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Eugénie Grandet
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E-book246 páginas3 horas

Eugénie Grandet

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Sobre este e-book

«Eugénie Grandet» é uma das obras mais famosas de Balzac e conta a história de um amor frustrado entre uma jovem provinciana de 23 anos e seu primo parisiense.

Embora a narrativa seja simples, retrata fielmente a escalada individualista de um plebeu que nada mais consegue ver e valorizar além do brilho do ouro. Assim é o pai de Eugénie, o senhor Grandet, um homem ambicioso e sem escrúpulos que coloca a ascensão social e financeira acima da sua própria família.
IdiomaPortuguês
EditoraMimética
Data de lançamento19 de nov. de 2024
ISBN9789897789557
Eugénie Grandet
Autor

Honoré de Balzac

Honoré de Balzac nació en 1799 en Tours, donde su padre era jefe de suministros de la división militar. La familia se trasladó a París en 1814. Allí el joven Balzac estudió Derecho, fue pasante de abogado, trabajó en una notaría y empezó a escribir. Fue editor, impresor y propietario de una fundición tipográfica, pero todos estos negocios fracasaron, acarreándole deudas de las que no se vería libre en toda la vida. En 1830 publica seis relatos bajo el título común de Escenas de la vida privada, y en 1831 aparecen otros trece bajo el de Novelas y cuentos filosóficos: en estos volúmenes se encuentra el germen de La comedia humana, ese vasto «conjunto orgánico» de ochenta y cinco novelas sobre la Francia de la primera mitad del siglo XIX, cuyo nacimiento oficial no se produciría hasta 1841, a raíz de un contrato con un grupo de editores. De este célebre ciclo son magníficos ejemplos El pobre Goriot (1835; ALBA CLÁSICA núm. CXXII), La muchacha de los ojos de oro (1835; ALBA BREVIS núm. 8), Grandeza y decadencia de César Birotteu, perfumista (1837), La Casa Nuncingen (1837) (ambas publicadas en un solo volumen en el núm. XXIX de ALBA CLÁSICA MAIOR) y La prima Bette (1846; ALBA CLÁSICA núm. XXI; ALBA MINUS núm. 13). Balzac, autor de una de las obras más influyentes de la literatura universal, murió en París en 1850.

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    Eugénie Grandet - Honoré de Balzac

    Capítulo 1 — Fisionomias Burguesas

    Em certas cidades da província encontram-se casas inspirando à vista uma melancolia igual à que produzem os claustros mais escuros, as charnecas mais sombrias e as mais tristes ruínas. Há, talvez, nessas casas o silêncio do claustro, a aridez das charnecas e as ossadas das ruínas: e nelas é tal a tranquilidade da vida e do movimento, que um estranho as julgaria desabitadas se não encontrasse de súbito o olhar pálido e frio de uma pessoa imóvel, cuja figura monástica se debruça da sacada, ao ruído de passos desconhecidos. Tais sintomas de tristeza notavam-se na fisionomia de uma habitação situada em Saumur, ao fim da rua acidentada que conduz ao castelo, pela parte superior da cidade.

    Essa rua, atualmente pouco frequentada, quente no verão, fria no inverno, mal iluminada em alguns pontos, é notável pela sonoridade da sua pequena calçada pedregosa, sempre limpa e seca, pela estreiteza da sua via tortuosa, pela paz das suas vivendas que pertencem à cidade velha e dominam as muralhas. Existem ali habitações ainda sólidas apesar de três vezes seculares e construídas de madeira: e os seus variados aspetos contribuem para a originalidade que recomenda essa parte de Saumur à atenção dos antiquários e dos artistas. É difícil passar em frente dessas casas sem admirar as enormes pranchas cujas extremidades são talhadas em forma de figuras bizarras e que coroam com um baixo-relevo negro a parte térrea do maior número delas. Aqui, surgem peças de madeira transversais, cobertas de ardósia e desenhando azuladas linhas sobre as paredes frágeis duma habitação terminada por um teto de barrotes a prumo, que os anos fizeram vergar, e de ripas apodrecidas e tortas pela alternada ação de chuva e do sol. Ali, destacam-se velhos peitoris de janelas, enegrecidos, mal deixando entrever as delicadas esculturas e parecendo demasiadamente fracos para susterem o vaso da argila escura onde florescem os craveiros ou as roseiras duma pobre operária. Mais longe, veem-se portas guarnecidas de pregos enormes, nas quais o génio dos nossos antepassados traçou hieróglifos domésticos cujo sentido jamais se decifrará. Umas vezes foi um protestante que afirmou ali a sua fé: outras, um partidário da Liga que amaldiçoou Henrique IV. Um burguês qualquer gravou aí as insígnias da sua nobreza de campanário, a glória da sua vereação esquecida. A história de França está ali inteiramente. Ao lado da casa vacilante, em cujos muros de grossa alvenaria o artífice divinizou o seu instrumento de trabalho, ergue-se o palácio de um nobre, onde sobre o arqueamento em pedra da porta, se veem ainda vestígios das suas armas, mutiladas pelas diversas revoluções que agitaram o país desde 1789.

