24439-Texto Do Artigo-95987-1-10-20120123
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ISSN 1517-6770
Revista Brasileira de
ZO OCIÊNCIAS
11(3): 269-276, dezembro 2009
Abstract. Mammals of particular periurban forest fragment in Juiz de Fora, Minas Gerais, Brazil. Minas Gerais state (MG)
comprises about 40% of non-aquatic Brazilian mammals. Sixteen percent of these species are threatened and habitat fragmentation
is the main factor of animal extinction. Juiz de Fora city there is an intense and constant process of forest degradation and
deforestation which leads to highly fragmented landscape and results in a mosaic of urban clusters, rural assets and isolated
forested fragments. The aim of this study was the survey of the medium to large-sized mammalian fauna in a particular periurban
fragment at “Fazenda Floresta” We utilized a combination of terrestrial mammal surveying techniques to identify the species,
including footprint plots, camera trap and track surveys. A total of 27 mammal species were recorded, distributed among 6 orders
and 15 families, among these, 19 were medium and large-size. The most representative species were Alouatta guariba clamitans
with 43 records, followed by Cebus nigritus with 42 records. Five of all species found are listed in, at least, one of the Red Lists being
A. guariba clamitans, C. nigritus, Chrysocyon brachyurus, Lontra longicaudis, Leopardus pardalis and Puma concolorclassified as
vulnerable. Thus, based on the results, the fragment at Fazenda Floresta is an important area for the conservation of mammals.
Furthermore, we showed the importance of inventory as a tool to enhance and provide support for the creation of priority areas for
conservation of forest remnants.
Resumo. Minas Gerais possui cerca de 40% das espécies de mamíferos não aquáticos brasileiros. Destas, 16% estão ameaçadas
de extinção sendo a fragmentação dos habitats o principal fator dessa extinção. Juiz de Fora se encontra em situação de intensa
degradação florestal, com fragmentos muito pequenos e fortemente isolados, entre aglomerações urbanas e empreendimentos
rurais. O presente trabalho objetivou o levantamento da mastofauna de médio e grande porte em um fragmento particular
periurbano na Fazenda Floresta. Para realizar o trabalho utilizou-se combinação de técnicas, incluindo placas de pegadas, armadilha
fotográfica e o levantamento nas trilhas. Verificou-se a ocorrência de 27 espécies de mamíferos, distribuídos em seis ordens e 15
famílias, dentre estas espécies, 19 de médio e grande porte. As espécies com o maior número de registros foram Alouatta guariba
clamitans com 43 registros, seguido por Cebus nigritus com 42 registros. Cinco das espécies encontradas estão em pelo menos
uma das Listas Vermelhas de Espécies Ameaçadas de Extinção sendo elas A. guariba clamitans, Chrysocyon brachyurus, Lontra
longicaudis, Leopardus pardalis e Puma concolor, status vulnerável. Desta forma, com base nos resultados encontrados, indica-se
que o fragmento florestal da Fazenda Floresta é uma importante área para a conservação da mastofauna. Além disso, destaca-se
a importância desse tipo de inventário como ferramenta para incrementar e subsidiar informações para a criação de áreas
prioritárias para conservação dos remanescentes florestais.
duas estações bem definidas, uma que vai de outubro primeiros meses, as trilhas já existentes foram limpas,
a abril com temperaturas mais elevadas e maior medidas com trena, marcadas a cada 50 metros e
incidência de chuvas e a segunda que vai de maio a georeferenciadas através do GPS (Global Position System).
setembro com temperaturas mais baixas e menor Para um inventário mais próximo do número real
incidência de chuvas (CENTRO DE PESQUISAS SOCIAIS 2006). de espécies de mamíferos de médio e grande porte
A Fazenda, em seu limite oeste, faz divisa com foi utilizado uma combinação de métodos nesse
uma Unidade de Conservação municipal, Reserva estudo (SILVEIRA et al. 2003, KASPER et al. 2007). Nesta
Biológica Municipal do Poço D’Anta; no limite sul combinação incluí-se o levantamento nas trilhas a
faz divisa com uma área urbana, Bairro Floresta; e procura de registros diretos (visualização) e registros
nos limites leste e norte é cercada por outras indire tos (vocalização, impressão de pegadas,
propriedades rurais. arranhados e fezes); as placas de pegadas e as
Possui uma área de mata de aproximadamente armadilhas fotográficas.
