TCC Patrimônio Subaquático
TCC Patrimônio Subaquático
TCC Patrimônio Subaquático
Florianpolis SC
Agosto de 2011
ndice de Tabelas
ndice de Figuras
Figura 1: Mapa de localizao dos naufrgios no identificados
mencionados pelo site Brasil Mergulho. Disponvel em:
<http://www.brasilmergulho.com/port/ naufrgios/>. Acesso em: 27
nov. 2010. ..................................................................................... 49
Figura 2: Croqui do stio arqueolgico contendo provvel
embarcao do sculo XVI encontrada nos levantamentos feitos na
Baia Sul da Ilha de Santa Catarina. Em detalhe mergulhador com
ncora sinalizada
no croqui.
Fonte: Disponvel
em:
<http://floripaadventure.com/2009/06/10/mergulhadores-localizamdestrocos-de-embarcacao-do-seculo-xvi/>. Acesso em: 22 dez. 2010.
..................................................................................................... 51
Figura 3: Localizao do Stio Arqueolgico Praia dos Ingleses I.
Fonte: Noelliet al. (2009, p. 180)................................................... 52
Figura 4: Botija de uma arroba encontrada pelos pesquisadores da
ONG PAS no stio Praia dos Ingleses I. Fonte: Disponvel em:
<http://www.feriasfloripa.com.br/page/2> Acesso em: 22 dez. 2010.
..................................................................................................... 53
Figura 5: Mapa com a localizao da Praia dos Ingleses na Ilha de
Florianpolis e no detalhes, foto area da praia.............................. 56
Figura 6: Vista externa do Museu do Naufrgio, Ingleses,
Florianpolis, SC .......................................................................... 70
ndice de Grficos
Grfico 1: Porcentagem e nmero de entrevistados relacionados com
suas
respostas
pergunta
acima....................................................................................................p.65
Grfico 2: Porcentagem e nmero de entrevistados relacionados com
suas
respostas
pergunta
acima....................................................................................................p.66
Dedicatria
Agradecimentos
A Deus, por tudo.
Aos meus pais, Ilson e Dirlene, por terem me ensinado a viver
acreditando no potencial da vida e do amor.
A meus irmos, Amadeo, por me lembrar constantemente da fora que
podemos ter para fazer o que quisermos; Ana, por simplesmente estar a,
SEMPRE; e Luciana, por mostrar que a vida uma caixinha de
surpresas, mas que tudo deve ser visto com um sorriso.
Ao PC, meu anjo, meu amor, que esteve comigo apresentando sadas e
novas portas que valem ser abertas.
Ao Jeferson, por cuidar de minha irm e cuidar de minha famlia quando
precisamos dele.
A minha amiga Natalia, por mostrar que amizade verdadeira nunca
muda e sempre ser a mesma, tendo nove ou 23 anos.
A minha famlia toda, por mostrarem que famlia uma relao de amor
e dio, mas que sem ela a vida perde intensidade.
A meus amigos do NAU, Gabi, Jeanne, Lucas e F por me mostrarem
como arqueologia pode ser apetitosa e por me ajudarem quando no
esperava a mo de algum me segurando.
meus colegas da Scientia, pelas risadas, discusses e carinho.
A minha professora Letcia, por ter aceitado o desafio de orientar uma
estudante de histria querendo fazer arqueologia.
A todos os meus professores, especialmente Weruska, minha
alfabetizadora e Jader, meu professor, amante da histria.
Obrigada!
Resumo
O presente trabalho abordar o patrimnio cultural subaqutico de
Florianpolis e sua percepo pela Comunidade dos Ingleses. Para tanto
ser discutido a importncia do patrimnio cultural dentro de uma
comunidade, assim como ser exposta a atual abrangncia do que
patrimnio cultural. Mostrar-se- como o patrimnio cultural
subaqutico tratado diferentemente de sua contrapartida terrestre pelos
indivduos, comunidades e pelo prprio Estado. Para entender a
importncia do patrimnio cultural dentro de uma comunidade sero
apresentados os resultados de entrevistas realizadas na Comunidade da
Praia dos Ingleses, onde um projeto de Arqueologia Subaqutica est
atualmente sendo praticado. Essas demonstraram, dentre outras coisas, o
distanciamento que os indivduos possuem de um bem cultural que
poderiam chamar de seu. Por fim, sero apresentadas as polticas
pblicas que tutelam o patrimnio cultural e o patrimnio cultural
subaqutico, as quais, por incrvel que possa parecer, so diferentes.
