O documento discute o conceito de Estado Democrático de Direito, sua história e atualidade. Começa definindo o Estado de Direito e como ele evoluiu para o Estado Democrático de Direito, incorporando elementos democráticos e de justiça social. Também analisa os desafios atuais do Estado Democrático de Direito em um contexto de globalização e avanços tecnológicos, como garantir legitimidade e participação democrática em decisões cada vez mais distantes dos espaços de poder tradicionais.
O documento discute o conceito de Estado Democrático de Direito, sua história e atualidade. Começa definindo o Estado de Direito e como ele evoluiu para o Estado Democrático de Direito, incorporando elementos democráticos e de justiça social. Também analisa os desafios atuais do Estado Democrático de Direito em um contexto de globalização e avanços tecnológicos, como garantir legitimidade e participação democrática em decisões cada vez mais distantes dos espaços de poder tradicionais.
O documento discute o conceito de Estado Democrático de Direito, sua história e atualidade. Começa definindo o Estado de Direito e como ele evoluiu para o Estado Democrático de Direito, incorporando elementos democráticos e de justiça social. Também analisa os desafios atuais do Estado Democrático de Direito em um contexto de globalização e avanços tecnológicos, como garantir legitimidade e participação democrática em decisões cada vez mais distantes dos espaços de poder tradicionais.
O documento discute o conceito de Estado Democrático de Direito, sua história e atualidade. Começa definindo o Estado de Direito e como ele evoluiu para o Estado Democrático de Direito, incorporando elementos democráticos e de justiça social. Também analisa os desafios atuais do Estado Democrático de Direito em um contexto de globalização e avanços tecnológicos, como garantir legitimidade e participação democrática em decisões cada vez mais distantes dos espaços de poder tradicionais.
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ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO: CONCEITO, HISTRIA E
CONTEMPORANEIDADE GEISA DE ASSIS RODRIGUES Procuradora Regional da Repblica Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro Professora licenciada da UFBA ROBRIO NUNES DOS ANJOS FILHO Procurador Regional da Repblica Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia Professor de Direito Constitucional Diretor do IBEC Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais
1.0. guisa de introduo
Passados dezessete anos Constituio de 1988 ainda se faz relevante refletir
sobre os pilares dessa nova ordem, especialmente sobre o Estado Democrtico de Direito ali fundado. Os percalos da nossa jovem democracia devem manter-nos alertas para esse importante princpio e fundamento de nossa ordem jurdica. Em tempos de desassossegos polticos, de desvios de verbas pblicas, da persistncia de prticas patrimonialistas e de nebulosas transaes, ainda como na cano de Chico Buarque, a maior homenagem que podemos render ao texto constitucional torn-lo o mais prximo possvel de nosso quotidiano. As breves reflexes que seguem objetivam retomar esse importante tema, e no pretendem apresentar verdades irrefutveis sobre um objeto ainda em construo, mas sim convidar os estudiosos do Direito em geral ao debate acadmico sobre o que pode significar a afirmao constituinte de que a Repblica Federativa do Brasil constitui um Estado Democrtico de Direito.
2.0. O Estado de Direito
A construo histrica do Estado de Direito ocorreu diante da inadequao do
pluralismo jurdico que caracterizava o medievo para promover os anseios de liberdade, de
igualdade e de segurana do capitalismo. Suas caractersticas mais relevantes so: a
soberania do Estado Nacional, a unidade do ordenamento jurdico, a diviso dos poderes estatais, o primado da lei sobre outras fontes de proteo jurdica, o reconhecimento da certeza do Direito como valor poltico fundamental, a igualdade formal dos cidados perante a lei, o reconhecimento e a proteo de direitos individuais, civis e polticos, a garantia constitucional, a distino entre pblico e privado e a afirmao da propriedade privada e da liberdade de iniciativa econmica. No Estado de Direito houve o trnsito do status ao contrato, segundo a famosa lei de Maine, com a erradicao dos vnculos corporativos e privilgios hereditrios. A liberdade social e econmica foi um dos resultados mais palpveis da introduo no sistema jurdico do princpio da igualdade dos homens perante uma lei genrica e impessoal. O laisser faire, laisser passer traz em si um grmen de novidade, pois o Estado permite a liberdade