DI - HUM - NO - DIR - U1 - Livro Didático
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FILOSOFIA DO DIREITO
120 minutos
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), com o surgimento da Idade Moderna, o paradigma de pensamento sofreu modificações. Na
arte, o humanismo recupera a estética clássica. Na economia, decai a agricultura de subsistência. Na filosofia
não foi diferente; a modernidade coincidiu com o declínio da Escolástica, dando lugar ao subjetivismo e ao
antropocentrismo. Estes novos paradigmas determinaram uma nova forma de pensar e de conhecer o
mundo.
Em suma, com a transição da Idade Média para a Idade Moderna, passou-se a buscar o conhecimento com
base no pensamento racional. Nesta aula, trataremos dessa mudança paradigmática com foco na filosofia
do Direito, buscando entender as novas bases da filosofia jurídica. Vamos lá!?
CONCEITOS PRELIMINARES
Com o fim da Idade Média e o decrescimento do poder e da influência da Igreja Católica nos meios filosófico
e científico, foi necessário estabelecer novas bases epistemológicas. Visto que a fonte da verdade não é mais
as sagradas escrituras, foi preciso buscar outro terreno para assentar a verdade.
Se anteriormente as perguntas “o que é justiça”, “qual ação moralmente correta?” ou “como podemos saber
onde está a verdade?” eram respondidas afirmando a relação com a doutrina da Igreja, essas questões
precisaram ser pensadas em outros termos após o renascimento.
O ceticismo surge, nesse contexto, como uma forma de lidar com essa ausência de fundamento para o
conhecimento; já que não há um lugar seguro para a verdade, deve-se duvidar de tudo.
Percebe-se, portanto, que o progresso da razão, que se acentua com a diminuição da influência religiosa na
sociedade, possibilitou o desenvolvimento de filosofias, artes e ciências que possibilitaram ao ser humano
adentrar num mundo de mais autonomia. Fora das amarras do período medieval, as ciências naturais
puderam se desenvolver de modo a prever certos acontecimentos na natureza e usar isso para prover
melhores condições de vida.
Dois grandes expoentes desse movimento foram Kant e Hegel. Immanuel Kant foi autor de importantes
trabalhos sobre epistemologia, metafísica, ética e estética, ajudando a fundar a percepção moderna do
homem sobre o mundo e sobre si mesmo e construindo as bases para o idealismo transcendental. Hegel
também faz parte do Idealismo Alemão e foi fortemente influenciado pela doutrina kantiana.
Já no campo das humanidades, a ética e a política também passaram por muitas transformações.
Pensadores como Montaigne e Maquiavel criaram novos pressupostos pautados não mais em verdades
reveladas, mas nos resultados da investigação sobre a natureza humana.
Todavia, retomar o hábito da busca pela verdade não foi uma tarefa fácil, pois perdera-se a base do
conhecimento: Deus. Se o renascimento fez abandonar a noção de que a fonte do conhecimento é o livro
sagrado, onde está, então, a verdade? Qual o melhor caminho para alcançá-la? Passa a imperar, pois, a razão.
Na dimensão política do renascimento, Maquiavel surge como uma figura importante ao trazer uma análise
da política e das estruturas do poder, fundando o pensamento político moderno e sendo o primeiro a propor
a separação entre igreja e política.
O pensador italiano desnudou as questões políticas, assumindo que a disputa de poder, as lutas e as tensões
são partes essenciais do jogo político. Por isso, para ele, não se deveria idealizar a política ou considerar que
existem propósitos mais nobres do que outros; a política é a disputa, e o objetivo sempre é a conquista e a
manutenção do poder.
Além disso, floresceram nesse período os primeiros debates sobre o acúmulo de riquezas e o capitalismo,
pois, com a desconstrução do sistema feudal, surgiram novas relações de trabalho e novas formas de produzir
bens dotados de valor econômico. Isso chamou a atenção, também, para as desigualdades latentes entre as
classes sociais. Esse processo fomentou, mais tarde, o trabalho de Marx e Engels na proposta do comunismo.
Aprofundando nossa análise, estudaremos, agora, as contribuições kantianas para a Filosofia Moderna.
Immanuel Kant (1724-1804) nasceu e viveu em Königsberg, na Prússia. Tornou-se livre-docente, e, no ano de
1770, como professor catedrático da universidade local, ministrou cursos nas áreas de Lógica, Metafísica,
Antropologia, Pedagogia, Filosofia Moral, Direito e Geografia. Kant foi responsável pela elaboração de um
sistema filosófico caracterizado pela crítica diante dos objetos tradicionais da metafísica (cf. BARROS; et. al.,
2018). Não coincidentemente, suas três principais obras receberam o nome de “crítica”, a saber: Crítica da
Razão Pura (1781); Crítica da Razão Prática (1788) e Crítica da Faculdade de Julgar (1790).
A filosofia kantiana sintetizou o espírito do Iluminismo e a busca pelo esclarecimento racional. Assim, a partir
da elaboração de seu sistema filosófico, somente aquilo que se submete ao exame público pode ser
merecedor de respeito: “tudo deve ser esclarecido, trazido a público, aberto à claridade” (FRATESCHI; RAMOS;
MELO; 2021, n. p.).
O princípio da publicidade, portanto, pode ser indicado como uma das grandes contribuições do pensamento
kantiano para a filosofia política e para o Direito.
Kant estendeu o conceito de autonomia individual para a esfera política, promovendo a distinção entre a
Ética e o Direito (cf. BARROS; et. al., 2018). Assim, partindo da distinção entre teoria e prática, apresentou as
noções de “lei da natureza” (filosofia teórica) e de “leis da liberdade” (filosofia prática ou moral).
A filosofia prática proposta por Kant, nesse sentido, deve ser observada à luz de dois caminhos: (a) o primeiro,
relacionado à liberdade externa, responsável por garantir a convivência pacífica entre os indivíduos, e (b) o
da liberdade interna, “enquanto capacidade que tem o indivíduo de dar a si mesmo fins propostos por sua
própria razão” (BARROS; et. al., 2018, n.p.).
Enquanto o Direito cuida da justiça (liberdade externa), a Ética cuida da virtude (liberdade
interna e/ou autonomia).
