4 - Introducao A Museologia Social CPF - Sesc PDF
4 - Introducao A Museologia Social CPF - Sesc PDF
4 - Introducao A Museologia Social CPF - Sesc PDF
UMA INTRODUO
MUSEOLOGIA SOCIAL
ministrado por Mario Chagas
Data: 23/05/2015 a 27/06/2015
Dias e Horrios: Sbados, 10h s 17h. (Dia 6/6 no haver aula)
Realizao:
Maio de 2015
SUMRIO
1. Ementa e Programa
3. Declarao de Quebec
15
18
20
27
29
59
70
78
106
108
111
130
15. PATRIMNIO
145
Ementa e Programa
O curso objetiva contribuir para a reflexo, o desenvolvimento e a apropriao
de contedos, informaes e experincias de Museologia Social ou
Sociomuseologia, estimulando o desenvolvimento de prticas e reflexes em
dilogo. Haver visita Casa da Pedra, em Paraispolis.
Durante longo tempo os museus serviram apenas para preservar os registros
de memria e a viso de mundo das classes mais abastadas; de igual modo
funcionaram como dispositivos ideolgicos do estado e tambm para disciplinar
e controlar o passado, o presente e o futuro das sociedades em movimento. Na
atualidade, ao lado dessas prticas clssicas um fenmeno novo j pode ser
observado. O museu est passando por um processo de democratizao, de
ressignificao e de apropriao cultural.
J no se trata apenas de democratizar o acesso aos museus institudos, mas
sim de democratizar o prprio museu compreendido como tecnologia, como
ferramenta de trabalho, como dispositivo estratgico para uma relao nova,
criativa e participativa com o passado, o presente e o futuro. Vale ainda
considerar que ele ferramenta e artefato, podendo servir tambm para
tiranizar a vida, a histria, a cultura; para aprisionar o passado e aprisionar os
seres e as coisas no passado e na morte.
Deste modo para entrar no reino narrativo dos museus preciso confiar
desconfiando, necessria uma perspectiva crtica: os museus so lugares de
memria e de esquecimento, assim como so lugares de poder, de combate,
de conflito, de litgio, de silncio e de resistncia; em certos casos, podem at
mesmo ser no-lugares. Toda a tentativa de reduzir os museus a um nico
aspecto corre o risco de no dar conta da complexidade do panorama museal
no mundo contemporneo.
O curso voltado a profissionais do campo da cultura, da memria, do
patrimnio e dos museus, estudantes de cincias humanas e sociais,
educadores, artistas, poetas, militantes sociais e demais interessados no tema.
Sero aulas expositivas, debates, leituras coletivas e individuais. Oficinas
envolvendo pesquisa de campo, observao, realizao de fotografias e
vdeos. Apresentao de vdeos. Estudos, pesquisas e orientaes virtuais.
Avaliao coletiva e participativa.
10
d) Dever
ser
utilizado
na
educao,
graas
um
sistema
de
muselogos
latino
americanos
que
estiveram
presentes
indicaram
museus,
muselogos,
musegrafos,
pesquisadores
educadores
12
rgos
da
ALAM;
estabelecer
sede
desta
associao,
13
14
DECLARAO DE QUEBEC
PRINCPIOS DE BASE DE UMA NOVA MUSEOLOGIA
1984
Introduo
Proposta
1. Considerao de ordem universal
A museologia deve procurar, num mundo contemporneo que tenta
integrar todos os meios de desenvolvimento, estender suas atribuies e
funes tradicionais de identificao, de conservao e de educao, a prticas
mais vastas que estes objetivos, para melhor inserir sua ao naquelas ligadas
ao meio humano e fsico.
2. Tomada de posio
Verificando que mais de quinze anos de experincias de nova
museologia ecomuseologia, museologia comunitria e todas as outras formas
de museologia ativa pelo mundo foram um fator de desenvolvimento crtico
das comunidades que adotaram este modo de gesto do seu futuro.
Verificando a necessidade sentida unanimemente pelos participantes nas
diferentes mesas de reflexo e pelos intervenientes consultados, de acentuar
os meios de reconhecimento deste movimento; verificando a vontade de criar
as bases organizativas de uma reflexo comum e das experincias vividas em
vrios continentes; verificando o interesse em se dotar de um quadro de
referncia destinado a favorecer o funcionamento destas novas museologias e
de articular em consequncia os princpios e meios de ao; considerando que
a teoria dos Ecomuseus e dos museus comunitrios (museus de vizinhana,
museus locais...) nasceu das experincias desenvolvidas em diversos meios
durante mais de 15 anos. adotado o que se segue:
A - que a comunidade museal internacional seja convidada a reconhecer este
movimento, a adotar e a aceitar todas as formas de museologia ativa na
tipologia dos museus;
B - que tudo seja feito para que os poderes pblicos reconheam e ajudem a
desenvolver as iniciativas locais que colocam em aplicao estes princpios;
C - que neste esprito, e no intuito de permitir o desenvolvimento e eficcia
destas museologias, sejam criadas em estreita colaborao as seguintes
estruturas permanentes:
17
18
Mrio C. Moutinho
A Sociomuseologia traduz uma parte considervel do esforo de
adequao das estruturas museolgicas aos condicionalismos da sociedade
contempornea.
A abertura do museu ao meio e a sua relao orgnica com o contexto
social que lhe d vida, tm provocado a necessidade de elaborar e esclarecer
relaes, noes e conceitos que podem dar conta deste processo.
A Sociomuseologia constitui-se assim como uma rea disciplinar de
ensino, investigao e actuao que privilegia a articulao da museologia em
particular com as reas do conhecimento das Cincias Humanas, dos Estudos
do Desenvolvimento, da Cincia de Servios e do Planejamento do Territrio.
A abordagem multidisciplinar da Sociomuseologia visa consolidar o
reconhecimento da museologia como recurso para o desenvolvimento
sustentvel da humanidade, assente na igualdade de oportunidades e na
incluso social e econmica.
A Sociomuseologia assenta a sua interveno social no patrimnio
cultural e natural, tangvel e intangvel da humanidade.
O que caracteriza a Sociomuseologia no propriamente a natureza dos
seus pressupostos e dos seus objectivos, como acontece em outras reas do
conhecimento, mas a interdisciplinaridade com que apela a reas do
conhecimento perfeitamente consolidadas e as relaciona com a Museologia
propriamente dita.
As preocupaes fundamentais da Sociomuseologia h muito que se
encontram descritas em numerosos documentos elaborados dentro e fora da
Museologia.
A titulo de exemplo pode-se referir a Declarao de Santiago do Chile de
1972, a Declarao de Quebec (MINOM) 1984, a Conveno sobre a
proteco e promoo da diversidade das expresses culturais (UNESCO),
2005, a Conveno para a salvaguarda do patrimnio imaterial (UNESCO)
2003, Conveno do Patrimnio Mundial, A Proteco do Patrimnio Mundial
Cultural e Natural, UNESCO Paris, 1972, Em todos estes documentos
aparece um trao de continuidade que indica claramente o alargamento das
funes tradicionais da museologia e o papel que devero assumir na
sociedade contempornea.
20
nova rea
saber que
paradigma
servio da
23
ANEXOS
As consideraes de ordem universal onde assentam os princpios defendidos
na Declarao do Quebec 1984 resumem de forma consistente a viso
alargada da funo dos museus na sociedade contempornea.
A museologia deve procurar, num mundo contemporneo que
tenta integrar todos os meios de desenvolvimento, estender suas
atribuies e funes tradicionais de identificao, de
conservao e de educao, a prticas mais vastas que estes
objectivos, para melhor inserir sua aco naquelas ligadas ao
meio humano e fsico.
Para atingir este objectivo e integrar as populaes na sua aco,
a museologia utiliza-se cada vez mais da interdisciplinaridade, de
mtodos contemporneos de comunicao comuns ao conjunto
da aco cultural e igualmente dos meios de gesto moderna que
integram os seus usurios.
Ao mesmo tempo que preserva os frutos materiais das
civilizaes passadas, e que protege aqueles que testemunham
as aspiraes e a tecnologia actual, a nova museologia ecomuseologia, museologia comunitria e todas as outras formas
de museologia activa - interessa-se em primeiro lugar pelo
desenvolvimento das populaes, reflectindo os princpios
motores da sua evoluo ao mesmo tempo que as associa aos
projectos de futuro.
