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Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade
Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade
Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade
E-book316 páginas7 horas

Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade

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Sobre este e-book

Neste livro inspirador, que funda a Teoria Queer, Judith Butler apresenta uma crítica contundente a um dos principais fundamentos do movimento feminista: a identidade. Para Butler, não é possível que exista apenas uma identidade: ela deveria ser pensada no plural, e não no singular. Ou ainda, não é possível que haja a libertação da mulher, a menos que primeiro se subverta a identidade de mulher. Outro ponto crucial defendido pela filósofa norte-americana é a problematização da oposição binária entre sexo e gênero vigente no movimento feminista. Para a autora, sexo passa também a ser uma categoria social e culturalmente construída, e gênero, uma categoria performativamente construída. Com essa formulação radical, Judith Butler interroga também a categoria de heterossexualidade, de forma a relançar a oposição sexo e gênero em novas coordenadas e em outras linhas de força, nas quais podemos nos aprofundar em perguntas como: o que é ser homem e o que é ser mulher?; o que faz um homem ser homem e o que faz de uma mulher uma mulher? Questões cuja ampliação contemplaria a multiplicidade de sexualidades, tão visíveis na contemporaneidade. Problemas de gênero é o primeiro livro de Butler publicado no Brasil, e talvez seja o mais conhecido. Lançado na década de 1990 nos Estados Unidos, este livro escrito de forma provocativa e pouco usual no meio acadêmico contribuiu de forma decisiva para a renovação crítica do pensamento feminista na atualidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de jun. de 2018
ISBN9788520013717
Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade

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    Problemas de gênero - Judith Butler

    SUJEITO E HISTÓRIA

    Organização de Joel Birman

    A coleção Sujeito e História tem caráter interdisciplinar. As obras nela incluídas estabelecem um diálogo vivo entre a psicanálise e as demais ciências humanas, buscando compreender o sujeito nas suas dimensões histórica, política e social.

    Títulos publicados:

    A crueldade melancólica, Jacques Hassoun

    A psicanálise e o feminino, Regina Neri

    Arquivos do mal-estar e da resistência, Joel Birman

    Cadernos sobre o mal, Joel Birman

    Cartão-postal, Jacques Derrida

    Deleuze e a psicanálise, Monique David-Ménard

    Foucault, Paul Veyne

    Gramáticas do erotismo, Joel Birman

    Lacan com Derrida, Rene Major

    Lacan e Lévi-Strauss ou o retorno a Freud (1951-1957), Markos Zafiropoulos

    Mal-estar na atualidade, Joel Birman

    Metamorfoses entre o sexual e o social, Carlos Augusto Peixoto Jr.

    O aberto, Giorgio Agamben

    O desejo frio, Michel Tort

    O olhar do poder, Maria Izabel O. Szpacenkopf

    O sujeito na contemporaneidade, Joel Birman

    Ousar rir, Daniel Kupermann

    Problemas de gênero, Judith Butler

    Rumo equivocado, Elisabeth Badinter

    Tradução de

    Renato Aguiar

    Revisão Técnica de

    Joel Birman

    16ª edição

    Rio de Janeiro

    2018

    Copyright © Routledge, Champman & Hall, Inc., 1990

    Copyright da tradução © Civilização Brasileira, 2003

    Edição em língua portuguesa publicada mediante acordo com Routledge, Inc.

    Título original: Gender Trouble — Feminism and the Subversion of Identity

    CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    Butler, Judith P.

    B992p

    Problemas de gênero [recurso eletrônico]: feminismo e subversão da identidade / Judith P. Butler; tradução Renato Aguiar. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

    recurso digital

    Tradução de: Gender trouble : feminism and the subvertion os identity

    Formato: epub

    Requisitos do sistema: adobe digital editions

    Modo de acesso: world wide web

    ISBN 978-85-200-1371-7 (recurso eletrônico)

    1. Feminismo. 2. Teoria feminista. 3. Sexo – Diferenças (Psicologia). 4. Livros eletrônicos. I. Aguiar, Renato. II. Título.

    18-50123

    CDD – 305.42

    CDU – 141.72

    Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária CRB-7/6439

    Todos os direitos reservados. É proibido reproduzir, armazenar ou transmitir partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.

    Texto revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

    Direitos exclusivos desta tradução adquiridos pela

    EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

    Um selo da

    EDITORA JOSÉ OLYMPIO LTDA.