Como nos ensinam Frateschi, Ramos e Melo (2021, n.p.), “um ser racional só pode conceber suas máximas
como leis gerais práticas quando as toma como princípios que determinam a vontade segundo a forma, e não
segundo a matéria”. A razão se torna prática, sob esse ponto de vista, quando é capaz de raciocinar no sentido
de estabelecer uma lei capaz de ser aplicada à vontade: surge a noção de um imperativo categórico. O dever
assume papel de grande relevância dentro desse contexto.
Kant defende que uma ação deve ser praticada não em face do resultado prático que pode vir a resultar, mas,
sim, porque se trata de uma decorrência do princípio do querer, ou seja: o indivíduo deve desejar respeitar a
lei, independentemente do resultado que isso possa lhe acarretar.
Cumprimos o Direito (ou seja, normas heterônomas de natureza estatal), segundo Kant, apenas porque elas
contêm em si mesmas uma fundamentação material, as quais são propostas pela razão. Nasce a partir de tais
concepções a noção de Estado de Direito, enquanto instituição mantenedora de um conjunto normativo
(ordenamento jurídico) que se apresenta como condição para o exercício da liberdade.
Para além do estudo teórico sobre os fundamentos das normas, do poder e da razão, alguns pensadores, com
base no próspero cenário da Modernidade, começaram a repensar a relação entre os homens por uma
abordagem mais prática.
Considerado um estudioso interdisciplinar, o alemão Karl Heinrich Mordechai Marx é um dos principais
nomes de áreas como Sociologia, Filosofia, Direito, Economia, dentre outras. Seus estudos são muito amplos e
complexos, sendo que a maior parte foca em questões econômicas, mas, como sempre teve como
preocupação relacionar os problemas econômicos com as instituições sociais, alguns conceitos desenvolvidos
pelo pensador tornaram-se uma das vertentes mais invocadas por todos os sociólogos contemporâneos.
Na redação do jornal, em 1844, conheceu Friedrich Engels, e juntos formaram uma amizade que duraria por
toda a vida. Com o início da Revolução Francesa, os amigos escreveram, juntos, o folheto “O Manifesto
Comunista” (GIDDENS, 2012).
Em razão de suas ferrenhas críticas ao Estado, entrou em conflito com as autoridades alemãs e acabou sendo
expulso da França. Exilou-se, então, em Bruxelas, o que não o impediu de permanecer participando de vários
movimentos revolucionários na Europa (GIDDENS, 2012).
Marx esteve presente em uma época em que a Europa mergulhava em conflitos, tanto no campo das ideias
como no das instituições. Em meados do século XIX, a classe dominante no capitalismo e detentora dos meios
de produção, também chamada de burguesia, havia realizado as suas revoluções (Revolução Inglesa e
Francesa) e conquistado o poder político, em particular, nos países da Europa, organizando o seu próprio
Estado (burguês), desenvolvendo as forças produtivas da sociedade e a economia capitalista.
O processo de industrialização revolucionou as relações de trabalho nas fábricas modernas, com a introdução
dos sistemas de máquinas na produção social e a concentração de grandes quantidades de trabalhadores nos
locais de trabalho. As péssimas condições de trabalho, os baixos salários, a grande exploração dos
trabalhadores, incluindo mulheres, jovens e crianças, revelavam que o capitalismo trazia consigo grandes
contradições sociais, econômicas e políticas.
No geral, suas obras voltaram-se à análise do funcionamento do capitalismo, objetivando prever sua evolução
e impacto, interessando, para a Sociologia, o entendimento das contradições da sociedade capitalista e as
possibilidades de superação por ele apontadas. Sua proposta por uma ampla transformação social, política e
econômica pode ser percebida em uma de suas célebres frases: “os filósofos têm apenas interpretado o
mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo” (MARX, 1845).
Elemento distintivo na filosofia marxista é o fato de não apenas contemplar a realidade e não se limitar ao
exercício introspectivo de reflexão. Marx propõe a efetiva transformação do mundo, exteriorizando suas
ideias e promovendo o encontro entre a teoria e a realidade. Conforme exposto, o contexto em que a teoria
marxista foi gestada determinou sua aplicabilidade, permitindo que a filosofia se transforme em uma
ferramenta de efetiva transformação política e social.
VIDEO RESUMO
Disponível em:
https://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt2/sessao3/Antoni
o_Andrioli.pdf. Acesso em dez. 2022.
Aula 2
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), com a transição da Idade Média para a Idade Moderna, passou-se a buscar o conhecimento
com base no pensamento racional. Essa mudança paradigmática na forma de conhecer o mundo determinou
uma ampla mudança no rumo das ciências. Nesta aula, estudaremos a construção do pensamento jurídico
sob a perspectiva epistemológica.
Você compreenderá como as estruturas de pensamento influenciaram os debates sobre o Direito e, ao refletir
sobre as bases do conhecimento jurídico, você será convidado a pensar sobre temas que até hoje são muito
sensíveis e caros à jusfilosofia. A partir deste estudo, você poderá analisar criticamente diversos problemas
jurídicos e consolidar sua formação em Filosofia do Direito.
CONCEITOS PRELIMINARES
Daremos início ao estudo com a reflexão sobre a linguagem como instrumento jurídico. A Linguística
Jurídica estuda a linguagem utilizada nas diversas áreas do Direito, com ênfase na compreensão de como a
linguagem, em seus mais diversos níveis, se estrutura e estabelece nessas esferas.
Consciente disso, Nascimento (2013) ensina que a linguagem é, ao mesmo tempo, o instrumento e o
resultado, ou seja, efeito e condição do pensamento, na medida em que fixa o pensamento e o traduz com
palavras, de modo que, quanto maior for o conhecimento de palavras, mais claro é o pensamento. A
linguagem tem como função socializar e racionalizar o pensamento, já que quem pensa bem,
automaticamente, escreve ou fala bem. Em virtude disso, cabe ao advogado e ao juiz estudar os processos do
pensamento e a linguagem, que nada mais é que a expressão material do pensamento.
É evidente, portanto, que a linguagem é um instrumento indispensável para a construção e garantia do direito
e, como tal, também deve ser objeto de estudo das ciências jurídicas. Mas, afinal, como definir os conceitos de
Direito? Estramos tratando, de fato, de uma ciência jurídica?
