Argument A Cao
Argument A Cao
Argument A Cao
A ARGUMENTAO
Histria, teorias, perspectivas
TRADUO
Marcos Marcionilo
Ttulo original: LArgumentation Presses Universitaires de France, Paris, agosto de 2005 ISBN: 2-13-053421-X
Ana Stahl Zilles [Unisinos] Carlos Alberto Faraco [UFPR] Egon de Oliveira Rangel [PUCSP] Gilvan Mller de Oliveira [UFSC, Ipol] Henrique Monteagudo [Univ. de Santiago de Compostela] Kanavillil Rajagopalan [Unicamp] Marcos Bagno [UnB] Maria Marta Pereira Scherre [UFRJ, UnB] Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SP] Salma Tannus Muchail [PUC-SP] Stella Maris Bortoni-Ricardo [UnB]
CIP-BRASIL. CATALOGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P774a Plantin, Christian A argumentao / Christian Plantin ; traduo Marcos Marcionilo. - So Paulo : Parbola Editorial, 2008. (Na ponta da lngua ; 21) Inclui bibliograa ISBN 978-85-88456-90-7 1. Lingstica. 2. Anlise do discurso. 3. Lgica. 4. Retrica. I. Ttulo. II. Srie. 08-4074 CDD : 401.41 CDU 8142 Direitos reservados PARBOLA EDITORIAL Rua Sussuarana, 216 - Ipiranga 04281-070 So Paulo, SP PABX: [11] 5061-9262 | 5061-1522 home page: www.parabolaeditorial.com.br e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br
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SUMRIO
CAPTULO I:
OS ESTUDoS DE ARGUMENTAo: DA DESLEGITIMAo S REINVENES............. 7 I. O paradigma clssico........................................... 8 II. A virada do nal do sculo XIX......................... 12 III. O ps-1945: uma reconstruo por etapas....... 20 FATOS E LNGUA...................................... I. O modelo de Toulmin.......................................... II. A argumentao na lngua.............................. III. Lgica natural.................................................... IV. Concluso........................................................... ENTIMEMAS, TOPOI E TIPOLOGIAS. ... I. O Tratado da argumentao................................ II. Entimema. ........................................................... III. Topos.................................................................. IV. Tipologias dos argumentos. ............................... V. Concluso............................................................ 25 25 31 38 42 45 45 50 53 57 61 63 63 67 69 75 76
CAPTULO II:
CAPTULO III:
CAPTULO IV:
UM MODELO DIALOGAL....................... I. A argumentao dialogada............................... II. Do desacordo conversacional ao desacordo argumentativo................................................... III. A noo de pergunta argumentativa................ IV. Graus e formas de argumentatividade............. V. Os papis argumentativos: Proponente, Oponente, Terceiro......................
VI. O nus da prova................................................ VII. Lugares............................................................. VIII. Roteiros........................................................... IX. Contradizer e refutar. ........................................ X. Concluso............................................................
CAPTULO V:
80 81 82 83 87
AS ARTES DA PROVA............................... 89 I. A grande diviso.................................................. 90 II. Os predicados: provar, argumentar, demonstrar 96 III. Prova.................................................................. 99 IV. Demonstrao.................................................... 102 V. Unidade e especicidades das artes da prova.... 105 AS PESSOAS E SEUS AFETOS................ 111 I. O ethos e a autoridade.......................................... 112 II. Os afetos. ............................................................. 118 III. As paixes falaciosas..................................... 120 IV. Os afetos nas modernas teorias da argumentao 121 V. Concluso............................................................ 125
CAPTULO VI:
CAPTULO VII:
ENSAIO DE ARGUMENTAO COMPARADA: A ARGUMENTAO TEOLGICO-JURDICA NO ISL............................... 127 I. Por uma perspectiva comparada em argumentao 128 II. Os fundamentos da argumentao muulmana 130 III. Os dados: os enunciados normativos do Alcoro 136 IV. Projetar os dados: o qiys.............................. 137 V. Contrrios e contraditrios................................ 141 VI. Concluso.......................................................... 143 BIBLIOGRAFIA.............................................................. 145
CAPTULO I
Os EsTUDOs DE ARGUMENTAO:
DA DEsLEGITIMAO s REINVENEs
Em 1958, foi publicado o Tratado da argumentao, de Perelman e Olbrechts-Tyteca*. A obra tem como subttulo, em sua primeira edio, A nova retrica, que ser o ttulo da traduo inglesa, mas que voltar a aparecer justamente como o subttulo da segunda edio. A insistncia recai sobre o termo argumentao, o que constitui uma real inovao e manifesta claramente o movimento de revival, de renascimento, emancipao e refundao dos estudos de argumentao depois da Segunda Guerra Mundial. Podemos ver, a contrario: em francs, outras obras trazem argumentao no ttulo antes de 1958, mas a funo do termo completamente diferente. Por exemplo, na obra de Ambroisine Dayt, Argumentation ayant en vue dclairer tout tre sur des besoins indniables dnis la femme depuis lapparition de lhomme sur la terre (1903; Argumentao com o propsito de esclarecer todo ser sobre as necessidades
* Chaim Perelman, Lucie Olbrechts-Tyteca, Tratado da argumentao A nova retrica. So Paulo: Martins Fontes, 2005.