Este novo movimento pe-se decididamente ao servio da
imaginao criativa, do realismo construtivo e dos princpios
humanitrios defendidos pela comunidade internacional. Toma-se
de certa forma um dos meios possveis de aproximao entre os
povos, do seu conhecimento prprio e mtuo, do seu
desenvolvimento cclico e do seu desejo de criao fraterna de
um mundo respeitador da sua riqueza intrnseca.
Neste sentido, este movimento, que deseja manifestar-se de uma
forma global, tem preocupaes de ordem cientfica, cultural,
social e econmica.
Este movimento utiliza, entre outros, todos os recursos da
museologia (colecta, conservao, investigao cientfica,
restituio o difuso, criao), que transforma em instrumentos
adaptados a cada meio e projectos especficos.
A titulo de exemplo pelo seu carcter inovador enquanto que politica de
desenvolvimentos museolgicos produzido por um governo de Estado
apresentam-se alguns extractos da Poltica Nacional de Museus, Maio de 2003,
Ministrio da Cultura do Brasil:
24
OBJETIVO GERAL
Promover a valorizao, a preservao e a fruio do
patrimnio cultural brasileiro, considerado como um dos
dispositivos de incluso social e cidadania, por meio do
desenvolvimento e da revitalizao das instituies museolgicas
existentes e pelo fomento criao de novos processos de
produo e institucionalizao de memrias constitutivas da
diversidade scio, tnico e cultural do pas.
A CONSTRUO DA REDE DE PARCEIRAS
A elaborao e a implementao da Poltica Nacional de
Museus, a ser coordenada pelo Ministrio da Cultura, dever
contar com a participao de rgos dos governos federal,
estadual, municipal e do setor privado, ligados cultura,
pesquisa e ao fomento, bem como entidades da sociedade civil
organizada. A meta a constituio de uma ampla e diversificada
rede de parceiros que, somando esforos, contribuam para a
valorizao, a preservao e o gerenciamento do nosso
patrimnio cultural, de modo a torn-lo cada vez mais
representativo da diversidade tnica e cultural do Brasil.
A Poltica Nacional de Museus dever contar com os
recursos previstos no Fundo Nacional da Cultura (FNC), com as
leis de incentivo fiscal e com os oramentos prprios dos rgos
e entidades envolvidos, alm de valorizar a integrao de
instncias governamentais e entidades da sociedade civil
voltadas para o campo museal, constituindo uma rede de
responsabilidades no tocante preservao e ao gerenciamento
de bens culturais.
PRINCPIOS ORIENTADORES
1. Estabelecimento e consolidao de polticas pblicas no campo
do patrimnio cultural, da institucionalizao da memria social e
dos museus, visando democratizao das instituies e dos
usos dos bens culturais nacionais, estaduais e municipais;
2. Valorizao do patrimnio cultural sob a guarda dos museus,
compreendendo-os como unidades de valor estratgico nos
diferentes processos identitrios, sejam eles de carter nacional,
regional ou local;
3. Desenvolvimento de processos educacionais para o respeito
diferena e diversidade cultural do povo brasileiro frente aos
procedimentos polticos de homogeneizao decorrentes da
globalizao;
4. Reconhecimento e garantia dos direitos das comunidades
organizadas de participar, em conjunto com os profissionais,
tcnicos e gestores do patrimnio cultural, dos processos de
registro e proteo legal, e dos procedimentos tcnicos e polticos
de definio do patrimnio a ser preservado;
25
26
27
As
diferenas
de
ritmos,
atitudes,
tempos,
materialidades,
28
Foi com grande satisfao que aceitei o convite para integrar o corpo
docente do Curso de Especializao do MAE/USP. Acompanhei, durante anos,
o esforo dos profissionais dessa instituio no sentido de instalar um Curso de
Museologia, dando continuidade s aes da Profa. Waldisa Rssia, que, como
pioneira, no estado de So Paulo, iniciou as reflexes em torno da produo do
conhecimento na rea da Museologia, no Curso instalado no Instituto de
Sociologia e Poltica, capacitando vrios profissionais, que, hoje, com empenho
e profissionalismo, vm contribuindo, de maneira significativa para o
enriquecimento da Museologia em nosso Pas.
no
multidimensional.
pode
A
ser
prtica
evolucionista,
da
Nova
pois
realidade
Museologia
social
humana
e,
29
2- CONTEXTUALIZAO E ANTECEDENTES
Ainda nos anos 70, Paulo Freire era Consultor para Educao do
Conselho Ecumnico das Igrejas, em Genebra, e Hugues de Varine estava
organizando uma ONG internacional denominada Instituto Ecumnico para o
Desenvolvimento dos Povos, que segundo declarao do prprio Varine (
1995, p.17 ), Paulo Freire havia sido convidado para presid-la. Tambm feito
a Paulo Freire convite para presidir a Mesa-redonda de Santiago do Chile.
necessidade
de
realizao
de
exposies,
com
base
na
interdisciplinaridade.
34
para
atual
conceito
de
desenvolvimento
sustentvel,
priorizando
modelos
locais,
baseados
em
tecnologias
de
Museus,
que
estabeleciam
relaes
entre
agentes
global. Bellaigue
os aspectos abaixo
liminarmente
prpria
existncia
de
prticas
40
escolha
dos
expositores,
todos
latino-americanos,
cada
um
aquilo que havia se constitudo, durante mais de dois sculos, na mais clara
vocao do museu: a misso de coleta e conservao. Chegou-se, em
oposio, a um conceito de patrimnio global a ser gerenciado no interesse do
homem e de todos os homens. Ao analisarmos o papel ativo do sujeito na
construo do processo museolgico, no poderamos deixar de ressaltar,
como afirma Kosik (1976, p.22), que:
... a dialtica da atividade e da passividade do
conhecimento humano manifesta-se sobretudo no fato
de que o homem, para conhecer as coisas em si,
deve primeiro transform-las em coisas para si; para
conhecer as coisas como so independentemente de
si, tem primeiro de submet-las prpria prxis; para
43
de
construo
do
conhecimento
museolgico,
no
mundo
contemporneo, principalmente a partir de 1972, aps a realizao da MesaRedonda de Santiago do Chile e do I Seminrio Internacional, para discutir o
Ecomuseu e a Nova Museologia.
44
Moutinho (1989, p.31) recomenda que ela deve ser considerada, pelas pessoas
integradas nesse processo, como meio (agente, instrumento), a par de outros,
de desenvolvimento integral das populaes e com as populaes. Considera
que o que h de novo nas prticas da Nova Museologia a demonstrao da
capacidade (e a prtica disso) das populaes se auto-organizarem para gerir
o seu tempo e o seu futuro. Destaca o referido autor que:
A concepo, o desenrolar e a avaliao dos projetos da Nova
Museologia dependem sempre de uma percepo correta das
condies histricas e ambientais locais, em que a interveno se
realiza.
Considerando
os
aspectos
acima
mencionados,
Museologia,
46
48
49
coletiva
do
saber,
na
produo
coletiva
de
Pode-se
identificar
homogeneidade,
coerncia,
auto-
projetos
serem
desenvolvidos:
diagnstico,
planejamento
Grupal
participativa,
porque
avaliao
no
pode
ser
52
53
A pesquisa:
Construo do conhecimento, tomando como referencial o cotidiano,
qualificado como patrimnio cultural. Este conhecimento construdo na ao
museal e para a ao museal, em interao com os diversos grupos
envolvidos, objetivando a construo de uma nova prtica social. No se trata,
da pesquisa que se esgota na mera descrio e anlise dos objetos. A
pesquisa alimenta todas as aes museolgicas, em processo.
Preservao:
Consideram-se as seguintes etapas:
54
uma
documentao
dos
dados
coletados,
que
so
55
Conservao:
Busca-se a formao de atitudes preservacionistas. Estabelece-se um
processo no sentido de compreender os objetivos da preservao, no fazer
cotidiano das pessoas. A conservao , ento, um processo de reflexo para
uma ao que se d em um contexto social e no somente a aplicao de
tcnicas em determinados acervos. Esforos so concentrados na busca da
sensibilizao e na formao de conservadores, na prpria populao, a partir
de suas aptides e atitudes.
Comunicao:
A comunicao no est restrita exposio. Faz parte do processo
museolgico, embora seja importante registrar que sempre fica uma distncia
entre o material inerte que exposto e o processo vital que lhe deu origem.
