Livro EPSJV
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da vigilncia sanitria:
reflexes e prticas
Edio de texto
Lisa Stuart
Capa
Maycon Gomes
Projeto grfico e diagramao
Marcelo Paixo
Catalogao na fonte
Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio
Biblioteca Emlia Bustamante
339s
Sumrio
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Prefcio
Das reflexes
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Das prticas
125 Hbitos alimentares e sua relao com as
doenas crnicas no transmissveis
Marcia Barreto Feij
Maria Leonor Fernandes
Patrcia dos Santos Souza
283 Autores
Prefcio
indiscutvel o papel que os alimentos tiveram e tm no processo de desenvolvimento da espcie humana e na organizao das
sociedades. As facilidades ou as dificuldades no acesso aos alimentos
ao longo do processo evolutivo da nossa espcie foram essenciais
para o surgimento e o desaparecimento de diversas formas de vida
e para as mudanas nas organizaes polticas, antigas e atuais.
H mesmo correntes de pesquisadores que defendem que a evoluo
da espcie humana ante outros primatas decorre da capacidade de
influir e dominar a cadeia alimentar.
A partir do sculo passado, embora o acesso a alimentos ainda
no esteja garantido a todos, o desenvolvimento cientfico, associado
ao processo de formao dos grandes aglomerados capitalistas, e,
mais recentemente, o forte processo de globalizao dos mercados
consumidores trouxeram mudanas significativas na relao produoconsumo, inclusive para os alimentos. H uma forte acelerao
na mudana de paradigma, e o alimento como forma de subsistncia
passa a ser alimento como um produto de natureza capitalista,
ampliando o exerccio de poder e manipulao de grupos e massas.
Nesse contexto, considerando a dinmica que os veculos de
comunicao e os fenmenos de marketing assumem na modernidade
e associando ainda os aspectos socioculturais, os especialistas da
cincia dos alimentos em seus mltiplos aspectos so obrigados
Prefcio
Prefcio
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Das reflexes
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nantes. A higiene da alimentao preceito normativo que fundamenta o cancelamento, temporrio ou definitivo, do registro de um
dado alimento e a interdio ou apreenso de alimentos e bebidas,
de acordo com Costa (2000). A higiene ou as condies higinicas
fundamentam tambm a permisso de funcionamento dos locais de
preparo, consumo ou comrcio dos alimentos, uma vez que a no
obedincia a esse preceito, quando citada nos autos de infrao,
pode acarretar legalmente a interdio parcial ou total, em carter
temporrio, at que sejam cumpridas as exigncias sanitrias de
forma definitiva (Tancredi, 2004).
A higiene e a fiscalizao dos alimentos constituem um setor
fundamental da sade pblica, complementar da nutrio, que
estuda os processos de conservao dos produtos alimentcios e as
alteraes, adulteraes e falsificaes que eles podem sofrer, tanto
in natura quanto depois de preparados, e estabelece normas prticas
de apreciao e vigilncia. Assim, a higiene alimentar corresponde
ao conjunto de medidas adequadas para assegurar as caractersticas
dos alimentos, desde a sua segurana no aspecto do acesso e da
inocuidade, salubridade e conservao, no plantio, produo ou
fabrico, at o consumo (Ferreira, 1982). De acordo com a Comisso
do Cdigo Sanitrio da Junta da Organizao das Naes Unidas para Alimentao e Agricultura (FAO, do ingls Food and
Agriculture Organization of the United Nations) e da Organizao
Mundial da Sade (OMS), a higiene dos alimentos compreende
as medidas preventivas necessrias na preparao, manipulao,
armazenamento, transporte e venda de alimentos, para garantir produtos incuos, saudveis e adequados ao consumo humano
(Organizacin Mundial de la Salud, 1968). A ideia de higiene est
pautada na necessidade de garantir a inocuidade sanitria por meio
da diminuio ou excluso das influncias que possam prejudicar a
qualidade dos alimentos (Sinell, 1981).
Segundo Castro (2008), o conceito de higiene, embora tenha
tido a sua origem na Grcia antiga, adquiriu maior importncia
nos finais do sculo XIX, aps o reconhecimento de que os microrganismos poderiam ser a causa de inmeras doenas. De acordo
com o Codex Alimentarius (2006), para que sejam atingidos critrios hgidos relativos aos gneros alimentcios, necessria a
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nos parece novo: a inocuidade dos alimentos, que inclui aspectos que vo
desde os locais onde so produzidos animais e vegetais para consumo,
e seus subprodutos at chegar mesa do consumidor. Nessa cadeia,
vrios atores desempenham um papel fundamental: autoridades
governamentais, produtores agropecurios, transportadores de
matria-prima e produtos industrializados, indstrias processadoras,
atacadistas, varejistas, universidades, empresas de comunicao
social entre outros e o consumidor final somos todos responsveis
pela manuteno da inocuidade dos alimentos, evitando que estes se
transformem em fonte de doenas. E com a globalizao e os riscos
aumentados, outro termo foi introduzido nesse mesmo perodo: o
princpio da precauo, igualmente indispensvel na atualizao do
direito dos consumidores, por envolver importante rea do direito
que diz respeito responsabilidade dos produtores de alimentos.
Por fim, entender a segurana alimentar conforme preconizada pela Organizao Mundial da Sade condio para garantir
que uma populao, de forma contnua, tenha acesso fsico e
econmico a um alimento incuo, em quantidade e valor nutritivo
adequados para satisfazer as suas exigncias alimentares e garantir
uma condio de vida saudvel e segura. Dessa forma, os conceitos
e entendimentos atuais sobre higiene, sade pblica, qualidade,
inocuidade e segurana alimentar foram consideravelmente ampliados, com o intuito de estabelecer uma relao harmnica entre
a integridade, a capacidade de desenvolvimento e a higidez necessrias manuteno da vida, dependendo ainda da ingesto
diria de alimentos quantitativa e qualitativamente adequados, de
modo a no oferecer risco sade do consumidor.
O processo evolutivo busca o bem-estar da humanidade.
No campo da higiene e dos alimentos, no poderia ser diferente,
uma vez que se trata de uma necessidade diria e contnua para a
manuteno da espcie.
Referncias bibliogrficas
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de consumo no Brasil. In: MADALENA, Fernando Enrique; MATOS,
Leovegildo Lopes de; HOLANDA JNIOR, Evandro Vasconcelos (org.).
Produo de leite e sociedade: uma anlise crtica da cadeia do leite no
Brasil. Belo Horizonte: FEPMVZ, 2001. p. 75-83.
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Segurana alimentar:
conceito, histria e prospectiva
Maria Aparecida Campos
Jos Carlos de Oliveira
Ana Lcia do Amaral Vendramini
Introduo
O conceito de segurana alimentar ainda est em construo
(Burlandy, p. 485) e, portanto, lacunar na formulao de polticas
pblicas. O conceito foco de muitas polmicas desde o seu
surgimento ao fim da Primeira Guerra Mundial, em parte devido
a esse conflito, quando se tornou claro que a segurana nacional de
um pas dependia da segurana alimentar, entre outras questes da
produo e estoque de alimentos (Deves e Filippi, 2008, p. 2; Maluf,
Menezes e Marques, 1996, p. 1; Nascimento e Andrade, 2010, p. 2).
O processo de amadurecimento conceitual se deu pela incorporao
de preocupaes que emanavam de debates variados ps-Segunda
Guerra Mundial, os quais delinearam como relevantes no que diz
respeito segurana alimentar os parmetros disponibilidade e
acesso, relacionados, respectivamente, quantidade suficiente e ao
baixo preo.
A ideia de disponibilidade remete de imediato a problemas do
volume da produo na agricultura. H ento que se considerar: a
questo da terra, no que tange manuteno dos constituintes qu-
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Tal enunciado abarca as preocupaes registradas nas discusses empreendidas at aqui, mesmo que venhamos a apresentar
sugestes de novas incorporaes a fim de contribuir para a
construo de um conceito mais denso e amplo. O conceito constitui
um desafio para a sociedade contempornea. A princpio, a ideia
ambientalmente sustentvel no consensual, carregando uma
polissemia, posto que, hoje em dia, todos camponeses, proprietrios
rurais, trabalhadores e industriais se dizem interessados em polticas ambientalmente sustentveis. Porm, no h dvida que ela
compreende as intenes de disponibilidade, acesso, continuidade e
alimentos seguros, como discutido anteriormente.
Entretanto, h que se destacar na lei n 11.346 o fato de ela ser
denominada de segurana alimentar e nutricional. O termo nutri44
V-se, portanto, que a segurana alimentar e nutricional representa um avano significativo em relao s proposies veiculadas pela
FAO, no sentido de incorporar explicitamente questes de soberania
alimentar. Porm, alerta ainda Menezes (Brasil, 2006), a lei em si no
capaz de garantir aquilo que estabelece, continua sendo necessria a
participao da sociedade e do governo no sentido de eliminar a fome.
Com base no exposto, e identificados os quatro marcos assentados acima, ou seja, disponibilidade, acesso, estabilidade do
abastecimento esses trs mais afeitos quantidade de alimento e a utilizao saudvel do alimento mais afeito sua qualida45
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postas alternativas s que tm sido levadas a cabo pelas grandes empresas do sistema alimentar capitalista, nesse sentido propugna por:
instituir a reforma agrria para fortalecer a agricultura
camponesa, familiar e indgena;
estabelecer uma relao direta entre consumidores, produtores, agricultores e pescadores;
ampliar a aliana entre as lutas do campo e da cidade, fundadas no combate ao uso indiscriminado de agrotxicos;
fortalecer movimentos sociais para a elaborao de leis que
preservem as sementes nativas;
favorecer e apoiar pesquisas universitrias mais comprometidas com as necessidades da populao e no com as necessidades das corporaes;
promover dentro das universidades e institutos de pesquisa
o estudo da avaliao dos riscos de novas tecnologias;
responsabilizar criminal e financeiramente as empresas que
produzam e comercializem transgnicos, pelo seu impacto
negativo sobre a sade e o ambiente;
recuperar a cultura alimentar tradicional, baseada em
produtos naturais que sejam saudveis;
estabelecer polticas para a permanncia dos jovens no campo
e para o retorno de parte da populao para o meio rural;
evitar o uso de altas tecnologias, pois elas so as grandes
responsveis pela expulso dos homens do campo;
apoiar a agroecologia e a agricultura urbana;
findar os subsdios s agriculturas que usam de forma
indiscriminada fertilizantes, qumicos e agrotxicos;
repensar os agrocombustveis vis--vis a produo de alimentos;
dizer no economia verde4 e sim soberania alimentar
(Cpula dos Povos, 2012).
Economia verde um conjunto de processos produtivos (industriais, comerciais,
agrcolas e de servios) que, ao ser aplicado em um determinado local (pas, cidade, empresa, comunidade etc.), pode gerar nele um desenvolvimento sustentvel
nos aspectos ambiental e social. Seu objetivo possibilitar o desenvolvimento econmico compatibilizando-o com igualdade social, erradicao da pobreza e melhoria do bem-estar dos seres humanos, reduzindo os impactos ambientais negativos
e a escassez ecolgica (Sua Pesquisa, 2012).
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A falta de informao leva o indivduo a criar hbitos errneos em relao ingesto de comida, com o agravante de que as
indstrias alimentcias procuram vender sempre mais para obter
maior lucro. Nos pases onde no h falta de alimentos e sim
abundncia, essa abundncia que est transformando um sinal
de progresso nos srios problemas da obesidade, resultado do maior
consumo de alimentos a baixo preo (Roberts, 2009, p. 83).
necessrio registrar que quanto mais obeso maior o nmero
de doenas a que o indivduo est sujeito, tais como: problemas
Segundo Pollan (2008, p. 36), esse termo foi cunhado por Gyorgy Scrinis, socilogo da cincia australiano.