    Nessa rua, os pavimentos térreos, comerciais, não são lojas nem armazéns. Os apologistas da Idade Média encontrariam neles a oficina de nossos pais em toda a sua ingénua simplicidade. Essas salas baixas, sem mostrador nem vidraças, são profundas, obscuras e destituídas de ornamentação, tanto externa como internamente. As portas são compostas de duas peças grosseiramente chapeadas de ferro; a parte superior abre-se para dentro; a inferior gira constantemente e tem uma campainha de mola. O ar e o dia penetram nessa espécie de antro húmido, ou através do cimo da porta ou pelo intervalo existente entre a abóbada, o teto e o pequeno muro à altura de encosto, onde se engatam sólidos taipais, tirados de manhã e de novo colocados e mantidos à noite com trancas e cavilhas de ferro. Esse muro serve para expor ao público as mercadorias do negociante. Há ali completa ausência de charlatanismo. As amostras consistem, segundo o género de comércio, em duas ou três tinas cheias de sal e bacalhau, em alguns pacotes de pano para velame, cordoaria, latão suspenso das traves do teto, arcos colocados ao longo das paredes e algumas peças de tecidos arrumadas em prateleiras.

    Entrai. Uma guapa e asseada rapariga, de lenço branco no pescoço e braços vermelhos, larga imediatamente a meia que está fazendo e chama o pai ou a mãe. Um ou outro vêm e efetuam convosco, segundo os vossos desejos, fleumática, amável ou arrogantemente, consoante a sua índole, um negócio de dois soldos ou de vinte mil francos de mercadorias. Vereis sentado à sua porta um negociante de madeiras, fazendo girar os dedos polegares e conversando com o vizinho. Aparentemente possui apenas algumas ordinárias tábuas para garrafas e dois ou três feixes de sarrafos; mas no porto, a sua estância repleta fornece todos os tanoeiros do Anjou. Ele sabe, mais aduela menos aduela, quantos tonéis serão precisos, se a colheita for boa. Um raio de sol pode enriquecê-lo e o tempo chuvoso arruiná-lo: na mesma manhã podem os barris descer de onze a seis francos.

    Nesse país é a vida comercial dominada, como na Turena, pelas vicissitudes da atmosfera. Vinhateiros, proprietários, negociantes de madeira, tanoeiros, estalajadeiros e marítimos, todos aguardam, expectantes, o bom tempo; assustam-se à noite, ao deitarem-se, pensando na geada que cairá; temem a chuva, o vento e as secas; desejam água, calor e nuvens, ao sabor da sua fantasia. Há um permanente duelo entre o céu e os interesses da terra. O barómetro entristece, desenruga e alegra alternativamente todas as fisionomias; de uma a outra extremidade dessa rua, a antiga Grande Rua Saumur, as palavras: Temos um tempo de ouro! correm de porta em porta. Chovem luíses, diz cada um ao seu vizinho, pois que se sabe quanto valem uma carícia de sol ou uma chuva oportuna.

    Ao sábado, pelo meio-dia, durante a estação agradável, não conseguireis obter um soldo de mercadorias em casa desses bons industriais. Cada qual tem a sua vinha, a sua horta, e vai passar dois dias no campo. Como tudo está previsto — a compra, a venda, o lucro —, têm os comerciantes, em doze horas, dez para empregarem em distrações alegres, em observações, em comentários e espionagens contínuas. Uma dona de casa não comprará uma perdiz sem que o marido seja mais tarde interrogado pelos vizinhos sobre se ela foi bem cozinhada. Nenhuma rapariga aparece à janela sem ser vista por todos os grupos de ociosos. Estão ali a nu as consciências e, do mesmo modo, o mistério daquelas casas impenetráveis, negras e silenciosas, deixa de existir. A vida é quase sempre ao ar livre: cada família senta-se à porta e aí almoça, janta e discute. Ninguém passa na rua sem ser analisado. Por isso mesmo, quando outrora um forasteiro chegava a uma cidade de província, era escarnecido de porta em porta. Derivam desse facto as belas histórias e o epíteto de fecundo aplicado aos habitantes de Angers, inexcedíveis nesses gracejos urbanos.

