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Sociologia - O Surgimento (Carlos Benedito Martins)

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SOCIOLOGIA: O SURGIMENTO

(Carlos Benedito Martins)


Podemos entender a sociologia como uma das manifestaes do
pensamento moderno. A evoluo do pensamento cientfico, que vinha se
constituindo desde Coprnico, passa a cobrir, com a sociologia, uma nova rea
do conhecimento ainda no incorporada ao saber cientfico, ou se!a, o mundo
social. "urge posteriormente # constituio das ci$ncias naturais e de diversas
ci$ncias sociais.
A sua formao constitui um acontecimento comple%o para o qual
concorrem uma constelao de circunst&ncias, hist'ricas e intelectuais, e
determinadas intenes prticas. ( seu surgimento ocorre num conte%to
hist'rico especfico, que coincide com os derradeiros momentos da
desagregao da sociedade feudal e da consolidao da civili)ao capitalista.
A sua criao no obra de um *nico fil'sofo ou cientista, mas representa o
resultado da elaborao de um con!unto de pensadores que se empenharam em
compreender as novas situaes de e%ist$ncia que estavam em curso.
( sculo +,--- constitui um marco importante para a hist'ria do
pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia. As transformaes
econ.micas, polticas e culturais que se aceleram a partir dessa poca
colocaro problemas inditos para os homens que e%perimentavam as
mudanas que ocorriam no ocidente europeu. A dupla revoluo que este sculo
testemunha / a industrial e a francesa / constitua os dois lados de um mesmo
processo, qual se!a, a instalao definitiva da sociedade capitalista. A palavra
sociologia apareceria somente um sculo depois, por volta de 0123, mas so os
acontecimentos desencadeados pela dupla revoluo que a precipitam e a
tornam possvel.
4o constitui ob!etivo desta parte do trabalho proceder a uma anlise
destas duas revolues, mas apenas estabelecer algumas relaes que elas
possuem com a formao da sociologia. A revoluo industrial significou algo
mais do que a introduo da mquina a vapor e dos sucessivos
aperfeioamentos dos mtodos produtivos. 5la representou o triunfo da ind*stria
capitalista, capitaneada pelo empresrio capitalista que foi pouco a pouco
concentrando as mquinas, as terras e as ferramentas sob o seu controle,
convertendo grandes massas humanas em simples trabalhadores
despossudos.
Cada avano com relao # consolidao da sociedade capitalista
representava a desintegrao, o solapamento de costumes e instituies at
ento e%istentes e a introduo de novas formas de organi)ar a vida social. A
utili)ao da mquina na produo no apenas destruiu o arteso
independente, que possua um pequeno pedao de terra, cultivado nos seus
momentos livres. 5ste foi tambm submetido uma severa disciplina, a novas
formas de conduta e de relaes de trabalho, completamente diferentes das
vividas anteriormente por ele.
4um perodo de oitenta anos, ou se!a, entre 0613 e 0173, a -nglaterra havia
mudado de forma marcante a sua fisionomia. Pas com pequenas cidades, com
uma populao rural dispersa, passou a comportar enormes cidades, nas quais
se concentravam suas nascentes ind*strias, que espalharam produtos para o
mundo inteiro. 8ais modificaes no poderiam dei%ar de produ)ir novas
realidades para os homens dessa poca. A formao de uma sociedade que se
industriali)ava e urbani)ava em ritmo crescente implicava a reordenao da
sociedade rural, a destruio da servido, o desmantelamento da famlia
patricial etc. A transformao da atividade artesanal em manufatureira e, por
*ltimo, em atividade fabril, desencadeou uma macia emigrao do campo para
a cidade, assim como enga!ou mulheres e crianas em !ornadas de trabalho de
pelo menos do)e horas, sem frias e feriados, ganhando um salrio de
subsist$ncia. 5m alguns setores da ind*stria inglesa, mais da metade dos
trabalhadores era constituda por mulheres e crianas, que ganhavam salrios
inferiores dos homens.