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de sono, cogulos sanguneos, lceras na perna, inflamao pancretica e hrnias. A obesidade tambm sobrecarrega ossos e articulaes, impede que os pulmes se expandam totalmente por causa
do enchimento da cavidade torcica no permite, levando falta
de flego, e dificulta o tratamento mdico, pois esconde caroos e
sintomas. Alm disso, a obesidade est vinculada a ndices mais
elevados de doenas cardacas, pois o corao precisa se esforar
mais, ao aumento das taxas de triglicerdeos e de colesterol,
e maiores implicaes com a diabetes (Roberts, 2009, p. 9). O
sedentarismo tambm condio importante para se ficar obeso,
portanto a obesidade, fenmeno acentuado no ps-Segunda Guerra
Mundial, no fruto apenas da alimentao. Ela to paradoxal
que, mesmo em pases onde h muitos famintos, pode haver um
grande contingente de obesos. O fenmeno da obesidade acentuado
em pases onde a fome no representa problema social importante,
pela sua quase ausncia. o caso dos Estados Unidos, que sofre com
o problema de obesidade, embora no tenha problemas significativos
em relao fome.
A FAO e a Organizao Mundial da Sade (OMS), de posse
da constatao de que os indivduos que sofrem de excesso de peso
esto aumentando na maioria das regies desenvolvidas, esto empenhadas em demover a obesidade e os seus correlatos, as doenas
crnicas provocadas pela m alimentao. J em 2003, essas organizaes declararam guerra obesidade, isso porque as doenas
crnicas eram ento responsveis por cerca de dois teros das mortes no mundo, ou seja, 59% das 56,9 milhes de mortes registradas em 2001, mencionando-se que o tratamento do crescente nmero
das enfermidades aumenta os custos suplementares do sistema social e
de sade no mundo (FAO e OMS declaram guerra obesidade, 2003).
A dieta para a qual o metabolismo humano foi geneticamente
programado tende ao acmulo de nutrientes, visando aos perodos de escassez; assim, os mecanismos fisiolgicos no evitam o
ganho de peso quando a comida abundante (Roberts, 2009, p. 88).
Por tudo isso que a luta contra a obesidade um problema inscrito
na segurana alimentar sob o parmetro da ingesto de alimentos de
qualidade, incuos sanitariamente.
O que est por trs desses fatos a necessidade das grandes
corporaes venderem mais e mais, encarando o alimento como uma
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Porm, o autor observa que, apesar disso, mais provvel algum morrer de desastre de carro do que por uma doena proveniente
dos alimentos. E, ainda, embora as doenas transmitidas pelos
alimentos estejam caindo nos Estados Unidos, certos patgenos
(Listeria e Salmonella) tornaram-se mais frequentes e mais resistentes aos antibiticos. Outra constatao de que bactrias e
vrus que existiam de forma branda, como a Salmonella enteritidis,
a Campylobacter e a Escherichia coli, no presente esto trazendo
muita inquietao (Roberts, 2009, p. 178).
A contaminao por produtos qumicos muito mais complexa
do que as devidas aos patgenos. A produo de substncias qumicas
sintticas, de um modo geral, vem, desde os anos 1940, dobrando de
volume a cada dcada. Ao menos cinco novas substncias sintticas
so desenvolvidas para utilizao comercial a cada dia, embora no
tenhamos uma ideia exata dos potenciais malefcios delas para ns
por si mesmas, ou em relaes sinergticas com outras substncias
qumicas (Fitzgerald, 2008, p. 325). A exposio, contnua ou
eventual, a um agente qumico pode levar ao desenvolvimento
posterior de doenas, inclusive cncer. Enquanto as infeces podem
ser rapidamente identificadas aps a ingesto de alimentos contaminados, o mesmo no se d com os agentes qumicos, cujas doenas
crnicas so de lenta gestao (Souza Neto e Souza, 2008, p. 114).
Com isso, tm crescido as preocupaes com problemas relativos
alimentao industrializada, tornando o alimento seguro assunto de
interesse significante para toda a sociedade.
Segurana alimentar e a tica da alimentao
A forma como o ser humano se alimenta deve ser reavaliada,
pois ela tem profundo impacto na sade das populaes e no
ambiente. O ato de comer tambm uma deciso tica, e a educao alimentar decisiva para a sociedade moderna e para o futuro
da humanidade.
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Consideraes finais
Uma das dificuldades com a segurana alimentar, no que se
refere a alimentos seguros, a quem se pode atribuir a responsabilidade pela quebra da inocuidade alimentar. Os fabricantes podem
fornecer alimentos perfeitamente seguros, mas se houver negligncia por parte dos consumidores, os alimentos podem facilmente
tornar-se perigosos, e vice-versa: alimentos contaminados, no seu
ponto de origem ou de fabrico, podem pr em risco at mesmo aqueles
consumidores que tomem todas as precaues necessrias.
De forma prospectiva e no intuito de trilhar um caminho de
estudo, pesquisa e debates para contribuir para o enriquecimento
conceitual da segurana alimentar de maneira a combater os
principais problemas de insegurana alimentar, so vislumbradas
quatro metas, de ocorrncia simultnea.
A primeira delas a de se envidar esforos que produzam
maior aproximao dos proponentes de segurana alimentar com
os de soberania alimentar, enfatizando questes de preservao
da cultura e tradio dos povos, regies ou mesmo locais, cabendo
a eles, prioritariamente, decidir sobre a produo e o consumo, e
absorver e aplicar a bagagem de conhecimentos da humanidade
(cincia e tecnologia). Para tanto, deve haver polticas dirigidas aos
desenvolvimentos regionais procurando alcanar verdadeira eficincia da natureza, respeitando-a, preservando-a e extraindo dela sua
potencialidade mxima, tendo como limite a sustentabilidade, ou seja,
a possibilidade de continuidade para o futuro.
A segunda meta da segurana alimentar diminuir o nmero absoluto de famintos no mundo. A soberania alimentar tem embutido em seus propsitos um estancamento do xodo rural, ou
seja, a reteno do homem no campo, com a pressuposio de que
essa populao do meio rural conseguir abastecer de alimentos o
mundo, desde que sejam resolvidos os problemas relativos posse da
terra, ou seja, uma melhor diviso e maior participao do Estado
na distribuio e no tamanho das propriedades rurais, conduzindo
reformas agrrias para viabilizar as produes de alimentos em
termos locais. Aqui h a ideia de que o trabalho de forma extensiva ter de ser resgatado, logo a mecanizao do campo decorrente
da monocultura, que expulsa mo de obra e exaure a terra, alm de
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Introduo
O direito, dentre outras definies, pode ser entendido como o
conjunto de regras adotadas por um determinado grupo social, num
determinado perodo histrico, espacial e socioeconmico, concernente a regular e a viabilizar a prpria existncia da sociedade, com
o objetivo de minimizar ao mximo a coliso entre os interesses
individuais e coletivos (Di Pietro, 2002). A instrumentalizao legal
condio para o exerccio de diversas prticas da vigilncia sanitria,
devido natureza jurdico-poltica de sua interveno, disciplinadora
da vida em sociedade, e aos aspectos tcnico-sanitrios. A lei uma
expresso do sistema jurdico definido na Constituio, a lei magna
de um pas; a lei contm a essncia dos direitos e deveres referentes
a seu objeto de normatizao, e expressa a vontade da organizao
social por meio do poder legislativo (Rozenfeld, 2000).
Como forma de compreenso dos termos e conceitos de natureza jurdica, tradicionalmente pode-se classificar o direito em dois
grandes ramos, que so o direito pblico e o privado, e considerar
o direito administrativo como um dos ramos do direito pblico. O
conceito de direito administrativo brasileiro, segundo Meirelles,
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Em princpio, o Ministrio Pblico poderia zelar pelo cumprimento de todos os direitos assegurados na Constituio, entretanto o texto constitucional restritivo, determinando que
a fiscalizao se volte apenas aos servios de relevncia pblica
em relao aos direitos garantidos na Constituio (Arajo,
1994). Como se trata de zelar pelo efetivo respeito aos direitos,
a relevncia se revela pelo servio prestado, quer dizer, a nota
distintiva desta relevncia pblica no a titularidade de quem
presta o ato ou servio de sade, se o Estado ou o setor privado;
mas a essencialidade de sua prestao para o interesse social,
cabendo ao Ministrio Pblico o controle da efetiva prestao.
(Delduque e Oliveira, 2006, p. 10).
Em 1977, a lei n 6.437 atualizou as disposies penais e administrativas, caracterizando 31 tipos de infraes sanitrias em geral
entre elas as da rea de vigilncia e discriminando as respectivas
penalidades. Essa lei um instrumento de utilidade abrangente at
os dias atuais e, trata do processo administrativo, da aplicao do auto
de infrao, da notificao, da defesa ou impugnao, da apreenso de
amostras, da inutilizao de produtos, e do cancelamento de registros,
entre outras (Rozenfeld, 2000, p. 33). Nesse mesmo ano, ocorreu a
publicao da resoluo n 33 da Comisso Nacional de Normas e
Padres de Alimentos do Ministrio da Sade (CNNPA/MS), atualmente revogada, que orientou os fabricantes de alimentos quanto
aos princpios gerais de higiene a serem adotados em todas as etapas
de produo, desde a obteno da matria-prima at a distribuio
dos alimentos (Brasil, 1977). Essa publicao marcou o incio da
prtica do controle sanitrio na rea de alimentos.
Em atendimento ao decreto-lei n 986, a CNNPA publicou,
no ano de 1978, uma importante srie de regulamentos, com
o objetivo de estabelecer Padres de Identidade e Qualidade
(PIQ). Foram publicados ao todo 47 padres de identidade
e qualidade relativos a alimentos e bebidas, por meio da
resoluo n 12 CNNPA. Desses, alguns j foram revogados
por publicaes mais recentes, enquanto outros permanecem
vigentes. (Ferreira e Lanfer-Marquez, 2007, p. 86)
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integram uma rede regionalizada e hierarquizada num Sistema nico de Sade, conforme artigo 198 da Constituio Federal vigente,
deixando clara a competncia das trs esferas de poder.
A sade, alm da sua condio de direito de todos, tambm
um dever constitucional, conforme revela o artigo 196 da Magna
Carta de 1988. Esse dever cabe ao Estado, que dever realizar o
direito sade por intermdio de polticas pblicas. Fica claro que,
a competncia para desenvolver tais polticas pblicas cabe ao Poder
Legislativo, por meio da elaborao de leis e atravs de decretos
pertinentes ao Poder Executivo, por meio da definio de prioridades
e da escolha dos meios para sua realizao.
As formas de apresentao das disposies normativas no sentido
de fixar as regras quanto sua origem, contedo e aplicabilidade de
ordem geral, nas aes de vigilncia sanitria, podem variar entre
leis, decretos, resolues e portarias, com origens emanadas do Poder
Legislativo, chefes do Executivo, Poder Executivo e autoridades outras
que no o chefe do Executivo, como ministros, secretrios e colegiados.
