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Sete Mulheres - Elenilton Neukamp
Sete mulheres
Elenilton Neukamp
Contos
Esta é uma obra de ficção.
Qualquer semelhança com pessoas, nomes, datas, situações e lugares terá sido mera coincidência.
Índice
1- A mulher que matou o presidente
2- Os três destinos de Ana
3- Sarah e o deus triste
4- Lina e os cães
5- Elvira
6- Ruth
7- Na hora do almoço
A mulher que matou o presidente
Maria Rita acabara de quebrar o ovo ao meio e jogá-lo na frigideira. De novo havia esquentado demais o óleo. Nunca acertava o ponto certo, a temperatura. Ou era o óleo frio demais e aquele ovo balançando como uma gelatina, ou era isso: o chiado e o odor característico subindo e esfumaçando a cozinha.
A televisão da sala estava ligada. O volume muito alto. Aquele cheiro de ovo queimado, a fumaça se espalhando e além do mais o barulho exagerado da TV. Para piorar o quadro, aquela musiquinha assustadora do plantão de notícias. Só colocavam aquele som quando acontecia uma tragédia. Ai meu Deus...além de tudo, isso
, pensou Maria Rita.
Resolveu pedir para a irmã baixar o volume.
- Mana, baixa essa porcaria!
- Não...peraí.
- Baixa isso. Não quero saber de tragédia mais. Já chega o que acon….
- Aaaaah!!!
O grito de susto da garota lhe fez desistir de vez do ovo frito.
- Ai. Não me assusta mana. O que que houve? Tá ficando louca?
- Mataram o presidente!!
- O quê?
- Mataram..tão dizendo aqui na TV. Mataram o Tosco!
Maria Rita correu até a sala, incrédula.
Três tiros a queima roupa, disparados por uma apoiadora, em frente ao Palácio da Aurora.
Como em todas as manhãs, um grupo de apoiadores do presidente se postou no chamado chiqueirinho
em frente ao Palácio, esperando a sua chegada.
Quando ele se aproximou, várias pessoas se aglomeraram e pediram para tirar fotos. A suspeita sorriu para o presidente, e segundo o relato de oficiais da segurança, mostrou que portava uma arma…
As garotas assistiam com atenção a cena. Várias imagens de ângulos diferentes mostravam um grupo de pessoas em torno do presidente. A pequena aglomeração não permitia distinguir detalhes. Logo um som parecido com três estouros sufocados. E depois a correria do que pareciam pessoas comuns, seguranças, militares e tudo mais.
A atiradora foi presa em flagrante e identificada, e se chama…
Quando a fotografia da mulher apareceu, ocupando dois terços da tela de 32 polegadas, as duas garotas entraram em choque. Maria Rita desmaiou logo em seguida. Sua irmã perdeu a voz, e a ação. Não conseguia controlar o choro nem tampouco o corpo. Sentia que a urina escorria pelas pernas, mas não podia fazer nada.
O noticiário urgente se repetia em todas as redes de TV, estações de rádio e portais de Internet pelo mundo.
Em poucos minutos, as duas adolescentes saíram do anonimato para a exposição total, da pior maneira possível. De duas desconhecidas garotas de periferia, se transformaram nas filhas da mulher que matou o presidente.
Estava ali, enorme na TV, a foto de sua mãe.
São enigmáticos os caminhos da vida de um ser. Se nossa pequena sabedoria humana pudesse ao menos esboçar, mesmo que timidamente, um desenho dos passos que são dados até que algo se suceda, será que entenderíamos melhor?
Um esboço da sequência de atos, um a um. Uma linha do tempo, reta e visível, que mostrasse a criança se transformando na jovem e na adulta, e assim por diante. Será que veríamos o momento certo, o lampejo, a faísca que antecede a explosão? O que transforma uma pessoa comum em uma assassina? Uma mulher simples, cumpridora resignada das tarefas impostas pela sociedade, tímida até, em uma espécie de celebridade, transformada em minutos no objeto do amor e do ódio de milhões?