A desapario dos pequenos proprietrios rurais, dos artesos
independentes, a imposio de prolongadas horas de trabalho etc, tiveram um
efeito traumtico sobre milhes de seres humanos ao modificar radicalmente
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suas formas habituais de vida. 5stas transformaes, que possuam um sabor
de cataclisma, fa)iam/se mais visveis nas cidades industriais, local para onde
convergiam todas estas modificaes e e%plodiam suas conseq9$ncias. 5stas
cidades passavam por um vertiginoso crescimento demogrfico, sem possuir, no
entanto, uma estrutura de moradias, de servios sanitrios, de sa*de, capa) de
acolher a populao que se deslocava do campo. :anchester, que constitui um
ponto de refer$ncia indicativo desses tempos, por volta do incio do sculo +-+
era habitada por setenta mil habitantes; cinq9enta anos depois, possua
tre)entas mil pessoas. As conseq9$ncias da rpida industriali)ao e
urbani)ao levadas a cabo pelo sistema capitalista foram to visveis quanto
trgicas< aumento assustador da prostituio, do suicdio, do alcoolismo, do
infanticdio, da criminalidade, da viol$ncia, de surtos de epidemia de tifo e c'lera
que di)imaram parte da populao etc.
= evidente que a situao de misria tambm atingia o campo,
principalmente os trabalhadores assalariados, mas o seu epicentro ficava, sem
d*vida, nas cidades industriais.
>m dos fatos de maior import&ncia relacionados com a revoluo industrial
sem d*vida o aparecimento do proletariado e o papel hist'rico que ele
desempenharia na sociedade capitalista. (s efeitos catastr'ficos que esta
revoluo acarretava para a classe trabalhadora levaram/na a negar suas
condies de vida. As manifestaes de revolta dos trabalhadores atravessaram
diversas fases, como a destruio das mquinas, atos de sabotagem e e%ploso
de algumas oficinas, roubos e crimes, evoluindo para a criao de associaes
livres, formao de sindicatos etc. A conseq9$ncia desta crescente organi)ao
foi a de que os ?pobres? dei%aram de se confrontar com os ?ricos?; mas uma
classe especfica, a classe operria, com consci$ncia de seus interesses,
comeava a organi)ar/se para enfrentar os proprietrios dos instrumentos de
trabalho. 4esta tra!et'ria, iam produ)indo seus !ornais, sua pr'pria literatura,
procedendo a uma crtica da sociedade capitalista e inclinando/se para o
socialismo como alternativa de mudana.
@ual a import&ncia desses acontecimentos para a sociologiaA ( que
merece ser salientado que a profundidade das transformaes em Burso
colocava a sociedade num plano de anlise, ou se!a, esta passava a se
constituir em ?problema?, em ?ob!eto? que deveria ser investigado. (s
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pensadores ingleses que testemunhavam estas transformaes e com elas se
preocupam no eram, no entanto, homens de ci$ncia ou soci'logos que viviam
desta profisso. 5ram antes de tudo homens voltados para a ao, que
dese!avam introdu)ir determinadas modificaes na sociedade. Participavam
ativamente dos debates ideol'gicos em que se envolviam as correntes liberais,
conservadoras e socialistas. 5les no dese!avam produ)ir um mero
conhecimento sobre as novas condies de vida geradas pela revoluo
industrial, mas procuravam e%trair dele orientaes para a ao, tanto para
manter, como para reformar ou modificar radicalmente a sociedade de seu
tempo. 8al fato significa que os precursores da sociologia foram recrutados entre
militantes polticos, entre indivduos que participavam e se envolviam
profundamente com os problemas de suas sociedades.
Pensadores como (Cen D0660/01E1F, Gilliam 8hompson D066E/0122F,
HeremI Jentham D06K1/012LF, s' para citar alguns daquele momento hist'rico,
podiam discordar entre si ao !ulgarem as novas condies de vida provocadas
peta revoluo industrial e as modificaes que deveriam ser reali)adas na
nascente sociedade industrial, mas todos eles concordavam que ela produ)ira
fen.menos inteiramente novos que mereciam ser analisados. ( que eles
refletiram e escreveram foi de fundamental import&ncia para a formao e
constituio de um saber sobre a sociedade.