No sentido de fornecer comunicaes de teor uniforme encaminhadas ao conjunto de agentes pblicos da vigilncia sanitria,
com o objetivo de cumprir de forma adequada e uniforme as normas
tcnicas e sanitrias, so utilizadas circulares e ordens de servio,
com competncia das chefias de rgos, reparties ou servios
(Meirelles, 1993).
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Origem
Contedo/
aplicabilidade
Lei
Decreto
Regulamenta os
assuntos relacionados
s leis existentes. a
determinao formal da
autoridade
Decreto-lei
(atual
medida
provisria)
um diploma normativo
Emana do Poder Executivo
pela manifestao do
(chefe de Estado) e no do Poder
presidente da Repblica;
Legislativo
tem eficcia de lei
Resoluo
Competncia de autoridades
outras que no o chefe do
Executivo (ministros, secretrios
e colegiados)
Portaria
Competncia de autoridades
outras que no o chefe do
Executivo (chefes de rgos,
reparties ou servios)
Formaliza atos
administrativos:
nomeaes, designaes,
sindicncias, inquritos
ou processos
Circular
Comunicao de teor
uniforme encaminhada a
um conjunto de pessoas
identificadas por uma
caracterstica comum
Ordem de
servio
Instruo
normativa
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e conformidade. Tais parmetros, includos os padres microbiolgicos de carter higinico e tecnolgico no mbito industrial, encontram-se definidos em regulamentos do Ministrio da Sade e, no
caso de produtos de origem animal, do Ministrio da Agricultura.
Nesse aspecto, tem-se, atualmente, uma ferramenta indispensvel na rea de inspeo e fiscalizao, que o mtodo de Anlise de Perigos e Pontos Crticos de Controle. Recomendado pela
Organizao Mundial da Sade (OMS), obrigatrio em diversos
pases na Europa e nos Estados Unidos. Esse mtodo um sistema
preventivo, que busca garantir a inocuidade e a qualidade dos alimentos mediante o controle em todas as etapas da produo, permitindo aes corretivas, antes da rejeio do produto final.
O mtodo APPCC baseia-se na avaliao completa do processo
em estudo, identificando os perigos de contaminao de uma linha de
produo, predominantemente os de origem microbiolgica, mas tambm fsicos e qumicos, caracterizando matrias-primas e fatores intrnsecos e extrnsecos, como gua, temperatura, pH e atmosfera que
envolve o alimento, identificando, enfim, todo o histrico do produto.
As competncias administrativas e legais no controle dos
produtos alimentcios de origem animal
Para o entendimento da situao atual, faz-se necessrio um
estudo sobre o ordenamento jurdico concernente regulamentao
de alimentos e competncia de inspecionar e fiscalizar. A evoluo
histrica da estrutura administrativa ao longo dos vrios regimes
governamentais pelos quais o Brasil passou e as constantes reformas poltico-administrativas acabaram por provocar hbitos adquiridos nas aes de fiscalizao, sem de fato se adequarem a novos
regimentos. Uma anlise sob a tica do direito administrativo pode
elucidar parcialmente alguns supostos conflitos de competncias
administrativas e legais.
A partir de 1988, o novo texto da Carta Magna d fiscalizao e
inspeo de alimentos um status constitucional. Entretanto, no que
tange ao controle de alimentos, principalmente os de origem animal,
como carnes, ovos, leite e mel, a vigilncia sanitria tem enfrentado
dificuldades relativas a um suposto conflito de competncia existente
entre o Sistema nico de Sade e os rgos pblicos ligados ao setor
de agricultura brasileiro (Carvalho, 2006).
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At o advento da Constituio de 1988, a fiscalizao dos produtos de origem animal estava confiada Unio, que a fazia por meio
do Ministrio da Agricultura, baseando-se na lei n 1.283, de 18 de
setembro de 1950, referente inspeo industrial e sanitria dos
produtos de origem animal.
Segundo Carvalho (2006), a partir da Constituio de 1988,
a questo referente aos alimentos de origem animal vem passando
por muitas discusses, em razo de uma aparente incompatibilidade
entre normas constitucionais e as leis anteriores, hoje recepcionadas
na prtica, e as leis posteriores sua promulgao.
A autora ressalta que leis que no deveriam ter sido recepcionadas pela Constituio continuam sendo aplicadas pelas instituies pblicas, gerando dessa forma alguns dos principais problemas
que podem ser observados na indefinio resultante desse conflito,
entre os quais cita a duplicidade de fiscalizao para fins sanitrios em um mesmo estabelecimento; alimentos de mesma natureza
sendo registrados em dois ministrios diferentes (sucos, bebidas e
alimentos a base de mel e a base de protenas do leite, por exemplo);
estabelecimentos que impedem a entrada de inspetores do Ministrio da Sade por j sofrerem fiscalizao pelo Ministrio da Agricultura, inclusive prejudicando a realizao de aes voltadas para
a vigilncia sade do trabalhador, competncia essa do Sistema
nico de Sade; cadastramento de laboratrios diferentes para a
emisso de laudos oficiais de anlise fiscal de produtos alimentcios;
duplicidade de normatizao sobre processos de produo, registro,
rotulagem e transporte de alimentos, ou seja, existncia em vigor
de portarias e atos do Ministrio da Agricultura tratando de assuntos similares aos tratados por resolues da Agncia Nacional
de Vigilncia Sanitria. A duplicidade de normatizao confunde
o consumidor, o setor regulado e os prprios agentes pblicos federais, estaduais e municipais.
A inspeo sanitria de produtos de origem animal, realizada
pelo Ministrio da Agricultura, est fundamentada na lei n 1.283,
de 19 de dezembro de 1950, a qual foi revisada e includa e no decreto
n 30.691, de 29 de maro de 1952, que aprovou o Regulamento da
Inspeo Industrial e Sanitria de Produtos de Origem Animal
(Riispoa). O Riispoa determinou a obrigatoriedade de registro de
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Referncias bibliogrficas
ARAJO, Luis Alberto David. O conceito de relevncia pblica na
Constituio Federal de 1988. Braslia: Opas, 1994.
BALERA, Felipe Penteado. Medida provisria: o controle dos requisitos
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STF. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 14, p. 25-52, jul.-dez.
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. Departamento Nacional de Sade. Comisso Nacional de
Normas e Padres para Alimentos (CNNPA). Resoluo n 12, de 1978.
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Publicidade de alimentos:
uma questo emergente
Bianca Ramos Marins
Maria Cludia Novo Leal Rodrigues
Marta Gomes da Fonseca Ribeiro
Introduo
O fenmeno da globalizao, que teve incio no final do sculo
XX, apresentou a ideia de sociedade estruturada por meio do sistema
econmico do neoliberalismo do capital e dos sistemas de produo
(Echaniz e Pagola, 2007). Nesse contexto comercial e poltico, os
meios de comunicao passaram a ser elemento essencial para o
incentivo ao consumo, por meio da explorao de servios, opinies
etc. Para tal, a indstria da comunicao passa a se estruturar pela
lgica do mercado e tem no processo globalizado, no s cada vez
mais complexo como tambm mais influente, diversas expresses
que so disseminadas nas relaes sociais.
O processo comunicativo caminha submerso nas presses e
interesses de um sistema cuja proposta a de influenciar a opinio
pblica e, assim, ter o domnio da sociedade pelo controle da informao ou pela falta dela. Apesar das conquistas a partir da Revoluo
Francesa no que diz respeito garantia do direito informao, o
que temos hoje, segundo Echaniz e Pagola (2007), a manuteno
da censura por parte da indstria. Nesta estrutura globalizada
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Bianca R amos Marins Maria Cludia Novo Leal Rodrigues Marta Gomes da Fonseca Ribeiro
importante, simplesmente porque os governos no conseguem investir tanto tempo e recursos na promoo de dietas saudveis quanto a
indstria de alimentos investe na divulgao comercial de produtos
nocivos sade. Entre as medidas de proteo, inclui-se a regulao
das atividades de terceiros a fim de evitar a interferncia nos direitos
de outras pessoas alimentao e sade.
Nesse contexto, os governos podem encorajar escolhas melhores
para a sade das pessoas por meio de processos de regulamentao de
determinados produtos que resultam em prejuzo para a sade. Assim, intervenes governamentais que ajudem as pessoas a controlar
comportamentos que coloquem sua prpria sade em risco no podem
ser entendidas como restries liberdade de escolha individual
(Vasconcellos et al., 2007).
A Estratgia Global da OMS (2004) indica ainda a necessidade
de fomentar mudanas socioambientais, em nvel coletivo, para
favorecer as escolhas saudveis no nvel individual, de forma a reverter
o quadro ascendente de DCNTs. A responsabilidade compartilhada
entre sociedade, setor produtivo e setor pblico o caminho para a
construo de modos de vida que tenham como objetivos centrais a promoo da sade e a preveno das doenas.
Em todo o mundo, constata-se o extenso uso da publicidade
voltada ao pblico infantil para promover alimentos contendo altas quantidades de gordura, acar e sal, estando claro que essa
atividade considerada um assunto de interesse internacional, sendo
necessrio garantir que o setor privado divulgue os seus produtos com
responsabilidade. A questo da publicidade internacional passa a ser
uma preocupao, dado que muitos pases esto expostos publicidade
de alimentos vindos de outros pases, o que justifica a necessidade de
se discutir a natureza global de muitas prticas de promoo. A
promoo de alimentos e bebidas no alcolicas em estabelecimentos
escolares mobiliza discusses em alguns pases, por se tratar de um
ambiente onde deveria ser divulgada a promoo da sade (World
Health Organization, 2010).
Desde a aprovao das Estratgias Globais em 2004, os governos e os setores alimentcio e de publicidade vm desenvolvendo
um nmero crescente de polticas sobre marketing de alimentos
para crianas (World Health Organization, 2004). Em meio a esse
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Tipo de regulao
Observaes
Reino Unido
regulamentao
estatutria
alto rigor
proibio de publicidade
na televiso e de
patrocnio de alimentos
ricos em gordura, acar
ou sal para crianas com
menos de 16 anos
Irlanda
regulamentao
estatutria
restrio do uso de
celebridades e exigncia do
uso de advertncias
Espanha
regulamentao
estatutria
autorregulamentao
Noruega
Sua
ustria
Blgica
Dinamarca
Itlia
regulamentao
estatutria
proibio de veiculao
de qualquer comercial de
televiso para crianas
abaixo de 12 anos
regulamentao
estatutria
proibio de comerciais
antes e depois de
programas infantis
regulamentao
estatutria
restries quanto
utilizao de figuras e
animais de programas
infantis nos comerciais
regulamentao
estatutria
autorregulamentao
Frana
regulamentao
estatutria
cdigo de
autorregulamentao
com restries especficas,
incluindo previso de
penalidades financeiras
exigncia de
mensagens nutricionais
acompanhando toda
publicidade
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Portugal
autorregulamentao
compromisso assumido
por 60% dos setores de
alimentos e publicitrio de
no apresentar publicidade
sobre alimentos e bebidas
sem recomendaes
nutricionais para crianas
abaixo de 12 anos
Estados
Unidos
autorregulamentao
regulamentao
estatutria
forte regulamentao,
com restries utilizao
de tcnicas subliminares
e comerciais que
diretamente induzam
a criana a adquirir o
produto
em Quebec, os comerciais
para crianas abaixo de 13
anos foram banidos
Austrlia
regulamentao
estatutria
proibio de comerciais
durante programas para
crianas em idade prescolar
restrio na quantidade e
frequncia de comerciais
durante a programao
infantil
frica
regulamentao
estatutria
autorregulamentao
sia
alguma forma de
regulamentao
Canad
Malsia
Paquisto
Tailndia
104
Documento divulgado pela Organizao Pan-Americana da Sade (2012) relativo a aes voluntrias por parte da indstria da alimentao na Amrica do Norte informa que, nos ltimos anos, tm sido
apresentadas diretrizes que se expandiram para cobrir um grande
nmero de canais de mdia e tcnicas de marketing. O governo dos
Estados Unidos tem dado suporte geral s diretrizes, desde que
sejam criadas a partir de uma base cientfica e consistente. De forma
semelhante, o governo canadense vem incentivando enfoques autorregulatrios, sem deixar de examinar opes de polticas de controle
do marketing de alimentos para crianas. Na Amrica Latina, a
maioria dos pases dispe de uma organizao autorregulatria
de publicidade que desenvolve e supervisiona cdigos gerais de
tica na publicidade, muitas vezes fazendo meno especfica
publicidade de alimentos para crianas. Diversas medidas no
sentido de restringir, desestimular e monitorar a publicidade para
crianas vm sendo implantadas no Chile, Colmbia e Mxico.