400 ha, contígua com a mata da Reserva Biológica No levantamento foram utilizadas sete trilhas,
Municipal Poço D’Anta e circundada de áreas de com comprimento entre 200 e dois mil metros. Em
pastagens. A mata é caracterizada como Mata cada visita percorreram-se, em média, 4.242 metros
Estacional Semi-decídua (VELOSO et al. 1991), em três horas e 43 minutos de caminhada, foram
encontrando-se hoje uma mata em estádio de feitas 55 visitas a área, totalizando 233.300 metros
sucessão secundária, pois no passado a atividade percorridos. Foram considerados registros toda
financeira empregada na fazenda foi o plantio de forma direta (visualização) e indireta (vocalização e
café, verificando-se em muitos locais dentro da mata rastros) de detecção dos animais em campo. Sendo
e sp é cime s d e Coffe a arab ica L., contu d o o que para as vocalizações tomou-se o cuidado de só
fragmento tem um bom estado de conservação, anotar como novo registro as vocalizações que
podendo encontrar espécies como o palmito-jussara, permitiram diferenciar os grupos ou animais.
Euterpe edulis Mart.; cedro cajerana, Cabralea Fora m utilizad as 10 p lacas d e p e ga d as,
cajerana (Vell) Mart.; cedro, Cedrela fissilis Vell.; distribuídas ao longo das trilhas e próximas aos
casca-d e-barata, Vism ia brasiliensis Choisy e cursos d’água, além disso, foram colocadas em
palmeira do gênero Syagrus. associação com as armadilhas fotográficas para obter
a confirmação d a esp é cie re gistrad a. Foram
Coleta de dados considerados re gistros, o conjunto de pegadas
O trabalho foi realizado entre o período de junho dianteira e traseira, sendo consideradas de animais
de 2005 a dezembro de 2006, sendo que nos dois diferentes as de tamanhos diferentes, entretanto este
método foi descartado posteriormente.
Foram utilizadas três armadilhas fotográficas,
sendo uma digital da marca Tigrinus, modelo Digital
e duas armadilhas com câmeras fotográficas 35
milímetros de filme, da marca Buckshot modelo
Hunter, para as quais se utilizaram filmes de 36 poses
400 ASA, para a obtenção de melhores resultados
nas fotografias tiradas durante o período noturno.
As armadilhas foram alocadas em trilhas onde houve
relatos e registros de vestígios dos animais e também
próximas aos cursos d’água. Utilizaram-se iscas
compostas com sardinha e banana para aumentar
a chances de fotografias com animais. A manutenção
Figura 1 . Mapa de localização da Fazenda Floresta no Município de
Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. d os e q uip ame ntos foi fe ita q uinze nalme nte ,
trocando, quando necessário, as baterias e os filmes, visualizadas foram de 5,26 visualizações/km para C.
adaptado de SRBEK-ARAUJO & CHIARELLO (2005). nigritus, 1,67 visualizações/ km para A. guariba
A identificação e nomenclatura das espécies de clamitans, 0,77 visualizações/ km para Callithrix
mamíferos segue REIS et al. (2006), as pegadas foram penicillata (É. Geoffroy, 1812), 0,26 visualizações/km
identificadas através do guia de BECKER &DALPONTE (1999). para C. nigrifrons e 0,13 visualizações/ km para
Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766) e Eira barbara
Análise dos dados (Linnaeus, 1758).
No levantamento das trilhas foi calculada a taxa de Além das visualizações, registraram-se através
encontro para espécies que obtiveram os maiores números vestígios a presença de Chrysocyon brachyurus
de observações, através do número de visualizações pela (Illiger, 1815), Procyon cancrivorus (G. [Baron]
distância percorrida. Foi construída a curva de acumulação Cuvier, 1798), Leopardus pardalis (Linnaeus, 1758),
de espécies para avaliar se o levantamento obteve uma Puma concolor (Linnaeus, 1771) e Hydrochoerus
amostragem significativa para a área. hydrochaeris (Linnaeus, 1766). Através do método
Para as armadilhas fotográficas também foi de levantamento nas trilhas foi possível registrar
construída a curva de acumulação de espécies pelo quarto espécies que constam nas listas de espécies
esforço amostral, câmeras-dia. Foi considerado ameaçadas de extinção, sendo elas A. guariba
como um registro o conjunto de fotos de todos os clam itans vulne ráve l (BIO DIVERSITAS 2 0 07 ); C.
animais de uma espécie fotografados no intervalo brachyurus, L. pardalis e P. concolor vulneráveis
de 24 horas, calculando-se a taxa fotográfica para (MMA 2003, BIODIVERSITAS 2007)
cada espécie, através da expressão Tx. fotográfica = A curva de acumulação de espécies ao longo do
(número de registros de cada espécie dividido pelo esforço amostral para o levantamento nas trilhas
número de câmera-dia) X 100. mostrou uma estabilização na tendência da curva
de espécies à medida que houve um incremento da
RESULTADOS distância percorrida (fig.2).