A concepção de Direito sofreu sensíveis alterações no curso da história do pensamento ocidental, razão pela
qual foram “necessários séculos para a depuração das normas propriamente jurídicas e suas diferenciações
em relação a outras normas de conduta, como as morais e as religiosas” (CASTILHO, 2018, n.p.).
Dessarte, somente na Era Moderna, o Direito passou a ser observado como um fenômeno de natureza social
e, consequentemente, histórica. Segundo nos ensina Castilho (2018), foi somente no século XIX que surgiu a
noção de Direito como norma ou como lei (lex), passando a ser autonomamente compreendido e estudado.
Na obra “Lições Preliminares de Direito”, trabalhando a diferenciação entre o Direito e a Moral, Miguel Reale
esboça um conceito de Direito, apresentando-o nos seguintes termos: “(...) o Direito é a ordenação bilateral
atributiva das relações sociais, na medida do bem comum” (REALE, 2002, p. 59). Significa que o ordenamento
jurídico não tem a intenção de regular condutas com o intuito de promover a satisfação individual, mas sim
garantir a convivência ordenada da sociedade como um todo.
Contudo, na sequência, o próprio autor reconhece a polissemia do termo, afirmando que “a palavra Direito
tem diferentes acepções” (REALE, 2002, p. 64), o que é característico das próprias ciências humanas.
Para aprofundar nossos conhecimentos sobre o tema, estudaremos a teoria tridimensional do Direito,
proposta por Miguel Reale. Considerando a possibilidade de coexistência de diferentes concepções acerca do
Direito, Miguel Reale dedica-se a identificar os aspectos básicos comuns a todas essas definições.
Significa que, subjacente ao fenômeno jurídico, sempre existirá um fato (econômico, geográfico, demográfico,
de ordem técnica etc.); um valor, capaz de dar significado ao fato, no sentido de incentivar ou repelir
determinada conduta, bem como uma norma (regra ou princípio), que representará, por sua vez, “a relação
ou a medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor” (REALE, 2002, p. 65). Esses três
elementos (fato, valor e norma) não podem ser analisados de forma individual, na medida em que formam
uma unidade concreta, obtida a partir da interação dinâmica entre eles.
Assim, em consonância com a teoria tridimensional do direito, temos que todo e qualquer esquema
normativo deverá obedecer ao seguinte raciocínio: (a) “Se F é, deve ser P”; (b) “Se não for P, deverá ser S” - no
qual F representa o fato; P representa a prestação; S representa a sanção (cf. REALE, 2002). Exemplo: (a) Se há
uma dívida (F), ela deve ser paga (P); (b) se não houver o pagamento (não P), então deverá ser imposta uma
sanção ao devedor (S).
Observe que, de acordo com essa teoria, fatos, valores e normas “se implicam e se exigem reciprocamente, o
que (...) reflete também no momento em que o jurisperito (advogado, juiz ou administrador) interpreta uma
norma ou regra de direito” (REALE, 2002, p. 66).
Outro pensador indispensável para este estudo é Hans Kelsen. O autor defendeu que o Direito deve possuir
uma função meramente descritiva, valorativa, e que, nesse sentido, não pode ser afetado por concepções de
ordem social ou moral (CASTILHO, 2018).
Na obra Teoria Pura do Direito (1934), Kelsen afirma que a ciência do Direito não pode ser orientada por
valores ideológicos ou juízos de valor, devendo ser limitada ao desenvolvimento da abordagem formal do
fenômeno jurídico. Promove, com isso, a separação entre o estudo científico do Direito e a sua abordagem
social (por exemplo: Sociologia jurídica e Economia) e a abordagem teleológica ou axiológica (Filosofia
jurídica).
À luz de sua teoria, o cientista do Direito deve diferenciar as investigações acerca do que o direito “é” em
relação ao que o direito “deve ser”. Esse seria, portanto, o princípio basilar da obra Teoria Pura do Direito:
“libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos” (CASTILHO, 2018, n.p.).
Para compreender como este tema se aproxima da realidade, revisitaremos as teorias expostas
anteriormente, mas agora apresentaremos as críticas que lhes foram interpostas, com a finalidade de
entender sua aplicabilidade prática.
Os críticos da teoria kelseniana concentram-se na argumentação de que o formalismo rigoroso, que obriga
os cientistas do Direito a desconsiderar “o apoio da ética ao conteúdo das normas”, poderia levar a conclusões
nefastas, incluindo o ponto de vista segundo o qual “qualquer coisa seria válida, por princípio, até mesmo o
nazismo” (CASTILHO, 2018, n.p.).
Ressalte-se que essa conclusão não parece se coadunar com os próprios objetivos do pensador austríaco, na
medida em que ele mesmo se contrapunha à vinculação entre o Direito e a defesa de valores e interesses
meramente políticos.
A respeito da relação entre o Direito e outras áreas do conhecimento, cabe mencionar as lições de Hart. O
autor, preocupado em conferir maior precisão às expressões utilizadas pelos profissionais do Direito para se
referir ao ordenamento jurídico, atribuiu maior relevância à questão da linguagem jurídica. Nesse sentido,
apresentou o Direito como um sistema aberto e autorreferente, atribuindo aos limites naturais da linguagem
a impossibilidade fática do legislador de conseguir abarcar toda a complexidade dos fenômenos sociais a
serem tutelados pelo Direito.
Assim, caberia ao intérprete da norma o exercício de investigação, dentro do próprio sistema jurídico, de
respostas visando a complementação de significados e termos omissos (autorreferência). Os padrões gerais
de conduta que podem auxiliar o intérprete, especificamente no caso do direito britânico, são dados pela
legislação, bem como pelo sistema de precedentes (sistema aberto).
A textura “aberta” do Direito, segundo Hart, só é possível tendo em vista o alto grau de poder discricionário
atribuído aos magistrados. Nesse sistema, portanto, são os tribunais que, diante das situações concretas
levadas ao Poder Judiciário, conferem o sentido conclusivo do conteúdo prescritivo das normas.
Para Miguel Reale, o Direito pode ser descrito como uma “ordenação heterônoma, coercível e bilateral
atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores” (REALE,
2002, p. 67).
Em outras palavras, significa reconhecer que as definições de Direito devem sempre incluir a tripla perspectiva
de seus elementos fundamentais, para incluir a perspectiva fática (bem comum), o cumprimento da norma
imposta em caráter heterônomo (geralmente pelo Estado-legislador) e a concretização da ideia de justiça em
conformidade com a valoração (objetiva) dos fatos (cf. REALE, 2002; CASTILHO, 2018).
