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Cultivando Coca

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Peru: cultivo de coca, cocaína e combate ao narcotráfico


Peru: cultivation of coca, cocaine and fighting drug trafficking
MARCELO SANTOS*
Meridiano 47 vol. 11, n. 119, jun. 2010 [p. 14 a 20]

Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas peruanos foram capazes de mandar ao exterior a
(2010), publicado pela Oficina das Nações Unidas quantia de 282 toneladas. Isso porque, embora a
contra as Drogas e o Crime (UNODC), referente ao Colômbia tenha produzido 430 toneladas enquanto o
ano de 2009, a área de cultivo de coca continuou Peru produziu 302 toneladas, o governo colombiano
crescendo no Peru, atingindo 59.900 hectares, o apreendeu 198 toneladas e o governo peruano reteve
que representa uma expansão de 6,8% em relação apenas 20 toneladas (RIVERA y DIAZ apud YOVERA,
aos 56.100 hectares registrados em 2008. Com essa 2009). A oferta de folha seca de coca é outro item
marca, o país se aproximou ainda mais da Colômbia, que apresenta crescimento no país. De acordo com a
que tem a maior área de cultivo, sendo responsável UNODC, no Relatório Mundial sobre Drogas (2010),
por 68.000 hectares, mas que, de acordo com o o país atingiu 119.000 toneladas em 2009, o que
mesmo relatório, manteve a tendência de queda, significa um aumento de 4,7 em relação ao ano de
registrando um decréscimo de 16% em relação aos 2008. Nesse quesito, o país já ultrapassou a Colômbia,
81.000 hectares de 2008. que registrou 103.000 toneladas em 2009. Embora,
Caso se mantenham as tendências dos últimos no caso colombiano, tenha que se contabilizar a
três anos, o Peru retornará ao posto de maior área oferta de folha fresca de coca, que atingiu 343.600
de cultivo de coca no mundo. No ranking dos toneladas em 2009.
países com maior oferta potencial de cloridrato de Em conjunto, o recrudescimento dos cultivos
cocaína, o Peru também apresentou crescimento. ilícitos de coca no país pode ser atribuído a uma série
No Relatório Mundial sobre Drogas (2009), referente de fatores, tais como: as debilidades econômicas
ao ano de 2008, a UNODC relatou uma produção e institucionais do Estado peruano para combater
de 302 toneladas, sendo 4,1% maior que o número o narcotráfico; o crescente consumo de droga na
registrado em 2007, representando 36% da oferta América do Sul; o “efeito balão”, decorrente do
mundial da droga. Novamente o país ficou atrás da combate às drogas na Colômbia; e a presença
Colômbia, que atingiu a marca de 430 toneladas, de remanescentes do Sendero Luminoso nas
equivalente a 51% do montante total.1 Em recente atividades do narcotráfico. Pode-se dizer que, no
trabalho denominado de “Estudio comparativo de la Peru, a segurança nacional, o estado de direito, a
evolución de la coca y la cocaína en Perú y Colombia”, democracia e o próprio desenvolvimento do país
os pesquisadores Jaime Antezana Rivera e Jaime têm sido duramente ameaçados pelas atividades do
García Diaz constataram que, no ano de 2008, o Peru narcotráfico. Com um breve olhar sobre o país, não é
assumiu o posto de principal exportador de cocaína difícil constatar os impactos deletérios dessa economia
no mundo. Enquanto o narcotráfico na Colômbia ilícita, como os prejuízos para a saúde pública, a
conseguiu exportar 232 toneladas, os narcotraficantes destruição do meio ambiente, a distorção de valores

* Professor de Ciência Política da Universidade Estadual Paulista – UNESP (Campus Araraquara) e pesquisador do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos – INEU (marsant28@yahoo.com.br).
1 Note-se que a UNODC não informou a produção potencial de cocaína do Peru no ano de 2009, pois, segundo o relatório,
a entidade está revendo os fatores de conversão da folha de coca em cocaína no país.
