A escola e seus jovens: lugar de controvérsias e perspectivas
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A escola e seus jovens - MARIA SOLANGE MELO DE SOUSA
DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado:
Aos estudantes que acreditam na escola pública como lugar de construção do conhecimento e consideram que lá deve prevalecer o respeito, a tolerância e a diversidade. Para todos os jovens que julgam que a educação é o caminho para se conquistar os seus projetos de vida e que a escola é um lugar de perspectivas e concretização de sonhos.
Às professoras e professores que acreditam que ensinar é uma missão, mas acima de tudo uma profissão que deve ser exercida com ética e dignidade. Portanto, devem ser respeitados, valorizados e reconhecidos pela sua importância enquanto profissionais que lutam pela qualidade da educação brasileira.
Aos gestores que são capazes de deixar o aconchego do lar, em pleno final de semana, para resolverem imprevistos que possam comprometer o ambiente escolar ou os aspectos pedagógicos da escola. Para tanto, transformam-se em pintores, eletricistas, bombeiros ou mediadores de conflitos, com o objetivo de transformar a escola em um lugar mais agradável para toda a comunidade escolar.
A todos servidores e funcionários de uma escola que dão o suporte pedagógico, técnico ou administrativo, tão necessários para o bom funcionamento da instituição.
À escola pública como local de aprendizagens, de formação para a cidadania e o mundo do trabalho. Por isso, é um lugar de perspectiva, de transformação e dá ao jovem a oportunidade de conquistar uma vida melhor.
AGRADECIMENTOS
A Deus por me dar força e superar muitos desafios para concretizar a realização desse projeto.
À minha família tão amada pelo apoio e por estar sempre ao meu lado em todos os momentos desse processo e sempre acreditando em meu potencial.
À equipe gestora da escola onde realizei minha pesquisa de mestrado que gerou essa publicação, Walter Lins (Diretor); Herberth Milanez (Vice-Diretor); Tereza (Secretaria) e Anabela (Supervisora Pedagógica), por ajudar na coleta de dados necessários ao trabalho, permitir a pesquisa e a análise dos documentos da escola, colaborar no resgate e construção adequada dos relatos descritos nos livros de ocorrência, possibilitar a aplicação dos questionários para os estudantes de forma organizada e o convite para participar das realizações dos projetos pedagógicos na escola.
Aos professores da escola, Wander Lúcio e Valdir Mozinho, que muito contribuíram para a elaboração e aplicação do questionário; Elaine Cristina, pelo convite e pela oportunidade de participar do projeto Mãos Dadas e pelos momentos compartilhados durantes as discussões referentes às visitas em orfanatos, creches e casas de abrigos.
Aos amigos que conquistei durante essa caminhada. Juntos, estudamos, pesquisamos, participamos de eventos e nos divertimos. A nossa união permitiu compartilhar angústias, inseguranças, dúvidas, e nos apoiarmos mutuamente, nos momentos mais difíceis dessa trajetória.
Ao Grupo de Pesquisa, Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores de Geografia (GEAF), pela oportunidade de adquirir tanto conhecimento por meio da leitura de obras importantes, acesso a novos autores e tantas discussões que muito contribuíram para a construção desse livro.
À professora Cristina Maria Costa Leite e ao professor Fernando Luiz Araújo Sobrinho meu muito obrigada pelo apoio e estímulo.
Por fim, um agradecimento muito especial para a professora Marília Luíza Peluso. Muito mais que minha orientadora durante o mestrado, ela é minha fonte de inspiração pela ética, profissionalismo, amor e compromisso com a educação. Ao longo do percurso para a realização dessa pesquisa que agora apresento como livro, foi possível contar com o seu apoio, com suas contribuições e orientações sempre pertinentes e esclarecedoras. Eterna gratidão!
EPÍGRAFE
SOU CONTRA:
A educação elitista e antipopular.
O analfabetismo da maioria dos brasileiros.
A evasão e a repetência na escola.
A falta de consciência dessa calamidade.
