O Ensino Jurídico No Brasil No Primeiro Momento Republicano e Sua Evolução Histórico-Metodológica
O Ensino Jurídico No Brasil No Primeiro Momento Republicano e Sua Evolução Histórico-Metodológica
O Ensino Jurídico No Brasil No Primeiro Momento Republicano e Sua Evolução Histórico-Metodológica
RESUMO
O Brasil, a partir do ano de 1889, passou a vivenciar uma grande mudança em sua estrutura
socioeconômica, política, religiosa e educacional, com a transição do governo Imperial para a
República federativa. Dentro desse contexto, a fim de adaptar-se à nova realidade, inúmeras
reformas foram realizadas no âmbito educacional. Interessa, ao presente artigo, a análise das
mudanças diretamente relacionadas ao ensino jurídico na época da República Velha, para que
se possa compreender melhor a trajetória dos cursos de Direito nessa época, seus currículos e
o perfil do profissional buscado naquele momento histórico.
ABSTRACT
From the year of 1889, Brazil began to experience a huge change in its socioeconomic,
political, religious and educational structure, with the transition from the Imperial government
to the federative republic. Within this context, in order to adapt to the new reality, numerous
reforms were carried out in the educational field. This article analyzes the changes directly
related to the legal education in the Old Republic, in order to better understand the trajectory
of law courses at that time, its curriculum and the profile of the professional sought in that
historical moment.
Keywords: Educational reforms; Historical analysis; Law; Legal education; Old Republic.
1 INTRODUÇÃO
1
Mestranda em Ciências Jurídicas pela UniCesumar e bolsista da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior). Especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto Paranaense de
Ensino. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Nos últimos anos do Império e nos primeiros anos da República, o contexto temporal
é de grandes mudanças. Torna-se necessário, portanto, a realização de uma análise de tão
importante período histórico a fim de contextualizar o momento social vivenciado pelos
brasileiros à época.
Ao final do Império, inúmeras mudanças sociais ocorreram. Nesse contexto, a
mudança mais significativa da época é a abolição do regime escravocrata, que ocorreu
paulatinamente através da Lei do Ventre Livre (1871), da Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos
Sexagenários (1885) e, finalmente, da Lei Áurea (Lei nº 3.353/1888) (ALBERGARIA, 2011,
p. 203-204).
Cerca de um ano depois da promulgação da Lei Áurea foi proclamada a República
dos Estados Unidos do Brasil, em 15 de novembro de 1889, que adotou o sistema Federativo
e buscou implementar na nova Constituição os ideais liberais (ALBERGARIA, 2011, p. 205-
206).
Ademais, logo no início do período republicano, irrompem diversas ideologias
“importadas e mal absorvidas” (MACIEL, 2016, p. 281), bem como “avançam os valores
burgueses em face dos tradicionais” (MACIEL, 2016, p. 281). Nesse sentido, as mudanças
ocorrem no âmbito das mentalidades, já que, no aspecto político-social o liberalismo já havia
sido parcialmente incorporado no Império (MACIEL, 2016, p. 281).
Em relação aos aspectos jurídico-políticos dessa época, tanto a Constituição do
Império quanto a Constituição da República excluíam cerca de 90% da população (já que
exigiam a alfabetização para qualificar o cidadão), mostrando que o processo de transição
entre os dois regimes foi controlado pelos donos do poder (MACIEL, 2016, p. 282).
As tendências políticas republicanas compunham-se de “liberais republicanos, novos
liberais, positivistas abolicionistas, federalistas positivistas e federalistas científicos, ou seja,
um conjunto disforme que unia conservadores e radicais jacobinos” (MACIEL, 2016, p. 282-
283), sendo que, a partir da estabilização da República, os conservadores esqueceram seus
discursos democráticos e passaram a assumir o controle da República (MACIEL, 2016, p.
283).
Já no campo jurídico, o federalismo ganhou grande destaque, de forma que a
Assembleia Constituinte decidiu por uma maior descentralização do poder (MACIEL, 2016,
p. 285).