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éticos e morais, o crescimento da insegurança e da tem sido duramente rechaçada pelos camponeses
violência e a grande capacidade de corromper as e os sindicatos cocaleiros. O movimento cocaleiro
instituições políticas. Assim, nos limites desse artigo, peruano – que, debilitado e dividido, não tem a
cabe uma reflexão sobre a atual situação peruana mesma capacidade de combate e de organização
no que se refere aos cultivos de coca, à produção de dos bolivianos – tem promovido violentos protestos
cocaína e ao combate ao narcotráfico. contras às forças do Estado e eleito representantes
Ao contrário da Colômbia, e assim como na Bolí- para o parlamento peruano no sentido de barrar a
via, no Peru o cultivo e o consumo de coca têm raízes estratégia repressiva de combate à oferta através da
milenares, compondo a cultura de uma parte desses erradicação forçada. O crescimento da erradicação
povos andinos. Há cerca de 5.000 anos, as folhas de forçada nos governos de Toledo e de García ocorreu
coca são utilizadas para consumo, remédios, rituais e nos momentos de negociações comerciais com os
cerimônias religiosas. Dessa forma, com o respaldo da EUA. No caso do governo Toledo, a administração
Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito George W. Bush, em 2002, condicionou a renovação
de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas – que da Lei de Promoção Comercial Andina ao desenvol-
autoriza o cultivo de até 9.000 toneladas em áreas vimento da luta antidrogas preconizada pela Drug
onde existam evidências de usos lícitos tradicionais – Enforcement Agency Administration (DEA) (ROJAS,
Bolívia e Peru possuem leis nacionais que regularizam 2005).2 No governo García, segundo alguns analistas,
os cultivos tradicionais. No caso peruano, o Estado a erradicação forçada aumentou pelo fato de que o
permite o cultivo de 11.500 hectares de folhas de país esteve empenhado na aprovação do Tratado de
coca. A Empresa Nacional de la Coca (ENACO), con- Livre Comércio com os EUA (INTERNATIONAL CRISIS
trolada pelo Estado, detém o monopólio de compra GROUP 26, 2008).
das folhas de coca produzidas pelos camponeses, e A cocaína peruana, considerada pela DEA como
também é a única responsável pela transformação a mais pura da região, abastece majoritariamente
das folhas em produtos industriais lícitos. Note-se os mercados consumidores da Europa, seguidos da
que é muito tênue a linha que separa o cultivo legal América Latina, e depois dos EUA. Para tanto, os
e o ilegal. Segundo estimativas da Oficina das Nações cartéis peruanos, mexicanos (Tijuana, Guadalajara,
Unidas contra as Drogas e o Crime (UNODC), publi- Juárez, Guanajuato y Sinaloa) e colombianos (Norte
cadas em julho de 2009, no relatório “Monitoreo de del Valle) utilizam um complexo mapa de rotas que
Cultivos de Coca en el Perú 2008”, menos de 8% da desembocam nas três rotas principais da costa do
folha de coca é utilizada com fins lícitos. pacífico: eixo Ayacucho-Ica; eixo Huallaga-Paita;
Para reduzir as áreas cocaleiras consideradas e a Carretera Central, que liga Tingo Maria com
ilegais, o governo peruano vem praticando dois tipos Lima e El Callao. A cocaína também sai do país
de erradicação manual: a voluntária e a forçada. A por outros caminhos, tais como: pelos pontos de
erradicação voluntária é coordenada pela Comisión fronteira terrestre com o Equador (Aguas Verdes-
Nacional para el Desarrollo y Vida sin Drogas (DEVI- Machala), Chile (Santa Rosa-La Concórdia) e Bolívia
DA). E a erradicação forçada é realizada pela Unidad (Desaguadero); pelo Trapézio Amazônico, tráfico
de Control y Reducción de la Hoja de Coca en el Alto fluvial pela Amazônia até o Atlântico, utilizando os
Huallaga (CORAH). Importa destacar que a política de rios Marañon e Ucayali até a cidade de Iquitos, e até
erradicação forçada, de inspiração norte-americana, o porto de Manaus, no Brasil; e a Rota Terrestre Sul,

2 A Lei de Promoção Comercial Andina (ATP), para a Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, reduziu as barreiras comerciais
dos EUA para esses países. No contexto da Iniciativa Regional Andina, o governo Bush conseguiu aprovar no Senado dos
EUA, em agosto de 2002, a Lei de Promoção Comercial Andina e Erradicação das Drogas (ATPDEA). Essa lei reduziu
as tarifas alfandegárias norte-americanas para outros produtos andinos, como confecções e calçados, e exigiu em troca o
compromisso desses países no combate ao tráfico de drogas.