O monitoramento de diretrizes voluntrias da indstria de
alimentos e organizaes autorregulatrias indica um nvel elevado
de cumprimento, tanto por parte das indstrias caso de Austrlia,
Canad, Europa, Estados Unidos e Mxico quanto pelos governos
caso da Irlanda, Espanha e Reino Unido. A princpio, essas taxas
elevadas de cumprimento das diretrizes indicam que as restries
sobre a publicidade de alimentos podem ser implantadas e aplicadas,
sendo viveis. Na prtica, o cumprimento das diretrizes no se verifica,
no se dando de tal forma que mitigue o impacto sobre a sade das
crianas. O que se observa que, quando se considera a totalidade
das propagandas de alimentos exibidos, no houve um declnio real
na publicidade de alimentos no saudveis. Em contrapartida na
Frana, estudos realizados sobre o efeito de mensagens nutricionais
constataram que crianas e pais foram estimulados a prestar maior
ateno alimentao saudvel. Seguindo por esse caminho, estudos
de microssimulao nos Estados Unidos e no Canad relacionaram
a proibio da publicidade voltada para o pblico infantil ao menor
do consumo de fast foods; associaram, tambm, a proibio total da
publicidade televisiva com a reduo do nmero de crianas e adolescentes com sobrepeso; e correlacionaram, ainda, a reduo da
expo-sio publicidade de alimentos para zero com a diminuio
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Das prticas
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A crescente produo de alimentos altamente industrializados e prontos para o consumo tem contribudo para o aumento das
doenas crnicas. Dessa forma, o setor alimentcio foi um dos grandes responsveis pelas alteraes crescentes e rpidas na cultura
alimentar, processo conhecido como transio nutricional. As alteraes ocorridas neste sculo modificaram o perfil da dieta dos indivduos, com o aumento do consumo de gorduras (particularmente as
de origem animal), sdio, acares e alimentos refinados e cada vez
mais relegaram a segundo plano os carboidratos complexos e fibras
um tipo de dieta denominada pelos especialistas dieta ocidental
(Malta et al., 2006; Mello, Luft e Meyer, 2004).
Junto com as mudanas no perfil da alimentao, houve
mudanas no estilo de vida (mais tempo diante da televiso e de
jogos de computador, maior dificuldade de brincar na rua por falta
de segurana) e no marketing dos produtos, uma vez que os apelos
comerciais, nos quais esses alimentos muitas vezes so associados
praticidade, tornaram-se frequentes. Assim, observa-se um aumento
progressivo de sobrepeso e obesidade por causa do sedentarismo e das
mudanas no perfil alimentar da vida moderna (Castro et al., 2009;
Fernandes et al., 2009; Ferreira et al., 2011; Marro et al., 2010).
Percebe-se, porm, ainda que de forma muito restrita, uma
nova preocupao com a sade e, em consequncia, tambm com
a qualidade do alimento. Num mundo em que a informao chega
aos lugares mais remotos, as escolhas ocorrem em dois sentidos:
por um lado, a procura por alimentos de fcil preparo; por outro,
a necessidade, ainda tmida, de cuidar melhor das escolhas
alimentares, buscando produtos de melhor qualidade (Bleil, 1998;
Garcia, 2003). Como resultado do desenvolvimento da cincia da
nutrio humana e de novas tecnologias e matrias-primas, os
alimentos para fins especiais, como os light e diet, ganharam cada
vez mais espao no nosso cotidiano. Para os consumidores, uma
alimentao balanceada e saudvel passou a ser importante a fim
de melhorar a qualidade e aumentar a expectativa de vida. Dentre
os alimentos light e diet, os grupos que seguramente tm maior
importncia, tanto nutricional quanto econmica, so aqueles
destinados a dietas para controle de peso e controle de acares
(Lucchese, Batalha e Lambert, 2006).
132
Nos ltimos anos, especial ateno tem sido dada aos perigos
das dietas ricas em gorduras, e, em consequncia, observa-se uma
crescente valorizao dos produtos com quantidades reduzidas desse
componente. Com isso, verifica-se uma intensa competio entre os
setores de desenvolvimento de produtos nas indstrias, visando
oferecer aos consumidores alimentos com baixo teor de gordura. Como os produtos crneos convencionais possuem alto teor de gordura
(20 a 30%), a necessidade da reduo desse nutriente para atender a
um novo mercado consumidor tem sido o alvo no desenvolvimento de
produtos similares na categoria light (Giese, 1992).
Doenas crnicas no transmissveis
A cincia da nutrio procura definir, qualitativa e quantitativamente, os requisitos de alimentao necessrios para a manuteno e a promoo da sade. Mediante uma dieta adequada em quantidade e qualidade, o organismo adquire a energia e os nutrientes
necessrios ao bom desempenho de suas funes e manuteno de
um bom estado de sade. De longa data, conhecem-se os prejuzos
decorrentes quer do consumo alimentar insuficiente, ocasionando
as deficincias nutricionais, quer do consumo alimentar excessivo,
provocando a obesidade. Experimentos e estudos observacionais tm
evidenciado estreita relao entre caractersticas qualitativas da dieta
e ocorrncia de doenas crnicas no transmissveis (DCNTs), como
doenas circulatrias, cncer, doenas respiratrias crnicas e diabetes
mellitus tipo 2 (Brasil, 2008 e 2011e; Enes e Slater, 2010; World Health
Organization, 2003b).
Portanto, uma alimentao inadequada, rica em gorduras,
com alimentos altamente refinados e processados e, pobre em
frutas, legumes e verduras, est associada ao aparecimento de
diversas enfermidades como aterosclerose, hipercolesterolemia,
hipertenso arterial, doena isqumica do corao, infarto agudo
do miocrdio, diabetes mellitus tipo 2 e cncer (Brasil, 2008; Enes e
Slater, 2010; Kris-Etherton et al., 2001; Mann, 2002; World Health
Organization, 2003a e 2003b).
sabido que o consumo elevado de gorduras saturadas e
colesterol diettico aumenta o risco de doena coronariana, isquemia e outras doenas cardiovasculares (Kris-Etherton et al., 2001;
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n de
bitos/2003
134 573
n de
bitos/2009
aumento
(%)
168.562
25
37.451
51.828
38
Doenas cardiovasculares
273.751
319.066
16
Outras doenas
crnicas
Total de bitos por
DCNT
31.554
447.329
143.602
742.770
355
66
138
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Para as gorduras trans, que so tambm encontradas na gordura hidrogenada, obtida por processo de hidrogenao de leos vegetais, recomendado o mnimo de consumo, pois o metabolismo do
corpo humano no evoluiu em sua capacidade de consumir grandes
quantidades de gordura saturada de origem animal e de gorduras
elaboradas por processos de hidrogenao, sofrendo com esse consumo
srias consequncias metablicas. A gordura trans est presente nos
biscoitos, bolos e pes industrializados, nas massas, margarinas e
gorduras vegetais (Brasil, 2008).
O cloreto de sdio (sal de cozinha) e outros compostos qumicos,
como o glutamato de sdio, muito utilizados para realar o sabor dos
alimentos e tambm em sua conservao e processamento tm em
sua composio sdio, que, quando consumido em grande quantidade,
aumenta o risco de DCV, AVC, cncer de estmago e hipertenso
arterial. A OMS (World Health Organization, 2007) recomenda
o consumo mximo de 5 g de sal/dia ou 2 g de sdio/dia e o Guia
Alimentar para a Populao Brasileira (Brasil, 2008) recomenda o
consumo mximo de 6 g de sal/dia ou 2,5 g de sdio/dia.
Estratgias para controle e preveno das DCNTs
O aumento na carga de DCNTs em todo o mundo um quadro
bastante evidente, inquestionvel e dos mais preocupantes pelo seu
potencial negativo em termos de sade e de economia. O projeto da
OMS relativo carga global de doena (World Health Organization,
2004a) mostra estimativas sobre incidncia, prevalncia, gravidade,
durao e mortalidade em mais de cem causas principais, demonstrando, claramente, quo impactante o nmero de DALY (do
ingls Disability-adjusted life year), que representa os anos de vida perdidos, ajustados por incapacidade, e de mortes no mundo
ocasionadas por DCNTs.
De posse desses dados, a OMS criou vrias estratgias ao
longo dos anos para tentar reduzir o avano das DCNTs. Em 2000,
a Estratgia Global para a Preveno e o Controle das Doenas
No Transmissveis tinha como objetivos: mapear as epidemias
emergentes das doenas crnicas; analisar os seus determinantes
sociais, econmicos, comportamentais e polticos; reduzir o nvel de
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atuando no incentivo prtica de atividade fsica, alimentao saudvel, envelhecimento ativo e conscientizao para os perigos do
cigarro e lcool; 3) cuidado integral de DCNTs, atuando mediante a
linha de cuidado, com implantao de protocolos e diretrizes clnicas
das doenas crnicas, capacitao do recurso humano, medicamentos
gratuitos, sade toda hora ao priorizar o atendimento de urgncia,
ateno domiciliar e abertura de unidades coronarianas e de AVC, e
rastreamento de cncer de colo de tero e mama (Brasil, 2011e).
O plano contempla iniciativas importantes, dentre elas, os
programas para promoo de hbitos ativos de vida, como as Academias da Sade, Sade na Escola e os Espaos Urbanos Saudveis, que
incentivam a criao de espaos adequados para a prtica de atividade fsica; o Programa Alimentao Saudvel, por meio de acordos
com a indstria de alimentos para a reduo do sal e do acar nos
alimentos industrializados, promoo de alimentao saudvel nas escolas, reduo dos preos dos alimentos saudveis e aumento da
oferta de alimentos saudveis, programa Sade No Tem Preo, com
distribuio gratuita de medicamentos para o combate das enfermidades, programas de combate ao tabagismo e ao uso abusivo de
lcool e programas de incentivo ao envelhecimento ativo (Brasil,
2011d e 2011e).
Acredita-se que o enfrentamento das DCNTs e dos fatores de
risco para essas doenas trar benefcios para o Estado ao reduzir
gastos com atendimento ambulatorial e internaes, alm de diminuir
o percentual de indivduos que poderiam se tornar incapazes para
exercer suas atividades, onerando a previdncia social devido aos
benefcios de auxlio-doena e aposentarias por invalidez. Esses benefcios tambm atuam diretamente na populao por trazer melhor
qualidade de vida e um envelhecimento mais ativo e saudvel.
