A instrução da noite
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Sobre este e-book
Depois de anos desaparecido, um pai volta para casa, provocando, além de surpresa, uma avalanche de sentimentos contraditórios nos membros da família. Vencedor do Prêmio SESC de Literatura por Beijando dentes, Maurício de Almeida costura com grande habilidade o drama psicológico vivenciado por cada um dos personagens de seu intrincado novelo familiar em A instrução da noite, sua estreia na Rocco. Dialogando com a literatura de Osman Lins e Raduan Nassar, o autor cria belas metáforas para falar de situações e sentimentos como perdas, traição, frustração, solidão, medo e abandono, e dos traumas que cada um carrega, muitas vezes por uma vida inteira, e que influenciam as escolhas que fazemos ao longo dessa mesma vida. O retorno inesperado do pai ao seio dessa família nuclear, composta pela ex-mulher e filho apenas, causa um enorme mal-estar. A trama é tecida a partir de um monólogo desse filho deixado para trás com Teresa, sua irmã, também desaparecida, com quem planejava, um dia, fugir de casa, mas que vai embora sozinha depois de um acontecimento importante em sua vida. Em conversas imaginárias com Teresa, o narrador dá pistas de sua história e personalidade, marcada pelo desaparecimento do pai, e o sumiço da irmã, sua melhor amiga e única confidente. O narrador desenvolve, então, um sentimento intenso de mágoa e sente-se traído e abandonado por aquela em quem confiava e depositava a coragem que precisava para dar cabo ao seu desejo mais profundo: sair de casa, deixando para trás o seu passado, sua vida incipiente e sem grandes aventuras. Com uma narrativa intensa e cortante, Maurício de Almeida surpreende por imprimir voz própria e marcante em romance sobre o quanto o medo e a impotência podem destruir uma vida.
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A instrução da noite - Maurício de Almeida
favor.
I. Alcoólica
Ele acaba de se levantar, Teresa. E o observo em jeitos bruscos depois de tantos anos, ele, que reapareceu sem anúncios ou advertências para me devastar em despropósitos e nenhum pedido de desculpa, nada. Admito que gostaria de não compreender a razão pela qual se levantou contrariado e tão obtuso, mas é inevitável. Aliás, Teresa, acredite que sou eu quem deveria estar em pé com modos grosseiros, um olhar atravessado a ele que, sentado e cabisbaixo, teria de aceitar o impróprio da minha reação. Mas sequer consegui articular resposta: ele se levantou interrompendo com brutalidade o curto silêncio em que tentava aceitar o que de fato estava acontecendo, as coisas que me disse. Que direito tenho eu, afinal?
Ele está parado à minha frente num olhar que persiste em desdém enquanto joga algumas notas sobre a mesa, vira as costas e caminha sobre as andorinhas desenhadas em pedras na calçada ambicionando desaparecer na esquina que o engolirá num truque fajuto cheio de abracadabras que já vi antes, Teresa, há tantos anos. Lembra-se?
E mais uma vez estou sozinho.
Definitivamente sozinho, mas não sem lutar, Teresa. Corri antes que ele sumisse para afrontá-lo em questionamentos e assertivas, encará-lo com os olhos em riste, a boca em palavras duras que o impediriam da saída fácil de me culpar por suas loucuras. Em vão. Ou pior: volto agora com o peito sobressaltado e a cabeça mais embaraçada pelos disparates que ele disse
(você não acreditaria, Teresa)
aquela voz de tanto tempo colocando meus pensamentos em desencontros como desencontrada é minha vida. Pouco adiantou interpelá-lo, eu não poderia evitar que ele desaparecesse
(abracadabra)
naquela esquina que agora observo atordoado e descrente, aquela esquina.
E, irremediavelmente sozinho como sempre estive, resigno-me a um gole da cerveja quente. Por um instante parece que nada aconteceu. Deliro? Como viemos a esse lugar?, esse bar que conheço de outros sábados em que muitas pessoas à minha volta arrotam redundâncias até comemorarmos embriagados a derrota de mais um dia tão logo a madrugada suspende-se sobre nós anunciando o domingo.
Não sei como viemos parar aqui.
