10 Cap 03
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3.1.
Estrutura da epstola aos Glatas
Quanto estrutura da epstola aos Glatas, difcil se chegar a uma
estrutura convincente, inclusive sendo bastante difcil tambm definir os seus
blocos1. Diante da falta de consenso e das vrias possibilidades que a epstola
oferece, surgem, pois, vrias propostas de divises da epstola. O trabalho, ento,
deve ser feito considerando as tonalidades enfatizadas e o contedo2.
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51
usada nos tribunais para se dirigir ao juiz ou ao jri a fim de defender ou acusar
algum a respeito de atos passados. Paulo se defende de acusaes (Gl 1, 10); ao
mesmo tempo, acusa os adversrios de transtornar o evangelho (Gl 1, 7). Usando
as categorias da retrica forense clssica. Betz assim resume Glatas:
I.Preceito epistolar (Gl 1, 1-5);
II. Exordium (introduo, Gl 1, 6-11);
III. Narratio (narro, Gl 1, 12- 2, 14);
IV. Propositio (proposio, Gl 2, 15-21);
V. Probatio (confirmao, Gl 3, 1- 4, 31);
VI. Exhortatio (exortao, 5, 1 -6, 10);
VII. Ps-escrito epistolar-Peroratio (concluso, Gl 6, 11-18);
A posio defendida por Betz sofreu muitas crticas7, afirmam que essa
estrutura no seria possvel pelo fato do texto na verdade se tratar de um gnero
deliberativo8, j outros negam a estrutura citada por entender que se est diante de
um gnero demonstrativo9 .
Existem ainda propostas de estruturao da epstola aos Glatas mais
simples e enxutas que apesar de no aprofundarem as discusses, trazem bastante
clareza na leitura geral da mesma. Uma destas possibilidades sinttica aquela
apresentada por Donald Guthrie10:
I)1.1-5-Introduo;
II)1.6-10 - A apostasia dos Glatas;
III)1.11-2,21 - A apologia de Paulo;
IV) 3.1-4,31 - O argumento doutrinrio;
V) 5.6-10 - Exortaes ticas;
VI) 6.11-18 - Concluso.
Dentre os vrios autores crticos da proposta de estruturao defendida por Betz, pode-se destacar
G.A. Kennedy. Cf KENNEDY. G.A. Retrica y Nuevo Testamento, p. 270-284.
8
Cf Kennedy, G.A. Retrica y Nuevo Testamento, p. 270-284. Ele defende que se est diante de
um gnero deliberativo.
9
Gnero utilizado como fator didtico, estruturado sob elogio e crtica. Cf. PITTA, A.
Disposizione e Messaggio deka Lettera ai Galati, p.212.
10
GUTHRIE, Donald. In Glatas: Introduo e comentrio, p. 04.
52
Apesar da falta de consenso sobre a diviso da epstola aos Glatas, as
vrias possibilidades apresentadas por cada especialista a partir das suas
perspectivas so vistas de certa forma como uma evoluo na tentativa de
solucionar a questo que permanece aberta11.
Por concordarmos que a questo permanece aberta, assim como os
trabalhos so observados evolutivamente12, sem necessariamente requerer
excluso das dissidncias, optamos portanto pela estruturao que segue
sintetizada a seguir13:
PARTE I
Glatas 1-2: O verdadeiro evangelho e os conflitos de Jerusalm e Antioquia
1.1-5 Endereo e saudao: Paulo procura se apresentar, definitivamente, como
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apstolo;
1.6-10 O anncio do Evangelho: s existe um Evangelho;
1.11-17Paulo recebe o Evangelho direto da revelao de Deus e chamado a
evangelizar;
1.18-2,10 O encontro com as Igrejas da Judia e a abertura destas aos gentios;
2.11-21 Um contundente conflito e a apresentao do Evangelho
PARTE II
Glatas 3-4: Demonstrao bblica: A f, a liberdade crist, a unidade em
Cristo, a abertura de fronteiras
3.1-5 A experincia crist dos glatas;
3.6-14 Os que vivem a f beneficiam-se das promessas feitas a Abrao (pai da
f);
3.15-29 Ser herdeiro de Abrao significa aderir a
Cristo: a busca do igualitarismo:
a)3.15-18: A Lei no anula a promessa feita a Abrao;
11
53
b)3.19-20: Finalidade e situao da Lei;
c)3,21-22: A Lei no contra as promessas;
d)3,23-25: A Lei no foi como um pedagogo at a vinda de Cristo;
e)3,26-28: Ao revestir-se de Cristo, os fiis experienciam a unidade e o
igualitarismo:
A hipfise da epstola;
A abertura de fronteiras em vrias direes;
No h judeu nem grego;
No h escravo nem livre;
No h homem (macho) e mulher (fmea);
Um s: a unidade em Cristo faz abrir todas as fronteiras;
54
3.2.
Estrutura de Glatas 3, 26-28
A percope de Glatas 3.26-28 est inserida em um contexto imediato
estrutural-argumentativo, onde est resumidamente condensada na frmula destes
trs versculos. No entanto, existe desde Gl.. 3.15 uma srie de fragmentos de
questes relacionadas f, a Abrao e herana oriunda da promessa.
A partir de Glatas 3.15 iniciado um discurso que tem como cerne maior
e condensador a percope de 3.26-28 onde Cristw/| VIhsou/ (Jesus Cristo)
apresentado como elo, retornando no contexto imediato posterior (Gl. 3.29) ao
tema da herana e promessa.
O texto fica situado no meio da epstola, ao mesmo tempo em que fica no
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14
FERREIRA, Joel Antonio, Tese: A Abertura das Fronteiras Rumo Igualdade e Liberdade: A
Percope Da Unidade em Cristo Jesus (Gl 3,26-28), p. 123.
15
TENNET, Merrill C. Glatas: Escritura da Liberdade Crist. pp.149-152.
55
Partes
Contedo
Referncia
01
3,1-5
02
3,6-14
03
3,15-22
04
05
4,8-11
06
4,12-20
07
3,26
II.
3,27
III
3,28
IV
3,28
56
emancipados da Lei no necessitam reconhecer a autoridade desta sobre suas
vidas (Gl.. 3.25); enquanto que o versculo sucessivo destaca que, na qualidade de
filhos que desfrutam de plena liberdade, os destinatrios tornam-se herdeiros
idneos para receber os frutos dos recursos do pai (3,29) 19.