Consideraes finais
A indstria de alimentos foi, em grande parte, responsvel pela
mudana radical que se operou na alimentao nos ltimos oitenta
anos. A indstria prosperou num sistema em que a tica foi submetida
aos interesses de mercado. Os hbitos alimentares saudveis foram
substitudos por uma alimentao base de produtos industrializados,
sobrecarregados de gorduras, acares e sdio, provocando uma
epidemia de obesidade, e de doenas advindas dessa DCNT.
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146
147
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kcal
g
g
g
%
%
%
%
Gorduras saturadas
Colesterol
Fibra alimentar
g
mg
g
%
%
%
Clcio
mg
Ferro
mg
mg
Sdio
Outros minerais
mg ou mcg
Vitaminas
mg ou mcg
(1)
(1)
kcal e kJ
g
g
%
%
%
Gorduras totais
Gorduras saturadas
Gorduras trans
Fibra alimentar
g
g
g
%
no declarar
%
mg
Sdio
Outros minerais
mg ou mcg
Vitaminas
mg ou mcg
(1)
(1)
Observa-se que, em apenas dois anos, a modificao de declarao de nutrientes nos regulamentos incorporou novos conceitos
da cincia da nutrio. Atualmente, conhecemos o alto risco do consumo de gordura trans na incidncia das DCNTs; os primeiros
regulamentos exigindo a declarao desse tipo de gordura foram institudos no Canad, nos Estados Unidos e nos pases do Mercosul,
160
consumidores tm alguma dificuldade na compreenso das informaes dos rtulos. Entre as dificuldades encontradas, mencionase o fato no s de os consumidores geralmente considerarem o padro de rotulagem nutricional complexo, especialmente em relao
utilizao de termos tcnicos, mas tambm de as informaes
exigirem clculos numricos para que possam ser utilizadas na
orientao diettica. Alm disso, os consumidores preferem, em vez
da quantidade expressa em nmeros, que o teor de nutrientes seja
indicado pelas palavras alto, mdio e baixo. Acrescentam, ainda,
que os consumidores no compreendem o significado dos diferentes
nutrientes mencionados nos rtulos e nem o papel que cada um deles
desempenha na dieta (Cowburn e Stockley, 2003; Guthrie, Derby e
Levy, 1999).
Nos pases da Comunidade Europeia (CE), a rotulagem regulamentada em carter voluntrio para a maioria dos alimentos. Em
janeiro de 2003, a Comisso de Sade e Proteo ao Consumidor
da Comunidade Europeia avaliou a legislao e concluiu que havia
necessidade de melhorar as regras existentes nos regulamentos de
rotulagem nutricional, pois a forma como as informaes eram apresentadas no ajudava efetivamente os consumidores a optarem por
uma alimentao mais saudvel e adequada s suas necessidades
individuais (European Comission, 2003a e 2003b).
No Reino Unido, que membro da CE, 80% dos alimentos
embalados apresentam a rotulagem nutricional, seja porque tenham alguma alegao nutricional ou porque a indstria optou
por elaborar a informao nutricional. Segundo a Food Standards
Agency (FSA) (United Kingdom, 2001), a rotulagem deve conter as
informaes de forma completa, clara, coerente e concisa. Os atuais
formatos, que podem apresentar a declarao de quatro ou oito
nutrientes, so aceitos pelos consumidores, embora as informaes
muitas vezes sejam deficientes. As entrevistas com os consumidores
expressaram que a rotulagem nutricional deveria trazer: o uso de
descritores alto, mdio e baixo para cada um dos nutrientes; o
agrupamento dos nutrientes mais importantes para controle da dieta
(energia, gordura total, gorduras saturadas e sal), que deveriam
ser posicionados na parte superior da etiqueta; a orientao dos
valores dirios que devem ser consumidos numa dieta saudvel,
165
mato norte-americano e europeu, evidenciou que o formato norteamericano para acessar o contedo de alegaes nutricionais mais
eficaz. Dentre as sugestes feitas por esses autores, destacamos:
rotulagem nutricional obrigatria; tabela formatada de maneira
a facilitar o entendimento pelos cidados; padronizao da poro
servida ou do tamanho da poro segundo a categoria de produtos em
vez de se usar a gramatura (gramas ou mililitros); e desenvolvimento
e incentivo da educao nutricional.
No Brasil, apesar de a rotulagem nutricional ser obrigatria
desde 2001, estudos recentes revelaram que o consumidor brasileiro
encontra dificuldades em ler e entender as informaes descritas
pelos rtulos dos produtos alimentcios. O estudo de Monteiro e
Coutinho (2002) com 250 cidados frequentadores de supermercados
em Braslia revelou que 94% da populao estudada declararam j
terem tido contato com itens da rotulagem nutricional, apesar de a
compreenso de termos importantes ter sido bastante deficiente. A
maior dificuldade ocorreu no entendimento referente poro e ao
valor dirio de referncia do alimento, alm da linguagem tcnica.
No estudo de Marins (2004), 15,5% dos entrevistados tinham
alguma noo sobre o significado do %VD, ou j tinham ouvido falar
nesse smbolo, que indica o percentual do valor nutricional dirio
baseado em uma dieta de 2.000 calorias, mas no possvel afirmar se
realmente os entrevistados entendiam o significado dessa simbologia.
Nesse mesmo estudo, a linguagem tcnica, a terminologia na lngua
inglesa, o tamanho das letras, as abreviaes e a utilizao de cdigos
que ocultam a identidade do aditivo e o excesso de propagandas foram
citados como obstculos para a compreenso das informaes.
Outra questo que precisa ser discutida a dos indivduos
que tm restries alimentares, pois os alimentos destinados a esse
pblico requerem uma ateno maior das autoridades em termos
de fiscalizao da produo e de controle. Ao fabricante cabe a
responsabilidade por qualquer omisso que possa levar danos
sade do cidado.
De acordo com Wood (2002), muitas recomendaes deveriam
ser feitas usando-se termos simples para identificar a grande maioria dos alergnicos na listagem de ingredientes que devem ser
destacados nos rtulos dos produtos alimentcios. Na rotulagem, de174
175
Consideraes finais
A rotulagem de alimentos tornou-se uma ferramenta estratgica
das polticas pblicas de combate s DCNTs. A expectativa de diminuio dessas doenas, principal objetivo da regulamentao da
rotulagem de alimentos, cai por terra, quando constatamos que a
prevalncia dessas doenas vem aumentando, fato amplamente divulgado, inclusive pelos meios de comunicao acessveis populao,
despontando como um alerta para as questes dos hbitos alimentares
e o consumo consciente dos alimentos.
A ateno integral sade multiprofissional em que o SUS
atualmente est estruturado reconhece a importncia dos hbitos
alimentares e valoriza a atuao dos profissionais de nutrio, sendo a
prescrio alimentar parte integrante da teraputica das doenas,
que exigem restries dietticas para o seu controle adequado e suas
consequncias.
A avaliao do impacto de mais de uma dcada de regulamentao da rotulagem permite afirmar a necessidade de reviso das
regulamentaes a fim de aprimorar a legibilidade e a visibilidade
das informaes, e facilitar a compreenso do consumidor que, mais
exigente e consciente de que a alimentao adequada tem relao
direta com a sade, busca nessas informaes suporte para a escolha
dos alimentos que consome.
A falta de fidedignidade das informaes precisa ser avaliada,
podendo-se afirmar que ela no decorre apenas da falta de aes de
fiscalizao ou do descaso das indstrias de alimentos. Muitos outros
fatores contribuem para essa constatao, e precisam ser estudados
de forma a podermos reverter os dados revelados pela literatura. A
orientao s indstrias na elaborao das informaes nutricionais
de seus produtos ineficaz e no so exigidas anlises laboratoriais
pelo regulamento, sem mencionar que elas tambm elevam o
custo dos produtos. Parcerias com laboratrios pblicos, incluindo
as universidades, poderiam reverter esse quadro. Atualmente a
elaborao da rotulagem nutricional realizada por meio de clculos
usando dados de tabelas de composio de alimentos cujos valores no apresentam consistncia nem representam a composio
verdadeira dos ingredientes usados em sua elaborao. Assim,
a probabilidade de se elaborar uma rotulagem nutricional que no
corresponde composio do produto praticamente inevitvel.
176
177
178
.
.
. Resoluo RDC n 155, de 27 de maio de 2002.
Determina a prorrogao at 2 de fevereiro de 2003 do prazo previsto
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seo 1, 26 dez. 2003a.
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181
182
183
184
Introduo
Na sade, o desenvolvimento cientfico e tecnolgico configura
um importante processo dinmico em constante evoluo, na busca
de respostas para o enfrentamento de situaes ainda obscuras.
Novos problemas de maior complexidade social e tecnolgica em
escala global modificam o nosso entorno, somando-se a outros problemas ambientais mais bsicos e de mbito local, cujos efeitos
acumulados afetam de maneira crescente a sade humana. Apesar
de a relao entre cincia e tecnologia trazer benefcios significativos
para a populao em geral, essa relao tambm pode resultar em
situaes conflitantes, tornando fundamental acompanhar os avanos na gerao de novos conceitos, conhecimentos, metodologias e
instrumentos de medio e de anlise, bem como nas tecnologias de
vigilncia e de interveno que sinalizam o enorme potencial disponvel para proteger nosso entorno e promover o bem-estar humano
(Organizacin Panamericana de la Salud, 2010).
Historicamente, a vigilncia sanitria est embasada no desenvolvimento tecnolgico e no conhecimento cientfico sobre a proteo
e a promoo da sade. A questo da chamada segurana alimentar
vem tomando um espao importante no Brasil. De acordo com esse
Os laboratrios de controle de alimentos so considerados fundamentais para avaliar as caractersticas fsicas, qumicas, biolgicas e
toxicolgicas de amostras de alimentos e produtos alimentcios. Assim,
constituem estruturas essenciais na gerao de informaes primrias
imprescindveis para a tomada de decises quando de uma avaliao
de risco. A fim de exercerem essa atividade de maneira plena, os laboratrios de controle de alimentos devem estar preparados para, com base na anlise de amostras representativas de um produto alimentcio,
inferir informaes sobre a qualidade do produto e eventuais problemas
que possam colocar em risco a sade do consumidor.
Os alimentos devem passar por avaliao durante sua produo (pr-mercado) que considere as boas prticas de fabricao e o
programa de avaliao dos perigos e pontos crticos de controle, implantado na indstria alimentcia. Essa avaliao deve ser feita, no
caso dos setores regulados, pelos laboratrios de controle de qualidade
da indstria. Uma vez comercializados, os produtos sofrem avaliao
ps-mercado, com anlises de controle e fiscal do alimento ou produto
alimentcio pronto para o consumo como parte do controle, inspeo e
fiscalizao do produto pelos rgos de vigilncia sanitria.
Por isso, o laboratrio analtico uma parte fundamental em todo
o processo decisrio, da sua origem at seu acompanhamento/avaliao final, sendo responsvel pela produo das informaes primrias
necessrias em todas as suas etapas. Todo esse processo envolve
uma interface direta entre cincia e tomada de decises ou adoo
de polticas. A cincia, responsvel pela gerao das informaes
bsicas, entendida em sentido mais amplo, incorporando a pesquisa
e o desenvolvimento, a monitorizao e a coleta de dados, a reviso e a interpretao de estudos tcnicos e a avaliao de riscos
sade e ao ambiente (Sexton, 1995). Qualquer tomada de deciso
pode ser entendida como um processo contnuo que tem em um
dos seus extremos a gerao de informaes, que se d por meio de
procedimentos cientficos, e no outro a deciso. Segundo esse mesmo
autor, qualquer que seja a viso que se tenha da importncia relativa
da cincia nas decises, a qualidade das informaes cientficas
favorece a melhor deciso.