dos indivduos. Somente a igualdade de todos ante a lei poderia se constituir em um formidvel ponto de partida para uma nova era de direitos, na j celebrizada expresso de Bobbio. A concepo iluminista fundou um novo Estado, ao mesmo tempo em que intuiu o meio de sua fundao e constante recriao, ou seja, a Constituio. As origens da Constituio e do Estado de Direito se confundem, e quase um exerccio de tautologia tentar identificar o que tenha precedncia de nascimento. O Estado de Direito constitucional tambm o pai da democracia representativa. O voto peridico de todos do povo, a alternncia de poder, a representao popular, a separao de poderes, a reviso jurisdicional integram importantes conquistas da democracia representativa e liberal. Como se percebe, nela se radica a gnese de fundamentais regras processuais de tomada de decises polticas. Todavia, as disfunes do regime democrtico, enunciadas de Kelsen a Bobbio, passando por Robert Dahl, apenas para citar alguns autores, tornam distintas a democracia como idia e como fenmeno real. Deve-se, assim, compreender o que de simblico reside na expresso democracia, pois o discurso democrtico tem uma grande aptido para legitimar a ordem instituda. Com efeito, a democracia no pode prescindir do valor da justia, sob pena de ser uma expresso vazia. O ideal de um governo em que todos participem na mesma medida da formao da vontade que a todos submete deve servir como meta a ser atingida. O Estado de Direito formal e liberal precisou ser revisto, notadamente pela sua insuficincia em permitir a consecuo de fins muitas vezes explicitamente assumidos pelo sistema. A desigualdade material, a injustia nas relaes privadas e pblicas, as
limitaes da proteo jurdica estritamente individual demonstraram a inpcia do Estado
Liberal para atender os reclamos da nova ordem. Entra em colapso a crena no mercado, posto que alm deste nunca ter sido uma arena de promoo de direitos para os patrimonialmente desprivilegiados se incapacitara at mesmo para a sustentao da liberdade econmica. O prprio sistema fundado pelos burgueses precisa de um Estado forte, interventor para permitir a sua reproduo.
3.0. A evoluo para o Estado Democrtico de Direito
O Estado de Direito foi incapaz de impedir a ocorrncia de duas grandes
guerras mundiais, de evitar a formao de ordens ditatoriais, de evitar o flagelo da misria. Novamente na Constituio que se recria o Estado de Direito, agora qualificado como social, de bem estar, sem que se descure da importante herana das garantias formais do perodo anterior. No domnio econmico o Estado passa a intervir direta ou indiretamente na produo, circulao e distribuio de riquezas, para refrear a tendncia oligopolista do capitalismo avanado. No domnio social, o Estado convocado para empreender polticas pblicas para promover a concretizao dos direitos individuais e sociais que no interessam ao mercado. O pblico e o privado se aproximam, se estreitam os caminhos entre o Jardim e a Praa, o Estado se agiganta, e quem passa a exercer um importante papel na estrutura poltica a Administrao Pblica. O Estado Social de Direito tem seu maior desafio na busca em compatibilizar o bem estar geral e as demandas de neocapitalismo, gerando um espao de deciso poltica fora dos controles de legitimidade tradicionais. Em suma, el binomio tecnocraciadesideologizacin se manifiesta en la zona de la actuacin concreta del Estado como burocracia-despolitizacin: la administracin pretende sustituir a la politica. Esse fato acaba por gerar o que Habermas define como carncia democrtica de legitimao, o que ocorre sempre que o crculo daqueles que tomam parte nas decises democrticas no coincide com o crculo daqueles que so afetados por essas decises. As limitaes polticas do Estado Social de Direito foram vividas intensamente nos pases da Pennsula Ibrica, reconstitucionalizados aps regimes ditatoriais. Partiram do pressuposto de que a democratizao necessria do Estado Social implicava uma conformao econmica de feio socialista, sendo o Estado Democrtico de Direito um atalho para tanto. Elas Diaz afirmava que el paso progresivo del capitalismo al
socialismo ser as paralelamente el paso al Estado Democrtico de Direito, o que tambm