3.3
Delimitao e Unidade de Glatas 3, 26-28
As delimitaes de Glatas 3, 26-28 nem sempre foram motivo de absoluto
consenso entre os estudiosos. Vrias so as formulaes que de forma geral
ampliam a delimitao da percope, quase sempre para pores bem maiores
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24
19
25
57
de maneira harmoniosa e conclusiva, fechando a discusso com a afirmativa de
Glatas 3.28:
hemeis (ns) que est claramente presente no versculo 25, para hymeis (vs)
no versculo 28, depois retornando a utilizar hemeis (ns) no versculo 29 algo
bastante significativo e que merece ateno 27.
O quinto elemento demonstra que o texto possui um jogo que comprova se
tratar de uma unidade completa. Trata-se do aspecto literrio, aO termo Hymeis
(vs) ajuda a compreender e delimitar a percope, pois o autor no incio usa na 2
pessoa do plural (3,1-12). Depois passa para a 1 pessoa do plural hemeis (3,1325). Retoma a 2 pessoa do plural (3,26-28). Segundo Ferreira, o autor utiliza a
primeira quando se coloca dentro da reflexo e usa a segunda quando se dirige aos
leitores, como o caso aqui.
O sexto elemento a ser considerado o fato de que Gl. 3.26-28 condensa
em si os conceitos que vinham sendo trabalhados anteriormente (Gl. 1.1-3.25) e
de forma sinttica adianta e reafirma que vem depois (Gl. 3, 29-6,18) 28.
Alm dos argumentos defendidos pelo telogo anteriormente citado, a
observao do texto permite concluir que muitos outros elementos argumentativos
para a delimitao ainda podem ser adicionados e considerados.
26
No versculo 29 de Glatas 3, Cristw/| VIhsou/ (Jesus Cristo) ainda aparece, mas j no mais o
personagem central, pois o referido texto ir circunscrever sua ateno para o tema da herana.
27
Cf FERREIRA, Joel Antonio, Tese: A Abertura das Fronteiras Rumo Igualdade e Liberdade:
A Percope Da Unidade em Cristo Jesus (Gl 3,26-28), p. 107.
28
Ibid., p. 107.
58
Um outro argumento importante tem carter de movimento literrio onde
utiliza o paralelismo como elemento de abertura e fechamento da percope.
Conforme pode ser observado no quadro abaixo 29.
Momento
3,26
Pa,ntej ga.r ui`oi. qeou/ evste dia. th/j pi,stewj evn Cristw/| VIhsou/\
Abertura
3, 28d
Fechamento
Cristw/| VIhsou e no th/j pi,stewj evn Cristw/| VIhsou. Desta forma, existe uma
supresso da seguinte parte: th/j pi,stewj evn. A partir da nota apresentada, existe
uma mudana na traduo do texto em questo salientado, apesar de no mudar
essencialmente o mesmo.
O paralelismo evidenciado no quadro anterior, demonstra que havia uma
coeso interna na percope com uma mensagem clara sem necessidade de maiores
explicaes externas. Assim, Gl. 3.26 abre uma temtica unitria quanto
filiao, sendo seguida das descries assimtricas, e fechando novamente com
um chamado unidade em Cristo Jesus.
Ainda outros argumentos podem ser apresentados a favor da
possibilidade de delimitao da percope de Glatas 3.26-28. Ela representa uma
sntese da epstola de forma batante abrangente e uma sntese do ambiente
imediato ao texto. A Lei pode ser apresentada como tutor menor
30
, mas
apontando o verdadeiro e essencial tutor, que o que traz a todos numa unidade
em torno de si (3.26-28). Estes que esto sob a Lei no perdem as promessas da
Lei, pois so herdeiros da promessa (3.29), no havendo incompatibilidade entre
f em Cristo Jesus e herana da promessa, pelo contrrio, ambos esto
simetricamente alinhados (3.19-22).
29
59
Existe ainda a possvel delimitao temtica j antes (3.23-25), onde a
Lei que estava em evidncia, pois o cumprimento da mesma seria o que
garantiria o acesso herana da promessa. Agora (em Gl. 3,26-28), a f, a unidade
e o batismo validados na pessoa de Jesus Cristo sos os aportes rumo superao
das assimetrias e garantia de que, na Nova Aliana, todos se tornem herdeiros da
promessa (3.29).
O quadro demonstra esse enfoque temtico:
REFERNCIA
3, 23-25
3,26-28
TEMTICA
EVIDNCIA
de Cristo
herana da promessa
Elemento de
Unidade.
3, 29
Herdeiros da mesma
promessa
31
31
Cf FERREIRA, Joel Antonio, Tese: A Abertura das Fronteiras Rumo Igualdade e Liberdade:
A Percope Da Unidade em Cristo Jesus (Gl 3,26-28), 2001.
60
2.3
Aspectos Literrios
Ao trabalhar algumas questes relacionadas aos aspectos literrios do texto,
faz-se necessrio emitir algum juzo sobre a qualidade do texto, estilo, contedo,
retomada da estrutura geral, e outros aspectos que permitem um olhar do ponto de
vista literrio no somente da percope analisada no presente trabalho, mas de toda
a epstola aos Glatas.
Conforme j fora detalhadamente apresentado na crtica textual, existem
poucas notas crticas (apenas quatro notas) na parte analisada da missiva (Gl.
3.26-28), sendo que nenhuma delas efetivamente importante a ponto de mudar o
sentido total da anlise.
Outro aspecto importante o fato de que no existem grandes contestaes
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32
32
61
rabnicos, bem como conhecer a linguagem diatribe cnico-estica 34, a elaborao
da anttese e do exagero semita 35.
Glatas, portanto, trata-se de um escrito epistolar36, com teor apostlico e
tom apologtico. O autor lana mo da autobiografia como elemento de defesa
daquilo que prega, usando tambm a anttese entre Lei e f para defender que a
filiao e a herana se do por meio da f e no pela Lei.
