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Cuidado
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E-book103 páginas1 hora

Cuidado

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Sobre este e-book

"Reinaldo é um homem comum, na faixa dos 40 anos, que vê sua vida totalmente transformada quando percebe que pode ter tudo o que deseja. Passado o susto do primeiro desejo, as coisas boas começam a chegar e Rei, como o próprio apelido sugere, vira um monarca de si mesmo.
Tudo vai bem até que ele conhece Fernanda. O encontro desses dois vai despertar o que eles têm de melhor e de mais doloroso, pois Fernanda é a única mulher que não sucumbe às vontades de Reinaldo.
O poder que veio como um dom para Rei passa a lhe causar tremores e a sensação de que algo ruim sempre pode acontecer. Embora ele seja capaz de pedir o que quer, não é capaz de controlar as consequências do que desejou.
Assim como não pode controlar o amor de Fernanda.
Cuidado.
Cuidado com o que você transforma. Cuidado com seu dom. Cuidado com o que o outro quer. E, principalmente, cuidado com os próprios desejos."
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de abr. de 2022
ISBN9786556251226
Cuidado

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    Cuidado - Natalia Grimberg

    1. ELE

    Um homem comum. Legal. Mas quase sem graça. Tem casinhos que não engrenam. Encontros casuais. Mulheres banais. O que será que elas pensam? O que será que elas querem? Ele tem ex-mulher. E filha pré-adolescente. Tem fase mais chata? Tudo é mico. Pai é mico. E logo eu que até pouco tempo atrás era o super-herói dela. Onde foi que eu errei?

    Reinaldo é alto. Reinaldo Correa está começando a ficar grisalho. Na verdade, começando a ficar mais charmoso, sensual. Os olhos dele são castanhos, normais, só que quando sorri, eles espremem e ficam uma graça! Rei só é rei quando está à vontade, em casa, de cueca box, jogando Fifa. Nem mais nos campos de verdade ele vai muito. Onde foi que eu esqueci os contatos dos amigos da pelada?

    Ele busca se conhecer melhor, já foi até numa astróloga, mas tem anos que passa longe do centro espírita que costumava frequentar. O trabalho segue seu rumo. Movimentado, cheio de tarefa que não dá para lembrar do dia a dia. E assim segue, se preocupando com a hora seguinte, mas se esquecendo do seu futuro. Tem dinheiro, mas não muitos amigos. Na verdade, quase não vê gente interessante pelos corredores. Quando foi que eu escolhi essa maldita profissão sem graça?

    Reinaldo fala três idiomas. Já fez intercâmbio e aprendeu inglês e espanhol. Morou com uma linda espanhola de seios fartos nos cânions da costa oeste americana dos dezenove aos vinte anos e sete meses. Ela foi arrancada dele. Bateu com o carro, precisou de uma cirurgia no braço, e seu pai brabo, homem de dinheiro de sei lá onde, buscou-a pelas tranças. Será que ela continua linda dormindo só de calcinha? Ela deve ter três filhos e nem lembrar que eu existi um dia.

    Na verdade, a vida anda um marasmo. Tudo igual. Despertador às 6:37, café na Padaria Paulista, pedalada até o trabalho, banho num banheiro que não é feito para isso, blusa social, calça de mauricinho e tênis estiloso, que ninguém é de ferro. Barba por fazer dia sim, dia não. Meu chefe novinho sabe menos que eu e eu, diretor de operações da grande empresa, finjo que ele é foda só para garantir o meu superbônus.

    A filha vem para São Paulo a cada quinze dias. Quer dizer, ela deveria vir, mas atualmente implora para liberá-la. Tem festa, tem festinha, tem um lance, tem uma parada maneira, tem tudo mais legal que ficar num apart com o pai na terra da garoa. Fui transferido tem quatro meses. Só saí com uma mulher daqui. Ela era estranha.

    Reinaldo está solteiro tem três anos e nove meses. Sempre foi de namorar. Tem quarenta e quatro anos. Foi pai relativamente cedo. Flora engravidou no primeiro mês que tentaram. Eram apaixonados. Irresponsáveis. Começando nas carreiras e na vida. Eles se perderam, desfizeram os laços como tantos outros casais. Por que ela não se casou novamente? Minha vida seria bem mais fácil!

