RNR

Como resultado de conclusões vindas de avaliações amplas sobre o atendimento prestado a ofensores, apresentadas e discutidas neste Compendium, ultimamente tem havido uma considerável expansão do interesse pelo uso de programas. Utilizar intervenções no trabalho com ofensores em formas que possam ser descritas como programas não é novo, havendo exemplos desse tipo de trabalho que remontam à década de 1940. Porém, as pesquisas indicam que a era de desenvolvimento consistente nesta área teve início, de fato, em 1975. Este capítulo examina o que os profissionais voltados ao atendimento dos ofensores e os pesquisadores querem dizer quando falam em programa. Isso não é tão simples quanto parece, e é difícil chegar a uma única, clara e incontestável definição de programas de atendimento a ofensores que consistentemente os demarquem de outras formas de atividades realizadas com indivíduos sentenciados pelos juízos penais. Contudo, em certo sentido, isso não importa tanto. Quando da realização de quaisquer intervenções envolvendo ofensores, deveria ser possível - e isso é muito mais importante - especificar o que aconteceu, a fim de direcionar o trabalho para permitir a ocorrência de avaliação e possibilitar que outros aprendam com os resultados.

Desenvolvido na década de 1980, e formalizado pela primeira vez em 1990, o padrão risco-necessidade-responsividade tem sido utilizado com sucesso crescente para avaliar e reabilitar ofensores no Canadá e ao redor do mundo. Conforme sugerido por seu nome, é baseado em três princípios: 1) o princípio de risco afirma que o comportamento delituoso pode ser previsto e que o atendimento deve focar os ofensores de maior risco; 2) o princípio de necessidade destaca a importância das necessidades criminógenas na concepção e execução do atendimento; e 3) o princípio de responsividade descreve como o atendimento deve ser fornecido. Este artigo resume o papel desses princípios no desenvolvimento de instrumentos de avaliação de risco. Também explica por que algumas intervenções funcionam e outras não.

Orientados pelo conhecimento da psicologia, os autores abordam as razões pelas quais a punição não funciona para suprimir comportamento antissocial. São explorados seus efeitos colaterais, incluído o desamparo aprendido, e formas alternativas não punitivas para enfrentar o comportamento antissocial.

O objetivo maior de Donald Andrews no campo da justiça criminal era ajudar os ofensores a mudarem seu comportamento antissocial. Fazia isso ao auxiliar os profissionais da justiça criminal a mudarem o modo como trabalhavam com os ofensores. Começando com os princípios da associação diferencial e da teoria da aprendizagem social, Andrews criou sua própria versão da psicologia da conduta criminosa (PCC). Como resultado da PCC, termos como "necessidades criminógenas" e "risco-necessidade-responsividade" (RNR), que ele cunhou e depois pesquisou extensivamente, tornaram-se comuns no léxico da esfera do atendimento a ofensores. Mas isso é apenas o começo de seu legado. Traduzir a teoria para a prática, e implementá-la em inúmeras organizações de justiça criminal, representa sua segunda contribuição monumental à psicologia forense e à psicologia voltada ao atendimento a ofensores. As ferramentas que ele desenvolveu foram vitais para vincular a avaliação à intervenção e traduzir teoria e pesquisa à política e prática. Ele também insistiu para que esses esforços fossem conduzidos de maneira humana e justa.

Palavras-chave: Avaliação de risco do ofensor, atendimento efetivo a ofensores, risco-necessidade-responsividade (RNR).

Há três décadas era amplamente aceito por criminólogos e formuladores de políticas que “nada funciona” para recuperar ofensores e que a “reabilitação está morta” como uma filosofia orientadora do atendimento. Hoje, ao contrário, há um movimento vibrante para reafirmar a reabilitação e implementar programas baseados nos princípios da intervenção efetiva. Como isso aconteceu? Eu afirmo que a salvação da reabilitação foi uma realidade contingente que emergiu devido aos esforços de um pequeno grupo de criminólogos pesquisadores livremente associados. Esses estudiosos rejeitaram a ideologia profissional “nada funciona” e, em vez disso, utilizaram ciência estrita para mostrar que intervenções punitivas populares eram inefetivas, que os ofensores não estavam além da possibilidade de resgate e que os programas de atendimento fundamentados no conhecimento criminológico eram capazes de reduções significativas da reincidência. Sua história é um lembrete de que, sob certas condições, a ciência da criminologia é capaz de fazer uma diferença importante na esfera do atendimento aos ofensores, se não para além dela.

No humorístico Saturday Night Live havia o esquete de um barbeiro inglês, Teodorico de Iorque, que exercia as funções de médico na Idade Média. Aos doentes prescrevia curas absurdas, tais como repetidas sangrias, aplicação de sanguessugas e vômito de javali, amputações sangrentas e enterro das pessoas até o pescoço no pântano. A certa altura do esquete, quando o paciente morre e Teodorico é acusado de “não saber o que está fazendo”, o personagem paralisa, aparentemente atingido pelo insight transformador de que a medicina poderia abandonar intervenções nocivas, enraizadas em costumes ignorantes, e seguir uma trajetória mais iluminada. “Talvez”, diz, “eu venha errando ao seguir cegamente as tradições médicas e as superstições de séculos passados”. Segue perguntando-se se “deveria testar estas hipóteses analiticamente mediante experimentação e método científico”. “E talvez”, diz ele, “o método científico pudesse ser aplicado a outros campos do conhecimento”. Ele, Teodorico, poderia até ser capaz de “mostrar o caminho para uma nova era – uma era de renascimento, uma renascença!”. Nesse ponto faz uma pausa e dá o esperado e divertido arremate à piada, interrompendo a quimera num breve, gutural e desdenhoso “Naaahhh!”
O humor, claro, está na justaposição e por fim na adoção do charlatanismo descarado, com a possibilidade e rejeição de uma abordagem da medicina mais moderna, científica e, em última análise, mais efetiva. Para aqueles entre nós que vivem de comentar sobre ou realizar o atendimento a ofensores, contudo, devemos considerar se, em certo sentido, a piada não é sobre a gente. Não é difícil ver a graça do esquete e pensar: Como as pessoas nas sociedades medievais puderam ser tão estúpidas? Porém, mesmo um estudo ligeiro das práticas atuais voltadas ao atendimento dos ofensores leva à perturbadora conclusão de que estamos num campo onde o charlatanismo é tolerado, quando não implicitamente celebrado. Não está claro se a maioria de nós já teve aquele momento de reflexão em que questionamos se, “apenas talvez”, pudesse haver um caminho mais esclarecido a perseguir. Se tivéssemos parado para vislumbrar um jeito diferente de fazer as coisas é provável que nossa reação, após um momento de contemplação, com bastante frequência terminasse num “Naaahhh!”.

Mesmo existindo muitas evidências sobre “o que funciona” quanto ao diagnóstico e atendimento a ofensores, estudos recentes indicam que pouquíssimos programas aderem às melhores práticas. Este capítulo revela vários obstáculos ao emprego dessas práticas, incluindo teorismo e o fracasso para efetivar a transferência de tecnologia.