1) A vocação vem de Deus, que chama cada pessoa a seguir um caminho particular na vida para servi-Lo.
2) Existem dois caminhos principais: a vida comum ou a vida religiosa.
3) Deus revela Sua vocação para cada um através de inspirações internas e conselhos de outras pessoas.
1) A vocação vem de Deus, que chama cada pessoa a seguir um caminho particular na vida para servi-Lo.
2) Existem dois caminhos principais: a vida comum ou a vida religiosa.
3) Deus revela Sua vocação para cada um através de inspirações internas e conselhos de outras pessoas.
Descrição original:
Conselhos para homens em processo de discernimento vocacional.
1) A vocação vem de Deus, que chama cada pessoa a seguir um caminho particular na vida para servi-Lo.
2) Existem dois caminhos principais: a vida comum ou a vida religiosa.
3) Deus revela Sua vocação para cada um através de inspirações internas e conselhos de outras pessoas.
1) A vocação vem de Deus, que chama cada pessoa a seguir um caminho particular na vida para servi-Lo.
2) Existem dois caminhos principais: a vida comum ou a vida religiosa.
3) Deus revela Sua vocação para cada um através de inspirações internas e conselhos de outras pessoas.
Baixe no formato PDF, TXT ou leia online no Scribd
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 67
CONSELHOS SOBRE A VOCAO
Padre J. Guibert (Superior do Seminrio do Instituto Catlico de Paris)
PREMBULO
Esta brochura destinada aos jovens de doze para dezoito anos, nos quais se notam aspiraes ou qualidades para a vida religiosa. Os meninos, raras vezes, so capazes de reparar os movimentos que a graa opera em seus coraes. Quer por leviandade de esprito, quer por falta de instruo, tm apenas idias confusas a respeito do que se passa em sua alma. Incapazes de explicar o que sentem, dominados s vezes por grande acanhamento, conservam, sepultados no fundo do corao, sinceros desejos de vida religiosa. Quantas vocaes perdem-se desta maneira. Nas pginas seguintes, os jovens ho de encontrar as noes e os conselhos necessrios para esclarecer sua conscincia e guiar-se no ponto de vista da vocao. Pareceu que era melhor tratar da vocao em geral. Porque a grande questo a resolver para um menino, saber onde que vai tomar uma carreira para servir a Deus: no mundo ou na Igreja. Uma vez decidido este ponto, sempre fcil descobrir o caminho particular que lhe convm.
INTRODUO
MENSAGEIRO CELESTE
1. Tomai este livro, jovem amigo, e lede-o como se fosse uma carta que o cu vos enviasse. Espero que encontrareis nele uma resposta s srias perguntas de vosso corao. Sem dvida j notastes a mudana repentina que se operou em vs e ao redor de vs, depois da Primeira Comunho.
At ento a vida nada vos custara. Suavemente embalado nos braos dos pais, alimentado pelos tenros cuidados deles, at hoje vivestes sem receio, inconsciente do futuro.
De repente, quando chegastes aos doze anos, ou um pouco depois da Primeira Comunho, no meio mesmo dos carinhos que todos vos prodigalizavam, uma voz se fez ouvir: Que ser deste menino? E como todos sentissem perfeitamente que no era possvel dispor de vs sem vosso consentimento, algum vos perguntou: Agora, meu filho, que que Sr. deseja ser?
Desde aquele momento, no sois mais o mesmo menino de outrora. Pensamentos de homem maduro entraram-vos na alma. Estais vendo que a vida no mera brincadeira, que seria um crime dissip-la inutilmente, e preciso aproveit-la para ganhar o po e muito mais ainda para ganhar o cu. Por isso estais ansioso e procurais resolver este problema de importncia capital: Que uso farei de minha vida? principalmente nas horas tranqilas, quando tudo est calado em vossa alma, por exemplo, de noite, antes de adormecer ou durante o recolhimento dos ofcios religiosos, que a pergunta se faz mais instante. Ento uma voz interior e profunda responde: A vida curta; os anos voam mais rpidos que a seta quando atravessa o ar. Ponha depressa sua vida em um quadro definitivo; entre sem demora no caminho que ser preciso seguir. No perca, em estril hesitao, nem a menor parcela da vida.
Mas como tomar depressa uma resoluo definitiva numa questo to grave? Entre mil carreiras que se oferecem, qual escolher? Com efeito, os quadros mais variados vos encheram talvez a imaginao e solicitaram a ambio.
2. Um dia pensais em ser um hbil operrio na oficina do pai; outra vez agrada-vos a sorte de um negociante feliz ou de um industrial cheio de habilidades; muitas vezes as dragonas de ouro dos oficiais inflamaram os vossos desejos; mas muitas vezes tambm, tivestes a idia de consumir as foras na abnegao do sacerdcio ou da vida religiosa, a fim de aliviar a misria humana e salvar almas. Por isso, vosso pobre corao fica incerto e vai de um projeto para outro, sem fixar-se em nenhum.
Entretanto, no meio de todos estes quadros, h um que, mais do que os outros, possui o poder de atrair-vos e seduzir-vos a alma.
Vosso corao, compenetrado de f religiosa e vido de dedicao, gosta de um porvir cheio de oraes, de sacrifcios, de devotamento completo. s vezes imaginais estar no altar, no esplendor das cerimnias sagradas; outras vezes parece-vos que sois um missionrio intrpido, no meio de ndios que ganhais a Jesus Cristo; mais a modo julgais ser um professor, cercado de numerosa e alegre meninada, arquem ensinais a cincia e a virtude. Todos estes pensamentos se agitam no mais ntimo de vossa alma; so apenas conhecidos de Deus e de vs. Ningum, com efeito, tentou penetrar no santurio de vossa alma a fim de surpreender-vos os secretos desejos: vs mesmo quase que no os entendeis claramente; tereis muita dificuldade para exprimi-los; talvez tivsseis medo de revelar a outros aspiraes to elevadas, que provavelmente, segundo vos parece, seriam tratadas de vises quimricas.
Apesar disso, tudo vos excita a tomar uma resoluo: a idade no vos permite mais esperar; vossos pais esto com pressa de arranjar-vos uma colocao. preciso falar, e no ousais falar e no sabeis como falar. Da se origina a angstia de corao que experimentais em certas horas.
Nestas dvidas interiores, misturadas de esperana e de receio, quantas vezes dirigistes um olhar suplicante a Deus para que vos enviasse um mensageiro celeste! Mas o cu no manda anjos visveis a todos os homens. Os anjos de Deus so as inspiraes que nos alumiam o interior da alma e os conselhos que nos prodigalizam as pessoas de fora.
Talvez estas pginas sejam para vs o rgo do celestial mensageiro. O que sua leitura poder dizer-vos, a graa vo-lo repetir no ntimo da alma. Por meio desta brochura, sabereis o que a vocao, que meios deve tomar cada um para conhecer a vocao, como o eleito de Deus deve corresponder vocao.
Ento vereis mais s claras os desgnios de Deus sobre vs, tereis mais ousadia e mais jeito para manifestar vossos desejos e sereis mais corajoso para abraar os deveres que vos impuser a vontade de Deus.
NDICE
Prembulo Introduo
CAPTULO I ORIGEM DA VOCAO A vocao vem de Deus Dois caminhos A vida comum A vida religiosa Nobreza do estado religioso Os sacrifcios As virtudes A misso Como Deus semeia as vocaes Razes das vocaes Como se revela o apelo de Deus CAPTULO II ESTUDO DA VOCAO Necessidade de estudar a vocao Disposies necessrias para bem estudar a vocao Orao Indiferena Coragem Necessidade de pedir conselho Os pais Os mestres O confessor Sinais de vocao I. O atrativo Qualidades do atrativo II. A Aptido Sade Inteligncia Vontade Corao A vocao segundo o Direito Cannico Escolha de num vocao particular CAPTULO III COMO CORRESPONDER VOCAO I. A separao 1 Renunciar ao pecado 2 Separar-se do mundo 3 Deixar a famlia II. A formao 1 A vida sobrenatural 2 0 carcter 3 A formao profissional 4 O zelo apostlico III. A conservao: 1 Conservar o esprito 2 Conservar o corao 3 Conservar a vontade Cansao Aborrecimento Desanimo Concluso Histria de uma vocao
CAPITULO I - ORIGEM DA VOCAO
A vocao vem de Deus
3. A palavra vocao significa apelo, chamado. Indicar a fonte da vocao indicar quem chama. Mas quem poder chamar um homem a um destino especial, quem poder, de modo soberano, decidir das vidas humanas, seno o prprio Deus, senhor absoluto do universo? Ele s tem o direito de decretar o caminho que devemos seguir. Devemos ter uma convico profunda desta verdade. Porque se ignorarmos at que ponto Deus gosta de levar os homens como pela mo, teremos menos zelo em procurar e segurar esta mo paternal que se estende para ns.
Em consequncia de uma f muito superficial, Deus nos parece ser muitas vezes como um mestre inacessvel, colocado longe de ns, em um trono elevado, donde nos enxerga apenas e nos abandona no meio das dificuldades da vida, sempre armado para castigar uma criatura mais frgil do que um vaso de cristal, qual tirano terrvel diante de quem os sbditos devem estar sempre a tremer.
No, felizmente, Deus no tal, para ns. Relaes mais filiais nos unem a Ele. Sem dvida, um Rei, mas um Rei que se d com Seus sbditos e Se interessa pelos negcios deles: melhor ainda, quer que o chamemos de Pai Nosso. Est to perto de ns que se encontra em cada um de nossos pensamentos, em cada um de nossos desejos, o autor de todos nossos bons movimentos e concorre para todas nossas boas aes. Foi at dizer-nos: Todos os cabelos de vossa cabea esto contados e nem um s h de cair sem a licena de vosso Pai celestial.
Santa Gertrudes, depois de violenta tentao, se queixava um dia a Deus de que a abandonara durante o combate: Ora, Senhor! onde estveis enquanto Vossa serva lutava to penosamente contra a tempestade? Estava no meio de teu corao, lhe respondeu Jesus, e sou Eu mesmo que te ajudava a triunfar.
Unido a nosso ser de modo to ntimo, partilhando todos nossos atos, Deus no pode permanecer indiferente orientao que tomar nossa vida. Nunca h de largar-nos no mais importante ato de nossa existncia, na escolha de uma carreira.
No somente no nos abandona a ns mesmos, mas traa um caminho para cada um de ns. Tem um desgnio para cada um de ns; para cada um de ns formou um plano de vida. Este plano, delineado pelo prprio Deus, a vocao.
4Mas como h de revelar-nos seu plano? No ntimo da nossa alma, muitas vezes inclina- nos suavemente por meio do atrativo, de certo gosto para a carreira que fixou par ns; cria em nossas almas as aptides e as inclinaes que ho de tornar-nos aptos para o cumprimento de nossos futuros deveres. No exterior, governa os acontecimentos de modo tal que o caminho esteja desimpedido para ns; arreda os obstculos, prepara os auxlios; est presente em cada parte da estrada a fim de assegurar-nos a marcha at o termo fixado.
Para aquele que toma e conserva a via providencial da vocao, Deus prodigaliza as graas que asseguram o bom xito neste mundo e a salvao na eternidade. Para os que fogem da direo divina da vocao, as graas de estado fazem muita falta; como os comboios descarrilados, esto expostos s mais perigosas colises; mesmo nesta vida, a desgraa os segue por toda a parte.
Portanto, jovem e bom amigo, Deus pensa em vs, tem vistas sobre vs; com Suas mos divinas, traou-vos um caminho. Qual ser este caminho? Descobri-lo para o seguir com nimo, , com evidncia, para vs, o grande e nico negcio.
Nesta pesquisa aplicai vossa alma toda, tanto o esprito como o corao. Mas como Deus no se revela seno aos que invocam, rogai ao divino Esprito Santo para que vos ilumine a inteligncia e incline o corao pelos suaves atrativos de Sua graa.
Dois caminhos
5. Na vossa idade, dois caminhos esto abertos para vs: o caminho da vida comum, para o qual se dirige a maior parte dos homens; e o da vida religiosa, reservado a um pequeno nmero de almas escolhidas. O primeiro ato de vossa liberdade h de ser a escolha entre estes dois caminhos. Conforme tomardes um ou outro, o resto de vossa vida ter uma direo muito diferente.
Estais portanto numa espcie de bifurcao, de encruzilhada. Tomareis uma carreira no mundo? Tomareis a carreira da vida religiosa? Sei que estais respondendo: Minha carreira h de ser o que Deus quiser para mim. Mas onde quer Deus que estejais? No mundo ou na vida religiosa? A pergunta fica portanto a mesma.
Entretanto precisais de pronta resposta. Os ricos, sem dvida, podem esperar e refletir por muito tempo. Enquanto esto estudando, vo-se preparando para entrar tanto no mundo como na Igreja: aos dezoito anos, podem ainda escolher uma carreira. Mas para o maior nmero dos meninos e jovens, a escolha precisa ser feita antes dos quatorze anos. Com efeito, uma vez que um moo entrou no comrcio ou na indstria, desde que passou pela oficina, no pode mais mudar de caminho. Sem dvida, encontram-se negociantes e operrios que entram no estado religioso; mas so excees. A regra mais segura tomar o mais cedo possvel o caminho que se deve seguir sempre. A quantos perigos no estaria exposta uma vida religiosa no meio de sociedades licenciosas e corruptas?
Pois que preciso escolher, examinai com ateno os dois caminhos que vos so oferecidos para toda a vida.
A vida comum
6. Falemos primeiro da vida ou via comum e examinai vossas inclinaes interiores e os acontecimentos exteriores para ver si Deus vos quer neste caminho.
A vida comum a vocao dos que Deus destina ao estado do matrimnio. Vivem no mundo e tm que arranjar uma situao no meio dos negcios do sculo. Quando alcanam a primeira maturidade, depois que completam a aprendizagem de um ofcio, fundam uma casa, educam uma famlia, trabalham para ganhar o po quotidiano e preparar-se, para o tempo da velhice, um honesto rendimento.
Na vida comum, penosos trabalhos, de ordinrio, so necessrios para assegurar a subsistncia; a alma fica absorta pela preocupao dos negcios e pelo pensamento do dinheiro, o corao est exposto diariamente a mil perigos quase que inevitveis, as prticas religiosas ocupam apenas alguns instantes da vida.
Contudo um estado que Deus quer para a maior parte dos homens. Antes da vinda de Jesus Cristo, todos os homens deviam fundar uma famlia. Agora que o Salvador veio ao mundo, agora que Sua palavra e Sua graa fizeram desabrochar sobre a terra a flor da virgindade outrora desconhecida, o celibato religioso ainda a exceo; o estado do matrimnio permanece a condio regular da imensa maioria dos homens.
Por isso que lavraria em grande erro quem visse nesta via comum, uma condio destituda de nobreza, digna mesmo de algum desprezo. Comentem grave abuso os que para exaltar o estado religioso, se esforam por aviltar o casamento e a famlia. O trabalho do operrio no ser sempre muito honroso? A bno de Deus no ser especialmente para os pais e as mes de famlias numerosas e no visitar as casas onde se agita um bando de alegres meninos?
7. Persuadi-vos bem que a vida da famlia um estado santo e que vossos pais so dignos de todos os elogios. Quem poder contar os santos que '"ganharam o cu e mereceram o culto da Igreja por meio desta via? Santa Felicidade, santa Perptua, santa Mnica, santa Isabel, so Luiz, santo Isidoro, so Joaquim e tantos outros, acharam neste estado meios e no obstculos para alcanar eminente santidade.
Para este estado, abenoado por Deus, so chamadas todas as almas que no experimentam um atrativo particular para a vida religiosa. Para entrar nesta via, no preciso ouvir um apelo do cu; pelo contrrio, deve-se esperar o sinal de Deus para se arredar deste caminho.
No meado do sculo precedente, vivia em Tours um homem, o Sr. Dupont, a quem todos tratavam de santo por causa de sua grande virtude. Vrios amigos aconselhavam um dia ao Sr. Dupont para que se fizesse religioso. Pedirei a Deus, respondeu ele, para que me d a conhecer Sua santa vontade. Rezou, com efeito, mas sem experimentar nenhum atrativo para a vida religiosa. Embora eu reze bastante, respondeu ele, no sinto nenhum atrativo para o sacerdcio: ficarei portanto no mundo, onde tratarei de servir a Deus e ser til s almas. Permaneceu no mundo, simples leigo: seus exemplos e suas boas obras deixaram na Igreja vestgios que ho de durar sempre.
Portanto, persuadi-vos bem, jovem amigo, que a vida comum, embora muito perigosa, no um estado de perdio, que as almas piedosas e virtuosas no so todas chamadas para sair do mundo; que, pelo contrrio, a fim de fundar famlias crists, so necessrios moos profundamente honestos e religiosos. Por conseguinte, se levardes uma vida santa e exemplar, no haveis de cair fatalmente na vida religiosa: preparareis apenas vossa alma para conhecer e seguir perfeitamente a vontade de Deus.
Segundo estes princpios fica assente que permanecereis no mundo, se no ouvirdes um chamado particular de Deus. Mas, por acaso, j no tereis ouvido este chamado especial de Deus?
O tal atrativo ou convite do Esprito Santo, frequentssimo, na prtica, como sinal de vocao; entretanto no prova indubitvel; h casos de timas vocaes sem este atrativo. Mais adiante (nmeros 58 e 59) vo s condies necessrias e suficientes para se reconhecer se algum tem ou no tem vocao para o sacerdcio ou a vida religiosa (Ver pgina 48).
A vida religiosa
8. Existe, com efeito, outro caminho, estreito, frequentado pelo menor nmero, no qual Deus faz entrar os privilegiados de Seu corao.
caracterizado pela separao do mundo, pela renncia s honras e aos bens da terra e, sobretudo pelo sacrifcio do casamento. A castidade perfeita ilumina esta vereda de um esplendor celestial. Esta vida se reparte entre a orao e as obras de zelo: as almas se esquecem de si prprias para se dar inteiramente a Deus pela religio, e aos homens pela dedicao desinteressada.
Se a orao predomina, como entre os Cartuxos e os Carmelitas, a vida se chama contemplativa. Pelo contrrio, se for o trabalho apostlico que predomina, como entre os vigrios das parquias, os missionrios, os professores religiosos, a vida se chama ativa. Contudo, em nenhuma parte a contemplao preguiosa e estril; sempre a ao mais generosa se renova nas fontes sagradas da orao.
Este estado religioso, com suas formas mltiplas, um estado que Deus quer. Estas almas castas e despegadas so o sal da terra: que seria do mundo se este sal preservador viesse a desaparecer ou perder a fora? Que seria da sociedade se o sacerdote no publicasse mais as leis da verdadeira moral, se os educadores catlicos no formassem mais as jovens geraes para a virtude?
Deus quer, no seio de Sua Igreja, a perpetuidade da orao e das boas obras. Ora, a orao e as boas obras so alimentadas e sustentadas pelas almas que a vocao religiosa desprende de todas as coisas terrenas. Eis a razo porque Deus tem obrigao perante o mundo, perante a Igreja, perante si mesmo de no estancar a fonte das vocaes religiosas. Por isso que, at o fim do mundo, haver almas que a graa divina h de solicitar para a orao, a penitncia, o zelo apostlico.
Felizes as almas sobre as quais Deus lana olhares de predileo, que Sua mo paterna arranca da vida comum dos mortais para as transformar em agentes fiis a Seus desgnios! Felizes estas almas, no segundo as idias do mundo, que no lhes entende a felicidade, mas felizes segundo as verdades da f, que nos revela as grandezas da vocao religiosa.
Nobreza do estado religioso
9. Nunca poderemos conceber coisa mais excelente do que o estado religioso. Porque a vocao encerra os mais belos ttulos de nobreza, quer pelos sacrifcios que impe, quer pelas virtudes que faz praticar, quer pela misso sublime que nos confia.
Os sacrifcios
10. A nobreza de uma alma se mede pela elevao de sua coragem. As famlias nobres mereceram seus brases pela magnanimidade de seus antepassados; aos que no recuam diante do perigo e arrostam a morte para salvar a ptria, a sociedade concede o primeiro lugar. Expr-se morte num campo de batalha o ato de um grande corao; mas morrer durante toda a vida para a mais bela das causas, derramar o sangue gota a gota, at o ltimo suspiro, no silncio e na escurido de uma empresa sem brilho, o ato de um corao maior ainda, porque supe uma coragem mais profunda e uma vontade mais constante.
Ora, para esta espcie de herosmo que a vocao destina os que ela chama. Os religiosos e os sacerdotes so outros tantos heris, cada vez que vivem segundo sua profisso. Com efeito, vo de encontro s inclinaes mais gratas natureza: vtimas voluntrias, renunciam aos prazeres, s honras, s riquezas e imolam-se dia por dia no altar do prprio corao. Mais ainda, dedicam-se a um trabalho austero: prisioneiros do dever, entregam a Deus e s almas todas as horas de seu tempo e todas as energias de sua atividade.