Essa diferenciao ser posta em questo e analisada, juntamente com
uma anlise das atividades desenvolvidas pela ONG PAS, responsvel
pelo Projeto de Arqueologia Subaqutica, e das concepes de
patrimnio da Comunidade da Praia dos Ingleses.
Abstract
This paper will address the underwater cultural heritage of Florianopolis
and its perception by the Comunidade dos Ingleses. Itll discuss the
importance of cultural heritage within a community, as well as be
exposed the current scope of what is cultural heritage. Will show how
the underwater cultural heritage is treated differently from their land
counterpart by individuals, communities and the State. To understand
the importance of cultural heritage within a community will present the
results of interviews conducted in the Comunidade da Praia dos
Ingleses, where a project of Underwater Archaeology is currently being
practiced. These interviews showed, among other things, the distance
that individuals possess from a cultural heritage that they could call their
own. Finally, we present the public policies that safeguard the cultural
heritage and underwater cultural heritage, which, incredible as it may
seem, are different. This differentiation will be questioned and analyzed,
along with an analysis of the activities of the ONG PAS, responsible for
the design of Underwater Archaeology, and the concepts of equity of the
Comunidade of Praia dos Ingleses.
Sumrio
Introduo.............................................................................................. 21
Captulo I - Patrimnio, Patrimnio Subaqutico e Potencial do
Patrimnio Subaqutico de Florianpolis ............................................. 29
Captulo II - Patrimnio Cultural Subaqutico na Comunidade da Praia
dos Ingleses ........................................................................................... 55
Captulo III - Polticas do Patrimnio Cultural: O que se faz e o que
fazer ....................................................................................................... 75
Concluso .............................................................................................. 95
Referncias ............................................................................................ 97
Anexos................................................................................................. 104
21
Introduo
Florianpolis uma ilha. Uma ilha, como se sabe, cercada
por gua. Por essa razo, grande parte da histria da ilha est
obrigatoriamente relacionada ao mar e grande parte da populao da ilha
est de alguma forma ligada ao mar. Isso vale no somente para as
populaes de hoje, mas para todas as populaes que habitaram a ilha
em tempos anteriores.
Por conta dessa condio geogrfica, grande nmero de
atividades realizadas pelos ilhus ocorria no mar ou beira-mar, como a
pesca, trocas comerciais, ancoragens, obteno de gua e alimentos.
Essas atividades deixam vestgios e evidncias que podem conter
importantes informaes acerca dos grupos que as praticaram. Elas
podem auxiliar na construo ou complementao da histria dessas
populaes, e tambm funcionar como referncia identidade dos atuais
moradores de Florianpolis.
Em funcionando como referncia memria e a identidade
dos habitantes, os vestgios e evidncias depositados no fundo do mar,
provenientes das atividades ali realizadas, podem ser considerados
patrimnio arqueolgico, ambiental e etnogrfico da ilha de Santa
Catarina. Elas no so apenas testemunhas materiais da ocupao do
espao; so tambm pontos de ancoragem de memrias das
comunidades que o habitam.
Sabendo dessa potencialidade patrimonial subaqutica na ilha
de Florianpolis optei por elaborar um trabalho investigando as
singularidades que cercam esse tipo de bem cultural, que, diferente de
patrimnios arqueolgicos visveis, como os bens edificados, os
sambaquis e os stios arqueolgicos terrestres, est encoberto pelas
guas. A estratgia adotada para a abordagem foi identificar as
concepes ligadas ao patrimnio subaqutico em dois planos o plano
jurdico-institucional e o plano das representaes simblicas,
particularmente aquelas sustentadas pelos moradores de localidades
prximas de stios arqueolgicos submersos. A idia era contrapor o
estatuto do patrimnio submerso dentro dos marcos legais que regulam
as polticas de salvaguarda ao patrimnio arqueolgico no Brasil
percepo desse mesmo patrimnio pela comunidade que, apesar de
sab-lo presente em seu territrio, s pode enxerg-lo mergulhando com
22
equipamentos - como o aqualung 1 - financeiramente inacessveis
maioria dos moradores.
