Confrontos com a Morte: a morte e seu entendimento do mundo dos vivos
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Sobre este e-book
A obra discute perguntas como: "o que legitima a presença da morte no mundo dos vivos?". Também aborda o problema do suicídio, do mal, do tempo e da velhice. Por fim, do sofrimento.
O maior mérito é o estimo que o leitor terá para dizer: "eu faria esse debate de outra forma, percorrendo outros caminhos": o desafio está lançado.
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Confrontos com a Morte - Jósimo da Silva Reis
I
A MORTE: POR QUE E O QUE É?
O CICLISTA
Estavam todos no hospital esperando a notícia.
Quando alguém espera pelo desfecho de uma tragédia, a ansiedade só aumenta o nível do desespero. Não há como fugir da sensação de que o inevitável abrirá uma nova ferida: incômoda, duradoura e sem cura. A crueldade da situação se intensifica e se torna mais impiedosa quando a quase imperceptível presença da esperança começa a se alimentar da expectativa de que, repentinamente, ocorrerá a milagrosa mudança de rumo no desfecho que todos já conhecem. Curiosamente as pessoas se dividem entre aquelas que se mantêm na fé de que algo de bom pode acontecer e outros, que ficam oscilando entre a firmeza da espera e a vontade de entregar o sentimento ao pessimismo realista. Um terceiro grupo demonstra uma calma singular. Talvez já acostumados com os momentos ruins ou convictos e adeptos da agressiva concepção de Nietzsche que tira da esperança a conotação de um doce bálsamo e a coloca como o pior flagelo que um homem pode carregar dentro de si, pois o mantém amarrado ao sofrimento pela vontade de ver a transformação daquilo que já se perdeu.
Não se sabe se, em contextos como esse, na mente aflita de alguém, existe espaço para conjecturas, teorias ou interpretações sobre a condição humana e o que ele carrega consigo como ferramenta para sobreviver aos momentos devastadores. Principalmente quando a visão de todos se volta para uma porta de entrada de uma sala de cirurgia. Todos sabem que é lá que se desenrola o verdadeiro drama que se coloca entre dois polos: vida ou morte.
O tempo acabou! Os batimentos cardíacos do pai e mãe daquele rapaz entram no mesmo ritmo: acelerado e sem trégua. A porta se abre e os batimentos intensificam o aperto no peito, quando os olhos, mesmo distantes, conseguem ler a expressão corporal do médico que recebeu o primeiro impacto da tempestade que começaria a partir dali. Ao chegar mais próximo, percebeu que seu lento caminhar, ombros caídos e cabeça levemente pendendo para o lado, já haviam anunciado a notícia de que sua luta teria sido em vão. Para completar aquela amarga notícia, muito mais por respeito aos familiares do que pela obrigação de se fazer compreendido, continuou na opção pelo silêncio e, juntando as mãos na altura do peito, concluiu a mensagem com uma pequena inclinação do tronco. Uma pequena reverência, seu lamento e o desnecessário pedido de desculpas pela conclusão de uma missão fracassada. Não sabia ele que, num contesto como esse, não importa o resultado, para aquelas pessoas, perdendo ou ganhando, o médico sempre será visto como herói!
Nenhuma palavra se fez necessária. O casal retribuiu com a mesma reverência como uma forma de gratidão pelo esforço médico. Enquanto amigos e demais familiares choravam, o casal se abraçou, e na mente de ambos a retrospectiva daquelas horas desesperadoras foi acompanhada pelas seguintes perguntas: como foi possível? Como pôde acontecer? Tudo estava tão bem, então por que que a vida não continuou como estava: cheia de beleza, planos sonhos, risos...?
Faltavam poucos meses para o dia esperado por um jovem bem-educado que dividia rigorosamente, numa disciplina quase militar, seu tempo dedicado ao amor aos pais, aos estudos e aos treinamentos diários. No fim do dia, sua namorada tornava-se dona desse tempo transformado em quietude. Um ciclista notável que aos 16 anos já estava contratado para, no ano seguinte, compor a equipe que defenderia as cores de um clube especializado na preparação de atletas que se destacavam tornando-se promessas de um futuro iluminado. Mas toda promessa repousa no futuro. Constantemente o futuro ri de projetos humanos. Os planos são apenas planos enquanto não se concretizam. E podem virar nuvem em questão de segundos.
