Este texto analisa as tensões entre a Universidade de Coimbra e o físico-mor a propósito da organização e controlo do campo médico no Portugal Moderno. A luta entre a formação médica de carácter empírico e académico era comum ao tempo,...
moreEste texto analisa as tensões entre a Universidade de Coimbra e o físico-mor a propósito da organização e controlo do campo médico no Portugal Moderno. A luta entre a formação médica de carácter empírico e académico era comum ao tempo, mas endureceu-se em Portugal com duas decisões régias que penalizaram sobremaneira a universidade portuguesa. A primeira foi a de entregar ao físico-mor a responsabilidade pelo reconhecimento dos graus dos médicos formados no estrangeiro. A segunda foi a de aumentar o número de anos do curso de medicina, o que eliminava quaisquer hipóteses de a Faculdade de Medicina poder competir com as suas congéneres europeias. A guerra que daqui emanou, travada entre duas instituições criadas e controladas pela Coroa, não foi tanto entre defensores da medicina erudita ou da medicina popular mas entre centros de validação de competências para a prática médica.
Da documentação em estudo foi possível concluir que, no desempenho das suas funções, Universidade de Coimbra e o físico-mor foram mais mobilizados pelos seus próprios interesses do que por qualquer desejo de modernização do conhecimento e do ensino que tutelavam. Também por isso, se atrasaram no arranque do processo tendente à profissionalização dos médicos e cirurgiões que representavam, e que começava a fazer caminho além-fronteiras em meados do século XVIII, antes continuando absorvidos em discussões sobre as suas áreas de jurisdição e direitos centenários. Se, por um lado, ao contrário do que aconteceu em várias espaços políticos europeus, em Portugal, nem físico-mor nem cirurgião-mor conseguiram criar estruturas organizacionais de relevo, o que só veio a acontecer durante o breve período de duração do Protomedicato (1782-1808), por outro, também não se desenvolveram corporações municipais de médicos e de cirurgiões, o que em nada favoreceu as respectivas artes, que, efectivamente, não tiveram quem as representasse.
Não foram muito diferentes os constrangimentos encontrados na Universidade de Coimbra, ainda que a Coroa nunca a tenha subordinado ao poder do físico-mor/Protomedicato. Enredada nos seus próprios problemas, à beira do século XIX a universidade continuava sem conseguir cumprir o estipulado nos Estatutos de 1772, no que concerne à saúde pública. Do estudo feito, concluiu-se pela necessidade de reavaliar, sem o desvalorizar, o peso que a historiografia tradicional, e alguma mais moderna, têm atribuído à Companhia de Jesus, à Inquisição e às políticas de limpeza de sangue no declínio da Universidade de Coimbra: sendo elementos importantes, eles não explicam, contudo, todos os desregramentos relatados na documentação da universidade.