    Os antigos palacetes da cidade velha estão situados na parte superior dessa rua, antigamente habitada pelos fidalgos da localidade. A morada melancólica, onde ocorreram os sucessos que constituem esta história, era precisamente uma dessas habitações, restos veneráveis de um século em que as coisas e os homens tinham um cunho de simplicidade que desaparece, de dia para dia, dos costumes franceses.

    Depois de haverdes seguido em todas as suas sinuosidades esse caminho pitoresco cujos menores acidentes despertam recordações e cuja impressão provoca uma espécie de cismar maquinal, deparareis um recanto sombrio no meio do qual se acha escondida a porta da casa do senhor Grandet. Será impossível entender-se o valor desta expressão provinciana sem a biografia do senhor Grandet.

    O senhor Grandet gozava em Saumur de uma reputação de que as causas e os efeitos não chegarão a ser inteiramente compreendidos por quem nunca viveu na província. O senhor Grandet, ainda por muitos conhecido por tio Grandet, embora o número desses velhos diminuísse sensivelmente, era em 1789 um mestre tanoeiro abastado, sabendo ler, escrever e contar. No dia em que a República Francesa pôs em praça, no distrito de Saumur, os bens do clero, o tio Grandet acabava de desposar, aos quarenta anos, a filha de um rico negociante de madeira; munido da sua fortuna líquida, munido do dote, munido de dois mil luíses de ouro, dirigiu-se ao distrito, onde, mediante duzentos luíses emprestados por seu sogro e oferecidos ao severo republicano que fiscalizava a venda dos domínios nacionais, obteve por uma côdea, legalmente senão legitimamente, as mais belas vinhas da região, uma velha abadia e algumas herdades.

    Como os habitantes de Saumur fossem pouco revolucionários, o tio Grandet passou por um homem audacioso, um republicano, um patriota, um espírito levado pelas ideias novas, apesar do tanoeiro ser simplesmente levado pelas vinhas. Foi nomeado membro da administração do distrito de Saumur e a sua influência pacífica afirmou-se ali política e comercialmente.

    Politicamente, protegeu os homens do antigo regime, impedindo, por todos os meios ao seu alcance, a venda dos haveres dos emigrados; comercialmente, forneceu aos exércitos da República um ou dois milheiros de pipas de vinho branco, obtendo em pagamento soberbos prados outrora pertencentes a um mosteiro de mulheres e reservado para último lote. Sob o Consulado, Grandet foi nomeado maire; administrou com bom senso e vindimou ainda melhor; sob o Império, tornou-se no senhor Grandet. Napoleão, que não gostava dos republicanos, substituiu o senhor Grandet, que passava por ter usado o barrete vermelho, por ser um grande proprietário, um homem de nome com partícula, um futuro barão do Império. O senhor Grandet abandonou sem pesar as honras municipais. Fizera construir, no interesse da cidade, excelentes caminhos conduzindo diretamente às suas terras. A sua casa e os seus bens, vantajosamente colocados no cadastro, pagavam impostos moderados. Desde a classificação das suas propriedades, os seus vinhedos, graças a cuidados constantes, tinham-se tornado a cabeça do país, expressão técnica em uso para designar as vinhas que produzem a melhor qualidade de vinho. O senhor Grandet poderia ter solicitado a Cruz da Legião de Honra.

    Estes factos ocorreram em 1806. Tinha ele então cinquenta e sete anos e sua mulher aproximadamente trinta e seis. Existia uma filha única, fruto dos seus amores legítimos, com dez anos de idade. O senhor Grandet, a quem a Providência quisera, sem dúvida, consolar dos seus desgostos em matéria administrativa, herdou sucessivamente, durante aquele ano, da senhora de La Bertellière, mãe da senhora Grandet, nascida de La Bertellière; depois do velho senhor de La Bertellière, o pai da morta, e ainda da senhora Gentillet, sua avó pelo lado materno: três heranças cuja importância ficou para todos desconhecida. A avareza destes três velhos atingira as proporções de uma tal paixão que desde muito amontoavam dinheiro apenas no intuito de contemplá-lo secretamente. O velho senhor de La Bertellière chamava prodigalidade a uma colocação de fundos, achando no aspeto do ouro interesses muito superiores aos benefícios da usura. A cidade de Saumur teve pois de calcular pelo rendimento dos bens imóveis o valor das economias. O senhor Grandet obteve então o novo título nobiliário que a nossa mania de igualdade não conseguira extinguir; tornou-se o primeiro contribuinte do distrito. Explorava cento e quarenta jeiras de vinha, que nos anos abundantes lhe davam mil a mil duzentos barris de vinho. Possuía treze herdades, uma velha abadia, da qual, por economia, fizera murar as janelas, as ogivas e as vidraças; e cento e vinte e sete jeiras de pradarias, onde cresciam e engrossavam três mil pés de álamos plantados em 1793. Enfim, a casa que habitava era sua.