    Rua Argentina, 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel.: (21) 2585-2000

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    Atendimento e venda direta ao leitor:

    mdireto@record.com.br ou (21) 2585-2002.

    Produzido no Brasil

    2018

    Sumário

    Prefácio

    CAPÍTULO 1 Sujeitos do sexo/gênero/desejo

    Mulheres como sujeito do feminismo

    A ordem compulsória do sexo/gênero/desejo

    Gênero: as ruínas circulares do debate contemporâneo

    Teorizando o binário, o unitário e além

    Identidade, sexo e a metafísica da substância

    Linguagem, poder e estratégias de deslocamento

    CAPÍTULO 2 Proibição, psicanálise e a produção da matriz heterossexual

    A permuta crítica do estruturalismo

    Lacan, Riviere e as estratégias da mascarada

    Freud e a melancolia do gênero

    A complexidade do gênero e os limites da identificação

    Reformulando a proibição como poder

    CAPÍTULO 3 Atos corporais subversivos

    A corpo-política de Julia Kristeva

    Foucault, Herculine e a política da descontinuidade sexual

    Monique Wittig: desintegração corporal e sexo fictício

    Inscrições corporais, subversões performativas

    Conclusão

    Notas

    Índice

    Prefácio

    Os debates feministas contemporâneos sobre os significados do conceito de gênero levam repetidamente a uma certa sensação de problema, como se sua indeterminação pudesse culminar finalmente num fracasso do feminismo. Mas problema talvez não precise ter uma valência tão negativa. No discurso vigente na minha infância, criar problema era precisamente o que não se devia fazer, pois isso traria problemas para nós. A rebeldia e sua repressão pareciam ser apreendidas nos mesmos termos, fenômeno que deu lugar a meu primeiro discernimento crítico da artimanha sutil do poder: a lei dominante ameaçava com problemas, ameaçava até nos colocar em apuros, para evitar que tivéssemos problemas. Assim, concluí que problemas são inevitáveis e nossa incumbência é descobrir a melhor maneira de criá-los, a melhor maneira de tê-los. Com o passar do tempo, outras ambiguidades alcançaram o cenário crítico. Observei que os problemas algumas vezes exprimiam, de maneira eufemística, algum misterioso problema fundamental, geralmente relacionado ao pretenso mistério do feminino. Li Beauvoir, que explicava que ser mulher nos termos de uma cultura masculinista é ser uma fonte de mistério e de incognoscibilidade para os homens, o que pareceu confirmar-se de algum modo quando li Sartre, para quem todo desejo, problematicamente presumido como heterossexual e masculino, era definido como problema. Para esse sujeito masculino do desejo, o problema tornou-se escândalo com a intrusão repentina, a intervenção não antecipada, de um objeto feminino que devolvia inexplicavelmente o olhar, revertia a mirada, e contestava o lugar e a autoridade da posição masculina. A dependência radical do sujeito masculino diante do Outro feminino expôs repentinamente o caráter ilusório de sua autonomia. Contudo, essa reviravolta dialética do poder não pôde reter minha atenção — embora outras o tenham feito, seguramente. O poder parecia ser mais do que uma permuta entre sujeitos ou uma relação de inversão constante entre um sujeito e um Outro; na verdade, o poder parecia operar na própria produção dessa estrutura binária em que se pensa o conceito de gênero. Perguntei-me então: que configuração de poder constrói o sujeito e o Outro, essa relação binária entre homens e mulheres, e a estabilidade interna desses termos? Que restrição estaria operando aqui? Seriam esses termos não problemáticos apenas na medida em que se conformam a uma matriz heterossexual de conceituação do gênero e do desejo? O que acontece ao sujeito e à estabilidade das categorias de gênero quando o regime epistemológico da presunção da heterossexualidade é desmascarado, explicitando-se como produtor e reificador dessas categorias ostensivamente ontológicas?