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inegveis negadas mulher desde o surgimento do homem na terra), a palavra argumentao o termo de apoio do ttulo substancial, que poderia ser substitudo por observaes, tratado ou dissertao (no propsito de esclarecer). Trata-se de uma interveno em um debate, realizada de acordo com as modalidades de um gnero, de uma argumentao sobre e no um empreendimento terico sobre a argumentao: anteriormente ao Tratado da argumentao, nenhuma obra enfrenta um programa assim. Em ingls, a situao no muito diferente; Toulmin, que tambm vai publicar em 1958, Os usos do argumento*, no tivera muitos autnticos predecessores. Com efeito, a argumentao foi inicialmente pensada como componente dos sistemas lgico, retrico e dialtico, conjunto disciplinar cuja desconstruo foi completada no m do sculo XIX. A construo de um pensamento autnomo da argumentao nos anos 1950 foi, sem sombra de dvida, profundamente estimulada pela vontade de encontrar uma noo de discurso sensato, por oposio aos discursos fanticos dos totalitarismos. As vises generalizadas da argumentao que emergiro nos anos 1970 tomaro perspectivas bem diferentes.
I. O paradigma clssico
Do ponto de vista da organizao clssica das disciplinas, a argumentao est vinculada lgica, a
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arte de pensar corretamente, retrica, a arte de bem falar, e dialtica, a arte de bem dialogar. Esse conjunto forma a base do sistema no qual a argumentao foi pensada, de Aristteles ao m do sculo XIX.
1. Argumentao retrica
Toda utilizao estratgica de um sistema signicante pode ser legitimamente considerada como uma retrica. Desse modo, existe uma retrica do verbal e do no-verbal, do consciente e do inconsciente. A retrica literria avana paralelamente com uma teoria da emoo esttica e uma cincia da literatura. A anlise estrutural das guras uma retrica geral, na medida em que, buscando repensar as guras de estilo no quadro de uma metodologia lingustica, ela inscreve a retrica na lngua. Podemos igualmente consider-la como uma retrica restrita, na medida em que ela separada da argumentao. Nos passos de Nietzsche, a retrica tambm foi denida como a essncia persuasiva da linguagem, denio particularmente ativa no campo da histria nos anos 1970 (Ginzburg, 1999). A argumentao retrica denida de maneira bem especca pelas seguintes caractersticas: trata-se de uma retrica referencial, isto , ela inclui uma teoria dos signos, formula o problema dos objetos, dos fatos, da evidncia, mesmo que sua representao lingustica adequada s possa ser apreendida no conito e na negociao das representaes. Ela probatria, isto , visa trazer, se no a prova, pelo menos a melhor prova; ela
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polifnica; seu objeto privilegiado a interveno institucional planejada; seu carter eloquente acessrio. No conjunto tcnico que a retrica constitui, a teoria da argumentao corresponde inveno, seus conceitos essenciais so os topoi, que se materializam nos argumentos concretos ou entimemas, fatos discursivos complexos de lgica, de estilo e de afetos (captulo iii). a essa retrica que visaremos quando utilizarmos esse termo em nosso texto.
2. Argumentao dialtica
Em losoa, a dialtica denida como um tipo de dilogo, que obedece a regras e ope dois parceiros, o Respondente, que deve defender uma armao dada, e o Questionador, que deve atac-la (Brunschwig, 1967, XXiX). Trata-se de uma interao limitada, com um vencedor e um perdedor. Ela utiliza como instrumento o silogismo dialtico, que tem como caracterstica fundarse em premissas que no so absolutamente verdadeiras (como no caso do silogismo lgico), mas simples ideias admitidas (endoxa). O mtodo dialtico especialmente adotado na pesquisa a priori da denio de conceitos. Diferentemente da dialtica hegeliana, ela no procede por sntese, mas por eliminao do falso. Segundo sua antiga denio, dialtica e retrica so as duas artes do discurso. A retrica anloga ou a contraparte da dialtica (Aristteles, Retrica, i, 71); a retrica para a fala pblica aquilo que a dialtica para a fala privada de caracterstica mais conversacio-
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nal. A dialtica incide sobre teses de ordem losca; a retrica se interessa por questes particulares, de ordem social ou poltica. Por m, enquanto a dialtica uma tcnica da discusso entre dois parceiros, procedendo por (breves) perguntas e respostas, a retrica tem por objeto o discurso longo e contnuo. O essencial permanece sendo o fato de que as duas artes do discurso utilizam os mesmos fundamentos de inferncia, os tpoi, aplicados a enunciados plausveis, as endoxa. No prolongamento de uma denio geral da dialtica como a prtica do dilogo racional, [a arte] de argumentar por meio de perguntas e respostas (Brunschwig, 1967, X), podemos considerar que o processo conversacional torna-se dialtico-argumentativo na medida em que incide sobre um problema determinado, denido em comum acordo, e ocorre entre parceiros iguais, movidos pela busca do verdadeiro, do justo ou do bem comum, entre os quais a fala circula livremente, segundo regras explicitamente estabelecidas.
3. Argumentao lgica
Como discurso lgico, a argumentao denida no quadro de uma teoria das trs operaes do esprito: a apreenso, o juzo e o raciocnio: pela apreenso, o esprito apreende um conceito, depois o delimita (homem, alguns homens); pelo juzo, ele arma ou nega algo desse conceito, para chegar a uma proposio (o homem mortal);
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pelo raciocnio, ele encadeia essas proposies, de modo a avanar do conhecido para o desconhecido. No plano da linguagem, essas operaes cognitivas correspondem respectivamente: xao lingustica do conceito por meio de um termo e questo da referncia; construo do enunciado por imposio de um predicado a esse termo e questo do verdadeiro e do falso; ao encadeamento das proposies ou argumentaes, pelas quais produzimos proposies novas a partir de proposies j conhecidas e questo da transmisso da verdade. A argumentao corresponde, no plano discursivo, ao raciocnio no plano cognitivo. As regras da argumentao correta so dadas pela teoria do silogismo vlido (Alguns a so B, todos os B so c, logo, alguns a so c). A teoria dos discursos falaciosos (raciocnios viciosos, paralogismos, sosmas) constitui sua contraparte (Alguns a so B, alguns B so c, logo alguns a so c).