A sociologia constitui em certa medida uma resposta intelectual #s novas
situaes colocadas pela revoluo industrial. Joa parte de seus temas de
anlise e de refle%o foi retirada das novas situaes, como, por e%emplo, a
situao da classe trabalhadora, o surgimento da cidade industrial, as
transformaes tecnol'gicas, a organi)ao do trabalho na fbrica etc. = a
formao de uma estrutura social muito especfica / a sociedade capitalista /
que impulsiona uma refle%o sobre a sociedade, sobre suas transformaes,
suas crises, seus antagonismos de classe. 4o por mero acaso que a
sociologia, enquanto instrumento de anlise, ine%istia nas relativamente estveis
sociedades pr/capitalistas, uma ve) que o ritmo e o nvel das mudanas que a
se verificavam no chegavam a colocar a sociedade como ?um problema? a ser
investigado.
( surgimento da sociologia, como se pode perceber, prende/se em parte
aos abalos provocados pela revoluo industrial, pelas novas condies de
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e%ist$ncia por ela criadas. :as uma outra circunst&ncia concorreria tambm
para a sua formao. 8rata/se das modificaes que vinham ocorrendo nas
formas de pensamento. As transformaes econ.micas, que se achavam em
curso no ocidente europeu desde o sculo +,-, no poderiam dei%ar de
provocar modificaes na forma de conhecera nature)a e a cultura.
A partir daquele momento, o pensamento paulatinamente vai renunciando a
uma viso sobrenatural para e%plicar os fatos e substituindo/a por uma
indagao racional. A aplicao da observao e da e%perimentao, ou se!a,
do mtodo cientfico para a e%plicao da nature)a, conhecia uma fase de
grandes progressos. 4um espao de cento e cinq9enta anos, ou se!a, de
Coprnico a 4eCton, a ci$ncia passou por um notvel progresso, mudando at
mesmo a locali)ao do planeta 8erra no cosmo.
( emprego sistemtico da observao e da e%perimentao como fonte
para a e%plorao dos fen.menos da nature)a estava possibilitando uma grande
acumulao de fatos. ( estabelecimento de relaes entre estes fatos ia
possibilitando aos homens dessa poca um conhecimento da nature)a que lhes
abria possibilidade de a controlar e dominar.
( pensamento filos'fico do sculo +,-- contribuiu para populari)ar os
avanos do pensamento cientfico. Para Mrancis Jacon D0E70 / 07L7F, por
e%emplo, a teologia dei%aria de ser a forma norteadora do pensamento. A
autoridade, que e%atamente constitua um dos alicerces da teologia, deveria, em
sua opinio, ceder lugar a uma d*vida met'dica, a fim de possibilitar um
conhecimento ob!etivo da realidade. Para ele, o novo mtodo de conhecimento,
baseado na observao e na e%perimentao, ampliaria infinitamente o poder
do homem e deveria ser estendido e aplicado ao estudo da sociedade. Partindo
destas idias, chegou a propor um programa para acumular os dados
disponveis e com eles reali)ar e%perimentos a fim de descobrir e formular leis
gerais sobre a sociedade.
( emprego sistemtico da ra)o, do livre e%ame da realidade / trao que
caracteri)ava os pensadores do sculo +,- -, os chamados racionalistas,
representou um grande avano para libertar o conhecimento do controle
teol'gico, da tradio, da ?revelao? e, conseq9entemente, para a formulao
de uma nova atitude intelectual diante dos fen.menos da nature)a e da cultura.
Niga/se de passagem, que o progressivo abandono da autoridade, do
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dogmatismo e de uma concepo providencial ista, enquanto atitudes
intelectuais para analisar a realidade, no constitua um acontecimento
circunscrito apenas ao campo cientfico ou filos'fico. A literatura do sculo +,--,
por e%emplo, constitua uma outra rea que ia se afastando do pensamento
oficial, na medida em que se rebelava contra a criao literria legitimada pelo
poder. A obra de vrios literatos dessa poca investia contra as instituies
oficiais, procurando desmascarar os fundamentos do poder poltico, contribuindo
assim para a renovao dos costumes e hbitos mentais dos homens da poca.