Concluímos, então, que na contemporaneidade o Direito não pode ser uma ciência inerte, isolada dos
fenômenos sociais que o permeiam. A teoria e a realidade estão intrinsecamente vinculadas no âmbito
jurídico, tornando imperativa a visão sistêmica e multidisciplinar do Direito.
VIDEO RESUMO
Saiba mais
O artigo “Discurso jurídico: Ferramenta e arma do advogado. Necessidade de todo operador do Direito”,
escrito pelo jurista Carlos Diniz, trata a respeito da importância do uso da linguagem para a prática do
Direito. O desenvolvimento das estratégias argumentativas que permeiam o discurso jurídico não se
encontra dissociado da necessidade de aprimoramento linguístico. Em um contexto de aceleração na
transmissão de informações, e em um cenário globalizado, é essencial a todo jurista o aprimoramento
dos aspectos que recaem na qualidade do discurso jurídico.
Aula 3
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), para a Sociologia, o Direito é um fato social intrinsecamente relacionado à sociedade, sendo
resultado de sua necessidade de coesão. Essa necessidade levou à criação do controle social, ou seja, da
estipulação de regras, direitos e garantias sociais, bem como de medidas coercitivas e punições aos
transgressores, com o fim de manter coesa e harmônica a sociedade.
Existe, portanto, uma tênue linha entre a liberdade e a imposição do poder do Estado. A tensão entre o livre
arbítrio e o controle social é um tema de grande relevância para seus estudos, pois permite a reflexão sobre
os fundamentos do Direito e os valores sobre os quais se constrói o ordenamento jurídico.
CONCEITOS PRELIMINARES
Para compreender a dimensão social do poder do Estado, definiremos o conceito de controle social. Essa
definição nos permitirá refletir sobre os valores adotados no sistema jurídico e a forma como eles se impõem,
em constante balanceamento com as noções de liberdade e de livre arbítrio.
A palavra controle tende a nos fazer pensar em vigia, não é mesmo? Na perspectiva sociológica ela se torna
um pouco mais complexa, pois o controle não pode ser visto apenas como algo “enclausurador”, ou algo em
uma perspectiva negativa. Ao mesmo tempo, não nega a ideia de vigia, de segurança. Quando dialogamos
com Durkheim vimos que esse autor apontava para a ideia de coesão social, não é mesmo? Que era uma
forma de manter um grupo unido e dialogando com objetivos semelhantes.
Quando falamos em controle social, também agenciamos essa possibilidade e é nesse sentido que o direito se
apresenta como um instrumento que contribui para a manutenção do controle da população, seja porque
aponta para direitos e garantias, seja porque exige prestações por parte dos cidadãos que se encontram em
território nacional.
Ademais, é importante que tenhamos claro que as regras jurídicas não são neutras, visto que emergem de
disputas sociais e políticas de um dado contexto. Além disso, seus criadores também buscam defender seus
interesses quando sancionam ou não um dado dispositivo. Assim sendo, é interessante pontuarmos que as
legislações terão contradições, serão fruto de disputas e também buscarão controlar certos interesses sociais
e estimular outros.
Como nos coloca Spagnol (2013), Weber entendia que era o social que mantinha o controle sobre os
indivíduos, podendo ser o controle informal, que é aquele que o indivíduo sofre socialmente por não cumprir
as regras de conduta esperadas pela coletividade e, também o controle formal, que é aquele previsto pela
própria legislação.
Marx, por sua vez, entende que o controle social é exercido pela classe dominante que controla o Estado.
Sinaliza que esse controle não ocorre apenas pela legislação, mas também pelos mecanismos ideológicos
criados pelo Estado. Nesse sentido, aponta para as instituições, para os costumes socialmente construídos,
meios de comunicação em massa, entre outros fatores que fazem uma dada população ver como “normal”
diferentes estratégias de controle.
Bom, você pode estar se perguntando: mas por que falarmos em controle social? Como já referimos, somos
seres sociais porque vivemos em sociedade. É nesse sentido que ocorrem os processos de socialização, visto
que nessas interações convivemos e aprendemos outros modos de vida. Do mesmo modo, os controles
sociais, tendo em vista a produção de padrões sociais de comportamento.
Como é possível aferir da citação acima e retomando a pergunta que inicia este tópico, quando falamos em
controle social, não devemos abordá-lo apenas em um sentido de repressão, mas como forma de organizar a
vida em sociedade, possibilitando reprimendas, mas também certa segurança sobre as expectativas da vida
em sociedade. Espera-se determinadas condutas dos sujeitos que convivem conosco, justamente porque há
regras que atravessam todos nós. A liberdade de agir, nesse sentido, encontraria um limite nas normas
socialmente esperadas, assegurando, portanto, a harmonia do convívio em sociedade.
SOCIEDADE E ESTADO
Você deve estar se perguntando como se estabelecem os parâmetros do controle social. Em outras palavras,
quais são e como se definem os valores que legitimam a intervenção do Estado na sociedade com o fim de
garantir a harmonia social?
Como já sinalizamos, uma das principais funções do Estado na condução do controle social, além de regular
o funcionamento das Instituições, é emitir legislações que compreendam as dinâmicas sociais e que estejam
de acordo com a realidade de uma dada população, contribuindo para a coesão social. Como o direito não se
resume apenas às leis, mas também tem como função assegurar a justiça - embora saibamos seja um
conceito muito amplo e difícil definição - os processos de controle social são vinculados por ele.
Em sociedades complexas como a nossa, a construção de mecanismos de controle por parte do Estado se
torna extremamente importante para a construção da vida em sociedade.
Se nas sociedades simples os costumes são os principais gerenciadores do controle social, em sociedades
complexas a estruturação em normas gerais de conduta se torna mais necessária. É interessante destacar que
essas normas, especialmente as jurídicas, são elaboradas a partir de processos históricos, os quais vão sendo
paulatinamente incorporados pelos sujeitos. Logo, quando falamos em controle social, é importante que
tenhamos claro que para o seu funcionamento, é preciso compreender as condições de possibilidade ou não
para que um dado controle se torne efetivo.