As virtudes
11. No somente pelos sacrifcios impostos que a vocao religiosa enobrece, tambm pelas virtudes que faz praticar.
Ser preciso mostrar-vos toda a grandeza de uma alma que se dedica s virtude? No sabeis que o valor de um homem depende do interior e no do exterior?
Os que brilham diante do pblico e, no fundo, ocultam almas baixas e maculadas, ostentam apenas uma luz falsa aos olhos dos homens. As vestimentas preciosas e os brilhantes resplandecentes adornam apenas o corpo; a reputao mais lisonjeira tem s o efeito de realar um nome diante dos homens. Mas tudo isto no alcana o fundo da alma; debaixo destas aparncias, diante das vistas de Deus e de suas prprias vistas, a alma permanece o que ela : abjeta se andar no vcio; cintilante de peregrina beleza, se as virtudes a iluminarem.
Com efeito, que coisa ser mais bela do que a alma em quem Deus reside como num santurio? No seio de um corao em estado de graa, a luz divina resplandece como os raios do sol atravs do cristal mais puro. Nos lugares onde Deus habita, o cu em peso baixa: todas as virtudes formam o cortejo da graa santificante. No meio delas domina a caridade, e da caridade dimanam os sentimentos de misericrdia e de dedicao que pasmam o mundo e so a honra da Igreja.
12. Mas qual vida h de favorecer melhor tal desabrochar das virtudes crists? No ser a vida religiosa, retirada do mundo, ao abrigo das sedues? Oh! sem dvida, mesmo no meio dos perigos do sculo, pode-se viver sem pecado grave e conservar Deus presente no corao. Como difcil, porm, manter-se em estado de graa! como difcil, portanto, que uma alma conserve intacto este rico tesouro de virtudes! Pelo contrrio, tudo se rene para preservar a alma do religioso: o retiro em que vive, os socorros sobrenaturais que lhe so prodigalizados, o encanto da vida de famlia, a seriedade das ocupaes dirias...
sobretudo a propsito de uma alma assim preservada pelo privilgio da vocao religiosa, que S. Tereza podia exclamar: Se Deus nos descobrisse a beleza de uma alma enriquecida pela graa e fecundada pelas virtudes, havamos de morrer de admirao e de alegria.
A misso
13. Nobilssima tambm a misso a que se destina a vocao religiosa. Porque, seja qual for o gnero de vida ao qual se consagra a alma dedicada a Deus, sempre sua carreira mais importante que as carreiras do mundo.
Por mais variadas que sejam as vocaes da Igreja, todas se resumem em quatro grupos principais: a orao, as obras de caridade, o ensino, o apostolado sacerdotal.
14. A orao e a penitncia caracterizam a vida dos Cartuxos, dos Trapistas, dos Beneditinos, das Clarissas, dos Carmelitanos, etc... Retirados em seus claustros, extranhos aos negcios mundanos, levam uma vida anglica que o mundo desconhece. Para que, dizem os mundanos, estes religiosos inteis, egostas, que no pensam seno em si prprios e nada fazem em proveito da sociedade? contudo, estes religiosos so mais teis sociedade do que os que se agitam e enchem o mundo da fama de seu nome. Com efeito, nos santurios onde se renem, formam focos de vida, cujo ardor se espalha por toda a parte; constituem centros de virtudes cujas influncias irradiam ao longe; representam a humanidade no louvor e na adorao que se deve a Deus; so como que pra-raios vivos que arredam da terra os troves da vingana divina: porque, por meio de suas penitncias, alcanam do cu o perdo por numerosssimos pecadores. Os homens precisam tanto da graa e da misericrdia, que, aos olhos da f, a vida do claustro talvez aquela que produz os efeitos mais profundos. Se Deus vos chamasse para ela, no tenhais receio de perder vossa existncia. Assegura-se que S. Teresa, por suas oraes, no converteu menos infiis do que S. Francisco Xavier, o grande apstolo das ndias.
15. Muito melhor compreendida pelo povo a misso dos que se consagram s obras de caridade: sua utilidade acessvel aos sentidos e fere as vistas. Em todas as lnguas exaltaram- se com razo as maravilhas desta dedicao que alivia as misrias humanas. Tira-se o chapu com respeito diante da irm de caridade; admira-se a humilde irmzinha dos pobres; o irmo de So Joo de Deus, companheiro e criado dos mais deserdados da natureza, aparece como um prodgio da graa. Nestes devotamentos, no o sentimento da dedicao que mais nos comove; porque a piedade para com o pobre e o doente se encontra em qualquer corao bem formado. antes o desapego herico de tudo, inspirado pela piedade, que excita nossa admirao; porque se o mundo encontra criados que oferecem seu tempo e suas penas em troca de po ou de ouro, Deus s que suscita os heris desinteressados que do a prpria vida para que o enfermo e o indigente tenham algum para lhes suavizar as dores.
16. Existe outra forma de dedicao que o mundo aprecia menos, que at persegue de seu dio, e trata de destruir hoje: quero falar da misso de educador.
O professor tem um papel social de imenso alcance; como possui as jovens geraes, o professor possui tambm o futuro; foi sempre verdade incontestvel que o porvir pertence aos que formam a mocidade. E como preciso que o porvir pertena a Deus, quanto no importa que Deus suscite mestres generosos que formem perfeitamente a mocidade? Esta obra dos professores catlicos to necessria que Deus gostaria mais de fazer novas criaturas antes do que deix-la perecer. De uma importncia capital nos tempos presentes, sempre austera e muitas vezes ingrata, esta misso do professor catlico tambm uma fonte de puras alegrias e de fecundas bnos. Que coisa poder ser mais suave do que a paternidade que um bom mestre exerce sobre seus numerosos discpulos? Que coisa ser mais meritria diante de Deus e diante dos homens, do que consumir a existncia no duro servio de uma escola? Felizes as almas que Deus chama a esta forma de apostolado: Porque, diz a Escritura Sagrada, os que ensinam a verdade e a santidade ho de brilhar como astros durante toda a eternidade.
17. Fica ainda a misso do padre, ministro da palavra de Deus e depositrio do tesouro dos Sacramentos. Unido a Deus como deve ser unido, representante de Jesus Cristo entre os homens, o padre alcana uma altura tal que d a vertigem pobre razo humana. Quanto mais elevado o padre por seu poder de ordem, tanto mais perfeita deve ser a santidade de sua vida. Quer evangelize os povos infiis, quer desenvolva a vida crist entre os povos convertidos, seu papel aparece sempre na mesma sublimidade. Se eu encontrasse ao mesmo tempo, no meu caminho, um padre e um anjo, dizia um grande santo, eu cumprimentava primeiro o padre e depois o anjo.
18. Estais vendo, jovem amigo, a vida religiosa apresenta numerosos caminhos. Tomai aquele que quiserdes; certamente, h de conduzir-vos para regies elevadssimas.
deste modo que pensaram tantos grandes homens do mundo, os quais, em todos os tempos, pisaram aos ps as mais belas coroas da terra para terem a felicidade de servir a Jesus Cristo. De todas as posies sociais, dos prprios degraus dos tronos, saem almas que ambicionam uma nobreza mais elevada que a da terra. Se os prncipes e os grandes do mundo no julgaram que fosse indigno de sua alta posio, consagrar sua vida s obras de zelo, como no haveriam, os filhos do povo, de gostar de servir com eles nas fileiras da milcia religiosa?
Da grandeza da vocao religiosa se deduz outra consequncia: que no permitido a ningum introduzir-se, sem um apelo de Deus, numa misso to sublime. Quando estiverdes convidados a um banquete, diz o Salvador Jesus, no tomeis o primeiro lugar, de medo que tenhais a vergonha de serdes obrigados a descer em um lugar inferior, na extremidade da mesa. Tomai antes o ltimo lugar; ento aquele que vos convidou, vir para colocar-vos num lugar melhor; e assim tereis muita honra diante de todos os convidados.
O mesmo se d no banquete desta vida. Ningum se deve arrogar o primeiro lugar: esperai que o Mestre vos chame para introduzir-vos entre os prncipes de seu povo.
Entretanto no se "deve afirmar que a total ausncia de atrativo seja prova de que a vocao no possa existir; mais adiante (nmeros 58 e 59) veremos quais so os sinais indubitveis de vocao (pag. 48 e seguintes).
Como Deus semeia as vocaes
19. Por acaso nunca vistes como procede o lavrador no tempo da sementeira? Depois de escolher o campo onde quer obter rica messe, vai jogando a semente mo cheia pela terra revolvida. Sabe que muitos germens sero estreis, que vrios outros sero devorados pelas aves do cu ou pelas larvas ocultas debaixo do cho; sabe que de todas as plantas que ho de brotar da terra, muitas ho de secar antes do tempo da flor e do fruto. Mas sabe tambm que, graas a uma cultura atenta, bastantes sementes ho de germinar para assegurar uma boa colheita no tempo da messe.
Deus procede da mesma maneira. Para falar de modo humano, pode-se dizer que prodigaliza sem medida a graa das vocaes; em grande nmero de almas, depe, no momento da criao, o grmen benfico da vocao religiosa. Aqui a semente no poder germinar, mais adiante h de ser devorada, em outro lugar h de secar ainda verde antes do tempo da seara apostlica. Deus conhece tudo isto, e precisamente porque conhece tudo isto, arroja as vocaes s mos cheias, de sorte que muitos grmens caem em todas as escolas, em todos os colgios, pode-se dizer at em todas as famlias.
20. um ponto de honra para Deus velar pelo recrutamento de Seu exrcito. Ningum pode alistar-se a no ser que Deus o chame; e Deus chama bastantes soldados para que as fileiras nunca tenham vagas. Por isso considerai o que est se passando: debalde que os inimigos da Igreja acumulam obstculos sobre obstculos contra as vocaes religiosas: as fileiras de nossas falanges catlicas no rareiam. Imaginais que os formidveis exrcitos europeus teriam um recrutamento suficiente se recebessem apenas voluntrios? Se no houvesse a polcia, quantos no corresponderiam ao chamado do Estado? Entretanto, o exrcito de Deus recruta, cada ano, milhares de jovens voluntrios, sem que haja nenhum constrangimento, muito melhor ainda, apesar de todas as barreiras que se elevam para lhes estorvar o caminho.
que Deus exerce uma espcie de fascinao sobre as almas que escolhe, a fascinao do devotamente. No as constrange exteriormente: inclina-as suave e fortemente pelo interior. Tal inclinao, porm, no irresistvel a ponto de aniquilar a liberdade do homem: Deus atrai sem violentar. Por isso que na prtica muitos resistem aos atrativos da Sua misericrdia. Da a profuso com a qual espalha as vocaes.
Razes das vocaes
21. Por mais numerosas que sejam, as vocaes no caem ao acaso. Nenhum ato divino desprovido de sabedoria; toda a vocao, portanto, tem sua razo de ser. Embora seja difcil, para cada vocao em particular, discernir o motivo do apelo divino, pode-se afirmar entretanto que a escolha de Deus no se faz sem motivo.
Muitas vezes Deus tem por fim recompensar a f e a dedicao de uma famlia crist. Debaixo das vistas atentas de pais zelosos, quando os filhos crescem, quais flores mimosas num jardim cultivado com esmero, Deus gosta de colher, para ornamento do santurio, a flor mais delicada e mais perfumada.
Quando se estuda a histria de uma vocao, encontra-se quase sempre uma alma de orao e de sacrifcio para a qual esta vocao uma digna recompensa. Ao lado do menino que vai chamar, Deus coloca, de ordinrio, uma alma santa que reza, trabalha, faz penitncia; tais atos de santidade so como que o alimento que sustenta o grmen da vocao.
Na vida de S. Francisco de Sales, v-se que a vocao dele foi o prmio merecido desde muito pela eminente piedade da famlia. S. Agostinho foi concedido s oraes prolongadas de S. Mnica, sua me. Quantas vezes depois da revoluo francesa, no se reparou que as vocaes eram numerosssimas nas famlias que tiveram a coragem, durante os dias de perseguio, de dar asilo aos padres fiis! No se disse que So Joo Vianney, o santo vigrio de Ars, foi dado Igreja da Frana depois das oraes e das bnos de S. Bento Labre, o peregrino mendigo, quando achou, na casa da famlia Vianney, to suave e to amvel hospitalidade?
22. Outras vezes, a escolha de Deus motivada pelas necessidades da Igreja. A Igreja a obra prima de Deus, mas est nas mos dos homens; o valor humano dos que a povoam e a dirigem lhe d brilho e aumenta o prestgio. Sem dvida, muitas vezes Deus gosta de operar grandes prodgios, por meio de instrumentos nfimos; muitas vezes tambm tem prazer em chamar as almas mais distintas, mais ilustradas, a fim de patentear a todo o mundo que a religio to sublime que seduz os espritos mais poderosos e os coraes mais generosos. Os espritos poderosos vm a ser os apologistas da Igreja; os coraes generosos se tornam os denodados criadores de obras de caridade.
Foi esta razo que motivou a escolha de S. Paulo, esprito to culto, corao to ardente, que veio trazer o concurso de suas belas qualidades aos apstolos de Jesus Cristo. Pela mesma razo, no quinto sculo, Deus suscitou aqueles homens especiais, to instrudos nas cincias humanas, que a Igreja honra debaixo do glorioso nome de Padres: S. Baslio, S. Gregrio Nazianzeno, S. Joo Crisstomo, S. Jernimo, S. Ambrsio, S. Agostinho, depois S. Leo Magno, S. Gregrio Magno, etc... Ainda hoje a milcia sagrada recruta intrpidos soldados na mocidade mais culta; moos generosos, para os quais estavam abertas as carreiras mais brilhantes segundo o mundo, vm trazer aos ps do Cristo Jesus os tesouros intelectuais e morais que os exornam.
Contudo, como a vocao no devida a ningum, ela permanece, da parte de Deus, um ato de pura benevolncia. Deus vos chama porque vos ama. E tal amor no o pagamento de uma dvida; inteiramente gratuito. Amo-vos, diz Ele na Santa Escritura, de um amor que comeou na eternidade; por misericrdia e bondade que vos chamei e atra.
Como se revela o apelo de Deus
23. No momento em que Deus forma as almas, depe nelas o grmen de seu destino. Para cada bero, Deus exprime um apelo. Mas este grmen, quando e como h de desenvolver-se de modo que a criana tenha conscincia dele? Mas este apelo quando e como h de ser percebido, de modo que o menino saiba qual caminho deve seguir?
Toda a vocao tem sua histria. As manifestaes divinas so variadssimas; assim como no h duas vidas que sejam semelhantes, do mesmo modo no h duas vocaes que se repitam. Mas a histria de uma alma, seja qual for, sempre interessante.
Certos meninos experimentam aspiraes religiosas desde a mais tenra idade; outros notam s muito tarde o atrativo da vocao. Alguns mesmo entram no sacerdcio ou na vida religiosa sem atrativo, embora com retas intenes, e vem a ser muito virtuosos, apesar da ausncia de atrativo.
Os primeiros, educados nos joelhos de uma me crist, aprenderam, desde criancinhas, a colocar a religio acima de tudo, a considerar a vida sacerdotal e religiosa como a mais nobre, a mais invejvel das existncias: no so capazes de precisar a poca em que lhes apareceu sua inclinao; antes mesmo do uso da razo, j comeavam a declarar que sua vida havia de ser consagrada a Deus. Na histria da Igreja, deparamos grande nmero de almas santas que pronunciaram, desde a idade de sete anos, o voto de virgindade perptua.
Com os segundos, em que a vocao mais ou menos tardia, a educao, em geral, foi menos crist; Deus no lhes apareceu to cedo no caminho da vida. Quer por leviandade de esprito, quer por vivacidade de gnio, quer por ambio mundana, tinham em mira uma carreira brilhante, que lisonjeira a vaidade. Recolhiam-se muito pouco no interior de sua alma para ali ouvir a voz de Deus, levaram uma vida por demais mundana e pouco crist para que o grmen da vocao pudesse desenvolver-se logo. Mas um dia, numa hora de profundo recolhimento, debaixo da impresso de tdio e de vcuo que o mundo produz muitas vezes, em seguida a alguma forte prova talvez, escutaram enfim a Deus e ouviram a mesma palavra que determinou a vocao de Abrao: Sai de tua terra e de tua famlia e vai para o pas que eu te indicar. Este pas novo, Deus o d a conhecer pelos meios mais variados.
24. Eis, por exemplo, como nasce uma vocao sacerdotal. No menino, a primeira impresso causada pelas belas cerimnias do culto sagrado. O altar, cercado de mil luzes brilhantes, onde o sacerdote, vestido com paramentos de ouro e de prata, desempenha os augustos mistrios, tem o poder de fascinar uma alma juvenil. Esta viso celeste continua a brilhar na sua imaginao; os cnticos litrgicos permanecem gravados na sua memria e lhe voltam espontaneamente aos lbios. Na casa paterna, o menino arranja um santuariozinho, ergue um altarzinho e repete as cerimnias sagradas. No considera isto como simples divertimento: tem um vago pressentimento que est se exercitando para o futuro. medida que vai crescendo, suas idias se tornam mais precisas; debaixo do quadro encantador que lhe atraiu a ateno, o jovem distingue a Deus que o sacrifcio do altar honra, o jovem distingue as almas a cujo servio a vida sacerdotal consagrada. No somente para gozar do culto que este menino deseja ser sacerdote; para imolar a vida a Deus e aos homens que h de encetar resoluto o longo e austero preparo que leva ao sacerdcio.
25. Quando a vocao vem depois dos doze ou quatorze anos, no o atrativo das belas cerimnias que a faz desabrochar. Aos doze anos, um menino j sabe refletir; comea a entender a rara beleza moral dos que gastam a vida em favor dos outros; sente elevadas aspiraes de virtude e de dedicao que nenhuma carreira do mundo pode satisfazer. Raciocina do modo seguinte: No me importo com a riqueza e as honras; os prazeres do mundo me do asco; quero que minha vida sirva para alguma coisa e no se perca no vil egosmo; portanto entregar-me-ei inteiro a Deus e ao servio de Sua santa causa. Estas reflexes srias so muitas vezes provocadas por algum acontecimento grave: s vezes por uma leitura que deixou profunda impresso no esprito; outras vezes por alguma desgraa que abalou vivamente o corao; ou ainda por uma circunstncia providencial que de repente abriu as vistas.
Francisco de Borja, duque de Gndia, era um dos primeiros gentis homens da corte de Espanha. Como a rainha, cujos encantos humanos fizeram as delcias da corte, viesse a falecer, Francisco foi encarregado de transportar ao longe seus restos mortais. No momento da sepultura abriu-se o fretro para que Borja contemplasse uma ltima vez aquele rosto augusto que arrebatara tantos olhares. Oh! espetculo de horror! ficava apenas um monto abjeto de podrido. Ser para chegar a isto, disse Francisco, que somos escravos do mundo e dos bajuladores? Debaixo do toque da graa que atuava nele, Francisco de Borja disse adeus ao mundo, renunciou fortuna e s honras e foi consagrar sua grande alma ao servio de Deus na companhia de Jesus.
Os grandes golpes da graa no determinam seno raras vocaes. Sobretudo quando se trata da vocao de educador, de professor ou de professora, por meio de suaves influncias e progressos insensveis que a graa leva pouco a pouco as almas para o lado da montanha santa.
26. Tomemos um menino que frequenta, desde os seis anos, a escola dos Irmos. Logo nos primeiros dias, o Irmo lhe aparece como um ser misterioso, superior aos outros homens, de certa maneira separado do resto da humanidade. Tudo se destaca, com efeito, neste religioso: o hbito, as funes, a vida retirada. A primeira impresso que a criana nota, a da felicidade: o Irmo lhe parece feliz, honrado, digno de ser imitado. Porque, ele tambm, no poderia viver do mesmo modo?
Tal vista inteiramente humana, sem dvida; mas dura pouco, purifica-se e cede lugar a sentimentos mais nobres. Este Irmo, cuja sorte to suave, est com a fronte nimbada pela aurola da virtude; sobre as almas singelas, que o vcio ainda no contaminou, esta irradiao da santidade exerce grande imprio. O menino pensa em si mesmo: Esta vida santa, feita de piedade, de religio, de renncia aos falsos prazeres do mundo, por que razo no seria tambm a minha vida?
Com o tempo, os pensamentos tornam-se mais srios ainda. O papel social do professor religioso se revela aos poucos. H tanta glria para um homem de corao em dedicar a vida ao servio dos outros! A sociedade sofre to grande penria de bons mestres que saibam ensinar a religio catlica aos meninos! To bela vocao atrai, fascina, seduz: Porque, diz o generoso moo, no daria eu tambm minha vida para to grande causa? Durante os poucos anos que dura a existncia humana, ser possvel que eu tenha alguma hesitao em sacrificar os gozos grosseiros que o mundo apresenta e preferir-lhes as puras alegrias que se originam na imolao e na dedicao?