Nesse período, ainda, concomitantemente à publicação da Constituição de 1891, a
história é marcada por uma estrutura de dominação das oligarquias cafeeiras mineira e
paulista sobre a política nacional, coincidente com o surgimento de um republicanismo legal,
subordinado e intimamente ligado às condições político-sociais dos empresários do café
(WOLKMER, 2002).
Assim, no processo de formação das instituições brasileiras, destaca-se a
contraditória convergência da “herança colonial burocrático-patrimonialista, marcada por
práticas nitidamente conservadoras” e de uma “tradição liberal que serviu e sempre foi
utilizada, não em função de toda a sociedade, mas no interesse exclusivo de grande parcela
das elites hegemônicas detentoras do poder”, bem como da propriedade privada e dos meios
de produção (WOLKMER, 2002, p. 144).
Nesse sentido, a produção jurídica pátria objetivou, quase sempre, resguardar e
satisfazer os interesses das oligarquias dominantes, “pouco democráticas, individualistas e
subservientes às forças e imposições do mercado internacional” (WOLKMER, 2002, p. 145),
de maneira que o Direito oficial “nem sempre representou o genuíno espaço de cidadania, de
participação e das garantias legais para grande parte da população” (WOLKMER, 2002, p.
145).
Tanto é assim que a Constituição da República de 1891, de cunho individualista
liberal-conservador, “expressando formas de governabilidade e de representação sem nenhum
vínculo com a vontade e com a participação popular, descartando-se, assim, das regras do
jogo, as massas rurais e urbanas” (WOLKMER, 2002, p. 110), mostra claramente que as
oligarquias cafeeiras agroexportadoras, sendo detentoras do poder, impunham seus próprios
interesses e moldavam a dinâmica do Direito Público à época (WOLKMER, 2002).
Nesse sentido, Wolkmer (2002, p. 123-124) assevera que:
daquela estrutura social vigente à época, bem como à crise da República Velha (WOLKMER,
2001).
Nesse contexto, no início da República, o sistema brasileiro, que possuía suas raízes
na Civil Law e, agora, imbuído do ideal positivista, editou inúmeras normas a fim de buscar
uma nova regulamentação do ensino jurídico no país, tendo sido “implacável em termos de
reformas, por meio das leis lato sensu que gerenciavam profundamente os cursos jurídicos”
(OLIVEIRA; TOFFOLI, 2012).
Destaca-se os principais acontecimentos no primeiro momento republicano, que
foram: 1. Decreto no 346, de 19 de abril de 1890, que, visando a viabilização de uma nova
estrutura organizativa para a República, criou a Secretaria de Negócios da Instrução Pública,
Correios e Telégrafos, para onde foram transferidos os serviços relativos à instrução pública,
estabelecimentos de educação e ensino especial e profissional, bem como os institutos,
academias e sociedades que se dedicavam às ciências, letras e artes. 2. Decreto regulamentar
no 377, de 5 de maio de 1890, que definiu a estrutura de organização da Secretaria de
Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, bem como estabeleceu sua competência
Ainda, restou definida por esse decreto a tríade do ensino jurídico superior brasileiro:
ensino oficial, ensino particular e ensino estadual, o que serviu de base à criação do primeiro
currículo das faculdades de Direito (BASTOS, 1998).
Em relação ao ensino particular, essa nova regulamentação criou condições legais
para que as escolas superiores mantidas por particulares viessem a conceder diplomas dotados
do mesmo valor daqueles expedidos por instituições federais (desde que aquelas incluíssem
Tendo isso em vista, não tardaram a surgir novas reformas no ensino jurídico da
época, como se verá adiante.
A Reforma Rivadávia Corrêa foi instituída pelos Decretos no 8.659 e 8.662, ambos
de 5 de abril de 1911.
Em relação ao Decreto nº 8.659, de 5 de abril de 1911, destaca-se que o mesmo
aprovou a Lei Orgânica do Ensino Superior e do Ensino Fundamental da República, tendo, à
época, a pretensão de modificar a estrutura do ensino superior dentro do país.