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ligando Peru – Altiplano da Bolívia – Buenos Aires economia legal e sustentável que serve de base para
(SOBERÓN, 2007). a estabilidade social. Nessa perspectiva, os gestores
As regiões de Alto Huallaga, Apurímac-Ene e La do projeto estabelecem uma relação de confiança e
Convención y Lares representam 80,4% da extensão cooperação com a população local, na qual a consulta
total da área ocupada pela coca, sendo que a variação aos agricultores e autoridades locais é constante e não
dos índices de cultivos no país depende, em larga se coloca como condição para o desenvolvimento ru-
medida, das mudanças territoriais e produtivas que ral a diminuição dos cultivos de coca (CUBAS, 2008).
ocorrem nas duas primeiras regiões (UNODC, 2010). Iniciativas como a assistência técnica e financeira aos
A região do Valle do Alto Huallaga tem sido, desde a agricultores ligados aos produtos alternativos (óleo de
década de 1980, uma das principais áreas de cultivo palma, arroz, cacau, mel e atividades orgânicas dos
de coca no Peru. Notadamente marcada pela pobreza rebanhos animais), a assessoria na busca de mercados
e pela falta de infra-estrutura e de políticas públicas, para os produtos, o fortalecimento das instituições
essa região foi, nas últimas décadas, palco de ações políticas locais, a melhoria da infra-estrutura e a ca-
do Sendero Luminoso e do Movimiento Revolucio- pacitação de pessoal compõem o quadro principal
nario Túpac Amaru e de atividades do narcotráfico. das atividades do projeto.4
Nos últimos anos, o cenário da produção de coca no Já a região sul do Alto Huallaga, na província de
Alto Huallaga tem apresentado distinções. Na zona Leoncio Prado (região Huanuco), num ambiente de
norte, na província de Tocache (região San Martín), ausência de ações de erradicação e de esporádicos
as ações de erradicação forçada promovidas pela programas de desenvolvimento alternativos, impera
Unidad de Control y Reducción de la Hoja de Coca a expansão dos cultivos de coca combinada com
en el Alto Huallaga (CORAH) e algumas experiências crescimento do narcotráfico e ações de grupos
de desenvolvimento alternativo (cultivos de palma, remanescentes do Sendero Luminoso. De acordo
cacau, café, palmito, arroz, frutas e agroindústria) têm com o já citado relatório da ONU, no Alto Huallaga
diminuído a extensão das áreas de cultivo de coca. tem ocorrido o tradicional “efeito balão”, ou seja,
Note-se que, em que pesem os malogros da enquanto o cultivo de coca é reduzido no norte,
estratégia de “desenvolvimento alternativo” para cresce e se multiplica no sul, não afetando, no geral,
combater as drogas ilícitas nas diversas regiões do o número de hectares cultivados e, por consequência,
Peru, inclusive na própria zona norte do Alto Hualla- o abastecimento do narcotráfico (UNODC, 2009).
