Escola de Educao Bsica Seara E.E.B.

. Seara Curso: Ensino Mdio Disciplina: Filosofia Professora: Marisa Garghetti Buss Aluna: Mariana Garghetti Buss Srie: 3 01

Data: 21/10/2011

RESENHA O PRNCIPE

MAQUIAVEL, Nicolau. O Prncipe (in. col. Os Pensadores). So Paulo: Nova Cultural, 1999. Quando tratamos de cincia poltica ou de filosofia poltica, nos deparamos invariavelmente com o nome do terico Nicolau Maquiavel (1469-1517). Sua produo teve uma importncia to grande que foi considerada um marco divisor na histria dessa rea de conhecimento, inaugurando a chamada modernidade poltica. Nascido em Florena, viveu em um perodo conturbado da histria da Itlia, marcado pela multipolarizao do governo, que se constitua em pequenos principados, muitas vezes ilegtimos, e na ausncia de um Estado central. A situao instvel da Itlia a tornou incapaz de fazer frente aos gigantescos aparelhos de Estado que surgiam no continente europeu. A fraqueza militar e poltica, somada a poltica temporal do papado, marcaram a decadncia italiana. A figura de Maquiavel e os registros de sua vida confundem-se com a histria de Florena e da Itlia, tendo este sempre se dedicado a questes referentes sua amada cidade por meio da atuao na vida pblica florentina. Sua carreira, porm, sofre um abalo com o retorno dos Medici ao poder. Aps ser preso, torturado e acusado de sedio, enviado ao exlio em sua propriedade particular em San Casciano. Atravs da experincia proveniente das funes que executou, especialmente das misses junto a governantes ou poderosos, e de um profundo conhecimento da histria, Maquiavel trouxe luz o livro O Prncipe, no ano de 1513. Em virtude da organizao poltica do reino italiano, esse livro escrito como um manual de como deve agir um prncipe para conquistar e manter um principado, e o modelo ideal de governante montado ao longo da

obra o governante que o pensador julga ser capaz de unificar e fortificar a Itlia. Sendo assim, O Prncipe, alm de um manual de como governar, aparece especificamente como guia para aes polticas que possam acabar com a crise italiana. Outro objetivo dessa obra se evidencia em sua dedicatria. Tendo Maquiavel o escrito como presente para Loureno de Medici, procura reconquistar os favores da famlia que reassumira o poder. Seu objetivo foi parcialmente alcanado, pois pde retornar Florena, porm no lhe possvel retomar a carreira pblica. Apesar de ter presenteado Loureno II com sua obra, o governante no lhe dedicou importncia. na ao de outros poderosos atravs dos sculos, porm, em que se veem refletidas as ideias apresentadas por Maquiavel em seu pequeno volume. Ao longo de seus vinte e seis captulos, embasado em exemplos histricos, o pensador descreve os tipos de governo, os tipos de governante, e as possibilidades e qualidades que podem levar ao sucesso ou ao fracasso daquele que tenta conquistar um principado, ou daquele que o conquista e precisa mant-lo sob seu poder. Inicialmente a proposta do livro parece impossvel de ser atingida por sua amplitude e pela aparente falta de elementos concretos em que se possa basear uma teoria. No entanto, as ideias so apresentadas de maneira surpreendentemente cientfica e slida, baseadas em conhecimentos polticos e situaes passadas, sem nenhum apelo ao uso do imaginrio e sem nenhuma restrio de ordem tica ou moral. Esse ltimo fator o que gera as maiores controvrsias quanto obra, mas tambm o que a torna uma exposio visceral de uma realidade que muitas vezes camuflada para que um texto se torne mais agradvel leitura. Dessa espcie de maquiagem o autor se distancia mesmo na maneira que escreve. Em suas prprias palavras: No enfeitei esta obra nem busquei reche-la com frases sonoras, termos pomposos, adornos, lisonjas ou floreios de estilo, recursos a que recorrem comumente os que desejam descrever ou embelezar as prprias obras.. Como possvel perceber pelo trecho citado, o texto claro e simples, porm sem que tais caractersticas o faam perder a qualidade. Pelo contrrio, ressaltam a grande capacidade do autor em sustentar uma obra completa apenas com suas ideias e argumentos. A complexidade de entendimento da obra provm exclusivamente da complexidade da prpria teoria formulada, sem o auxilio de linguagem rebuscada.

Essa abordagem direta tambm garante ao livro um carter imparcial, pois Maquiavel no se posiciona diante das informaes. Em nenhum momento da produo ele julga as figuras e situaes criadas, apenas as expe como necessrias para que os objetivos do prncipe sejam alcanados. Considerando a crueldade inegavelmente existente na obra, tal imparcialidade transfere a mesma caracterstica ao prprio autor, motivo pelo qual uma pessoa cruel e sem escrpulos chamada de maquiavlica. No entanto, existem diferentes pontos de vista relativos inteno por trs da criao de O Prncipe. A viso pessimista que o autor possui dos seres humanos, demonstrada em passagens como Os homens costumam ser ingratos, volveis, dissimulados, covardes e ambiciosos por dinheiro [...], e tratando a obra de governantes e aes reais e humanas, presumvel que esta possua as mesmas caractersticas por eles apresentada. Seguindo em sentido contrrio a maioria das teorias idealizadoras, onde os poderosos aparecem despojados dos defeitos associados s pessoas comuns, a descrio de Maquiavel mostra em que medida tais defeitos so favorveis ou desfavorveis s aspiraes de conquista e manuteno que os poderosos possuem. A questo da crueldade, uma das maiores caractersticas atribudas ao governante maquiavlico, to presente na obra que existe um captulo inteiro dedicado a ela. Ao captulo XVII (Da Crueldade e da Piedade Se Melhor Ser Amado ou Temido) costuma-se atribuir a mxima melhor ser amado que ser temido, que no expressa com preciso a ideia do autor sobre o tema. Tal frase desconsidera a nica informao pontual fornecida por Maquiavel, a de que se deve evitar o dio a todo o custo. O sentido atribudo vulgarmente mxima citada acima ignora a relao de ambos os sentimentos com este terceiro, quando apenas atravs dessa relao que ela pode ser entendida em seu sentido verdadeiro o amor leva mais facilmente ao dio que o temor. deste mesmo captulo que se extrai outa mxima que sequer aparece no texto do modo como difundida. A mais famosa frase atribuda a Maquiavel, Os fins justificam os meios, na verdade, nunca foi por ele escrita. Nas palavras literais do autor:

Nos atos de todos os homens, em especial dos prncipes, em que no h tribunal a que recorrer, somente importa o xito, bom ou mal. Procure, pois, um prncipe, vencer e preservar o Estado. Os meios empregados sero sempre honrosos e louvados por todos, porque o vulgo se deixa conduzir por aparncias e por aquilo

que resulta dos fatos consumados, e o mundo composto pelo vulgo [...]. (MAQUIAVEL, 1999, p. 111)

Atravs da anlise das duas citaes feitas, possvel perceber que existe uma distoro entre as palavras reais do autor e as interpretaes que delas se fazem. A interpretao errnea se deve ao desligamento do entendimento das ideais apresentadas na obra de seu contexto e objetivo, pois verdade que o texto molda um governante cruel e praticamente desprovido de tica e moral. Os argumentos do autor do amparo a esse governante de modo fatual, sem por isso apoiarem a conduta explicitada. A falta de posicionamento diante as atitudes descritas por ele mesmo a origem de uma das maiores divergncias existentes entre os leitores do livro, que seu real objetivo. Grandes nomes, como Rousseau e Diderot, acreditavam que O Prncipe teria sido uma espcie de stira voltada a ensinar ao povo sobre os procedimentos dos governantes ao invs de um guia para os prprios governantes. Essa hiptese encontra eco em outras produes do autor, que tratam das repblicas e se distanciam do amoralismo de O Prncipe, mas no existe certeza quanto a ela. O modo como a obra foi escrita, especialmente seu rigor cientfico e sua coerncia interna, no aparenta incertezas quanto s ideias descritas. Maquiavel parecia acreditar na veracidade dos fatos e argumentos usados, mesmo que no seja possvel afirmar se eles contrariavam ou no seus princpios ideolgicos. O sonho de uma Itlia unificada, sempre presente na vida do pensador, pode ter contribudo para a produo desta obra em especfico. No captulo XXVI (Exortao ao Prncipe Para Livrar a Itlia das Mos dos Brbaros), ltimo do volume, com o apelo feito pelo autor Loureno para que este use a obra para como guia, Maquiavel parece demonstrar uma espcie de desespero quanto situao do reino italiano. A ideia de que o governante descrito aquele capaz de tornar o sonho antes mencionado real confere ao seu apelo final uma sinceridade que distancia a obra da stira sugerida por Diderot. Se os motivos que levaram O Prncipe a ser escrito continuaro incertos, sua contribuio terica e prtica inquestionvel. Seus ensinamentos foram fundamentais em momentos histricos do passado e, mesmo no contexto atual, suas ideias podem constituir valiosas fontes de conhecimento desde que entendidas sob uma perspectiva condizente com

uma realidade diferente daquela em que foram concebidas. Como vivemos em uma sociedade em que ainda existe uma hierarquia de poder, mesmo que esta no se baseie na tomada deste pela violncia, as ideias maquiavlicas podem ser aplicadas em situaes cotidianas, contando que antes passem por um criterioso crivo racional. Apesar da importncia das ideias expostas, o risco gerado por uma m interpretao d obra impede que a leitura seja feita pelo pblico em geral. A necessidade de compreenso de sua profundidade e alcance exige do leitor grande capacidade de discernimento, sendo assim recomendvel queles que possuem ao menos um nvel acadmico, em especial quando ligados a reas como filosofia, poltica e direito. Porm, qualquer pessoa que possua tal capacidade pode fazer uma leitura positivamente produtiva da obra. A coleo Os Pensadores traz uma proposta diferenciada de leitura dos grandes clssicos da filosofia. A apresentao de informaes sobre a vida, contexto histrico e corrente de pensamento dos autores que antecede as obras prepara e auxilia o leitor leigo na compreenso das ideias nelas expostas. Essa metodologia pode tornar a obra mais abrangente, facilitando sua leitura e tornando seu pblico menos restrito. Uma apresentao grfica agradvel, que torna a leitura menos cansativa, tambm um atrativo para aqueles menos acostumados a leitura de clssicos. Uma informao contida no volume reservado a Maquiavel e que chama a ateno pela originalidade o hbito que este possua de vestir-se de gala para ler as obras de grandes pensadores do passado. Este ato demonstra grande respeito pelos escritos e por seus autores. Hoje, se conservssemos tal hbito, entre os livros pelos quais nos vestiramos de gala para fazer a leitura, sem dvida figuraria O Prncipe, do prprio Maquiavel.