Entretanto, esta garrafa de cerveja e os dois copos
(o dele com um gole por tomar)
não me deixam acreditar que alucino, assim como o garçom que se aproxima, passa uma flanela molhada cheirando a álcool sobre a mesa, suspende a garrafa à altura dos olhos em perpendicular e pergunta
– mais uma?
enquanto perco o olhar no centro desta cidade fechando-se lento ao fim de semana, a tarde quente e o sábado jovem, poucas pessoas percorrendo a calçada entre as quais procuro os passos dele à margem da esquina, nos desvãos das asas de andorinhas alçando estranhos voos, mas apenas o garçom repetindo
– mais uma?
mostrando-me a garrafa que determina a realidade de todo o acontecido e prenuncia a madrugada em derrocada, tantas outras quedas quando respondo
– sim.
Não foi uma alucinação, Teresa. Há pouco, apesar do sábado à janela de casa igual a tantos outros sábados e da mãe sentada invariavelmente naquele lugar à mesa do almoço
(ela sempre com os olhos turvos e incertos e paralisados num sem ação terrível)
apesar dessas normalidades, eu à frente dela emulava as mãos débeis que agravavam o mal-estar
(justo eu que sempre mantenho a compostura)
consternado com a certeza de que essa falta de jeito denunciava que algo estranho pairava sobre nós. Alice ao meu lado pedia atenção em esparsos sorrisos bobos que lhe escapavam dos lábios, mas eu estava atento à movimentação tímida que agia e reagia como se sugerissem ameaças e afrontas incitando confronto muito embora se tratasse tão somente de mãos ao encontro de garfos e colheres e copos d’água. Mesmo que débeis ou incertas, as nossas mãos. Sentados num constrangimento insuportável, Teresa, nos esforçávamos para não reparar que os objetos postos sobre a mesa e tudo que compõe a sala e casa anunciavam num vastíssimo e intenso incômodo a tensão que expunha e sublinhava a distorção do sábado em tudo diverso devido a alguma coisa fora do lugar, violentamente fora do lugar.
Por acaso você se lembra da sala de jantar, Teresa?, daqueles finais de semana sonolentos em que ouvíamos a mãe dispondo os pratos e os talheres, a panela de pressão chiando longe, o ciciar da vassoura no quintal, aquele excesso de vida que atormentava nossa preguiça? Sentávamos os três no almoço e a televisão anunciava besteiras enquanto comíamos, um barulho por vezes enlouquecedor que, no entanto, nos amparava ao evitar o silêncio, muito mais agudo e insistente que não raras vezes nos engolia. Por fim, escapulíamos à primeira oportunidade
(para onde, afinal?)
numa euforia muito latente e plena de concretizações que corria ao som da mãe reinventando seus afazeres, a torneira num enxaguar que antecedia a lava-louças soando agitada como mecanismos a vapor, essa maquinaria doméstica que conduzia a tarde e então o cheiro de café, a mãe ao sofá hipnotizada por aplausos, risadas e músicas que fingíamos ignorar, aquela televisão.
Lembra?
Lembra-se de nós, ao menos?
Certeza que você se esqueceu desses sábados, os talheres, o café e a televisão, a casa da qual você fugiu ao desaparecer também num truque
(abracadabra)
um adejar inútil de asas que só faz acentuar abandonos.
Entenda, Teresa, que neste ponto em que tudo parece possível à lógica devido ao álcool e por isso a imaginação come solta numa tentativa de contornar a melancolia de abandonos, não consigo evitar asas e ausências. E num impulso, uma estranha necessidade de contar a você e quem sabe também compreender tudo que aconteceu, esqueço o calor abafado desta tarde que prediz chuva e dedico-me aos resquícios dos talheres daquele almoço em tudo diverso, aos copos d’água que deixavam marcas circulares sobre a toalha puída, aos guardanapos dobrados e escondidos à borda dos pratos, aos movimentos atropelados e constrangidos em que nos debatíamos. Embrenho-me nos vãos desses pequenos acontecimentos que de alguma forma gestavam as catástrofes que já se realizaram e as que se anunciam.
Havia algo de maligno naquilo que pairava sobre nós e nos envolvia numa película que atrapalhava os menores gestos, convulsionando nossos pensamentos e confundindo nossas palavras, um transtorno