Tal trabalho interior no se faz, de ordinrio, seno em pequeno nmero de almas privilegiadas, nas almas que Deus marcou do carter da vocao, nas almas em que o grmen divino brota debaixo do ardente sopro da graa. Numa escola ou um colgio, enquanto a maior parte das almas esto entregues a pensamentos vulgares ou a loucos desejos de ambio, encontram-se algumas almas tmidas, discretas, muitas vezes ignoradas de todos e ocultas debaixo de aparncias insignificativas, em que a graa opera esta ao misteriosa e profunda que foi descrita nas linhas precedentes.
Alm disto, este trabalho se faz aos poucos. No comeo, os sentimentos esto confusos, as idias esto envolvidas em nuvens quase que impenetrveis; um pressentimento que Deus vai pedir alguma coisa; nada mais. Pouco tempo depois, o divino chamamento se torna mais preciso, a viso se esclarece. Uma palavra, uma boa leitura, uma comunho bem feita, uma fervorosa orao, uma coisa insignificante chega muitas vezes para que a alma do menino venha a conhecer s claras o que Deus deseja.
27. Em numerosos casos, no h nenhum atrativo sensvel ou ele to fraco que merece pouca considerao e tem mnimo efeito; a determinao para a vocao provocada por raciocnios, pensamentos mais ou menos como o seguinte: Na vida religiosa, no sacerdcio, hei de salvar mais facilmente minha alma; amarei melhor a Deus; serei mais dedicado a Nossa Senhora; poderei obter a salvao de bastantes almas, que sem mim iriam dificilmente para o cu. Logo, quero ser sacerdote, quero abraar a vida religiosa.
Tal raciocnio um caso do que se chama hoje reta inteno; antigamente era designado pela expresso de atrativo de razo, a fim de o distinguir do atrativo de sentimento ou atrativo sensvel.
A este menino que a graa solicita, que se sente o corao norteado para a vida religiosa, de qualquer natureza que ela seja, quero dizer agora o que ele tem de fazer para conhecer e sustentar sua vocao
CAPTULO II ESTUDO DA VOCAO
Necessidade de estudar a vocao.
28. Suponho, jovem amigo, que de vez em quando experimentastes o desejo da vida sacerdotal ou religiosa. Um instinto secreto vos diz, no fundo do corao, que um dia subireis os degraus do altar ou sereis, como vossos mestres, um educador da mocidade. Donde vem este atrativo interior? Qual a voz que se faz ouvir no fundo de vossa alma? Se for Deus que vos fala, preciso obedecer-Lhe; se no for Deus que vos fala, preciso no tomar compromisso algum. Como reconhecer a origem de vosso atrativo? Sab-lo-ei pelo estudo srio de vossa vocao.
Ser necessrio demonstrar-vos que tal estudo uma obrigao para vs? No estais vendo toda a gravidade da determinao que ides tomar quando escolherdes um estado? Se vos enganardes de caminho, sereis certamente muito infelizes neste mundo e correreis grande perigo de vos perder por toda a eternidade. Acreditai bem que o negcio muito srio: no se brinca com a vida nem com a eternidade; ningum se deve arrojar s cegas numa carreira qualquer, sem fazer caso dos gostos pessoais nem da vontade de Deus. H dois defeitos igualmente perigosos que se devem evitar: desprezar o apelo de Deus e acreditar com demasiada facilidade em um apelo de Deus.
29. Certos meninos, uns por falta de reflexo, outros por acanhamento, desprezam o chamamento de Deus. Ouvem muito bem, no fundo do corao, uma voz que lhes diz: No gostarias de me pertencer? Se me desses tua vida, se me sacrificasses as alegrias da terra, obterias a graa de ser meu representante entre os homens, ganharias uma das mais belas coroas no meu reino eterno. Indiferentes a estas palavras, no prestam seno uma ateno distrada. Como receiam de largar os prazeres do mundo, arrojam-se para o jogo e uma vida de distraes, a fim de que a voz da conscincia seja abafada pelos rudos exteriores. Para qualquer pessoa, prestariam mais respeitosa ateno; esto com medo dos sacrifcios que o Pai celestial vai pedir-lhes. Que injria no fazem a Deus por meio de tal procedimento!
30. Outros, os tmidos, ouvem perfeitamente a voz interior que os chama. Mas esto com medo de falar, no sabem como exprimir o estado de sua alma, haviam de corar se fossem obrigados a descobrir todo o fundo de seu pensamento. s vezes estariam com vergonha de revelar aos pais e deixar perceber aos companheiros as aspiraes elevadas que nutrem na alma. Outras vezes permanecem mudos pelo simples efeito das circunstncias. debalde que os pais lhes perguntam: Meu filho, que queres fazer? Tm apenas uma nica resposta: Farei o que o Sr. quiser. Meninos infelizes, destinados a muito sofrer, mais tarde, quando, mais corajosos por causa da idade, eles diro: No estou onde eu deveria estar; meu lugar era na religio; um estpido receio de criana me fechou a boca outrora e me impediu de falar. Para que tenhais certeza de no contrariar a vontade de Deus, jovem amigo, estudai e falai.
Outro perigo consistiria em acredita-se chamado por Deus com demasiada facilidade. Nem todas as aspiraes para a vida religiosa constituem uma vocao. Dois casos, com efeito, podem apresentar-se em que haja o atrativo interior sem que ele seja uma prova do chamamento divino.
31. Quase todos os meninos, nos momentos de grande fervor sensvel, experimentam uma verdadeira inclinao para a vida religiosa. A vida religiosa lhes aparece como um ideal to puro, to nobre, to sobrehumano, que esto com vontade de elevar-se at ele e abra-lo para sempre. Nestes momentos h como que vigorosos esforos que transportam a alma, por algum tempo, at os picos mais altaneiros. Tais desejos, de ordinrio, passageiros e sem grande influncia sobre o procedimento, no so, porm, um indcio seguro de vocao. J os experimentastes, de certo, jovem amigo, pois que tendes a alma boa e sincera; vm eles do cu ou apenas originaram-se em um corao bem disposto? Tal a questo que deveis resolver.
32. Alguns meninos consideram a vida religiosa como uma boa carreira, como um ofcio vantajoso, onde se passa uma vida suave e tranqila, ao abrigo dos penosos trabalhos que se abatem to pesadamente sobre os operrios e muitos outros homens. Desde a infncia, ouviram contar ao redor de si: Olhem como os Religiosos e os Padres so felizes; tm a existncia segura; trabalham pouco, vivem bem, habitam em verdadeiros castelos... Tome esta vocao, menino, estar certo de que nada lhe faltar. Semelhantes discursos convencem, s vezes, certas almas de meninos; deles resulta um vivo desejo de vida sacerdotal ou religiosa. Mas poder uma aspirao que se origina no interesse, tornar-se uma verdadeira vocao? Sem dvida, sentimentos humanos, terrestres, podem misturar-se a uma boa vocao, como a lama e a areia de um riacho se misturam s palhetas de ouro puro; mas d-se o caso em que estes baixos sentimentos so os nicos e no vm acompanhados de verdadeira vocao. No ser necessrio discernir em vossa alma a natureza dos atrativos que a solicitam? Se eles vierem de Deus, haveis de segui-los; se vierem da terra, procurareis outro rumo.
Disposies necessrias para estudar a vocao
33. Estais para comear este importante estudo da vocao. Para faz-lo com fruto, trs disposies so necessrias: o esprito de orao, a indiferena e o nimo da vontade.
34. Por que motivo a orao? Todas as luzes nos vm de cima. Portanto, em todas nossas dificuldades devemos procurar a luz do lado do cu. Enquanto Deus, como um sol divino, no se levanta acima do horizonte de nossa alma, ela permanece como que envolvida em espessas trevas. Em que negcio a luz de Deus poderia ser-nos mais necessria do que na escolha de um estado de vida?
Porque o negcio consiste ento em descobrir qual a vontade de Deus a nosso respeito. Este segredo, Deus o leva no fundo de Seu Corao e no o revela seno aos que o pedem pela orao. Oh! como Ele deseja iluminar-vos, como Ele quer dizer-vos a palavra do enigma de vosso destino, como gosta de declarar-vos, quanto antes, que vos reservou um lugar de predileo nas fileiras de seu exrcito de elite, de sua guarda de honra! mas est com a resoluo de no revelar todo o segredo se no o solicitardes. J enunciou as primeiras slabas deste segredo nas palavras misteriosas que vos ecoaram fundo na conscincia e vos despertaram tantos sentimentos no corao; mas no acabar seu discurso se no o constrangerdes a descobri-lo at o fim.
Batei e a porta vos ser aberta, diz Ele, no Seu santo Evangelho. pela orao que podereis bater na porta de Deus. At obterdes uma resposta, no vos canseis de importun-lO. De manh e de noite, muitas vezes tambm durante o dia, interrogai-O? Mostrai-me, Senhor, o caminho em que devo entrar. Fazei intervir a onipotente influncia de Maria Santssima; nesta inteno rezai o tero todos os dias. Retirai-vos mesmo durante alguns dias, em um lugar silencioso; longe de qualquer agitao, rezareis melhor, escutareis mais atentamente. Nenhuma prtica mais eficaz do que o retiro para descobrir a vontade de Deus. Pedi as oraes dos que vos amam; o cu tem prazer em no ceder seno diante desta santa violncia da orao que se adianta como um exrcito em ordem de batalha.
No acrediteis porm que para atender a vossa orao, Deus h de enviar-vos um anjo visvel que vos trace o caminho. Atender-vos- sem milagre, dispondo vosso corao e dirigindo vossos conselheiros de modo tal que faais com felicidade o que Ele decretou para vs.
35. Quando se fala em indiferena, no se entende aquele descuido de uma alma que no toma nenhum interesse na questo de sua vocao, que no quer experimentar nenhuma inclinao de preferncia a outra. Tal descuido prprio de uma alma leviana e no de uma alma sria: tal alma no procura seu norte para segui-lo depois, mas deixa-se virar para qualquer lado como o insignificante catavento ao menor sopro; tal alma no atrada pela luz de Deus, antes delia foge.
A indiferena que se deve trazer no estudo da vocao, uma dependncia absoluta da vontade de Deus. Se comeardes um retiro para examinar o caminho que deveis seguir, no deveis dizer: Custe o que custar, quero absolutamente entrar na religio: fora dali nenhuma outra carreira me possvel; tudo est perdido para mim se vier a perder este caminho. No direis nem to pouco: A vida religiosa no l comigo; tenho demais relaes que me prendem ao mundo para que possa quebr-las; muitos sacrifcios me seriam impostos, no teria bastante coragem para aceit-los.
Em lugar de tais decises, tomadas de antemo, antes de qualquer exame, deveis estar na disposio seguinte: Ao comear este estudo, este retiro, abandono-me completamente vontade de Deus, tal como h de me ser manifestada por meu diretor. Se for preciso renunciar a meus desejos de vida religiosa, estou pronto a ficar no mundo onde hei de trabalhar tanto quanto for necessrio para me criar uma posio: mas de nenhum modo quero arrebatar um lugar que no me fosse destinado. Pelo contrrio, se eu souber que minha vocao sria, que devo segui-la, nada ser capaz de me deter: quebrarei todos os vnculos, pisarei aos ps todos os prazeres, renunciarei a adquirir riquezas, entregarei nas mos de Deus todo meu ser perfeitamente livre.
36. Uma alma precisa de muita coragem para se estabelecer nesta santa disposio de indiferena. A pobre natureza humana gosta de agitar-se; aquiet-la, reduzi-la ao silncio, submet-la ao jugo da obedincia a Deus, o trabalho de uma grande energia de carter.
Corajoso para permanecer indiferente, deveis s-lo tambm para executar a deciso que foi tomada. Diante de uma deciso, no sejais nem hesitante, nem pusilnime.
Certos espritos inconstantes nunca podem resolver coisa alguma: gastam as foras em discutir o pr e o contra; nas mos deles a balana oscila sempre; apenas parece pender para um lado, que pem logo o dedo para que penda do outro lado. So muito para lastimar porque perdem os melhores anos da vida em hesitaes estreis, discutindo sempre a respeito do melhor modo de trabalhar; na realidade nunca trabalham. Se observardes em vs tal hesitao, pedi a vosso diretor que tenha a bondade de dar-vos uma deciso categrica e vos obrigue a segui-la sem discusso.
37. Outros hesitam apenas por pusilanimidade, por falta de coragem. Quando o diretor lhes declara que no tm vocao, esto tremendo diante das consequncias: se j tiverem entrado em algum noviciado, esto com vergonha de voltar para traz, receiam por respeito humano; os trabalhos da vida, no mundo, os espantam; as incertezas de uma nova carreira os perturbam; seria to fcil continuar a jornada em um caminho que esto apreciando desde tanto tempo! Quando o diretor lhes diz que sua vocao sria e preciso segui-la quanto antes, entram a inquietar-se, a calcular, a ficar com medo: como anunciar a notcia famlia e sustentar o assalto de todos? Depois como vai ser duro deixar tudo, famlia, amigos, renunciar a projetos to caros, sacrificar tantos prazeres inocentes sepultar-se no tmulo de um noviciado ou de um seminrio! Como desconhecem as alegrias que os esperam na vida religiosa, compreende-se que hesitem em atravessar a barreira que h de separ-los do mundo. Mas se soubessem!...
Tende confiana, jovem amigo, e armai-vos da orao para vencer qualquer hesitao: o que Deus vos disser, fazei-o; no caminho que vos indicar, entrai sem receio.
Necessidade de tomar conselho
38. Em qualquer negcio alta sabedoria o tomar conselho. Grandes temerrios so aqueles que se metem, sem conselho de ningum, em um negcio importante. A razo indica muito claramente que nossas luzes so limitadssimas, que o campo alcanado por nossos olhares estreitssimo: quanto mais consultarmos, tanto mais aumentaremos nossos conhecimentos e tanto mais igualmente diminuiremos as possibilidades de erro. Se houver uma questo que exija prudncia, onde a luz deve acrescentar-se luz, em que sejamos obrigados a consultar os pareceres de pessoas prudentes e esclarecidas, certamente a questo de nossa vocao. Perder o dinheiro muito para lastimar; perder toda a considerao diante de nossos semelhantes mais lastimvel ainda; mas perder nossa vida, dirigindo-a para um caminho errado, seria para ns a maior das desgraas.
por isso que a sabedoria humana nos impe a obrigao de pedir conselho. A vontade de Deus nos impe a mesma obrigao, com maior rigor ainda: porque Deus costuma revelar seus desgnios, por intermdio de seus representantes. Vive, encarna-se de algum modo na pessoa de nossos pais, mestres e confessores; dirige- nos, educa-nos por meio deles: quando os interrogamos, a resposta o mesmo parecer de Deus. Salvo alguns casos muito excepcionais, o prprio Deus se exprime por boca deles.
Os pais.
39. De ordinrio os primeiros confidentes de vossos segredos ho de ser os pais. Contudo, dois casos podem apresentar-se: vossa famlia religiosa e podeis acreditar que gostar de ouvir tudo quanto falardes a respeito de vocao; ou ainda, ela indiferente, e estais com medo que se oponha execuo de vossos desgnios.
No primeiro caso vosso procedimento muito evidente. No tereis gosto em abrir vosso corao a vossa me, em primeiro lugar? Se tiverdes qualquer reserva, acanhamento com vosso pai, vossa me falar em vosso lugar. Como supomos que vossa famlia religiosa, vossa vocao ser, para todos, uma causa de grande alegria. Talvez vossos pais, desde muito tempo, desejassem vossa vocao religiosa, sem ousar, porm, declarar-vos suas esperanas, com receio de antecipar a ao da graa em vs. Apenas vossa me, e s de vez em quando, tratou de indagar os sentimentos de vosso corao por meio de palavras muito discretas. Agora que seus mais caros votos esto atendidos, agora que todos se ufanam pela escolha que Deus fez na famlia, cada um h de falar mais claramente convoco a respeito de vossa vocao. Os pedidos e informaes para o Seminrio ou o Noviciado, qualquer membro da famlia os far com gosto; os sacrifcios de tempo, de dinheiro que vai custar vossa vocao, sero feitos com grande prazer; os bons conselhos, as tenras exortaes e outros auxlios morais de que precisais para marchar resoluto em vosso caminho novo, vos sero prodigalizados por todos.
40. Encontram-se, contudo, famlias crists que recebem com desgosto a notcia de uma vocao religiosa para um de seus filhos. s vezes, o efeito de um preconceito instintivo; outras vezes, o efeito da decepo de esperanas humanas que se nutriam a respeito de futuro de tal filho. Desde muito tempo os pais vos preparavam em segredo um brilhante futuro no mundo: de repente a vocao deita abaixo o edifcio deste projeto; a pena que os pais sentem, se compreende facilmente. Neste caso, o menino deve evitar de mago-los por uma proposio direta: por si mesmas as dificuldades desaparecero se o menino proceder com prudncia. No comeo, que no faa insistncia alguma para ter uma resposta favorvel, mas que deixe graa o tempo de persuadir os pais. Se o procedimento do menino revelar um desgnio firme, se a todas as perguntas, ele der a mesma resposta, modesta e convencida, h de ganhar, com toda a certeza, o consentimento que deseja; embora fossem precisos vrios anos de pacincia, um dia, o menino h de triunfar.
41. Bem que Deus tome de preferncia as vocaes nas famlias crists, gosta todavia de escolher almas de elite nos meios indiferentes ou mesmo hostis religio. O menino encontra, ento, na maior parte do tempo, vivas oposies; para triunfar, precisa de fervorosas oraes e grande prudncia.
A prudncia no lhe permite manifestar seus desgnios antes que tenha a total certeza da vocao. Com efeito para que irritar-vos pais e provocar questes de famlia, se as provas ainda no garantiram o apelo divino? Por isso, o procedimento mais prudente que o menino fale primeiro aos mestres e ao confessor: que examine com eles se o atrativo que sente vem do cu, se possui bastante virtude para carregar o peso da vida religiosa.
Depois de ter amadurecido sua resoluo, poder descobri-la famlia.
J seu procedimento timo, cheio de piedade, muito diferente do comportamento dos companheiros, ser um primeiro modo de falar; a santidade de sua vida mostrar aos pais que desejos elevados lhe fermentam na alma, que suas aspiraes no so para o mundo.
Uma vez que a famlia tiver compreendido esta linguagem muda, ser mais fcil ao menino tentar um passo para diante: d-lo- suavemente, aos poucos, em vrias vezes, deixando, de quando em quando, cair palavras que acabaro por reunir-se no esprito dos pais e formular um verdadeiro pedido. evidente que nesta luta discreta contra a oposio sistemtica da famlia, o menino deve seguir constantemente os avisos de um diretor prudente e cheio do esprito de Deus.
Os mestres.
42. Haver obrigao de falar aos mestres de vossas aspiraes para a vida religiosa? Distinguirei duas situaes muito diferentes a respeito deles: ou a graa vos leva a entrar na sociedade deles, ou estais inclinado para outra direo.
Se aspirardes a entrar na famlia deles, a ser um dia como eles, muito cedo deveis revelar-lhes vossos desejos. Prodigalizar-vos-o ento cuidados especiais, que tero o resultado de uma cultura mais apropriada para vosso futuro, mais proveitosa para vosso desenvolvimento intelectual e moral. Animar-vos-o com bons conselhos e iluminar-vos-o com sbios avisos, de modo que no estareis mais sozinho para lutar contra as dificuldades exteriores ou os desalentos interiores. Incumbi-la-o de organizar todos os preparativos de vossa prxima admisso no Instituto deles.
43. Mas h numerosas moradas na casa de Deus podeis dar-vos a Deus sem incorporar- vos na Sociedade de vossos mestres. So eles bastante esclarecidos para compreender que Deus sopra para onde quiser e bastante delicados para no contrariar em vs a ao divina. Portanto no temais em revelar-lhes vossos projetos e pedir-lhes o que pensam neste ponto. Podeis estar na iluso a respeito de vossas aptides; por meio deles sabereis o que podeis esperar de vs.
Mas como falar-lhes? A est a dificuldade. Estais com tanto acanhamento! estais embaraado por uma espcie de vergonha e pelo medo. Eis dois modos de entrar em relaes com vossos mestres.
Em primeiro lugar, comportai-vos to perfeitamente, sde to aplicado e to piedoso que vossos mestres notem que alguma coisa especial est se passando em vs. Interrogar-vos-o ento e tereis ocasio de revelar-lhes todo vosso segredo. Os mestres tm tanto jeito para descobrir os meninos em que a graa trabalha para a vocao religiosa!
Se, por acaso, os mestres no vos fizerem nenhuma pergunta, tendes ainda o recurso de comunicar-lhes, sob forma de carta, o estado de vossa alma. Logo que algumas idias estiverem trocadas neste assumpto, tereis apenas o trabalho de responder s perguntas que vos sero feitas e seguir o impulso dado.
O confessor.
