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Maldição de Can

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IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTRIA - ANPUH-BA HISTRIA: SUJEITOS, SABERES E PRTICAS. 29 de Julho a 1 de Agosto de 2008. Vitria da Conquista - BA.

MITO DE CAM: DA JUSTIFICAO PARA A ESCRAVIZAO DO NEGRO NO BRASIL MOTIVAO PARA A RESISTNCIA NEGRA 1
Cludio Eduardo Rodrigues Professor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri ( UFVJM) E-mail: rodridu@uber.com.br

Palavras-chave: Mito de Cam. Releitura bblica. E scravido. Resistncia. Negritude

Introduo

Do ponto de vista historiogrfico oficial, o Brasil tem sua identidade marcada pela colaborao de diversos povos, destacando -se o trabalho dos europeus e asiticos . Isso pode ser percebido no destaque que a imprensa tem atribudo para o primeiro centenrio da imigrao japonesa para o Brasil , no perfil das novelas de poca que enfatiza a colonizao italiana, dentre tantos exemplos. Embora a deportao de povos africanos par a as Amricas tenha mais de 400 anos bem mais antiga que a imigrao daqu eles outros povos, em especial d os japoneses
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ao se

seguir a cartilha e a ideologia da excluso scio -poltico-econmica, a historiografia oficial do Brasil mantm a regra de reservar para os afro -descendentes os mesmos lugares semelhantes aos pores dos navios e senzalas das grandes fazenda s, visto que tanto no cenrio concreto da vida pessoal e da sociedade brasileira, como no cenrio da fico das novelas e seriados , destina-se para os afro-descendentes os papis do subemprego, da marginalidade e da criminalidade, do lado diablico da religiosidade e de tantos outros aspectos negativos e pejorativos. Ao observar esses fatos, enquanto pessoas negras, somos levados a os seguintes questionamentos: quais as razes pelas quais a chegada dos povos africanos, ainda que de modo forado, ao Brasil no enfatizada e celebrada da mesma maneira ? Quais os motivos pelas quais se deprecia a cultura, a religiosidade e identidade afro -brasileira, como se ela tivesse apenas aspectos negativos e perniciosos ou no tivesse propiciado nenhuma

Trabalho elaborado a partir pesquisa intitulada Mito e racionalidade mtica nas comunidades indgenas e quilombolas do Vale do Mucuri: um estudo filosfico . A mesma contou com a contribuio da minha orientanda e bolsista no BIC-Jnior da Fundao de Amparo Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), Jssica Rodrigue s Andrade discente do Ensino Mdio da Escola Estadual Tristo da Cunha / Tefilo Otoni Minas Gerais. 2 No queremos com essa crtica dizer que o centenrio da imigrao japonesa para o Brasil no seja celebrada e destacada e sim questionar o carter ra cista e discriminatrio que a imprensa e a histria oficial adota em suas abordagens acerca das contribuies tnico -raciais para a formao do Brasil, sugerindo que portugueses, italianos, alemes e japoneses so as matrizes da nao brasileira.

contribuio relevante para a formao do Brasil ? Quais os fundamentos do racismo e do preconceito para com as pessoas negras e para a sua subordinao ? Dentro do contexto mercantilista do sc. XVI setores fundamentalistas das igrejas usaram a Bblia, em especial o mito de Cam, como instrumento religioso para responder a tais questionamentos, fundamentando nela a segregao racial e a escravizao dos povos africanos, a exemplo de Alonso de Sandoval no Peru e Padre Vieira no Brasil. Mas at que ponto o texto bblico de fato fundamento para a escravi zao e o para o racismo? Nessa perspectiva, o presente trabalho pretende, em termos gerais, contestar tal tipo de leitura, analisando a presena positiva e de destaque de pessoas negras na Bblia.

Especificamente, objetiva -se, reler o mito de Cam, verificando o contexto de sua redao, em vista: a) a refutao da idia de que ele seja fundamento religioso para just ificar a escravizao dos povos africanos e para a sua segregao, b) a compreenso de como tal mito e seu contexto pode, com outro tipo de leitura, colaborar para a constituio de espaos de resistncia e as implicaes disso para a comunidade negra na d ispora brasileira. Para tanto, se faz necessrio, em primeiro lugar, a dotar uma nova postura frente aos textos bblicos, abandonando-se o fundamentalismo religioso e/ou preconceito que algumas correntes historiogrficas mantm em relao a esse tipo de n arrativa.