Ao contrrio do procedimento mais usual dos museus, em que a exposio o
ponto de partida no sentido de estabelecer uma interao com o pblico, nesta
ao museolgica a exposio , ao mesmo tempo, produto de um trabalho
interativo, rico, cheio de vitalidade, de afetividade, de criatividade e de reflexo,
que d origem ao conhecimento que est sendo exposto e a uma ao
dialgica de reflexo, estabelecida no processo que antecedeu a exposio e
durante a montagem, alm de ser ponto de partida para outra ao de
comunicao.
58
59
Capacidade do indivduo ler e escrever o mundo por meio das imagens e das coisas, de seus valores,
significados e funes. Acerca do conceito de literacia visual ver o texto Museus so bons para pensar: o
patrimnio em cena na ndia, de Arjun Appadurai e Carol Breckenridge (2007).
4
Manifeste L Altermusologie, lanado por Pirre Mayrand, em Setbal (Portugal), em 27 de outubro
de 2007. Nesse manifesto, o autor prope uma altermuseologia, um gesto de cooperao, de
resistncia, de libertao e solidariedade com o Frum Social Mundial.
60
1811 a 1820
1821 a 1830
1831 a 1840
1841 a 1850
1861 a 1870
1871 a 1880
1881 a 1890
1891 a 1900
10
62
observao)
Sculo XX
1901 a 1910
1911 a 1920
1921 a 1930
1931 a 1940
25
1941 a 1950
29
1951 a 1958
31
22
criao
Subtotal
135
145
1958)
63
64
III. A cirurgia conceitual operada pelo museu moderno foi to radical que,
depois de sua realizao, tudo passaria a poder ser visto a partir da prpria
moldura do museu. Palcios e palafitas, casas-grandes e senzalas, castelos e
bangals, fbricas e escolas, escolas de samba e cemitrios, florestas e portos,
terreiros de candombl e centros espritas, lojas manicas e igrejas catlicas,
pessoas, animais, plantas e pedras, trens, avies e automveis, pedaos da
lua e fragmentos da alma, paisagens urbanas e rurais, campo e cidade, tudo,
em fim, passou a poder ser compreendido como parte de uma museologia
aplicada ou de uma museografia especial.
66
Este fenmeno tem na Mesa Redonda de Santiago do Chile (1972), com a proposta do Museu Integrado
permanente desafio para a museologia da Amrica Latina - um dos seus principais marcos.
67
aos
movimentos
de
defesa
do
meio
ambiente
de
Suponho que se engana quem pensa que existe uma nica possibilidade
de memria e que essa possibilidade nica implicaria a repetio do passado e
do j produzido; suponho que se engana quem pensa que h humanidade
possvel fora da tenso entre o esquecimento e a memria. essa tenso, ao
contrrio do que poderia parecer, que garante a ecloso do novo e da criao.
O futuro tambm nos olha e pisca l de dentro do passado (se que o passado
tem um dentro). O esquecimento total estril, a memria total estril.
68
Referncias bibliogrficas
APPADURAI, Arjun e BRECKENRIDGE, Carol. Museus so bons para pensar:
o patrimnio em cena na ndia. In: MUSAS: Revista Brasileira de Museus e
Museologia, n.3, p.10-26. Rio de Janeiro: Iphan, Demu, 2007.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I, II e III. So Paulo: Brasiliense, 1985,
1995 e 1994.
BORGES, Jorge Luis. Cinco vises pessoais. Braslia: Unb, 2002, p. 68-69.
GOHN, Maria da Glria (org.). Movimentos Sociais no incio do sculo XXI;
antigos e novos atores sociais. Petrpolis: Vozes, 2003.
___.O protagonismo da sociedade civil: movimentos sociais, ongs e redes
solidrias. So Paulo:Cortez, 2005.
HOLLANDA, Guy. Recursos Educativos dos Museus Brasileiros. Rio de
Janeiro: CBPE/ONICOM, 1958.
MALRAUX, Andr. Museu Imaginrio. Lisboa: Edies 70, 2000.
NORA, Pierre. Memoire et Histoire: le problematique des lieux. Les Lieux des
memoire. V.1., La Republique. Paris: Gallimard, 1984.
PREZIOSI,
D.
Evitando
museocanibalismo.
In:
HERKENHOFF,
P.
69
70
71
Votos
1. desejvel abolir toda e qualquer ingenuidade em relao ao museu, ao
patrimnio e educao.
2. desejvel trabalhar com a potica do museu e do patrimnio.
construdo)
comunidade
(construda
por
laos
de
pertencimento).
73
criam e acolhem o humano, e, por isso mesmo, podem ser devoradas. Devorar
e ressignificar os museus, eis o desafio de cada nova gerao.
VII. Todo o povo sustenta Werner Jaeger, em seu livro Paidia (1979,
p.3) que atinge um certo grau de desenvolvimento se sente naturalmente
inclinado prtica da educao. Aqui, a palavra naturalmente no deve
produzir confuso. No se trata de uma inclinao ancorada numa
essencialidade qualquer ou num dispositivo da natureza, e sim de um
fenmeno social, da ordem da cultura. Nessa situao, a palavra em questo,
talvez seja mais bem compreendida como sinnimo de simplesmente.
Importa registrar, no entanto, que a educao uma prtica scio-cultural.
Nesse sentido que se pode falar no carter indissocivel da educao e da
cultura ou ainda na inseparabilidade entre educao e patrimnio. No h
hiptese de se pensar e de se praticar a educao fora do campo do
patrimnio ou pelo menos de um determinado entendimento de patrimnio. Por
este prisma, a expresso educao patrimonial constituiria uma redundncia,
seria o mesmo que falar em educao educacional ou educao cultural. No
entanto, no se pode negar que a referida expresso tenha cado no gosto
popular. Resta, neste caso, compreender os seus usos e os seus significados.
No senso comum a expresso educao patrimonial significa apenas o
desenvolvimento de prticas educacionais (mais ou menos transformadoras)
tendo por base determinados bens ou manifestaes considerados como
patrimnio cultural. Esse no um entendimento estranho a Paulo Freire,
Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre, Gustavo Barroso, Ansio Teixeira, Roquete
Pinto, Liana Rubi OCampo, Sigrid Porto, Waldisa Russio e tantos outros. De
igual modo, este entendimento, ainda que no lanasse mo da expresso em
debate, estava presente em prticas museolgicas do sculo XIX e no servio
educativo do Museu Nacional, formalmente criado em 1926.
75
Referncias bibliogrficas
ABREU, Regina e CHAGAS, Mrio (orgs.). Memria e Patrimnio: ensaios
contemporneos.
Rio
de
Janeiro:
DP&A,
2003.
Civilizao
Brasileira/MEC,
1977.
77
dever
ser
constantemente
avaliado
tendo
em
vista
rurais
reas
urbanas
preocupaes
respeitantes
ao
79
num
processo
de
ensino
aprendizagem
integrado
no
81
que
vivem
trabalhavam
nas
comunidades
onde
so
sistematizao
do
trabalho,
formao
em
museologia
educao
popular
qual
procura
uma
formao
libertadora,
transformao para o bem estar social mediante uma atitude crtica com a qual
o homem tomar parte na construo da sua prpria cultura e da sua histria
pessoal e colectiva" ((Idem 23 p. 17)).
85
Assim sendo, fcil de admitir que o novo museu tem de ser gerido e
equipado por forma a poder lidar com um acervo, cujos limites so de difcil
definio e pior ainda, sempre em contnua mudana.
pretendem
fomentar
museus
apenas
como
meio
de
afirmar
Mas para l daquilo que se consegue fazer com um oramento seja ele
qual for, estes museus tm uma vertente no quantificvel e que se traduz na
capacidade de organizao e de mobilizao com vista resoluo dos
problemas de desenvolvimento. Falmos de um acervo de memria colectiva,
de prticas profissionais, de conhecimento do meio fsico e humano.
89
90
internacional,
dedicado
ao
tema
Ecomuseus/Nova
Museologia.
(...)
Que dizer ento dos resultados deste atelier? Pelo nosso lado julgamos
que eles so de duas ordens.
"Os
participantes
no
atelier
Internacional
"Ecomuseus/Nova
participao
activa
destes grupos no
trabalho
museolgico.