"e no sculo +,--- os dados estatsticos voavam indicando uma
produtividade antes desconhecida, o pensamento social deste perodo tambm
reali)ava seus v.os rumo a novas descobertas. A pressuposio de que o
processo hist'rico possui uma l'gica passvel de ser apreendida constituiu um
aconteci mento que abria novas pistas para a investigao racional da
sociedade. 5ste enfoque, por e%emplo estava na obra de ,ico D0771 / 06KKF,
para o qual o homem quem produ) a hist'ria. Apoiando/se nesse ponto de
vista, afirmava que a sociedade podia ser compreendida porque, ao contrrio da
nature)a, ela constitui obra dos pr'prios indivduos. 5ssa postura diante da
sociedade, que encontra em ,ico um de seus e%poentes, influenciou os
historiadores escoceses da poca, como Navid Oume D0600/0667F e Adam
Merguson D06L2/0107F, e seria posteriormente desenvolvida e amadurecida por
Oegel e :ar%.
Nata tambm dessa poca a disposio de tratar a sociedade a partir do
estudo de seus grupos e no dos indivduos isolados. 5ssa orientao estava,
por e%emplo, nos trabalhos de Merguson, que acrescentava que para o estudo
da sociedade era necessrio evitar con!ecturas e especulaes. A obra deste
historiador escoc$s revela a influ$ncia de algumas idias de Jacon, como a de
que P a induo, e no a deduo, que nos revela a nature)a do mundo, e a
import&ncia da observao enquanto instrumento para a obteno do conheci
mento.
4o entanto, entre os pensadores franceses do sculo +,--- que
encontramos um grupo de fil'sofos que procurava transformar no apenas as
velhas formas de conhecimento, baseadas na tradio e na autoridade, mas a
pr'pria sociedade. (s iluministas, enquanto ide'logos da burguesia, que nesta
poca posicionava/se de forma revolucionria, atacaram com veem$ncia os
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fundamentos da sociedade feudal, os privilgios de sua classe dominante e as
restries que esta impunha aos interesses econ.micos e polticos da
burguesia.
A intensidade do conflito entre as classes dominantes da sociedade feudal
e a burguesia revolucionria que leva os fil'sofos, seus representantes
intelectuais, a atacarem de forma impiedosa a sociedade feudal e a sua
estrutura de conhecimento, e a negarem abertamente a sociedade e%istente.
Para proceder a uma indagao crtica da sociedade da poca, os
iluministas partiram dos seus antecessores do sculo +,--, como Nescartes,
Jacon, Oobbes e outros, reelaborando, porm, algumas de suas idias e
procedimentos. Ao invs de utili)ar a deduo, como a maioria dos pensadores
do sculo +,--, os iluministas insistiam numa e%plicao da realidade baseada
no modelo das ci$ncias da nature)a. 4esse sentido, eram influenciados mais
por 4eCton, com seu modelo de conhecimento baseado na observao, na
e%perimentao e na acumulao de dados, fio que por Nescartes, com seu
mtodo de investigao baseado na deduo.
-nfluenciado por esse estado de esprito, Condorcet D06KL/06QKF, por
e%emplo, dese!ava aplicar os mtodos matemticos ao estudo dos fen.menos
sociais, estabelecendo uma rea pr'pria de investigao a que denominava
?matemtica social?. Admitia ele que, utili)ando os mesmos procedimentos das
ci$ncias naturais para o estudo da sociedade, este poderia atingir a mesma
preciso de vocabulrio e e%atido de resultados obtidas por aqueles.
Combinando o uso da ra)o e da observao, os iluministas analisaram
quase todos os aspectos da sociedade. (s trabalhos de :ontesquieu D071Q/
06EEF, por e%emplo, estabelecem uma srie de observaes sobre a populao,
o comrcio, a religio, a moral, a famlia etc. ( ob!etivo dos iluministas, ao
estudar as instituies de sua poca, era demonstrar que elas eram irracionais e
in!ustas, que atentavam contra a nature)a dos indivduos e, nesse sentido,
impediam a liberdade do homem. Concebiam o indivduo como dotado de ra)o,
possuindo uma perfeio inata e destinado # liberdade e # igualdade social.
