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Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas peruanos foram capazes de mandar ao exterior a
(2010), publicado pela Oficina das Nações Unidas quantia de 282 toneladas. Isso porque, embora a
contra as Drogas e o Crime (UNODC), referente ao Colômbia tenha produzido 430 toneladas enquanto o
ano de 2009, a área de cultivo de coca continuou Peru produziu 302 toneladas, o governo colombiano
crescendo no Peru, atingindo 59.900 hectares, o apreendeu 198 toneladas e o governo peruano reteve
que representa uma expansão de 6,8% em relação apenas 20 toneladas (RIVERA y DIAZ apud YOVERA,
aos 56.100 hectares registrados em 2008. Com essa 2009). A oferta de folha seca de coca é outro item
marca, o país se aproximou ainda mais da Colômbia, que apresenta crescimento no país. De acordo com a
que tem a maior área de cultivo, sendo responsável UNODC, no Relatório Mundial sobre Drogas (2010),
por 68.000 hectares, mas que, de acordo com o o país atingiu 119.000 toneladas em 2009, o que
mesmo relatório, manteve a tendência de queda, significa um aumento de 4,7 em relação ao ano de
registrando um decréscimo de 16% em relação aos 2008. Nesse quesito, o país já ultrapassou a Colômbia,
81.000 hectares de 2008. que registrou 103.000 toneladas em 2009. Embora,
Caso se mantenham as tendências dos últimos no caso colombiano, tenha que se contabilizar a
três anos, o Peru retornará ao posto de maior área oferta de folha fresca de coca, que atingiu 343.600
de cultivo de coca no mundo. No ranking dos toneladas em 2009.
países com maior oferta potencial de cloridrato de Em conjunto, o recrudescimento dos cultivos
cocaína, o Peru também apresentou crescimento. ilícitos de coca no país pode ser atribuído a uma série
No Relatório Mundial sobre Drogas (2009), referente de fatores, tais como: as debilidades econômicas
ao ano de 2008, a UNODC relatou uma produção e institucionais do Estado peruano para combater
de 302 toneladas, sendo 4,1% maior que o número o narcotráfico; o crescente consumo de droga na
registrado em 2007, representando 36% da oferta América do Sul; o “efeito balão”, decorrente do
mundial da droga. Novamente o país ficou atrás da combate às drogas na Colômbia; e a presença
Colômbia, que atingiu a marca de 430 toneladas, de remanescentes do Sendero Luminoso nas
equivalente a 51% do montante total.1 Em recente atividades do narcotráfico. Pode-se dizer que, no
trabalho denominado de “Estudio comparativo de la Peru, a segurança nacional, o estado de direito, a
evolución de la coca y la cocaína en Perú y Colombia”, democracia e o próprio desenvolvimento do país
os pesquisadores Jaime Antezana Rivera e Jaime têm sido duramente ameaçados pelas atividades do
García Diaz constataram que, no ano de 2008, o Peru narcotráfico. Com um breve olhar sobre o país, não é
assumiu o posto de principal exportador de cocaína difícil constatar os impactos deletérios dessa economia
no mundo. Enquanto o narcotráfico na Colômbia ilícita, como os prejuízos para a saúde pública, a
conseguiu exportar 232 toneladas, os narcotraficantes destruição do meio ambiente, a distorção de valores
* Professor de Ciência Política da Universidade Estadual Paulista – UNESP (Campus Araraquara) e pesquisador do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos – INEU (marsant28@yahoo.com.br).
1 Note-se que a UNODC não informou a produção potencial de cocaína do Peru no ano de 2009, pois, segundo o relatório,
a entidade está revendo os fatores de conversão da folha de coca em cocaína no país.
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éticos e morais, o crescimento da insegurança e da tem sido duramente rechaçada pelos camponeses
violência e a grande capacidade de corromper as e os sindicatos cocaleiros. O movimento cocaleiro
instituições políticas. Assim, nos limites desse artigo, peruano – que, debilitado e dividido, não tem a
cabe uma reflexão sobre a atual situação peruana mesma capacidade de combate e de organização
no que se refere aos cultivos de coca, à produção de dos bolivianos – tem promovido violentos protestos
cocaína e ao combate ao narcotráfico. contras às forças do Estado e eleito representantes
Ao contrário da Colômbia, e assim como na Bolí- para o parlamento peruano no sentido de barrar a
via, no Peru o cultivo e o consumo de coca têm raízes estratégia repressiva de combate à oferta através da
milenares, compondo a cultura de uma parte desses erradicação forçada. O crescimento da erradicação
povos andinos. Há cerca de 5.000 anos, as folhas de forçada nos governos de Toledo e de García ocorreu
coca são utilizadas para consumo, remédios, rituais e nos momentos de negociações comerciais com os
cerimônias religiosas. Dessa forma, com o respaldo da EUA. No caso do governo Toledo, a administração
Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito George W. Bush, em 2002, condicionou a renovação
de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas – que da Lei de Promoção Comercial Andina ao desenvol-
autoriza o cultivo de até 9.000 toneladas em áreas vimento da luta antidrogas preconizada pela Drug
onde existam evidências de usos lícitos tradicionais – Enforcement Agency Administration (DEA) (ROJAS,
Bolívia e Peru possuem leis nacionais que regularizam 2005).2 No governo García, segundo alguns analistas,
os cultivos tradicionais. No caso peruano, o Estado a erradicação forçada aumentou pelo fato de que o
permite o cultivo de 11.500 hectares de folhas de país esteve empenhado na aprovação do Tratado de
coca. A Empresa Nacional de la Coca (ENACO), con- Livre Comércio com os EUA (INTERNATIONAL CRISIS
trolada pelo Estado, detém o monopólio de compra GROUP 26, 2008).