44. Mas o conselheiro por excelncia no negcio da vocao, o confessor. Podeis resolver definitivamente vossos projetos sem falar nem aos pais nem aos mestres: nada podeis decidir sem pedir os conselhos do guia de vossa conscincia. Para vs ele o representante mais autorizado de Deus; o juiz mais desinteressado e mais competente ao mesmo tempo. Com efeito, ele no tem interesse prprio na questo: para ele, o nico negcio colocar-vos no lugar que vos compete; esfora-se apenas para descobrir a vontade de Deus. Alis, para conhecer esta divina vontade, dispe de meios que no possuem nem os pais nem os mestres: l em vossa conscincia, est a par do trabalho da graa em vs, pode comparar os recursos e as insuficincias de vossa natureza, discerne vossas aptides particulares.
Consultareis portanto vosso diretor espiritual. fcil para vs, depois de uma confisso, declarar no segredo do santo tribunal: Meu Padre, tenho que lhe dar parte de uma idia que me persegue desde algum tempo: uma fora interior me excita a no ficar no mundo; gostaria da vida de retiro e de abnegao que levam os religiosos e os sacerdotes. Muitas vezes, porm, estes desejos so combatidos por pensamentos contrrios; estou com medo de no ser digno de entrar na casa de Deus; estou com medo de ser muito fraco para cumprir as obrigaes que esta vida impe; estou com medo que meus pais no queiram. Por isso, hesito e no ouso falar.
Muitas vezes os confessores facilitam estas revelaes aos penitentes. Provavelmente o vosso j vos perguntou o que pensais ser mais tarde. Quem sabe se no vos disse que Deus vos chama talvez para a dedicao religiosa? Esta pergunta vos perturbou no comeo e nada respondestes. Mas desde aquele tempo, esta palavra germinou em vossa alma: vossos desejos saram do estado confuso em que estavam e tomaram uma forma precisa, uma firmeza cheia de vigor. Parece-vos agora que vossa vocao clara.
Veio pois a hora de estud-la com todo o cuidado. Dirigi claramente a pergunta a vosso confessor: V. Rvda pensa que Deus me chame vida religiosa? Para resolv-la, ele precisa de elementos ou sinais de vocao, os quais so geralmente dois na prtica: o atrativo divino e a aptido profissional. Examinareis pois juntos si a palavra que acabais de ouvir em vs, tem os caracteres da voz de Deus, e si vossas aptides so suficientes para que possais esperar o cabal desempenho dos deveres de vossa vocao.
Sinais de vocao
45. Deus marca as almas que escolheu para Seu servio. Ao diretor espiritual encarregado de dar uma deciso, no faz nenhuma revelao direta: manda-lhe apenas que examine a alma que o interroga e veja se possui o sinal divino. Da resulta para vs, jovem amigo, a necessidade de revelar inteiramente vosso corao e pr vosso diretor espiritual a par de tudo quanto se passa em vs. Para vos facilitar aquele trabalho, vou percorrer convosco os mais ordinrios sinais de vocao. O atrativo.
46. Frequentemente um sinal de vocao o atrativo. Por atrativo entende-se uma inclinao do corao que dirige a alma para uma profisso de preferncia a qualquer outra. O atrativo faz convergir todos os pensamentos, todos os sentimentos, todos os esforos, para um fim determinado. O objeto que vos ocupa o esprito, que colocais em primeiro lugar em vossa estima, que preferis a todos os outros, que desejais mais ardentemente, o objeto de vosso atrativo. Por exemplo, o moo que tem atrativo para a vida militar, no sonha seno em manobras de soldados e divisas de oficiais; dirige todos os estudos a fim de ter bom xito na carreira que deseja tomar.
uma regra geral que ningum deve entrar em uma carreira para a qual no tem gosto; sem atrativo, sem aptides, sem amor pelo estado que escolher, o homem no pode deixar de sofrer e ter mau xito.
Mas quando se trata do estado religioso, o atrativo mais indispensvel do que para qualquer situao no mundo. Comear um ofcio sem gosto, sempre coisa deplorvel: ligar-se pelos votos de religio sem um gosto muito pronunciado para este estado, seria uma irreparvel desgraa. Se houver uma vocao em que tenhais direito liberdade, em que devais seguir a inclinao de vosso corao, em que no possais experimentar nenhum constrangimento, certamente a vocao religiosa.
Que pena no tereis um dia, no momento em que sentireis pesar-vos nos ombros o jugo de um dever austero, se no podeis dizer ento: Este peso, eu mesmo o tomei, eu o quis; ningum me violentou para imp-lo a mim: tomei-o porqu o amava; hoje, embora seja pesado, amo-o ainda e quero carreg-lo com valentia.
Entretanto nem todos os atrativos so uma prova que Deus nos chama. Certos atrativos so o resultado do gnio ou de influncias exteriores. Para que um atrativo venha de Deus e no da natureza, deve ser preciso, constante, provado, desinteressado, suave e forte ao mesmo tempo.
47. Um atrativo preciso quando se refere a um objeto perfeitamente determinado. Um sentimentalismo vago, que produzisse na imaginao certos estados quimricos que se apagassem com a reflexo, no seria verdadeiro atrativo. Se Deus vos chama, h de dizer-vos claramente, no fundo do corao, o que quer de vs, porque vos quer, para que obras quer empregar-vos, no sacerdcio, no ensino, ou nas obras de caridade. Os desejos, que nasceram na orao e no recolhimento, persistem at no meio dos negcios prticos: uma viso ntida no se dissipa entre as realidades da vida.
Mas sozinho no podeis julgar deste carter de vosso atrativo. Nos primeiros momentos, uma vocao no se mostra muito clara, nem precisa nas suas linhas principais; nem to pouco a vida se desenrola numa proftica apario, at os detalhes mais nfimos; enfim certos espritos, de carter sempre indeciso, so incapazes de exprimir com preciso o objeto de seus desejos. Por isso que o Diretor espiritual o nico juiz competente que possa revelar-vos claramente o estado de vossa alma.
48. Para ser constante, o atrativo deve ser um movimento ininterrupto do corao para seu objeto. Fracos e vagos no comeo, os desejos vo crescendo, formulam-se com uma clareza cada vez maior, tomam posse da alma com um imprio cada vez mais irresistvel. Como uma semente imperceptvel no princpio, a vocao cresce pouco a pouco; acaba por tornar-se como uma poderosa rvore, que absorve toda a seiva da alma e abafa qualquer planta que queira germinar na vizinhana. Se vosso corao oscila como o pndulo de um relgio, indo da direita para a esquerda, variando constantemente de direo, no se fixando em nenhum equilbrio, acreditai bem que no o Esprito de Deus que vos dirige; a ao dEle seria contnua; no cessaria de dirigir-vos, a despeito das perturbaes causadas por vossa natureza, na direo do polo para o qual vos atrai.
Todavia, lembrai-vos de que um corao de menino est sempre mais ou menos solicitado por mltiplos atrativos. inevitvel que no tenhais horas de hesitao. Enquanto os magos iam procurando o Messias, a estrela que os guiava, desapareceu por algum tempo. Preparai-vos para suportar os eclipses da luz divina. Sobretudo quando por acaso cometerdes algumas culpas, frequentardes companhias perigosas, fizerdes leituras suspeitas, lembrai-vos de que vossas vistas intelectuais ho de turvar-se e no vero mais o astro que ainda est brilhando, contudo. Quando, nas horas de arrependimento, de orao e de reflexo, os desejos nascerem de novo, persuadi-vos bem que no fundo de vosso corao o atrativo permaneceu muito constante.
49. Esta constncia tanto mais segura quanto mais provado for o atrativo. Um atrativo superficial, uma aparncia de atrativo pode permanecer por muito tempo em uma alma que nada perturba: tais so os atrativos que se esvaecem na primeira dificuldade. Quando uma rvore resistiu por muitos anos aos mpetos do furaco, julgais que tem profundas razes no cho. Do mesmo modo um atrativo poderoso, muito arraigado em um corao, quando triunfou de todas as tempestades. Tivestes que vencer a oposio da famlia? tivestes que lutar, para salvaguardar a virtude, contra os perigos das ms frequentaes? Conservastes, apesar dos sorrisos e das palavras de mofa dos colegas, vosso desejo de vida religiosa? Depois de ouvir dizer que vossos projetos eram insensatos, irrealizveis, que exigiriam muito sacrifcios..., tendes esperado na Providncia e conservado vossas aspiraes? Quanto mais fortes forem os assaltos de que triunfastes, tanto mais seguro deveis estar que a mo de Deus vos sustentava a coragem e lutava a vosso lado.
50. O sinal por excelncia do atrativo divino, a idia sobrenatural. Quereis ser padre, quereis ser religioso? Para que isso? Algum perguntava um dia a um menino de treze anos, porque desejava ser religioso, que coisas lhe agradavam neste estado: Oh! respondeu ele, terei que trabalhar muito menos que meu pai. Esta vocao toda natural e baseada no interesse, no era um apelo de Deus e no podia ter bom xito; o menino no tinha inteno reta.
Duas coisas, nos religiosos e nos padres, agradam a certos meninos: a honra que os cerca e a felicidade material de que parecem gozar. Ser para comer numa boa mesa, no vos calejar as mos como os operrios ou os camponeses, no sofrer os incmodos de uma situao a arranjar, que estais ambicionando o estado religioso? Ser para gozar do respeito de todos, ocupar lugares de honra, trajar ornamentos de brilhantes cores, que desejais entrar no sacerdcio? Neste caso, acreditai bem que no Deus que vos chama, porque falta-vos a inteno reta.
No menino que Deus chama, a piedade e a dedicao ditam todos os sentimentos. O sacerdcio e o estado religioso aparecem como meios de viver na intimidade de Deus, agradar-Lhe, no ofend-lO, promover-Lhe a glria, trabalhar para a salvao das almas, servir utilmente a Igreja.
Este menino animado de intenes retas.
De vez em quando, alguns motivos humanos se misturam tambm com estes fins sobrenaturais. Fica reservado ao vosso diretor espiritual o discernimento da natureza ntima de vossas aspiraes; ele s pode dizer-vos se as preocupaes humanas esto na raiz ou simplesmente na superfcie de vossos desejos.
51. Enfim, o sopro de Deus , ao mesmo tempo, suave e forte, nunca violento. Por ser suave, no perturba, vai progredindo, no se irrita diante das dificuldades, mostra-se paciente com os obstculos momentneos, inspira a coragem de esperar. Por ser forte, no cede nem s ameaas nem aos atrativos contrrios; uma vez que orientou um corao para um lado, no o abandona. Exclui qualquer mal-estar, qualquer precipitao. O que vem da natureza, de ordinrio, instvel e precipitado: o que vem de Deus perseverante e moderado.
A aptido
52. Desejais a vida religiosa. Vosso atrativo ntido, constante, sobrenatural, provado; numa palavra, tendes inteno reta: um primeiro sinal de vocao. Para determinar-vos, um segundo sinal necessrio, a aptido ou idoneidade. Por esta palavra de aptido, entendem-se as disposies indispensveis para desempenhar as obrigaes da vida religiosa. Com efeito, entendereis sem custo que as comunidades, assim como o clero, no so asilos onde vo abrigar-se as pessoas incapazes de criar-se uma posio. So outras tantas legies ou falanges, que formam, juntas, o grande exrcito catlico e nas quais ningum entra seno para ser valente soldado e ocupar um posto de honra nos combates. Antes de alistar-se nesta milcia, cada um deve examinar suas foras e sua coragem e verificar se capaz de ser um bom soldado de Jesus Cristo.
A habilidade dos pretendentes deve ser examinada com grande cuidado. Como Deus no Se contradiz em Seus atos, no pode chamar os incapazes a Seu servio. Embora tivsseis as mais ardentes aspiraes para o sacerdcio ou a vida religiosa, este atrativo no vem de Deus se este bom Pai no vos deu as qualidades indispensveis para a misso que ambicionais.
Estas qualidades so: a sade fsica, a inteligncia suficiente, a retido do esprito, a fora da vontade, a pureza do corao.
53. No evidente que a sade deve ser boa?
H hospitais para recolher os doentes; nos seminrios e noviciados s pessoas de boa sade podem ter ingresso. Os temperamentos doentios seriam um peso e no um auxlio para uma comunidade. Em todas as famlias religiosas, prodigalizam-se os desvelos mais dedicados a todos os membros que esto sofrendo; mas o mesmo zelo caritativo que faz cuidar dos soldados feridos, h de servir para arredar, logo no princpio, todos quantos so incapazes de manejar as armas.
Por exemplo, os meninos atacados de graves enfermidades, de compleio fraca, notavelmente disformes, devero resignar-se a nunca seguir seu atrativo se o experimentarem. Depois de adquirir foras, melhorar o temperamento, podero, com toda a segurana, contentar seus desejos.
54. A respeito do esprito, duas qualidades so necessrias: a inteligncia suficiente e a retido do juzo. A inteligncia suficiente quando os estudos se podem fazer com facilidade. Espritos por demais obtusos, aos quais no se podem inocular os primeiros elementos do saber, no podem pretender a um lugar em comunidade alguma. Quanto ao grau maior ou menor de inteligncia, tudo depende do gnero de vida que se deve levar mais tarde.
Por exemplo, se quiserdes entrar no ensino ou no sacerdcio, precisais de srias capacidades intelectuais: tendes que fazer estudos, prestar exames; tereis que distribuir aos outros a cincia das coisas divinas e das coisas humanas: ao gosto pelo trabalho, deveis unir os talentos necessrios para garantir o bom xito.
No caso em que tiverdes mau xito nos estudos, e mostrardes mais inclinao para os trabalhos manuais e as coisas prticas do que para as cincias, no desanimeis: vossas aspiraes religiosas ainda podem realizar-se; porque podeis escolher uma congregao que se dedique de preferncia s obras de caridade; ou mesmo numa congregao de ensino, podereis desempenhar um ofcio em que as cincias e os ttulos acadmicos no sejam necessrios.
55. Mas a retido de juzo uma qualidade essencial. Espritos de pouco alcance, sem brilho, contanto que sejam bem ajuizados, equilibrados, servem por toda a parte; podem mesmo prestar grandes servios. Os espritos falsos, desajuizados, sempre lanam a perturbao e a confuso por onde passam; razo pela qual os superiores devem arred-los com uma severidade intransigente.
No vos pertence, de certo, julgar a retido de vosso esprito; se fosse falso, haveria muita dificuldade para convencer-vos disto, porque todo o esprito falso se acredita sempre muito reto. Mas se os superiores deixam de lado vosso pedido de admisso e julgam que vosso atrativo no vem de Deus, no faais insistncia; porque os superiores nunca hesitam em receber algum quando lhe conhecem muito juzo: a maior parte das vezes, recusam apenas afim de no admitir espritos perigosos. Os outros defeitos podem ser corrigidos; um esprito falso nunca se corrige, no h remdio para ele.
56. Sois muito mais senhor de vossa vontade do que de vosso esprito. Sois de tal modo senhor dela que podeis, por meio de esforos constantes, dar-lhe as qualidades que ho de torn-la digna de vossa vocao. Estas qualidades se resumem numa s: a fora. Pela fora de vontade estareis em condies de combater os defeitos de vosso gnio e praticar as virtudes de vosso estado.
Nenhum gnio est sem defeitos: os meninos, sobretudo, precisam formar-se o carter. Examinai o estado em que se acha o vosso e criai coragem para lutar contra vossas ms tendncias. Sois colrico, insubordinado, independente? Acostumai-vos cedo obedincia: porque se a docilidade vos faltasse, o jugo de uma regra religiosa havia de quebrar-vos em lugar de vos sustentar. Sois melanclico, triste, cismador, pouco amigo da sociedade de vossos colegas? Violentai vossa natureza e tornai-vos amvel, delicado, bondosssimo: porque o humor misantrpico, se permanecesse em vs, vos tornaria o flagelo da comunidade. Tendes inclinao para a preguia, estais com moleza no trabalho, no cumpris vossas obrigaes seno por medo de castigos? Renunciai a um estado cujas obrigaes exigem grande fora de nimo; ou melhor, lutai com vigor contra estas desgraadas faltas; levantai- vos ligeiro de manh, mostrai-vos ativo no jogo, exato em todos os deveres que vos so impostos. A moleza de vosso gnio poder, com algum exerccio, transformar-se em grande energia. Sois fraco de carter, deixando-vos dominar pelos colegas, acompanhando-os cegamente para onde queiram, corando de parecer bom diante deles? No sois apto para a vida religiosa: porque Deus quer em seu exrcito soldados que no se pejem de servir a boa causa e no passem para o inimigo.
Graas energia do carter, sereis franco, sincero, no estareis com medo de expandir-vos, no tereis respeito humano, praticareis com denodo todos os deveres de um bom cristo, no vos deixareis arrastar pelas ms companhias, e tereis sobre vossos companheiros a boa influncia de palavras e exemplos virtuosos.
Sem dvida, o gnio no pode ter, logo no comeo, tanta perfeio e tanta grandeza moral. Mas para acreditar que tendes vocao, no a perfeio que deveis realizar, o esforo constante para alcan-la que deveis mostrar. Se nada fizerdes para formar vossa vontade, vossos atrativos de vocao no so srios: pelo contrrio, se lutardes contra vossas tendncias ms e se vossos primeiros sucessos pressagiam a vitria, tudo vai bem do lado da vontade.
57. Enfim o corao tambm deve trazer o sinal divino. No se manchar no lamaal do vcio, subir at Deus sobre as asas da piedade: tal deve ser o corao que Deus escolheu.
O vcio da impureza o mais perigoso de todos para um corao que deve conservar, na religio, a mais inviolvel pureza. Portanto um menino, desde cedo estragado pela corrupo e j incapaz de praticar a anglica virtude, no pode aspirar ao estado religioso. No se deve confundir, verdade, o vcio com faltas de surpresa, o hbito com fraquezas passageiras: pecados arrependidos e apagados pelo sacramento da Penitncia, no so um obstculo vocao em um corao perfeitamente convertido. E mesmo, em certos casos, um menino pode ter sido, por muito tempo, a vtima de costumes lastimveis, e ainda aspirar vida religiosa, contanto que tenha vitoriosamente extirpado as razes do mal, mas ento a prova dos hbitos de virtude deve ser mais comprida e muito mais rigorosa. A graa gosta de realizar todos os dias tais milagres de transformao.
Certas doenas do corao so um grande obstculo para a vida religiosa: quero falar das tendncias a procurar, nas amizades sensuais, gozos perigosssimos. Porque, embora seja possvel deter o corao durante alguns anos num terreno to escorregadio, raro que uma alma tenha bastante vigor na vontade para nunca se deixar cair. Contudo, como to delicado ponto de apreciao dificlima, unicamente ao confessor que pertence o direito de dar a ltima deciso. O dever de um menino consiste em revelar exatamente suas inclinaes: seja qual for a resposta que receba depois, ter, ao menos, assegurado a paz de sua conscincia.
O mesmo se deve dizer de todos os outros sinais de vocao. Como ningum bom juiz em causa prpria, no deveis tomar um partido sem consultar vosso diretor; abri-lhe totalmente vossa alma de modo tal que possa discernir os ltimos recantos. Contai-lhe todas vossas culpas, todas vossas inclinaes, todos os movimentos de vosso corao. Mas no vos limiteis em descobrir o mal: dai igualmente a conhecer o bem, vossas aspiraes, vossos mpetos de fervor, as palavras secretas que Deus vos diz durante as horas de orao, os recursos intelectuais e morais de que dispondes. No momento em que vossa alma inteira estiver desdobrada diante de vosso diretor, como uma folha aberta, ele distinguir sem custo o caminho que Deus vos traou para mais tarde: se fordes chamado, ele o dir, e seguireis o rumo que vos indicar; se no fordes chamado, ele o dir tambm, e ento ficareis na via comum dos cristos.
A vocao segundo o Direito Cannico
58. Doutrina de Roma sobre a vocao. Em 1910, o cnego Lahitton, da diocese de Dax, na Frana, publicou um livro de alta importncia sobre a vocao sacerdotal ou religiosa. Aps certa polmica, este livro foi examinado por Roma e aprovado com grande louvor. Baseando-se na Escritura e na tradio, o digno telogo afirmou as trs teses seguintes:
1. Antes de ser o seminarista chamado pelo Bispo para receber a ordenao sacerdotal, nenhum direito tinha a ela, por mais que lhe dissessem os confessores ter ele vocao ab eterno;
2. Da parte do ordinando, o que se chama propriamente vocao sacerdotal, no consiste (ao menos, no necessrio, nem de lei ordinria) num tal atrativo ou convite do Esprito Santo para abraar o sacerdcio;
3. Mas, para que o ordinando possa, com razo, ser chamado pelo Bispo, necessrio e suficiente que ele possua: a) reta inteno, b) e idoneidade, isto , tais dotes da graa e da natureza, tal probidade de vida e suficincia de doutrina, que inspirem ao Prelado fundadas esperanas que, no futuro, venha a ser um sacerdote modelar, cumpridor das obrigaes do seu estado.
Estas teses foram aprovadas e louvadas por Roma; no indicam o atrativo sensvel como base da vocao mas apenas a reta inteno e a idoneidade da parte do aspirante e a aceitao para a ordenao da parte do Sr. Bispo.
Com leves mudanas outro tanto se pode dizer da vocao ao estado religioso.