ga, há um projeto que tem apresentado resultados Na região do Valle del rio Apurímac – Ene
positivos. Trata-se do “Proyecto de Desarrollo Alterna- (VRAE), tradicional área agrícola peruana, os cultivos
tivo Tocache-Uchiza” (PRODATU), resultado de uma de coca não pararam de crescer desde a década de
parceria entre os governos da Alemanha e do Peru. 1980, superando os cultivos de café, cana de açúcar
O projeto é executado pelas instituições de coope- e cacau. Entre os fatores responsáveis pelo VRAE ter
ração alemãs Deutsche Gesellschaft für Technische se transformado num grande produtor de folha de
Zusammenarbeit (GTZ) e Kreditanstalt für Wiederau- coca pode ser destacado: primeiro, a queda do preço
fbau Bankengruppe (KFW), e também conta com a dos tradicionais produtos agrícolas da região e o
participação da Comisión Nacional para el Desarrollo aumento do preço e maior produtividade da folha
y Vida Sin Drogas (DEVIDA).3 O PRODATU é baseado de coca; segundo, o deslocamento das atividades
numa estratégia de inserção da população local numa do narcotráfico para a região, devido às políticas

3 O Peru é o maior receptor individual de recursos financeiros para o desenvolvimento alternativo bancado pela União
Européia. Para a “Estrategia Nacional de lucha contra las drogas 2007-2011”, apresentado pelo governo peruano, a UE
aprovou €132 milhões (INTERNATIONAL CRISIS GROUP 26, 2008).
4 Ver: Agencia de Cooperación Técnica Alemana – GTZ. (2006), Alternative Development Tocache-Uchiza, Peru. Disponível
em: http://www.bvcooperacion.pe:8080/biblioteca/bitstream/123456789/3174/1/BVCI0001931.pdf.
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de combate ao narcotráfico no Alto Huallaga; e Em dezembro de 2006, o governo peruano


terceiro, as ações do Sendero Luminoso na região, lançou o Plano VRAE, com objetivos de garantir a
que prejudicaram as atividades econômicas legais, paz, combater o narcotráfico e os remanescentes do
fazendo com que os agricultores, diante da ausência Sendero Luminoso e promover o desenvolvimento
do Estado, formassem os Comités de Defensa da região.6 Para tanto, segundo Roberto Gordillo,
Civil Antisubversiva (DECAS) e se vinculassem responsável pelo aspecto econômico do plano,
economicamente, produzindo folhas de coca, ao foi disponibilizado para o período 2006-2008
circuito do narcotráfico, situação que foi mantida um montante de 248 milhões de soles. E no ano
mesmo após o fim do conflito armado interno de 2009, o plano teve um incremento de 120
(GUEVARA, 2005). Em 2008, segundo estimativas milhões de soles (GORDILLO, 2009). As ações do
do governo, dos 16.719 hectares de coca cultivados plano estão baseadas na execução de três pontos
no VRAE, 95% foram para a produção de cocaína, fundamentais: ações militares, para combater os
enquanto os 5% restantes foram para a ENACO, remanescentes do Sendero Luminoso; ações policiais,
o “chacchado” (consumo local e tradicional) e para a luta contra o narcotráfico; e ações civis, para
experimentos (PARDO, 2009). Segundo Dennis promover o desenvolvimento social (alimentação,
Pereyra (2009), baseado em informações da ONU e educação e saúde), a infra-estrutura básica (água,
da DEVIDA, no período 2007-2008, 90% do valor comunicação, eletricidade, habitação, saneamento
bruto da produção agrícola do VRAE foi gerado pelos básico e transporte) e o desenvolvimento econômico
cultivos ilegais de coca (PEREYRA, 2009). (diversificação agrícola de produtos lícitos).
A região do VRAE – que compreende os Departa- Em mais de três anos de funcionamento, o
mentos de Ayacucho, Cuzco e Junín – é uma área de Plano VRAE não apresentou resultados expressivos
grande potencial de conflito, pois combina a presença em suas principais pretensões, recebendo duras
de altos índices de pobreza e de pobreza extremada, críticas dos estudiosos do assunto, que apontam para
relevo de difícil acesso, dependência camponesa da um fracasso do plano. No âmbito militar, que tem
plantação de coca, incapacidade de o Estado exercer consumido a maior parte do orçamento, embora a
o monopólio legítimo da força, narcotráfico e rema- operação “Excelencia 777” das Forças Armadas tenha
nescentes do Sendero Luminoso.5 Cabe notar que as resultado na retomada do controle do território de
atuais ações de grupos remanescentes do Sendero Vizcatán, importante reduto de operações do Sendero
Luminoso no Valle do Alto Huallaga e no Valle do Luminoso, a denominada estratégia antiterrorista
Rio Apurímac – Ene têm sido fundamentalmente contra os remanescentes subversivos está longe
relacionadas aos negócios da cadeia de produção e de ser exitosa. Os “senderistas”, que atuam com
comercialização de drogas, nada guardando da insur- grande e moderno aparato de segurança pago com
gência maoísta que aterrorizou o Estado e a sociedade vultosos recursos do narcotráfico, têm diversificado
peruana nas décadas de 1980 e 1990. Nesse sentido, os lugares de suas operações (como em Tinta e
a reativação, o recrutamento e o crescimento desse Punco, na província de Tayacaja) e produzido baixas
grupo vêm ocorrendo por interesses econômicos, importantes nas Forças Armadas e na polícia peruana.