    Mas como questionar um sistema epistemológico/ontológico? Qual a melhor maneira de problematizar as categorias de gênero que sustentam a hierarquia dos gêneros e a heterossexualidade compulsória? Considere o fardo dos problemas de mulher, essa configuração histórica de uma indisposição feminina sem nome, que mal disfarça a noção de que ser mulher é uma indisposição natural. Por mais séria que seja a medicalização dos corpos das mulheres, o termo também é risível, e rir de categorias sérias é indispensável para o feminismo. Sem dúvida, o feminismo continua a exigir formas próprias de seriedade. Problemas femininos é também o título do filme de John Waters estrelado por Divine, que é herói/heroína de Hairspray — Éramos todos jovens, cuja personificação de mulheres sugere implicitamente que o gênero é uma espécie de imitação persistente, que passa como real. A performance dela/dele desestabiliza as próprias distinções entre natural e artificial, profundidade e superfície, interno e externo — por meio das quais operam quase sempre os discursos sobre gênero. Seria a drag uma imitação de gênero, ou dramatizaria os gestos significantes mediante os quais o gênero se estabelece? Ser mulher constituiria um fato natural ou uma performance cultural, ou seria a naturalidade constituída mediante atos performativos discursivamente compelidos, que produzem o corpo no interior das categorias de sexo e por meio delas? Contudo, as práticas de gênero de Divine nos limites das culturas gay e lésbica tematizam frequentemente o natural em contextos de paródia que destacam a construção performativa de um sexo original e verdadeiro. Que outras categorias fundacionais da identidade — identidade binária de sexo, gênero e corpo — podem ser apresentadas como produções a criar o efeito do natural, original e inevitável?

    Explicar as categorias fundacionais de sexo, gênero e desejo como efeitos de uma formação específica de poder supõe uma forma de investigação crítica, a qual Foucault, reformulando Nietzsche, chamou de genealogia. A crítica genealógica recusa-se a buscar as origens do gênero, a verdade íntima do desejo feminino, uma identidade sexual genuína ou autêntica que a repressão impede de ver; em vez disso, ela investiga as apostas políticas, designando como origem e causa categorias de identidade que, na verdade, são efeitos de instituições, práticas e discursos cujos pontos de origem são múltiplos e difusos. A tarefa dessa investigação é centrar-se — e descentrar-se — nessas instituições definidoras: o falocentrismo e a heterossexualidade compulsória.

    A genealogia toma como foco o gênero e a análise relacional por este sugerida justamente porque o feminino já não parece mais uma noção estável, sendo o seu significado tão problemático e errático quanto o significado de mulher, e também porque ambos os termos ganham esse significado problemático apenas como termos relacionais. Além disso, não é mais certo que a teoria feminista deva tentar resolver as questões da identidade primária para dar continuidade à tarefa política. Em vez disso, devemos nos perguntar: que possibilidades políticas são consequência de uma crítica radical das categorias de identidade? Que formas novas de política surgem quando a noção de identidade como base comum já não restringe o discurso sobre políticas feministas? E até que ponto o esforço para localizar uma identidade comum como fundamento para uma política feminista impede uma investigação radical sobre as construções e as normas políticas da própria identidade?

    O presente texto se divide em três capítulos, que empreendem uma genealogia crítica das categorias de gênero em campos discursivos muito distintos. O capítulo 1, Sujeitos do sexo/gênero/desejo, reconsidera o status da mulher como sujeito do feminismo e a distinção de sexo/gênero. A heterossexualidade compulsória e o falocentrismo são compreendidos como regimes de poder/discurso com maneiras frequentemente divergentes de responder às questões centrais do discurso do gênero: como a linguagem constrói as categorias de sexo? O feminino resiste à representação no âmbito da linguagem? A linguagem é compreendida como falocêntrica (a pergunta de Luce Irigaray)? Seria o feminino o único sexo representado numa linguagem que funde o feminino e o sexual (a afirmação de Monique Wittig)? Onde e como convergem heterossexualidade compulsória e falocentrismo? Onde estão os pontos de ruptura entre eles? Como a língua produz a construção fictícia de sexo que sustenta esses diversos regimes de poder? No âmbito linguageiro da heterossexualidade presumida, que tipos de continuidades se presume que existam entre sexo, gênero e desejo? Seriam esses termos distintos e separados? Quais práticas culturais produzem uma descontinuidade e uma dissonância subversivas entre sexo, gênero e desejo e questionam suas supostas relações?

