Perigo na Grécia
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Perigo na Grécia - Elisabeth Loibl
1
Quando Camila Alencar desembarcou no aeroporto de Atenas naquela tarde ensolarada de junho, não havia nenhum indício, por menor que fosse, para preveni-la da trama diabólica em que acabaria se envolvendo. Paulista, cantora e compositora, Camila fugiu do úmido inverno de São Paulo, onde morava num minúsculo apartamento nos Jardins, para, a convite de seu primo Spiro Macedo, passar uma temporada em Creta, onde a família dele tinha uma casa de veraneio.
Spiro era arqueólogo e trabalhava com a equipe de um famoso pesquisador grego na Universidade de Atenas.
O convite chegou a tempo. O espetáculo em que Camila se apresentava em São Paulo se revelou um fracasso, e a moça se encontrava numa das frequentes crises de depressão e de falta de dinheiro que caracterizavam sua vida. Estava cansada e pensou seriamente em desistir da carreira, para fazer algo útil
, como seu pai costumava dizer. Arte não é profissão
, era o comentário habitual de seu progenitor.
A Grécia recebeu-a com aquela sua peculiar luminosidade. Tudo era brilho: o ar, o sol, o mar.
Spiro e Camila sempre foram muito unidos. O falecido pai de Spiro, Jorge Macedo, e a mãe de Camila eram irmãos. Tio Jorge casara-se com uma grega, tia Katerinis.
Depois da morte do marido, tia Katerinis voltou para a Grécia, levando o filho consigo. Lá, Spiro descobriu sua paixão pela Grécia Antiga e se tornou arqueólogo. A única coisa com que nunca se conformou foi com o nome: Spiro!
– Me sinto o próprio espirro – resmungava. E, de fato, quando criança em São Paulo, era alvo de frequentes caçoadas.
Camila tinha boas recordações da infância que passaram juntos e das mil travessuras que fizeram. Sentiu muito quando o primo se mudou para a Grécia. Mas agora abençoava essa mudança, que, afinal de contas, lhe proporcionava férias no país dos seus sonhos. Iria conhecer de perto as terras que viram nascer os famosos personagens da mitologia grega, como Prometeu, os argonautas, Dédalo, Ícaro e tantos outros.
Tia Katerinis, nas tardes de domingo, quando a família se reunia para o tradicional almoço de fim de semana, costumava contar fascinantes histórias da velha Grécia, que a criançada ouvia boquiaberta. Foi aí que nasceu em Camila o interesse por Ulisses e a Odisseia.
A recepção em Atenas foi calorosa; vieram todos: Spiro, tia Katerinis e sua numerosa família.
Spiro era filho único, mas a família de tia Katerinis era numerosa.
– O que você precisa, priminha, é de uma família grande como a minha – disse Spiro ao abraçá-la.
E rindo:
– Você sabia que para nós, gregos, não ter parentes é como uma maldição?
– Oh, Spiro! Que saudade! – exclamou a moça, feliz.
Spiro pegou as malas de Camila:
– Nossa casa em Creta fica perto de Agios Giorgios, uma aldeia ainda intocada pelo turismo. Não há nem mesmo estrada que leve para lá, apenas um caminho de terra batida. Tem algumas casas, uma pequena igreja, montanhas e o mar. Por falar nisso, perto de casa há uma baía que você vai adorar, já que gosta de nadar!
– É fantástico demais!
– Só tem um detalhe...
– Ah, eu sabia!
– Não, não, nada de importante. É que tem uma casa, à qual apelidamos de castelo, por ser muito grande, que fica colada à nossa e está abandonada, ninguém mora lá há tempos. Dizem que pertenceu a um banqueiro de Atenas que morreu, e agora a família briga pela herança. Bem, mas isso não importa. Você vai amar o lugar, tenho certeza. Vai poder descansar, compor, cantar; enfim, fazer tudo o que tiver vontade.
2
Os primeiros dias foram turbulentos, com visitas intermináveis de parentes e amigos. Depois Spiro teve de voltar para Atenas às pressas. Recebera um convite para participar de uma escavação em Salonica, centro do antigo império macedônio, de Alexandre, o Grande. Pediu mil desculpas, mas não podia perder essa oportunidade.
Camila o incentivou. Tia Katerinis também teve de voltar para ficar com uma irmã que adoecera. Disse que retornaria assim que pudesse. E, subitamente, Camila se viu só com Xênia, a empregada, de longos anos, da família, que, por sorte, entendia um pouco de inglês, pois quando moça trabalhara em Londres.
A jovem gostava de solidão de vez em quando. Iria reencontrar o equilíbrio emocional e, o que era mais importante, sentia novamente vontade de trabalhar. Ali, na paz celeste de Creta, cercada pelos fluidos de um passado heroico, talvez compusesse sua obra-prima!
Cheia de entusiasmo, pôs mãos à obra. Seus dias obedeciam a um certo ritmo: levantava-se cedo; depois do banho de mar, o café da manhã; em seguida, algumas horas de trabalho e o almoço leve, que Xênia tão bem sabia preparar; à tarde, um passeio, e depois novamente o trabalho.
As montanhas brancas de cumes elevados, o riacho montanhês procurando seu caminho para o mar, os vales, as casas caiadas de branco, as ovelhas e cabras à procura de seu alimento no chão árido, o ar impregnado pelo aroma das flores silvestres, tudo a encantava e lhe servia de inspiração para a música.
Até mesmo seu espaçoso quarto, que tia Katerinis preparara com tanto carinho, era alegre e convidativo: na cama, a manta multicolor, cujas cores se repetiam no assoalho e no tapete. Ao lado de duas janelas altas, que davam para o jardim do vizinho, duas prateleiras repletas de livros e vasos antigos. Até piano tinha! Mas Camila trouxera seu violão de São Paulo.
Sobre a escrivaninha, onde passava horas compondo, pendia uma máscara de argila do tipo que os artistas da Grécia Antiga costumavam usar nos espetáculos teatrais. Tudo era perfeito!
Mas essa harmonia foi bruscamente interrompida. A princípio Camila nem notou que algo diferente estava acontecendo, pois mergulhara de cabeça na música. Percebeu um movimento estranho na casa ao lado, mas não deu importância. No entanto, por mais distraída que fosse, não podia continuar por muito tempo alheia ao que estava acontecendo no castelo. E assim tudo começou!
3
Era uma tarde resplandecente. Pela janela aberta entrava o cheiro do limoeiro, e lá, ao longe, acenavam as montanhas brancas, pelas quais Camila se apaixonara à primeira vista.
De súbito, um grito estridente e, depois, outro e mais outro. Camila deu um pulo e correu até a janela para espiar. Mas o que era aquilo?! O jardim da