59. A VOCAO VIDA RELIGIOSA SEGUNDO ROMA.
Para a vocao vida religiosa, o cnone 538 do Cdigo de Direito Cannico enuncia claramente quatro sinais que deve possuir o aspirante; eis o texto deste artigo:
Na Religio, pode ser admitido qualquer catlico, no ligado por algum impedimento, que seja movido por reta inteno, e parea idneo para suportar a vida religiosa.
Como se v, nada de atrativo sensvel, nada de voz interior misteriosa para chamar o candidato; contam-se numerosas e excelentes vocaes que se decidiram apenas por motivos de razo, de juzo e no de sensibilidade.
Portanto, as condies necessrias e suficientes para se conhecer se algum tem ou no tem vocao para a vida religiosa, so quatro, a saber: 1. ser catlico; 2. no ter impedimento; 3. ter reta inteno; 4. ser idneo.
1. Condio. A condio que seja catlico qualquer aspirante vida religiosa, est muito clara e dispensa comentrios.
2. Condio. Os impedimentos cannicos que fecham as portas da vida religiosa, so indicados pelo cnone 542 e divididos em duas categorias: 1. os dirimentes, que anulam o noviciado desde a entrada; 2. os impedientes, que no anulam o noviciado mas o tornam ilcito, de modo que um pretendente que tivesse um destes impedimentos e comeasse o noviciado calando-o, cometeria pecado.
Os impedimentos que anulam a entrada no noviciado so 8, a saber:
1. ter aderido a uma seita acatlica; 2. no ter a idade requerida para o noviciado (em geral, 15 anos completos); 3. entrar no noviciado, forado (por medo, por violncia ou por engano); igual nulidade se o superior fosse forado a receber o novio; 4. ser casado (enquanto vive o outro cnjuge); 5. ter j feito profisso em outra ordem religiosa; 6. ser criminoso ameaado de sentena judiciria; 7. ser bispo, mesmo que apenas fosse preconizado; 8. para um clrigo, ter compromisso com seu bispo, de servir na diocese.
Quem tiver qualquer um destes 8 impedimentos tem recepo nula em qualquer noviciado; se for descoberto ter que retirar-se.
Os impedimentos impedientes so cinco, a saber:
1. para um clrigo, mesmo livre de compromisso com seu bispo, entrar no noviciado, sem licena do seu bispo ou contra a sua licena; 2. ter dvidas a pagar; 3. ter que prestar contas complicadas, com perigo de comprometer mais tarde a ordem religiosa; 4. ser o nico arrimo de parentes (pai, me, av, av) gravemente necessitados; o mesmo se d para os pais que deixassem filhos menores sem alimento e sem meios de educao; 5. os catlicos de rito oriental no podem entrar em Religio de rito latino sem licena de Roma. Quem tem algum destes impedimentos e entra no noviciado calando-se, comete um pecado; mas o noviciado vlido apesar disto, porque estes impedimentos so apenas impedientes.
3. Condio. A 3. condio exigida a reta inteno. Cada aspirante deve examinar-se e ver quais so os motivos que o levam a abraar a vida religiosa.
Eis alguns exemplos de inteno nobilssima para entrar na Religio:
- Fugir do mundo onde h numerosas ocasies de pecar e perder a alma; - Progredir no amor de Deus e na santidade, o que faclimo na Religio e muito custoso no sculo; - Salvar as almas por meio da orao, do ensino ou de qualquer ramo de apostolado; - Reparar os prprios pecados ou as faltas alheias; - Obter a salvao de algum ente querido, como a do pai, da me, de algum parente ou amigo; - Tratar de alcanar a palma do martrio, procurando ir a algum pas de misso onde os pagos matam os cristos.
Eis casos de intenes no retas, condenveis, sinais certssimos de que o pretendente no tem vocao:
- Arranjar vida cmoda, sem muito trabalho porque se pensa que na Religio a gente passa bem; - Ter o intuito de fazer fortuna, de avanar na vida, de alcanar dignidades eclesisticas.
4. Condio. A idoneidade a 4. condio exigida do candidato Religio; consiste em tais dotes da graa e da natureza, em tal probidade de vida e suficincia de doutrina, que inspirem aos superiores da Religio fundadas esperanas que o pretendente venha a ser Religioso modelo, cumpridor dos deveres do seu estado.
Quem juiz da inteno reta a prpria conscincia do candidato vida religiosa.
Quem tem qualidade para verificar a idoneidade, no pode ser o aspirante vida religiosa, pois que seus juzos so suspeitos de interesse pessoal; mas a deciso, neste caso, compete em primeiro lugar ao confessor ou diretor espiritual e, de modo definitivo e irrefutvel, ao superior provincial do instituto religioso escolhido pelo pretendente.
De modo que, em definitiva, a vocao religiosa se resume em: ter aptido e vontade da parte do candidato aceitao da parte do superior.
Esta doutrina confirmada pelo catecismo do concilio de Trento que diz: Quem chamado pelos ministros ilegtimos da Igreja tem vocao legitima.
60. SINAIS DE IDONEIDADE. Acabamos de ver que h dois tribunais competentes para decidir da idoneidade de um aspirante Religio: o confessor e o superior provincial.
Para um corao generoso, apresenta-se facilmente seguinte dvida: Quem sabe se Deus no me chama vida religiosa?. Quem sabe se eu no deveria consultar os cais tribunais competentes a respeito da minha idoneidade para a Religio? Se eu fosse recusado, a humilhao seria to grande que no ouso arriscar a tentativa.
Para resolver esta dvida a respeito da idoneidade, a mestres da vida espiritual apontam alguns sinais ou rotas que permitem a um corao piedoso reconhecer com grande probabilidade se idneo ou no o .
Quando verifica esta probabilidade, o interessado comea ento a ter certa obrigao moral em resolver totalmente o seu caso e consultar os dois tribunais supracitados.
Depois de refletir seriamente sobre o assunto, se o interessado no descobrir em si vestgio algum de idoneidade, evidente ento que no tem obrigao alguma para consultar.
SINAIS DE PROVVEL IDONEIDADE
Eis alguns sinais de provvel idoneidade para a vida religiosa ou sacerdotal:
1. Sentir inclinao para a vida religiosa ou sacerdotal, em geral, vagamente;
2. Pensar frequentes vezes na necessidade de fugir do mundo a fim de salvar a alma;
3. Uma suave inclinao para a virtude da castidade, embora acompanhada de tentaes contrrias em vrios casos, pois a histria mostra inmeros santos que alcanaram grandes vitrias somente depois de terrveis lutas;
4. Certo atrativo para a orao, em geral, para as leituras piedosas, para as cerimnias da igreja, etc.;
5. O zelo para salvar almas, o desejo de ensinar o catecismo, de dar a conhecer a religio aos ignorantes, etc.;
6. Algum atrativo para o silncio, para a solido, embora misturado de tentaes para o mundo;
7. Amor aos estudos srios, mesmo que a natureza incline tambm para a preguia ou leviandades;
8. Respeito, em geral, para a autoridade legtima, apesar de algum instinto de revolta;
9. Refletir muitas vezes sobre a vaidade do mundo, de suas grandezas; ponderar como tudo passa, etc.;
10. Certa convico ntima de que se eu permanecer no mundo, serei condenado; este sinal dado por santo Afonso de Ligrio assim como o seguinte:
11. Depois de fervorosa confisso, passar muito tempo sem recair no pecado;.
12. Ter sade forte ou pelo menos regular, contanto que no sofra de molstia contagiosa;
13. Possuir um gnio franco, aberto, expansivo, comunicativo;
14. Ter um exterior decente, razovel, socivel, isto , no ter deformidade notvel repugnante;
15. Ser filho legtimo; ter boa ndole (cnone 1.363);
16. O Pe. William Doyle, no seu tratado da vocao, alm dos sobreditos casos de provvel idoneidade, cita outro curiosssimo, a saber: ser algum perseguido por insistente medo de ter vocao. Nisto, v ele refinada tentao diablica, que foi muito comum na vida dos grandes santos. Numerosos so os que chegaram a rezar para no terem vocao e que mais tarde foram timos religiosos.
Ao terminar, preciso dizer que os precedentes sinais de provvel idoneidade no so os nicos nem to pouco so infalveis.
Certos pretendentes possuam tal ou tal destes sinais e entretanto no tinham verdadeira vocao.
Outros cristos desprovidos destes indcios exteriores, revelaram sria vocao por meio de outras provas.
De modo, que o nico modo certssimo de averiguar a idoneidade consultar o confessor e depois o superior provincial do instituto em que se projeta entrar. a confirmao do princpio do catecismo do conclio de Trento: tem vocao legtima aquele que chamado pelos ministros legtimos da Igreja (Ver o Mensageiro do Corao de Jesus, n. 486).
Escolha de uma vocao particular
62. Suponhamos que vosso diretor vos diga: Meu menino, creio ver claramente que Deus vos chama a Seu servio; deveis renunciar ao mundo e entrar em religio. Estar acabado o estudo da questo? Fica ainda uma parte secundria a decidir, que tem bastante importncia: Que lugar ocuparei na religio? Para os moos, a questo a seguinte: Hei de entrar no sacerdcio ou consagrar minha vida educao da juventude em um Instituto de Irmos? No sacerdcio pode-se escolher o clero secular, que administra as parquias, ou o clero regular, que vive em comunidade e se consagra ao servio da educao e das misses. Se quiserdes entrar numa congregao, ser ainda preciso ver que sociedade religiosa deveis preferir.
Para as moas a questo se divide tambm. Que dever preferir essa moa, as obras de caridade ou as obras de educao? As misses longnquas, os hospitais, os asilos de pobres, os doentes a domiclio, as escolas e os colgios solicitam, com efeito, o zelo de todos e reclamam numerosssimas vocaes. Depois de escolher entre a caridade e a educao, resta ainda determinar a sociedade religiosa na qual se deve entrar.
Todas estas questes se resolvem muito mais facilmente que a questo capital da vocao. Uma vez que algum resolveu deixar o mundo, uma vez que a famlia consentiu ao sacrifcio, a escolha do caminho particular que se deve seguir, pode fazer-se depressa.
63. Com efeito, as diferentes comunidades no se distinguem seno por diferenas pouco importantes: por toda a parte a profisso religiosa impe os mesmos votos, a regra estabelece os mesmos exerccios de piedade, os superiores exercem a mesma autoridade, os religiosos vivem longe do mundo e de seus prazeres insensatos. Todos os modos de vida religiosa se assemelham: discutir muito tempo aquele que tomaremos, seria desperdiar os dias e expor- nos a perder a vocao. Tenhamos confiana que Deus estar conosco, seja qual for a comunidade que nos der asilo.
Contudo justo que cada menino escolha a sociedade que prefere. No meio escolhido por livre vontade, sentir-se- mais feliz e poder ser mais virtuoso. Quantos aborrecimentos, quantos desnimos, quantas faltas haveria um dia para o religioso que pudesse dizer: Se estou nesta sociedade onde sofro, que algum fez violncia a meus atrativos. Muito mais forte contra a tentao o religioso que vive no lugar que amou e escolheu por espontnea vontade.
Mas esta escolha deve ser esclarecida. Para faz-la com todo o conhecimento de causa, o adolescente deve considerar dois pontos: 1. O modo de vida que se leva, as boas obras que se praticam na comunidade que tem suas simpatias; 2. se os atrativos e as aptides que o distinguem tero plena satisfao nesta congregao.
No se deve, portanto, ir de vistas fechadas para qualquer noviciado: antes de tudo, tomai conhecimento das provas que vos esperam, dos trabalhos que vos sero impostos. As surpresas so perigosas: so a causa mais ordinria das numerosas defeces que entristecem os superiores de comunidades. Para que serve esconder aos meninos as dificuldades reais da vida religiosa? Tanto mais que as prprias dificuldades e as austeridades so antes um estmulo para seu ardor juvenil.
Uma vez a par da vida e dos trabalhos de uma comunidade, o menino se considera a si mesmo para saber:
1. Se ter foras morais suficientes para suportar o peso dos deveres 2. Se suas aptides e gostos pessoais sero satisfeitos.
A maior parte dos meninos tm disposies para toda a espcie de trabalhos: mediante uma formao particular, podem adaptar-se a qualquer gnero de ocupaes, obras de caridade ou de ensino. Todavia alguns meninos tm inclinaes particulares muito pronunciadas, uns para o ensino, outros para a caridade: uma indicao providencial que seria perigoso contrariar.
64. Em geral, a Providncia mesma se encarrega de mostrar ao menino o caminho que deve seguir. Eis um menino que quer absolutamente ser religioso; em religio, aprender a desempenhar todos os empregos que seus superiores podero confiar-lhe. Mas conhece apenas uma comunidade religiosa, a que o educou. No ser justo que entre nesta famlia que j ama e da qual ele filho? Tal outro menino possui maravilhosas disposies para os estudos: quer ser professor. Porque no havia de entrar na falange dos educadores que lhe formaram a alma? Outro menino anela para dedicar-se s misses longnquas: uma vez adquirido este ponto, entre ele na sociedade que ele tem a felicidade de conhecer: para que serve hesitar muito tempo entre as vrias sociedades de missionrios?
Na realidade, deste modo que se passam as coisas: os meninos sequiosos do devotamento religioso, entram na comunidade que os formou. Nada mais justo: as sociedades religiosas vivem ento dos frutos do campo onde trabalham.
Mesmo para esta escolha particular, o diretor espiritual deve ser consultado. S ele pode preservar um menino contra a iluso, contra um movimento passageiro, contra entusiasmos pueris. A respeito de vocao pode-se dar aos meninos, como regra urea, o aviso seguinte: No dar nenhum passo, sobretudo no tomar nenhuma deciso sem o consentimento prvio do confessor.
CAPTULO III COMO CORRESPONDER VOCAO
65. Estareis com a alma em paz, jovem amigo, depois de receber o aviso de vosso diretor. A palavra dele, que vossa f h de considerar como a prpria palavra de Deus, acabar com toda a indeciso e vos fixar as idias. Se ele vos dissesse: Meu menino, procurai uma carreira no mundo, porque o estado religioso est acima de vossas foras; no devereis hesitar um s instante em sacrificar vossas primeiras esperanas. Mas se ele vos respondeu: Tenho f que Deus vos chama, meu menino: preparai-vos para segui-lO; no hesiteis to pouco e considerai esta deciso como um orculo do cu. Ento no tendes mais dvida alguma; sereis sacerdote ou religioso; estais vendo o caminho que Deus vos abre. Novas obrigaes vos aguardam agora. Uma vez conhecida a vocao devemos nos tornar dignos dela; quando se sabe claramente o desejo de Deus, preciso corresponder a ele; quando o caminho est traado, preciso andar por ele. Tudo isso se chama corresponder vocao.
Para corresponder vossa vocao tendes trs coisas a fazer: separar-vos, formar-vos, conservar-vos. o que devo ainda explicar-vos com alguns pormenores.
I. A SEPARAO
66. Pois que Deus vos escolheu e vos marcou com o sinal da vocao, justo que lhe pertenais. Para lhe pertencer necessrio romper todos os vnculos: vnculos do pecado em primeiro lugar, depois os vnculos do mundo, enfim os vnculos da prpria famlia.
1. Renunciar ao pecado.
67. O grande inimigo de Deus o pecado. O pecado grave, com efeito, expulsa Deus da alma para se apoderar dela. Que injria seria para Deus, se, depois de resolver dar-vos a ele na religio, deixsseis ainda o pecado dominar em vs! Por isso que vosso primeiro dever combater energicamente para defender vossa alma contra os assaltos do demnio.
Talvez, at agora, tenhais conservado a inocncia batismal. Como tereis a ousadia de perd- la, no momento em que desejais dedicar a Deus vossa alma como um templo sagrado?
Mas pode ser que tenhais perdido a primeira inocncia. Surpreendido pelas primeiras perturbaes da adolescncia, arrastado pelos exemplos de companheiros perversos, pecastes. uma desgraa muito grande, da qual as almas religiosas nunca se consolam. Mas, graas a Deus, as devastaes do pecado no so irreparveis: no sacramento de Penitncia, as lgrimas de vosso arrependimento, misturadas com o sangue de Jesus Cristo, apagaram todas as ndoas e vos restituram a vida. A inocncia foi recuperada.
Conservada ou recuperada, dora em diante esta inocncia deve permanecer intacta em vosso corao. Estais com firme vontade de no pecar mais. Mas a vontade no basta: preciso tomar os meios.
68. Com efeito, rudes assaltos ho de fazer-se contra vossa virtude: vossa inocncia ser o prmio de vossos combates. Inimigos terrveis ho de nascer dentro de vs mesmo e persuadir-vos de vos deixar escorregar no abismo dos maus prazeres. Se cederdes um pouquinho diante das primeiras tentaes, se quiserdes provar, por pouco que seja, a taa envenenada, em breve tereis a morte espiritual: portanto preciso resistir logo, desde as primeiras instigaes do mal.
A estas inclinaes da natureza sensual, unir-se-o os atrativos exteriores: o mundo esforar- se- por seduzir-vos por meio de suas falsas mximas e seus prazeres enganadores; o exemplo de companheiros corruptos vos deixar acreditar, em certos momentos, que o mal talvez no seja o mal, que a virtude talvez no esteja ao alcance do homem; certa vergonha mal entendida de que sejais o nico menino recatado e puro no meio de uma sociedade pervertida, talvez vos enfraquea a coragem. Oh! como difcil manter-se firme no bem, quando tantas correntes arrastam para o mal!Para vencer, nesta guerra encarniada, trs coisas so necessrias: o auxlio de um bom diretor, oraes fervorosas, esforos de vontade.
69. Um diretor prudente vos indicar o que mau, mostrar-vos- onde est o perigo, prevenir-vos- contra as surpresas. Revelar-lhe-eis o fundo de vosso corao, vossas perturbaes, desnimos, se houver. Na luta, ele que vos indicar a ttica e o modo de manejar as armas. Nada lhe escondais: a menor dissimulao tornar-se-ia para vs uma causa de runa moral. Se ele parecer severo, no vos espanteis: porque sua severidade se dirige toda contra o pecado e no contra vs; para vossa alma, possui apenas ternura e dedicao.
A orao h de atrair-vos a graa de Deus. Rezar absolutamente necessrio; porque no triunfareis seno pela graa; e a graa, na sua plenitude, no dada seno alma que reza. Sede um menino piedoso e nunca haveis de pecar. Recomendo-vos, de modo especial, a santssima comunho, a devoo a Nossa Senhora: o divino corpo de Jesus Cristo purifica e fortifica as almas; Nossa Senhora mostrou-Se sempre a protetora dos coraes puros.
Contudo, para algum que mole e inativo, os socorros mais poderosos de nada servem. Apesar de tudo, permaneceis livre de ser bom ou mau. Deus vos entrega vrias armas que vosso diretor espiritual vos ensina a manejar. Mas se vossos braos, preguiosos e sem vigor, no tiverem a coragem de mover-se, sereis um vencido, no h a menor dvida. O esforo que se exige de vossa parte, que fujais das sociedades perigosas, nunca permaneais desocupado, eviteis as leituras suspeitas, nunca fiqueis complacente e impassvel diante da tentao e peais o auxlio de Deus cada vez que o demnio vos ataca.
Todavia, se visseis a sucumbir, oh! no hesiteis em recorrer a vosso confessor. Deus bom pai e pastor condescende. Entende que uma ovelha erre o caminho e receba ferimentos; logo corre-lhe atrs e apresenta-lhe os braos e no quer que ela fuja diante de Suas misericordiosas carcias. Quem no gostar muito desta bela palavra de S. Joo, o apstolo que Jesus amava particularmente: Meus filhinhos, escrevo-vos isto para que no pequeis; mas se por acaso pecardes, no vos esqueais de que temos perante o Pai um advogado omnipotente, Jesus o Santo!
2. Separar-vos do mundo.
2. Separar-vos do mundo.
70. Para evitar a morte do pecado, o melhor modo subtrair-vos ao perigo. Ora, o grande perigo para as almas, o contacto do mundo. O mundo est inteiramente mergulhado no mal: o ar que se respira nele um veneno para a alma. Suas mximas alteram o esprito, seus exemplos corrompem o corao. Quantas vezes no se ouvem moos a dizerem: Em tal cidade, parece que se respira o mal.
Mas o mundo, este mundo amaldioado pelo Salvador, felizmente no est por toda a parte. Mesmo antes de entrar numa comunidade religiosa, podeis viver longe do mundo, preservar- vos da atmosfera pestilencial que suas emanaes impuras criam. O mundo de que preciso fugir, consiste nos companheiros perigosos, nas festas e nos prazeres mundanos, nas vaidades e bens da terra.
Pois que j vos separastes do mundo e vos dedicastes a Deus em vosso corao, justo que o mostreis exteriormente por vosso procedimento. Se o pblico notar vossa resoluo de ser religioso, entender facilmente que tenhais uma vida retirada, que eviteis as frequentaes suspeitas, que no assistais s festas, aos espetculos, etc., onde os mundanos se divertem e muitas vezes se perdem, que eviteis de atrair os olhares pela ostentao, a vaidade ou o desejo de agradar...