3
92
93
Igualmente
reconhecamos
que
confronto
da
nossa
prtica
94
95
96
97
ditas
"no
tradicionais"
exgenas
ou
minoritrias,
fosse
98
GRUPO
DE
TRABALHO
MUSEUS
LOCAIS
INVESTIGAES
CIENTFICA.
PROPOSIES E RECOMENDAES
Atendendo riqueza do tema abordado, diversidade de origem dos
participantes e ao pouco tempo disponvel para reflectir sobre o assunto
proposto, o grupo de trabalho apresenta aos participantes do atelier uma
contribuio a dois nveis, compreendemos:
99
que
investigador
assuma
um
papel
de
informao,
de
AS FINALIDADES DA INVESTIGAO
INVESTIGAO E FORMAO
ramo
mas,
tambm,
pela
sua
aptido
em
trabalhar
na
interdisciplinaridade.
INVESTIGAO E RESTITUIO
PROGRAMA E FINANCIAMENTO
101
interesse
por
eles
suscitado
no
puderam
ser
aprofundados,
102
1 - RELAO SOCIAL
2 - RELAO ECONMICA
benefcios
econmicos
importantes,
103
que
so
um
4) A vontade de conservar, valorizar e inovar no domnio dos "savoirfaire" implica a organizao de um processo de sensabilizao dos agentes
econmicos.
4 - RELAO FORMAO
4 - CONCLUSO
Que
se
afirmava
como
um
dos
caminhos
possveis
de
105
106
Que voc, leitor, possa conhecer nossa histria, nossas memrias, nossas
dificuldades de sobrevivncia, e saber como nos divertamos e como sabemos
ser unidos e solidrios uns com os outros, saber como o poder pblico virava
as costas para a gente, como o sistema sabotava a melhoria de nossas casas,
como o sistema resolveu se redimir e minimizar o descaso do passado, como
passamos por poucas e boas, e o livro conta tudo isso. Que responsa tem esse
livro. E j nosso xod, esperamos que seja o seu tambm, que voc o adote.
Que seja seu livro de cabeceira, seu livro de discusso, que promova reflexes
sobre o que simbolizam as casas-tela e as casas, a moradia em si.
Todo mundo quer ter sua casa prpria, o direito moradia digna previsto
em lei, a casa como refgio, a casa do jeito que voc sempre sonhou. Agora, a
casa de direito expressa tambm outro direito: o direito memria. E a casa
vira tela, vira quadro, a minha casa que minha e que retrata em pintura a
memria que minha, da minha comunidade. E continua no Museu de
Favela...
Colegiado de Diretores-2011/2013
Antonia Soares-Diretora
de RedesMUF
Josy Manhes-Diretora
de Comunicao
Mrcia Souza-Diretora
Cultural
Rita de Cssia-Diretora
Social
107
Ktia Loureiro-Diretora
AdministrativoFinanceira
Sidney Silva-Diretor
Captao de Recursos
108
O que est nas paredes das Casas-Tela faz parte de nossas vidas. Ns
vivemos isso. Esse passado agora permanece no Circuito das Casas-Tela, em
forma de arte, ao vivo e em cores. Favela gosta de cor, mas das cores que vm
de dentro. Quando a vida fica desbotada, meio preta e branca, a gente sempre
d um jeito de colorir. Resiste. Quando chegou a TV colorida para quem podia
comprar, e as TVs na favela ainda eram em preto e branco, colocava-se papel
celofane colorido diante da tela, e vai dizer que a TV no era colorida? A gente
d um jeito de colorir. Resiste.
Que esse livro seja lido e relido em vrios idiomas. Queremos que o cara do
outro lado do mundo conhea um pouco da histria de Pavo, Pavozinho e
Cantagalo, onde tambm se luta por cidadania atravs de um museu territorial,
pois as galerias do MUF sero tanto melhor de visitar, quanto mais forem
dignas de morar.
Mario Chagas
Introduo
A lngua patrimnio, a linguagem patrimnio e a palavra tambm
patrimnio. A palavra patrimnio arquiva camadas e camadas de sentido e
conserva em cada uma de suas camadas mltiplas linhas de conexo. Seria
possvel investig-la em perspectiva transversal, seria possvel pesquisar os
seus movimentos no tempo e no espao, mas no esse o caminho que ser
trilhado. A empreitada que se delineia menos ambiciosa, mas no menos
desafiante, como logo adiante ser possvel constatar.
A palavra patrimnio patrimnio, no necessrio muito esforo para
alcanar este entendimento; assim tambm no preciso nenhuma
capacidade especial para compreender que a palavra patrimnio um
substantivo abstrato que se aplica aos bens materiais e imateriais, mveis e
imveis.
Os substantivos concretos so aqueles que se referem a algo que se pode
tocar, a algo a que se pode conferir uma imagem comum, ainda que com
determinadas variaes: cadeira, cama, mesa, parafuso, alicate, formiga, livro,
lpis, garfo, faca. Os substantivos abstratos so aqueles que se referem a algo
imaginrio, cognitivo, afetivo, a algo que no se pode tocar e sobre o qual no
se pode fazer uma nica imagem representativa: alegria, tristeza, agonia,
vergonha, beleza, felicidade, vida, morte, amor, amizade, comunidade. Sntese
provisria: a palavra patrimnio um substantivo abstrato, portanto, designa
algo que no se pega, que no se toca e sobre o qual no se pode fazer uma
imagem representativa nica. Mesmo quando se fala em patrimnio material,
em patrimnio tangvel, o que est em pauta no a materialidade ou a
tangibilidade, mas sim o sentido, o significado, o valor atribudo.
Do ponto de vista filolgico, a palavra patrimnio deriva-se do vocbulo
patrimonium, oriundo do latim com o sentido de herana paterna ou de
bens familiares transmitidos de pais e mes para filhos e filhas.
Transmisso: eis um conceito-chave vinculado noo de patrimnio.
Tradicionalmente, pensa-se o patrimnio como alguma coisa que se transmite
diacronicamente de um tempo para outro tempo, de uma gerao para outra
gerao. Nesse sentido, o patrimnio apenas transmissivo. No entanto, no
111
Utilizo como referncia o texto includo em carto distribudo aos visitantes do Museu Vivo de So
Bento.
112
113
IX - Elevao conhecida como Morro da Escadaria ou da Marinha destinada como mirante do Grande So Bento e como espao de reserva
ambiental;
X - Novo So Bento - ocupao organizada pelo movimento social no incio
dos anos 90, espao privilegiado para as aes de educao patrimonial e
cultural.10
A vida e a dinmica do percurso, no entanto, no residiam (e no residem)
na concretude do declogo que compunha os seus principais pontos de
referncia e sim na atuao e no protagonismo dos professores e dos
estudantes, nas narrativas orais que alinhavavam tempos, espaos, pessoas,
memrias e histrias. O processo de institucionalizao estabeleceu para o
Museu as seguintes finalidades:
I - Fortalecer o movimento de defesa do patrimnio material e imaterial do
territrio do Grande So Bento;
II - Afirmar o territrio caxiense como um lugar de Memria e de Histria;
III - Assegurar a importncia dos sujeitos histricos que aqui viveram e
vivem como atores sociais construtores do seu tempo;
IV - Investigar as heranas herdadas, pensando a cidade na longa durao,
permitindo assim a projeo do que queremos para a mesma.
V - Assegurar a construo de sentimentos de pertencimento e de
coletividade.11
Desde sua criao at a atualidade o Museu vem desenvolvendo aes de
mapeamento, identificao, pesquisa e proteo do patrimnio cultural de
Duque de Caxias e, por esse caminho, vem produzindo impactos notveis para
o melhor conhecimento da histria local e para a preservao do patrimnio
cultural. nesse contexto que, aos trancos e barrancos - com muita coragem
para enfrentar os desmandos e as violncias do poder institudo, com muita
energia e apoio solidrio para superar as tentativas de apagar e silenciar os
projetos de educao libertria, com imaginao criadora para resistir e
continuar produzindo novas possibilidades de futuro - desenvolvem-se os
planos, programas e projetos do Museu Vivo do So Bento, entre os quais se
destaca o Programa Jovens Agentes do Patrimnio.
Esse Programa, criado em 2009, compreende que a patrimonializao
um campo de disputa pela ocupao do passado, do presente e do futuro, logo
tem papel estratgico na formao educacional e cultural das novas geraes.