1 - Os passos metodolgicos para a releitura bblica

O texto bblico em si mesmo, como qu alquer outro, deve em primeiro lugar ser entendido como letra morta e que o entendimento humano o vivifica e atribui significado. Segundo essa via de an lise dos textos bblicos, compreendemos que o problema maior na justificao da escravi zao dos povos negros no tem fundamento pura e simplesmente no texto b blico, mas no uso e na forma que ela foi e interpretada . Conseqentemente, ele pode ser instrumento para se justificar a escravido, como para se promover a emancipao e libertao humana. Em outras palavras, o que determinar o uso da Bblia o ponto de vista de sua abordagem, ou seja, a forma pela qual ela lida e interpretada. Como a Bblia era, enquanto livro sa grado, objeto de leitura, estudo e interpretao restrita a sacerdotes, por muitos sculos fomos levados a aceitar a s explicaes dadas por tais especialistas que a estudavam sob o ponto de v ista eurocntrico, cristo, branco, catlic o ou protestante, na maioria das vezes associados aos interesses mercantilistas do sculo XVI .

Embora fossem exegetas dedicados e conhecedores das escrituras

, ao seguir esse

caminho de leitura , a maioria dos especialistas cristos europeus nunca se interessou em apresentar e enfatizar que negros africanos tiveram uma presena e ao positiva na constituio de Israel . Pelo contrrio, de forma intencional e racista, selecionaram e se valeram de alguns trechos bblicos para a escravizao do povo negro, condenando a cor da sua pele, a sua cultura e religiosidade, associando -as ao mal e ao diablico . Todavia, com o advento da Teologia da Libertao e da leitura popular, comunitria e ecumnica da Bblia, os membros das Comunidades Eclesiais de Base ( CEBs) perceberam que o pobre tem valor e que a histria judaico -crist da salvao no pode ser usada como justificativa para se gerar a opresso, a escravido e morte de nenhuma pessoa ou povo. Com essa nova leitura ou releitura, estabeleceu -se um projeto de educao popular que desvelou a viso e ampliou a idia de q ue o pobre tem valo r e vez. Descobriu-se que essa pessoa pobre tem raa. Ela negra e indgena, amplamente discriminada e oprimida. Tambm se reconheceu que e ssa pessoa tem gnero: ela mulher explorada. E mais ainda, nos demos conta que, no caso especfico da pessoa negra , a situao da mulher negra agravada, tendo em vista que discriminada por ser mulher e por ser negra. Com essa nova forma de interpretar a Bblia redescobriu-se, fez-se renascer e ter voz muitas pessoas negra s, mulheres, crianas, que foram silenciadas, ocultadas pela leitura tradicional da Bblia. Pessoas que, embora muitas sejam annimas naquelas narrativas , desempenharam papis de vanguarda no processo de libertao dos regimes opressores e que contriburam, decisivamente, para a constituio do que as tradies religiosas judaicas e crists chamam de povo de Deus e ou de Israel. Dentre os quais destacamos Zpora cuxita esposa de Moiss e o profeta Sofonias. Nesse modo popular de ler a Bblia, trs passos metodolgicos so necessrios : a) o ponto de vista dos povos e culturas; b) a suspeita ; c) a desconstruo das leituras tradicionais. O primeiro passo diz respeito ao reconhecimento da negritude como um ponto de vis ta necessrio e importante para a leitura dos textos bblicos, tendo em vista que sua interpretao no pode ser desvinculada das condies concretas de vida das pessoas negras ou apenas como projeto de salvao de almas ou promessa de vida diferente e mais feliz numa dimenso espiritual. Se h um mundo diferente de respeito as diferenas e de dignidade humana para todas as pessoas, ele deve ser construdo e experimentado na dimenso mate rial da vida,

Visto que esses estudiosos da Bblia dominavam o latim e do hebraico, no podemos afirmar que eram pr conceituosos e sim que eram racistas de fato, tendo em vista os conhecimentos que detinham das escrituras no poderiam implicar na existncia de conceitos a priori acerca das pessoas negras. O que seria contraditrio.