carecendo de estratégia de poder, ideologia, lide- Para muitos analistas, a ausência de um eficaz serviço
ranças políticas e articulação nacional (ARCE, 2008; de inteligência, a falta de preparo das tropas, os
ANTEZANA, 2009; LAGOS, 2009). problemas operacionais, os materiais bélicos obsoletos

5 Segundo dados oficiais, 54% dos habitantes do VRAE vivem na pobreza e 44,8% na indigência. Cerca de 60% não contam
com nenhum tipo de instalação sanitária, 78% não têm acesso à iluminação pública, 49% sofrem desnutrição crônica e 30%
são analfabetos (CONSTRUYENDO DEMOCRACIA 13, 2008).
6 Ver: Defensa y Reforma Militar. (2007), Decreto Supremo 003-2007-DE. Disponível em: http://www.defensaidl.org.pe/
leg_peru/defensa/07/04.pdf.
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e as dificuldades de comunicação dificultam o êxito ou seja, a pobreza e a exclusão de grandes setores


das operações contra os “senderistas” (CARO, 2009; sociais dos frutos do crescimento econômico.
OBANDO, 2009). Em janeiro de 2009, o governo Outro ponto fundamental está relacionado ao
criou a Região Militar do VRAE, mediante o Decreto tipo de relação que o país estabelece com os EUA
Supremo N.001-2009-DE/EP, com o intuito de facilitar no tratamento do tema. Nos últimos 30 anos, desde
as operações logísticas e militares do exército contras que transformou o narcotráfico num problema de
os remanescentes do Sendero Luminoso. No que se segurança nacional, a política militarizada e repressiva
referem às ações policiais contra o narcotráfico, os de combate à oferta da droga nos países produtores
resultados até aqui também não são animadores, pois pode ter sido muito conveniente para justificar as
os cultivos de coca e a produção de cocaína cresceram ingerências geopolíticas e geoeconômicas dos EUA
nos últimos anos, conforme indicam os dados na América Latina, porém foi incapaz de abalar as
mostrados anteriormente. A ausência de projetos de atividades do narcotráfico, além de provocar impac-
economias alternativas verdadeiramente sustentáveis tos sociais desastrosos e agravar problemas políticos
constitui um aspecto fundamental para os reveses na região.
das estratégias antidrogas na região. Além disso, a Os norte-americanos são os maiores provedores
polícia peruana tem encontrado extrema dificuldade de recursos financeiros para a atual “Estrategia
para combater a poderosa e complexa cadeia do Nacional de Lucha contra las Drogas 2007-2011”,
narcotráfico no país. Já as ações civis, que para a do governo peruano, com uma participação de
maioria dos analistas é o aspecto mais importante cerca de 90% dos recursos (OBANDO, 2009). Um
do plano, caminham de forma muito lenta, numa dos objetivos principais dessa estratégia é reduzir em
região que falta quase tudo. Entraves burocráticos, 40% a superfície dedicada ao cultivo de coca para
insuficiência de recursos financeiros, corrupção e o ano de 2011, através da erradicação voluntária e
falta de capacidade política dos governos regionais forçada. Porém, ainda que o processo de erradicação
são apontados como os principais problemas dos venha sendo até maior do que o previsto para o
programas de desenvolvimento econômico e social período, o plantio de coca, como já foi apontado, vem
e de infra-estrutura. Em maio de 2009, logo após a aumentando. Segundo dados da ONU (2010), 10.025
morte de 14 militares numa emboscada armada pelo hectares de coca foram erradicados em 2009. Mesmo
Sendero Luminoso, o governo peruano, reconhecendo assim, os cultivos aumentaram 6,8%, em relação ao
os problemas da atual estratégia, anunciou o ano de 2008, passando de 56.100 hectares em 2008,
relançamento do Plano VRAE, baseado em três eixos para 59.900 hectares em 2009 (UNODC, 2010).
