Noites de insomnia, offerecidas a quem não póde dormir. Nº 11 (de 12)
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Noites de insomnia, offerecidas a quem não póde dormir. Nº 11 (de 12) - Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco
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póde dormir. Nº 11 (de 12), by Camilo Castelo Branco
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Title: Noites de insomnia, offerecidas a quem não póde dormir. Nº 11 (de 12)
Author: Camilo Castelo Branco
Release Date: February 27, 2009 [EBook #28206]
Language: Portuguese
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BIBLIOTHECA DE ALGIBEIRA
NOITES DE INSOMNIA
OFFERECIDAS
A QUEM NÃO PÓDE DORMIR
POR
Camillo Castello Branco
PUBLICAÇÃO MENSAL
N.º 11—NOVEMBRO
1874
PORTO
TYPOGRAPHIA DE ANTONIO JOSÉ DA SILVA TEIXEIRA
68—Rua da Cancella Velha—62
1874
O ULTIMO CARRASCO
I
Para mim a sepultura é santa; são santas as fundas agonias humanas, ainda quando associadas ao crime.
A. HERCULANO.
Si l'on demande comment, avec de pareils sentiments, j'ai pu remplir si longtemps les horribles fonctions qui m'étaient échues en partage, je n'ai que ceci à répondre: qu'on vacille bien jeter les yeux sur la condition dans laquelle j'etais né... C'est le testament de la peine de mort par le dernier bourreau.
Mémoires des Sanson par H. SANSON,
ancien executeur des hautes œuvres de la cour de Paris.
Felizmente a civilisação do seculo arrancou do nosso codigo esse negro artigo da pena de morte, e esta conquista da illustração, que a tenaz perseverança da philosophia alcançou gloriosa, depois d'uma porfiada lucta, já não póde retrogradar em Portugal, e parabensme dou a mim mesmo de não estar já ameaçado de commetter homicidios, e de sentir gotejar sobre a minha cabeça, n'estes meus já bem cançados dias, o sangue, que uma lei draconiana fazia espadanar no cadafalso.
Historia (inedita) de Luiz Antonio Alves dos Santos—O NEGRO, ultimo executor de justiça em Portugal.
A pena de morte será executada na forca pelo executor da justiça criminal, em lugar publico, com o acompanhamento da confraria da Misericordia, se a houver no lugar, e dos ministros da religião, que o condemnado professar: assistirá o escrivão dos autos para n'elles dar fé do cumprimento da sentença. Nas quarenta e oito horas marcadas no artigo antecedente, se ministrarão ao condemnado todos os soccorros da religião, e os mais que por elle forem requeridos.
(Art. 1203 da Reforma judicial novissima, decretada em 21 de maio de 1841).
O meu quarto, o meu antro, a minha jaula tinha quinze passos de comprido e seis de largura. Era tão limitado o recinto que nos achavamos face a face—o carrasco e eu.
A primeira impressão que senti, ainda mal, porque se traduziu em factos—arrependi-me depois—foi recuar e esconder as mãos nos bolsos.
Na lei, que ordenava o homicidio, é que eu não devia tocar. Era para com o juiz, que proferia a sentença, para com o jury, que condemnava, e para com o ministerio publico, que requeria, que eu devia guardar estas reservas e cuidados.
Para com o executor—não.
Este era o instrumento, era o cumplice, era a força physica, era a machina brutal, inconsciente, estupida e passiva. Era a forca, era a guilhotina, era o patibulo, era o cadafalso, era o pelourinho, era a gargalheira, era o potro, era o equuleo, era a cruz do supplicio—era finalmente o verdugo, o algoz e o saião. Era o carrasco.
Para com elle, o meu instincto de repulsão era um absurdo.
Toca-se nas rodas dentadas d'uma machina qualquer—quando postas em movimento, se o operario n'um momento de irreflexão e de imprudencia se aproxima d'ellas—despedaçam-no, esmagam-no. A roda é um agente: obedece impassivel ao impulso da diretriz, do motor.
E, aliás, ninguem despreza a roda, ninguem a reputa aviltante, ninguem a insulta.
Que mais vale o carrasco, para que o legislador lhe legasse o desprezo e a consciencia da sua infamia?
O movimento de repulsão, que actuou em mim, não fôra tão rapido que o não observasse Luiz Negro.
Observou.
Vi rebentar uma lagrima nas palpebras avermelhadas do velho. Rolou-lhe, depois, deslisando na concavidade das rugas, que lhe sulcavam as faces, e foi em espiral, mansamente, gota a gota, perder-se-lhe na espessura das barbas.
Conheci a affronta e corrigi-a sem detença. Estendi-lhe a mão. Apertou-a o carrasco com uma alegria convulsiva. Havia não sei que traços de gratidão desenhados n'aquella physionomia franca e aberta. Parece-me têl-os ainda impressos na memoria, para remorso eterno da minha consciencia.
«Posso apertar-lhe a mão com desafogo», exclamou elle, com uma voz surda e rouca. Senti-a primeiro no coração antes de me entrar nos ouvidos. «Felizmente, nos abysmos da minha profunda desgraça, resta-me uma consolação...» Hesitou. Depois proseguiu: «consolação unica, que me alumia a existencia, e mitiga os pezares que me vão n'alma: as minhas mãos estão puras, tenho-as immaculadas da forca, não arroxearam jámais, com a soga, a garganta dos padecentes—não derramaram nunca o sangue das victimas que a lei sem respeito pela vida humana, e a que por escarneo chama justiça, obriga outro nomem a derramar.
«Venho, aqui, para o conhecer. Não tenho por costume procurar presos. Nem os busco, nem lhes fallo. Mas sei que é adversario da pena de morte; quiz vêl-o face a fece. Era justo que o carrasco e o homem de lei conversassem em intima convivencia. Estamos em presença um do outro: escutar-nos-hemos reciprocamente.»
E ao passo que Luiz Negro se exprimia assim, perguntava eu a mim mesmo—quantas mãos mais polluidas, menos nobres, menos dignas e menos puras teria eu apertado