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Secos & Molhados: Som do Vinil, entrevistas a Charles Gavin
Secos & Molhados: Som do Vinil, entrevistas a Charles Gavin
Secos & Molhados: Som do Vinil, entrevistas a Charles Gavin
E-book143 páginas2 horas

Secos & Molhados: Som do Vinil, entrevistas a Charles Gavin

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Sobre este e-book

Aquele não seria apenas o maior grupo do rock brasileiro em 1973: o intrépido trio formado por Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad, que acabara de lançar seu primeiro LP, foi muito além: brilhou como uma supernova nas rádios e na TV, ao som de ''Sangue latino'' e ''O vira''. A performance misturava teatro, poesia, androginia e contracultura e conectava-se a um público heterogêneo — filhos, pais e avós —, algo impensável em meio ao pesadelo do governo militar; a música, influenciada por rock'n'roll, blues, folk, MPB e poesia, provocava o establishment com overdoses de inteligência, imaginação, ironia e ternura. O Secos & Molhados tornou-se um fenômeno cultural e comportamental – sua arte e trajetória extraordinárias reverberam até hoje.Charles Gavin
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de mar. de 2022
ISBN9788561012632
Secos & Molhados: Som do Vinil, entrevistas a Charles Gavin

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    Pré-visualização do livro

    Secos & Molhados - Ney Matogrosso

    Ficha técnica

    Capa_LEGIAO

    Secos & molhados

    Continental, 1973

    Coordenação de produção Sidney Morais

    Direção artística Júlio Nagib

    Direção de produção Moracy do Val

    Direção de musical João Ricardo

    Arranjos Secos & Molhados (arranjo especial para a música Fala de Zé Rodrix)

    Técnicos Luiz Roberto Marcondes e Aluizio de Paula Salles Jr.

    Fotos Antonio Carlos Rodrigues

    Lay-out Décio Duarte Ambrósio

    João Ricardo Violões de 6 e 12 cordas, harmônica e vocal

    Ney Matogrosso Voz

    Gerson Conrad Violões de 6 e 12 cordas e vocal

    Marcelo Frias Bateria e percussão

    Sérgio Rosadas Flauta transversal e flauta de bambú

    John Flavin Guitarra e violão de 12

    Zé Rodrix Piano, ocarina e sintetizador

    Willi Verdaguer Baixo

    Emilio Carrera Piano

    Ney matogrosso

    O que você estava fazendo antes de alguém te avisar que tinha um pessoal em São Paulo, que você podia fazer um trabalho?

    Eu era hippie. Vivia no Rio de Janeiro, fazia artesanato pra vender e pra viver e era muito feliz, era muito feliz. Eu não tinha dinheiro mas eu era felicíssimo, eu era livre como o vento. Eu não tinha preocupação… Tudo que era meu cabia dentro de uma sacola de couro que eu fiz. Tudo meu estava ali. Eu não tinha uma televisão nas minhas costas, eu não tinha uma geladeira nas minhas costas, eu não tinha nada, eu era solto no mundo.

    Você fazia artesanato, vendia o que e onde?

    Eu fazia artesanato de várias coisas, de couro inicialmente, depois eu fui diversificando. Eu, por exemplo, passava uma semana em Búzios, que Búzios era uma praia deserta, não era Búzios, né, catando tudo que o mar trazia: sementes, pedras, seixos rolados, caquinhos de vidro, de tanto rolar na pedra ele já não tinha mais corte, ele era uma pedra. Então eu fazia dessas coisas, eu fazia objetos, nessa época eu fazia com barbantes e eu vendia muito mais pra estrangeiros, conchas enormes, do que pra brasileiros. Os brasileiros achavam tudo muito extravagante e não usavam, mas os estrangeiros adoravam. E eu vivia disso. Era a minha vida. Quando eu recebi o convite pra ir pra São Paulo, que o João veio ao Rio de Janeiro, me conheceu, que a Luhli tinha falado de mim, ele veio e me conheceu na casa da Luli. Antes de ir pra São Paulo eu fui pra Búzios, pra me despedir. Tomei os últimos ácidos da minha vida e fui embora pra lá. Tinha um despertador que eu guardei para comprar a passagem pra poder ir pra São Paulo e tinha um despertadorzinho que eu vendi pra um pescador lá, e com esse dinheiro eu fui pra São Paulo.

