128, 319, 347, 348, 350, 417, 426, 427, 431, 437 causas biológicas 209 Causas cognitivas 415 causas do preconceito 412, 413, 414, 416, 437 Causas ontogenéticas 414 ciência histórica do espírito 38 Classificação das emoções 208 cognição além da representação 165 cognição social 13, 14, 22, 23, 51, 60, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 136, 138, 140, 142, 161, 163, 165, 166, 167, 168, 169, 183, 184, 285, 319, 321, 323, 328, 408, 496, 560 cognição socialmente situada 163, 166 cognitivismo social 260 Como combater o preconceito 436 Como ocorre a categorização? 134 comparação social 67, 70, 261, 273, 294, 348, 350, 375, 407, 408, 454 componente comportamental das atitudes 177 comportamento 14, 16, 19, 23, 42, 43, 45, 46, 49, 54, 55, 56, 63, 64, 65, 66, 68, 81, 82, 84, 85, 87, 88, 89, 90, 92, 102, 107, 109, 114, 118, 127, 136, 138, 141, 145, 161, 162, 163, 171, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 182, 183, 184, 185, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 196, 200, 201, 203, 204, 207, 208, 210, 211, 214, 227, 232, 235, 245, 246, 249, 250, 251, 253, 257, 258, 259, 260, 261, 262, 269, 271, 274, 275, 281, 284, 319, 330, 336, 337, 340, 341, 342, 343, 344, 348, 349, 356, 357, 361, 365, 366, 368, 372, 375, 377, 378, 382, 383, 386, 387, 399, 402, 406, 431, 432, 438, 441, 449, 463, 468, 491, 497, 498, 516, 537, 551, 557, 559 Psicologia social: temas e teorias 473 conflito 23, 25, 35, 40, 58, 67, 70, 113, 138, 158, 178, 200, 203, 204, 213, 218, 219, 220, 231, 232, 234, 240, 262, 269, 270, 271, 273, 293, 295, 300, 304, 313, 314, 315, 323, 326, 328, 346, 347, 352, 353, 358, 364, 374, 399, 412, 415, 416, 417, 419, 424, 425, 426, 428, 432, 433, 440, 442 conflitos sociais 28, 31, 206, 339 conformação 260 conhecimento social 24, 69, 286, 304 consciência 29, 33, 34, 35, 39, 41, 42, 43, 46, 48, 50, 53, 54, 55, 69, 78, 80, 126, 127, 161, 178, 185, 193, 206, 221, 257, 267, 279, 281, 285, 302, 304, 323, 324, 325, 341, 342, 348, 350, 352, 388, 397, 414, 441, 445, 454, 516 consciência ou categorização 69 consolidação da psicologia social 72, 256 constituição da Psicologia Social Psicológica 44 construção da Psicologia Social 28 construção social 21, 22, 26, 283, 289, 296, 299, 321, 447, 462, 463, 492, 560 construção social do gênero 26, 462 construcionismo 13, 311, 329, 332, 333 contágio 41, 42, 55, 217, 218, 256, 257, 336, 337 conteúdo e a estrutura das atitudes 175 contextos de socialização 25, 365, 366, 376, 380, 384, 399 contiguidade 30 convencionalismo 322 conversão 24 convicções 258, 322, 369, 383, 421 convivência social 256, 275 crenças 25, 29, 40, 41, 48, 63, 68, 71, 76, 77, 78, 79, 80, 91, 94, 96, 97, 103, 124, 126, 127, 131, 141, 149, 151, 153, 167, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 186, 188, 212, 215, 218, 222, 226, 227, 236, 248, 250, 251, 256, 258, 259, 262, 268, 272, 275, 277, 280, 281, 282, 285, 290, 291, 292, 294, 297, 299, 304, 315, 331, 343, 349, 356, 357, 366, 367, 376, 377, 378, 379, 380, 383, 384, 385, 386, 388, 392, 396, 399, 400, 401, 407, 408, 409, 413, 424, 426, 429, 431, 437, 438, 440, 447, 463, 499 crenças ideológicas 77, 78, 79, 94, 97 Crenças parentais 383 criança 25, 58, 68, 129, 167, 182, 212, 241, 357, 358, 359, 360, 361, 362, 363, 364, 365, 367, 368, 370, 372, 373, 378, 380, 381, 384, 387, 388, 389, 392, 393, 399, 400, 401, 402, 421, 423, 488, 491, 518, 550 crise da