Entretanto no ficareis isolado. Encontrareis uma sociedade, sem perigo para vossa alma, nas pessoas religiosas que visitareis com assiduidade, nos atos de zelo a que vos entregareis com atividade, na convivncia de Jesus Eucarstico que visitareis muitas vezes no seu templo. No conhecereis, em vossa cidade, outras ruas que as que vo da casa paterna para a igreja, para vossa famlia religiosa ou para vossa escola. O jovem aspirante ao sacerdcio frequenta o clero; aquele que deseja ser religioso procura a companhia dos que ho de ser seus irmos em breve. Para todos a casa paterna um lugar bom; salvo raras excees, os meninos conservam-se virtuosos na sociedade do pai e da me, ao contacto dos irmos e das irms.
3. Abandonar a famlia.
71. A prpria famlia, por mais religiosa que seja, h de ser abandonada. Nada doloroso como partir os vnculos, ao mesmo tempo suaves e fortes, que nos prendem aos pais. Entretanto, por mais funda que venha a ser a ferida, cedo ou tarde, ser preciso sofr-la.
Em que idade se deve deixar a famlia? Como realizar esta separao?
Em geral, melhor abandonar a famlia cedo, logo que for conhecida a vocao. Com efeito, se o contgio do mundo prova algumas vocaes, com grande facilidade tambm arruna e destri bom nmero de outras. Ainda mais, a vocao religiosa exige longa formao, muitas vezes estudos demorados, que no so possveis seno para espritos ainda tenros e maleveis. Por exemplo, um aspirante ao sacerdcio entra no seminrio menor antes dos quatorze anos. Os Irmos educadores instituram tambm juvenatos ou noviciados menores onde os meninos entram muito cedo, desde a primeira comunho; ali, a vocao deles est mais abrigada do que em qualquer outro lugar. Em certas comunidades de religiosas existem igualmente juvenatos onde donzelas piedosas se preparam de longe profisso religiosa.
Na idade de doze para treze anos, um menino inteligente j sabe o que quer ser: no possvel surpreender-lhe a ingenuidade convidando-o a entrar em um seminrio menor ou um juvenato. Alis, um erro, se existisse, seria fcil a emendar. O menino sem vocao se aborrece a tal ponto no meio da austeridade dos noviciados, que no pode aguentar-lhes as prticas; as portas esto bastante abertas para que torne a tomar a liberdade. Longe de conserv-lo viva fora, os superiores antes precisam insistir para p-lo de novo no seu caminho e envi-lo outra vez para o mundo.
72. Mas, muitas vezes, a famlia se ergue como uma barreira entre o menino e o noviciado religioso. Em alguns casos um menino indispensvel famlia para ajudar o pai nos trabalhos dirios, ou me em casa, para tomar conta de irmos menores, para aliviar pais enfermos; so necessidades providenciais s quais no bom subtrair-se; porque tais deveres constituem uma vocao cuja nobreza no menor que a do religioso hospitaleiro ou da irm de caridade. Quando um menino vem a ser livre por causa da situao da famlia, ento siga ele seus atrativos para a vida religiosa: nada pode ser melhor; mas enquanto a piedade filial exigir que um menino se dedique em favor dos pais, saiba ele que seu convento o lar domstico.
Em outros casos um menino permanece em casa porque a famlia quer provar a vocao dele, porque os pais se opem a esta vocao. ento que este menino deve usar de grande prudncia e afetuosssima delicadeza, para obter suavemente o consenso e a bno de que precisa. Dever rezar muito, porque Deus segura todos os coraes em sua mo e pode dirigi- los para onde quiser.
Dever levar no mundo uma vida to religiosa, to retirada, to austera, que os pais tenham plena certeza de que a coragem no lhe faltar para suportar os rigores da vida de comunidade. Enfim, por meio de certos atos mais carinhosos e casos mltiplos de piedade mais filial, dever mostrar que o amor da famlia no apagado pela vocao, e que, afinal de contas, um filho pertence tanto mais famlia quanto mais perfeitamente se consagrar a Deus. Certos meninos so admirveis nos meios que seu zelo juvenil inventa para ganhar o corao dos pais em favor de sua vocao.
73. Cedo ou tarde, tereis o consenso de vossa famlia. Ser o momento favorvel para sair. Neste instante dolorosssimo natureza, usareis de procedimento mais delicado para suavizar a pena dos pais. Dois sentimentos ento vos sero necessrios. O primeiro ser o de um vivo e sincero afeto por eles; vejam bem eles que os amais, que o sacrifcio vos rasga o prprio corao, que precisais de toda a irresistvel fora de um apelo divino para vos resolver separao. O segundo sentimento ser o de uma grande firmeza de resoluo: no hesiteis, no cedais, no tenhais dvidas por causa de saudades; parecer inquieto a respeito de vosso futuro, inconsolvel por causa dos sacrifcios, seria despedaar o corao de vossos pais; porque, na dor que os crucia, tm eles um lenitivo quando podem dizer: Ao menos, nosso menino ser feliz, pois que mostra tanta coragem para ir aonde Deus o chama.
Uma vez todos os liames rompidos um depois de outro, cantareis como David: Senhor, quebrastes meus grilhes; oferecer-vos-ei o sacrifcio de minha gratido e abenoarei vosso santo nome.
A FORMAO
74. Pela separao, ganhais a liberdade da qual usais para voar logo a Deus. Achais Deus, cuja voz vos atraia no Seminrio ou na Congregao religiosa onde ides abrigar vossa juventude.
Mas ainda nem tudo acabou. Pelo contrrio, estais apenas no incio de uma vida nova, na entrada de uma carreira. Trata-se agora de trabalhar vossa formao para que sejais digno de vossa vocao e adquirais a habilidade necessria para desempenhar utilmente todas suas obrigaes.
Desde o dia em que vosso diretor espiritual resolveu a questo de vossa vocao, contrastes em conscincia a obrigao de formar-vos. Portanto, quer estejais ainda no mundo, quer tenhais entrado em um noviciado, vosso grande negcio agora o de vossa formao.
A formao do sacerdote e do religioso compreende quatro partes: a vida sobrenatural, o carter, a habilidade profissional, o zelo apostlico.
A vida sobrenatural.
75. Comeareis por estudar o que a vida sobrenatural: deveis ter santa avidez de receber esta lio fundamental e para isto gostareis de ouvir as conversas e leituras espirituais, assim como de estudar livros piedosos e ascticos que tratam deste ponto. No mesmo tempo, ireis beb-la com abundncia e santa avidez na sua prpria fonte, que o corao mesmo de Jesus Cristo, por meio da orao e dos sacramentos.
No vos admireis de que vossos mestres, logo que entrais em um seminrio ou noviciado religioso, tenham pressa em ensinar-vos esta cincia divina. Antes de conhecer as cincias humanas, antes de fazer de vs um professor que ensine aos outros, no justo que algum vos diga que vida interior deveis alimentar em vossa alma? Nenhuma vida slida e meritria seno a vida sobrenatural que Deus nos comunica.
76. Eis em poucas palavras o resumo do que aprendereis nesta matria: Vossa alma um templo que Deus se reservou e onde habita como em um tabernculo. Enquanto no pecardes mortalmente, Deus est presente em vs por Sua graa, e todo o cu est com Ele. No corao que o pecado suja, a graa foge e deixa lugar ao demnio, que logo entra. Mas no haveis de expulsar Deus da morada de vosso corao, pois que estais com firme resoluo de nunca pecar. Se Deus habita em vs, no para ficar inativo, mas para viver.
Mas como Jesus Cristo poder viver em ns? Ali est o glorioso mistrio de nossa unio com Deus. Do trono em que est sentado em nossa alma, Jesus Cristo nos ilumina o esprito, inspira grandes idias, generosos projetos; fortifica a vontade, d-lhe a fora de executar atos de coragem, serve-se de ns como que de instrumentos dceis para lhe cumprir as vontades. Para Jesus no so bastantes todos os atos de religio, de humildade, de mortificao, de caridade, de dedicao que Ele mesmo cumpriu durante a vida; quer continuar, em cada um dos fiis, a glorificar seu Pai e a servir o prximo. 77. O que faz nosso merecimento, que poderamos impedi-lo de trabalhar em ns, poderamos arrancar-lhe o instrumento de que precisa. O que faz a sublime grandeza de nossos atos, que o prprio Deus, por sua graa, os cumpre em ns.
Uma vez instrudos disto, como poderamos recusar de atender aos pedidos de Jesus? Porque no havamos de consult-lo antes de cada um de nossos atos? Que infidelidade no haveria em desagradar-lhe, mesmo por meio de simples imperfeies! Quo grande se sente o cristo, pois que tem a certeza de poder repetir com S. Paulo: Vivo, sem dvida, mas no sou mais eu que vivo, Jesus Cristo que vive em mim!
Iniciado em boa hora a esta sublime doutrina, tereis apenas um desejo, o de possuir com abundncia to preciosa vida. Pedireis a vossos mestres a que fontes ela se encontra e eles vos respondero: Ide orao e aos sacramentos. A orao o po quotidiano do sacerdote e do religioso; gostar da orao deve ser o primeiro ato de sua formao. Pela orao, entrais em comrcio com Deus; quando o adorais no cu, no tabernculo ou em vosso prprio corao, travais conversa com Ele. Nesta troca de palavras ntimas, Deus vos revela o que Ele , o que fez em vosso favor, o que est esperando; vs lhe dizeis o que estais sofrendo e lhe entregais vossa vida. No momento em que o contemplais to grande e to bondoso ao mesmo tempo, ides a ele com mais confiana; tendes a coragem de lanar-vos nos seus braos com todas vossas misrias e vos deixar amoldar por sua mo, impregnar por sua vida, transfigurar por sua graa. Felizes comunicaes da santa orao, donde voltais com a alma iluminada, o corao abrasado, como Moiss ao sair do monte Sinai!
As alegrias destas relaes com Deus, haveis de goz-las sobretudo no comeo de vossa formao. Tereis oraes vocais, oraes mentais; por toda a parte, Deus vir a vosso encontro, com as mos cheias de graa. Mesmo fora dos exerccios de piedade, no perdereis de vista a Deus que est sempre presente em vs. Por um recolhimento sem constrangimento, calmo e suave, ficareis unido a Ele. Uma vez tomado o bom hbito da presena de Deus, no vos separareis mais dEle; at no meio dos negcios, a lembrana dEle h de acompanhar- vos.
78. Mas o contato com Deus ser ainda mais ntimo nos sacramentos. Pela Penitncia recebereis um acrscimo de vida. Pela Comunho recebereis o prprio Jesus, o autor da vida.
Ser possvel recomendar-vos demais a frequente comunho, a comunho quotidiana? Neste ponto, seguireis os avisos de vosso diretor espiritual; mas deveis pedir-lhe com muita coragem e insistncia que vos permita todos os dias ou muitas vezes a santa comunho. Recebermos o prprio Deus em nosso corao, alimentarmo-nos da carne e do sangue de Jesus Cristo, que coisa maior e mais nobre podemos invejar? No receeis que vossa avidez desagrade a Deus; no receeis to pouco a vossa grande indignidade. Ide comer a bondade, a doura, a humildade, a prpria fora e haveis de ser um dia bom, suave, humilde e forte. Baste esta palavra e acreditai que Jesus Cristo, recebido como se deve, h de dar vossa alma a formao necessria [1].
[1] Neste ponto seguir os conselhos de S. Santidade Pio X que aconselhou muito a comunho quotidiana a todos os fiis e de modo especial aos aspirantes ao sacerdcio e vida religiosa.
2. O carter.
79. A vida divina uma fora entregue em vossas mos: vossa obrigao tirar proveito dela. Seja qual for o que empreenderdes, no estareis sozinho a trabalhar: Deus mesmo tomar parte em tudo quanto fizerdes.
Ora, o objeto principal que deveis ter em vista, a formao de vosso carter. Em um sentido geral, a palavra carter ou gnio designa aquilo pelo qual um homem o que . Nosso carter se compe, ao mesmo tempo, de nossos defeitos e nossas qualidades: por conseguinte a formao de nosso carter consiste na correo de nossos defeitos e no desenvolvimento de nossas qualidades. para ter bom xito nesta empresa de suma importncia, que imploramos o auxlio de Deus por meio da orao e dos sacramentos.
Para corrigir vossos defeitos, procurareis primeiro conhec-los. Em pouco tempo notareis que todos dependem de um s, o defeito dominante. Logo que descobrirdes em vs o defeito que a causa de todas vossas faltas, ser preciso combat-lo sem trgua. Toda a vitria ganha contra este inimigo capital um triunfo alcanado sobre todos os outros. Talvez sozinho no consigais descobri-lo; mas vosso diretor espiritual e vossos mestres ajudar-vos-o.
80. O defeito dominante, ao mesmo tempo mais perigoso e mais comum entre os meninos, a moleza, a fraqueza da vontade. Torna os meninos preguiosos, escravos do respeito humano, negligentes a respeito de seus deveres, vidos de satisfaes sensuais, fracos diante dos maus companheiros, incapazes de grandes esforos... Para fortalecer a vontade, preciso exercit-la cada dia a praticar atos de generosidade; um menino que diariamente fizesse alguns sacrifcios, se impusesse mortificaes, contrariasse seu gnio, em breve adquiriria grande virilidade na vontade. Se na maior parte os homens permanecem sem energia, que na sua mocidade no contraram o bom hbito de se vencer a si prprios. No possvel fixar prticas particulares a este respeito; cada um deve examinar as circunstncias em que se reconhece fraco e pusilnime, e dirigir a luta para estes pontos.
81. Outras vezes a susceptibilidade, o esprito melindroso que domina. No falta coragem ao menino; at aplicadssimo. Mas basta uma ninharia para o ferir e irritar; no pode tolerar que algum o repreenda de uma culpa, lhe faa a menor observao; uma palavra um pouco azeda o perturba; mostra-se exigente, quer que todos tenham muita contemplao para com ele, e zanga-se si algum o esquece ou lhe falta um pouco de respeito. s vezes esta susceptibilidade e patenteia por palavras duras ou violentas cleras; outras vezes aparece no humor melanclico, no aspecto inexpansivo, no olhar desdenhoso daquele que se julga ofendido. Em religio, no se pode fazer bastante guerra a este defeito, que se tornaria em breve a peste das comunidades. Para ter xito feliz, preciso desenvolver na alma o sentimento da humildade. Se tivsseis muita persuaso que sois pouca coisa, que tendes grande vantagem em ficar no segundo lugar, tereis grande prazer quando algum vos despreza, no faz caso de vs, vos injuria. Certos caracteres so orgulhosos, teimosos, rebeldes obedincia. No se tornam prprios para a vida religiosa seno quando aprendem a docilidade, etc.
82. Pela correo de vossos defeitos, preparareis o lugar para o reino das virtudes. Os mestres encarregados de vossa formao tero como que duas partes em seu programa: tomaro a peito fazer de vs primeiro um homem honesto, depois um perfeito cristo.
O homem honesto sincero, reto, expansivo, incapaz da menor duplicidade e da mais leve mentira; delicado, discreto, recatado, cuidadoso dos bens alheios como dos que lhe pertencem; simptico, cortes, prestimoso, obsequioso, pronto para todas as dedicaes; enrgico, disposto ao sacrifcio, capaz de imolar-se para uma nobre causa.
sobre um homem assim educado, o perfeito cristo se enxerta com facilidade; a seiva crist faz brotar muitos frutos de vida, tais como a humildade, o amor pobreza, a mortificao e sobretudo a caridade.
3. A formao profissional.
83. Este programa est muito acima dos esforos de um dia; mas no podereis realiz-lo seno com a condio de conhec-lo e tratar de execut-lo desde os primeiros dias de vossa vocao.
Quando Deus vos chamou, no se props apenas encher-vos das alegrias da vida religiosa, colocar-vos mais seguramente no caminho da salvao eterna: designou-vos para uma misso especial, reservou para vs uma parte do trabalho que se faz na santa Igreja. As pessoas do mundo nada entendem nesta vocao ao trabalho; imaginam que no entramos na religio seno para evitar os incmodos dos negcios e os cansaos de um penoso ofcio. Deus nos livre que assim acontea! Temos que cumprir uma tarefa: no campo do trabalho, temos uma parte a cultivar.
Mas nossa misso especial, to laboriosa como sublime, exige ao mesmo tempo grande energia de carter e vastos conhecimentos profissionais. Pelos meios indicados acima, adquirireis o vigor da vontade que faz aceitar todos os sofrimentos: acrescentarei apenas algumas palavras sobre o modo de desenvolver vossas aptides.
A Providncia ps em vs, em graus variados sem dvida, aptides para todas as boas obras. Algumas predominam, entretanto; foram o motivo que vos determinou a entrar em tal comunidade religiosa de preferncia a qualquer outra. Cada Sociedade possui seus trabalhos particulares: as aptides que preciso desenvolver em vs, so portanto as mais prprias para vos fazer concorrer tarefa comum.
84. Na maior parte dos casos, este desenvolvimento comea por fortes estudos. Os estudos so necessrios, com efeito, no somente para o sacerdote e o educador, que exercem a misso de instruir os homens, mas tambm para os religiosos dedicados caridade. Porque no estudamos apenas para educar os outros; trabalhamos tambm para formar nossas almas, para adquirir cincia suficiente a fim de ter prestgio e inspirar confiana, para realar o brilho de nosso estado.
Todo o menino que Deus chamar religio dedicar-se- pois aos estudos. Mas os estudos so custosos; nenhum trabalho pesa tanto como o trabalho intelectual. Nos trabalhos manuais, o organismo se agita, o esforo provm apenas dos msculos, a variedade produz certo interesse. Nos trabalhos intelectuais, o corpo sofre a inao, a vontade padece para se concentrar em um assunto preciso, a memria se aflige para lembrar e conservar os textos necessrios, a monotonia pode gerar o aborrecimento. por isso que vrios meninos perdem coragem: impotentes para vencer as dificuldades do estudo, vo at renunciar sua vocao.
O mesmo no se dar convosco; no tereis medo do esforo que o trabalho intelectual impe.
85. Eis vrios meios para evitar o desnimo.
Em primeiro lugar, fecundai vosso trabalho pela orao. No h nada que devais mais recomendar a Deus como dar-vos luz e fora para vossos estudos.
Diante de uma dificuldade, rezai interiormente: muitas vezes, depois de alguns minutos de orao, a luz penetra no esprito.
Embora tivsseis ainda invencveis obscuridades, no vos deixeis desanimar. O que no entendereis hoje, haveis de entend-lo amanh. Para que inquietar-vos, se vosso esprito tiver menos vivacidade que o do vizinho? Empregai vossas faculdades e Deus estar contente convosco. Faculdades ordinrias, cultivadas com pacincia, do, frequentes vezes, muito melhor resultado do que faculdades brilhantes mal dirigidas.
Os espritos mais ordinrios conseguem infalivelmente bom xito quando trabalham com ordem, calma e constncia. Pela calma evitareis a precipitao: o importante no fazer depressa, mas fazer bem. Um longo trabalho, mal feito, no d proveito: qualquer exerccio aplicado, por mais curto que seja, desenvolve o esprito. Pela ordem e o mtodo fareis cada coisa em seu tempo e achareis tempo para cada coisa. No empreenderei estudos acima de vossas foras; no sareis do programa traado por vossos mestres. Vagarosa e seguramente, seguireis vosso caminho com perfeio. Enfim pela confiana, tereis feliz xito em tudo; alcanareis bom resultado nos estudos e dareis ao vosso esprito todos os conhecimentos profissionais necessrios em vossa misso.
86. Acima de tudo, tratai de adquirir o esprito de reflexo. tima coisa desenvolver a memria, por ser ela um armazm que se deve encher de tesouros. Mas muito mais importante cultivar a inteligncia: a inteligncia trata de explicar tudo, faz jorrar raios de luz entre os objetos de que se aproxima. Tomai a resoluo de compreender tudo nas leituras, nas lies. Notai os pontos em que vos falta luz a fim de pedir esclarecimentos ao mestre.
Se tiverdes a coragem de vencer qualquer inclinao preguia e negligncia, se gostardes de entender tudo claramente em vossos estudos, alcanareis, sejam quais forem vossas faculdades, um valor intelectual que vos tornar poderosssimo nas boas obras.
4. O zelo apostlico.
87. E para que trabalhar tanto? Para ser, na Igreja, um til operrio de Deus. que, em resumo, queremos estabelecer o reino de Deus, e, por este meio, arrancar as almas ao imprio do mal e fazer-lhes ganhar o cu. O pensamento de um fim to sublime deve dominar tudo em nossa vida. para sermos mais teis a Deus e aos homens que nos alistamos no exrcito da religio.
No comeo, a vocao no vos aparecia claramente com esta orientao. A graa de Deus, com efeito, vos transformou pouco a pouco. No princpio atraia-vos pela beleza das cerimnias, pelos suaves encantos da vida religiosa. medida que crescestes, alargou vosso corao e revelou vossas aspiraes. Reconhecereis que ela se tornar todo poderosa em vs quando o zelo apostlico tomar posse de todo vosso ser.