Quanto estrutura literria da epstola aos Glatas, no residem muitas
divergncias entre os estudiosos, que reconhecem em linhas gerais uma pequena
introduo (1.1-10), onde apresentado o remetente, e o destinatrio e o motivo
da epstola. No corpo da carta (1.11-6,10) encontram-se trs grandes sees. A
primeira (1.11-2.21) pode se caracterizar por ter um carter histrico-apologtico
por defender a origem divina do evangelho do apstolo 37. A segunda seo (3.15.12) tem um carter mais doutrinal, referindo-se aos argumentos direcionados
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62
na promessa acessada pela f em Cristo Jesus. A questo que existiam
empecilhos assimtricos de diversas naturezas que ameaavam a proposta de uma
igreja una. Em Glatas 3.28, Paulo enumera pelo menos trs categorias
assimtricas (tnico-religiosa, social e de gnero) onde existiam a lgica do
supostamente privilegiado em detrimento do outro, inferiorizado na relao.
No campo tnico-religioso, o judeu se considerava povo eleito, filho da
promessa, limpo, separado, puro, escolhido, especial e santo. Havia provocadores
na comunidade, incitando aos cristos conversos aderirem s prticas judaizantes.
Enquanto o judeu se considerava a parte privilegiada, os gregos eram
considerados pagos e impuros. Logo, a parte no privilegiada, inferiorizada.
No campo social, o escravo no era detentor da prpria liberdade. Portanto,
era a parte fraca e explorada, inferiorizada. Enquanto isso, o livre, que podia ser
inclusive senhor do escravo, era a parte privilegiada e podia gozar daquilo que a
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ele mantivesse a lgica construda da primeira relao (privilegiadoinferiorizado), falando primeiro do privilegiado (livre), para somente depois falar
do inferiorizado (escravo), mas no o que acontece. Na terceira categoria, Paulo
novamente quebra a relao lgica, iniciando pela segunda categoria, conforme
Gl. 3.28, descrito a sequir:
39
63
No h judeu nem grego, no h escravo nem livre, no h
homem nem mulher, todos vs sois um em Cristo Jesus.
MULHER- Inferiorizada
GREGO - Inferiorizado
LIVRE - Privilegiado
MULHER - Inferiorizada
64
Demonstrao de uma teologia baseada na valorao do outro, a no
manuteno da relao de poder esperada revela que as hierarquias no podem
sobreviver diante daqueles que se vinculam a Cristo Jesus. Nele, Jesus, todos so
nivelados em um mesmo patamar. A (i)lgica expressada fala de uma nova lgica
comunitria, baseada no mais na Lei, mas na pessoa e na f em Jesus Cristo.
A percope analisada ainda apresenta o recurso do paralelismo
41
, que
Diviso:
3,26: Todos pois vs sois filhos de Deus, mediante a f em Cristo Jesus;
3,27: Todos quantos pois em Cristo fostes batizados , Cristo vos revestistes;
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PARALELISMO O1
ABERTURA E FECHAMENTO
41
65
PARALELISMO O2
FIM DE CADA VERSO
Entre 3.26, 3. 27 e 28d.
Cristo Jesus / Cristo
3. 5.
Texto Grego de Glatas 3,26-28 42
3,26 Pa,ntej ga.r ui`oi. qeou/ evste dia. th/j pi,stewj evn Cristw/| VIhsou/\
3,27 o[soi ga.r eivj Cristo.n evbapti,sqhte( Cristo.n evnedu,sasqe
3,28 ouvk e;ni VIoudai/oj ouvde. {Ellhn( ouvk e;ni dou/loj ouvde. evleu,qeroj( ouvk e;ni
a;rsen kai. qh/lu\ pa,ntej ga.r u`mei/j ei-j evste evn Cristw/| VIhsou/
42
66
3.6.
Crtica Textual de Glatas 3, 26-28
A percope analisada e tida como essencial para o presente trabalho, a
saber, Glatas 3.26-28, no suscita grandes problemas quanto a crtica textual,
nem para anlise global, nem para anlise objeto da presente pesquisa. A
transmisso do texto de fato no oferece problemas significativos
43
quanto ao
aparato crtico. Mesmo assim, optamos por mencionar o que alguma forma se
destaca.
No versculo 26 aparece uma nota44 onde traz a informao de que o
Papiro P46 45 que seguido pelo P2462, Cl46 e outros poucos manuscritos omitem
as expresso th/j pi,stewj. Pois apresentam da seguinte forma: ... qeou/ evste dia. evn
Cristw/| VIhsou e no th/j pi,stewj evn Cristw/| VIhsou . Com a supresso sinalizada
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Variaes na traduo
NESTL-
Pa,ntej ga.r ui`oi. qeou/ evste dia. th/j pi,stewj evn Cristw/| VIhsou/\
ALAND
P46, P2462,
Pa,ntej ga.r ui`oi. qeou/ evste dia. --- ------- evn Cristw/| VIhsou/\
CL e demais.
43
67
uma
48
49
68
a, B, C, D, Y 0278,
52
, a saber, ei
ei-j- evste evn Cristw mantendo assim a possvel traduo:
3.7.
Traduo
3,26: Todos pois filhos Deus sois, mediante a f em Cristo Jesus
3,27: Todos quantos pois em Cristo fostes batizados , e de Cristo vos revestistes
3,28: No h judeu nem grego, no h escravo nem livre, no h macho e fmea,
todos pois vs um sois em Cristo Jesus.
3.8.
Carter universal de Pa,ntej em Gl. 3.26-28
51
52
69
53
53
54
55
. Havia
70
uma generalizao das leis de pureza 56. Se um no-judeu, como, por exemplo, um
gentio, quisesse aceitar o judasmo, precisava cumprir uma srie de requisitos da
Lei de Moiss e se tornar um proslito. Tinha de praticar as obras da Lei, pois,
caso contrrio, no poderia ser considerado um filho de Deus.
A indicao universal proposta est no fato de afirmar que todos podem
ser filhos de Deus, no mais pelas obras, mas pela f. No havia mais a restrio
exclusivista judaica; qualquer um, quer judeu, quer grego, quer romano, quer
glata ou de qualquer outra origem, podia se tornar filho de Deus, sem ter de se
tornar semelhante a um judeu circuncidado.