Psicologia Social 59 cultura 19, 31, 38, 40, 44, 45, 47, 62, 68, 73, 148, 149, 167, 203, 204, 207, 219, 220, 229, 240, 243, 249, 262, 280, 285, 287, 291, 292, 298, 299, 303, 317, 318, 325, 338, 357, 361, 379, 380, 386, 389, 391, 393, 413, 416, 424, 434, 446, 447, 463, 465, 488, 491, 499, 502, 514, 516, 525, 533, 538, 565 D definições de preconceito 409, 412, 416 democracia 32, 42, 255, 263, 264, 309, 310, 392, 418, 432, 540 desenhos fatoriais 109 desenvolvimento dos valores, em crianças 380 desenvolvimento humano 211, 213, 355, 365, 465, 499, 555 determinismo social 57, 63, 68 474 Índice remissivo dialética 33, 34, 35, 69, 70, 72, 73, 324 dicotomia entre razão e emoção 206 diferenças em valores 244 diferenciação grupal 25, 67, 273, 345, 346, 347, 348, 349, 352 dimensões afetivas, cognitivas e comportamentais 176 dinâmica de grupo 339 dinâmicas simbólicas e interacionais 24 discriminação 21, 23, 25, 26, 49, 99, 100, 101, 117, 196, 206, 214, 218, 219, 281, 316, 317, 321, 336, 345, 350, 351, 353, 381, 382, 385, 386, 388, 389, 390, 391, 392, 393, 395, 397, 398, 400, 401, 402, 406, 407, 408, 409, 411, 413, 418, 423, 430, 434, 435, 440, 443, 446, 448, 449, 450, 451, 452, 453, 454, 455, 457, 458, 461, 462, 463, 466, 467, 468, 496, 498, 542, 561 discurso 13, 24, 86, 197, 219, 256, 272, 273, 308, 309, 310, 311, 312, 313, 314, 315, 316, 317, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 327, 329, 330, 332, 333, 334, 423, 435, 443, 505, 540, 542, 561 distorção da conformidade 269 Dúvida Sistemática 29 E emoções 8, 13, 23, 54, 77, 78, 85, 118, 143, 160, 161, 173, 176, 178, 183, 199, 203, 204, 205, 206, 207, 208, 209, 210, 211, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 230, 257, 265, 321, 337, 386, 387, 406, 408, 409, 432, 437, 441, 466, 469, 502, 518, 527, 535 emoções básicas 23, 203, 211, 214, 219 emoções coletivas 13, 23, 203, 216, 217, 218 emoções grupais 23, 203, 214, 215, 216, 218, 222 emoções individuais 204 emoções intergrupais 23, 203, 214, 219 emoções intragrupais 203, 216 Emoções Morais 221 Emoções na psicologia social 204 emoções negativas 178, 218, 409 emoções positivas 205, 219, 432 Emoções primárias 208 emoções secundárias 210, 211, 219, 221 emoções sociais 23, 203, 211, 213, 214, 220, 221, 466 empirismo 30, 34, 36, 79 endogrupo 132, 215, 218, 233, 295, 345, 347, 348, 409, 432, 454 Escala de Valores de Rokeach 228 Espaço Vital 340 esquemas mentais 125, 126, 127, 138, 183, 184 essencialismo psicológico 132 estereótipos 26, 124, 127, 136, 137, 139, 141, 162, 197, 203, 216, 254, 319, 321, 341, 373, 374, 391, 402, 406, 407, 415, 418, 425, 426, 430, 433, 435, 438, 440, 446, 447, 448, 450, 451, 453, 454, 455, 456, 457, 460, 461, 462, 464, 466, 467, 561 estereótipos de gênero 446, 448, 450, 451, 455, 460, 461, 462, 464 estigmas sociais 405 estrutura da família 57 estrutura e funcionamento das atitudes 175 Psicologia social: temas e teorias 475 Estrutura Motivacional dos Valores Humanos 234 estudo das atitudes em Psicologia Social 173 Estudos de caso 103 Estudos etnográficos 102 Estudos Longitudinais 113 Estudos relacionais 103 Etnocentrismo 345, 346 etnometodologia 311, 312, 329, 330, 333 evolucionismo social 37, 38, 260 exclusão social 319, 406, 549 exogrupo 167, 218, 295, 345, 347, 348, 353, 388, 391, 413, 426, 432, 454 experimentos de campo 67, 113 explicações essencializantes 427 F facilitação social 258 família 17, 25, 56, 57, 