superando o estado de segregao, escravizao e de mort e que os povos negros vivem atualmente. O segundo passo a atitude de suspeita 4. No contexto de excluso e de reforo preconceituoso e racista das caractersticas negativas do povo negro, preciso supor e desconfiar que, de forma explcita ou implcita , nos textos bblicos podemos encontrar pessoas negras que desempenharam papis de vanguarda e positivos na hist ria, servindo-nos como exemplos e motivao para elevao da auto-estima de nosso povo. Com base nos passos anteriores , o terceiro o questio namento e a desconstruo d as interpretaes tradicionais, na inteno de: a) encontrar personagens bblicos negros; b) verificar o lugar que esses personagens ocupam historicamente no texto bblico; c) ler narrativas que contribuam para a elevao da auto -estima e dignidade da pessoa negra e que possibilite a superao do quadro de excluso estabelecido pela tradio de leitura e interpretao bblica do ponto de vista europeu , branco e fundamentalista . Ao ler a Bblia, a partir da nossa realidade como afro-descendentes, indagamos ento: por que no temos conhecimento de personagens negros e negras da Bblia ? Qual o papel dos povos da frica na formao do povo de Israel, se os ltim os sempre recorriam ao Egito e Etipia nos momentos de dificuldade , mantinham estreitas relaes polticas, comerciais e at religiosas?

2 - A releitura do mito de Cam sob a perspectiva da negritude

Nessa perspectiva, compreendemos que a leitura bblica etnocntrica, fundamentalista, desvinculada e descomprometida com os el ementos histricos, geogrficos , psicolgicos e sociolgicos leva a crer que o africano e afro -descendente no pode ter espao relevante na sociedade tendo em vista que as e scrituras determinam e justificam os lugares que eles devem ocupar. Conseqentement e, ela se serve dos mesmos argumentos para promover a excluso das pessoas negras tanto da histria da salvao como da histria do Brasil . Enquanto reao e contraposio interpretao eurocntrica, a leitura popular da Bblia na tica da negritude propiciou a oportunidade de promover o reencontro africano e afro-descendente com as personagens negras da Bblia . Nela percebemos que a frica desempenha papel de destaque, tanto quanto outros povos, para a formao de Israel e para a

Cabe aqui destacar a relevante contribuio que leitura feminista da Bblia tem oferecido para a hermenutica bblica na tica da negritude.

histria da libertao narrada naqueles textos, bem como nos po ssibilita meios de superar a leitura racista que se fez e se faz do mito de Cam. Nessa perspectiva, passemos ento a releitura do mito de Cam com o intuito de s e desconstruir a idia de que o povo negro amaldioad o por Deus e que, por causa disso, os povos africanos e afro -descendentes devem ser escravos de outros povos. Segundo o livro do Gnesis:

Abenoou Deus a No e a seus filhos e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra [...] Disse tambm a No e a seus filhos: Eis que estabeleo a minha aliana convosco, e com a vossa descendncia , e com todos os seres viventes que esto convosco [...]. Os filhos de No, que saram da arca foram Sem, Cam e J af; Cam o pai de Cana. So eles os trs filhos de No, e deles se povoou toda a terra. Sendo No lavrador, passou a plantar uma vinha. Bebendo do vinho, embriagou -se se se ps nu dentro de sua tenda. Cam, pai de Cana, vendo a nudez do pai, f -lo saber, fora, a seus dois irmos. Ento, Sem e Jaf tom aram uma capa, puseram -na sobre os prprios ombros de ambos e, andando de costas, rostos desviados, cobriram a nudez do pai, sem que a vissem. Despertando No do seu vinho, soube que lhe fizera o filho mais moo e disse: Maldito seja Cana; seja servo dos servos a seus irmos. E ajuntou: Bendito seja o Senhor, Deus de Sem; Cana lhe seja servo. Engrandea Deus a Jaf, e habite ele nas tendas de Sem; e Cana lhe seja servo (BBLIA - Gn 9,1-2; 8-10; 18-27).

O primeiro aspecto a ser desconstrudo na leitura do mito de Cam relativo ao pr prio conceito de mito. Se por um lado para filosofia e para a cincia as explicaes mticas so produtos da imaginao e desconstitudo de valor de verdade e objetividade, visto que elas esto carregadas de contradies internas e por procurar explicar o natural pelo sobrenatural. Por outro lado, para o pensamento religioso o mito tem fundamento de verdade inquestionvel, tendo em vista que revelao divina aos seres humanos acerca das origens das coisas. Contudo, mesmo frente o dilema acima possvel concluir que tanto para a cincia como para a religio, o mito um tipo especfico de narrativa que tem o papel de explicar e entender os fenmenos, demonstrar as origens primitivas e longnquas das coisas e dos fatos, bem como para moldar comportamentos a partir de arqutipos . Assim, ainda que no se constitua num registro histrico objetivo dos fatos ocorridos em tempos distantes, para as comunidades que o vivenciam ele uma verdade, que rememorada e vivenciada nos ritos, permite-lhes meios de entender, enfrentar e dominar a realidade atual. Logo, o mi to no somente uma narrativa ou histria morta e sem sentido . Ele algo vivo que atualizado em cada si tuao experimentada, tendo em vista que meio