O caráter enciclopédico e ostentatório do nosso ensino.
O funil que só deixa cinco por mil dos alunos chegarem à universidade.
O esvaziamento do ensino superior.
A multiplicação das escolas privadas e ruins.
SOU A FAVOR:
De uma escola primária e séria.
Da educação média formadora do povo brasileiro.
Do uso de recursos públicos nas escolas públicas.
Da educação para o desenvolvimento econômico e social.
Da educação fundada na consciência lúcida.
(RIBEIRO, 2010, p. 103-104)
APRESENTAÇÃO
A paixão pela educação sempre foi o gás necessário para a minha dedicação a ela, nesses últimos trinta anos. Sempre acreditei que educação pública tem por finalidade muito mais do que o conhecimento intelectual, pois acredito em suas possiblidades como condutora de uma transformação social. Os sujeitos que não tiveram oportunidades iguais dentro de uma sociedade tão desigual como a brasileira, precisam acreditar que há possibilidades de superação.
Durante os anos que trabalhei em escolas públicas localizadas em áreas vulneráveis, marcadas pela violência e pelos conflitos familiares que apagavam os sonhos de toda uma juventude, vi muitos docentes que compartilhavam dos meus ideais, por acreditar que a educação é o caminho mais provável para uma revolução social, e dessa forma eles caminhavam juntos com esses jovens dando apoio, considerando que eles eram muito mais do que simples alunos. Eles eram pessoas que pediam que os olhassem sem conceitos pré-concebidos, que acreditassem em seus sonhos e lhes dessem o direito de uma vida melhor. Buscavam muito mais do que professores, queriam um amigo. Procuravam o afeto, a atenção e o carinho que muitas vezes não encontravam em seus convívios familiares.
Percebi alunos, que mesmo no mundo do crime, defendiam seus professores diante de uma comunidade hostil e os consideravam heróis. O respeito e a admiração eram transparentes em seus olhares. Por isso, muitos deles foram resgatados e se tornaram serem humanos melhores.
Mesmo diante do descredito de parte da sociedade, da desvalorização do trabalho docente pelo poder público, esses professores superam as adversidades e, por amor à docência, nunca desistem, a isso damos o nome de ‘identidade profissional’.
Apesar de estar aposentada da sala de aula, sou professora e quero me dedicar a pesquisar a escola enquanto lugar e os vários entraves que provocam a crise na educação pública, uma vez que não considero justo tantos ataques e tentativas de desconstrução de um trabalho que tem por objetivo convencer que a escola pública precisa muito mais do que da valorização do cognitivo. É preciso entender que por meio do conhecimento científico, caracterizados pelos diversos saberes que as várias áreas do conhecimento disponibilizam e sem desconsiderar o papel social da escola, respeitando as particularidades de cada comunidade é possível construir uma educação transformadora.
PREFÁCIO
Marília Luiza Peluso
Por isso é lícito dizer que o futuro são muitos; e resultarão de arranjos diferentes, segundo o nosso grau de consciência, entre o reino das possibilidades e o reino da vontade. É assim que iniciativas serão articuladas e obstáculos serão superados, permitindo contrariar a força das estruturas dominantes, sejam elas presentes ou herdadas. A identificação das etapas e o ajustamento a empreender durante o caminho dependerão da necessária clareza do projeto (SANTOS, 2012, p. 161)
As discussões que Solange apresenta em seu livro, em tom intimista e, ao mesmo tempo, claro e científico, remontam à modernização do ensino no Brasil na década de 30. No período vai-se passando de uma economia agroexportadora e rural para um período de urbanização e primórdios da industrialização e Solange chega ao momento atual da educação brasileira, ao Distrito Federal e à escola que vai ser analisada, mais precisamente em Taguatinga. Apresenta-se, e discute-se, ações pedagógicas destinadas a combater dificuldades no aprendizado, por isso as controvérsias; Professores, técnicos, trabalhadores e alunos se engajaram para superá-las tanto no ensino, quanto nos comportamentos para que os discentes, ao final do curso, tivessem sucesso em seus projetos de vida e por isso as perspectivas.