Através das armadilhas fotográficas contabilizaram-
O inventário contabilizou 27 espécies de mamí- se 11 espécies de mamíferos de médio e grande porte.
feros, destas 19 foram de médio e grande porte, con- Dentre estas, seis foram obtidas exclusivamente por
siderando mamíferos de médio e grande aqueles que este método. As taxas fotográficas para cada espécie
possuam massa corporal igual ou maior a um quilo- são mostradas na Tabela 1, juntamente com o número
grama. A lista de espécies com seus nomes científi- de registros para cada espécie.
cos e populares e a metodologia com a qual foram As espécies mais fotografadas foram Didelphis
registradas está representada na Tabela 1. aurita (Wied-Neuwied, 1826) com a taxa fotográfica
No levantamento das trilhas contabilizaram-se 13 de 5,73%, seguido por Dasypus novem cinctus
espécies de médio e grande porte em 150 registros, Linnaeus, 1758 com taxa fotográfica de 4,84%. Além
das quais sete espécies foram registradas unicamente desses, foram fotografados animais que estão nas
por este método. O grupo dos primatas foi o que listas vermelhas de espécies ameaçadas de extinção,
teve maior número de registros, Alouatta guariba tais como, L. pardalis e P. concolor consideradas
clam itans (Humboldt, 1812) com 43 registros vulneráveis (MMA 2003, BIODIVERSITAS 2007) e Lontra
(diretos e indiretos), Cebus nigritus (Goldfuss, 1809) longicaudis (Olfers, 1818) considerada vulnerável pela
com 42 registros, seguido de Callicebus nigrifrons BIODIVERSITAS (2007). A curva de acumulação de
(Spix, 1823) com 25 registros. espécies ao longo do esforço amostral em câmera-
Dentre as forma de detecção, a visualização foi a dia para este método tendeu a estabilização com
mais representativa, e a espécie que teve o maior cerca de 150 horas de esforço (fig.3).
núme ro d e re gistros foi C. nigrit us com 41
visualizações. As taxas de encontro para as espécies
Tabela 1. Lista de mamíferos registrados no levantamento realizado na Fazenda Floresta, Juiz de Fora , Minas Gerais, Brasil
2 23 0.26
Callicebus nigrifrons (Spix, 1823) Sauá, guigó
41 1 5.26
Cebus nigritus (Goldfuss, 1809) Macaco-prego
9 1 1 0.44
CARNIVORA Canidae Canis familiaris (Linnaeus, 1758) Cão-doméstico
Cerdocyon thous (Linnaeus, Graxaim, cachorro-
1 0.13
1766) do-mato
Chrysocyon brachyurus1,2 (Illiger,
1 2
1815) Lobo-guará
Mustelidae Eira barbara (Linnaeus, 1758) Irara 1 1 0.13 0.44
Lontra longicaudis2 (Olfers,
2 0.88
1818) Lontra
Procyonidae Nasua nasua (Linnae us, 1766) Coati, quati 3 1.32
Procyon cancrivorus (G. [Baron] Mão-pelada,
3 1 0.44
Cuvier, 1798) guaxinim
1,2
Leopardus pardalis (Linnaeus,
1 4 1.76
Felidae 1758) Jaguatirica
Leopardus sp Gato-do-mato 7 3 2
Puma concolor1,2 (Linnaeus,
1 1 0.44
1771) Onça-parda
Dasypus novemcinctus Linnaeus,
11 4.84
XENARTHRA Dasypodidae 1758 Tatu-galinha
Tamandua tetradactyla
1 0.44
Myrmecophagidae (Linnaeus, 1758) Tamanduá-mirim
6 2.64
RODENTIA Agoutidae Cuniculus paca (Linnaeus, 1758) Paca
Hydrochoerus hydrochaeris
1
Hydrochae ridae (Linnaeus, 1766) Capivara
Guerlinguetus ingrami (Thomas,
7 1 0.9 0.44
Sciuridae 1901) Caxinguelê
Caviidae Cavia sp preá 1 0.44
Muridae n.i. rato 1 1 0.13 0.44
Didelphis aurita (Wied-Neuwied,
13 5.73
DIDELPHIMORPHIA Didelphidae 1826) Gambá
Cuíca-de-quatro-
25 11.01
Philander frenatus (Olfers, 1818) olhos
Gracilinanus agilis (Burmeister,
7 3.08
1854) Cuíca
Marmosops sp Cuíca 1 0.44
n.i. pequeno marsupial 7 3.08
CHIROPTERA Phillostomidae n.i. Morcego 1 4 0.13 1.76
Total: 6 15 28 9 (73) 3 (42) 7 (23) 4 (19) 1 (2) 19 (91)
Legenda: Visualização (Vis.), vocalização (Voc.), pegadas (Peg.), arranhado (Arr.) e armadilha fotográfica (A.F.). n=número de registros.n.i. = não
identificada. 1 - Vulnerável segundo MMA 2003; 2 - Vulnerável segundo Biodiversitas 2007.