    Você já estava envolvido com o teatro antes de ir pra São Paulo?

    Sim, eu fazia teatro.

    Fala um pouquinho só…

    Eu já fazia teatro, fazia teatro infantil ainda e tudo que eu tinha feito até então era musical e tudo eu tinha que cantar, dançar, interpretar, me caracterizar, que na verdade foi o que depois no grupo, eu carreguei comigo essa… A minha experiência no teatro que era exatamente, tudo que eu fiz foi musical. Era o que eu ansiava na minha vida, era o que eu queria.

    Isso aconteceu de que forma, que você chegou no teatro…?

    Olha, eu quando morava em Brasília, eu morei sete anos em Brasília, eu era tão tímido que era uma coisa incômoda pra mim, porque eu chegava assim num lugar, eu entrava, não dava nem boa noite e eu saía daquele lugar, eu não tinha conversado com uma pessoa. Eu era incapaz de me comunicar. Então eu fui fazer um curso de teatro em Brasília pra ver se eu conseguia ultrapassar essa barreira, porque era uma coisa que me incomodava muito. Aí eu fiz esse curso de teatro, houve a minha primeira incursão em uma peça, isso foi antes de 64, era… Eu queria me lembrar o nome da peça dos Dias Gomes que a gente estava ensaiando… A Invasão. E quando nós íamos estrear a peça, uma semana depois houve o golpe militar que vetou, porque o Dias Gomes era assim, considerado um subversivo pelos militares. Então a minha estreia no teatro foi abortada por conta de um golpe militar. Mas aí era o que eu pretendia na vida. Eu sabia que eu cantava, mas eu achava que o fato de cantar era útil ao ator, sabe? Eu achava que um ator tinha que cantar, tinha que dançar, tinha que ter essa disponibilidade física, que era útil para um ator. Então eu cantava já em Brasília, eu já tinha cantado num festival na universidade de Brasília que foi feito para um grupo de universitários mineiros que foram lá, foi a primeira vez que eu cantei música popular brasileira, cantei o Só tinha que ser com você. Foi a primeira vez que eu tive que enfrentar uma plateia, foi a primeira vez que eu tive que enfrentar uma plateia que me estranhou e isso note bem…

    A primeira vez?

    A primeira vez, eu não estava fantasiado, eu estava vestido normal, mas a minha voz eles estranharam. A minha voz eles estranharam, e uma pessoa na plateia começou a me chamar de bicha. Olha que história. Porque as meninas todas eram Nara Leão, todas com os joelhinhos de fora e eu fui o primeiro homem que entrei depois delas e eu, imagina, nervosíssimo, duro, travado, o maluco me chamou de bicha e eu disse: Ah, não vou engolir essa!. Aí eu mandei parar o som, falei para tudo, para tudo. Fui lá, cheguei fiquei na frente dele olhando pra cara dele assim, disse: e aí? Aí ele ficou todo, né, quando ele calou a boca, que ele ficou caladinho, eu falei: pode tocar que eu vou cantar agora e cantei, fui embora. Na saída, saíam todos pelo mesmo lugar, eu fui assim encostado na nuca dele, atrás dele assim e eu senti que o cara ficou com medo de uma agressão minha, mas eu não ia agredir, só o fato de ele se sentir ameaçado pela minha presença, próximo a ele eu disse: ah, é um covarde. Mas foi a minha estreia, foi essa.

    Como estreia ta ótimo, que já causou esse estranhamento…

    Mas era a voz, apenas a voz. Porque eu não estava dançando, eu não estava fazendo nada, eu estava vestido normal, eu não estava fantasiado.