(ra, se as instituies e%istentes constituam um obstculo # liberdade do
indivduo e # sua plena reali)ao, elas, segundo eles, deveriam ser eliminadas.
Nessa forma reivindicavam a liberao do indivduo de todos os laos sociais
tradicionais, tal como as corporaes, a autoridade feudal etc.
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Procedendo desta forma, os iluministas conferiam uma clara dimenso
crtica e negadora ao conhecimento, pois este assumia a tarefa no s' de
conhecer o mundo natural ou social tal como se apresentavam, mas tambm de
critic/lo e re!eita/lo. ( conhecimento da realidade e a disposio de transform/
la eram, portanto, uma s' coisa. A filosofia, de acordo com esta concepo, no
constitua um mero con!unto de noes abstratas distante e # margem da
realidade, mas, ao contrrio, um valioso instrumento prtico que criticava a
sociedade presente, vislumbrando outras possibilidades de e%ist$ncia social
alm das e%istentes.
( visvel progresso das formas de pensar, fruto das novas maneiras de
produ)ir e viver, contribua para afastar interpretaes baseadas em
supersties e crenas infundadas, assim como abria um espao para a
constituio de um saber sobre os fen.menos hist'rico/sociais. 5sta crescente
racionali)ao da vida social, que gerava um clima propcio # constituio de um
estudo cientfico da sociedade, no era, porm, um privilgio de fil'sofos e
homens que se dedicavam ao conhecimento. ( ?homem comum? dessa poca
tambm dei%ava, cada ve) mais, de encarar as instituies sociais, as normas,
como fen.menos sagrados e imutveis, submetidos a foras sobrenaturais,
passando a perceb$/las como produtos da atividade humana, portanto passveis
de serem conhecidas e transformadas.
A intensidade da crtica #s instituies feudais levada a cabo pelos
iluministas constitua indisfarvel indcio da virul$ncia da luta que a burguesia
travava no plano poltico contra as classes que sustentavam a dominao
feudal. 4a Mrana, o conflito entre as novas foras sociais ascendentes
chocava/se com uma tpica monarquia absolutista, que assegurava
considerveis privilgios a apro%imadamente quinhentas mil pessoas, isso num
pas que possua ao final do sculo +,--- uma populao de vinte e tr$s milhes
de indivduos. 5sta camada privilegiada no apenas go)ava de iseno de
impostos e possua direitos para receber tributos feudais, mas impedia ao
mesmo tempo a constituio de livre/empresa, a e%plorao eficiente da terra e
/demonstrava/se incapa) de criar uma administrao padroni)ada atravs de
uma poltica tributria racional e imparcial.
A burguesia, ao tomar o poder em 061Q, investiu decididamente contra os
fundamentos da sociedade feudal, procurando construir um 5stado que
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assegurasse sua autonomia em face da -gre!a e que protegesse e incentivasse
a empresa capitalista. Para a destruio do ?ancien rgime?, foram mobili)adas
as massas, especialmente os trabalhadores pobres das cidades. Alguns meses
mais tarde, elas foram ?presenteadas?, pela nova classe dominante, com a
interdio dos seus sindicatos.
A investida da burguesia rumo ao poder, sucedeu/se uma liquidao
sistemtica do velho regime. A revoluo ainda no completara um ano de
e%ist$ncia, mas fora suficientemente intempestiva para liquidar a velha estrutura
feudal e o 5stado monrquico.
( ob!etivo da revoluo de 061Q no era apenas mudar a estrutura do
5stado, mas abolir radicalmente a antiga forma de sociedade, com suas
instituies tradicionais, seus costumes e hbitos arraigados, e ao mesmo
tempo promover profundas inovaes na economia, na poltica, na vida cultural
etc. = dentro desse conte%to que se situam a abolio dos gr$mios e das
corporaes e a promulgao de uma legislao que limitava os poderes
patriarcais na famlia, coibindo os abusos da autoridade do pai, forando/o a
uma diviso igualitria da propriedade. A revoluo desferiu tambm seus
golpes contra a -gre!a, confiscando suas propriedades, suprimindo os votos
monsticos e transferindo para o 5stado as funes da educao,
tradicionalmente controladas pela -gre!a. -nvestiu contra e destruiu os antigos
privilgios de classe, amparou e incentivou o empresrio.