    Era assim que o público estabelecia a sua fortuna visível. Quanto aos seus capitais, apenas duas pessoas podiam formar deles uma ideia aproximada: uma, era o senhor Cruchot, tabelião encarregado das transações usurárias do senhor Grandet; a outra, o senhor Des Grassins, o mais rico banqueiro de Saumur, de cujos lucros participava convenientemente e discretamente o vinhateiro. Sem embargo da profunda circunspeção que na província produzem o crédito e a fortuna e que tanto o velho Cruchot como o senhor Des Grassins possuíam, estes dois homens testemunhavam publicamente ao senhor Grandet um tão grande respeito, que os observadores podiam avaliar a fortuna do antigo maire, aferindo-a pela obsequiosa consideração de que ele gozava. Em breve, todos acreditavam em Saumur que o senhor Grandet possuía um tesouro particular, um esconderijo cheio de luíses, que lhe servia para, alta noite, satisfazer os gozos inefáveis que produz a contemplação de uma grande massa de ouro. Os avarentos tinham disso quase a certeza, ao verem os olhos do velho aos quais o metal amarelo parecia ter comunicado os seus reflexos.

    A vista de um homem costumado a tirar dos seus capitais interesses enormes contrai necessariamente, como a do voluptuoso, do jogador e do cortesão, certos hábitos indefiníveis, certos movimentos furtivos, ávidos, misteriosos, que não passam despercebidos aos seus correligionários. Nessa linguagem secreta reside até certo ponto a franco-maçonaria das paixões.

    O senhor Grandet inspirava, pois, a estima respeitosa a que tinha direito um homem que nada devia a pessoa alguma; que, velho tanoeiro e velho vinhateiro, adivinhava com a precisão de um astrónomo quando era preciso fazer mil ou apenas quinhentos barris, para a sua colheita; que não se saía mal duma única especulação; que dispunha sempre de tonéis para a venda quando eles valiam mais do que o género a colher; e que finalmente podia encerrar o seu vinho nas adegas e esperar o momento oportuno para vender um barril por duzentos francos, quando os pequenos proprietários tinham de vendê-lo por cinco luíses. A sua famosa colheita de 1811, sensatamente recolhida e lentamente negociada, tinha-lhe proporcionado mais de duzentos e quarenta mil francos. Financeiramente falando, o senhor Grandet possuía alguma cousa do tigre e da jiboia: sabia esconder-se, agachar-se, fitar por largo tempo a sua presa, saltar sobre ela; em seguida, abria a goela da bolsa, vazava nela uma carregação de escudos e deitava-se tranquilamente, como a serpente que digere, impassível, frio, metódico.

    Ninguém o via passar sem experimentar um sentimento de admiração mesclado de respeito e terror. Não experimentara acaso cada um dos habitantes de Saumur o rasgar polido das suas garras de aço? A este havia mestre Cruchot proporcionado a oito por cento o dinheiro necessário para a compra de uma propriedade; àquele tinha o senhor Des Grassins descontado letras com um juro assustador. Raros dias eram aqueles em que o nome do senhor Grandet não fosse pronunciado quer no mercado, quer durante os serões ou as palestras da cidade. Para algumas pessoas, era a fortuna do velho vinhateiro um motivo de orgulho patriótico. Mais de um negociante e de um estalajadeiro diziam, por vezes, aos forasteiros, com certo contentamento:

    — Existem aqui duas ou três casas milionárias; mas quanto ao senhor Grandet, nem ele sabe o que tem de seu.

    Em 1816, os mais hábeis calculistas de Saumur avaliavam em quatro milhões os bens territoriais do velho Grandet; como ele devia, porém, ter usufruído desde 1793 até 1817 cem mil francos, termo médio, das suas propriedades, era de presumir que possuísse em dinheiro uma soma quase igual à dos bens imóveis.

