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a GUERRA NTRA. as ‘MULHERES | —. -. MARILYN | FRENCH |Marilyn French A GUERRA CONTRA AS MULHERES Seam Ee EDITORA BEST SELLER (a CIRCULO DO LIVROTitulo original: The War Against Women Copyright © Matrix Production, Inc., 1992 ido sob licenca de Lennart Sane Agency AB nca editorial para o Circulo do Livro por acordo com a Editora Nova Cultural Lida € 0 detentor dos direitos autorais: Todos os direitos reservados. [e) Direitos exclusives da edicdo em lingua portuguesa no Brasil adquirides por EDITORA NOVA CULTURAL LTDA., que se reserva a propriedade desta traducdo. EDITORA BE uma divisio da Editora » Cultural Lida. AL. Ministro Rocha Azevedo, 346 - CEP 01410 - Caixa Postal 9442 Sao Paulo, SP (a CIRCULO DO LIVRO Caixa postal 7413 01051 Sao Paulo, Brasil Fotocomposto na Editora Nova Cultural Ltda. Impressao ¢ Acabamento: Grafica Circulo AGRADECIMENTOS Embora eu seja a tinica responsdvel pelo contetido deste livro, Ann Jones e Barbara Greenberg leram 0 manuscrito e fizeram sugest6es muito titeis; James Silberman o revisou; Robert French, Ann Volks, Carol Jenkins e Andréa Dworkin forneceram impor- tante material de pesquisa. Sou grata também a Isabelle de Cor- dier, Naomi Backer, Annaville Peterson e Betsy Chalfin por sua valiosa ajuda, expressa de intimeras manciras.SUMARIO Introducao Primeira Parte A Discriminagao Sistematica Contra as Mulheres Segunda Parte Guerras Institucionais Contra as Mulheres Terceira Parte A Guerra Cultural Contra as Mulheres Quarta Parte A Guerra Pessoal dos Homens Contra as Mulheres 147 189INTRODUCAO a visdo popular da Histéria, os seres hu- manos evoluiram de um estado de ‘‘selva- geria”’, no qual viviam como animais predatérios e onde os ho- mens arrastavam as mulheres pelos cabelos para dentro das ca- vernas, para a ‘‘civilizacdo”’, na qual eles abrem as portas dos carros para elas. Mas a realidade pode ser bem diferente. Ha evidéncias de que, por 3,5 milhdes de anos, os seres humanos viviam em pequenas comunidades cooperativas, nas quais os sexos tinham igual valor mas as mulheres gozavam de certa forma de posigéo superior e de mais respeito que os homens. Ruinas arquiteténi- cas de cerca de 10 mil anos revelam comunidades que adoravam deusas, viviam em harmonia igualitdria e bem-estar material. As guerras talvez tenham comecado ha 10 mil anos, mas s6 por vol- ta do quarto milénio antes da era crista € que os homens princi- piaram a estruturar o que se tornou o patriarcado (tipo de domi- nagdo que confere poder autoritdrio ao patriarca, chefe da famé- lia), iniciando-se provavelmente no Oriente Médio. Os homens comegaram a afirmar-se como “importantes” ’, apropriando-se do trabalho e dos recursos de outros. Durante milhares de anos os. deuses substituiram as deusas; grandes sacerdotes reinavam so- bre comunidades outrora auténomas e expandiam sua autorida- de pelo mundo. Depois do surgimento do Estado, os campone- ses, 0S maiores produtores nas sociedades agricolas, arcavam com a maior carga tributdria: seu trabalho na terra sustentava as eli- 9tes ¢ eles cram recrutados para trabalhar sem remuneragdo em empreendimentos governamentais. Tinham até de pagar pelos ins- trumentos de sua prépria repressdo: soldados e armas. Desde entéo, houve sempre declinio para as mulheres. Elas, provavelmente, foram as primeiras escravas e, embora as da elite tivessem algum poder nos primeiros Estados, ficavam subordi- nadas aos homens de sua categoria. Nao apenas as mulheres nao “‘progrediram’’, como foram também cada vez mais ‘‘despoja- das de poder”’, degradadas e subjugadas. Esta tendéncia aumen- tou nos tiltimos quatro séculos, quando os homens, principala- mente no Ocidente, foram tomados por um furor de dominacao, procurando expandir e manter seu controle sobre a natureza e os que a ela de associavam — negros, indios e mulheres. Os ho- mens europeus haviam construido