era explicitamente reconhecido nas primeiras verses da Constituio da Repblica Portuguesa. A primeira concepo de Estado Democrtico de Direito identificava democracia participativa com isonomia de participao nos rendimentos da produo. As dificuldades de se implementar o socialismo econmico, a falncia do socialismo de Estado sovitico, o processo crescente de globalizao da economia e da cultura determinaram uma reviso desse entendimento inicial. Destaca Antonio Prez Luo que o Estado Democrtico de Direito no se vincula a um modelo econmico, embora tenha um compromisso efetivo com a maior incluso dos cidados nos desgnios polticos do Estado. O direito ao mnimo essencial a faceta econmica do Estado Democrtico de Direito, ou seja, deve o Estado garantir as condies materiais que permitam o desenvolvimento da personalidade de cada um, em uma primeira expresso da dignidade da pessoa humana. Assim, a radicalizao da democracia pode importar em uma nova lgica de desenvolvimento econmico, mas no conduzir necessariamente ao socialismo. Nada obsta que a economia de gastos e a possibilidade de um controle mais efetivo sobre a qualidade dos servios prestados ao cidado recomendem uma atuao mais tmida do Estado como interventor direto na economia. O que no se espera do Estado Democrtico de Direito sua demisso do encargo de promover as medidas necessrias para a incluso social, posto que o mercado delas jamais se ocupar, resgatando a acepo liberal do fair value de direitos repartidos com paridade de John Rawls. O Estado Democrtico de Direito tambm tem como fundamento a incluso poltica, por isso deve suprir a carncia de legitimao democrtica com novos mtodos de controle poltico, como os que ensejam a participao efetiva do povo atravs de mecanismos de democracia semi-direta. A questo do exerccio democrtico abrange as relaes no estatais, reforando a importncia do contedo da legalidade para criar regras de jogo social e poltico aceitas e conhecidas por todos. A revoluo tecnolgica, particularmente nas searas da biogentica e da comunicao, impe novas decises sobre a vida de todos, sem que haja quase nenhum tipo de controle social. Um exemplo ilustrativo a produo e consumo de alimentos geneticamente modificados que precederam de muito qualquer debate social e poltico sobre essas escolhas. Ademais, na lio de Habermas, o rompimento de fronteiras da economia, da sociedade e da cultura ensejou no s a perda da capacidade do controle do Estado Nacional,
mas tambm o crescente dficit de legitimao do processo decisrio e a progressiva
incapacidade de dar provas, com efeito legitimador, de aes de comando e de organizao. Como poder o Estado Democrtico de Direito responder, no sentido da responsividade de Robert Dahl, aos desafios da sociedade ciberntica que cria espaos de decises polticas e sociais cada vez mais distantes dos clssicos espaos de poder? Como o Estado Democrtico de Direito poder superar a crise da soberania do Estado nacional que no consegue, com suas prprias foras, defender seus cidados de outros atores ou contra os efeitos em cadeia de processos que tm origem fora de suas fronteiras? O Estado Democrtico de Direito no tem respostas definitivas para essas perguntas. Mas a sua inegvel vantagem a abertura que a essncia democrtica lhe empresta. Porque la democracia debe ser propuesta como objetivo constante y debe entenderse como proceso siempre abierto en el tiempo. A democracia, na expresso de Miguel Reale, um verdadeiro processo histrico incessante, sempre se admitindo uma maior democratizao do que democrtico. No toa que o Estado Democrtico de Direito fundado em uma constitucionalizao aberta, que define os princpios bsicos mas que permite que vrias categorias possam ter uma moldura diferenciada ao longo do tempo.
4.0. Estado Democrtico de Direito e sistema constitucional brasileiro
Embora influenciado pelas grandes tendncias do constitucionalismo
mundial inegvel, na histria constitucional e poltica brasileira, que os institutos e princpios jurdicos, inspirados ao longo da histria notadamente na cultura jurdica francesa, norte- americana, e mais recentemente portuguesa, foram apropriados pelo nosso sistema de uma maneira muito insincera, para utilizar a expresso de Luiz Roberto Barroso. A Constituio do Imprio inaugura apenas aparentemente o Estado de Direito brasileiro. Na verdade, a separao de poderes quadripartite, com a previso do Poder Moderador ao lado dos tradicionais, no garantia o controle do poder pelo poder. A escravido incompatvel com a axiologia do Estado de Direito, que proclama direitos para todos. Sem contar que a origem autoritria dessa Carta contradiz todo o movimento constitucional de limitao do arbtrio do absolutismo. A Constituio de 1891 apresentou uma verdadeira alegoria da Repblica. O ideal republicano era negado amide pelas prticas polticas de ocupao e exerccio do poder na poca de sua vigncia. A sociedade brasileira no tem direitos nem bem estar, sendo
simbolizada pelo famoso personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato.