Perguntas iniciais foram feitas como: Ser que a comunidade
sabe da existncia de objetos, instrumentos, vestgios de atividades
humanas embaixo dgua? Ser que sabem que isso constitui um
patrimnio subaqutico? Ser que reconhecem esse patrimnio
subaqutico como seu patrimnio, como parte da cultura pertencente
regio onde habitam, como uma memria do passado daquele local e
das pessoas que a habitavam? Ser que tm vontade de ver esse
patrimnio subaqutico? De saber mais sobre ele? Acham necessrio
proteger esse patrimnio contra malefcios diversos como instabilidade
da natureza, atitudes criminosas de mergulhadores ou de pescadores?
Ser que de algum modo importante para os membros da comunidade?
Entretanto, antes de chegar a respostas sobre como
percebido o patrimnio pela comunidade e pelo Estado brasileiro,
necessria uma breve anlise do que patrimnio cultural.
A palavra patrimnio j foi definida de vrias formas em
diferentes pocas. Na Roma Antiga, a palavra significava todos os bens
de uma pessoa que poderiam ser legados por testamento, como herana.
Depois da criao dos Estados Nacionais, o patrimnio passou a ser
entendido como propriedade coletiva, um bem material remanescente,
como por exemplo, um monumento, um edifcio que deve ser
conservado para ser retransmitido s futuras geraes por ser
representativo da histria, da memria e da identidade de uma
coletividade. Hoje a concepo do patrimnio encontra-se bastante
ampliada, abrangendo o tangvel e o intangvel duas dimenses
complementares, constituintes de qualquer bem cultural eleito. O artigo
216o da Constituio reconhece essa complementaridade, ao definir
como patrimnio:
[...] os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referncia identidade, ao,
memria dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I as formas de expresso;
II os modos de criar, fazer e viver;
III as criaes cientficas, artsticas e
tecnolgicas;
1
23
IV as obras, objetos, documentos, edificaes e
demais espaos destinados s manifestaes
artstico-culturais;
V os conjuntos urbanos e stios de valor
histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico,
paleontolgico, ecolgico e cientfico. (Art. 216
da Constituio Federal, 1988)
24
stio, promover educao patrimonial, sem receber recompensa
financeira da Unio por isso. Essa questo ser abordada na terceira
parte da presente monografia.
A seguir, ser mostrado o papel da cincia arqueolgica
dentro do campo do patrimnio. A histria e objetivos da arqueologia
sero analisados para entender sua ligao com a temtica e as polticas
relativas ao patrimnio cultural. Essa ligao ocorre, majoritariamente,
porque a arqueologia estuda a cultura material de populaes humanas,
uma das categorias abrangidas pelo conceito de patrimnio cultural.
Dentro do mesmo tpico, sero abordadas as diferentes
denominaes que hoje se vem na arqueologia, como Arqueologia por
Contrato ou Preventiva, Arqueologia Acadmica e Arqueologia Pblica,
denominaes que definem o modo como o arquelogo conduzir seu
projeto. Far-se- rapidamente uma discusso sobre o que cada uma
dessas denominaes representa, as prticas que nomeia e as suas
funes, para auxiliar na compreenso de como essas diferentes
modalidades de exerccio do ofcio de arquelogo se posicionam perante
o patrimnio subaqutico, objeto maior de estudo desse trabalho.
A partir dessas discusses, ser apresentada a Arqueologia
Subaqutica, com suas diferenas e aproximaes em relao
arqueologia terrestre. Sero elucidadas as diversas categorias de stios
arqueolgicos subaquticos, onde se ver que, no que se refere a
patrimnio, h muito mais debaixo dgua do que a maioria das pessoas
imagina. O patrimnio subaqutico pode ser muito mais extenso e
complexo do que bergantins, naus, patachos e galeras naufragadas.