navios capazes de circunave- gar a terra, pelo menos um século antes de comegar a utiliz4-los para esse fim no final do século 15. Suas exploragdes, motivadas por curiosidade misturada com cobica por riqueza e fama, de- ram origem a alguns dos capitulos mais trégicos da histéria da humanidade. Pela forca e subversdo, os europeus exploraram a Africa, a Asia, o Oriente Médio, 0 sul do Oceano Pacifico e as Américas, matando, escravizando, subjugando os povos ¢ apropriando-se de seus recursos. No século seguinte, os homens expandiram-se também inte- lectualmente, desafiando as proibicées da Igreja, para criar os prin- cfpios de uma ciéncia experimental, justificando seus feitos pela sangdo biblica do dominio humano sobre a natureza. Seu traba- lho forneceu base para uma nova tecnologia, que eles pensaram fosse beneficiar a raga humana e que, finalmente, deu origem a Revolucao Industrial. A industrializacdo trouxe beneficios, prin- cipalmente a um pequeno grupo, mas também empurrou a maior parte dos seres humanos para novas dimensdes de privagdo e mi- séria. A medida que o feudalismo gradualmente terminou e co- megou © capitalismo, uma elite de proprietdrios, na Inglaterra, expulsou grande nimero de camponeses da terra ¢ os impediu de participar de qualquer bem da sociedade. 10 A Revolugao Industrial comegou na Inglaterra em parte por causa da existéncia dessa classe, que Marx mais tarde chamou de proletariado. Por diferentes razdes, as pessoas foram expulsas da terra em toda a Europa, juntando-se ao proletariado uma massa an6nima de nao proprietarios, na grande maioria constituida por mulheres e¢ criancas. Os que se beneficiaram com a industrializagao capitalista for- maram uma nova elite, uma classe fluida e dindmica. Os indivi- duos, geralmente homens brancos, ascendiam e declinavam em poder e riqueza. As mulheres ligadas a eles podem ter-se benefi- ciado de sua riqueza, mas nao partilhavam seu poder. Jd no culo 19, a maior parte dos seres humanos da Terra era constitu. da de trabalhadores e indigentes dominados por uma pequena elite € quase todas as mulheres eram subjugadas pelos homens. O incessante esforgo masculino no transcorrer dos séculos con- seguira atirar a posigdo feminina ao seu ponto mais baixo: as mu- lheres nao possuiam quase nenhum direito humano — nao ti- nham expressdo politica, ndo eram proprietarias, ndo geriam ne- gocios por conta propria e néo tinham sequer direito sobre seus corpos. Mas a sujeicdo gera ressentimento ¢ os dois tiltimos séculos fo- ram dominados por revolugdes. Os movimentos pelos direitos dos trabalhadores e das mulheres invadiram a Europa e os Estados Unidos como uma maré, no século 19 e principio do 20, inspi- rando rebelides nacionalistas na Asia e na Africa na metade do século 20. Os trabalhadores protestavam contra a injusta diviséo dos re- cursos mundiais e os sistemas que destinavam aos produtores de bens uma parte muito pequena deles. A maior parte dos recur- sos eram e sdo propriedade de uma pequena elite, cujo controle econémico lhe da poder politico. A maioria dos movimentos de trabalhadores foi inspirada pelas idéias socialistas, muito difun- didas no século 19. As primeiras comunidades socialistas, as Owe- nite inglesas do comeco do século 19, preocupavam-se com a sorte das mulheres. Mas o socialismo europeu incipiente estava domi- 11nado por velhas corporagées de artesdos, interessadas acima de tudo em suas prerrogativas. Quando o marxismo passou a do- minar 0 pensamento socialista, poucos de seus adeptos se preo- cupavam com os problemas que as mulheres enfrentavam — responsabilidade de procriar ¢ manter a familia, trabalhando Ppa- ra sustenté-la, sozinhas ou com o auxilio do marido. No século 19, as dificuldades econdmicas ¢ a falta de expres- s4o politica levaram as mulheres a se rebelar — as da classe mé- dia por meio do feminismo em movimentos trabalhistas basea- dos nos