Para evidenciar a fragilidade dos sonhos, bastam algumas doses de álcool e um automóvel nas mãos de um irresponsável que não se importa com a vida alheia. Loucos como esse o mundo tem de sobra. Sob o efeito da bebida, consideram-se semideuses e pensam que são capazes de tudo. E foi tudo muito rápido: o carro saiu de sua faixa e atravessou para o lado oposto da pista, atingindo o ciclista com tamanha velocidade que nesses fragmentos de segundos não lhe foi permitido ao menos lamentar por sua vida perdida em consequência de uma estupidez absurda. Para os que ficam com a dor, precisam também conviver com aquela amarga sensação de injustiça. O inocente morre e o culpado sobrevive. Como aceitar isso? Mais revoltante ainda é quando o tribunal humano encerra o caso sob o título de crime culposo.
Envolvido na sensação de impotência, comum às pessoas que passam por experiências semelhantes, a mente daquele pai se divide entre o desejo inútil de ter algum poder pra mudar tudo e a consciência de que nada pode fazer além de lamentar e providenciar os atos da despedida. Mas logo depois que abandona a persistente ilusão de querer fazer voltar o tempo, com o coração tomado pela fúria de não ter pra quem reclamar, invoca a morte exigindo explicações que lhe sirvam de anestesia para tentar acomodar a alma diante do infortúnio. Então toda agressividade se transforma em perguntas desafiadoras:
Pai — Maldita, quem és tu? Por que existes? O que ou quem te deu o direito de arrancar a vida de criaturas tão belas? Qual a necessidade da tua existência neste mundo? De onde vieste? Qual foi teu começo? Quando ou como será teu fim?
Então a morte, presente ali não apenas na imagem fria de um corpo sem vida, mas como a inseparável sombra que acompanha e às vezes atormenta a consciência dos homens e o instinto de outras criaturas vivas; como uma espécie de nuvem quase palpável, começa a responder:
Morte — Quem sou eu? Procure nos livros das religiões, nas sistemáticas teológicas ou nas melhores elaborações filosóficas e verás que as mentes mais brilhantes do planeta tangenciaram as verdades sobre mim. Dizer quem sou é falar da minha natureza. Ela é minha própria força. Somos uma só realidade. Minha força e eu somos a potencialidade de determinar o fim da vida. Na mente daqueles que mantêm a severa postura de viver sem esperar nada depois de mim, sou apenas a abnegada convivência com a ideia de que represento o fim absoluto de toda existência particular. Se existo transcendendo além da possibilidade das definições racionais, então posso ser denominada como um mistério. Não como aqueles que, por serem absurdos e não encontrarem coerência nas explicações existentes, assumem esse rótulo como prova de sua inconsistência no real. Quanto a mim, aceito a denominação de mistério
apenas como prova do reconhecimento da incapacidade de qualquer raciocínio no esforço de definir ou esgotar uma abordagem sobre uma complexa realidade.
M — Por que existo? Para alguns eu sou um flagelo criado por Deus como castigo pela culpa do primeiro homem. Tal explicação só é consistente para aqueles que acreditam e se orientam pela fé. Principalmente a cristã! Mas agora sou eu quem interroga: E para aqueles que, mesmo cristãos, não silenciam o intelecto colocando a fé como escudo para suas dúvidas? E os que simplesmente não acreditam? Que buscam na razão e natureza o caminho para satisfazer suas inquietações? E outras religiões? Aquelas que me colocam como ponte que transita para outra dimensão de vida. E ainda aqueles que me afirmam como garantia da dinâmica de renovação da vida no planeta. Percebes que são muitas as respostas? Desconfio que quanto maior o número de respostas, maior a distância da verdade. Até aceitaria o ecletismo de combinar as inúmeras opiniões. Desde que não haja qualquer sombra de hierarquia entre as mais simples e as mais elaboradas. Vale respeitar o direito de cada pessoa ter sua própria impressão sobre mim. Eis a minha única vaidade: a multifacialidade. Pois quem me vê não me vê por sua própria experiência. A visão que cada um possui é sempre originada na situação dos outros (os que morrem), e isso cria uma particular impressão sobre o que sou, sem ser baseada em sensações próprias de quem observa. Portanto, se não pode ser descrita por quem vivenciou (já está morto), tampouco por quem apenas testemunhou o fenômeno, mas não o experimentou, segue-se então que: além de distante de uma descrição baseada na precisão, cada compreensão será imprecisa, particular (única para cada pessoa) e distante da verdade. Por isso, valeria o aparente sofisma de que sou de todos e de ninguém. Todos que me compreendem na simplicidade das circunstâncias dolorosas que provoco me entendem melhor do que aqueles que já possuem uma opinião elaborada sobre mim. Compreender a morte é compreender o que