    Você já cantava naquele tom que você…

    Sim… Isso é uma coisa natural pra mim. Eu não cantei dessa maneira por causa dos Secos & Molhados, pelo contrário, eu fui escolhido para os Secos & Molhados por ter essa voz. Eles não queriam uma mulher, eles queriam um homem, mas que alcançasse esse registro.

    Você vendeu o despertador pro pescador e pegou…

    E fui pra São Paulo.

    E aí?

    Cheguei lá, bati na casa dele e disse assim: Estou aqui, cheguei. Fiquei nesse dia na casa.

    Só uma coisa pras pessoas entenderem, porque tem essa Casa de Badalação e Tédio, que o Gerson também falou bastante. O que era ambiente em São Paulo nessa época, ambiente cultural de uma forma geral assim, né, estamos falando de 1972. Você lembra um pouco como era ali? O astral?

    Eu lembro que existia um movimento de rock subterrâneo muito forte, nós não éramos os únicos. Eu vou poder citar assim alguns porque não me lembro de todos, eram muitos. Existia movimento subterrâneo mesmo que não aparecia, que não aparecia, mas existia. Dali saiu Joelho de Porco, saiu Made in Brasil e eu não me lembro mais… Mas era muito. Olha, houve um programa que nós fizemos na TV Gazeta, que era um programa só com grupos de rock de São Paulo. E foi feito um programa… Não… E foi feito um programa só com os grupos de rock que existiam sim, que estavam tentando alguma coisa lá dentro da história da música. São Paulo sempre teve essa história, né, de rock em São Paulo sempre foi muito mais forte que no Rio de Janeiro, né. Até virem os anos 80 e aí virar uma coisa…

    O que te levou, Ney, a se mudar pra São Paulo? O que, no trabalho, na proposta do João Ricardo te chamou atenção, te seduziu para você sair daqui e ir pra São Paulo? No trabalho em si…

    Eu vou te dizer uma coisa, você pode acreditar se você quiser e se não quiser acreditar… Eu tinha certeza desde que eu me entendi por gente que aconteceria alguma coisa na minha vida em termos artísticos, eu tinha certeza. Eu achava que era teatro. Na hora que a Luhli me falou dele eu já fiquei assim com as orelhas em pé, na hora que eu bati o olho nele, que ele me explicou do que se tratava, dentro de mim uma coisa disse assim: Vai, chegou a hora. Eu fui confiante de que aquilo daria certo. Ouvi o repertório, gostei muito do repertório e fui confiante. Trabalhamos exaustivamente, eu fazia minhas peças infantis lá pra ganhar o meu pão e ensaiava diariamente, nós ensaiamos um ano diariamente as músicas.

    Onde eram esses ensaios?

    Eram onde dava. Na minha casa muitas vezes, na casa dele muitas vezes, em qualquer lugar que desse a gente estava ensaiando.

    Era com voz e violão….

    Voz, dois violões e uma gaita, assim nós levantamos todo o repertório. A banda entrou bem na parte final.

    Você tinha alguma referência assim, você está falando dessa coisa de rock, São Paulo, tinha alguém como referência pra vocês?

    Não. O João tinha muitas referências, ele era uma pessoa muito preparada, assim. Ele era jornalista e ele tinha muitas referências. Eu não tinha referência de nada, eu estava lá intuitivamente. Eu percebi alguma coisa de Crosby, Stills & Nash na onda que ele queria, mas isso também não se aprofundou. Sabe, na verdade, se você procurar o nosso trabalho inteiro você vai achar uma coisa que remetia a eles, apenas isso. O repertório, quando eu fui, já estava 70% pronto. As duas músicas, Fala e O Vira a Luhli fez com ele lá quando conheceu ele, o João Ricardo. O Paulinho Mendonça fez o Sangue Latino na reta final, quando o disco estava quase pronto, o Sangue latino ficou pronto e entrou no disco, e o Gerson fez também na reta final o Rosa de Hiroshima.

    Esse momento que o João Ricardo mostrou as músicas no Rio, já tinha, já estava um pouco direcionado pra sonoridade, já dava pra perceber?

    Não… Porque era com

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