    Hoje Reinaldo quer algo. Como a maioria da população, não sabe exatamente o quê. Mas quer algo mais. Deseja mais. Bem mais. O que será que desejam as pessoas?

    2. O INCIDENTE

    Era para ser um final de semana com a filha. Ela não veio, preferiu ficar com a melhor amiga e a avó maravilhosa que deixa a Malu fazer tudo o que quer. Ok, é aniversário da melhor avó do mundo e elas vão bater perna.

    O que fazer neste fim de semana aqui, sozinho? Já foi a dezenas de peças de teatro, comeu em todos os restaurantes da moda de São Paulo, marcou vários encontros com mulheres de aplicativo. Cansei. Quero paz.

    Rei adora dirigir. Ama. O carro veloz faz ele se sentir mais próximo de Deus. Quando está chovendo então, tem as melhores lembranças da infância. O pai também dirigia na chuva e iam a lugares sem marcar... em silêncio total... sem saber onde iam chegar. É isso que farei. Sairei sem destino.

    A estrada estava deliciosa. O asfalto estava perfeito, ia a caminho de Paraty. Muito verde em volta, os pardais de velocidade não incomodavam no momento. Ele ia devagar. Sem pressa. Deu vontade de abrir a janela. O vento batia no seu rosto, no seu cabelo. Era bom. Deu uma acelerada. Ele se olhou no retrovisor e viu as rugas que já estavam ali. Ele não se importava com isso. Achava que estava melhor com o tempo. Acelerou mais um pouquinho. Lembrou de cada momento que as rugas devem ter aparecido; uma certamente deve ter sido no antigo trabalho, quando peitou o presidente. Todos falaram que ele era louco, mas estava certo, nada como o tempo. Lembrou da época que fazia mochilão pelo mundo e certa vez foi assaltado e perdeu tudo. Estresse internacional deixa qualquer um doido. Acelerou mais um pouco. E aí, lembrou das viagens pelo mundo e sorriu sozinho. Ainda falta tanto lugar no mundo para eu conhecer... Colocou a mão para fora da janela e se esticou. O vento passava pelo meio dos dedos e dava quase cócegas. Lembrou dele menino, na capota do carro do pai. Que sensação maravilhosa era aquela. Amava a fazenda. Era um lugar enorme, onde a liberdade era sem limites. Quanto tempo será que não vou lá? Será que estão cuidando direito, depois que papai morreu? E nessa paz, ele baixou o volume do rádio, que tocava um rock anos 1980, que lembrava as discotecas que ele ia. E no silêncio, na corrida do seu carro, ele escutou os pássaros, escutou até as ondas do mar que ele via lá ao longe da estrada. E quando piscou mais demoradamente... Vrummmmm, levei uma fechada! Caceta! Vou rodar...

    Ainda olhou rapidamente o carro que fez isso. Em questão de milésimos de segundos, ele ainda viu que o carro era cinza, mas não reconheceu o modelo. Picape metida a besta. O dono sorria. Viu um anel reluzente no dedo mindinho dele. Fez movimento de hang loose com uma das mãos, enquanto segurava um celular com a outra. Parecia que estava brincando de zigue-zague. A boca mexeu e o olho deu uma piscadela. Me deu tchau? Será possível? Esse cara está me zoando?

    O carro de Reinaldo praticamente saiu do chão. Ele passou a vida naqueles segundos. Rei controlou o Toyota preto com toda força que pôde, segurou o volante como quem segura a própria vida. A infância feliz com o irmão pirralho ao lado. Aquele segundo pode ser fatal. Finais de semana na fazenda. Sala de parto vendo a Malu pela primeira vez. O coração disparou, como há muito tempo não disparava. Quando levou o fora da namorada que mais amou. Enterro do pai. Adrenalina total. O carro parecia girar em câmera lenta. Mãe lhe fazendo cafuné, o melhor do mundo.

    E de repente tudo parou. Silêncio. Segundos que viraram horas. O carro atravessado na pista. Não vinha carro nenhum da estrada, nem na frente, nem do outro lado. Ufa.

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