principios anarquistas e comunistas. Jé que para as mu- lheres até falar em ptblico violava as leis do género, elas faziam declarag6es feministas ainda que refutassem o feminismo. O socialismo teve conseqtiéncias de longo alcance no século 20. Em alguns paises, as revolugées socialistas derrubaram go- vernos autocraticos e instalaram ‘‘ditaduras do proletariado”’; em outros, o medo do socialismo levou a elite a manter governantes autocraticos repressivos que tomavam 0 poder e beneficiavam os interesses dos militares e dos ricos. Nos assim chamados estados democriticos, as elites, receosas, assimilaram as exigéncias dos trabalhadores ¢ legalizaram os sindicatos para as negociagoes. Os estados socialistas afastaram as descriminac6es legais contra as mu- Iheres, mas nao fizeram qualquer esforco para ensinar aos ho- mens a necessidade de partilhar a responsabilidade de cuidar de si préprios e de seus lares e de educar a nova geracao de seres humanos. Governos fascistas tentaram resolver 0 problema da “mulher”? voltando a impor rigidos controles masculinos (patria- potestas) e restringindo-a ao 4mbito doméstico. Os governos ca- pitalistas e os sindicatos de trabalhadores dominados por homens conspiravam para manter as mulheres nos trabalhos mais margi- nalizados e pior pagos. Em toda parte negava-se a elas o direito de trabalhar por um saldrio decente, argumentando que eram sus- tentadas pelos homens. Ja que nem todos cumpriam a tarefa, as mulheres e seus filhos eram renegados a um empobrecimento ain- da mais profundo. E os homens que sustentavam as mulheres as tratavam como propriedade sua. 12 As idéias feministas vinham sendo articuladas ao longo dos sé- culos por escritoras como Christine de Pisan, Mary Wollstone- craft, George Sand e muitas outras, culminando com o surgimento de um movimento a seu favor durante a Revolugao Francesa. Mas o feminismo como atividade politica de amplo alcance data de 1848, com o movimento de Seneca Falls, nos Estados Unidos. Menor e mais fragmentado que os movimentos trabalhistas, o fe- minismo era até mais ameacador. Ele desesperou todos os ho- mens, nao apenas os da elite, por criar discérdia no lar e — dife- rentemente dos protestos dos trabalhadores — desafiar os homens onde sao mais vulnerdveis: em sua autodefinigao. Neste século, o feminismo alcancou surpreendentes sucessos ao possibilitar 4s mulheres 0 acesso 4 educacdo, aos direitos polf- ticos, empregos e eliminando as leis que mantinham os critérios duplos, principalmente em estados industrializados e socialistas. O feminismo tem tantas formas que os estudiosos se referem a feminismos. Prefiro chamar de ‘‘feminista’’ qualquer tentativa de melhorar a sorte de qualquer grupo de mulheres por meio da solidariedade feminina e numa perspectiva feminina. Consi- derando o poder e a solidariedade das forcas dirigidas contra elas, o sucesso feminista em melhorar a sorte das mulheres, num es- pago de tempo tao curto, é surpreendente. Os homens da elite continuavam a procurar meios de anular a organizacao do trabalho, mudando suas fabricas para regides e, mais tarde, para paises, onde a méo-de-obra ndo era organiza- da. Formando corporagdes transacionais, construfram estabele- cimentos em paises de leis protetoras, onde também compravam matéria-prima barata. CorporagGes suficientemente grandes pa- ra controlar governos (algumas das quais, principalmente nos Es- tados Unidos e na Inglaterra, tentaram destruir os sindicatos) dispuseram-se a sujeitar 0 trabalho as suas determinacdes. Nos Estados Unidos, apés a Segunda Guerra Mundial, os saldrios e as condigdes de trabalho melhoraram para os operdrios, cuja média de rendimento subiu de 15 056 délares por ano para 24 621, de 1955 a 1973. Mas, por volta de 1987, a média de saldrio ajustada a inflacdo era de 19 859 dolares, com declinio de 19 por cento. 13
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