No Brasil não é incomum a importação de modelos de gestão governamental. Isso pode ser estendido para
diversas áreas, como o campo da saúde, da segurança pública, entre outros. Muitas vezes os governantes -
representantes do Estado, portanto - analisam algumas gestões estrangeiras e passam a incorporar no nosso
contexto, como ocorre com frequência no campo da segurança pública. Ora, embora esses modelos possam
ser muito efetivos em países europeus, por exemplo, isso não é sinônimo de sua eficácia no contexto
brasileiro.
Como abordamos ao longo dessa seção, é necessário compreender o contexto social em que uma dada
organização social está inserida para que se possa contar com a aceitação de formas de controle. Lembre-se
que quando falamos em controle, também precisamos estar atentos para as possibilidades de rupturas e de
contestação às formas de controle vigentes. Falar em controle social é pensar em equilíbrio social.
Mais uma vez se percebe a importância da atuação do Estado nas formas de governamento. Michel Foucault
nos permite problematizar, por exemplo, que essa governança e essas formas de controle, não podem
ocorrer apenas pela “alta cúpula” do Estado, mas também observando as microrrelações.
Logo, quando pensamos o papel do Estado na organização social, especialmente pelo viés sociológico, é
interessante que percebamos o quanto diferentes correntes teóricas tendem a analisar a sua atuação,
colocando diferentes funções para esta Instituição. Ao mesmo, mesmo com diferentes análises, é possível
notar que as funções do Estado na gestão do controle, precisa atentar tanto para as instituições que lhe
compõem, como para as disputas sociais mais rizomáticas, visto que elas dialogam e formam a teia social,
incorporando ou não as disposições estatais.
Assim sendo, não é possível pensar o controle social apenas como algo da ordem da repressão, mas como um
elemento que compõe as relações sociais e oportuniza diferentes formas de estruturação social e, inclusive,
rupturas com a ordem já estabelecida.
Conforme vimos, o equilíbrio entre as forças coercitivas do Estado e o livre arbítrio dos indivíduos
fundamenta-se nos valores eleitos para determinar o equilíbrio social. Isso representa, na prática, a
importância do estudo axiológico do Direito, pois a compreensão dos valores do ordenamento jurídico é o que
permitirá a reflexão sobre a legitimidade do poder do Estado.
Embora não haja consenso quanto aos valores inerentes ao Direito, diversas teorias convergem para a noção
de que a justiça é um elemento central para o ordenamento jurídico. Desde a Antiguidade, são diversos os
estudiosos que buscam definir esse conceito e o seu vínculo com o Direito, mas, neste texto, aprofundaremos
a visão de John Rawls acerca desse tema. O autor foi um grande marco na teoria política e muito contribuiu
para os estudos contemporâneos sobre a justiça.
O autor define a sociedade como uma associação de pessoas, com capacidade relativamente autônoma para
a administração de seus interesses, que em suas relações mútuas reconhecem certas regras como
obrigatórias, agindo, na maior parte do tempo, em conformidade com elas.
Do consenso entre a noção de justiça e a coordenação dos planos individuais em prol do bem comunitário,
surge a possibilidade de que se forme uma conexão mais ampla entre os indivíduos, os quais passam a
depositar nas instituições básicas o critério para a distribuição de direitos (RAWLS, 2016). A sociedade bem-
organizada é, portanto, aquela na qual cada um e todos devem cumprir sua parte no contrato social
estabelecido para manter a justiça das instituições (RAWLS, 2016).
O contrato social não seria o responsável pela instituição de um modelo particular de sociedade ou eleição de
uma forma específica de governo. O momento da associação original, marcado pela existência de pessoas
livres e racionais, em posição social igualitária e mutuamente desinteressada, seria aquele no qual os
princípios reguladores comuns a todos podem ser determinados. São esses princípios que, uma vez
estabelecidos, passam a orientar todos os acordos subsequentes no contexto social.
Segue-se a importância da aceitação pública dos princípios escolhidos, haja vista que eles servirão de
baliza ou régua para a valoração de todas as normas. Vale mencionar, à luz dessa teoria, somente será “justa”
a regra que, tendo sido criada em estrita conformidade com os consensos hipotéticos firmados, mostra-se
compatível com os princípios escolhidos na posição original.
A conformidade com os princípios passa a servir como critério para definição dos benefícios e dos malefícios
sociais. Ou seja: quando desconhecemos nossas vantagens ou desvantagens, tendemos a nos comportar de
modo a promover escolhas equitativas, pois o indivíduo não se sabe portador de vantagens ou desvantagens
que possam modificar a sua situação particular.
VIDEO RESUMO
Saiba mais
O artigo “Desafios do controle social na atualidade”, da autoria de Maria Inês Souza Bravo e Maria Valéria
Costa Correia, trata das mudanças ocorridas no sistema de saúde após o processo de redemocratização.
Aqui se pode perceber a abordagem da relação entre estado e sociedade civil, assim como a
problematização de importações de sistemas de gestão para o cenário brasileiro. Nesse sentido, as
autoras apontam para a organização de movimentos sociais e o quanto é possível a construção de
rupturas frente a regras de controle social.
INTRODUÇÃO
O poder corresponde ao direito de agir, mandar e, dependendo do contexto, exercer a autoridade e soberania
sobre outrem. Base de qualquer sociedade hierarquizada, a autoridade corresponde ao poder de fazer o
outro obedecer. A soberania, por sua vez, é uma característica atribuída àqueles que detêm o poder máximo,
não encontrando ente superior nem igual em determinado contexto.
As noções de poder, justiça e moral são essenciais para as reflexões no âmbito da Filosofia do Direito. Nesta
aula, partindo das noções de autoridade e poder, refletiremos sobre a justiça e a moral, com a finalidade de
definir e comparar as normas jurídicas e as normas morais. Vamos lá?
CONCEITOS PRELIMINARES
Daremos início ao nosso estudo com a reflexão sobre legitimidade. Etimologicamente, a palavra legitimidade
é derivada "de legitimo, exprime, em qualquer aspecto, a qualidade ou o caráter do que é legítimo ou se
apresenta apoiado em lei” (SILVA, 2000, p. 828).