Antes de entrarmos em particularidades da nossa personagem, agora amada e odiada, é preciso sobrevoar um pouco a paisagem, observar do alto o contexto pestilento do momento em que ela se encontrava. Veremos com alguma facilidade que ela foi muito mais um produto de seu tempo, muito embora o que foi noticiado como um ato tresloucado tenha iniciado de certa forma um novo capítulo na história daquele país das Américas. O patinho feio do sul do mundo.
A SITUAÇÃO NO PAÍS DAS BRUZUNDANGAS
São enigmáticos os destinos de uma nação. Nunca se sabe de onde podem surgir seus dramas, e ainda menos a solução para eles. Quando se está no fundo do poço, e se pensa ingenuamente que nada pior pode vir, o pior vem e surpreende. Entretanto, há surpresas. E como há.
Assim foi no país das Bruzundangas. O país mais original das Américas, distante 17.000 km da longínqua Cochinchina. Mas antes de chegarmos ao ponto central da nossa narrativa, quer dizer, ao momento preciso em que esta mulher mudou para sempre a história da grande nação do sul, vamos lembrar como andavam as coisas por lá.
Naqueles tempos as Bruzundangas eram dominadas por um grupo de quadrilhas, onde se misturavam todo tipo de charlatões. Desde profetas bregas de televisão até militares de algumas estrelas e nenhum brilho. Muitos malandros de vida fácil, que ganhavam a vida enganando otários.
O líder intelectual da pantomima era um vigarista, que vivia no país dos Estados Desunidos, bem mais ao norte, de onde escrevia livros de qualidade duvidosa e conteúdo impreciso, e fazia cursos onde o ponto alto
eram os palavrões que proferia. E além de tudo ainda era pago para fazer isto. O tal líder havia abandonado a escola ainda em seus anos iniciais, e se vangloriava por ter empreendido uma fuga espetacular de um hospital psiquiátrico.
O presidente era um sujeito que reunia todos os piores defeitos do país. Era estúpido e se vangloriava disto, defendia a tortura de oponentes, adorava posar para fotos com armas nas mãos, e era defendido por uma legião de milhões de robôs de internet e outra legião de homens adultos imbecilizados. Quanto mais suas vidas pioravam, mais fanáticos se tornavam na defesa de seu líder. Este não conseguia formar uma frase completa com algum sentido. E tudo que dizia era falso. As palavras em sua boca tomavam um sentido inverso. Quando dizia democracia
, queria dizer ditadura. Quando falava em liberdade
, queria dizer tirania. Chamavam-no Tosco, o Mito. Se um demônio existisse e reunisse o que há de pior em um ser, mesmo assim não conseguiria criar um homem tão desprezível.
Seu ministério era um encontro incrível de nulidades, como nunca antes visto em nenhum outro fim de mundo.
Havia o Ministro da Natureza, que odiava a floresta e os animais, e criava leis para aumentar o desmatamento. Passava horas fumando charutos caros enquanto assistia a imagens de árvores queimadas. Havia o Ministro dos Cidadãos, que sonhava em ver os pobres (que eram muitos milhões) todos mortos. Havia a Ministra dos Assuntos da Família, que jurava ter visto Jesus pendurado em uma árvore e que acreditava que as escolas ensinavam as pessoas a ser homossexuais. Havia o Ministro do Patriotismo, que pensava em como entregar poços de petróleo e territórios aos estrangeiros. Havia o Ministro da Segurança, que decretara a circulação livre de armamentos pelo país, o que colocou milhões de armas nas mãos dos bandidos. Havia o Ministro da Educação, que era o mais mal educado de todos, que passava seus dias de ócio bem remunerado publicando comentários ridículos e repletos de erros ortográficos.
Ah...e havia também os filhos do presidente, que eram especialistas em assunto nenhum. Como não conheciam o que o mais comum dos homens chama simplesmente de trabalho, passavam todo o tempo numa luta incessante para impedir que outros o fizessem. Necessitaríamos de um livro inteiro para