Em Florianpolis, por exemplo, o patrimnio subaqutico
potencialmente forte e importante, apesar de pouco contemplado pelo
debate pblico acerca do tema. As diferentes populaes que passaram
ou habitaram por aqui em diferentes pocas deixaram vestgios passveis
de serem encontrados no s pela arqueologia terrestre, mas tambm
pela arqueologia subaqutica. A arqueologia terrestre j estudou
importantes stios, tanto pr-coloniais quanto histricos. Mas que tipos
de stios poderia a arqueologia subaqutica estudar em Florianpolis?
Mostrar-se- que da mesma forma como rico patrimonial e
arqueologicamente em terra, Florianpolis pode ser rico debaixo dgua.
Duas pesquisas subaquticas foram e so conduzidas na ilha: 1) no sul
da Ilha de Santa Catarina, o Projeto Resgate Barra Sul, desenvolvido
pela ONG Projeto Barra Sul em parceria com o GRUPEP UNISUL e
2) no norte da Ilha de Santa Catarina, o stio Praia dos Ingleses I
realizados pela ONG PAS (Projeto de Arqueologia Subaqutica).
25
Foi durante a leitura do artigo Praia dos Ingleses I:
Arqueologia subaqutica na Ilha de Santa Catarina (NOELLI et al.,
2009) que as perguntas sobre patrimnio cultural subaqutico de
Florianpolis e sobre como as comunidades, e mais especificamente a
dos Ingleses, viam o patrimnio subaqutico passaram a ser formuladas.
Aqui comea a segunda parte do trabalho. Inicialmente,
exponho as razes que levaram escolha da comunidade da Praia dos
Ingleses para realizar essa pesquisa. Neste ponto, pesaram fatores como
a existncia de bibliografia sobre a comunidade e a presena de um
projeto arqueolgico em andamento, sustentado, no caso em questo,
pela da ONG PAS.
Procurou-se dar uma viso panormica de como a
comunidade da Praia dos Ingleses e das transformaes que sofreu em
seus anos de existncia. Para tanto, busquei apoio na bibliografia
antropolgica sobre a comunidade. No foi encontrado muito material,
mas este pareceu bastante proveitoso e rico para os propsitos dessa
monografia.
Aps essa contextualizao de quem a comunidade da
Praia dos Ingleses, parti para a elaborao dos roteiros das entrevistas
semi-diretivas a serem realizadas com os tcnicos envolvidos no projeto
e tambm com os moradores. A realizao de entrevistas em campo
pareceu o mtodo mais adequado para conseguir as informaes e
respostas que procurava, em primeiro lugar porque desejava acessar, a
partir do tempo presente, a memria dos moradores relacionadas a esse
patrimnio. Em segundo lugar por no ser possvel encontrar essas
informaes publicadas em livros e peridicos.
Havia um desejo, durante a realizao das entrevistas, de
deixar o entrevistado vontade para falar sobre sua experincia com os
vestgios
histrico-arqueolgicos
subaquticos
presentes
na
comunidade. Perguntei se j havia visto algo que pudesse ser
histrico, de antigamente, que estivesse debaixo dgua; se j havia
escutado alguma coisa sobre uma embarcao naufragada e que histrias
teria para contar sobre esse assunto, buscando a perceber tambm as
narrativas construdas sobre esse patrimnio. Para iniciar, procurei
conversar com habitantes mais velhos, devido ao tempo maior que
permaneceram na regio, notando diferenas que podem ter ocorrido no
dia a dia da praia como, por exemplo, a realizao de alguma
escavao arqueolgica e com pescadores, por conta da familiaridade
no contato com o mar. No andamento das entrevistas, constatei que ao
tentar conversar com moradores mais novos, estes se negavam a ser
entrevistados, afirmando no saber muitas histrias sobre o assunto.
26
Aconselhavam entrevistar os pescadores e os moradores mais velhos
da regio. Enfim, desejava, com essas perguntas, entender como
percebiam o patrimnio subaqutico, que importncia era dada a ele, se
os moradores viam esse patrimnio como deles e achavam que deveria
ser resguardado.