    Assim, quando depois de uma partida de bóston, ou de uma conversa sobre vinhos, a discussão versava sobre o senhor Grandet, as pessoas competentes diziam:

    — O tio Grandet?... O tio Grandet deve possuir perto de seis milhões.

    — Sois mais hábil do que eu, que nunca pude conhecer o total — declaravam o senhor Cruchot ou o senhor Des Grassins, se estavam presentes.

    Quando algum parisiense falava dos Rothschild ou do senhor Laffite, os habitantes do Saumur perguntavam-lhe se eles eram tão ricos como o senhor Grandet; e, se o parisiense lhes lançava, sorrindo, uma desdenhosa afirmação, entreolhavam-se, abanando a cabeça num gesto de incredulidade.

    Uma fortuna de tal ordem cobria com áureo manto todos os atos daquele homem. Se, de princípio, algumas particularidades da sua vida se prestaram à mofa e ao ridículo, o ridículo e a mofa haviam-se dissipado. Nas mais simples ações, tinha por si o senhor Grandet a autoridade de causa julgada. A sua palavra, o seu trajo, os seus gestos e o seu piscar de olhos, ditavam a lei à localidade, onde todos tinham, ao cabo de um estudo semelhante ao do naturalista estudando os efeitos do instinto nos animais, podido reconhecer a profunda e muda sabedoria revelada nos seus mais simples movimentos.

    — O inverno há de ser rude — dizia-se —, o tio Grandet calçou as suas luvas de pele: é preciso vindimar.

    — O tio Grandet adquiriu muita madeira; haverá vinho este ano.

    O senhor Grandet jamais comprava carne ou pão. Os seus rendeiros traziam-lhe todas as semanas uma suficiente provisão de galos, galinhas, ovos, manteiga e trigo. Possuía um moinho cujo inquilino devia, além do aluguer, vir buscar uma certa porção de cereais e trazer-lhe o farelo e a farinha.

    A grande Nanon, sua única serva, amassava e cozia, todos os sábados, sem embargo de já não ser moça, o pão da casa.

    O senhor Grandet contratara com os hortelões, seus locatários, o fornecimento dos legumes. Quanto aos frutos, era tal a quantidade que colhia que tinha de vender uma grande parte deles no mercado. A lenha era cortada nas suas tapadas ou nos arbustos meio carcomidos que ele fazia arrancar à beira das suas terras; os seus rendeiros levavam-lha à cidade, livre de despesas, arrumavam-lha por obséquio no depósito, e recebiam agradecimentos.

    As suas únicas despesas conhecidas consistiam em pão bento, no vestuário da sua mulher, no de sua filha, no pagamento das cadeiras da igreja, na luz, no ordenado da grande Nanon, no conserto de caçarolas, impostos, reparações de casas e despesas da exploração de suas propriedades.

    Possuía trezentas jeiras de bosques, recentemente comprados, que fazia vigiar pelo guarda de um vizinho, ao qual prometia uma indemnização. Só depois dessa aquisição começou ele a comer caça.

    Os modos desse homem eram simples. Falava pouco. De ordinário, exprimia as suas ideias por pequenas frases sentenciosas e proferidas com voz suave. Desde a Revolução, época em que principiou a atrair as atenções, o velho Grandet gaguejava de modo fatigante, logo que tivesse de discorrer longamente ou de sustentar uma discussão. Mas este gaguejar, a incoerência das suas palavras, o fluxo de expressões que lhe serviam para afogar o pensamento, a sua falta aparente de lógica, atribuídos a um defeito de educação, eram puramente afetados e serão elucidados suficientemente por alguns acontecimentos desta história. Além disso, quatro frases exatas como fórmulas algébricas serviam-lhe de ordinário para resolver todas as dificuldades da vida e do comércio:

    Não sei.

    Não posso.

    Não quero.

    Veremos isso.

    Nunca dizia sim nem não. Jamais escrevia.

    Se lhe falavam, escutava friamente, segurando o queixo com a mão direita, apoiando o cotovelo direito nas costas da mão esquerda. Formava acerca de qualquer questão opiniões inabaláveis. Meditava por largo tempo sobre o mais insignificante negócio; e quando, depois duma discussão sapiente, o adversário lhe confiava o segredo das suas pretensões, julgando tê-lo seguro, ele respondia:

    — Não posso concluir coisa alguma sem consultar minha mulher.

    Sua mulher, que ele reduzira a um hilotismo completo, era nos negócios a sua defesa mais cómoda.

    Não visitava pessoa alguma, não recebia nem dava jantares. Não fazia nunca ruído e parecia economizar tudo, até o próprio movimento.

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