Durante os anos de vossa formao religiosa, abri vossa alma, o mais que puderdes, s sugestes do zelo. Pois que Deus vos amou tanto, podereis recusar de defender-lhe os interesses? Pois que Jesus Cristo deu a vida para nos salvar, como havamos de hesitar em dar a nossa por ele? Estas almas, pelas quais verteu todo o sangue, que Lhe custaram tanto, que o pecado ou o erro Lhe arrebatam cada dia, no quereis trabalhar para ganh-las de novo a Ele? Se tiverdes um pouco de corao, no tereis compaixo de tantos pecadores, que uma corrente fatal leva para a eterna reprovao? A estas almas que vo perecer nas chamas do inferno, no quereis estender um brao salvador?
Quando todas estas perguntas existem em um corao generoso, provocam infalivelmente o zelo apostlico. Tal zelo j existe em vs: rogai a Deus para que lhe avive a chama. Debaixo da ao destes ardorosos entusiasmos, tereis apenas um desejo: Que atos ser preciso fazer para salvar almas?
Que fazer? Oh! a resposta fcil. Em primeiro lugar mostrai-vos cada vez mais digno de vossa vocao: deste modo aumentarei a prosperidade da Sociedade de que sois membro e ela cumprir melhor seu papel apostlico entre os homens. Depois, em vossa vocao, esforai- vos por adquirir um elevado valor intelectual e moral: deste modo, onde estiverdes colocado, deixareis o vestgio de Deus, preparareis a divina colheita das almas para o cu. Agora mesmo, por vossas oraes e por um ardente zelo em vossas relaes, podeis j atingir as almas e desempenhar eficazmente sobre elas vossa misso de apstolo.
III. A CONSERVAO
88. Se a vocao vos parecer de to subido valor, que a estimeis mais do que qualquer tesouro, no ser justo que veleis sobre ela com o maior cuidado? Objeto delicado e precioso, a vocao pode perder-se como um cristal que se quebra, ou como um fruto que se estraga. Alis quem ainda no viu vocaes perder-se? Entre tantas almas chamadas por Deus, quantas, depois de correr com ardor no bom caminho, param de repente no meio de sua belssima vocao?
A vocao se perde de trs modos: s vezes o esprito se extravia em falsas idias, outras vezes o corao se corrompe pelo amor dos prazeres mundanos, enfim a vontade cede debaixo do peso dos deveres. Ensinar-vos a conservar o esprito, o corao e a vontade, ser dar-vos o segredo de preservar vossa vocao.
Quer estejais ainda no mundo, ou tenhais j entrado numa casa religiosa, os perigos so os mesmos, as precaues que vou indicar so igualmente necessrias.
1. Conservar o esprito.
89. Em primeiro lugar, cuidai de vosso esprito e conservai-o so.
Notai bem que so as idias que vos guiam. Se sentistes o desejo de vos dar a Deus na vida sacerdotal ou religiosa, que tivestes uma f viva. Acreditastes em Deus, em Jesus Cristo; pensastes que a salvao a nica coisa necessria neste mundo; por meio de vossa prpria salvao, quisestes arrancar outras almas morte eterna. Persuadido de que Jesus Cristo deve reinar sobre os homens, tomastes a resoluo de alistar-vos como soldado na milcia dEle, para auxili-lO na conquista de todas as almas. Pareceu-vos depois evidente que haveis de ser um melhor soldado renunciando a viver no mundo e abraando a vida religiosa. Enfim a comunidade em que viveis vos pareceu ser o melhor meio de alcanar este fim to desejado.
No ser esta, toda a srie de vossos raciocnios? Estas idias, fortemente ligadas umas s outras, no formaro a base inabalvel na qual descansa o edifcio de vossa vocao?
90. Imaginai agora que estas idias desapaream uma depois de outra, com que coisa ficar? Imaginai que algum vos inspire para com os superiores e a comunidade uma desconfiana e uma suspeita que resfriem ou apaguem vossas simpatias; imaginai que os sacrifcios religiosos vos apaream logo como inteis, contrrios natureza, acima das foras humanas; imaginai em seguida que a vida no sculo vos parea muito mais razovel e vos solicite por atrativos mundanos; enfim imaginai que a raiz mesma da f seja atingida pela dvida e hesiteis sobre o prprio valor de vossas primeiras crenas. Que poder ficar de vossa vocao? Depois de ter sido solapada pela base em tantos assaltos sucessivos, no h de desmoronar-se como, uma casa da qual se destruram os alicerces?
91. E como tal trabalho de destruio poder operar-se? Debaixo da dupla influncia das conversas demasiado livres e dos livros perigosos. lentamente, de modo quase imperceptvel, que o trabalho fatal se realiza: comeado pela palavra envenenada de falsos amigos, consome-se pelo mau livro.
No comeo, emitem-se queixas, crticas em vossa presena. Como nenhuma coisa humana perfeita, em breve estais descobrindo reais defeitos nos homens que vos cercam, verdadeiros inconvenientes na vida que abraastes. Se o fervor no vos conservar, haveis de vos extraviar em um caminho pssimo. Em breve, cessareis de ver as qualidades dos homens e as vantagens das instituies para notar apenas as fraquezas. Chegar o momento em que vs tambm criticareis, queixar-vos-eis.
No comeo, vossas palavras iro mais longe do que vossos pensamentos e sentireis algum pesar no fundo do corao; mas, pouco a pouco, vossas idias harmonizar-se-o com vosso corao e pensareis at mais do que ousareis dizer. Ento, vir o tempo dos desnimos: quando a vontade no segue mais o dever, o esprito cessa de estim-lo. Volvendo o olhar para o mundo, v-lo-eis sorrir e chamar-vos. Quantas idias de aventuras atravessam a cabea nas horas de relaxamento!
As sugestes dos falsos irmos e da tibieza, viro unir-se as dos livros perigosos. O livro , com efeito, o companheiro do homem que est aborrecido; mas no aborrecimento causado pela tibieza, no o bom livro que agrada; os livros religiosos parecem enfadonhos. Procuram-se livros mundanos. s escondidas, ento, bebe-se com avidez nestas fontes envenenadas que estragam, ao mesmo tempo, o esprito e o corao. Se o corao somente estivesse atacado, haveria meio de cur-lo; mas ser possvel curar as doenas do esprito? No meio dos livros modernos, h uma tal atmosfera de incredulidade, que uma alma j enfraquecida no pode respirar este ar meftico sem perder a vida da f!
Vosso lugar, desde ento, no mais no seminrio ou no noviciado. Parai: ir mais adiante seria um odioso sacrilgio e irreparvel desgraa. O verme roedor estragou todas as razes; a rvore da vocao fenece seca e morre por falta de seiva. Deixai-a cair.
Esta lamentvel histria, por acaso, ser a vossa jovem amigo? Espero que no; ao menos estais querendo o contrrio. Como preservar-vos? Pela fuga dos primeiros ataques do mal. Preservai-vos dos falsos amigos que criticam: suas bocas destilam o mais mortfero veneno. Preservai-vos dos livros no aprovados por vossos superiores e que no podeis ler diante de todos: nestes caminhos escuros e retirados esto escondidas mil ciladas contra vossa vocao.
1. Conservar o corao.
92. O corao precisa ainda de mais vigilncia do que o esprito. Encontram-se certas vocaes que experimentam poucos assaltos do lado do esprito; mas no h nenhuma que no sofra grandes provaes do lado do corao. Conservar o corao significa conservar a pureza. Quanto mais cara for a santa virtude para vs, tanto mais zeloso sereis para preservar vosso corao de toda mancha.
Precisareis que algum vos explique o que para vs a virtude da pureza? No ela a condio mesma de vossa vocao? Se no quiserdes dedic-la a Deus, se no estiverdes com a resoluo de guard-la intacta durante toda a vida, se no puderdes conter-vos, no entreis em religio, no faais voto de castidade perfeita: no mundo em que vivereis, vossos sentidos no sero acorrentados de modo to rigoroso, o estado do matrimnio ser remdio concupiscncia. Mas estai com vontade de deixar o mundo, custe o que custar querei pronunciar e observar os votos sagrados de religio sede ento perfeitamente resolvido a guardar a mais estrita, a mais completa castidade de atos e de desejos.
Esta anglica pureza, a honra e o ornamento dos padres e dos religiosos, uma prola preciosa que levamos em um vaso de lodo. Com a menor facilidade ela toca o vaso e perde o brilho, razo pela qual no se conserva seno custa dos cuidados mais vigilantes. Prometer a castidade por um voto e depois acreditar que esta virtude se conserva sozinha, expr-se a perd-la; uma vez prometida, precisa ser guardada com a mais constante solicitude.
93. Mas que fazer para conservar o corao ao abrigo de qualquer mancha? Abster-se, ao mesmo tempo, dos atos que o sujem e dos atos que o enfraqueam.
o pecado de impureza que suja o corao. Este desgraado pecado pode consistir tanto em atos interiores como em atos exteriores. O hbito de pensar com gosto em ms imaginaes ou de tolerar desejos carnais, mata a alma do mesmo modo que o hbito de procurar criminosas satisfaes no exterior.
No acrediteis que sereis isento de tentaes. As almas mais puras so tentadas: com muito maior razo, se j pecastes, haveis de ser violentamente batido pelas tempestades das baixas paixes. O que preciso obter, mesmo ao preo dos maiores esforos, custem o que custarem, a primeira vitria a ganhar contra vs mesmos, no de no experimentar a tentao, mas de no sucumbir tentao. Para conseguir este resultado, revelai tudo a vosso confessor: dizei-lhe todos os casos duvidosos para que no fiqueis com a conscincia ansiosa; dizei-lhe mesmo as tentaes s quais no sucumbistes. Auxiliado por ele, amparado pela graa de Deus, fortificado por uma energia maior na vontade, chegareis ao ponto de no pecar mais. medida que se aumentar o tempo de vossa fidelidade, crescer tambm a facilidade da vitria. No comeo, trs meses passados sem pecado sero um princpio de virtude: em breve, um ano sem culpa vos dar a esperana da perseverana; depois de muitos anos de vida pura, podereis acreditar que o corao no ser mais atacado.
94. Tudo isto debaixo de uma condio importante: que preservareis vosso corao de tudo quanto o enfraquece. No h virtude, por mais forte e provada que seja, que possa resistir com os imprudentes. Aquele que se expe ao perigo, h de perecer. Ora, enfraquecer o corao arroj-lo no perigo.
Que coisa enfraquece o corao? Qualquer prazer sensual. A mortificao o fortalece e conserva; o prazer sensual o debilita e desarma.
No falo aqui de todos os prazeres; porque o homem no pode viver neste mundo sem gozar de algum modo. Mas o religioso que consagrou o corao a Deus, no deve aceitar seno os gozos elevados e recusar todos os prazeres baixos. Notai que no entendo aqui os gozos vergonhosos que so j por si mesmos verdadeiros pecados: falo de gozos inofensivos em si mesmos, mas que criam um perigo real para um corao dedicado pureza perfeita. Eis alguns exemplos.
Nada mais necessrio do que beber e comer.
As privaes neste ponto no trazem muita vantagem para a virtude: porque poderiam tornar algum incapaz de trabalhar sem garanti-los de tentao alguma. Mas um organismo alimentado com demasiada abundncia e delicadeza torna-se depressa um escravo revoltado cujas paixes se reprimem com extrema dificuldade. Tomar apenas uma alimentao moderada, abster-se de qualquer licor e bebida alcolica ou excitante, eis, no h dvida, excelentes meios para conservar a virtude em segurana.
95. Do mesmo modo, o sono indispensvel: a no ser que haja uma disposio particular, aprovada pelos Superiores, as viglias prolongadas devem ser proibidas ao religioso. Mas igualmente o sono deve ser moderado: o levantar pronto de manh, a luta contra qualquer sono durante o dia, a virilidade no porte, mesmo na vida privada, eis ainda excelentes meios para conservar a alma ativa e disposta para lutar contra a tentao.
96. Os prazeres da vista contam entre os mais perigosos atrativos do mal: por estas janelas da alma, a tentao penetra com extrema rapidez. Quem quiser preservar seu corao, deve conservar vistas modestas, porque sobretudo pelas vistas que o corao se cativa. Se tiverdes cuidado de vossa virtude, no deixareis as vistas demorar-se em quadros pouco decentes, em pessoas de sexo diferente: no procurareis na leitura de livros apaixonados, como os romances, um perigoso alimento para vossa imaginao.
97. Enfim, a prpria amizade, to nobre em si mesma, to elogiada pelo Esprito Santo na Sagrada Escritura e pelos maiores Doutores da Igreja, tem uma contrafao de que ningum se pode preservar com bastante cautela. Tal contrafao tem igualmente o nome de amizade; afim de no ser confundida com a verdadeira e virtuosa amizade, recebe muitas vezes o nome de amizade particular. apaixonada, inquieta e agitada, baseia-se nas feies exteriores da fisionomia ou no timbre da voz, procura as satisfaes sensuais das conversas ntimas, dos olhares lnguidos, dos apertos de mo. um flagelo para as almas que devasta e para as comunidades que divide e escandaliza. Nenhum gozo mais pernicioso; se no der a morte, depe na alma os germens mais mortferos. No vos admireis de experimentar os primeiros indcios de to grande mal: coisa demasiado humana para serdes totalmente isento dela. Mas renunciai sem hesitar a todas as relaes que teriam para vs este carter de sensualidade.
Graas a esta vigilncia, vosso corao no ficar ressequido, mas apenas bem conservado. Podereis ter o corao na mo para extrair dele tesouros de dedicao; ao mesmo tempo tereis a mo no corao para que nada vo-lo arrebate.
Conservar a vontade
98. A vontade a sentinela que vigia na porta do esprito e do corao: tudo em vs estar em segurana, vossa vocao ser preservada de qualquer perigo, se a vontade permanece fiel a seus deveres.
O que caracteriza uma vontade a coragem que de nada se amedronta, a energia que nada cansa, a perseverana que nada faz parar, a firme retido que nada faz desviar. Um homem conserva sua vontade quando nunca cede debaixo do peso das dificuldades.
J estais convencido que uma vontade forte vos necessria, porque a vida um longo caminho a percorrer, porque este caminho spero e montuoso, porque muitas causas se renem para esgotar as foras e suspender a marcha.
99. Trs causas principais contribuem para enfraquecer a vontade: o cansao, o aborrecimento e o desnimo. Aprendei a combater estes trs perigos.
Primeiro, o cansao. No comeo, tendes muito entusiasmo, experimentais as alegrias do fervor, estais arrastado pela prpria novidade deste gnero de vida. Em breve, no sentireis mais nada: a brisa que enfunava a vela de vossa embarcao, h de cessar; no podereis ir para diante seno a poder de remos. Ento experimentareis um sentimento de fadiga; os dias vos sero pesados, o trabalho vos parecer duro, o horizonte do futuro se apresentar triste, despido de qualquer atrativo. Que grande tentao tereis de sustentar! Para que ir mais adiante, direis, pois que j estou sem foras?
No vos deixeis abater por esta impresso. Contentai-vos em considerar o dia de hoje: no podeis continuar at a noite? que fora ser necessria para andar mais estes poucos passos? Cada manh, tomareis de novo o fardo do dever, apenas por um dia: para o futuro Deus h de prover: A cada dia basta sua pena.
Conta-se que um religioso, violentamente tentado de abandonar o mosteiro, tomou a resoluo de adiar sempre para a manh seguinte a execuo deste desgnio. Conseguiu por este meio enganar o tentador: quando prouve a Deus cham-lo ao cu, estava sempre na vspera de sair.
100. O aborrecimento o veneno da alma. O aborrecimento, tambm chamado saudade, que toda a gente conhece sem poder defini-la, o sentimento de uma alma que tem a impresso de viver no deserto, de no se afeioar a ningum pela amizade, de estar to vazia e desolada no interior como est abandonada no exterior; parece-lhe que como um navio sem bssola, sem leme e sem velas, feito joguete das ondas... , sobretudo nas horas de aborrecimento que a vontade cede, que a alma se deixa estragar pelo pecado, que a vocao se perde.
Na crise aguda do aborrecimento, lanai-vos nos braos de Deus e de Maria Santssima pela orao e repeti esta mxima cara aos santos: Deus s me basta! Para curar a triste tendncia ao aborrecimento, eis dois meios. Em primeiro lugar, tende ordem em vossa vida, de modo que nunca estejais entregue ao acaso: estareis com Deus, com vossos trabalhos ou com os homens, mas nunca estareis sozinho. Uma regra religiosa bem observada no deixa nenhum lugar ao aborrecimento. Depois, sede simptico, afvel, no tenhais nada de selvagem e de esquivo em vossos modos, de sorte que tenhais verdadeiros amigos nos irmos que vos cercam: como tereis coraes para expandir o vosso, no sofreres muito da superabundncia de sentimentos; como tereis coraes que de vez em quando se derramam no vosso, nem to pouco sofrereis de esterilidade.
101. Do aborrecimento nasce muitas vezes o desnimo. Contudo, o mau xito a causa mais ordinria do desnimo. Caem-se no desalento porque no se consegue vencer depressa o pecado, corrigir logo os defeitos, ornar prontamente a alma das virtudes religiosas. Camos no desalento quando temos mau xito nos estudos, quando os colegas nos excedem em talentos e virtudes, quando no entendemos o que o professor explica. Camos no desalento quando estamos abandonados, quando imaginamos que somos desprezados, quando algum nos contradiz em nossas mais queridas empresas. Pobres almas desanimadas! Causam-me grande piedade! Sofrem tanto! Apesar disso, todas suas foras se esgotam em pura perda como as guas de um canal rachado por toda a parte. Que deveis fazer si o desnimo vos oprimir um dia? Em primeiro lugar, continuai com pacincia o trabalho de vossa formao: no em um dia s que podeis ser perfeito. Um ato de vontade muito enrgica pode originar em vs uma ao herica; mas no pode, em um instante, desarraigar vossas ms tendncias e desenvolver bons hbitos. As virtudes crists crescem, como as plantas, lentamente, sem que a vista perceba o movimento da seiva interior. Resignai-vos a sentir-vos ainda cheio de defeitos: mas rezai e trabalhai. Alis, Deus no exige que sejais perfeitos: exige que trabalheis continuadamente para s-lo um dia.
Quanto aos estudos, a aplicao que se exige e no o feliz xito imediato. No vos queixeis mais de no ter elevadas faculdades: porque Deus no vos pedir contas seno dos meios que vos deu. Tende apenas a peito desenvolver todos os talentos que recebestes. Com talentos medocres, mas assduo trabalho, h sempre bom xito. Em todo caso, o bom xito depende, em definitiva, da bno de Deus: ora, Deus vos abenoar e fecundar todos vossos atos, contanto que depois de trabalhar com todas as foras, fiqueis muito humilde e muito resignado na dependncia dEle.
Enfim, tende a alma bastante grande, a f bastante viva, para que os encorajamentos humanos no vos sejam necessrios, para que a convico de ter cumprido o dever e servido o divino Mestre de todas as foras vos seja mais valiosa do que qualquer aprovao humana. Entrai no ntimo de vossa alma, e escutai sinceramente a resposta de Deus: si Ele vos disser que est satisfeito com vossos esforos, que fizestes o que pudestes, contentai-vos com tal afirmao. Um dia vir em que sereis mais perfeitamente conhecido, em que vosso trabalho ser mais justamente apreciado, em que vossos esforos sero elogiados: por enquanto, a contradio dos homens um estmulo que vos excita a proceder melhor ainda, e no uma barreira que vos tranque o caminho. Sofrei pois com resignao, esperai em Deus, o qual contempla vossos esforos, mas no cesseis de trabalhar por Ele.
CONCLUSO
102. Conheceis, jovem amigo, o que o Evangelho refere dos Magos do Oriente que vieram em Belm para adorar o Menino Jesus.
Uma estrela brilhou no cu. Ao redor deles talvez ningum a reparasse. Reconheceram-na eles, porm, como o sinal do Deus e disseram uns aos outros: o sinal do grande rei: vamos oferecer-lhe nossos presentes. Com efeito, seguiram a estrela que os guiou at o prespio onde repousava o Menino Deus: Ali, entraram em casa, prostraram-se aos ps de Jesus e Lhe ofereceram seus tesouros, ouro, incenso e mirra.
Jesus, uma vez descoberto e adorado, voltaram eles para sua terra seguindo caminhos novos, e a tradio conta que perante seus concidados foram os primeiros apstolos do Evangelho.
Toda vossa prpria histria se resume nestas poucas palavras.
Vistes no cu brilhar a estrela do grande Rei. Vossos amigos no perceberam a mesma luz, porque Deus no concedeu a todos semelhantes privilgios. Por uma graa especial, o astro divino feriu-vos as vistas, a voz divina ressoou at vosso corao e dissestes: Seguirei a estrela e irei at os ps do grande Rei que me chama. E desde ento resolvestes fazer as primeiras tentativas para satisfazer o imperioso dever de vosso corao. Agora que encontrastes Aquele que a estrela designava, agora que estais aos ps do Cristo Jesus, agora que estais seguro de vossa vocao, abri todos vossos tesouros; dai tudo: o esprito, o corao, a vontade, o prprio corpo; Deus gosta de possuir todas vossas faculdades; quer t-las todas para empreg-las na mais bela das causas. Durante o perodo da formao, sede totalmente entregue graa de Deus.