Algumas medidas de destaque desse Decreto e, em geral, da reforma, foram a
abolição dos privilégios, a concessão de autonomia às instituições de educação superior e
secundário dos Estados, bem como o enfoque prático que passou a ser dado ao ensino
(VIEIRA, 2009).
Ademais, é dentro de uma linha de diminuição de custos e implementação de
políticas docentes mais flexíveis, trazidas pela reforma, que os docentes-livres passaram a
incorporar a estrutura docente dos institutos pela primeira vez (BASTOS, 1998).
Além disso, tornam-se evidentes, por meio dessa reforma, os indícios da
regulamentação das atividades privadas na educação superior (BASTOS, 1998).
A Reforma Rivadávia Corrêa tinha como foco a desoficialização e a descentralização
do ensino. Inspirada pelo positivismo, ela buscou fortalecer a liberdade de ensino através de
medidas como a supressão da frequência obrigatória, de diplomas e privilégios (especialmente
econômicos) relativos às escolas oficiais.
Nesse sentido, observa-se que a ruptura com os padrões e modelos de ensino
imperiais passou a ocorrer, efetivamente, a partir da presente reforma, onde podem ser
identificadas preocupações modernizadoras (relacionadas, por exemplo, à retomada do ensino
do Direito Civil em novas bases de programa, como evidenciado abaixo).
Tais resultados geraram reações negativas, motivo pelo qual novas mudanças vieram
a ocorrer posteriormente.
Já no que diz respeito ao Decreto nº 8.662, de 5 de abril de 1911, verifica-se que o
mesmo alterou, mais uma vez, a estrutura curricular do curso de Ciências Jurídicas e Sociais,
que passou a ter 6 anos de duração, distribuídos da seguinte maneira: a) 1ª série: Introdução
Geral do Estudo do Direito ou Enciclopédia Jurídica (1ª cadeira) e Direito Público e
Constitucional (2ª cadeira); b) 2ª série: Direito Internacional Público e Privado e Diplomacia
(1ª cadeira), Direito Administrativo (2ª cadeira) e Economia Política e Ciência das Finanças
(3ª cadeira); c) 3ª série: Direito Romano (1ª cadeira), Direito Criminal (1ª parte) (2ª cadeira) e
Direito Civil (Direito de Família) (3ª cadeira); d) 4ª série: Direito Criminal (especialmente
Direito Militar e Regime Penitenciário) (1ª cadeira), Direito Civil (Direito Patrimonial e
Direitos Reais) (2ª cadeira) e Direito Comercial (1ª parte) (3ª cadeira); e) 5ª série: Direito
Civil (Direito das Sucessões) (1ª cadeira), Direito Comercial (especialmente Direito
Marítimo, falência e liquidação judicial) (2ª cadeira) e Medicina Pública (3ª cadeira); f) 6ª
série: Teoria do Processo Civil e Comercial (1ª cadeira), Prática do Processo Civil e
Comercial (2ª cadeira) e Teoria e Pratica do Processo Criminal (3ª cadeira).
ensinasse a redigir atos jurídicos e a organizar a defesa dos direitos, como menciona o art. 175
do referido Decreto), com a inclusão da teoria e da prática processual civil em seu currículo
(BASTOS, 1998), que foi reformulado e passou a ter duração de cinco anos.
O currículo do curso de Direito passou a ser organizado, então, da seguinte maneira:
a) 1º ano: Filosofia do Direito, Direito Público e Constitucional, Direito Romano; b) 2º ano:
Direito Internacional Público, Economia Política e Ciências das Finanças, Direito Civil; c) 3º
ano: Direito Comercial, Direito Penal e Direito Civil; d) 4º ano: Direito Comercial, Direito
Penal, Direito Civil, Teoria do Processo Civil e Comercial; e) 5º ano: Prática do Processo
Civil e Comercial, Teoria e Prática do Processo Criminal, Medicina Pública, Direito
Administrativo e Direito Internacional Privado.