das folhas de coca produzidas pelos camponeses, e A cocaína peruana, considerada pela DEA como
também é a única responsável pela transformação a mais pura da região, abastece majoritariamente
das folhas em produtos industriais lícitos. Note-se os mercados consumidores da Europa, seguidos da
que é muito tênue a linha que separa o cultivo legal América Latina, e depois dos EUA. Para tanto, os
e o ilegal. Segundo estimativas da Oficina das Nações cartéis peruanos, mexicanos (Tijuana, Guadalajara,
Unidas contra as Drogas e o Crime (UNODC), publi- Juárez, Guanajuato y Sinaloa) e colombianos (Norte
cadas em julho de 2009, no relatório “Monitoreo de del Valle) utilizam um complexo mapa de rotas que
Cultivos de Coca en el Perú 2008”, menos de 8% da desembocam nas três rotas principais da costa do
folha de coca é utilizada com fins lícitos. pacífico: eixo Ayacucho-Ica; eixo Huallaga-Paita;
Para reduzir as áreas cocaleiras consideradas e a Carretera Central, que liga Tingo Maria com
ilegais, o governo peruano vem praticando dois tipos Lima e El Callao. A cocaína também sai do país
de erradicação manual: a voluntária e a forçada. A por outros caminhos, tais como: pelos pontos de
erradicação voluntária é coordenada pela Comisión fronteira terrestre com o Equador (Aguas Verdes-
Nacional para el Desarrollo y Vida sin Drogas (DEVI- Machala), Chile (Santa Rosa-La Concórdia) e Bolívia
DA). E a erradicação forçada é realizada pela Unidad (Desaguadero); pelo Trapézio Amazônico, tráfico
de Control y Reducción de la Hoja de Coca en el Alto fluvial pela Amazônia até o Atlântico, utilizando os
Huallaga (CORAH). Importa destacar que a política de rios Marañon e Ucayali até a cidade de Iquitos, e até
erradicação forçada, de inspiração norte-americana, o porto de Manaus, no Brasil; e a Rota Terrestre Sul,
2 A Lei de Promoção Comercial Andina (ATP), para a Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, reduziu as barreiras comerciais
dos EUA para esses países. No contexto da Iniciativa Regional Andina, o governo Bush conseguiu aprovar no Senado dos
EUA, em agosto de 2002, a Lei de Promoção Comercial Andina e Erradicação das Drogas (ATPDEA). Essa lei reduziu
as tarifas alfandegárias norte-americanas para outros produtos andinos, como confecções e calçados, e exigiu em troca o
compromisso desses países no combate ao tráfico de drogas.
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ligando Peru – Altiplano da Bolívia – Buenos Aires economia legal e sustentável que serve de base para
(SOBERÓN, 2007). a estabilidade social. Nessa perspectiva, os gestores
As regiões de Alto Huallaga, Apurímac-Ene e La do projeto estabelecem uma relação de confiança e
Convención y Lares representam 80,4% da extensão cooperação com a população local, na qual a consulta
total da área ocupada pela coca, sendo que a variação aos agricultores e autoridades locais é constante e não
dos índices de cultivos no país depende, em larga se coloca como condição para o desenvolvimento ru-
medida, das mudanças territoriais e produtivas que ral a diminuição dos cultivos de coca (CUBAS, 2008).