Alm disso, para o Programa a patrimonializao tem carter processual, no
10
Ver Lei n 2224, de 7 de novembro de 2008, Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, disponvel em
http://smeduquedecaxias.rj.gov.br
11
Idem.
114
12
Expresso cunhada por Mrio Moutinho para referir-se aos grandes projetos museais que na atualidade
surgem e esto conectados a megainvestimentos, descolados dos interesses da populao. A existncia
concreta dos museus imperiais permite a aceitao da ideia de uma museologia imperial, uma
museologia que est ao servio do grande capital, das grandes corporaes, dos megamuseus, da
revitalizao das grandes narrativas.
115
Ver.http://www.baixadafacil.com.br/municipios/sambaqui-do-sao-bento-passara-por-obras-deinfraestrutura-2093.html.
14
Est claro que essa compra tem um carter simblico e indica que o coletivo de professores chamou
para si a responsabilidade de preservar, conservar e dinamizar o referido stio; a rigor todo e qualquer
stio arqueolgico, por determinao legal, pertence Unio.
116
15
Ver Os filhos da Candinha - crnicas, de Mrio de Andrade, 2013, Editora Nova Fronteira.
118
16
Ver Revista do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. n 31, 2005. Museus: antropofagia da
memria e do patrimnio (org. Mario Chagas).
119
Viva18,
120
narrando um acontecimento
era como a televiso
dando-o a viver no momento.
Em boa medida, o poema traduz o deslumbramento do poeta que ouve o
deslumbramento de uma mulher sevilhana diante de uma obra de arte, fruto do
deslumbramento do artista diante de um acontecimento extraordinrio, que
envolve a dor de uma me, a dor dos amigos, a tortura e a morte de um
homem, injustamente condenado.
Ainda que as dimenses patrimoniais da tristeza e da morte decorram
de experincias plenas de subjetividades, elas s fazem sentido na conexo
com a vida social. Por isso, possivelmente, os Jovens Agentes do Patrimnio
atraram a comunidade para o lado dessas duas categorias, como quem indica
que ela (a comunidade) tambm afetada e que com ela que se divide a
experincia vivida. com ela que se partilha a alegria e a tristeza de viver e
estar vivo.
19
Ver Ubiratan DAmbrsio. Da Realidade Ao: reflexes sobre educao (e) matemtica. So Paulo:
Summus Editorial, 1986. p.53.
122
123
124
Consideraes finais
Se h alguma coisa que merece destaque e ateno no presente texto
apenas o fato dele ter enfrentado com respeito um conceito sobre patrimnio
produzido por adolescentes, moradores do municpio de Duque de Caxias e
participantes do Programa Jovens Agentes do Patrimnio, promovido e
coordenado pelo Museu Vivo do So Bento.
No mais, foi o referido conceito que guiou as reflexes aqui
desenvolvidas. Os jovens em questo operaram com um entendimento dilatado
de patrimnio e contriburam para a sua dessacralizao. Para eles, como foi
indicado, a noo de patrimnio no est restrita a um rol de carter oficial,
privado ou pblico, municipal, estadual, nacional ou internacional. Seguindo o
percurso indicado foi possvel refletir sobre a expanso do conceito de
patrimnio, sobre a patrimonializao como um campo de disputa pela
ocupao do passado, do presente e do futuro e sobre a necessidade de se
pensar novos caminhos e novas possibilidades para o patrimnio.
Convm esclarecer que conheci pessoalmente alguns jovens que
participaram desse processo, entre eles a Jaqueline que achou botes
enterrados. No foi fcil resistir tentao de entrevist-los. A deciso de no
21
http://www.baixadafacil.com.br/municipios/sambaqui-do-sao-bento-passara-por-obras-deinfraestrutura-2093.html.
125
126
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ABREU, R. e CHAGAS, M. (orgs.) Memria e Patrimnio: ensaios
contemporneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 316p.
AGAMBEN, G. A ideia da prosa. Belo Horizonte: Autntica. 2013. 141p.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Esquecer para lembrar (Boi Tempo III).
Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1979. 178p.
ANDRADE, M. Os filhos da Candinha crnicas. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira. 2013.
ARAJO, U. F. O sentimento de vergonha como um regulador moral. Tese de
Doutorado, So Paulo: IP/USP, 1998.
BARROS, Manuel. Poesia Completa. So Paulo, Leya. 2010. 493p.
BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurana no mundo atual. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2003.141p.
BENJAMIN, W. Rua de Mo nica: Obras escolhidas II. So Paulo: Brasiliense.
1995. 277p.
CHAGAS, M. (org.) Revista do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. n 31,
2005. Museus: antropofagia da memria e do patrimnio.
CHAGAS, M. e SANTOS, M. S. dos. Museu e Polticas de Memria. In:
Cadernos de Sociomuseologia, v. 19. Lisboa: ULHT. 2002. 148p.
DAMBROSIO, U. Da Realidade Ao: reflexes sobre educao (e)
matemtica. So Paulo: Summus Editorial, 1986. p.53.
DODEBEI, v. E GONDAR, J. (orgs.). O Que Memria Social? Rio de Janeiro:
Contra Capa e PPGMS / UNI RIO, 2005.
GONALVES, J. R. S. O patrimnio como categoria de pensamento. In:
ABREU, R. e CHAGAS, M. (orgs.) Memria e Patrimnio: ensaios
contemporneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.p.21-29.
HALL, S. A Identidade Cultural na Ps-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A.
2002. 102p.
127
128
As cidades e o desejo
No centro de Fedora, metrpole de pedra
cinzenta, h um palcio de metal com uma esfera
de vidro em cada cmodo. Dentro de cada esfera,
v-se uma cidade azul que o modelo para uma
outra Fedora. So as formas que a cidade teria
podido tomar se, por uma razo ou outra, no
tivesse se tornado o que atualmente. Em todas
as pocas, algum, vendo Fedora tal como era,
havia imaginado um modo de transform-la na
cidade ideal, mas, enquanto construa seu modelo
em miniatura, Fedora j no era mais a mesma de
antes e o que at ontem havia sido um possvel
futuro hoje no passava de um brinquedo numa
esfera de vidro.
Agora Fedora transformou o palcio das
esferas em museu: os habitantes o visitam,
escolhem a cidade que corresponde aos seus
desejos, contemplam-na imaginando-se refletidos
no aqurio de medusas que deveria conter as
guas do canal (se no tivesse sido dessecado),
percorrendo no alto baldaquino a avenida
reservada aos elefantes (agora banidos da
cidade), deslizando pela espiral do minarete em
129
130
Registre-se desde agora que o conceito de arte sacra necessita de urgente reviso. No mundo
contemporneo, a manuteno de um conceito contrrio diversidade cultural, que considera como arte
sacra a arte produzida no mbito de apenas uma experincia religiosa, no colabora para o esprito de
respeito s diferenas e tende a produzir discriminao e preconceito em relao a outras religies e suas
correspondentes experincias e prticas poticas. Ainda assim, o Museu de Paraty guarda surpreendentes
possibilidades de conexo com as experincias universais de religiosidade.
131
23
Ver o poema de Joo Cabral de Mello Neto, publicado no livro Museu de Tudo e depois. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1988. Ver tambm o site:
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/viewFile/366/275.
24
Neologismo utilizado por Ubiratan D Ambrsio em sua obra Da realidade ao: reflexes sobre a
Educao (e) Matemtica, 1988, com o objetivo de referir-se aos fatos ou produes mentais, incluindo
a as manifestaes afetivas e cognitivas, passando pelo sistema de valores, pelos saberes e fazeres, pelas
religies, pelas filosofias, ideologias e cincias, em sntese pela denominada vida social.
25
Ver o livro A alma encantadora das ruas, de Joo do Rio, contendo textos publicados na imprensa
carioca entre 1904 e 1907. Org. Ral Antelo. So Paulo: Companhia das Letras, 1997.
132
133
Em 1990, durante o governo de Fernando Collor de Mello, a ento Secretaria do Patrimnio Histrico e
Artstico Nacional, juntamente com a Fundao Nacional Pr-Memria (FNPM), foram extintas. Esses
dois rgos deram origem ao Instituto Brasileiro do Patrimnio Cultural (IBPC). Em 1994, o IBPC foi
renomeado e passou a denominar-se Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN).