mstico e mgico que se vale dos mesmos princpios do passado primordial para resolver os problemas do presente. Se o mito constitui -se numa verdade com vitalidade prpria como expressamos acima, o mito de Cam mantm -se como um problema com conseqncias srias e profunda s para o povo negro, visto que foi inculcado pelos colonizadores em nossas mentes e na maioria das vezes assimilado como a explicao ltima e absoluta p ara as condies de escravizao, segregao e racismo em nos encontramos desde o sc. XVI. Porm, da mesma forma que o mito vivo e verdadeiro, ele tambm atualizvel. Sua vividez e vigor encontra m-se justamente na possibilidade de sua rememorao e atualizao pelos grupos nas mais diversas situaes, ou como dissemos anteriormente, na capacidade de se valer dos mesmos princpios primordiais e longnquos no presente experimentado. Nesse sentido, o mito de Cam pode ser lido de diferentes maneiras e sob vrios olhares. Como o mito de Cam j era conhecido pelas tradies orais de Israel, s e o interpretarmos no contexto do fim do Reino de Jud com a invaso e destruio de Jerusalm por Nabucodonosor em 589 a .C., as concluses podero ser completamente diferentes daquelas postas pela tradio fundamentalista. No contexto do exlio da Babilni a, quando o mito de Cam foi r eunido e escrito n a unidade mtica constante em Gnesis 1 -11, nota-se que a maldio contra Cam diz muito mais respeito ao conflito poltico -econmico internacional que Jud vive com as potncias da poca. Como a elite dominante de Jud preferiu fechar acordos com o Egito e no com a Babilnia, Nabucodonosor destruiu Jerusalm e deportou aquele mesmo grupo para a seu pas, sem que o Egito reagisse e ajudasse Jud contra os babilnios. O templo e a cidade de Jerusalm, smbolos da identidad e nacional estavam destrudos, j no havia um rei que orientasse o que fazer, de modo que Jud estava nua perante o mundo, sem que seus aliados do Egito viessem a seu socorro, apenas visualizando a nudez judaica. A reao no poderia ser outra seno a ma ldio contra o descendente mtico de Cam Egito de que se tornasse escrava dos outros povos. Nesse sentido, o grupo de deportados para Babilnia se vale de seus arqutipos e narrativas mais antigas da origem dos povos para justificar o rompimento dos l aos de irmandade que os unia aos egpcios. Hoje, assim como os exilados na Babilnia, tambm podemos estabelecer nossas interpretaes do mito de Cam sob o olhar da negritude, bem como levantarmos

questionamentos sobre a lgica do mesm o, com o intuito de construirmos outras leituras que sejam libertadoras e geradoras de dignidade humana. Nesse sentido, podemos perceber nele a explicao para a existncia de povos distintos. A origem de todos os povos advm de No, tendo em vista que ele pai de Cam 5, Sem e Jaf que representam, respectivamente, trs grandes grupos humanos que habitavam a terra na poca da redao do mesmo : africanos, semitas e rabes. Em segundo lugar, reconhece -se que eles so irmos, ou seja, possuem laos de consanginidade e de cultura. Assim podemos questionar c omo um texto considerado sagrado pode fazer apologia da segregao e subordinao de certo grupo humano se o mesmo afirma que so irmos? A maldio no seria desejo de um grupo especfico de semitas ou de Jaf contra outro grupo de descendentes camitas da poca? O mito de Cam no quer no fundo afirmar que para alguns o lao de irmandade est rompido e que assim deve ser o comportamento das geraes futuras? Ou pelo menos explicar como se rompeu os laos de consanginidade e fraternidade entre os povos e por que alguns so escravos de outros ? Ainda que no se faa uma leitura racional e lgica do mito de Cam e sim religiosa , no possvel justificar a escravido de povos negros por ele, tendo em vista que por um lado, Deus abenoa os trs filhos de No e lhes faz a mesma promessa de fecundidade e multiplicao. Nesse sentido, a justificao da escravido dos povos negros pelo mito de Cam demonstra uma leitura eurocntrica do mesmo, tendo em vista que privilegiou no a beno divina e sim a maldio proferida por No num momento de ressaca aps todo vexame de uma embriaguez que o fez ficar nu na frente de Cam . Do ponto de vista racional, podemos questionar a lgica do mito de Cam nesse sentido, pois como pode algum amaldioar e condenar algum que Deus abenoou? Se na vertente religiosa o mandado divino inquestionvel, como se pde desrespeitar a beno divina proferida, trocando -a pela maldio humana? Dessa primeira reflexo podemos deduzir que a expresso humana de maldi o contra outrem superior ou igual a determinao divina, co ntrariando os preceitos religiosos de que Palavra Divina suprema. Podemos ainda compreender que a leitura bblica fundamentalista prefere, conforme seu olhar e seus interesses, ignorar as cont radies das narrativas , reafirmando aqueles que lhes mais conveniente. Outra desconstruo da leitura fundamentalista do mito de Cam possvel a partir da anlise do significado do nome Cam.