( impacto da revoluo foi to profundo que, passados quase setenta anos
do seu triunfo, Ale%is de 8ocqueville, um importante pensador franc$s, referia/se
a ela da seguinte maneira< ?A Revoluo segue seu curso< # medida que vai
aparecendo a cabea do monstro, descobre/se que, ap's ter destrudo as
instituies polticas ela suprime as instituies civis e muda, em seguida, as
leis, os usos, os costumes e at a lngua; ap's ter arruinado a estrutura do
governo, me%e nos fundamentos da sociedade e parece querer agredir at
Neus; quando esta mesma Revoluo e%pande/se rapidamente por toda a parte
com procedimentos desconhecidos, novas tticas, m%imas mortferas, poder
espantoso que derruba as barreiras dos imprios, quebra coroas, esmaga povos
e / coisa estranha / chega ao mesmo tempo a ganh/los para a sua causa; #
medida que todas estas coisas e%plodem, o ponto de vista muda. ( que #
primeira vista parecia aos prncipes da 5uropa e aos estadistas um acidente
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comum na vida dos povos, tornou/se um fato novo, to contrrio a tudo que
aconteceu antes no mundo e no entanto to geral, to monstruoso, to
incompreensvel que, ao aperceb$/lo, o esprito fica como que perdido?.
( espanto de 8ocqueville diante da nova realidade inaugurada pela
revoluo francesa seria compartilhado tambm por outros intelectuais do seu
tempo. NurSheim, por e%emplo, um dos fundadores da sociologia, afirmou certa
ve) que a partir do momento em que ?a tempestade revolucionria passou,
constituiu/se como que por encanto a noo de ci$ncia social?. ( fato que
pensadores franceses da poca, como "aint/"imon, Comte. Te PlaI e alguns
outros, concentraro suas refle%es sobre a nature)a e as conseq9$ncias da
revoluo. 5m seus trabalhos, utili)aro e%presses como ?anarquia?,
?perturbao?, ?crise?, ?desordem?, para !ulgar a nova realidade provocada pela
revoluo. 4utriam em geral esses pensadores um certo rancor pela revoluo,
principalmente por aquilo que eles designavam como ?os seus falsos dogmas?,
como o seu ideal de igualdade, de liberdade, e a import&ncia conferida ao
indivduo em face das instituies e%istentes.
A tarefa que esses pensadores se propem a de racionali)ar a nova
ordem, encontrando solues para o estado de ?desorgani)ao? ento
e%istente. :as para restabelecer a ?ordem e a pa)?, pois a esta misso que
esses pensadores se entregam, para encontrar um estado de equilbrio na nova
sociedade, seria necessrio, segundo eles, conhecer as leis que regem os fatos
sociais, instituindo portanto uma ci$ncia da sociedade.
A verdade que a burguesia, uma ve) instalada no poder, se assusta com
a pr'pria revoluo. >ma das faces revolucionrias, por e%emplo, os
!acobinos, estava disposta a aprofund/la, radicali)ando/a e levando/a at o fim,
situando/a alm do pro!eto e dos interesses da burguesia. Para contornar a
propagao de novos surtos revolucionrios, enquanto estratgia para
modificao das sociedades, seria necessrio, de acordo com os interesses da
burguesia, controlar e neutrali)ar novos levantes revolucionrios. 4esse sentido,
era de fundamental import&ncia proceder a modificaes substanciais em sua
teoria da sociedade.
A interpretao crtica e negadora da realidade, que constituiu um dos
traos marcantes do pensamento iluminista e alimentou o pro!eto revolucionrio
da burguesia, deveria de agora em diante ser ?superada? por uma outra que
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condu)isse no mais # revoluo, mas # ?organi)ao?, ao ?aperfeioamento?
da sociedade. "aint/"imon, de uma maneira muito e%plcita, afirmaria a este
respeito que ?a filosofia do *ltimo sculo foi revolucionria; a do sculo ++ deve
ser reorgani)adora?. A tarefa que os fundadores da sociologia assumem ,
portanto, a de estabili)ao da nova ordem. Comte tambm muito claro
quanto a essa questo. Para ele, a nova teoria da sociedade, que ele
denominava de ?positiva?, deveria ensinar os homens a aceitar a ordem
e%istente, dei%ando de lado, a sua negao.
