Rev Nº2 13 Mazzotta
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Para expor algumas idéias a respeito desse importante tema, de início assinalamos nossa con-
vicção de que a inclusão, ou seja, a convivência respeitosa de uns com os outros, é essencial para que
cada indivíduo possa se constituir como pessoa ou como sujeito e, assim, não venha a ser meramente
equiparado a qualquer coisa ou objeto. Entendemos que o reconhecimento do valor de cada um
implica ultrapassar o âmbito da igualdade formal como princípio da democracia social; implica agir em
direção à mais ampla igualdade de oportunidades possível, sabendo-se que sua concretização se dá em
situações específicas, historicamente determinadas.
Nessa linha de reflexão, cabe lembrar que a busca do homem pela liberdade, no plano individual,
e pela igualdade de direitos e de oportunidades, no espaço social, é elemento essencial à construção
de sua identidade pessoal e social. Sua participação nas comunidades locais e regionais não pode ser
ignorada ou diminuída, quer em suas relações cotidianas quer na elaboração, discussão, entendimento e 165
aplicação das políticas sociais públicas.
A ninguém é lícito, pois, ignorar a responsabilidade por sua própria inclusão e dos demais nos
mais variados espaços sociais. Mesmo porque o respeito a si e ao outro se revela nas atitudes e ações
manifestadas direta e indiretamente nas relações humanas privadas ou públicas, pondo em causa
sempre a obrigação de responder pelo que diz ou faz, isto é, a sua responsabilidade em quaisquer
situações da vida social.
Ao alertar para a grande diferença entre quem e o que alguém é, Hannah Arendt, filósofa ale-
mã falecida em 1975 nos Estado Unidos, em sua importante obra A condição humana, nos auxilia a
compreender que os homens apresentam-se ao mundo humano mostrando suas identidades pessoais
e singulares na ação e no discurso, “enquanto suas identidades físicas, sem qualquer atividade própria,
são reveladas na conformação singular do corpo e no som singular da voz”. A autora pondera, também,
que essa revelação de “quem alguém é” ocorre na convivência humana e não propriamente quando as
pessoas estão a favor ou contra as outras.
Com essa compreensão, é importante atentarmos para possíveis artimanhas ou mecanismos ide-
ológicos que, muitas vezes, em nome da superação das desigualdades sociais, culturais, econômicas e
políticas, mascaram diferenças individuais, acenando para uma inclusão radical ou incondicional. Haja
vista que a adesão a essa ideologia tem motivado algumas pessoas e até mesmo movimentos sociais a
agir de forma a impor suas verdades particulares em detrimento do respeito ao outro.
1 Simpósio Internacional sobre Deficiência Visual – América Latina e Inclusão Social: Avanços e Desafios Futuros, São Paulo, 28 set. 2005,
promovido por ASSOCIAÇÃO LARAMARA.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Reflexões sobre inclusão com responsabilidade.
Revista @mbienteeducação, São Paulo, v.1, n. 2, p. 165-168, ago./dez. 2008.
Temos denominado inclusão selvagem tal posição, na medida em que propõe a redução, e até
mesmo a extinção, de auxílios e serviços especiais. Isso revela uma perversa desconsideração das reais
condições individuais e sociais de significativos segmentos da população que deles ainda possam ne-
cessitar, o que tem mais se prestado à sua marginalização e exclusão. Empregamos tal expressão par-
ticularmente em referência aos recursos escolares, mas, de igual modo, ela se aplica aos demais bens e
serviços sociais.
Oportuno ressaltar que entre os mencionados segmentos encontram-se incontáveis pessoas com
deficiências físicas, mentais, sensoriais ou múltiplas, que, muitas vezes, em suas relações no meio físico
e social apresentam necessidades especiais que, em vez de serem ignoradas, desde que atendidas apro-
priadamente, consolidam situações de vida favoráveis à sua inclusão na família, na escola, no trabalho,
no lazer etc.
No espaço público, pois, a igualdade de desiguais precisa ser assegurada sob certos aspectos e por
motivos específicos, já que ela não decorre da natureza humana. Daí ser indispensável a participação
social de todos na produção, gestão e uso dos bens e serviços de uma sociedade democrática.
Assim sendo, aquele que fica separado dos demais, isolado, privado de sua capacidade de agir, está
socialmente morto. É precisamente em razão disso que o respeito à diversidade e a prática de cooperação
e solidariedade devem ser os sólidos pilares da edificação de uma ordem social que priorize a construção
do outro como sujeito e cidadão.
Como tão bem já salientou Anthony Giddens, “A democracia não é panacéia, trata-se de um
meio para capacitar os indivíduos a conviver em condições de comunicação e respeito mútuos”.
166 Vale lembrar aqui, também, o sociólogo francês Alain Touraine, reconhecido mundialmente, que
em uma de suas importantes obras coloca a seguinte questão:
O próprio Touraine nos indica uma resposta tríplice. É preciso, diz ele: em primeiro lugar, o
reconhecimento da diversidade, e que se afaste toda homogeneização, toda negação da diferença; em
segundo lugar, o reconhecimento das diferenças que seja compatível com as atividades instrumentais
independentes das culturas nas quais são executadas; em terceiro lugar, o reconhecimento, em toda
sociedade, dos direitos humanos fundamentais em referência ao sujeito.
Nessa exposição temos reiterado que a principal característica do ser humano é a pluralidade,
e não a uniformidade, e, com isso a lembrança de que cada um conhece e interpreta o mundo com
olhar muito particular. No entanto, não nos parece demais destacar que há situações biopsicológicas
tão singulares que evidenciam ainda mais a relevância da consciência dessa fecunda diversidade nos
grupos humanos.
Muitas vezes, seja por incompreensão ou por irresponsabilidade, a adoção de um princípio é
proclamada sem que se dê conta de que sua efetivação exige condições favoráveis, que precisam ser
identificadas e, em grande parte, ser criadas. Não raro, as circunstâncias que ampliam as desigualdades
ocorrem em resultado do exercício arbitrário do poder econômico e político.
Em tal contexto não surpreende o freqüente recurso ao uso de slogans e de metáforas que muito
pouco ou nada têm contribuído para as necessárias e urgentes transformações socioeducacionais. É pre-
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Reflexões sobre inclusão com responsabilidade.
Referência
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