Cam deu origem a Cuxe que por sua vez deu origem aos assrios, babilnios, egpcios, etopes e lbios.

No mundo atual, no nos preocupamos com o significado dos n omes que atribumos para nossos filhos e isso se torna um impedimento para uma boa compreenso dos relatos bblicos e de outras narrativas antigas. Por isso, a anlise dos nomes dos personagens envolvidos no mito de Cam tambm um aspecto importante e con sidervel para a refutao da tese segundo a qual o mito de Cam o fundamento bblico que justificaria , religiosamente, a escravizao e maldio dos povos de pele negra . Na tradio judaica, assim como de outros povos, o nome de uma pessoa est associado a sua conduta, smbolo de um gesto ou de uma prtica. Exemplo disso Abro que passou a se chamar Abrao a partir da promessa divina de que seria pai de um povo numeroso. O acrscimo da vogal em seu nome indicativo dessa beno da procriao e multiplicao. A interpretao tradicional tendeu-se a considerar que Cam teria nascido branco e teria se tornado negro por causa da maldio proferida por No . A pele negra e a condio de escravido seriam, ento, sinais da maldio expressa por aquele patriarca a que toda pessoa negra deve carregar por toda vida , como resultado do pecado de seu ancestral mais distante. Contudo, a interpretao libertadora e popular da Bblia redescobriu o significado do nome Cam como aquele que se levanta . O que precisa s er interpretado de acordo com o contexto de cada narrativa , podendo ento significar erguer o corpo, como levante ou insurreio. Tal dimenso do significado do nome de Cam torna -se para os povos negros um sinal de libertao e de resistncia, na medida e m que, enquanto rebelde, agente de insurreio, Cam deixa de ser para ns negros modelo de maldio, condenao a servid o e de acomodao. Ao olhar estritamente para o mito em questo, percebemos que Cam se levanta contra o pai que se embriaga e em segun do lugar contra tudo aquilo que ele deixa transparecer em sua nudez. O texto bblico no deixa claro o que Cam viu na nudez de seu pai No e esta deve ser analisada em diversos aspectos e no apenas no sentido fsico, corpreo. Certamente Cam viu muito mais que podia ter visto e por isso foi amaldioado, demonstrando mais uma vez as contradies subjacentes ao pensamento mtico e a impossibilidade de se usa -lo de forma fundamentalista.

Concluso

Enfim, como os mitos podem ser rememorados, vivenciados e interpretados de diferentes maneiras, sem que qualquer uma delas seja absolutamente verdade, podemos apontar que o mito de Cam pode nos favorecer na resistncia opresso e ao racismo uma vez que: 1) cabe pensar se de fato a maldio proferida contra todos os descendentes de Cam e dentre eles esto os babilnios e outros povos, por que foram escraviz ados apenas os povos africanos? 2) a maldio pode ser direcionada aos grupos especficos que viviam a disputa pelo domnio na Palestina antiga, em especia l para o Egito descendente de Cam e no de forma genrica para todo o povo negro; 3) ainda que se faa a generalizao da maldio de Cam contra todo o pov o negro, justificando a escraviza o, a mesma tem a funo de se estabelecer um bode expiatrio p ara o erro de Ne que se embriaga com o produto da sua prpria vinha e no p orque somos condenados por Deus; 4) se ns negros fomos escravizados, isto se deve ao fato de que Cam viu muito mais que a mera nudez fsica de seu pai No e a exps a seus irmos . O que demonstra a astcia e ateno do negro Cam em analisar os fatos; 5) Se, de acordo com a ao do personagem do mito , Cam significa le vantar ou rebelar contra , que o mesmo se torne para ns, povo negro e outros povos, modelo de rebeldia frente as coisas e situaes que se colocam nuas frente nosso olhar e no sejamos indiferentes elas.

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