58, 229, 240, 241, 338, 352, 355, 356, 357, 358, 359, 360, 365, 366, 367, 369, 371, 376, 379, 381, 387, 390, 392, 398, 399, 425, 448, 455, 460, 488 fase paradigmática 93 fase pré-paradigmática 93 fatores intergrupais 349 fatores interindividuais 349 fatores intrapsíquicos 349 fatos observáveis 79, 80, 81, 82, 88, 94 fato social 40, 41, 288 fatos sociais 40, 41, 255, 279, 359 Formação das atitudes 181 formação dos preconceitos 412, 440 função das representações sociais 295 Funções das atitudes 184 Funções das emoções 204 G Gênero 25, 243, 445, 446, 458, 463, 464, 466, 539, 541, 548 grupo mínimo 347, 348 grupos minoritários 218, 219, 241, 341, 373, 385, 388, 392, 394, 407, 411, 446 grupo social 45, 46, 47, 63, 70, 127, 206, 214, 216, 235, 253, 293, 321, 341, 348, 349, 350, 352, 355, 356, 357, 358, 377, 396, 408 H heurísticas e vieses 142, 147 História da criança no Brasil 361 história da psicologia social 467 homofobia 214, 398, 407, 411, 430, 433, 434, 436, 530 I Idadismo 539 Identidade Social 25, 63, 69, 70, 227, 282, 345, 348, 349, 350, 352, 415, 425, 426, 428, 498 476 Índice remissivo ideologia 38, 57, 74, 77, 78, 285, 286, 293, 314, 331, 342, 351, 397, 402, 418, 421, 434, 452, 461, 463, 502 Igualdade de Gênero 541 imitação 40, 41, 49, 50, 64, 211, 255, 257, 275, 339 impacto da mídia 373 impactos das emoções 203 importância da internet na educação 376 inatismo 34 individualismo 13, 20, 40, 49, 66, 73, 229, 251, 262, 319, 431, 432, 433 indivíduo-grupo 336 indivíduo-sociedade 22, 72, 278, 279, 284, 303 Influência das Minorias Ativas 63 influência implícita 271, 275 influência informativa 270 influência normativa 268, 270 influência social 13, 52, 65, 68, 188, 204, 206, 255, 256, 257, 258, 261, 263, 265, 267, 268, 269, 271, 272, 274, 280, 355, 365, 428, 429 infra-humanização 219, 434, 442, 530 inovação social 24, 273 interacionismo 45, 64 intergrupal 67, 71, 204, 216, 219, 295, 346, 347, 348, 377, 396, 401, 402, 409, 412, 413, 417, 420, 425, 438, 439, 440, 442, 538 interindividual 71, 181, 260, 280, 281 interpessoal 69, 71, 204, 205, 221, 227, 247, 249, 271, 314, 348, 409, 420, 429, 438 intrapsíquico 71, 213, 419, 420, 428 J julgamento social 124, 135, 145, 162, 197, 275 M materialismo histórico 20 mediadores cognitivos 122, 123, 124, 126 Medida dos Valores 227 mensuração das atitudes 174, 175, 179, 196 mente 13, 24, 29, 31, 33, 39, 42, 45, 61, 72, 122, 128, 146, 161, 163, 164, 170, 173, 186, 218, 255, 260, 261, 262, 278, 285, 286, 307, 308, 311, 321, 323, 324, 325, 329, 336, 337, 338, 342, 363, 513, 519, 533, 540 metafísica 29, 34, 76, 80 métodos científicos 74, 97 métodos de pesquisa 22, 101, 116, 117, 120 métodos experimentais 101, 117, 281 métodos não experimentais 101, 102, 117, 281 minorias ativas 69, 268, 273, 274, 538 minoria social 24, 449 mobilidade social 349, 392, 431 Modelo Bioecológico 365 Modelo do Conflito 364 Modelo do Conteúdo Estereotípico 456 modelo do telescópio 420, 428 Psicologia social: temas e teorias 477 modelo funcionalista 263 Modelo informático da mente 170 modelo MODE 175, 190, 191, 192 Modelos de socialização infantil 363 Modelo sistemático-heurístico de mudança de atitudes 197, 201 modelos multicomponentes das atitudes 175 Modernidade 29, 73, 415 Modificação dos conteúdos armazenados 138 movimentos feministas 447 mudança de atitude 184, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 263 mudança social 22, 