134
de Janeiro se dava por via martima, mediante uma viagem que se fazia em
dias alternados, passando por Angra dos Reis e Mangaratiba. Durante muito
tempo esta foi a nica ligao de Paraty com o restante do pas.
Em meados da dcada de 1950 foi aberta uma estrada paralela antiga
estrada da Serra do Faco, religando Paraty cidade de Cunha. Ainda que
fosse um acesso precrio, a abertura dessa estrada propiciou a redescoberta
de Paraty por artistas e determinados segmentos da classe mdia alta,
interessados em lugares pitorescos, isolados e sossegados pelos mais
diferentes motivos, inclusive para ocupar o tempo de lazer.
Em 1958, o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
inscreveu o conjunto arquitetnico e paisagstico da cidade de Paraty no Livro
do Tombo das Belas Artes e no Livro do Tombo Arqueolgico, Etnogrfico e
Paisagstico. Em 1974, a Rodovia Rio-Santos foi concluda e nesse mesmo ano
o tombamento federal foi estendido a todo o municpio. A abertura da Rodovia
e o tombamento pelo IPHAN impulsionaram o turismo e, com isso, novo ciclo
de desenvolvimento econmico e grandes mudanas sociais afetaram a
cidade.
Durante a abertura da Rodovia Rio-Santos, ou seja, na dcada de 1960,
um fato em especial abalou a sociedade Paratiense. As irmandades religiosas,
que durante os sculos XVIII e XIX haviam constitudo em Paraty o centro do
poder - tanto pblico, quanto religioso - foram extintas, ao que tudo indica, em
funo de uma disputa com o clero. Com o apoio do bispo, o proco local
dissolveu autoritariamente todas as irmandades Paratienses e reuniu sob a
custdia da parquia, na igreja matriz, seus bens patrimoniais mveis, inclusive
todos os objetos considerados sagrados e utilizados nas festas. Essa atitude
adquiriu a dimenso de uma ciso traumtica, de um saque cultural e
patrimonial contra a comunidade local. Contudo, as tradies, as celebraes e
as festas resistiram e no deixaram de ser realizadas pela populao. O poder
clerical se empenhava na produo de esquecimento, dissolvia organizaes,
sequestrava objetos sagrados e em nome de outro sagrado, vandalizava e
profanava o sagrado; a comunidade acionava os dispositivos de memria a
favor da resistncia, da potncia criativa e criadora.
O Museu de Arte Sacra de Paraty, criado na dcada de 1970 por meio
de convnio firmado entre a Diocese de Barra do Pira - Volta Redonda e o
Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, foi instalado na Igreja de
Santa Rita de Cssia, que estava em desuso, em pssimo estado de
conservao e que foi restaurada pelo IPHAN no perodo de 1967 a 1976.
Desde o incio o museu teve um papel de destaque na valorizao da
comunidade local.
135
28
preciso relativizar essa ltima afirmao; o Estado brasileiro, mesmo nos tempos atuais, ainda no
conseguiu assumir inteiramente a sua dimenso republicana e laica.
29
Para maiores informaes consultar:
portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12456&retorno=paginaIphan.
136
das pelejas e disputas que se do em torno dos lugares, dos objetos, dos
conhecimentos e das prticas sociais que compem uma teia de significados e
que estruturam os modos de pensar, sentir e agir.
Em Paraty essa teia patrimonial bastante perceptvel, pois esto
mantidos em uso e em transformao grande parte de seus elementos
materiais e imateriais, bem como as relaes entre eles. Dessa teia participam
o Bairro Histrico, com suas feies mais ou menos alteradas desde o sculo
XVIII, as festas religiosas que pontuam os ciclos do tempo e reforam crenas
e laos sociais, os modos de falar, as danas, a culinria, a paisagem cultural,
o ambiente natural e tambm as relaes entre os diversos grupos sociais que
habitam a regio, permeadas por acordos, conflitos e preconceitos, como no
caso dos ndios Guarani da Aldeia de Paraty-Mirim.
Entre a trama urbana e a urdidura das festas, o acervo do museu
continua imerso na vida social Paratiense. a prata da casa, tesouro
guardado com zelo atravs dos anos, propriedade de todos, bem comum que
pernoita nas casas e passa de mo em mo carregado nas procisses,
reconhecido nas ruas, valorizado nos cultos e na exposio do museu. Esse
um acervo que se mantm ainda ligado pelos fios de muitas relaes com
indivduos, edifcios, crenas, festas, ruas, ladainhas, danas, barcos,
montanha e mar. Essa coleo, nem pblica nem privada, mas comunitria,
mantm tradies e estabelece novas relaes com a Paraty de hoje, com a
televiso, o cinema, os turistas, os novos moradores, as crianas, a internet, as
novas festas, os novos sons, as novas instituies.
E no que consiste esse grupo de objetos que haviam sido reunidos na
matriz, por ocasio da extino das irmandades, e que a partir da assinatura do
convnio entre a Diocese de Barra do Pira - Volta Redonda e o IPHAN, em
agosto de 1976, passou a constituir o acervo do museu?
No Arquivo Central do Iphan-RJ h um documento que descreve o acervo do
museu, no momento de sua criao30, totalizando 396 itens, entre os quais se
incluem:
(1) objetos relacionados a cultos, festas e procisses - crucifixos, imagens,
oratrios, coroas, ostensrios, custdias, caldeiretas, navetas, turbulos,
clices, colherinhas, abotoadeiras, pomba para bandeira do divino, pia
batismal, andor, atributos e ornamentos de santos, apliques ornamentais,
brincos, broches, correntinhas, escapulrios, diademas, bculo, cravos de
prata, porcas, medalho, pena, balana, flechas, chaves, cordes, rosrios,
cruz de cristo, relicrios, pingentes, espada, bastes, varas de irmandade;
30
Ao longo do tempo esse acervo recebeu acrscimos e sofreu alteraes, mas nada disso modificou de
forma significativa a coleo inicial.
138
140
Consideraes finais
Do ponto de vista diacrnico e sincrnico, a coleo do Museu de Arte
Sacra de Paraty est conectada com a vida social; cada um dos seus objetos
est investido de uma aura (BENJAMIN, 1984, p.165-196) e manifesta um
mana (MAUSS, 1974); a coleo estabelece uma ligao incorprea com o
passado que habita o imaginrio da cidade.
Nos tempos de isolamento, esses objetos ancoraram o sentido de
dignidade social dos paratienses; extintas as irmandades, proporcionaram o
suporte material para a continuidade das prticas tradicionais, cuja repetio
cclica realimentou, ao longo dos anos, o sentido de pertencimento e a coeso
social. Posteriormente, essa coleo favoreceu a retomada de festas que
permaneciam vivas na memria coletiva. A partir da dcada de 1970, alm de
atuar como elo entre o presente e o passado, esse acervo assumiu outros
papis: o de dispositivo de construo de narrativas museais e o de
instrumento de resistncia pela afirmao da distino num momento em que,
diante do impacto gerado pelo incremento do turismo, a comunidade se
afirmava pela valorizao das diferenas.
Como indicado, os objetos que circulam pelas ruas antigas, carregados
por muitas mos, saudados a partir das janelas enfeitadas, admirados e
cultuados com alegria, constituem pontos de interseo entre a cidade e os
cidados, elos entre o passado e o presente, as tradies e as inovaes, as
festas e o cotidiano. A compreenso da importncia desse trnsito cclico
permite perceber que o lugar desses objetos o museu e a cidade; tambm
so as relaes, as narrativas, as festas, o afeto e o imaginrio dos cidados.
O acervo pertence simultaneamente a tudo isso.
neste sentido que podemos dizer que determinados lugares de
memria esto contidos em outros lugares de memria e desafiam o nosso
entendimento acerca das possveis tessituras entre macro e micro lugares de
memria e de esquecimento, de poder e de resistncia.
Seguindo por essa trilha, podemos, por fim, sugerir que o denominado
patrimnio material composto de imaterialidades e que o denominado
patrimnio imaterial no sobrevive sem a ncora das materialidades.
141
REFERNCIAS
142
Sites
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/viewFile/3
66/275
portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12456&retorno=paginaIph
an.
143
PATRIMNIO
Claudia Maria P. Storino
145
deveria incluir seu ambiente. Foi essa a primeira das cartas internacionais a
serem produzidas com a finalidade de organizar e sistematizar as aes de
proteo do patrimnio.