    O capítulo 2, Proibição, psicanálise e a produção da matriz heterossexual, oferece uma leitura seletiva do estruturalismo, relatos psicanalíticos e feministas do tabu do incesto como mecanismo que tenta impor identidades de gênero distintas e internamente coerentes no âmbito de uma estrutura heterossexual. Em alguns discursos psicanalíticos, a questão da homossexualidade é invariavelmente associada a formas de ininteligibilidade cultural e, no caso do lesbianismo, à dessexualização do corpo feminino. Por outro lado, usa-se a teoria psicanalítica para explicar identidades de gênero complexas por meio de análises da identidade, da identificação e da mascarada, como em Joan Riviere e outros textos psicanalíticos. Uma vez o tabu do incesto submetido à crítica foucaultiana da hipótese repressiva, em História da sexualidade, revelou-se que essa estrutura proibitiva ou jurídica tanto instala a heterossexualidade compulsória no interior de uma economia sexual masculinista como possibilita um questionamento dessa economia. Seria a psicanálise uma investigação antifundamentalista a afirmar o tipo de complexidade sexual que desregula eficientemente códigos sexuais rígidos e hierárquicos, ou preservaria ela um conjunto de suposições não confessadas sobre os fundamentos da identidade, o qual funciona em favor dessas hierarquias?

    O último capítulo, Atos corporais subversivos, inicia-se com uma consideração crítica sobre a construção do corpo materno em Julia Kristeva, para mostrar as normas implícitas que governam a inteligibilidade cultural do sexo e da sexualidade no trabalho dela. Embora Foucault se empenhasse em apresentar uma crítica a Kristeva, um exame mais detido de alguns dos próprios trabalhos dele revela uma indiferença problemática em relação à diferença sexual. Contudo, a crítica foucaultiana da categoria de sexo fornece uma visão das práticas reguladoras de algumas ficções médicas contemporâneas, concebidas para designar um sexo unívoco. Tanto a teoria como a ficção de Monique Wittig propõem uma desintegração de corpos culturalmente constituídos, sugerindo que a própria morfologia seria consequência de um sistema conceitual hegemônico. A parte final do capítulo, Inscrições corporais, subversões performativas, considera que a fronteira e a superfície dos corpos são politicamente construídas, inspirando-se no trabalho de Mary Douglas e de Julia Kristeva. Como estratégia para descaracterizar e dar novo significado às categorias corporais, descrevo e proponho uma série de práticas parodísticas baseadas numa teoria performativa de atos de gênero que rompem as categorias de corpo, sexo, gênero e sexualidade, ocasionando sua ressignificação subversiva e sua proliferação além da estrutura binária.

    Parece que cada texto possui mais fontes do que pode reconstruir em seus próprios termos. Trata-se de fontes que definem e informam a linguagem do texto, de modo a exigir uma exegese abrangente do próprio texto para ser compreendido — é claro, não haveria garantias de que tal exegese pudesse acabar um dia. Embora eu tenha iniciado este prefácio com uma história de infância, trata-se de uma fábula irredutível aos fatos. Certamente, a proposta aqui é, de maneira geral, observar o modo como as fábulas de gênero estabelecem e fazem circular sua denominação errônea de fatos naturais. É claramente impossível recuperar as origens destes ensaios, localizar os vários momentos que viabilizaram este texto. Os textos estão reunidos para facilitar uma convergência política das perspectivas feministas, gays e lésbicas sobre o gênero com a da teoria pós-estruturalista. A filosofia é o mecanismo disciplinar predominante que mobiliza presentemente esta autora-sujeito, embora, de forma bastante rara, apareça dissociada de outros discursos. Esta investigação busca afirmar essas posições nos limites críticos da vida disciplinar. A questão não é permanecer marginal, mas participar de todas as redes de zonas marginais geradas a partir de outros centros disciplinares, que, juntas, constituam um deslocamento múltiplo dessas autoridades. A complexidade do conceito de gênero exige um conjunto interdisciplinar e pós-disciplinar de discursos, com vistas a resistir à domesticação acadêmica dos estudos sobre gênero ou dos estudos sobre as mulheres, e a radicalizar a noção de crítica feminista.