No que tange ao conteúdo do termo legitimidade, pode-se dizer que: “a legitimidade, pois, pode referir-se às
pessoas, às coisas ou aos atos, em virtude da qual se apresentam todos segundo as prestações legais ou
consoante requisitos impostos legalmente, para que consigam os objetivos desejados ou obtenham os efeitos
que se assinalam em lei” (SILVA, 2000, p. 828).
Sob o prisma da Ciência Política, trata-se da legitimidade dos atos públicos e dos agentes públicos para tornar
válida a atuação destes e de sua respectiva atuação perante o povo. Refere-se, pois, à necessária qualidade
para tornar válida a atuação do Estado em face dos demais cidadãos. Na Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, por exemplo, o art. 70 atribui ao Tribunal de Contas o poder de perquirir a legitimidade das
despesas públicas, isto é, perquirir se o ato atende aos requisitos de satisfação do interesse público. (SILVA,
2008, p.828). Em outras palavras, a legitimidade sob o prisma da Ciência Política somente é possível com o
consentimento popular.
Como assegurar, no entanto, esse consentimento? Apesar dos debates que são inerentes às relações sociais,
há certa convergência ao centrar o objetivo do Direito na consecução da justiça.
Partindo-se da perspectiva pós-positivista, o Direito não se reduziria a um mero conjunto de regras e
princípios, mas incluiria também um comprometimento com as diretrizes sociais historicamente instituídas
para a realização da Justiça. Nesse sentido, conforme destaca Soares (2019), o Direito não se reduziria à sua
estrutura codificada. Para o autor, as diretrizes são entendidas como um tipo de norma cujo objetivo é o bem-
estar geral-econômico, político ou social de uma comunidade. Assim, assumir uma substancialidade dos
princípios na teoria do Direito significa destacar a sua dimensão ética para a realização da Justiça ou
equidade.
Dessa forma, concebendo a Justiça, ao menos a justiça social, como um dos pilares substanciais dos princípios
jurídicos, tem-se que os direitos subjetivos possibilitam que o indivíduo, inserido em determinada ordem
jurídica, possa reivindicar os direitos como seus e impor a realização do direito e, consequentemente, da
Justiça.
Soares (2019) também define os direitos subjetivos como a situação subjetiva de possibilidade de ser,
pretender ou fazer algo, de maneira garantida, nos limites atributivos das regras de direito. Desse modo, o
direito subjetivo só existe quando a situação subjetiva implica a possibilidade de uma pretensão, unida à
exigibilidade de uma prestação ou de um ato de outrem. Portanto, o direito subjetivo é a possibilidade de
exigir-se, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio.
Ressalta-se que os direitos subjetivos não se restringem ao âmbito privado, podendo também significar
direitos sociais do homem, como representam os direitos humanos ou os direitos da dignidade da pessoa
humana, consagrados pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). O direito por justiça seria,
portanto, a possibilidade de se exigir a efetividade da garantia de direitos que foi incorporada à ordem
normativa, fundamentada sob os princípios éticos e de realização da Justiça.
DIREITO E A MORAL
Para aprofundar a reflexão sobre o Direito e a Justiça, devemos avaliar, também, a relação entre o Direito e a
Moral. Faremos este estudo a partir da distinção entre as normas jurídicas e as normas morais.
Uma “norma” pode ser entendida como proposição prescritiva, ou seja, como um conjunto de palavras que
faz sentido e que tem como objetivo principal incutir, dirigir ou condicionar o comportamento.
Na visão de Hans Kelsen, a norma jurídica é, de sua parte, um ato de vontade, visando especificamente à ação
humana, e dotada de um imperativo, sua imposição de uma ação ou inação. Dessa forma, não se confunde
com a moral, pois a norma jurídica é heterônoma, ou seja, transcende a esfera do indivíduo; ao passo que, no
caso da norma moral, não podemos traçar a imperatividade de uma máxima moral sobre outra pessoa, ainda
que seja desejável. A norma trata daquilo que deve ser, não daquilo que é, pois não é uma lei natural. Dessa
constatação decorre a dualidade entre o ser e o dever ser, cujo princípio se pode resumir a “se A deve ser B”,
se realizado “A”, deve haver uma consequência “B”.
No estudo sobre as normas, cabe mencionar as lições de Jellinek. Para o autor, o Direito possui um caráter
fortemente psicológico, na medida em que atua no âmago das pessoas. Além disso, a ordem jurídica, assim
como o Estado, é baseada em dois elementos. O primeiro é o elemento conservador, que converte as ações
reais em normas, que faz com que os indivíduos entendam existir uma ordem normativa que é oriunda da
realidade. O segundo é o elemento racional, que pressupõe a existência de algo além do direito positivo, seja
um direito natural ou algo ideal, que impede a selvageria em tempos anárquicos.
3. A obrigatoriedade;
4. A validade psicológica, essa que significa a atuação da norma na ação dos destinatários da norma que
devem segui-la.
Assim como o Direito, a moral é compreendida por Jellinek como ordem normativa que busca a conservação
social, ainda que se diferenciam quanto à manifestação da norma. Nesse sentido, a ação moral visa a melhor
condução dos atos individuais considerando a sua inserção na sociedade. Para Siqueira Jr. (2019), a moral e o
Direito não estão distantes, na medida em que exercem influência entre si.
Desse modo, alguns preceitos morais são dotados de normatividade para que sejam cumpridos, haja vista
que sua transgressão pode importar em um desequilíbrio da paz social e posterior derrocada das condições
de existência de uma determinada comunidade. Assim, a moral pode ser cumprida de forma espontânea e
autônoma pelo indivíduo, mas, como vimos a partir de Jellinek, alguns atos morais demandam a garantia do
direito para que viabilizem uma pacífica convivência social.
Você deve se perguntar: como o Direito se relaciona, na prática, com a justiça e com a moral? Como assegurar
que o Estado, no legítimo exercício do poder, protegerá os valores que são caros à sociedade? Não existe uma
resposta objetiva para esse questionamento, mas Robert Alexy trouxe interessantes reflexões sobre o tema.
Para aproximar esse debate da nossa realidade, estudaremos as teses do autor sobre o vínculo entre Direito e
moral.
Segundo Robert Alexy, três teses demonstram a vinculação necessária entre o direito e a moral, são elas: (a)
tese da incorporação; (b) tese da moral; e (c) tese da correção.