ocorrem nas duas primeiras regiões (UNODC, 2010). Iniciativas como a assistência técnica e financeira aos
A região do Valle do Alto Huallaga tem sido, desde a agricultores ligados aos produtos alternativos (óleo de
década de 1980, uma das principais áreas de cultivo palma, arroz, cacau, mel e atividades orgânicas dos
de coca no Peru. Notadamente marcada pela pobreza rebanhos animais), a assessoria na busca de mercados
e pela falta de infra-estrutura e de políticas públicas, para os produtos, o fortalecimento das instituições
essa região foi, nas últimas décadas, palco de ações políticas locais, a melhoria da infra-estrutura e a ca-
do Sendero Luminoso e do Movimiento Revolucio- pacitação de pessoal compõem o quadro principal
nario Túpac Amaru e de atividades do narcotráfico. das atividades do projeto.4
Nos últimos anos, o cenário da produção de coca no Já a região sul do Alto Huallaga, na província de
Alto Huallaga tem apresentado distinções. Na zona Leoncio Prado (região Huanuco), num ambiente de
norte, na província de Tocache (região San Martín), ausência de ações de erradicação e de esporádicos
as ações de erradicação forçada promovidas pela programas de desenvolvimento alternativos, impera
Unidad de Control y Reducción de la Hoja de Coca a expansão dos cultivos de coca combinada com
en el Alto Huallaga (CORAH) e algumas experiências crescimento do narcotráfico e ações de grupos
de desenvolvimento alternativo (cultivos de palma, remanescentes do Sendero Luminoso. De acordo
cacau, café, palmito, arroz, frutas e agroindústria) têm com o já citado relatório da ONU, no Alto Huallaga
diminuído a extensão das áreas de cultivo de coca. tem ocorrido o tradicional “efeito balão”, ou seja,
Note-se que, em que pesem os malogros da enquanto o cultivo de coca é reduzido no norte,
estratégia de “desenvolvimento alternativo” para cresce e se multiplica no sul, não afetando, no geral,
combater as drogas ilícitas nas diversas regiões do o número de hectares cultivados e, por consequência,
Peru, inclusive na própria zona norte do Alto Hualla- o abastecimento do narcotráfico (UNODC, 2009).
ga, há um projeto que tem apresentado resultados Na região do Valle del rio Apurímac – Ene
positivos. Trata-se do “Proyecto de Desarrollo Alterna- (VRAE), tradicional área agrícola peruana, os cultivos
tivo Tocache-Uchiza” (PRODATU), resultado de uma de coca não pararam de crescer desde a década de
parceria entre os governos da Alemanha e do Peru. 1980, superando os cultivos de café, cana de açúcar
O projeto é executado pelas instituições de coope- e cacau. Entre os fatores responsáveis pelo VRAE ter
ração alemãs Deutsche Gesellschaft für Technische se transformado num grande produtor de folha de
Zusammenarbeit (GTZ) e Kreditanstalt für Wiederau- coca pode ser destacado: primeiro, a queda do preço
fbau Bankengruppe (KFW), e também conta com a dos tradicionais produtos agrícolas da região e o
participação da Comisión Nacional para el Desarrollo aumento do preço e maior produtividade da folha
y Vida Sin Drogas (DEVIDA).3 O PRODATU é baseado de coca; segundo, o deslocamento das atividades
numa estratégia de inserção da população local numa do narcotráfico para a região, devido às políticas
3 O Peru é o maior receptor individual de recursos financeiros para o desenvolvimento alternativo bancado pela União
Européia. Para a “Estrategia Nacional de lucha contra las drogas 2007-2011”, apresentado pelo governo peruano, a UE
aprovou €132 milhões (INTERNATIONAL CRISIS GROUP 26, 2008).
4 Ver: Agencia de Cooperación Técnica Alemana – GTZ. (2006), Alternative Development Tocache-Uchiza, Peru. Disponível
em: http://www.bvcooperacion.pe:8080/biblioteca/bitstream/123456789/3174/1/BVCI0001931.pdf.
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5 Segundo dados oficiais, 54% dos habitantes do VRAE vivem na pobreza e 44,8% na indigência. Cerca de 60% não contam
com nenhum tipo de instalação sanitária, 78% não têm acesso à iluminação pública, 49% sofrem desnutrição crônica e 30%
são analfabetos (CONSTRUYENDO DEMOCRACIA 13, 2008).
6 Ver: Defensa y Reforma Militar. (2007), Decreto Supremo 003-2007-DE. Disponível em: http://www.defensaidl.org.pe/
leg_peru/defensa/07/04.pdf.
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cultivos nos países produtores. O chamado “efeito sobre el Plan VRAE”. Coyuntura – análisis
balão” deve continuar ocorrendo no Peru e na região económico y social de actualidad. Centro de
andina, enquanto não ocorrer uma estratégia capaz investigaciones sociológicas, económicas,
de erradicar as causas estruturais do problema. Nesse políticas y antropológicas – PUC Perú. Año 4, n.
sentido, por um lado, as relações entre os EUA e a 17, pp. 18-21.
Região Andina, e em especial o Peru, poderiam passar CARO, Héctor John (2009). “VRAE: sangre, sudor y
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nas áreas atingidas. Tanto no Plano VRAE quanto na zamiento del Plan VRAE. Centro de Estudios y
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no Alto Huallaga constitui uma prova de que as CUBAS, Hugo Cabieses (2008). “Política de drogas:
ações de desenvolvimento ainda são muito tímidas. cuatro aciertos, cinco continuidades y ninguna
De outro lado, os norte-americanos, como principais propuesta seria”. Perú Hoy, n.13, pp. 360-383.
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mais efetivas de redução da demanda no seu território, supremo 003-2007-DE. Intervención estratégica
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UNODC (2009). Monitoreo de Cultivos de Coca Key words: Peru; cultivation of coca; cocaine.