O Quarto Congresso Internacional de Arquitetura Moderna32 (IV Ciam),
realizado em 1933, produziu uma segunda Carta de Atenas. Esse documento
publicado em 1942 , embora no se concentrasse na preservao do
patrimnio, constituiu o primeiro documento no qual o elemento urbano em si
foi considerando como objeto de preservao (ainda que em casos
excepcionais e condicionando a preservao das reas urbanas s suas
possibilidades de atendimento s necessidades do presente).
Em 1936 comeou a Guerra Civil espanhola e, trs anos depois, a
Segunda Guerra Mundial. Com os conflitos, as atividades de institucionalizao
e a produo de conhecimento no campo do patrimnio cultural s seriam
retomadas aps 1945, com a criao Organizao das Naes Unidas ONU,
que absorveu as responsabilidades da Liga das Naes, dissolvida em 1946, e
cuja misso seria manter a paz e a segurana internacional e promover
relaes amigveis entre os pases.
Assim, a organizao em nvel internacional das reas dos museus e do
patrimnio s veio a tomar impulso, efetivamente, aps a Segunda Guerra
Mundial, como reao aos problemas decorrentes do conflito armado,
notadamente atendendo preocupao tanto com as perdas e os danos
infligidos aos bens culturais quanto com a falta de uniformidade nos processos
de proteo e nas intervenes de restauro adotados nos diferentes pases.
Inserida no contexto institucional da ONU, surgiu a Organizao das
Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura Unesco, destinada a
estreitar as relaes entre as naes, com base no respeito s culturas e ao
modo de vida de cada povo. Organismos dedicados a organizar, promover e
acompanhar as aes no campo do patrimnio e da memria em nvel
internacional foram criados no mbito da Unesco: em 1946, substituindo o
Escritrio Internacional de Museus, foi institudo o Conselho Internacional de
Museus Icom, organizao no-governamental vinculada Unesco, com a
misso de zelar pela conservao, preservao e comunicao sociedade
do patrimnio cultural e natural, presente e futuro, tangvel e intangvel, do
mundo33. Em 1956, durante a 9 Sesso da Conferncia Geral da Unesco, a
foi proposta a criao de um centro internacional de conservao e
32
146
restaurao; esse centro foi fundado trs anos depois, em Roma, como
organizao intergovernamental, denominado Centro Internacional para o
Estudo da Preservao e Restaurao de Bens Culturais Iccrom34. Tambm
ligado Unesco e correspondendo ao Icom na rea de patrimnio, foi institudo
o Conselho Internacional de Monumentos e Stios Icomos, organizao nogovernamental de profissionais dedicados conservao dos monumentos e
stios histricos do mundo. O Icomos foi criado a partir do II Congresso de
Arquitetos e Especialistas em Edifcios Histricos, realizado em Veneza, em
1964, cujas 13 resolues finais incluram a Carta de Veneza, ou Carta
Internacional do Restauro35.
Os congressos e reunies promovidos por esses organismos
constituram importantes fruns de discusso, em nvel internacional, acerca
da preservao do patrimnio. Os documentos produzidos nessas ocasies
registram a evoluo conceitual decorrente das discusses relacionadas a
prticas, valores, impasses, possibilidades e dificuldades inerentes aos
processos de preservao dos vestgios do passado a qual, desde os
escritos de Alos Riegl e Camillo Boito at os debates contemporneos,
estendeu-se a uma escala planetria e continua a se expandir em amplitude e
profundidade.
Um olhar mais atento atuao das instituies de preservao dos
monumentos e stios de valor patrimonial, contudo, evidencia que as prticas e
polticas desenvolvidas nesse campo nem sempre acompanham, nas suas
aes cotidianas, o iderio construdo nas cartas patrimoniais. Esse fato
aponta para a complexidade e a extenso do conjunto das variveis de
carter tcnico, econmico, poltico, social e outras com poder de influenciar
os processos de preservao, especialmente no que se refere s reas
urbanas.
Anexa ao presente trabalho encontra-se uma relao dos principais
documentos acima citados, boa parte dos quais j se encontra reunida em
publicaes de referncia36; cabe, contudo, mencionar algumas das principais
cartas, convenes e recomendaes.
O primeiro documento oficial produzido em mbito internacional resultou
da Conferncia Intergovernamental da Unesco realizada em Haia, em 1945;
denominado Conveno Para a Proteo dos Bens Culturais em Caso de
Conflito Armado, tem por objetivo a proteo dos monumentos e reas
histricas nos casos de conflitos armados, visando evitar a destruio, o saque
e o roubo de bens culturais, tal como ocorrido na Segunda Guerra Mundial.
34
35
36
147
Cabe lembrar que a Revista do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional n 1, publicada em 1937, traz
um artigo de Mrio de Andrade sobre a Capela de Santo Antnio, no municpio de So Roque/SP, no qual
o autor, referindo-se ao que considera uma escassez de monumentos de alta qualidade artstica no Estado
de So Paulo, indica: O critrio para um trabalho proveitoso em defesa e tombamento do que o passado
nos legou tem de se pautar, em So Paulo, quase exclusivamente pelo ngulo histrico (SPHAN, 1937,
p. 147). O carter inovador atribudo aqui Carta de Veneza no significa que os valores histricos
haviam sido at ento desconsiderados, mas que, especialmente no que se refere orientao das
intervenes de restaurao dos monumentos, havia at ento predominado o olhar esttico sobre o
histrico, resultando, entre outros aspectos, na tendncia da se retornar feio primitiva do bem,
eliminando os sinais posteriores de sua histria de vida social.
38
A Organizao dos Estados Americanos OEA foi criada em 1948 como organismo regional ligado s
Naes Unidas, com o objetivo de zelar pelos interesses do continente americano. Ver website
http://www.oas.org/main/portuguese. ltimo acesso em maio de 2007.
148
39
149
Em maio de 1930 foi promulgada uma lei que objetivava proteger stios
de interesse patrimonial; essa lei, embora no visasse propriamente a
preservao de reas urbanas, destinava-se a proteger stios e paisagens com
um interesse geral do ponto de vista histrico, cientifico e at lendrio ou
pitoresco (SPHAN/PR-MEMRIA apud SANTANNA, 1995, p. 40), incluindo
a previso de uma rea de proteo, com regulamentao especial, ao redor
desses stios.
Em termos da legislao francesa, merece destaque a Lei Malraux, de
1962, considerada o marco jurdico mais importante no que se refere s reas
urbanas. Essa lei institui o instrumento denominado Plano Permanente de
Preservao e Valorizao PPPV, destinado a orientar as aes de seleo
e preservao de reas urbanas.
A partir da dcada de 1970 foram criados, no mbito do Estado francs,
diversos decretos e leis dispondo sobre reformas urbanas e restaurao
imobiliria, bem como rgos de apoio tcnico e financeiro. Em 1976 foi
promovida uma reforma da legislao urbanstica francesa que incorporou a
Lei Malraux e deslocou definitivamente a questo da preservao de reas
urbanas para o campo do planejamento urbano e territorial.
Sobre o caso francs, SantAnna aponta que a preservao de reas
urbanas na Frana (...) destina-se primordialmente reabilitao do estoque
habitacional. H muito deixou de ser uma medida de exceo e, por essa via,
promoveu um novo modo de urbanizao (SANTANNA, 1995, p. 42).
Na Gr-Bretanha o sistema de preservao estatal fundamenta-se sobre
trs instrumentos legais, criados a partir da dcada de 1950: o Ancient
Monuments Act (1953), o Civic Amenities Act (1967) e os Town and Country
Planning Acts (criados da dcada de 1970 em diante). Entre estes ltimos,
destacam-se as Statutory Lists, instrumentos que se assemelham ao
classement francs e ao tombamento brasileiro, porm com um nvel menor de
interveno do poder pblico sobre a propriedade privada; so inventrios
oficiais de monumentos, baseados em valores arquitetnicos ou histricos,
organizados pelo Estado com a participao de organismos privados. Os
imveis construdos antes de 1700 fazem automaticamente parte dessas listas.
Os imveis listados no Ancient Monuments Act so considerados
monumentos pblicos e sua conservao compete ao Estado. O Civic
Amenities Act estabelece a criao de reas urbanas de conservao, com
base em valores histricos ou arquitetnicos.