Os desafios com os quais os tomadores de deciso se defrontam
atualmente vo desde problemas que j possuem solues testadas e
190
Programa
atendem a requisitos previamente definidos e demonstram ser competentes para realizar suas atividades com confiana.
A acreditao uma ferramenta estabelecida em escala internacional para gerar confiana na atuao de organizaes que executam atividades de avaliao da conformidade (Instituto Nacional de
Metrologia, Qualidade e Tecnologia, 2012). No Brasil, o Inmetro possui
acordo de reconhecimento multilateral com a Cooperao Internacional
de Acreditao de Laboratrios (International Laboratory Accreditation
Cooperation ILAC) para acreditao de laboratrios de ensaios
e calibrao. A fim de atuar nessa linha, o Inmetro possui na sua
estrutura organizacional a Coordenao Geral de Credenciamentos
(CGCRE), com uma Diviso de Credenciamento de Laboratrios de
Calibrao e de Ensaio (Dicle) (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, 2012).
A acreditao uma etapa importante para o reconhecimento
da qualidade dos trabalhos realizados no laboratrio e traz, como
consequncia, maior grau de confiabilidade para o usurio de suas
informaes. Os requisitos necessrios para a acreditao esto
amplamente descritos em normas internacionalmente aceitas, como
as normas ISO da Organizao Internacional para a Normalizao
(International Organization for Standardization), notadamente a
ISO/IEC 17025, para laboratrios de ensaios e/ou calibrao, e a ISO
15189-14, para laboratrios de anlises clnicas, ou nas Boas Prticas
de Laboratrio (Good Laboratory Practices GLP) da Organizao
para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico (Organisation
de Coopration et de Dveloppement conomiques OECD), e o
laboratrio tem a liberdade de escolher o sistema que ir adotar.
A acreditao se reveste de importncia ainda maior porque,
em muitos casos, as decises so tomadas tendo como base dados
produzidos por diferentes laboratrios, que variam desde os governamentais (instituies de pesquisa, universidades, hospitais etc.)
at os privados. Entretanto, importante lembrar que o fato de um
laboratrio estar acreditado no significa que todos os seus resultados
estejam corretos (ou exatos) ou no devam ser questionados, mas
justifica o aumento da confiana do usurio em seus resultados.
Um laboratrio somente consegue ser acreditado por um organismo acreditador quando esse organismo reconhece, por meio de
198
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202
203
Introduo
O principal objetivo de um laboratrio de anlise a produo
de dados analticos de alta qualidade por meio de medidas que sejam
exatas, precisas e adequadas ao propsito pretendido. Para alcanar
esse objetivo, necessrio que o laboratrio estabelea e cumpra um
programa de atividades, planejado e documentado, visando obteno de qualidade.
A experincia indica que ocorrem srias deficincias nas operaes
laboratoriais quando a ateno com a qualidade negligenciada ou
ignorada (Horwitz, 1977). Controlar e assegurar a qualidade dos
resultados de anlise requer dedicao por parte da direo e apoio,
compreenso e comprometimento por parte da equipe.
A garantia da qualidade em um laboratrio depende de muitos
fatores. Um programa racionalmente fundamentado e com objetivos
reconhecidos tem grande chance de ser bem-sucedido. Porm,
imprescindvel, para a concretizao desse sucesso, o comprometimento da direo e o comprometimento e a cooperao da equipe.
A direo deve entender que pessoal e tempo so necessrios e
que a produtividade pode decair um pouco durante o perodo de
implantao do programa. Entretanto, quando o programa j esteja
calibrao dos instrumentos, manuteno dos instrumentos, padronizao das solues etc.
A avaliao uma forma de controle que envolve exames peridicos na execuo para determinar a preciso e a exatido da mesma.
Exemplos incluem a anlise de duplicatas e amostras controle, comparao estatstica de mtodos e validao de metodologia.
Correo a ao executada para determinar a causa de falhas na qualidade e fazer que o sistema analtico volte a funcionar
adequadamente. Isso pode envolver correo de defeitos nos equipamentos, reavaliao da metodologia, treinamento, reciclagem etc.
Um programa de garantia da qualidade est associado
a custos, e esse fato no pode ser ignorado. Os custos iniciais
de um programa bem planejado e bem documentado podem ser
significativos, mas o custo tende a declinar rapidamente se o sistema
for operacional e funcionar eficientemente.
Alguns especialistas na rea estimam que as atividades de
garantia da qualidade requerem de 10 a 20% do tempo do analista,
sendo uma parte substancial desse tempo gasta na execuo de manuteno preventiva e na anlise de amostras de referncia e amostras
controle.
Objetivos da garantia da qualidade
Todo programa de garantia da qualidade deve conter um
conjunto de objetivos que devem ser apresentados de maneira clara
e apoiados pela direo e pela equipe. Os objetivos de um programa
vo variar de um laboratrio para outro e dependero largamente
das atividades do laboratrio.
O U. S. Consumer Product Safety Commission (1979, p. 1)
apresenta no seu programa de garantia da qualidade uma srie de
objetivos que so universais e que podem ser citados aqui como exemplos:
avaliar continuamente a exatido e a preciso dos dados gerados pelos analistas;
207
208
avaliao de dados e manuteno e calibrao de instrumentos, bem como planejar e participar de auditorias (U. S.
Environmental Protection Agency, 1993).
Alguns laboratrios tm considerado benfico o estabelecimento
de um comit de garantia da qualidade presidido pelo coordenador
de garantia da qualidade e composto pelos chefes ligados ao trabalho
analtico e por representantes das equipes cientficas.
Em laboratrios grandes, multidisciplinares, compostos de
muitas unidades, pode ser necessrio e desejvel ter uma unidade
separada de garantia da qualidade. Tal unidade tem como responsabilidade planejar e programar junto com a equipe do laboratrio as
209
da
d) Gerenciamento de suprimentos
O controle dos reagentes e vidrarias usados nas anlises
essencial no programa de garantia da qualidade. importante que
sejam estabelecidas especificaes para os reagentes que levem em
considerao os seguintes pontos: identidade, pureza, potncia, origem, testes que devem ser realizados para garantir a qualidade e a
pureza, procedimentos de estocagem e manuseio, data de validade
etc. Deve-se ter em mente que um reagente adequado anlise de um
ingrediente presente em macroquantidades em uma amostra pode no
ser adequado anlise de um item presente em microquantidades.
Ateno especial deve ser dada a reagentes e mesmo a papisfiltros quando se determina um item presente na faixa de parte por
milho ou menos.
O preparo, manuseio e estocagem de solues-padro de trabalho devem ser executados de modo adequado. A padronizao de
solues deve ser cercada de todos os cuidados, pois a padronizao incorreta uma das maiores fontes de erro de certos mtodos analticos.
A gua um dos reagentes mais crticos usados nas atividades
laboratoriais, porm quase sempre negligenciados. Se a gua no for
preparada e guardada de modo apropriado e usada adequadamente,
ela pode ser responsvel por falhas em alguns mtodos analticos.
Frascos calibrados (pipeta, bureta, balo volumtrico e seringas volumtricas) so elementos que podem afetar a qualidade
do resultado analtico. Recomenda-se que somente sejam usados
frascos volumtricos classe A de uma firma de confiabilidade reconhecida. Nos casos em que isso no seja possvel, deve-se verificar a
calibrao dos frascos volumtricos empregados.
Uma srie de outros fatores tambm pode influenciar a preciso de uma medida. Eles incluem temperatura, mtodo usado na
leitura, limpeza da superfcie interna dos frascos, cor da soluo,
tipo de menisco etc.
A limpeza de vidraria e de artigos de polietileno, polipropileno
e teflon uma parte essencial das atividades de um laboratrio e
elemento vital do programa de garantia da qualidade. A ateno com
a limpeza deve aumentar na proporo da importncia do teste, da
concentrao do que se deseja dosar e da exatido requerida. No que
diz respeito anlise de traos, tratamentos especiais, adequados a
cada caso, podem ser necessrios.
215
e) Registros
atravs de registro que uma organizao documenta suas
operaes e atividades. Um sistema de registro um plano escrito e
documentado que descreve os registros necessrios, as etapas requeridas para produzi-los, o modo de guard-los, o perodo de reteno,
as circunstncias para distribuio e outras disposies. O sistema
opera melhor quando as pessoas entendem como ele funciona, as
etapas requeridas e por que registros precisos so necessrios.
Registros so uma parte integrante do programa de garantia
da qualidade; eles fornecem uma evidncia documentada de que o
programa est funcionando. Eles tambm fornecem informaes
necessrias para a avaliao de desempenho e auditorias de garantia da qualidade. No caso de aes legais, eles documentam os procedimentos aos quais a amostra foi submetida desde a coleta at o
incio da anlise e os dados da anlise, defendendo a experincia e
a integralidade do analista. Registros so tambm necessrios como
parte do programa de garantia da qualidade no caso de gerenciamento
do pessoal, inventrio de equipamentos, manuteno preventiva de
equipamentos, controle de vidrarias e reagentes, teste de proficincia,
padronizao de solues e controle de materiais de referncia.
Os registros mais importantes para o trabalho de um laboratrio de anlise so comentados a seguir.
Para que a anlise seja significativa, necessrio que o laboratrio se assegure, por meio de documentos, que a amostra:
uma poro representativa do produto cuja identidade,
composio ou qualidade desejada;
218
Recepo da amostra
O laboratrio deve assegurar-se que:
a amostra tenha sido transportada em condies que no
alteraram o item a ser analisado;
Preparo da amostra
O analista deve iniciar a anlise fazendo a preparao da amostra
recebida. As amostras devem ser perfeitamente homogeneizadas antes
que uma poro seja tomada para a anlise. No caso de slidos, deve-se
executar o quarteamento, aps os mesmos terem sido reduzidos a p de
granulometria menor ou igual a um valor considerado adequado ao tipo
de anlise a ser realizada.
essencial que a amostra seja preparada de modo a ser homognea e tratada de modo que os ndices que se pretende analisar no
se alterem. Falhas na obteno de uma amostra homognea afetaro
os resultados da anlise, independentemente do mtodo usado.
Ambiente
O ambiente deve ser livre de contaminantes que possam interferir com as anlises a serem executadas nele.
Anlises de macroquantidade de um dado elemento ou composto
no podem ser efetuadas no mesmo ambiente onde se analisam traos
desse mesmo elemento ou composto. Deve-se, nesse caso, fazer uso de
ambientes separados e sem comunicao.
Mtodo analtico
Deve-se sempre fazer consideraes sobre quem usar o
resultado e como ele ser usado. Assim, em certos casos, um mtodo
rpido mais adequado do que um mtodo mais exato, porm muito
mais longo e dispendioso. O mtodo deve ser adequado ao uso que
vai ser dado ao resultado.
Embora muitas qualidades sejam atribudas aos mtodos de
anlise, tais como exatido, preciso, especificidade, sensibilidade,
detectabilidade e praticabilidade, no possvel reunir todas essas
qualidades em um mesmo mtodo. Para qualquer situao particular, o analista deve decidir, com base no propsito da anlise,
quais fatores ou atributos do mtodo a ser utilizado so essenciais
e quais podem ser sacrificados. Esses requisitos cientficos devem
ser contrabalanceados por consideraes de ordem prtica, tais como
220
mtodos que tenham sido validados para a faixa de concentrao de interesse devem ter preferncia a mtodos testados
para outros nveis de concentrao, principalmente nveis altos;
Validao de resultados
A validao de resultados um processo que permite verificar
se o desempenho atribudo aos mtodos usados no laboratrio est
222
polao para outras matrizes e/ou nveis deve ser feita com cuidado.