fundamentais: desenvolvimento econômico e social; Cabe notar que, de acordo com a ONU (2009),
segurança e legalidade; e comunicação e participação. 100% das ações de erradicação têm sido forçadas,
Em conjunto, seja qual for o nível em que nos fato que continua provocando vários conflitos entre
coloquemos, é fácil constatar que o Estado peruano, população e governo na zona norte do Alto Huallaga,
desafiado como está pelas atividades do narcotráfico, região onde se concentra a erradicação desenvolvida
não pode mais postergar a colocação em prática de pelo CORAH. Os camponeses da região, altamente
uma estratégia consistente de luta contra o tráfico dependentes do cultivo da coca, alegam que os pro-
ilícito de drogas. Nesse intento, antes de qualquer gramas de desenvolvimento alternativos são ineficazes
coisa, essa empreita requer grande vontade política e cobrem poucas pessoas, e também reclamam da
e uma conjunção de esforços de diversos segmentos estratégia repressiva que pune os camponeses que
internos e externos, pois o problema é complexo e de dependem daquela atividade para a sobrevivência,
dimensão global. Um ponto de partida razoável para enquanto nada ocorre com os grandes traficantes.
mergulhar no problema, talvez seja a constatação, Assim, mais uma vez, fica evidente que não
evidenciada pela maioria dos estudiosos, de que é tem funcionado a estratégia de luta antidrogas
preciso enfrentar as causas estruturais do problema, concentrada amplamente na erradicação forçada dos
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cultivos nos países produtores. O chamado “efeito sobre el Plan VRAE”. Coyuntura – análisis
balão” deve continuar ocorrendo no Peru e na região económico y social de actualidad. Centro de
andina, enquanto não ocorrer uma estratégia capaz investigaciones sociológicas, económicas,
de erradicar as causas estruturais do problema. Nesse políticas y antropológicas – PUC Perú. Año 4, n.
sentido, por um lado, as relações entre os EUA e a 17, pp. 18-21.
Região Andina, e em especial o Peru, poderiam passar CARO, Héctor John (2009). “VRAE: sangre, sudor y
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ações relacionadas ao desenvolvimento sustentável CONSTRUYENDO DEMOCRACIA (2008). El relan-
nas áreas atingidas. Tanto no Plano VRAE quanto na zamiento del Plan VRAE. Centro de Estudios y
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ações de desenvolvimento ainda são muito tímidas. cuatro aciertos, cinco continuidades y ninguna
De outro lado, os norte-americanos, como principais propuesta seria”. Perú Hoy, n.13, pp. 360-383.
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www.unodc.org/documents/crop-monitoring/ Resumo: O artigo apresenta uma breve análise sobre
Peru/Per09_report_sp_small.pdf. Acesso em: a atual situação dos cultivos de coca, produção de
29/06/2010. cocaína e combate ao narcotráfico no Peru.
UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME
– UNODC (2010). World Drug Report 2010. Abstract: The article presents one brief analysis on the
Disponível em: http://www.unodc.o rg/ current situation of the cultivation of coca, production
documents/wdr/WDR_2010/World_Drug_ of cocaine and fighting drug trafficking in Peru.
Report_2010_lo-res.pdf. Acesso em: 29/06/2010.
UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME – Palavras-chave: Peru; cultivos de coca; cocaína.
UNODC (2009). Monitoreo de Cultivos de Coca Key words: Peru; cultivation of coca; cocaine.

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