Ainda, a reforma preocupou-se em vincular a matéria sucessiva ao professor que
lecionou a mesma matéria em série anterior; instituiu o sistema de cátedras nas universidades
públicas, vigente até o ano de 1968; flexibilizou a permanência dos alunos nas instituições e
redefiniu as bases de matrícula e frequência dos alunos no ensino superior (já que as
faculdades oficiais federais localizavam-se apenas em Pernambuco e em São Paulo, não
havendo nenhuma delas instalada no Rio de Janeiro até então, sendo que os alunos geralmente
residiam longe daqueles centros educacionais) (BASTOS, 1998).
A Reforma Carlos Maximiliano, se comparada à Lei Rivadávia, possuía cunho
mais conservador e voltava-se para aspectos mais tradicionais do ensino jurídico. Assim,
apesar da Reforma Rivadávia Corrêa ter provocado avanços significativos no ensino jurídico,
embora cronologicamente anterior, a Reforma Carlos Maximiliano neutralizou inúmeras das
iniciativas daquela, atrasando o processo educacional brasileiro. Nesse sentido, as autoras
Busiquia e Munekata (2015, p. 22) destacam que:
Destaca-se, por fim, que a reforma Carlos Maximiliano procurou manter, em relação
às reformas precedentes, tudo aquilo que nelas houvesse de progressos e fosse conciliável
com a experiência anterior. Foi, portanto, uma retomada e conjugação daquilo que havia de
melhor, conforme mostrou a experiência prática, nas reformas anteriores.
5 CONCLUSÃO
O presente artigo buscou realizar uma análise das principais reformas realizadas no
ensino jurídico brasileiro durante a República Velha, a fim de possibilitar a compreensão dos
problemas enfrentados na área educacional à época, tais como a necessidade de uma grade
curricular que se adaptasse à mudança do imperialismo para a República e a estruturação de
um novo perfil para o profissional do direito.
Verifica-se, assim, a partir de uma simples síntese daquele momento histórico-social,
que o Brasil passou por inúmeras mudanças naquele momento. O país encontrava-se um caos:
novas ideologias irromperam, os valores sociais sofreram uma inversão, as tendências
políticas eram variadas e o poder (bem como as riquezas) encontrava-se na mão de poucos,
alheios às reais necessidades da população em geral. É dentro desse contexto que são
introduzidas inúmeras reformas no ensino brasileiro, dando-se foco, neste trabalho, às
reformas relacionadas ao ensino superior jurídico daquela época.
Durante a Primeira República, buscou-se uma nova regulamentação do ensino
jurídico no país, sendo que aproximadamente dezessete reformas foram realizadas em um
período de trinta e cinco anos, o que mostra a grande insegurança e instabilidade do ensino
jurídico naquele momento.
A primeira dentre as principais reformas ocorreu em 1891, e é conhecida como
Reforma Benjamin Constant. Ela é composta, dentre outros, pelos Decretos n. 1.232-G e
1.232-H, ambos de 2 de janeiro de 1891. Essa reforma regulamentou as instituições de ensino
jurídico ligadas ao Ministério da Instrução Pública já existentes, além de ter consolidado o
ensino livre, incentivando a descentralização escolar, e expandido o ensino em geral. Ainda,
definiu a tríade do ensino superior jurídico no Brasil: ensino oficial, ensino particular e ensino
estadual, realizou uma subdivisão estrutural das Faculdades de Direito, que passaram a ter os
cursos de Ciências Jurídicas, Ciências Sociais e Notariado, e alterou os currículos relativos à
área jurídica.
A reforma seguinte ocorreu através do Decreto n. 3.890, de 1º de janeiro de 1901. Foi
a chamada Reforma Epitácio Pessoa, que aprovou o Código dos Institutos Oficiais de Ensino
Superior e Secundário dependentes do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, que
regulamentou questões ligadas à organização, composição e funcionamento das instituições
de ensino superior, permitiu a matrícula de mulheres nas instituições superiores e possibilitou
a concessão de privilégios, pelo governo, aos estabelecimentos de ensino fundados pelos
Estados, pelo Distrito Federal ou por associações. Nessa época, o currículo do curso de direito
não teve alterações, sendo mantido o currículo apresentado pela Lei n. 314 de 30 de outubro
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