281, 302, 340, 341, 349, 358, 447, 507 N natureza das atitudes 172, 183 Natureza dos Valores 225 Natureza e classes de Grupos 342 níveis de análise 20, 22, 72, 163, 205, 260, 278, 279, 280, 281, 282, 284, 293, 300, 301, 386, 418, 427, 439, 447, 543 níveis de análise psicossocial 284 nível ideológico 41, 280 nível intraindividual 274 nível posicional 293, 294 norma social 70, 185, 210, 407, 408, 429, 454, 455 normas sociais 23, 40, 48, 54, 66, 71, 195, 225, 256, 258, 259, 263, 268, 275, 295, 296, 303, 344, 355, 368, 374, 400, 418, 425, 428, 429, 442, 448, 463, 466, 528, 542 O Obediência à autoridade 265 Objetivação 303 objeto atitudinal 172, 173, 175, 177, 178, 179, 190, 193, 195 objeto de estudo 20, 25, 29, 43, 78, 116, 119, 120, 257, 286, 307, 336, 337, 343 objeto social 71, 173, 174, 179, 197, 283, 284, 290, 291, 293, 294, 298, 300, 303, 304, 441 observação 35, 36, 37, 39, 43, 44, 59, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 87, 89, 90, 92, 93, 98, 99, 102, 103, 106, 107, 111, 113, 114, 116, 119, 147, 152, 176, 182, 183, 189, 288, 293, 298, 322, 423, 462 Observação naturalista 102 opiniões 33, 64, 65, 68, 71, 79, 80, 91, 93, 96, 97, 118, 152, 153, 160, 171, 174, 177, 179, 182, 193, 195, 196, 201, 232, 236, 256, 262, 269, 277, 285, 290, 291, 292, 299, 304, 314, 350, 371, 398, 437, 499 origem da Psicologia Social 28 P papéis de gênero 26, 357, 447, 451, 454, 462 paradigma 15, 46, 48, 64, 68, 69, 91, 93, 94, 95, 260, 265, 267, 273, 274, 347, 348, 420, 431 paradigma europeu 69 paridade de gênero 26, 458, 459, 460, 461, 462, 463 particularização 315, 320, 321, 323, 327, 328 patriarcado 422, 447, 449, 548 478 Índice remissivo percepção social 48, 51, 60, 206, 260 personalidade 55, 57, 67, 85, 89, 127, 166, 172, 179, 181, 201, 243, 244, 320, 321, 322, 323, 329, 338, 346, 363, 364, 366, 370, 375, 399, 420, 421, 422, 426, 427, 434, 437, 447, 467, 502, 515, 518 Personalidade Autoritária 57, 320, 346, 420, 421, 434 Perspectiva cognitiva 183 perspectiva comportamental 181, 182, 183, 344 Perspectiva da aprendizagem social 182 perspectiva da cognição social 122, 168, 169, 319, 321 perspectiva gestaltista 48, 50, 57 perspectiva sociológica 64, 238, 342, 349, 356, 357 persuasão 43, 95, 173, 174, 175, 196, 198, 199, 206, 249, 256, 263, 264, 268, 272, 273, 274, 275 positivismo 36, 37, 41, 44, 80, 260 posturas epistemológicas 22 Pragmatismo 333 práticas educativas 25, 356, 377, 385, 386, 388, 400, 401 Práticas parentais 386 preconceito 13, 24, 25, 56, 57, 117, 159, 173, 174, 185, 191, 195, 196, 206, 214, 218, 219, 295, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 333, 336, 345, 346, 350, 351, 377, 378, 380, 381, 382, 383, 385, 386, 389, 390, 391, 392, 394, 396, 400, 401, 406, 407, 408, 409, 410, 411, 412, 413, 414, 415, 416, 417, 418, 419, 420, 421, 422, 423, 424, 425, 426, 427, 428, 429, 430, 431, 432, 433, 434, 435, 436, 437, 438, 439, 440, 441, 442, 443, 444, 446, 448, 453, 454, 456, 463, 465, 466, 468, 498, 502, 508, 511, 517, 524, 528, 531, 542, 559 preconceito ambivalente 432 Preconceito e Racismo no Brasil 433 Preconceito Simbólico 431 preconceito sutil 431, 432, 435 Primazia do individual 31 Primazia do social 34 priming 195, 196, 373, 374, 494, 525 priming avaliativo 195, 196 processamento da informação social 125, 126 processamento dual 144 processos cognitivos 59, 135, 136, 139, 142, 148, 163, 164, 169, 175, 183, 190, 210, 285, 