A efemeridade da Constituio de 1934 no a permitiu reverter o quadro poltico e econmico do pas, embora tenha sido um primeiro ensaio de uma ordem poltica sujeita ao direito. Em 1937 instauramos o Estado novo, a ditadura varguista, e no o Estado de Direito. Os avanos que ocorreram com a concesso de direitos trabalhistas, numa concepo paternalista do Estado, no foram acompanhados de liberdade poltica e garantia efetiva dos direitos civis. A Constituio de 1946 instituiu um Estado de Direito incorporando as novas declaraes de direitos coletivos e sociais j indiciadas na Constituio de 1934. Todavia, ainda no tinha sido a hora da consolidao da cultura democrtica , do respeito aos direitos civis e polticos no pas. Em 1964 vivemos um novo golpe de Estado, que produziu a Constituio de 1967 e a Emenda Constitucional n 1, de 1969, que a reinterpretou. Mais uma vez no podemos afirmar que esses processos constituintes tenham instaurado um verdadeiro Estado de Direito. Novamente identificamos o desrespeito aos direitos civis e polticos, individuais e coletivos e a ausncia de um controle efetivo do exerccio do poder poltico como marcas da vigncia constitucional. Ademais, no Brasil no logramos combater a indigncia material de parcela significativa de nossa populao, problema mitigado no Estado de bem estar social dos pases desenvolvidos. Alm disso, nossa cultura poltica pouco habituada com o controle efetivo de poder, e, assim, em situaes de confronto o Estado brasileiro nunca respeitou a sua prpria enunciao de direitos, sempre utilizando a coisa pblica em favor dos interesses das pessoas e dos grupos dirigentes do pas. No de estranhar, portanto, que o constituinte de 1988 quisesse bradar a todos os ventos que o Estado de Direito que estava sendo fundado deveria ser qualificado como democrtico. Ao contrrio de Portugal, o Estado Democrtico de Direito no se vinculou expressamente ao socialismo. Na verdade, no domnio econmico que fica mais evidente a rede de compromissos que forjou o texto constitucional, conferindo-lhe plasticidade suficiente para se amoldar s variaes de opes de modelo econmico. Logo no prembulo encontramos a proclamao de que os representantes do povo brasileiro se reuniram em Assemblia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluo pacfica das controvrsias. A instituio de um Estado Democrtico, portanto, foi a motivao maior da prpria existncia da Assemblia Nacional Constituinte. Ainda que passemos ao largo da discusso acerca da natureza normativa ou no do prembulo, inegvel que essa passagem fundamental para a compreenso da nossa Lei Maior. No ser demais relembrar que o prembulo e aqui sem dissenso doutrinrio importante fonte de hermenutica constitucional, condicionando a interpretao de toda a parte dogmtica e mesmo das disposies constitucionais transitrias. Mas o desejo constituinte no foi o de instituir apenas um Estado Democrtico, mas sim um Estado Democrtico de Direito. A previso meramente formal de instrumentos democrticos no esgota o contedo dessa ltima expresso, que mais abrangente. preciso a concretizao da democracia, mudando-se o status quo para propiciar a promoo da igualdade material, vivenciando-se, a cada dia, processos de participao popular efetiva. nesse sentido que o artigo 1 da Constituio Federal brasileira tem o seguinte enunciado: A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: I a soberania; II a cidadania; III a dignidade da pessoa humana; IV os valores sociais do trabalho; V o pluralismo poltico. Pargrafo nico. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio. fato que alguns autores entendem que a expresso composta Estado Democrtico de Direito redundante, porque Estado de Direito seria o mesmo que Estado Democrtico. Com efeito, a democracia representativa uma das decorrncias diretas do Estado de Direito. Mas ser que o artigo 1 de nossa Constituio no desejou imprimir uma nova realidade normativa para o nosso Estado, ao enunciar a frmula Estado Democrtico de Direito e ao vincul-la explicitamente a um determinado contedo valorativo? Para Jos Afonso da Silva a configurao do Estado Democrtico de Direito no significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrtico e Estado de direito. Consiste, na verdade, na criao de um conceito novo, que leve em conta os conceitos dos elementos
componentes, mas os supere na medida em que incorpora um componente revolucionrio de