As amostras-padro so caras e devem ser usadas mais na validao
de mtodos e na calibrao de padres secundrios do que para a rotina do dia a dia. Ao preparar padres secundrios, preciso levar
em considerao os seguintes fatores: o tipo de matriz requerida, a
estabilidade da matriz e do composto de interesse, a homogeneidade
e o teor do composto de interesse.
Os estudos de recuperao tambm podem ser usados na
validao de resultados. Uma quantidade conhecida do composto de
interesse adicionada a uma amostra da matriz que no o contenha
em concentraes capazes de responder ao mtodo analtico. Esse
procedimento tem a vantagem de permitir variar a concentrao do
composto de interesse, bem como a matriz. Por outra parte, existe a
possibilidade de se obterem recuperaes mais altas do que aquelas
obtidas pelo emprego de uma amostra verdadeira, pois, como foi
adicionado, o composto pode vir a ser mais facilmente extrado do
que se fizesse parte da composio da matriz.
Outro procedimento que pode ser utilizado o da comparao
dos resultados obtidos por um analista com aqueles obtidos por
analistas bem treinados e com experincia.
Um instrumento til para o programa de garantia da qualidade
a carta controle. Esse procedimento adequado quando uma mesma
anlise executada em um grande nmero de amostras durante certo perodo de tempo. A descrio desse procedimento est fora dos
objetivos deste trabalho, porm poder ser encontrada nos trabalhos de
Duncan (1986), Grant e Leavenworth (1996) e Westgard et al. (1977).
Alm dos vrios elementos de garantia da qualidade j discutidos, necessrio estabelecer atividades de controle e monitoramento
que permitam indicar o grau de confiabilidade que pode ser depositado
nos resultados das anlises executadas e tambm identificar as
reas analticas que necessitam ateno adicional. Essas atividades
podem ser denominadas de programas de controle de qualidade interlaboratorial e intralaboratorial (Watts, 1980).
O programa de controle interlaboratorial baseia-se na anlise de amostras uniformes pelos laboratrios participantes com o objetivo de verificar a continuidade da capacidade e do desempenho relativo
de cada laboratrio (Sherma, 1981). Uma entidade coordenadora ou
224
laboratrio geralmente prepara e distribui a amostra, coleta os resultados, executa a anlise estatstica dos dados e envia um relatrio aos
participantes (Horwitz et al., 1977). A entidade coordenadora pode
contatar os laboratrios cujos resultados indicaram um desempenho
deficiente e fazer sugestes de como melhor-lo.
Os laboratrios participantes so geralmente identificados
por cdigo, de modo que permaneam annimos para os outros participantes. O analista tambm no deve ser nomeado.
Um programa de controle interlaboratorial no qual a amostra
teste apresentada ao analista como uma amostra rotineira prefervel, pois, nesse caso, o tratamento dado ser o usual e os resultados
refletiro com maior exatido a qualidade do trabalho executado no
dia a dia do laboratrio.
O laboratrio cujo resultado for insatisfatrio deve prontamente procurar identificar a causa ou as causas da deficincia no
desempenho e executar as aes necessrias correo.
preciso lembrar que vrios fatores podem afetar os resultados
de uma anlise. Dentre eles, pode-se citar como tendo maior peso a
preparao da amostra, o mtodo, os materiais (reagentes e vidrarias), os instrumentos, o analista e as condies ambientais. Um
laboratrio que possua um programa de garantia da qualidade poder
identificar com facilidade qual ou quais fatores foram responsveis
pela inadequao dos resultados analticos.
O controle de qualidade intralaboratorial um programa sistemtico executado pelo prprio laboratrio com o objetivo de assegurar
a produo contnua de dados analticos de alta confiabilidade. Vrios
objetivos desse tipo de controle so idnticos queles do controle
interlaboratorial (Freeberg, 1980):
prover uma medida da preciso de mtodos analticos;
225
226
Este tipo de auditoria basicamente uma checagem no desempenho do analista e caracterizada como uma avaliao quantitativa
da qualidade.
Auditoria para verificao do sistema
Este tipo de auditoria uma inspeo direcionada e permite
a viso do sistema de controle de qualidade. reconhecida como
uma avaliao qualitativa da qualidade. Ela pode cobrir alguns ou
todos os elementos do programa operacional, tais como manuseio da
amostra, anlise da amostra, controle dos registros, manuteno preventiva e testes de proficincia. Elementos no operacionais como,
por exemplo, aqueles relativos rea de recursos humanos, podem
tambm ser cobertos.
O sistema de auditoria reflete o conceito tradicional de avaliao
da garantia da qualidade. um dos principais mtodos para assegurar que o laboratrio capaz de realizar um trabalho de qualidade.
A auditoria requer planejamento e tempo. Segundo Freeberg (1980),
uma auditoria implica estabelecimento de uma equipe de auditores,
planejamento, desenvolvimento de mtodos de execuo da auditoria e
procedimentos objetivos e subjetivos de medidas, avaliao do que foi
averiguado e, o mais importante, o uso do relatrio da auditoria para
realizar mudanas. O sistema de auditoria pode incluir a auditoria
no desempenho ou mesmo verificar o trabalho dos indivduos que conduzem esse tipo de auditoria, para ver se eles executaram suas funes
de modo adequado.
A avaliao da auditoria e o preparo de um relatrio so de
extrema importncia. Freeberg (1980) afirma que a apresentao
de uma lista dos problemas encontrados, sem nenhuma avaliao da
importncia dos mesmos, de pouca valia. Erros importantes
devem ser corrigidos primeiro. Desvios menores do que se considera
aceitvel necessitam ateno e devem ser apontados, mas podem ser
corrigidos com menos prioridade. Os problemas devem ser avaliados
com base em fatos e no em pontos de vista subjetivos.
O relatrio da auditoria deve ser preparado e apresentado ao
laboratrio auditado to rpido quanto possvel. Uma semana um
perodo razovel. De modo algum esse perodo deve ultrapassar
um ms.
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Introduo
Desde a Antiguidade at os dias atuais, grandes e profundas
mudanas no campo da higiene e da tecnologia alimentar vm
ocorrendo, adequando o perfil da qualidade dos alimentos s necessidades da sociedade contempornea. O perodo de produo de
alimentos data de 8 a 10 mil anos atrs, e presume-se que os problemas
de deteriorao e toxicidade de alimentos apareceram logo no incio
desse perodo. Com o advento dos alimentos preparados, surgiram os
problemas de transmisso de doenas e da rpida deteriorao dos
alimentos, causados, sobretudo, pelo armazenamento inadequado,
conforme destaca Jay (2009, p. 19-21).
Franco (2004, p. 1-2) ressalta ser impossvel determinar
exatamente quando, na histria da humanidade, o homem tomou conhecimento da existncia de microrganismos e da sua importncia
para os alimentos. Os progressos realizados no sentido de se compreender a natureza das doenas causadas por alimentos foram
sempre muito lentos. Na Idade Mdia, milhares de pessoas morriam
de ergotismo sem que se soubesse que se tratava de uma intoxicao
ocorrncia das DTAs, que podem se manifestar em infeces alimentares, resultantes da ingesto de alimentos contendo clulas viveis de
microrganismos patognicos. Esses microrganismos aderem mucosa
do intestino e proliferam, colonizando-o. Em seguida, pode haver invaso
da mucosa e penetrao nos tecidos, ou, ainda, a produo de toxinas
que alteram o funcionamento das clulas do trato intestinal.
Os agentes causadores de doenas transmitidas por alimentos
podem ser designados como clssicos, emergentes e reemergentes. Os
clssicos so conhecidos clnica e epidemiologicamente: Staphylococcus
aureus, Bacillus cereus, Clostridium botulinum e Clostridium
perfringens, entre outros. Os emergentes no eram reconhecidos como
causadores de DTAs, mas est sendo comprovado o seu papel como
novos agentes etiolgicos. As bactrias Escherichia coli O157:H7,
Campylobacter jejuni e Listeria monocytogenes esto includas nessa
categoria. Os agentes reemergentes so agentes clssicos, considerados
controlados, e que esto ressurgindo com uma nova incidncia clnica,
alguns deles apresentando-se com maior severidade. Nesse grupo,
encontram-se os agentes responsveis pela tuberculose, brucelose e
cisticercose (Teixeira e Bonacim, 2003).
Segundo a Organizao Pan-Americana de Sade (Opas) (2008),
o nmero de surtos notificados representa pequena porcentagem das
doenas efetivamente transmitidas por alimentos. Alm disso, dados
do CDC demonstram que, do total de surtos causados por alimentos
notificados, somente de 25 a 30% satisfazem os critrios de ter agente
patognico e fonte alimentar identificados. Todos os outros surtos
incluem alimentos ou agentes patognicos desconhecidos, o que significa que as investigaes no foram suficientemente minuciosas
para responder a essas perguntas importantes.
A epidemiologia a cincia que estuda o processo sadedoena
em coletividades humanas, analisando a distribuio e os fatores determinantes das enfermidades e dos agravos sade coletiva, propondo
medidas especficas de preveno, controle ou erradicao de doenas
e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento,
administrao e avaliao das aes de sade (Rouquayrol e Almeida
Filho, 2003).
O perfil epidemiolgico das doenas relacionadas a alimentos no Brasil ainda pouco conhecido, principalmente por causa da
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Situaes e condies de conservao e higiene das instalaes/locais onde ocorrem produo, armazenamento, transporte, comercializao e consumo de alimentos:
dos resduos
a serem consumidos
registros de controle do tempo e temperatura dos alimentos submetidos a tratamento trmico (calor ou frio);
reapro-
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Sistemas de gerenciamento
da qualidade na rea de alimentos
Lidiane Amaro Martins
Yone da Silva
Rinaldini C. P. Tancredi
Introduo
O aperfeioamento e a busca da qualidade nos processos produtivos
de alimentos, por exigncia de consumidores e mercado, impulsionam a
implantao de sistemas de gesto de qualidade que sejam efetivos, no
s nos quesitos reduo de perdas e aumento da competitividade, mas
tambm, em especial, nos aspectos sanitrios relativos preveno de
riscos aos consumidores. E o gerenciamento do controle complexo e
conflituoso, uma vez que envolve diferentes interesses, produtos, categorias de servios e indstrias, recursos humanos diversificados
empresrios, fornecedores, fabricantes e prestadores de servio e,
ainda, rgos reguladores em diferentes ministrios ou secretarias,
cada um com as suas prprias normas reguladoras.
Tratando-se do segmento alimentcio, uma das dimenses da
qualidade chama-se segurana dos alimentos, uma vez que no basta
que um alimento seja gostoso, tenha boa textura, aparncia, odor e
sabor: preciso que ele seja seguro para quem o consome (Bertolino,
2010). Para Cardoso, Souza e Santos (2005), medida que a promoo
e a garantia da segurana alimentar vm sendo incorporadas aos
restaurantes, churrascarias, cafeterias, bares, padarias, lanchonetes, bufs, entre outros pode escolher entre alimentar-se ali ou
no, diferentemente dos servios do tipo alimentao institucional,
que atendem pblico especfico em outros segmentos comerciais,
industriais e institucionais, existindo obrigatoriedade de consumo no
local. Isso o que ocorre com a alimentao em fbricas, creches,
asilos e presdios, entre outras instituies.