320, 326, 417, 419, 442 processos cognitivos automáticos 417, 442 protótipos 22, 126, 129, 130, 131, 132 Psicanálise e a Psicologia Social 53 psicologia cognitiva 22, 47, 124, 126, 127, 135, 149, 415 psicologia comparativa 42 psicologia da gestalt 260 Psicologia das Massas 54, 255, 336 psicologia das normas sociais 225 psicologia dos grupos 339 psicologia dos povos 39, 279 psicologia individual 28, 39, 45, 54, 260, 338 psicologia objetiva 42, 43 psicologia reflexológica 42 psicologia social crítica 20, 281, 302 psicologia social discursiva 24, 308, 310, 311, 313, 314, 319, 325, 328, 329, 333 Psicologia social: temas e teorias 479 psicologia social psicológica 20, 21, 72, 279, 302, 307 psicologia social sociológica 20, 21, 279, 281, 286, 300, 302 psicologia societal 504 psicologismo 40, 48, 64 psicologização 272 R raciocínio dedutivo 87, 88, 135 raciocínio indutivo 83, 99, 102 racionalismo 35, 41, 78 racismo 25, 58, 99, 100, 101, 117, 145, 203, 206, 214, 273, 310, 321, 322, 323, 333, 356, 376, 377, 378, 380, 388, 390, 391, 393, 394, 395, 396, 397, 398, 400, 401, 402, 406, 415, 417, 418, 419, 430, 431, 432, 433, 434, 435, 436, 438, 439, 440, 441, 443, 466, 467, 492, 509, 511, 530, 550, 560 Racismo Ambivalente 381 Racismo Aversivo 381, 431 Racismo Moderno e Simbólico 381 razão 5, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 54, 58, 66, 84, 90, 117, 160, 206, 253, 257, 258, 300, 320, 329, 332, 453, 455, 502, 525, 529 relação causa-efeito 30 relação pai-filho 367 relações intergrupais 13, 25, 53, 67, 69, 70, 214, 216, 218, 248, 249, 341, 349, 358, 377, 389, 391, 396, 401, 413, 417, 427, 428, 429, 443, 451, 454, 456, 465, 466, 467, 495, 496, 516 relativismo 24, 76, 82, 94, 95, 332 relativismo epistemológico 24 repertórios 204, 207, 215, 310 representacionismo 286 representações cognitivas 226, 245 representações sociais 13, 24, 47, 63, 70, 99, 100, 172, 180, 181, 201, 278, 281, 282, 283, 285, 286, 287, 288, 289, 290, 291, 292, 293, 294, 295, 296, 297, 298, 300, 301, 302, 303, 305, 313, 314, 435, 443, 444, 465, 468, 485, 487, 488, 501, 503, 524, 531, 533, 534, 542, 548, 549, 554, 555, 559, 560, 561, 562, 564 retórica 24, 157, 256, 264, 270, 307, 308, 311, 314, 324, 327, 333, 435, 468 revolução paradigmática 93 S sexismo 25, 26, 245, 323, 398, 407, 430, 433, 435, 446, 448, 453, 454, 455, 457, 458, 460, 461, 462, 463, 465, 466, 467, 468, 493, 511 sistema de crenças 80, 153, 400 sistemas cognitivos 142 sistemas de valores 23, 226, 239, 240, 543 sistema social 70, 253, 273, 280, 349, 457 socialização 25, 49, 56, 57, 58, 64, 68, 205, 210, 240, 241, 355, 356, 357, 358, 359, 362, 363, 364, 365, 366, 367, 368, 369, 371, 372, 376, 377, 378, 379, 380, 383, 384, 385, 386, 388, 389, 390, 391, 392, 393, 394, 395, 396, 397, 398, 399, 400, 401, 402, 419, 428, 431, 447, 448, 464, 466, 487, 497, 537, 565 Socialização e relações intergrupais 377 socialização étnico-racial 377, 389, 392, 393, 394, 395, 396, 397, 398, 401, 402, 466 sonambulismo social 261, 262 480 Índice remissivo sujeito-objeto 76, 78, 79, 119, 284 T taticamente motivado 22, 131, 140, 141 Teoria da Ação Racional (TAR) 187 teoria da autocategorização 214 teoria da comparação social 261 teoria da dissonância cognitiva 262, 280 Teoria da Dominância Social 422 teoria da frustração-agressão 56, 88, 89 Teoria da Identidade Social 25, 70, 282, 350, 415, 425, 426, 428 teoria da Ligação afetiva 364 