A universalidade aberta tinha impactos imediatos nas igrejas da Galcia,
visto que os judeus da Galcia provavelmente mantinham as tradies e crenas
judaicas dentre os seus valores mais caros, observando at a importncia dada s
leis de purezas da Torah. A pureza apregoada marcava Israel no seu dia a dia
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57
71
irmo. A perspectiva niveladora inevitavelmente forava mudanas nas
percepes sociais da realidade.
No todos estavam tambm includos as mulheres e homens (3.28). A
mulher que, assemelhando-se ao escravo, era considerada uma posse do pai, do
irmo ou do marido. Se grande parte da sociedade de ento supervalorizava um
sexo em detrimento do rebaixamento e desvalorizao do outro, a tendncia
natural que na igreja estas relaes tendessem a se manterem. Era, pois, a
assimetria cultural sendo absorvida no lcus da igreja.
Uma vez que se v includa a mulher na percope em questo, tem-se a
perspectiva de um novo olhar; olhar de alteridade que reconhece mais que a
categoria sexual, mas a universalidade e igualdade diante de Deus. Propomos que
Paulo tinha preocupaes claras em relao transmisso e entendimento aos
Glatas quanto s implicaes de uma total abertura do evangelho, tendo em vista
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pa,ntej.
No versculo 27 encontra-se a expresso pois todos: este versculo d a
base da asseverao confiante no v.26. quantos fostes batizados em Cristo: 0
mesmo pensamento numa forma mais desenvolvida ocorre em Romanos 6:3-11.
Os primeiros cristos atribuam muita importncia ao batismo dos crentes. Era o
sinal da entrada em um novo tipo de vida, contrastando nisto com a circunciso,
que no podia fazer mais do que introduzir as pessoas num sistema legal. A
preposio "em" significante, pois parece que Paulo praticamente considerava
que a vida crist se localizava em Cristo. Ele usa a mesma frmula em 1Corntios
10:2 acerca dos israelitas sendo batizados em Moiss59.
59
72
Diante de Cristo Jesus ocorre um nivelamento das relaes, onde todos
igualmente so de forma enftica apenas filhos. No existem, portanto, aqueles
que so mais filhos do que outros - seja por conta da sua religio, nacionalidade,
condio social, gnero, cor, opo poltica ou qualquer outra caracterstica
identitria. Todos, por meio da f, so igualmente e universalmente apenas
filhos de Deus - e isso constitui condio sublime.
3.8.1.
Filhos de Deus (ui`
ui`oi. qeou/): proposta de filiao.
A filiao atravs da pessoa de Jesus Cristo, conforme bem descrito em
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60
WITHERINGTON III, Bem. Grace in Galatia: A commentary on Pauls Letter to the Galatians.
Michigan: William B.E.P.C Gran Rapids, pp. 267-270.
61
FERREIRA, Joel Antonio. Tese: A abertura de fronteiras rumo igualdade e liberdade : A
percope da unidade em Cristo (Gl 3,26-28), p.134.
73
em Glatas 4.31, uma comparao da mulher escrava (Agar) com a montanha
onde buscara refgio na Arbia. Quanto mulher livre, comparou montanha de
Sio, Jerusalm. A mulher evoca o Sinai, o Sinai evoca a Lei dada a Moiss. Com
essa analogia, Paulo mostra que a mulher escrava estaria escravizada vivendo
sombra da Lei, sendo serva dos sinais. Ao contrrio disso, Jerusalm no a
cidade da Lei, mas a cidade onde os profetas anunciaram a realizao da nova
aliana, a aliana da liberdade, o que mostraria a forte oposio entre Lei e
liberdade 62.
Paulo, ao se dirigir aos glatas e afirmar que eles eram filhos de Deus, est
de forma objetiva mudando a perspectiva que muitos tinham sobre a filiao
divina, o que antes seria bem improvvel, mas que passaria a vigorar, pois aqueles
que outrora eram rejeitados passariam a pertencer a uma nova proposta, que a do
reino dos filhos de Deus; reino dos unidos em Cristo Jesus. Certamente este fato
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74
O novo modelo de pertencer e ser povo e filho de Deus no restringia o
indivduo pelo fato de no ser de origem judaica e por no cumprir os ritos, bem
como no circunscrevia privilgios aos ricos e senhores, nem apenas aos homens.
A nova proposta era includente, agregadora e niveladora.
3.8.2
A f (pi,stij) em contraposio lei.
A expresso pi,stewj (pisteos) presente em Glatas 3, 26, relacionado com
pi,stij (pistis), pode ser traduzido por f, confiana, crer e depender. Na literatura
grega clssica significa a confiana que se tem nas pessoas ou nos deuses.
Tambm pode denotar credibilidade, garantia ou ainda prova 65.
No Novo Testamento a f altamente proeminente. O substantivo pistis e
o verbo pisteu ocorrem ambos mais de 240 vezes e o adjetivo pistos ocorre
sessenta e sete vezes. A nfase sobre a f deve ser vista diante da obra salvadora
de Deus em Cristo Jesus. A f a atitude mediante a qual o homem e mulher
abandonam toda a confiana em si mesmos para obterem salvao por outro meio
que no suas prprias foras e aes. A f apresentada no NT como nico meio
de algum receber a salvao 66.
A f um dos conceitos mais importantes do Novo Testamento. Em toda
parte requerida e sua importncia insistentemente salientada. F significa
abandono de toda confiana nos prprios recursos. F significa apegar-se s
promessas de Deus e Cristo, dependendo inteiramente da obra terminada de Cristo
referente salvao, implica em dependncia e obedincia ao Senhor 67.
O termo hebraico que se acha na base dos termos do NT pistis e pisteuin
aman. Em essncia, essa palavra significa ser firme, slido e ainda podendo
derivar a palavra fiel. O nifal do verbo significa ser digno de f, onde, em relao
a uma pessoa, estar certa ou ser de confiana, e em relao a uma coisa, ser
verdadeira ou genuna. O hifil, ou forma causal do verbo, no significa
65
75
simplesmente tornar firme ou certo, mas aceitar algo. Firme, certo ou verdadeiro,
digno de f ou seguro. Assim, aceita-se uma palavra ou informao como
verdadeira 68.