Colares e Freitas (2007) ressaltam que as UANs pertencem
ao setor de alimentao coletiva, e sua finalidade administrar
refeies nutricionalmente equilibradas com bom padro higinicosanitrio para consumo fora do lar, que possam contribuir para
manter ou recuperar a sade de coletividades e, ainda, auxiliar no
desenvolvimento de hbitos alimentares.
De acordo com Abreu et al. (2007), pode-se definir uma
unidade de alimentao e nutrio como um conjunto de reas com o
objetivo de operacionalizar o provimento nutricional de coletividades,
consistindo num servio organizado que compreende uma sequncia
de atos destinados fornecer refeies balanceadas, dentro dos padres dietticos e higinicos vigentes, visando ao atendimento das
necessidades nutricionais de seus clientes. Atualmente, h uma
tendncia para a utilizao da denominao unidades produtoras de
refeies (UPRs), uma vez que elas enfatizam nos seus programas
de capacitao dos manipuladores a sade individual e coletiva,
conscientizando manipuladores do seu papel na preveno de doenas
transmitidas por alimentos (Veiros, Kent-Smith e Proena, 2006).
Atendem, portanto, a uma clientela definida comunidade de direito
ou de fato e podem estar situadas em diferentes tipos de empresas:
bancrias, escolares, universitrias, hospitalares, asilares, dentre
outras instituies, conforme descritas no quadro 1 .
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. restaurantes
. instituies bancrias
. churrascarias
. estabelecimentos asilares
. lanchonetes
. instituies hospitalares
. cafeterias
. escolas
. bares
. creches
. padarias
. instituies universitrias
. bufs
. instituies presidirias
As unidades de alimentao e nutrio distinguem-se de qualquer outro processo de produo de refeies por seu compromisso com
a sade, uma vez que devem oferecer uma alimentao equilibrada
nutricionalmente, obedecendo s leis da alimentao (quantidade,
qualidade, harmonia e adequao) e que seja adequada ao comensal
no sentido da manuteno ou da recuperao da sua sade, com vistas
a auxiliar no desenvolvimento de hbitos alimentares saudveis
(educao alimentar); devem, ainda, possuir bom padro higinicosanitrio, alm de contarem com um nutricionista como responsvel
tcnico (Lanzillotti, Pereira e Kornis, 2006).
Os servios de alimentao especificamente classificados como
UANs podem estar inseridos em vrios setores, como o industrial, o
escolar, o empresarial, penal, hospitalar etc. Segundo Abreu (2007),
essas empresas podem ter diferentes tipos de administrao:
a) autogesto a prpria empresa possui e gerencia a UAN,
produzindo refeies que serve a seus funcionrios;
b) concesso a empresa cede seu espao de produo e distribuio para um particular ou para uma empresa especializada
em administrao de restaurantes, livrando-se dos encargos da
gesto da UAN;
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c) refeio transportada a UAN est estabelecida em uma empresa especializada na produo de refeies, transportando
e distribuindo para um local conveniado, que no dispe de
cozinha, somente refeitrio.
As UANs que possuem servio prprio assumem a responsabilidade, inclusive tcnica, da elaborao das refeies, desde a
gerncia de pessoal e material at a distribuio das refeies aos
comensais o que possibilita melhor controle de qualidade , necessitando, por isso, de infraestrutura (rea fsica e equipamento). Tambm podem ser geridas por terceiros, por meio de concessionrias
de alimentao coletiva, mediante diversas modalidades de contrato
entre a empresa beneficiria (tomadora de servio) e a concessionria
(prestadora de servio).
Nessa modalidade de servio, a maior ou menor possibilidade
de atendimento eficaz depende da organizao e da qualificao do
pessoal tcnico, operacional e administrativo empregado pelas empresas prestadoras de servio (Teixeira et al., 2006).
A segurana dos alimentos em servios de alimentao e a
normatizao da qualidade
Para se descrever a abrangncia da segurana alimentar e nutricional que diz respeito qualidade sanitria dos alimentos como
um de seus elementos deve-se levar em conta a garantia da qualidade
biolgica, sanitria, nutricional e tecnolgica dos alimentos, bem
como o seu aproveitamento, estimulando-se prticas alimentares e
estilos de vida saudveis que respeitem a diversidade tnica, racial e
cultural da populao. Esses conceitos, constantes no documento final
da III Conferncia Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional,
realizada em julho de 2007, indicam trs elementos bsicos da
segurana alimentar e nutricional: o acesso ao alimento, a qualidade
nutricional e a qualidade sanitria.
De acordo com a Associao Brasileira de Refeies Coletivas
(Aberc) (2013), no ano de 2012, o setor de alimentao coletiva forneceu
ao todo 11 milhes de refeies por dia. Durante a manipulao dos
alimentos em servios de alimentao, pode haver contaminao
resultantes de condies precrias de higiene de manipuladores de
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alimentos, equipamentos, utenslios e ambiente, e de condies inadequadas de armazenamento dos produtos prontos para consumo. A
segurana alimentar do ponto de vista higinico-sanitrio representa
grande preocupao; por isso, torna-se necessria a adoo de medidas
para prevenir a contaminao nas diferentes etapas do processo
produtivo, uma vez que as doenas transmitidas por alimentos (DTAs)
se propagam com rapidez e so de alta patogenicidade, conforme destaca Arruda (2000).
Os programas de segurana do alimento devem realizar o controle
de qualidade de toda a cadeia alimentar, desde o campo, transporte,
recepo, armazenamento, pr-preparo, preparo e distribuio at o
consumo do alimento. No Brasil, a poltica de controle de alimentos
est submetida s aes do Ministrio da Sade, Ministrio da
Agricultura, Pecuria e Abastecimento (Mapa), Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (MDIC) e Ministrio da
Justia (Tabai, 2002). No campo das prticas complementares para a segurana dos alimentos, destaca-se a Associao Brasileira
de Normas Tcnicas (ABNT), entidade privada sem fins lucrativos
vinculada ao Instituto Nacional de Metrologia, Normalizao e Qualidade Industrial (Inmetro). A ABNT a representante do Brasil
em organismos internacionais como a International Organization
for Standardization (ISO) e a Associao Mercosul de Normalizao
(AMN), e reconhecida pelo International Acreditation Forum (IAF)
como organismo certificador de sistemas de qualidade e tambm
pelo credenciamento de outras entidades de certificao no Brasil. A
ABNT atua desde a dcada de 1950 na certificao de conformidade
de produtos e servios. Essa atividade est fundamentada em guias
e princpios tcnicos internacionalmente aceitos e alicerada em
uma estrutura tcnica e de auditores multidisciplinares (Associao
Brasileira de Normas Tcnicas, 2006).
Conceito de qualidade em servios de alimentao
Mezomo (2002) define a qualidade como o nvel de excelncia
dos produtos/servios visando satisfazer, suprir e extrapolar as necessidades dos clientes. De acordo com Bertolino (2010), um dos
efeitos positivos da garantia da qualidade que, alm da reduo de
custos de no qualidade interna, como o caso da perda de produtos
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nico qualificado, investimentos em instalaes adequadas, a indisponibilidade de recursos financeiros para a implantao, a falta de
comprometimento dos proprietrios e a deficincia de apoio e conhecimento para uma adequada implantao. Estudos realizados por
Rgo et al. (2001) em servios de alimentao demonstraram que 70%
deles no tm ou no seguem as boas prticas, por desconhecimento de
critrios e parmetros para o seu estabelecimento.
Anlise de Perigos e Pontos Crticos de Controle APPCC
Considerando-se as limitaes da inspeo tradicional e da
amostragem/anlise de lotes, e sua incapacidade de garantir a segurana dos alimentos, foi desenvolvido em 1970 o conceito de Anlise
de Perigos e Pontos Crticos de Controle, que trouxe uma grande
contribuio para a produo de alimentos seguros.
Os objetivos do APPCC so focados nos perigos de um determinado alimento que apresentem alguma probabilidade de afetar a
sade pblica, caso no sejam controlados, e no desenvolvimento de produtos alimentcios e de condies de processamento, comercializao,
preparao e uso que permitam controlar esses perigos.
O APPCC (ou Hazard Analysis and Critical Control Point
HACCP, como conhecido fora do Brasil) uma ferramenta com
caractersticas preventivas, baseada na identificao e no controle
de perigos de natureza biolgica, qumica ou fsica, relacionados
sade do consumidor, em etapas especficas do processo de preparo
dos alimentos, denominadas pontos crticos de controle (PCC), com o
objetivo de evit-los, elimin-los ou reduzi-los a nveis tolerveis pelo
organismo humano (Servio Nacional de Aprendizagem Comercial,
2001). O mtodo visa assegurar a qualidade e a inocuidade dos
alimentos mediante o monitoramento dos pontos crticos de controle
durante todo o processo produtivo (Lovatti, 2004). O sistema deve
ser implantado no nvel da produo, transformao, transporte,
distribuio, armazenamento, exposio venda, consumo ou em
qualquer etapa que possa representar um risco sade do consumidor.
No Brasil, o sistema APPCC parece surgir efetivamente a partir
de documento do Codex Alimentarius intitulado Guias para a aplicao do sistema APPCC, que, em 1993, foi oficialmente transformado em
documento com o objetivo de implantar um programa de padres para
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Autores
Ana Lcia do Amaral Vendramini
Graduada em Qumica Industrial pela Faculdade de Filosofia,
Cincias e Letras de Vassouras, mestre e doutora em Bioqumica
pelo Instituto de Qumica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Atualmente professora adjunta do Instituto de Qumica
da UFRJ; professora colaboradora do Programa de Ps-graduao
em Tecnologia de Processos Qumicos e Bioqumicos.
Andr Lus Gemal
Graduado em Farmcia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), mestre em Qumica pelo Instituto Militar de Engenharia
(IME) e doutor em Cincias pela Universidade Joseph Fourier, em
Grenoble/Frana. Atuou como diretor do Instituto de Tecnologia em
Frmacos (Farmanguinhos) e do Instituto Nacional de Controle de
Qualidade em Sade (INCQS), unidades tcnico-cientficas da Fundao
Oswaldo Cruz (Fiocruz); foi diretor da Secretria de Vigilncia Sanitria
do Ministrio da Sade e professor da Universidade Federal de Alagoas
(Ufal) e da Universidade de Braslia (UnB). Atualmente professor
associado do Instituto de Qumica da UFRJ.
Bianca Ramos Marins
Graduada em Cincias Biolgicas Modalidade Mdica pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), especialista em
Autores
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Autores
Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) e professora da Psgraduao em Vigilncia Sanitria de Produtos do Instituto Nacional
de Controle de Qualidade em Sade (INCQS/Fiocruz).
Yone da Silva
Graduada em Nutrio pela Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (Unirio), especialista em Vigilncia Sanitria de Servios
de Sade pela Escola Nacional de Sade Pblica da Fundao
Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) e mestre em Vigilncia Sanitria de
Produtos pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Sade
(INCQS/Fiocruz). Atualmente professora da Faculdade de Nutrio
da Universidade Veiga de Almeida (UVA/RJ).
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Este livro foi impresso pela Editora e Papis Nova Aliana Ltda-ME, para a
Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio/Fiocruz, em julho de 2014.
Utilizaram-se as fontes Century Schoolbook e Avenir LT Std na composio,
papel offset 75g/m2 no miolo e carto supremo 250g/m2 na capa.