SantAnna aponta como caracterstica distintiva da legislao britnica a
participao da sociedade civil, indicando a existncia, na Gr-Bretanha, de
entidades civis de preservao cujas origens remontam ao sculo XVIII. A mais
importante dessas entidades o National Trust for Historic Preservation,
150
152
153
154
43
Para uma anlise um pouco mais aprofundada do desenvolvimento do campo museal no Brasil, ver
CHAGAS, 2003.
O Brasil iniciou o sculo XX com cerca de 12 museus e chegou ao sculo XXI (...) com 2.208
unidades museolgicas. (...) Estes dados j nos permitem compreender que no Brasil, diferentemente da
Europa, o sculo dos museus o sculo XX e no o XIX (CHAGAS e NASCIMENTO JR., 2007, p. 28).
44
155
156
46
Ver CHAGAS, Mrio. Museu, Memrias e Movimentos Sociais. Revista Museu. Disponvel em
http://revistamuseu.com.br/18demaio/artigos.asp?id=16512. ltimo acesso em outubro de 2008.
157
promulgada nesse mesmo ano, apontava como dever do Estado ainda que
de forma incipiente a proteo do patrimnio47 (CHAGAS, 2008, p. 78).
Cabe lembrar que nesse momento apenas um documento internacional
voltado para a preservao do patrimnio havia sido produzido. Trata-se da
Carta de Atenas, resultante do 1 Congresso de Arquitetos e Tcnicos de
Monumentos, realizado em 1931 e organizado pelo Escritrio Internacional de
Museus da Sociedade das Naes. Nesse documento, a concepo de
patrimnio prende-se s noes de monumento e de excepcionalidade48.
A Inspetoria de Monumentos Nacionais dedicou-se, entre outros
assuntos, ao estudo e conservao da cidade de Ouro Preto. O volume V
dos Anais do Museu Histrico Nacional, na seo de abertura, intitulada
Documentrio da Ao do Museu Histrico Nacional na Defesa do Patrimnio
Tradicional do Brasil, apresenta um relato das aes empreendidas pela
Inspetoria, comandada pelo prprio diretor do Museu, Gustavo Barroso:
Da diretoria do Museu partiu a ideia de defender os nossos
monumentos nacionais; por ela durante anos seguidos se
bateu o seu diretor e, depois de ter criado o rgo
encarregado dessa defesa, de 1934 a 1937 o dirigiu (...).
Esse rgo, intitulado Inspetoria de Monumentos Nacionais,
(...) realizou as obras que se vero a seguir, isto , a
restaurao de quase todos os templos, pontes e chafarizes
tradicionais de Ouro Preto (MUSEU HISTRICO
NACIONAL, 1944, p. 5).
importante observar que o relatrio produzido por Gustavo Barroso foi
publicado em 1944, sete anos depois da extino da Inspetoria e da criao do
Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. A narrativa de Gustavo
Barroso pode ser lida como um esforo deliberado de afirmao de uma
memria que tendia ao esquecimento, em virtude da substituio da Inspetoria
por outro organismo de patrimnio no mbito do governo federal, a partir da
ao poltica dos modernistas.
Em 1936, por solicitao de Gustavo Capanema, Ministro da Educao
e Sade, Mrio de Andrade elaborou um anteprojeto para a criao do Servio
do Patrimnio Artstico Nacional, no qual os museus ocupavam um lugar
privilegiado49. Numa concepo avanada de patrimnio, o autor propunha a
47
A Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, em seu Ttulo V,
Captulo II, Artigo 148 diz: Cabe Unio, aos Estados e aos Municpios (...) proteger os objetos de
interesse histrico e o patrimnio artstico do Pas (...).
48
A segunda Carta de Atenas, publicada em 1942, apresentava o resultado das discusses sobre
problemas urbanos levadas a cabo no IV CIAM, em novembro de 1933. Registre-se que esse documento
tambm considerava o patrimnio pelo vis da monumentalidade e excepcionalidade.
49
Ver CHAGAS, 2006.
158
159
51
160
161
162
163
164
Em 1979, por meio da lei n 6.757, foi criada a Fundao Nacional PrMemria FNPM, instituio paralela Sphan, compondo uma tensa e
complexa parceria, que perdurou at 1990.
A atuao de Alosio Magalhes na presidncia da Fundao Nacional
Pr-Memria contribuiu para a ampliao do conceito de patrimnio histrico
para patrimnio cultural, com a incorporao de um vis antropolgico. O
duplo Iphan-PrMemria expandiu seu campo de atuao, passando a
inscrever nos livros de tombo bens como a Fbrica de Vinho de Caju Tito Silva
(PB), a Serra da Barriga (AL) e o Terreiro da Casa Branca (BA)
(MINC/IPHAN/DPI, 2006). A concepo dinmica e viva de patrimnio
assumida por Magalhes est representada no Museu Aberto de Orleans (SC),
experincia que articula museu e patrimnio em suas mltiplas manifestaes.
FNPM foram incorporados todos os denominados museus nacionais
vinculados ao Ministrio da Cultura e tambm alguns outros museus que, no
sendo nacionais, constituam unidades com autonomia administrativa. No
mbito da Fundao Nacional Pr-Memria instalou-se, em 1983, o Programa
Nacional de Museus, voltado para o desenvolvimento dos museus 56.
importante registrar que em 1984 foi realizado em Quebec, Canad, o
Atelier Internacional da Nova Museologia, no qual se produziu a Declarao
de Quebec, que retomava as orientaes derivadas da Mesa-Redonda de
Santiago do Chile, de 1972.
Incorporando as discusses de poltica museolgica desenvolvidas entre
as dcadas de 70 e 80, surgiria, em 1986, o Sistema Nacional de Museus, que
tinha por objetivo articular e apoiar financeiramente projetos museolgicos.
Em 1990, o governo neoliberal de Fernando Collor de Mello extinguiu a
Fundao Nacional Pr-Memria e a Secretaria do Patrimnio Histrico e
Artstico Nacional, criando, em substituio, o Instituto Brasileiro do Patrimnio
Cultural IBPC. Dois anos depois, com o impeachment de Collor, o governo foi
assumindo por Itamar Franco, que em 1994, atendendo a demandas internas e
externas ao IBPC, alterou por medida provisria o nome da instituio, a qual,
apesar de manter as mudanas estruturais com relao s estruturas
precedentes, assumiu o nome de Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico
Nacional Iphan57.
56
Com uma ou outra exceo, o Programa Nacional de Museus atuou quase exclusivamente em benefcio
dos museus ligados ao Ministrio da Cultura.
57
Desde sua criao, a Instituio havia sido identificada como Patrimnio Histrico e Artstico
Nacional seja como Servio (sua configurao inicial, que vigorou de 1937 a 1946) - SPHAN, como
Diretoria (nome vigente entre 1946 e 1970) - DPHAN, como Instituto (de 1970 a 1979) IPHAN ou
como Secretaria (de 1979 a 1990, articulada Fundao Nacional Pr-Memria) - SPHAN. Em muitos
textos de trabalho, especialmente os mais antigos, os tcnicos referem-se Instituio como Phan.
Ainda hoje muito comum, em expresses verbais, ser chamada simplesmente de patrimnio. Mesmo
165
com as alteraes parciais acima descritas, o nome e a sigla haviam adquirido reconhecimento pblico e
valor afetivo. Assim, o novo nome Instituto Brasileiro do Patrimnio Cultural e, especialmente, a sigla
IBPC causou estranheza e desconforto a grande parte do corpo tcnico da Instituio e a muitos
interlocutores externos, que consideravam a alterao do nome como uma perda de identidade.
58
59
166
61
62
167
Idem.
Alcntara (MA), Belm (PA), Cachoeira (BA), Congonhas (MG), Corumb (MS), Diamantina (MG),
Gois (GO), Ic (CE), Laranjeiras (SE), Lenis (BA), Manaus (AM), Mariana (MG), Natividade (TO),
Oeiras (PI), Olinda (PE), Ouro Preto (MG), Pelotas (RS), Penedo (AL), Porto Alegre (RS), Recife (PE),
Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), So Cristvo (SE), So Francisco do Sul (SC), So Paulo (SP),
Serro (MG).
65
O conceito de gentrificao ser explicado mais adiante, no captulo 4.
64
168
169
67
Ver http://www.museus.gov.br/os-museus/museus-ibram/
170
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
172