Os hebreus aceitavam o relato de Moiss sobre sua experincia como
verdade e aceitavam Moiss como guia designado por Deus para lev-los para
fora do Egito (Ex 4,5.8.31;19,9; tambm cf. 1Rs 10,7; Jr 40,14; Is 53,1; Hab 1,5).
Acredita-se num servo (J 4,18); por essa crena professa-se que eles so
verdadeiros, genunos e de confiana para agir de acordo com suas ordens ou
amizade. O substantivo derivado desse verbo `mnah, solidez ou firmeza (ex
17,12) e `emet. O que firme d segurana (Is 33,6), Deus oferece slida
segurana por causa de sua fidelidade (SI 36,6). Hab 2,4 com quase toda certeza
significa, um homem justo viver pela sua fidelidade, i.., pela sua fidelidade a
Iahweh; o termo nunca significa o ato subjetivo de crena ou confiana: `emet
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68
76
A pessoa de Jesus Cristo ocupa na percope de Glatas 3.26-28 um lugar
todo especial, Ele a referncia, a figura modelar. No entanto, o modo de se
chegar a esse Cristo e encontrar a justia lanando mo da f, conforme bem
descrito Romanos 3.28, Glatas 2.16 e Hebreus 11.6 72.
Conclumos, pois, que o homem justificado pela f, independentemente das
obras da lei (Romanos 3, 28).
Sabendo, contudo, que o homem no justificado por obras da lei, e sim
mediante a f em Cristo Jesus, tambm temos crido em Cristo Jesus, para que
fssemos justificados pela f em Cristo e no por obras da lei, pois, por obras da
lei, ningum ser justificado (Glatas 2,16).
Textos extrados da bblia Verso da Bblia Revista e Corrigida de Joo Ferreira de Almeida.
FERREIRA, Joel Antonio, Glatas: A epstola da abertura de fronteiras, 2005.
77
qual Paulo condena veementemente. Ele tem muito claro de que a justificao
pela f e no pela lei, logo, rejeita toda e qualquer exigncia para que os cristos
convertidos passarem por ritos judaicos ao se converterem, pois para Paulo a f
era o suficiente. Para ratificar sua posio ele argumenta que at mesmo Abrao
fora justificado pela f 74 e no pelas obras, logo, a salvao no estava na lei, mas
na f em Jesus Cristo.
Mostrar que a Lei serviu de aio com cunho pedaggico, faz perceber que o
aluno/crente ganha maturidade e no precisa mais da lei, mas est livre em Cristo
Jesus para caminhar com a f. Paulo tem a clara inteno de neutralizar os
agitadores, pois a f aponta ao mesmo tempo para uma eclesiologia cristocntrica
e garante a estabilidade e a unidade naquela comunidade.
Em Glatas a Lei no perde seu propsito que, conforme fora dito, era o de
conduzir a Cristo. No se trata de uma rejeio da lei, mas de uma ampliao
teolgica, pois Paulo afirma de forma clara e efusiva que no pode haver outro
evangelho. Por isso Cristo veio resgatar toda a humanidade e no apenas a raa
judaica. Sendo assim, no pode haver distino entre judeu e grego, escravo e
livre, homem e mulher. A Lei mosaica fazia distino, mas em Jesus Cristo no
pode haver esta distino, visto que a exigncia apenas a f, assim como
aconteceu com Abrao, justificado, segundo Paulo, por meio da f. A mesma f
que justifica qualquer um que crer, indistintamente da origem genealgica, racial,
social e de gnero.
O plano de salvao defendido por Paulo passa por uma mudana de
estado, mudana de lugar, de um ponto para outro, com essa finalidade, sendo que
o grfico de Sanders 75 ajuda na compreenso:
74
75
Cf Glatas 3, 6-9
SANDERS, E.P. Paulo, a Lei e o povo judeu. p.21
78
-sob o pecado
-no pecado
-sob a lei
-pecadores
-inimigos
-morte
-condenados
-injustos
-justia sob a
Lei/recusa
-f
-justificados
-reconciliados
-lavados
-santificado
-a morte de Cristo
-como purificao
-participao na morte
de Cristo
-no pela lei
-justos
-vida
-no esprito
-esprito de vida
-em Cristo
-justificados
-filhos de Abrao
-filhos de Deus
-de Cristo
-justia que vem de
Deus
-obras da carne
-no herdam o reino
-transgresso
-o fim a destruio
-castigo
-arrependimento
-frutos do esprito
-fruto da justia
-a lei de Cristo
-toda a lei
-a lei/os mandamentos
-os mandamentos de
Deus
-irrepreensveis
-irreprovveis
-santos
-fazendo o bem
-puros e irrepreensves
-moral, puro, santo
-no se arrependem
-excluso
-salvao
-salvao
79
f. Se retornarem a Lei, estaro se aprisionando e sero amaldioados, lembrando
a afirmao de que diz: maldito todo aquele que no se atm a todas a
prescries que esto no livro da Lei para serem praticadas (3,19 , Dt. 27,26) 76.
Para James Dunn a funo da Lei posta em oposio f
77
; para ele a
Lei na teologia paulina faz aluso ao trip lei, pecado e morte, assim como pode
fazer aluso a outro trip, constituindo na lei, vida e morte. Em Romanos 7, o
mandamento dado para a vida produziu a morte, assim como em 2Cor 3.6-7. A lei
apresentada e representada atravs da letra que mata. J em Glatas 2.19, Paulo
d o testemunho de que pela lei ele morreu para que possa viver para Deus.
O desafio paulino de colocar a f como critrio nico de acesso ao pacto
da nova aliana, sem dvida era uma tarefa e tanto, visto que tal proposta
76
80
primeiramente para regular a vida do povo de Deus, portanto, seu papel
secundrio, visto que a iniciativa da relao partia de prprio Deus e no da Lei e
si. A resposta correspondente do lado humano a essa iniciativa divina a f, que
Ado no mostrou, mas que Abrao o demonstra com grande propriedade 80.
Paulo certamente tinha conhecimento da afirmao de Jesus sobre a Lei,
mas defende, seguindo Jesus, que o grande mandamento da Lei consiste em amar
a Deus sobre todas as coisas e amar o prximo como a si mesmo (Mt. 22.37-40).
Ao estimular o amor e tirar a Lei de cena estaria Paulo, entrando em contradio?