A tese da incorporação afirma que “todo ordenamento jurídico minimamente desenvolvido contém
necessariamente princípios, por meio dos quais conseguimos visualizar a ligação entre direito e moral”
(BIANCHINI; OLIVEIRA; GOMES, 2012, n.p.).
Exemplos da tese em análise podem ser observados nas leis fundamentais ou constituições que incorporam
princípios fundamentais, tais como: dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade e democracia.
A tese da moral tem por objetivo contrapor o argumento de que a incorporação de princípios depende única
e exclusivamente do direito posto.
Destaque-se que, se o argumento positivista radical fosse verdadeiro, “seria sempre uma questão de direito
positivo se os princípios criam uma relação entre direito e moral” (BIANCHINI; OLIVEIRA; GOMES, 2012, n.p.) –
o que não se coaduna com a posição defendida por Robert Alexy, que defende que “a presença de princípios
no ordenamento leva à conexão necessária entre o direito e uma moral qualquer” (BIANCHINI; OLIVEIRA;
GOMES, 2012, n.p.).
Em conformidade com a teoria proposta por Robert Alexy, a pretensão à correção jurídica, inerente às
decisões judiciais, sempre deve ser relacionada com uma pretensão à correção moral.
A questão passa a ser, então, a de encontrar parâmetros racionais que evitem com que as decisões judiciais
se tornem arbitrárias e, consequentemente, ilegítimas.
Por fim, a teoria da ponderação, apesar de ter como aporte teórico o positivismo, critica os modelos de
pensamento radicais, tal como o positivismo jurídico em sentido estrito, na medida em que defende a
existência de uma conexão entre o direito e a moral (cf. BIANCHINI; OLIVEIRA; GOMES, 2012).
A textura aberta (open texture, segundo Herbert L. A. Hart) do direito, decorrente do caráter vago da
linguagem, apresenta a possibilidade de que, em face do caso concreto, venham a ser diagnosticadas
“contradições entre as normas, a falta de uma norma na qual a decisão possa ser apoiada e a possibilidade de
decidir até mesmo contra o enunciado de uma norma em casos especiais” (BIANCHINI; OLIVEIRA; GOMES,
2012, n.p.).
Essas situações, que fazem parte do dia a dia forense, são denominadas pelo filósofo alemão de casos
difíceis (hard cases).
Robert Alexy “defende o argumento de que, quando o juiz se depara com as situações de abertura do direito
positivo, ainda assim ele está vinculado a princípios, o que cria uma conexão necessária entre direito e moral”
(BIANCHINI; OLIVEIRA; GOMES, 2012, n.p.).
VIDEO RESUMO
As representações sociais são, em suma, “fenômenos psicossociológicos, podendo ser explicadas com
base em implicações não só psicológicas como também sociais e ideológicas, o que as integra ao
contexto das determinações históricas e culturais”. No artigo “Representações sociais de lei, justiça e
injustiça: uma pesquisa com jovens argentinos e brasileiros utilizando a técnica de evocação livre de
palavras”, da autoria de Alessandra de Morais Shimizu e Maria Suzana De Stefano Menin, você conhecerá
as representações de lei, justiça e injustiça para jovens brasileiros e argentinos. Embora o marco teórico
do trabalho se encontre na Psicologia, este texto é uma interessante avaliação sobre o papel exercido
pelos fatores socioculturais sobre as representações sociais de Direito e Justiça. Vamos entender melhor
o que o Direito e a Justiça representam, na prática, para os jovens desses países?
Aula 5
FILOSOFIA DO DIREITO
23 minutos
A Filosofia surge como uma forma de repensar os fatos e situações mundanas, para além do senso comum. É
na transição do conhecimento puramente mitológico para o conhecimento científico, que surge a filosofia,
enquanto reflexão racional sobre o mundo.
De certa maneira, as ideias mudam o mundo. Mas, como uma vida humana é curta para
perceber essas mudanças, o senso comum é um grande obstáculo para compreender a
filosofia. As pessoas tendem a pensar que o mundo em que vivem é o único e têm
dificuldade para compreender como os seres humanos e seu meio social podem ser muito
diferentes no espaço e, sobretudo, no tempo. A filosofia ajuda no desprendimento da
própria realidade e, por isso mesmo, no conhecimento mais seguro dela.
Como se vê, o conhecimento filosófico funciona como uma forma de ampliar os horizontes e realidades.
Nesse sentido, a Filosofia do Direito também é um exercício reflexivo sobre a realidade que nos cerca, mais
específico sobre a realidade jurídica.
Ora, “Filosofia do Direito” significa que a Filosofia, por se preocupar com valores universais,
preocupa-se também com o tema da justiça e da importância do Direito na vida social.
Portanto, a “Filosofia do Direito” seria apenas uma especialização baseada em Filosofia
Geral.
Filosofia do Direito
Também não havia explicações concisas e específicas sobre o que seria a conduta moral, religiosa ou jurídica.
No entanto, a maior parte dele discernia sobre as leis, referindo a tudo aquilo que governavam os cidadãos e
apresentavam suas teorias de governos e organizações sociais.
Um dos aspectos mais importantes, nos objetos de estudo da filosofia clássica, é a presença do Direito
Natural. Ou seja, os filósofos defendiam existir um pressuposto imanente que seria a base dos demais, e esse
pressuposto jurídico não poderia ser contraposto. Seria, por exemplo, dizer que existe uma norma universal
do direito à vida ou uma norma universal do direito à liberdade, inexistindo outra norma que lhe dê validade,
como se fosse algo natural.
Por outro lado, a Filosofia do Direito Moderna ou Contemporânea busca explicações cada vez mais científicas
e empíricas, já que inseridas no movimento racionalista científico. Dito isso, irão surgir as famosas teorias
contratualistas, escritas por Hobbes, Locke e Rosseau.
Também terão papel fundamental Kant, Hegel, Marx que passam a separar e pormenorizar os conceitos de
Direito e Moral.
Ademais, é com a filosofia clássica que surgem as críticas ao Direito Natural e começa a ser defendido o
Direito Positivo.
REVISÃO DA UNIDADE
ESTUDO DE CASO
Acontece que a celebridade em questão, na dita “vida real”, se trata de pessoa casada há muitos anos com a
mesma esposa, também atriz de grande reputação, com a qual, aliás, costuma fazer pares românticos em
novelas de enorme sucesso. A notoriedade do casal rendeu também convites para propagandas de margarina
e itens para bebês, já que os artistas têm filhos pequenos.