transformao do status quo. Assim, segundo a lio de Jos Afonso da Silva, a noo de Estado Democrtico de Direito rene os princpios do Estado Democrtico e do Estado de Direito, aliados a um componente revolucionrio de transformao social, de mudana do status quo, de promoo da justia social. A idia de Estado de Direito implicaria na submisso de todos ao imprio da lei, na previso da separao de poderes e na consagrao de direitos e garantias individuais. O Estado Democrtico agregaria o princpio da soberania popular, com a efetiva participao do povo na gesto da coisa pblica. O componente revolucionrio, de sua vez, traria a vontade de transformao social. Entendemos que h o fim normativo de se instaurar uma ordem qualitativamente mais democrtica, posto que mais justa, irradiando os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, tambm sobre a ordem jurdica. O princpio democrtico no deve apenas ensejar interpretaes zetticas do texto constitucional, como muito bem lembrado por Vicente Barreto, mas impor decorrncias vinculantes para o operador do Direito. O Estado Democrtico de Direito , ao mesmo tempo, um princpio constitucional e a prpria ordem que resulta da aplicao desse princpio. A primeira funo do princpio constitucional justificar a existncia mesma do poder. O Estado Democrtico de Direito privilegia quatro parmetros legitimadores, na expresso do professor Vicente Barreto, quais sejam: a) a cidadania; b) a dignidade da pessoa humana; c) o trabalho e a livre iniciativa; e d) o pluralismo poltico. Portanto, o poder no Estado brasileiro atual s se justifica na medida em que exista para promover esses valores fundamentais. Temos assim, na Constituio, um compromisso entre uma teoria de reconhecimento da legitimidade, que reserva o qualificativo de legtimo lei, ao ordenamento jurdico em geral ou observncia das regras legais de aceitao do procedimento e das decises dele resultantes, e uma teoria conteudista da legitimidade, que vincula a noo de legitimidade a um valor superior letra da lei. Fundamental o papel que o princpio do Estado Democrtico de Direito deve desempenhar na aplicao do texto constitucional. O princpio constitucional tem uma dimenso negativa de impor um limite atividade legiferante, jurisdicional e administrativa,
no sentido de no admitir que as mesmas ensejem resultados que contrariem os preceptivos
constitucionais. Ao mesmo modo tem uma dimenso positiva de propiciar e estimular condutas de todos os Poderes Pblicos em favor da concretizao dos princpios. Nesse sentido, o princpio do Estado Democrtico de Direito impe no s condutas omissivas, no sentido de no serem violados os valores da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do trabalho e da livre iniciativa, e do pluralismo poltico, mas tambm, e a reside a novidade do constitucionalismo moderno, comportamentos positivos no sentido de efetivamente promov-los e concretiz-los. A ordem que cria e se alimenta do princpio do Estado Democrtico de Direito tem uma caracterizao especial, e podemos citar trs decorrncias fundamentais da sua estruturao, intimamente vinculadas ao valor da cidadania e da dignidade da pessoa humana, que so: a) a tendncia dimenso participativa da democracia; b) a garantia do acesso justia de direitos transindividuais e a concepo de uma instituio especialmente dedicada defesa da democracia e dos direitos, como o Ministrio Pblico; e c) o compromisso inarredvel com a probidade da gesto dos recursos pblicos.
5.0. Consideraes conclusivas
Embora de inegvel importncia, a mera previso do princpio do Estado
Democrtico de Direito na Constituio formal no suficiente para a sua realizao. imprescindvel, em verdade, um processo diuturno e inesgotvel de sua concretizao, em todas as esferas do Poder Pblico, e mesmo na instncia privada, que no est, por bvio, desobrigada constitucionalmente. Por isso, dever de cada um de ns no apenas fiscalizar os agentes polticos eleitos ou investidos no poder atravs de outros processos constitucionalmente previstos como ocorre com os magistrados e membros do Ministrio Pblico para exigir dos mesmos uma atuao que seja consentnea com os ditames do Estado Democrtico de Direito. preciso atentar para uma outra parcela importante desse processo, que o nosso agir cotidiano, que deve tambm estar sintonizado com este objetivo normativo. Utilizar o jeitinho brasileiro como instrumento de aplicao da lei de Grson, propagando na cultura social a idia de que pode haver algum acima da lei, um triste exemplo de burla ao Estado de Direito e, por conseguinte, ao Estado Democrtico de Direito. Tambm causa de frustrao desse princpio ausentar-se do debate poltico atravs do
desinteresse pelas questes da democracia representativa, votando inconseqentemente ou
sem memria, permitindo assim que os donos do poder, desnudados por Raimundo Faoro, se perpetuem e se apropriem da coisa pblica. E todas essas prticas, alm de outras comuns rotina de muitos de ns, impedem em conjunto as transformaes to necessrias a um futuro mais igual, mais justo, mais digno, mais constitucional. Por isso, para que um dia vejamos concretizado o Estado Democrtico de Direito no temos apenas que denunciar o que outros no fazem por ns, mas temos que fazer, cada um de ns, o que no depende de mais ningum.
Transplantes Normativos e algumas refrações da sua utilização em decisões judiciais: Análise de posições do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e dos Tribunais Superiores brasileiros