    Escrever estes textos foi possível graças a numerosas formas de apoio institucional e individual. O American Council of Learned Societies forneceu uma bolsa para o outono de 1987 (Recent Recipient of the Ph.D. Fellowship) e a School of Social Science do Institute for Advanced Study, em Princeton, proporcionou bolsa, alojamento e discussões estimulantes ao longo do ano acadêmico de 1987-1988. A George Washington University Faculty Research Grant também apoiou minha pesquisa durante os verões de 1987 e 1988. Joan W. Scott foi uma crítica inestimável e incisiva ao longo das várias etapas deste trabalho. Seu compromisso e sua disposição de repensar criticamente os pressupostos da política feminista me desafiaram e inspiraram. O Gender Seminar, realizado no Institute for Advanced Study sob a direção de Joan, ajudou-me a esclarecer e a elaborar meus pontos de vista, em virtude das divisões significativas e instigantes em nosso pensamento coletivo. Consequentemente, agradeço a Lila Abu-Lughod, Yasmine Ergas, Donna Haraway, Evelyn Fox Keller, Dorinne Kondo, Rayna Rapp, Carroll Smith-Rosemberg e Louise Tilly. Meus alunos no seminário Gender, Identity, and Desire, realizado na Wesleyan University e em Yale, em 1985 e 1986, respectivamente, foram indispensáveis por sua disposição de imaginar mundos com gêneros alternativos. Também apreciei muito a variedade de respostas críticas que recebi do Princeton Women’s Studies Colloquium, do Humanities Center da Johns Hopkins University, da University of Notre Dame, da University of Kansas, da Amherst College e da Yale University School of Medicine, quando da apresentação de partes do presente trabalho. Meus agradecimentos igualmente a Linda Singer, cujo radicalismo persistente foi inestimável, a Sandra Bartky, por seu trabalho e suas oportunas palavras de estímulo, a Linda Nicholson, por seu conselho editorial e crítico, e a Linda Anderson, por suas agudas intuições políticas. E também agradeço às seguintes pessoas, amigos e colegas, que deram forma a meu pensamento e o apoiaram: Eloise Moore Agger, Inés Azar, Peter Caws, Nancy F. Cott, Kathy Natanson, Lois Natanson, Maurice Natanson, Stacy Pies, Josh Shapiro, Margaret Soltan, Robert V. Stone, Richard Vann e Eszti Votaw. Agradeço a Sandra Schmidt por seu excelente trabalho de ajuda na preparação do manuscrito, e a Meg Gilbert por sua assistência. Também agradeço a Maureen MacGrogan, por encorajar este projeto e outros com humor, paciência e excelente orientação editorial.

    Como sempre, agradeço a Wendy Owen por sua imaginação implacável, sua crítica aguçada e pela provocação de seu trabalho.

    CAPÍTULO 1 Sujeitos do sexo/gênero/desejo

    Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.

    Simone de Beauvoir

    Estritamente falando, não se pode dizer que existam mulheres.

    Julia Kristeva

    Mulher não tem sexo.

    Luce Irigaray

    A manifestação da sexualidade [...] estabeleceu esta noção de sexo.

    Michel Foucault

    A categoria do sexo é a categoria política que funda a sociedade heterossexual.

    Monique Wittig

    Mulheres como sujeito do feminismo

    Em sua essência, a teoria feminista tem presumido que existe uma identidade definida, compreendida pela categoria de mulheres, que não só deflagra os interesses e objetivos feministas no interior de seu próprio discurso, mas constitui o sujeito mesmo em nome de quem a representação política é almejada. Mas política e representação são termos polêmicos. Por um lado, a representação serve como termo operacional no seio de um processo político que busca estender visibilidade e legitimidade às mulheres como sujeitos políticos; por outro lado, a representação é a função normativa de uma linguagem que revelaria ou distorceria o que é tido como verdadeiro sobre a categoria das mulheres. Para a teoria feminista, o desenvolvimento de uma linguagem capaz de representá-las completa ou adequadamente pareceu necessário, a fim de promover a visibilidade política das mulheres. Isso parecia obviamente importante, considerando a condição cultural difusa na qual a vida das mulheres era mal representada ou simplesmente não representada.

    Recentemente, essa concepção dominante da relação entre teoria feminista e política passou a ser questionada a partir do interior do discurso feminista. O próprio sujeito das mulheres não é mais compreendido em termos estáveis ou permanentes. É significativa a quantidade de material ensaístico que não só questiona a viabilidade do sujeito como candidato último à representação, ou mesmo à libertação, como indica que é muito pequena, afinal, a concordância quanto ao que constitui, ou deveria constituir, a categoria das mulheres. Os domínios da representação política e linguística estabeleceram a priori o critério segundo o qual os próprios sujeitos são formados, com o resultado de a representação só se estender ao que pode ser reconhecido como sujeito. Em outras palavras, as qualificações do ser sujeito têm que ser atendidas para que a representação possa ser expandida.