A escola e o ensino correspondem ao que Berger e Luckmann (2014) denominam de ‘socialização secundária’ e seu caráter depende do conjunto de conhecimentos que a sociedade possui e que deseja para seus jovens. Dessa maneira, os processos de aprendizagem modificaram-se ao longo do tempo e das sociedades e todos os povos transmitiram seus conhecimentos, tradições e experiências de uma geração para outra. Alguns momentos desse processo merecem ser rememorados.
A escrita, surgida em torno do IV milênio a.C, permitiu uma maneira mais eficaz de transmissão de conhecimento e a urbanização foi um importante fator de desenvolvimento da escrita. Provavelmente foram os sumérios, cerca de 3.000 a.C, que organizaram o primeiro sistema de ensino voltado para o aprendizado da escrita cuneiforme e dos conhecimentos necessários para o funcionamento de suas cidades. Os gregos possuíam sistemas educacionais voltados para formar os jovens e filósofos formavam famosas escolas, como Sócrates, Platão e Aristóteles.
Na Idade Média Europeia, a Igreja Católica ministrava o ensino nas catedrais, paróquias, mosteiros e conventos, para os aspirantes à vida eclesiástica. Carlos Magno (768-814), na Alta Idade Média, organizou as Escolas Palatinas, que deviam abrir-se aos leigos, nobres em especial, pois a leitura e o acesso ao conhecimento foram privilégio de poucos e vedados para a maioria da população. O Iluminismo, no século XVIII, exaltava a razão e a igualdade de direitos e seus filósofos defendiam o ensino e a educação universal, mas ainda poucos conseguiam acesso às escolas.
Igualmente no século XVIII o capitalismo vai-se afirmando como sistema econômico que necessitava formar mão-de-obra adequada para o trabalho fabril. Ao final do mesmo século, vão-se conformando na Europa os Estados-Nação, para cuja unidade era necessária uma língua pátria comum. (HOBSBAWM, 1990). Para ambos, capitalismo e nação, era importante uma educação primária e, posteriormente também uma secundária, que exaltasse o trabalho e permitisse a formação de um pensamento nacional. No princípio da era moderna, formou-se um sistema de aprendizagem e letramento que sofreu alterações para se adaptar a novas condições sociais, políticas e econômicas, mas que mantém como princípios básicos de aprendizagem os valores da sociedade e uma ordem a ser seguida.
No Brasil, desde o início da colonização também se criaram escolas de ordens religiosas, mas a exclusão da maioria da população era uma realidade que os mantinha fora do letramento, mesmo quando a Constituição de 1824 estabelecia uma educação primária e gratuita para os brasileiros. A partir da década 30, na nova fase econômica que o país começava a vivenciar, ocorreram discussões, que continuam até a atualidade, sobre o ensino público brasileiro, a criação e alterações nos cursos para o ensino fundamental e médio que terminam por levar às preocupações como as que Solange analisa em seu livro sobre a escola de Taguatinga, no Distrito Federal.
Uma frase do livro merece uma observação especial. Escreve Solange sobre a preocupação e o diagnóstico, dos professores da escola de Taguatinga e que levou às ações que se seguiram:
A escola ainda não atendia as múltiplas necessidades dos estudantes do ensino médio, muitos jovens não se identificavam com a escola na qual estavam matriculados e os conteúdos ofertados não alcançavam a dimensão intelectual do trabalho produtivo e dos anseios socioculturais (SOUSA, 2021, p. 65).
A escola, como socialização secundária, nas palavras de Berger e Luckmann (2014, p. 181) está diretamente relacionada com um processo precedente de socialização primária, isto é, deve tratar com uma personalidade já formada e um mundo já interiorizado
. Dessa maneira, os conteúdos ministrados precisam ter uma representação anterior do discente para que sejam compreendidos. Ou seja, precisa haver um padrão socialmente compartilhado, pelo menos um embrião, de saberes e vivências que permitam a organização crítica do conhecimento do