80
81
A Lei pode ser vista como a lei de transito, que exterior e insuficiente
para seres humanos imperfeitamente espiritualizados
84
. Os cidados recebem as
serviu para que o apstolo defendesse o fato de que os discpulos de Jesus esto
dispensados de cumprir as regras religiosas da Lei, e que elas no tm sentido de
salvao, nem valor para justificao. Dar algum valor Lei seria voltar
escravido 88.
O modelo de se tornar filhos de Deus e membros do reino e povo de Deus
instaurado por intermdio da f. O conjunto de normas que organizavam
legalisticamente o povo de Israel fica inoperante para o novo povo de Deus, pois a
Lei substituda pelo novo princpio que a liberdade, sendo que a liberdade
presidida pelo amor. Trata-se de uma nova lei, no externa, mas a lei do amor 89.
O dinamismo central da teologia de Paulo estaria na tenso entre
cristianismo judaico e cristianismo gentlico, sendo que o centro da sua teologia
a justificao pela f (como afirmavam Bultman e Ernst Kasemann) 90.
O que era o evangelho de Cristo segundo Lutero? Pergunta Patrick
Collinsom. Ele mesmo responde: Que o homem goza da aceitao junto a Deus,
aceitao esta chamada, justificao; o comeo e o fim da salvao, no por
84
82
meio dos prprios esforos morais e nem mesmo no menor e no mais leve grau de
ao humana, mas inteiramente e somente por meio da amorosa misericrdia de
Deus, posta disposio nos mritos de Cristo e da sua morte salvfica na cruz.
Este no foi processo de gradativo aperfeioamento tico, mas uma transao
instantnea, algo como um casamento em que Cristo, o esposo, une a si uma
pobre e desprezvel prostituta e lhe confere todas as suas riquezas e honrarias. A
chave para essa transao foi a f, definida como total e confiante entrega do eu a
Deus, e no uma realizao humana, sendo o trabalho todo feito pelo dom divino.
A f vem do que se ouve e o que se ouve da palavra de Deus: fidex ex auditu 91.
O lado negativo desta nfase foi um infeliz trao de antijudasmo. O
ensinamento de Paulo sobre a justificao foi visto como reao contra o judasmo
e oposio a ele. Como Lutero havia rejeitado uma igreja medieval, a mesma
aplicabilidade teria encontrado espao com a pregao de Paulo em relao ao
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91
P.Collinson, The Late Medieval Church and Its Reformation (1400 1600), in J. McManners,
The Oxford Illustrated History of Christianity (New York: Oxford, 1990) 258-59. McGrath
expressa a questo em termos caracteristicamente protestantes: A doutrina crist a justificao...
constitui o verdadeiro centro do sistema teolgico da Igreja crist... Nunca houve, e nunca poder
haver qualquer verdadeira Igreja crist sem a doutrina da justificao... o articulus stantis et
cadentis ecclesiae (Justitia Dei 1-2).
92
Lutero fez uma ligao explcita: a igreja foi manchada com legalismo judaico; as normas e
regras dos catlicos lembram-me os judeus, e de fato muitas coisas foram tomadas de emprstimo
dos judeus; sobre f e obras, a doutrina da igreja foi uma variante do erro judaico de que meros
atos podem ganhar favor aos olhos de Deus (citado por M. Saperstein, Moments of Crisis in
Jewish-Christian Relations [Londres: SCM/Philadelphia: TPI, 1989] 30).
93
Bultmann, Theology 1.267; anteriormente, Romans 7 and the Anthropology of Paul (1932),
Existence and Faith (New York: Meridian, 1960 = Londres: Collins, 1964) 173-85 (aqui 178-79).
Mas notar a explicao da posio do Bultmann por Seifrid (Justification 33).
94
Ver, p.ex., as citadas no meu Romans 185, e ainda G.F.Moore, Christian Writer on Judaism
HTR 14 (1922) 197-254; C.Klein, Anti-Judaism in Christian Theology (Londres:
SPCK/Philadelphia: Fortress, 1978); Boyarin, Radical Jew 209-19.
83
Uma abordagem alternativa foi apresentada pela primeira vez pelos que
seguiram o outro aspecto da tese de Bauer, que defendia que o cristianismo era
apresentado pelo conflito entre o cristianismo judaico e gentlico, isto , pelo
conflito entre faces judaicas gentlicas, mas dentro do cristianismo. Este ponto
teve que ser repetido muitas vezes na exegese, especialmente de Glatas: que
Paulo no discutia com os judeus como tais ou com o judasmo como tal, mas
com outros missionrios cristos (judeus) 95. A questo subjacente ainda continua
a mesma: como o evangelho se relaciona com a herana de Israel em termos de
continuidade ou descontinuidade. Mas o rumo da discusso e suas implicaes so
significativamente diferentes.
Basta pensarmos na descrio que Paulo faz daquilo que fora:
excessivamente zeloso pelas minhas tradies paternas (Gl. 1,14), quanto
justia que h na Lei, irrepreensvel (Fl. 3,6), com o que veio a ser, passando a
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95
96
Um ponto de consenso em Dunn, org., Paul and the Mosaic Law 310.
Ver acima 7n. 83.
84
3.8.3
O batismo (baptw) como elemento de unidade
O termo batismo (baptw)
97
alguma forma esto vinculadas com o lavar, indicando de forma geral o ato de
imerso com sentido de purificar, sentido de puro mesmo98. Segundo Colin
Brown, no Antigo testamento a palavra batismo j fora usada para inicialmente
denotar um sentido da providncia na pureza cltica e, depois, no Novo
Testamento, o termo fora estendido para demonstrar uma renovao completa da
existncia humana.
Existiam nas comunidades, entre os primeiros cristos, algumas pessoas
que defendiam que todo gentio converso ao cristianismo deveria ser batizado,
circuncidado e oferecer sacrifcios 99. Estes que defendiam tal posio podem ser
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101
102
. O
No grego secular o termo baptw ( bapto ) significava mergulhar, imergir, submergir, batizar e
ainda ato de mergulhar ou lavar. Apesar de haver evidncias de que em determinados momentos a
palavra ter sido utilizada para designar banho ritual, no existem evidncias de que comumente era
utilizada para tal sentido religioso. Cf BROWN, Colin. COEBEN, Lothar. Dicionrio
Internacional de Teologia do Novo Testamento, p. 180.