A Mrana, no incio do sculo +-+, ia se tornando visivelmente uma
sociedade industrial, com uma introduo progressiva da maquinaria,
principalmente no setor t$%til. :as o desenvolvimento acarretado por essa
industriali)ao causava aos operrios franceses misria e desemprego. 5ssa
situao logo encontraria resposta por parte da classe trabalhadora. 5m 0107/
0106 e em 01LE/01L6, os operrios destroem as mquinas em manifestaes
de revolta. Com a industriali)ao da sociedade francesa, condu)ida pelo
empresrio capitalista, repetem/se determinadas situaes sociais vividas pela
-nglaterra no incio de, sua revoluo industrial. 5ram visveis, a essa poca, a
utili)ao intensiva do trabalho barato de mulheres e crianas, uma
desordenada migrao do campo para a cidade, gerando problemas de
habitao, de higiene, aumento do alcoolismo e da prostituio, alta ta%a de
mortalidade infantil etc.
A partir da terceira dcada do sculo +-+, intensificam/se na sociedade
francesa as crises econ.micas e as lutas de classes. A contestao da ordem
capitalista, levada a cabo pela classe trabalhadora, passa a ser reprimida com
viol$ncia, como em 01K1, quando a burguesia utili)a os aparatos do 5stado, por
ela dominado, para sufocar as presses populares. Cada ve) mais ficava claro
para a burguesia e seus representantes intelectuais que a filosofia iluminista,
que passava a ser designada por eles como ?metafsica?, ?atividade crtica
inconseq9ente?, no seria capa) de interromper aquilo que denominavam
estado de ?desorgani)ao?, de ?anarquia poltica? e criar uma ordem social
estvel.
Neterminados pensadores da poca estavam imbudos da crena de que
para introdu)ir uma ?higiene? na sociedade, para ?reorgani)/la?, seria
necessrio fundar uma nova ci$ncia. NurSheim, ao discutir a formao da
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sociologia na Mrana do sculo +-+, refere/se a "aint/"imon da seguinte forma<
?( desmoronamento do antigo sistema social, ao instigar a refle%o # busca de
um remdio para os males de que a sociedade padecia, incitava/o por isso
mesmo a aplicar/se #s coisas coletivas. Partindo da idia de que a perturbao
que atingia as sociedades europias resultava do seu estado de desorgani)ao
intelectual, ele entregou/se # tarefa de p.r termo a isto. Para refa)er uma
consci$ncia nas sociedades, so estas que importa, antes de tudo, conhecer.
(ra, esta ci$ncia das sociedades, a mais importante de todas, no e%istia; era
necessrio, portanto, num interesse prtico, fund/la sem demora?.
Como se percebe pela afirmao de NurSheim, esta ci$ncia surge com
interesses prticos e no ?como que por encanto?, como certa ve) afirmara.
5nquanto resposta intelectual # ?crise social? de seu tempo, os primeiros
soci'logos iro revalori)ar determinadas instituies que segundo eles
desempenham papis fundamentais na integrao e na coeso da vida social. A
!ovem ci$ncia assumia como tarefa intelectual repensar o problema da ordem
social, enfati)ando a import&ncia de instituies como a autoridade, a famlia, a
hierarquia social, destacando a sua import&ncia te'rica para o estudo da
sociedade. Assim, por e%emplo, Te PlaI D0137/011LF afirmaria que a famlia e
no o indivduo isolado que possua significao para uma compreenso da
sociedade, pois era uma unidade fundamental para a e%peri$ncia do indivduo e
elemento importante para o conhecimento da sociedade. Ao reali)ar um vasto
estudo sobre as famlias de trabalhadores, insistia que estas, sob a
industriali)ao, haviam se tornado descontnuas, inseguras e instveis. Niante
de tais fatos, propunha como soluo para a restaurao de seu papel de
?unidade social bsica? a reafirmao da autoridade do ?chefe de famlia?,
evitando a igualdade !urdica de homens e mulheres, delimitando o papel da
mulher #s funes e%clusivas de me, esposa e filha.