E depois de conhecer e adorar o Rei Jesus, depois de Lhe dar tudo, depois de aprender os segredos e experimentar a poderosa ao dEle, ireis, por caminhos novos, preg-lO entre o povo. Nestes labores do apostolado, longe das douras inefveis do primeiro encontro com Jesus, trabalhareis sem cansao, sem desnimo.
Enfim na extremidade do caminho que seguireis sem vos desviar para um lado nem para outro, encontrareis o Mestre, que estar a vossa espera e Lhe direis: Senhor Jesus, agradeo- Vos por me terdes chamado e preferido a tantos outros que valiam muito mais do que eu. Por vossa graa percorri at o fim a spera senda do dever; remeto-Vos meu esprito que guardou Vossa f divina, meu corao que guardou Vosso puro amor, minha vontade que guardou Vossos mandamentos; comigo, apresento-Vos a colheita de almas que reuni ao longo da estrada e, por causa delas, suplico-Vos que me recebais em vossa misericrdia. E Jesus responder-vos-: Bom e fiel servo, entrai na alegria de vosso Mestre.
Histria de uma vocao
103. Jorge tinha doze anos quando foi obrigado a deixar a escola.
Acabava de passar com boas notas nos exames do ltimo ano de sua escola. Com mais um ano de trabalho, havia de ser, segundo o parecer dos mestres, o moo mais instrudo da cidadezinha onde nascera.
Porque o Snr. nos deixa to cedo? lhe perguntou o Irmo que lhe dava aulas. O Snr. no gosta de nossa companhia? No estaria contente de estudar ainda?
Em lugar de resposta, Jorge abaixou timidamente a cabea; grossas lgrimas lhe borbulhavam nos olhos. Estava com o corao muito apertado para proferir palavra alguma.
104. Se gostava da escola!... Se estava contente de estudar!... Quem podia duvidar disto?
Nunca menino algum foi mais assduo s aulas. Sempre escutou com a mais sria ateno as lies dos Irmos. Seus cadernos estavam limpinhos, caprichados, escritos com esmero. As emendas vermelhas, a indicar os erros de clculo ou de ortografia, eram rarssimas atravs as pginas. Eram os trabalhos de Jorge que o Irmo mostrava aos visitantes, no sem algum orgulho, para lhes dar uma idia do cuidado dos alunos. Mas Jorge tinha mais zelo ainda para conservar a pureza da alma. Ele, to acanhado, tornava- se um leo indomvel quando se tratava de evitar o mal. Os maus companheiros jamais obtiveram coisa alguma com ele. Logo que uma palavra ruim se pronunciava diante dele, Jorge afastava-se, de aspecto triste. No comeo, alguns fizeram chacota de sua reserva; mas era to bom colega, ganhava lugares to distintos que todos acabaram por respeitar-lhe a delicadeza de conscincia. Por isso que muitas vezes, durante o recreio, os alunos diziam: Olhem! Jorge vem aqui; silncio; falem de outra coisa.
105. Ao perd-lo, o Irmo perdia seu melhor aluno.
Para todos os condiscpulos, Jorge era um modelo de trabalho, de docilidade, de virtude e de piedade.
Foi por isso que o Irmo insistiu com a famlia.
Este menino, disse ele, ainda muito criana para ser um bom operrio. Seus msculos e ossos ainda no esto formados: como poder erguer o martelo e bater por sua vez no ferro da forja? E ento que vantagem haver em interromper-lhe os estudos? Tiraria tanto proveito de mais um ano de estudo!...
O Irmo falou em pura perda.
A me pensava do mesmo modo. Quantas vezes no tinha exprimido o desejo que o filho pudesse continuar os estudos! Mas ela no tinha direito de mandar: diante da vontade formal do pai, seu papel era ficar calada.
106. Trs anos antes, a me ganhara importante vitria. Jorge frequentava ento o grupo escolar. Ela obteve que entrasse na escola dos Irmos.
Olhe, dissera ela ao marido, olhe que este menino nada aprende de religio. A idade da Primeira Comunho vem logo. Vai faz-la sem saber o que . O. Snr. poder pr Jorge onde quiser mais tarde; mas agora deixe-me p-lo com os Irmos: estou certa de que, com eles, aprender a ser um bom cristo e tambm um honesto cidado; aprender a amar a Deus e tambm aos pais.
Falara com tanta firmeza que o pai cedera.
Mas desde aquele tempo, quanto no sofreu este?
No restaurante, muitas vezes os compadres lhe diziam: Ento, voc virou carola?... Voc ps o rapaz no convento?... Vai aprender muita coisa com os padres?... Ento, Voc deixa a mulher e os padres mandar l na sua casa?...
107. Tais conversas rasgavam at o fundo o corao do operrio ferreiro. Contudo, no queria retirar a palavra dada mulher. Alis, o menino estava to bem, aprendia tantas coisas, mudara tanto desde que ia para a nova escola!...
No fundo, o intratvel ferreiro pensava como a mulher. Educado cristmente, no perdera todos os sentimentos religiosos da infncia que estavam como que cobertos e abafados por modos factcios que contrara nas oficinas. Aos dezoito anos perdeu todas as prticas religiosas e no ps mais os ps na igreja. O domingo, no restaurante, fazia de fanfarro e ningum falava com mais vivacidade do que ele contra os padres e os frades. Na opinio dele, todos mereciam a forca. Imprudente, mentia-se a si mesmo e mentia aos outros quando estava meio tonto pelas bebidas. Porque, em resumo, era uma boa alma.
Depois de sofrer durante trs anos os escrnios e as zombarias dos companheiros, resolveu mandar de novo em casa e retirou o filho das mos dos padres.
108. Alis, o pobre homem j notara certos sinais. Seu filho era muito melhor de que todos os outros meninos da mesma idade; mas achava-o bom de mais.
No que Jorge lhe parecesse demais respeitoso, demais amoroso pela famlia; mas mostrava tanta piedade, tanta modstia!... Se viesse a ser padre!...
Tal idia fuzilou como um relmpago na mente do ferreiro. Em poucos dias cresceu at encher-lhe toda a alma. A imaginao lhe fantasiava mil quadros que o irritavam de dia e de noite.
Que diriam os amigos, se um frade viesse a sair de sua casa? J tivera tanta dificuldade para dar uma explicao a respeito da escola clerical! No era pois sincero quando professava tanto desprezo pela gente de igreja, porque, se no gostava deles, como que seu filho podia aprender a am-los?... Para acabar de uma vez com tantas reflexes, o melhor era, de certo, prever o mal e atalh-lo. Se por acaso algumas idias religiosas tivessem entrado na cabea do filho, em pouco tempo seriam dissipadas no duro trabalho da forja e no convvio de companheiros que no eram nada carolas... Assim raciocinava nosso homem. Obrigando o filho a ficar em casa, pensou achar sossego. Mas contava sem um terrvel adversrio. Era com o prprio Deus, com efeito, que disputava a alma do filho. Na luta que se iniciava, qual seria o vencedor? Se o pai podia segurar o filho exteriormente, Deus tinha o poder de toc-lo e prend-lo interiormente.
109. O ferreiro no se enganara. Alguma coisa estava se passando na alma do filho.
O que se passava nele, Jorge no o reparara enquanto ia para a escola. Gostava de seus mestres, era feliz na companhia deles; acompanhava com o mais vivo interesse todo o detalhe da vida deles e invejava muitas vezes a venturosa existncia deles. Nunca estava mais atento do que durante a liozinha de moral que dava o Irmo. Um dia o Irmo coutou a histria de sua prpria vocao, Jorge foi profundamente comovido, e um sobressalto inexplicvel lhe tinha abalado o corao.
s vezes, meio gracejando, o mestre perguntou aos jovens alunos se no gostariam de entrar no clero ou no Instituto dos Irmos. Sorriram e responderam: Certamente que no!
E porque isso? continuou o Irmo.
Porque no brincadeira ser Irmo e dar aulas!
No uma brincadeira! Esta palavra vexou a alma delicada de Jorge. No fundo do corao, teve outra resposta a ss consigo:
Se no uma brincadeira, ao menos belo. Estaremos neste mundo para brincar? No estamos aqui para trabalhar? E pois que preciso trabalhar, no ser melhor tomar o trabalho mais nobre? Que ofcio poder dar tanta felicidade durante a vida, mais tranquilidade na hora da morte, como o de Irmo educador? Os Irmos, sem dvida, trabalham bastante; mas como eu gostaria deste trabalho!
110. Estas coisas, Jorge as sentia com intensa vivacidade, mas era incapaz de traduzi-la por palavras. No brilho de seu olhar inflamado, teria sido fcil ler o fundo de seus pensamentos. O Irmo adivinhara o que se passou no menino; mas, por discrio no lhe falou nada.
Contudo tais aspiraes no seriam por acaso meras iluses? Poderia jamais, ele, o filho de um ferreiro anticlerical, tornar-se religioso e servo militante da Igreja? Assistira, como triste testemunha, a tantas cenas de famlia! Tantas vezes ouvira o pai declamar em violentas cleras contra todos os padres! Custou tanta pena me para obter que ele frequentasse a escola catlica! Que havia de acontecer se o pai percebesse no filho alguns desejos de vida religiosa?
Jorge, portanto, no disse nada, nem em casa nem na escola. O confessor, que lhe notava toda a candura da alma e toda a energia do carter, interrogou-o um dia: o menino nada respondeu. O grmen da vocao estava no seu corao, mas ainda to pequeno que ele mesmo no o reparava nitidamente.
111. Vestiu portanto as roupas do aprendiz operrio e comeou a trabalhar na forja do pai. Tomou primeiro a corrente do fole, atiou o fogo: e, enquanto ali estava, nunca a chama baixava por falta de ar, sempre o ferro estava branco e pronto a amoldar-se debaixo do martelo do ferreiro.
Em pouco tempo Jorge veio a ser um aprendiz modelo. Trabalhava de bom grado sem que fosse preciso amea-lo. Quando ficava sozinho na oficina, arrumava as ferramentas, preparava o trabalho do dia seguinte. Quando estava com os operrios, fazia-se o ajudante de todos, dava os recados deles, mostrava-se servial, obsequioso para com todos. Muitas vezes substitua um ou outro, de tal modo que em poucos meses conheceu todos os ramos do ofcio. Seus braos estavam ainda muito fracos para os trabalhos penosos, mas j possua toda a cincia de um bom operrio.
Todos gostavam de um aprendiz to diligente e amvel. Faziam dele apenas uma queixa: se era muito amvel durante o trabalho, era muito selvagem e esquivo uma vez o servio acabado.
De noite e nos domingos, em lugar de frequentar os jovens aprendizes de sua idade, vivia sozinho. Debalde foi convidado s partidas de prazer, aos jogos, passeios, cinemas e outras diverses: recusou tudo obstinadamente.
112. Ao lado de sua vida laboriosa de aprendiz, Jorge criou-se uma vida intelectual e religiosa. Amigo dos livros, consagrava leitura a maior parte dos tempos de folga. A biblioteca dos Irmos, depois a do Vigrio, leu tudo. Entre todos os livros, os que mais lhe agradavam eram as Vidas dos santos. Os santos dos primeiros sculos provocavam-lhe a admirao pelos rigores da mortificao e o brilho dos milagres. Nos santos modernos, admirava o zelo pela salvao das almas e a ousadia das empresas apostlicas.
Na escola dos santos e debaixo da ao da graa divina, operava-se nele um trabalho interior que ningum suspeitou no comeo. Parecia muito retirado; mas ningum reparava todo o alcance das mudanas efetuadas nele. Foi s depois de dois ou trs anos que se distinguiu bem a enorme distncia que o separava de todos os moos de sua condio.
Tudo se desenvolvia ao mesmo tempo no jovem operrio. A leitura assdua abria-lhe a inteligncia e lhe enriquecia a memria. Seu afastamento das sociedades ruidosas punha-o ao abrigo dos perigos onde se perde de ordinrio a inocncia dos costumes. Pela orao e a frequentao dos sacramentos, a vida da graa se conservava e crescia nele.
113. Nada mais favorvel que tal existncia para a germinao da preciosa semente da vocao. Intensas aspiraes religiosas no tardaram a nascer na alma de Jorge. O que desejava vagamente ao sair da escola, chamava-o agora com os mais ardorosos votos. No comeo, o feliz destino lhe apareceu muito longe, como no meio de uma nuvem remota: saiu pouco a pouco das sombras e com o tempo revelou-se a Jorge no seio de uma brilhante claridade.
Hei de ser professor religioso, se dizia ele consigo mesmo, e hei de ensinar aos meninos de minha escola os meios de conhecer e servir a Deus.
Tal resoluo, fruto de um longo trabalho interior, Jorge revelou-a s no fim. Vrias vezes o vigrio da parquia e o Irmo da escola lhe fizeram perguntas a este respeito: porque era evidente que este menino no podia seguir a via comum. Jorge deu sempre respostas evasivas. Apenas deixou que a me lhe adivinhasse o segredo ntimo, por meio de raras palavras misteriosas que ele lhe disse de vez em quando.
Queria estar seguro de si mesmo antes de declarar seu intento. Tambm que imprudncia no seria provocar sem motivo a clera do pai! Uma palavra pronunciada muito cedo podia comprometer tudo. Jorge sentia perfeitamente a tempestade que havia de rebentar no dia em que pediria licena para sair. No escondia os seus pensamentos, mas permanecia calado, aguardando uma ocasio para os revelar.
114. Um dia raiou, porm, em que o chamado de Deus foi mais insistente e a inclinao do corao mais irresistvel. Jorge tinha dezesseis anos.
Era ento hbil operrio. Viera o momento de viajar, de visitar as grandes cidades a fim de exercitar suas mos nos trabalhos mais complicados de importantes manufaturas. Iria ele realizar esta viagem? No teve a coragem de resolver-se a isto. Era tambm a hora de entrar para o noviciado.
ento que falou s claras e explicou todos seus desgnios a seu confessor e ao Irmo da escola. Com este, teve longas e frequentes conferncias. Queria conhecer todos os detalhes da vida religiosa e estar a par das menores provas que o esperavam. Quanto mais o irmo falava, tanto mais se inflamavam os desejos de Jorge. Alis seu confessor lhe disse em termos categricos: Meu filho, Deus o chama; o Snr. tem todos os caracteres de uma boa vocao; v para diante; no hesite.
Com efeito, que coisa podia faltar-lhe? Era inteligente e nunca deixou de cultivar seu esprito; depressa havia de acabar os estudos necessrios a um bom professor. Sua vida no meio do mundo era semelhante de um solitrio; apenas viu o mal que logo concebeu a maior repugnncia por ele e consagrou todos os esforos para andar somente nos puros caminhos da virtude.
Pois bem, coisa decidida; Jorge h de ser religioso.
Mas como desprender-se? Como obter o consentimento do pai?
115. Com efeito, este era o maior obstculo; parecia impossvel que barreira to insupervel pudesse jamais remover-se para deixar passagem vocao de Jorge.
Alis, o ferreiro, muitas vezes, tinha observado o filho. Foi com grande desgosto que o viu tomar modos to piedosos. No comeo, no ousou contrari-lo, sobretudo porque Jorge era o modelo mais perfeito dos bons filhos e dos jovens operrios; deixou-o portanto frequentar os padres e praticar suas devoes. Mas no restaurante ouviu muitas caoadas a este respeito.
116. Onde vai seu filho? lhe perguntavam os outros operrios; estar ele ainda no meio dos carolas? Irritado por estas e outras palavras de escrnio, tratou de arredar o filho da igreja e das rezas. Nunca, porm, se atreveu a dar-lhe uma proibio formal; mas quantas vezes queixou-se e repreendeu ao filho porque no era como os outros moos!...
O melhor modo de acabar com tudo isso, pensava ele, era mandar o filho para longe; o melhor modo de corrigi-lo era envi-lo percorreras grandes cidades. Foi debaixo desta impresso que uma viagem atravs o pas foi decidida. O ferreiro deu oito dias ao filho para preparar tudo e comear a nova e aventurosa vida, longe do teto paterno.
Depois de oito dias de reflexo, depois de tomar conselho dos que podiam gui-lo, depois de revelar todos seus desejos me, na manh de um domingo, Jorge escreveu ao pai a carta seguinte:
117. Bondoso e querido pai, Peo-lhe respeitosamente a bno. Nunca lhe desobedeci. Na oficina e em casa, fiz-lhe sempre, como o Snr. sabe, todas as vontades. No hoje que vou comear a desobedecer. Mas antes de empreender a longa viagem que o Snr. me ordena, tenho obrigao de revelar- lhe, como filho respeitoso e cheio de afeio, quanto esta viagem me repugna. No o trabalho que me espanta, porque posso, tanto como qualquer um, ganhar a vida. Nem to pouco estou com receio dos maus companheiros das grandes cidades, porque Aquele que me protegeu aqui, tem o poder de me conservar igualmente em qualquer lugar. Vou descobrir-lhe todo meu corao, at o fundo. Desde quatro anos, sem nunca porm ter tido a coragem de confess-lo ao Snr., nutria em minha alma um desejo ardentssimo, que no me mais possvel deixar de satisfazer. Vejo que Deus est me chamando para servi-lO no Instituto dos Irmos que me formaram. Para mim o mundo nada vale; estou cada vez mais aborrecido nele; no meio do meu trabalho, estou sempre pensando na felicidade de estudar, de ensinar aos meninos, de ganhar almas a Deus. Se eu soubesse, Pai muito afeioado, que isto me impedisse de querer bem ao Snr., minha vocao me seria muito dura. Mas alguma coisa me diz no corao que, em religio, hei de am-lo mais do que no mundo, hei de servi-lo mais utilmente do que no mundo. Rogo a Deus para que fale ao paternal corao do Snr. e o incline a me tornar feliz para sempre. Seu filho muito respeitoso e muito amoroso que lhe beija as mos, Jorge.
118. Foi no restaurante que o ferreiro leu este bilhete. Pareceu-lhe que o raio lhe casse aos ps. Os compadres notaram logo que tinha qualquer coisa, porque no falava, estava triste, fizeram-lhe perguntas, mas debalde: como teria conseguido explicar o que se passava em casa? Permaneceu tristonho at que as bebidas alcolicas lhe restitussem a jovialidade ordinria.
De noite, voltou muito tarde, sem dizer palavra alguma mulher nem ao filho. Nos dias seguintes, ia para a oficina, mas trabalhava sem pensar no que estava fazendo: tinha o esprito entretido longe do servio.
Que fazer? Permitir a Jorge que seguisse o atrativo da vocao, no o podia; que diriam todos os companheiros? Passar-lhe uma descompostura, dirigir-lhe palavras amargas? No o queria, pois no era Jorge o melhor dos filhos? Obrig-lo a partir longe da casa? No podia mais aceitar isto, porque seria despedaar o corao de Jorge.
Nestes apuros, resolveu ficar calado e esperar. No disse a Jorge nem uma palavra da carta que acabava de receber; de seu lado, Jorge, apesar de muito ansioso, no se atrevia a solicitar uma resposta. Com este mal-estar que acabrunhava toda a famlia, decorreram seis longos meses. Jorge multiplicava as oraes a Deus e mostrava-se cada vez mais carinhoso, mais delicado para com o pai. Pouco a pouco, fez-se alguma mudana no esprito do ferreiro. Estava ainda taciturno, meditabundo; mas frequentava menos o restaurante; a vida de famlia lhe agradava mais.
Um dia, ele disse mulher:
No sei o que os padres fizeram a Jorge; creio que no poderemos fazer dele um ferreiro; diga-lhe que pode ir para o convento, se ele quiser...
Jorge, avisado, vem ter com o pai, abraa-o com efuso para agradecer-lhe, depois fica em longa conversa com ele...
118. Dois anos mais tarde, depois de brilhantes estudos e um fervoroso noviciado, Jorge pronunciava os votos de religio diante dos santos altares e recebia um destino para a nobre misso de educador.
Debaixo do nome de Irmo B..., d aulas a quarenta e poucos meninos. Gosta deles e todos lhe querem bem. No meio da alegre meninada, vive dias felizes.
Por um sem nmero de cartas com a famlia, pouco a pouco conseguiu mudar as idias do pai. Quando os operrios vizinhos encontram o ferreiro e lhe perguntam a queima-roupa, no sem um pouco de malcia:
E seu carola de filho, como vai?
Responde logo e sem respeito humano:
Jorge vai muito bem. Era bom operrio, podia fazer fortuna, ganhar muito dinheiro e arranjar-se todos os prazeres da vida. Preferiu viver pobre; ele gosta da rude profisso de professor; mas mesmo assim estou muito contente, porque trabalha em benefcio dos filhos dos operrios.