    Foucault observa que os sistemas jurídicos de poder produzem os sujeitos que subsequentemente passam a representar.1 As noções jurídicas de poder parecem regular a vida política em termos puramente negativos — isto é, por meio da limitação, proibição, regulamentação, controle e mesmo proteção dos indivíduos relacionados àquela estrutura política, mediante uma ação contingente e retratável de escolha. Porém, em virtude de a elas estarem condicionados, os sujeitos regulados por tais estruturas são formados, definidos e reproduzidos de acordo com as exigências delas. Se esta análise é correta, a formação jurídica da linguagem e da política que representa as mulheres como o sujeito do feminismo é em si mesma uma formação discursiva e efeito de uma dada versão da política representacional. Assim, o sujeito feminista se revela discursivamente constituído, e pelo próprio sistema político que supostamente deveria facilitar sua emancipação, o que se tornaria politicamente problemático, se fosse possível demonstrar que esse sistema produz sujeitos com traços de gênero determinados em conformidade com um eixo diferencial de dominação, ou os produz presumivelmente masculinos. Em tais casos, um apelo acrítico a esse sistema em nome da emancipação das mulheres estaria inelutavelmente fadado ao fracasso.

    O sujeito é uma questão crucial para a política, e particularmente para a política feminista, pois os sujeitos jurídicos são invariavelmente produzidos por via de práticas de exclusão que não aparecem, uma vez estabelecida a estrutura jurídica da política. Em outras palavras, a construção política do sujeito procede vinculada a certos objetivos de legitimação e de exclusão, e essas operações políticas são efetivamente ocultas e naturalizadas por uma análise política que toma as estruturas jurídicas como seu fundamento. O poder jurídico produz inevitavelmente o que alega meramente representar; consequentemente, a política tem de se preocupar com essa função dual do poder: jurídica e produtiva. Com efeito, a lei produz e depois oculta a noção de sujeito perante a lei,2 de modo a invocar essa formação discursiva como premissa básica natural que legitima, subsequentemente, a própria hegemonia reguladora da lei. Não basta inquirir como as mulheres podem se fazer representar mais plenamente na linguagem e na política. A crítica feminista também deve compreender como a categoria das mulheres, o sujeito do feminismo, é produzida e reprimida pelas mesmas estruturas de poder por intermédio das quais se busca a emancipação.

    Certamente, a questão das mulheres como sujeito do feminismo suscita a possibilidade de não haver um sujeito que se situe perante a lei, à espera de representação na lei ou pela lei. Talvez o sujeito, bem como a evocação de um antes temporal, sejam constituídos pela lei como fundamento fictício de sua própria reivindicação de legitimidade. A hipótese prevalecente da integridade ontológica do sujeito perante a lei pode ser vista como o vestígio contemporâneo da hipótese do estado natural, essa fábula fundante que é constitutiva das estruturas jurídicas do liberalismo clássico. A invocação performativa de um antes não histórico torna-se a premissa básica a garantir uma ontologia pré-social de pessoas que consentem livremente em ser governadas, constituindo assim a legitimidade do contrato social.

    Contudo, além das ficções fundacionistas que sustentam a noção de sujeito, há o problema político que o feminismo encontra na suposição de que o termo mulheres denote uma identidade comum. Ao invés de um significante estável a comandar o consentimento daquelas a quem pretende descrever e representar, mulheres — mesmo no plural — tornou-se um termo problemático, um ponto de contestação, uma causa de ansiedade. Como sugere o título de Denise Riley, Am I That Name? [Sou eu este nome?], trata-se de uma pergunta gerada pela possibilidade mesma dos múltiplos significados do nome.3 Se alguém é uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém é; o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de gênero da pessoa transcendam a parafernália específica de seu gênero, mas porque o gênero nem sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas. Resulta que se tornou impossível separar a noção de gênero das interseções políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida.

    A presunção política de ter de haver uma base universal para o feminismo, a ser encontrada numa identidade supostamente existente em diferentes culturas, acompanha frequentemente a ideia de que a opressão das mulheres possui uma forma singular, discernível na estrutura universal ou hegemônica

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