98
BROWN, Colin. COEBEN, Lothar. Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento.
So Paulo. Vida Nova, 2 edio, 2000, pp. 179.
99
BROWN, Colin. COEBEN, Lothar. Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento,
p. 181.
100
GUTHRIE, Donald. Glatas: Introduo e comentrio. So Paulo, Vida Nova, 1 edio, 1999,
p.138.
101
Como as perspectivas apresentas em Rm 6,3 e 1 Co 12, 13.
102
BROWN, Colin. COEBEN, Lothar. Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento,
p. 183.
85
batismo em Cristo o batismo no Esprito de Cristo, conforme descrito em I Cor.
12.13:
Pois, em um s Esprito, todos ns fomos batizados em um corpo, quer judeus,
quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos ns foi dado beber de um s
Esprito 103.
86
O batismo representava o ato de ingresso na comunidade crist. Ocorre
que diante dos problemas e da falta de unidade, em Gl. 3.27 Paulo recorre ao
assunto e recorda aos Glatas sobre o batismo (porque todos quantos fostes
batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes) para ressaltar que o fato de serem
filhos de Deus implicava no apenas pertena, mas tambm em compromissos e
responsabilidades para com a comunidade 107.
O batismo representava uma referncia de entrada e compromisso do
convertido com o povo de Deus e com a nova vida que ele adotara. Era a
vinculao com o prprio Cristo. Unio daquele que tem f com Cristo.
BETZ, Hans Didier. Galatians A comentary on Pauls Letter to the churches in Galatia, p.186.
FERREIRA, Joel Antonio. Tese: A abertura de fronteiras rumo igualdade e liberdade : A
percope da unidade em Cristo (Gl 3,26-28, p.134.
109
STOTT, John. A mensagem de Glatas, p.92.
110
GUTHRIE, Donald. Glatas: Introduo e comentrio, p.139.
108
87
Aqueles que se revestem de Cristo agirem de acordo com o Esprito de
Cristo, uma metfora que objetivamente e fala de um tipo de vida totalmente
novo. Logo, aqueles que so justificados pela f, ingressam como ato visvel e
externo na comunidade atravs do ato do batismo, se revestem de Cristo agindo
como Ele. E no podem sobre hiptese alguma dar lugar ao preconceito,
diferenciao por etnia, religio, nacionalidade, posio social ou gnero.
3.8.4
Em Cristo Jesus (evn Cristw/| VIhsou/)
O mesmo paralelismo citado anteriormente que liga Gl. 3.26 a Gl. 3.28d,
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BUSCEMI, Alfio Marcelo. Luso delle preposizioni Lettera ai Galati. Jerusalm: Fraciscan
Printing Press, 1987, p.40.
112
SCHLIER, Heinrich. Lettera ai Galatai. Brescia: Paidia, 1996, p.177.
113
STOTT, John. A mensagem de Glatas. So Paulo: ABU, 2000, p.98.
114
Ibdem, p.89.
88
Outra figura metafrica que Paulo utiliza para falar da vinculao e da
pertena antes com a Lei e depois em Cristo, a figura do tutor. A palavra grega
paidagogos significa tutor, sendo que o tutor era geralmente um escravo cuja
obrigao era conduzir a criana ou jovem escola 115.
As figuras da Lei relacionadas priso e tutor rigoroso servem de escada
para a anttese que vem na sequncia: O que significa opostamente estar em
Cristo? Em Cristo por meio da f possvel ser filho de Deus, descendentes de
Abrao, herdeiros segundo a promessa. E possvel, ainda, em Cristo, todos serem
um 116.
A frmula em Cristo expressava a mais ntima comunho possvel do
cristo com o Cristo espiritual vivo, sendo Cristo concebido numa espcie de
atmosfera onde os cristos vivem
117
115
Para maiores detalhes consultar as descries sobre o assunto dos telogos Grimm Tayer e
Arndt- Gingrich, conforme organizado in STOTT, John. A mensagem de Glatas, p.89
116
STOTT, John. A mensagem de Glatas, p.90-95.
117
DUNN, James D.G. A teologia do apstolo Paulo, p.449.
118
DUNN, James D.G. A teologia do apstolo Paulo, p.449.
119
GUTHRIE, D. Glatas: introduo e comentrio, p. 137.
89
Referncia Condio (estado, quem )
3,26
Fundamentao no est em si
S por causa de
Requisito (validao)
3,27 b
- Revestiram-se de Cristo
(So revestidos, ou so vestidos)
3,28 a
(Cristo.n)
De Cristo
(Cristo.n)
3,28 b
Em Cristo Jesus
- No h homem nem mulher
3,28 c
(Alteridade de gnero)
3,28 d
90
humanidade. A ideia de que os eleitos (mediante a f) conjuntamente
compartilham uma corporeidade suscetvel morte e ressurreio 120.
3.8.5
Glatas 3,26-28 como ato litrgico batismal
Conforme j foi afirmado anteriormente, a tese de que a sntese de Glatas
estaria em Glatas 3.26-28 ganha fora ao se perceber que parte dessa missiva
apresentada repetidamente noutros livros do Novo Testamento. Se for aceita a tese
de que a percope citada o cerne condensado de toda a epstola, pode-se
120
121
BETZ, H., Galatians a Comentary on Pauls Letter to the Churches in Galatia pp. 183-185.
FIORENZA, E. S., As Origens Crists..., p.241.
122
91
123
. Segundo,
existem diversos tericos que defendem que Paulo o autor das quatro cartas, 124
ou pelo menos das 03 primeiras125. Terceiro, apesar de menos forte e mais
distante, existe tambm certo consenso de que a epstola aos Glatas foi escrita
antes das demais cartas.
A estrutura presente em Glatas 3.26-28, apresenta trs slogans bsicos que
constituam na verdade chamados e convocaes igualdade:
1- O tnico religioso: No h judeu nem grego;
2- O social: No h escravo nem livre; O de gnero:
3- O de gnero: No h mulher nem homem.