Procedendo dessa forma, ou se!a, tentando instaurar um estado de
equilbrio numa sociedade cindida pelos conflitos de classe, esta sociologia
inicial revestiu/se de um indisfarvel conte*do estabili)ador, ligando/se aos
movimentos de reforma conservadora da sociedade.
4a concepo de um de seus fundadores, Comte, a sociologia deveria
orientar/se no sentido de conhecer e estabelecer aquilo que ele denominava leis
imutveis da vida social, abstendo/se de qualquer considerao crtica,
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eliminando tambm qualquer discusso sobre a realidade e%istente, dei%ando
de abordar, por e%emplo, a questo da igualdade, da !ustia, da liberdade.
,e!amos como ele a define e quais ob!etivos deveria ela perseguir, na sua
concepo<
?5ntendo por fsica social a ci$ncia que tem por ob!eto pr'prio o estudo
dos fen.menos sociais, segundo o mesmo esprito com que so
considerados os fen.menos astron.micos, fsicos, qumicos e
fisiol'gicos, isto , submetidos aleis invariveis, cu!a descoberta o
ob!etivo de suas pesquisas. (s resultados de suas pesquisas tornam/se
o ponto de partida positivo dos trabalhos do homem de 5stado, que s'
tem, por assim di)er, como ob!etivo real descobrir e instituir as formas
prticas correspondentes a esses dados fundamentais, a fim de evitar ou
pelo menos mitigar, quanto possvel, as crises mais ou menos graves que
um movimento espont&neo determina, quando no foi previsto. 4uma
palavra, a ci$ncia condu) # previd$ncia, e a previd$ncia permite regular a
ao?.
4o dei%a de ser sugestivo o termo ?fsica social?, utili)ado por Comte para
referir/se # nova ci$ncia, uma ve) que ele e%pressa o dese!o de constru/la a
partir dos modelos das ci$ncias fsico/naturais. A oficiali)ao da sociologia foi
portanto em larga medida uma criao do positivismo, e uma ve) assim
constituda procurar reali)ar a legitimao intelectual do novo regime.
5sta sociologia de inspirao positivista procurar construir uma teoria
social separada no apenas da filosofia negativa, mas tambm da economia
poltica como base para o conhecimento da realidade social. "eparando a
filosofia e a economia poltica, isolando/as do estudo da sociedade, esta
sociologia procura criar um ob!eto aut.nomo, ?o social?, postulando uma
independ$ncia dos fen.menos sociais em face dos econ.micos.
4o ser esta sociologia, criada e moldada pelo esprito positivista, que
colocar em questo os fundamentos da sociedade capitalista, ! ento
plenamente configurada. 8ambm no ser nela que o proletariado encontrar a
sua e%presso te'rica e a orientao para suas lutas prticas. = no pensamento
socialista, em seus diferentes mati)es, que o proletariado, esse rebento da
revoluo industrial, buscar seu referencial te'rico para levar adiante as suas
lutas na sociedade de classes. = neste conte%to que a sociologia vincula/se ao
socialismo e a nova teoria crtica da sociedade passa a estar ao lado dos
interesses da classe trabalhadora.
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5nvolvendo/se desde o seu incio nos debates entre as classes sociais,
nas disputas e nos antagonismos que ocorriam no interior da sociedade, a
sociologia sempre foi algo mais do que mera tentativa de refle%o sobre a
moderna sociedade. "uas e%plicaes sempre contiveram intenes prticas,
um dese!o de interferir no rumo desta civili)ao, tanto para manter como para
alterar os fundamentos da sociedade que a impulsionaram e a tornaram
possvel.
(...)
O que sociologia
Carlos Benedito Martins
38 edio
Editora brasiliense
Copyright O by Carlos Benedito Martins, !8"
#ri$eira edio, !8"
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