Tão logo soube da repercussão negativa da indigitada matéria, o famoso ator tratou de anunciar aos quatro
ventos que aquela história era inverídica e que “pediria danos morais na justiça” em face do jornalista e da
revista.
Na verdade, o ator ficou tão preocupado, que já procurou, no próprio hotel, um advogado para submeter o
caso à consulta. O advogado, então, disse que, além de ingressar com pedido judicial de indenização pela
ocorrência dos danos morais, também pleiteou a tutela de urgência para que o Juízo imediatamente proibisse
a circulação da tal versão extra da revista.
Entretanto, o Juízo indeferiu o pedido liminar, alegando que “restringir a circulação do periódico implicaria
violação à liberdade de expressão, portanto censura”. Quanto aos danos morais, já em sede de sentença, o
Juízo concedeu o valor de R$ 5.000,00, apenas um décimo da soma pretendida na ação, mas acolheu
integralmente o pleito do advogado para que a revista e o site publicassem um pedido de desculpas ao ator
pelos constrangimentos causados pela matéria.
a. pode-se dizer que houve justiça na decisão liminar que indeferiu o pedido para que a edição extra da
revista não circulasse, sob o argumento de que essa proibição implicaria censura, mesmo após ser
prolatada sentença condenando a empresa que veiculou as informações ao pagamento de indenização
por danos morais e à publicação de pedido de desculpas?
b. em sede de apelação, o advogado do ator pleiteou a majoração do valor da indenização por danos
morais alegando que a revista lucrou muito mais do que o usual com a edição extra, mas o Tribunal
manteve o valor da condenação, alegando que esse pedido não fora “lastreado em nenhuma norma
específica”; você concorda com esse posicionamento judicial?
c. se a revista comprovasse, com fotografias, que o famoso ator efetivamente passara a noite com sua fã no
hotel, ao contrário da tese judicial vitoriosa, esse fato permitiria o afastamento das condenações?
Diante disso, os operadores do direito devem sempre estar atentos para aplicar os princípios
corretamente. Podemos pensar na situação em que uma conduta não foi tipificada, mas é evidente que
ofende a um bem jurídico que deve ser tutelado, como a dignidade da pessoa humana. Pensemos, por
exemplo, nos casos de feminicídio anteriores à criação da Lei Maria da Penha, por mais que fossem
enquadrados, enquanto homicídio, era possível pensar sobre os princípios que estavam sendo feridos,
como a isonomia de gênero, a dignidade da pessoa humana, a vida, entre tantos outros.
Dessa forma, os operadores do direito, muitas vezes, aplicavam as maiores penas previstas, tendo em
vista uma lacuna legal, que faltava uma pena específica para tal conduta, que somente veio a surgir com
a promulgação da Lei Maria da Penha.
Portanto, fique atento(a) quanto às possibilidades da aplicação dos princípios, enquanto norteadores do
ordenamento jurídico.
a. esta questão enfrenta um dentre os maiores desafios da Filosofia do Direito, que é identificar se “houve
justiça” em um determinado caso concreto; afinal, o que seria essa tal justiça? Eis uma pergunta cuja
resposta depende da análise crítica de cada situação mediante ponderação axiológica, ou seja,
reconhecimento de princípios, valores e eventuais outros elementos de caráter humanístico que nem
sempre estarão presentes nas fontes do direito utilizadas para justificar o posicionamento jurisdicional –
como a lei e a jurisprudência. Neste sentido, note-se que a sentença do enunciado que convida à reflexão
neste exercício reconheceu que determinados valores (notadamente, atributos da personalidade como
a intimidade, a projeção da imagem na sociedade; reputação, sentimentos etc.) do ator foram mesmo
violados – tanto que ele será indenizado mediante pagamento de quantia em dinheiro e terá direito a ver
um pedido de desculpas estampado no site e na revista da empresa de comunicação ofensora.
Entretanto, a decisão proferida em caráter liminar não se dedicou a analisar atributos relacionados a
esses valores, senão a outros, que possuem caráter mais público do que privado, à medida que estejam
relacionados à liberdade de informação e liberdade de expressão. Espera-se que o aluno consiga
discernir sobre essas distinções e, se possível, também atribuir a cada situação em tela um peso
axiológico distinto, pois esse movimento conduziria ao caminho reflexivo mais objetivo para a busca da
justiça.
b. nesta alternativa, retoma-se o problema do positivismo como critério isolado das reflexões críticas acerca
dos valores e demais atributos que possam revestir de caráter humanístico a aplicação prática do direito
na qualidade de ciência social, à medida que a fundamentação jurídica do acórdão proferido pelo
Tribunal ressaltou a (eventual) ausência de norma específica para aumentar o valor da indenização por
danos morais, ainda que a revista tenha “lucrado muito mais do que o usual com a edição extra”, ou seja,
em outras palavras, ganhado muito dinheiro com base em um ato que já havia sido reconhecido como
sendo ilícito pela instância inferior do mesmo Tribunal e que não deixou de sê-lo. Estima-se aqui que o
aluno consiga ponderar a respeito da necessidade de buscar a justiça para além da “letra fria da lei”,
valendo-se de fontes do direito, portanto, não positivadas, como os princípios, as quais revelem que a
norma deve ser revestida de um sentido axiológico, e não um mero instrumento técnico de ordenação
social.
c. pretende-se, aqui, que o aluno considere se, exclusivamente, eventual comprovação da veracidade do
conteúdo da matéria que violou atributos da personalidade do autor ensejaria a reversão do
entendimento judicial; espera-se que o aluno conclua que apenas a verdade (como objeto abstrato,
separado das especificidades do caso) per se não afasta a agressão aos conteúdos que o direito deve
proteger, sob pena de afronta ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana; além
disso, a pergunta permite digressões acerca, por exemplo, do que efetivamente constitui interesse
público – até que ponto a vida privada, íntima (e, talvez, secreta) do ator do enunciado realmente
interessa ao fã do trabalho deste?
RESUMO VISUAL
REFERÊNCIAS
04 minutos
Aula 1
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SOARES, Ricardo Maurício Freire. Teoria Geral do Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
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ADEODATO, J. M. Filosofia do direito - uma crítica a verdade. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. E-book. Cap. 1
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