Teoria da mente 170 Teoria da Privação Relativa 420 Teoria das dimensões culturais 229 Teoria das Representações Sociais 24, 65, 69, 180, 278, 279, 282, 301, 302, 304, 469, 486, 489, 497, 504, 523, 539, 541, 559 Teoria do Comportamento Planejado (TCP) 175, 187 teoria do conflito 25, 425 teoria do conflito real 425 Teoria do Senso de Posição Grupal 423 teoria dos exemplares 131 Teoria dos Papéis Sociais 447 teoria dos tipos motivacionais 229, 232 teoria dos valores 235, 252, 381 Teoria essencialista da categorização 131 Teorizações culturalistas 424 Teorizações historicistas 423 Teorizações individualizantes 420 transfobia 407 U Unidade mental das massas 275 universalismo 231, 242, 243, 245, 247, 248, 249, 251, 319, 380, 381, 382, 385, 400 V validade 14, 16, 21, 34, 36, 75, 76, 79, 80, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 90, 91, 92, 95, 96, 97, 110, 111, 112, 113, 117, 118, 119, 120, 135, 138, 157, 168, 196, 228, 234, 437, 559 valores 13, 15, 21, 23, 25, 31, 32, 35, 38, 64, 68, 70, 76, 78, 98, 99, 100, 101, 135, 141, 158, 172, 173, 175, 177, 179, 180, 183, 185, 187, 201, 205, 211, 212, 214, 215, 218, 219, 222, 225, 226, 227, 228, 229, 230, 231, 232, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 252, 253, 254, 256, 258, 268, 272, 273, 280, 281, 282, 283, 285, 286, 289, 291, 294, 296, 297, 299, 304, 321, 349, 355, 356, 357, 360, 366, 367, 375, 376, 377, 378, 379, 380, 381, 382, 383, 384, 385, 386, 387, 388, 399, 400, 401, 413, 418, 424, 431, 432, 433, 434, 435, 447, 452, 455, 456, 457, 463, 465, 467, 468, 499, 515, 517, 518, 523, 526, 531, 536, 537, 543, 547 valores culturais 235, 241, 252, 253, 254, 360, 388 Psicologia social: temas e teorias 481 valores da autorrealização 227 valores de competência 227 valores e a motivação 244 Valores e condutas no âmbito pessoal 247 Valores e conduta social 247 Valores e educação dos filhos 378 valores e ideologias 180 Valores e preconceito 380 Valores e relações intergrupais 248 Valores e traços de personalidade 243 valores individuais 235, 245, 250, 435 valores instrumentais 231 valores materialistas 236, 237, 238, 242, 252, 434 valores morais 177, 219, 227, 467 valores pós-materialistas 100, 236, 237, 434 Valores Psicossociais 239 valores religiosos 236, 252 valores sociais 21, 23, 99, 180, 235, 239, 241, 250, 251, 252, 258, 268, 272, 294, 299, 375, 435, 468, 537 valores terminais 227, 228, 231 vertentes Psicológica e Sociológica 48 violência 31, 42, 56, 182, 203, 204, 213, 217, 218, 219, 247, 248, 280, 281, 300, 316, 317, 318, 336, 343, 352, 358, 361, 372, 375, 411, 420, 422, 429, 445, 449, 451, 452, 453, 460, 461, 462, 464, 493, 501, 503, 518, 520, 527, 528, 537, 539, 548, 549, 553, 557, 561, 565 REFERÊNCIAS Abercrombie, N. 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Na contemporaneidade, essas visões correspondem aos questionamentos acerca das relações entre o público e o privado e entre o social e o individual. A adoção de uma dessas posições conduz a abordagens teóricas e metodológicas diversas na psicologia social. A ideia que se materializa neste livro é a de que não é necessário assumir uma posição ou escolha nesse campo dilemático. O espaço específico da psicologia social para os autores/as dos 13 capítulos que integram esta obra é o campo dialógico da articulação dos vários níveis de expressão e de análise dos fenômenos psicossociais. fe openaccess.blucher.com.br