Os slogans citados e que se repetem em outros textos neotestamentrios so
encontrados nas seguintes cartas:
123
Apesar de entre os textos no serem exatamente iguais, existem algumas omisses, mas
possvel identificar semelhanas que permitem fazer as conexes entre os mesmos.
124
Glatas, Romanos, 1 Corntios e Colossenses.
125
Considerando ainda a hiptese de Colossenses pertencer a outro autor.
92
Gl 3,26-28
1 Cor. 12,13
Rm. 10,12
Cl. 3,11
de sorte que no
h distino
Pois fomos
batizados em Cristo.
batizados num
s Esprito para
ser um s corpo
judeus e gregos
entre judeu e
grego
A no h mais
grego e judeu
circunciso e
incircunciso
brbaro, cita
escravos e
livres
escravo, livre
no h homem nem
mulher
e todos bebemos
de um s
de todos...
Esprito
93
Vrios estudiosos concordam que a epstola aos Glatas anterior s
epstolas de I Corntios, Romanos, sendo outro razovel consenso o fato de que
pelo se trata do mesmo autor.
Existem vrias teorias que tentam dar conta das semelhanas encontradas
nas quatro percopes das quatro cartas. Propomos fazer perguntas centrais quanto
s questes tnico-religiosas (judeu e grego), sociais (escravo e livre) e de gnero
(mulher e homem). As perguntas aqui propostas como guias e caminhos para
investigao so as seguintes:
1) Quando uma carta traz determinado tema, seja ele no campo tnico-religioso,
social ou de gnero, estaria porventura indicando que entre os destinatrios da
carta existe um conflito relacionado ao tema exposto que precisa ser resolvido?
2) Quando uma carta omite determinado tema, seja ele no campo tnicoreligioso, social ou de gnero, estaria porventura sugerindo que entre os
destinatrios da carta no existe conflito relacionado ao tema omitido e,
portanto, no precisa ser nem mencionado?
94
constrangimentos entre os leitores de Roma, ou mesmo estaria querendo manter
livres as estradas que conduziriam a Roma, local onde Paulo queria evangelizar?
127
pergunta feita, o telogo citado traz o fato de que o slogan das questes sociais s
aparece nas comunidades longnquas de Roma (Galcia, Corinto e Colossos).
O slogan que chama mais a ateno o que trata da relao de gnero
homem e mulher, pois esse slogan aparece uma nica vez, apenas em Glatas,
sendo o que tal slogan parece mais intrigante do que os outros dois. O slogan seria
reflexo do local onde Paulo escreve; possivelmente estaria em feso ou em
Corinto, em comunidades empolgadas que viam na nova religio um caminho
para acabar com as assimetrias e onde surgiam lderes cristos que iam se
destacando e que ao verem as celebraes batismais cantavam todos vs sois um
em Cristo Jesus e todos vs sois filhos de Deus. Ao verem o slogan: No h
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129
127
No existe por parte do telogo Joel Antonio Ferreira uma afirmao quanto a omisso da
questo social (escrevo e livre) na carta aos Romanos, ele faz uma pergunta na condio de
possvel hiptese para suscitar a problematizao do tema.
128
FERREIRA, J. A., Tese: A abertura de fronteiras rumo igualdade e liberdade: A percope da
unidade em Cristo (Gl 3,26-28). p. 112.
129
Ibid., p. 113
95
A teloga Elza Tamez argumenta que apstolo Paulo teria chegado a uma
sntese extraordinria com a estrutura geral presente nas liturgias batismais das
igrejas primitivas
130
Gl. 3,28 uma frmula batismal, uma tradio litrgica do cristianismo formulada
para uso no batismo 131.
Existem vrios apontamentos de especialistas defendendo que Paulo de fato
teria usado uma frmula j conhecida da igreja primitiva 132. Indo ainda um pouco
alm, Waine Meeks afirma que Gl 3,26-28 seria uma confisso batismal que
Paulo citara
133
bem possvel que de fato Glatas 3,26-28 fazia parte do ato litrgico batismal.
Vale observar que o centro da missiva a pessoa de Cristo Jesus, nos trs
versculos o nome de Jesus mencionado, sendo que no versculo 26 e no
versculo 28 que faziam parte do paralelismo, o ttulo segue identificado como
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Referncia Texto
Gl. 3,26
Pa,ntej ga.r ui`oi. qeou/ evste dia. th/j pi,stewj evn Cristw/| VIhsou/\
Pois todos vs sois filhos de Deus pela f em Cristo Jesus.
Gl. 3,27
Gl. 3,28
ouvk e;ni VIoudai/oj ouvde. {Ellhn( ouvk e;ni dou/loj ouvde. evleu,qeroj( ouvk
e;ni a;rsen kai. qh/lu\ pa,ntej ga.r u`mei/j ei-j evste evn Cristw/| VIhsou/
No h judeu nem grego, no h escravo nem livre, no h homem e
mulher. Pois todos vs sois UM s em Cristo Jesus.
130
96
entendemos que no provvel que Paulo tenha utilizado o ato litrgico batismal
para tocar em alguns temas que parecessem penosos ou que fossem causar algum
incmodo para os destinatrios. Paulo tinha uma personalidade forte e muitas
vezes expressava isso de forma bem dura, alis, o prprio Paulo afirma ter
resistido ao apstolo Pedro que era uma coluna da igreja. No haveria motivos,
nem coadunava com sua personalidade, evitar e desviar-se de temas importantes e
de confronto, mas se a referncia litrgica que j deveria ser conhecida servia para
expressar com profundidade as questes importantes, no havendo nenhum
problema em mencion-las, pelo contrrio, facilitava o anncio.
Entende-se que a omisso de um tema reflete a no necessidade de
mencion-lo e/ou a no prioridade diante dos demais motivos pelos quais se
escrevia. Era suficiente recitar do hino batismal, pois ele j poderia ser um
fortssimo indicador rumo soluo dos conflitos em cada comunidade.
A mensagem de Glatas 3,26-28 possui de fato uma estrutura de fato
complexa; absolutamente plausvel a hiptese de se tratar de um hino ou ato
litrgico batismal, sendo que a simples meno do mesmo pode indicar a
necessidade que a comunidade da Galcia tinha de tal. Era necessrio relembrar
aos Glatas o tipo de confisso que fizeram no batismo e a implicaes prticas
que representava essa confisso.
134