As entrevistas trouxeram algumas respostas s questes
levantadas no incio deste texto e ainda trouxeram um sem nmero de
informaes sobre a comunidade da Praia dos Ingleses. As respostas e
informaes levantadas so apontadas e discutidas durante a segunda
parte do estudo. A partir delas, foi possvel chegar a algumas concluses
sobre a relao da comunidade com o patrimnio subaqutico e sobre a
eficcia do Projeto ONG PAS na comunidade.
Por fim, na terceira e ltima parte do trabalho, as concluses
colocadas no segundo captulo foram retomadas e relacionadas com as
polticas pblicas e os marcos legais estabelecidos em torno da proteo
ao patrimnio subaqutico. Ser que a relevncia que a comunidade d
ao patrimnio subaqutico acolhida pelas polticas pblicas? Ser que
a atitude da comunidade perante o patrimnio subaqutico tem alguma
correspondncia com a atitude adotada pelo poder pblico?
Foram, assim, examinadas as polticas pblicas atuantes no
Brasil para o patrimnio subaqutico e para o patrimnio emerso. Por
incrvel que possa parecer, existem diferenas. Foi analisada a atuao
da Lei Federal 10.166 de 27 de dezembro de 2000, que aborda o
patrimnio subaqutico. Esta estabelece uma distino entre coisas e
bens culturais resgatados do fundo do mar por empreendimentos
privados. Para as primeiras proposta a livre comercializao. Para os
objetos eleitos como patrimnio estabelecida uma recompensa
financeira paga pelo poder pblico aos agentes do resgate. A lei d
direito ao mergulhador que recupera e resgata objetos no fundo do mar
40% do valor dos bens recuperados e, se estes bens no forem
comprovadamente de valor histrico ou artstico ou arqueolgico, o
mergulhador explorador pode ficar com ele e vend-lo comercialmente.
Ao examinar esse marco regulatrio da explorao arqueolgica
subaqutica, destaco as divergncias existentes entre as normas que
protegem e regulamentam atividades sobre o patrimnio cultural
subaqutico e terrestre.
A Lei Federal 10.166/00 apresenta pontos contestantes com
Constituio de 1988, com a Lei Federal n 3.924 de 1961, que prev a
proteo dos stios arqueolgicos, e com princpios e recomendaes de
importantes instituies internacionais, como o ICOMOS (International
Council of Monuments and Sites) e a UNESCO (United Nations
27
Educational, Scientific and Cultural Organization). Por no estar sob
fiscalizao do IPHAN (Instituto Histrico Artstico Nacional), tambm
no segue a Portaria n 230/2002, que junto com a resoluo CONAMA
001/1986, estabelece a necessidade de fazer EIAs/ RIMAs para as
grandes obras de impacto ambiental e incluir nestes estudos e relatrios
os levantamentos arqueolgicos.
Discutir-se- ento se a Lei Federal 10.166/00 efetiva e se
regulamenta satisfatoriamente o tratamento e recuperao do patrimnio
cultural subaqutico nacional. Essa discusso ser feita correlacionando
as leis e normas que regulamentam projetos e atuaes sobre o
patrimnio emerso.
Mais pontualmente, sero analisados aspectos do projeto de
arqueologia subaqutica no stio Praia dos Ingleses I e sua eficcia
quanto conscientizao dos valores culturais arqueolgicos, e tambm
quanto ao preceito de devoluo dos bens salvaguardados s
comunidades s quais encontram-se relacionados. Alm de utilizar
dados obtidos atravs das entrevistas, foram analisadas as consideraes
que os colaboradores do projeto fizeram na pgina eletrnica da ONG
PAS. Por fim, deixo algumas sugestes dirigidas a esses colaboradores
no sentido de tornar o projeto mais abrangente e efetivo.
Na concluso do trabalho, fao consideraes acerca da gesto
do patrimnio subaqutico, tomando por referncia as recomendaes
da UNESCO e do ICOMOS, bem como as de estudiosos do patrimnio.
Acredita-se como ditame geral, no entanto, que a melhor forma de se
proteger um patrimnio e mant-lo protegido trabalhar em conjunto
com a comunidade, pois para implementar com sucesso uma poltica
patrimonial, preciso que a populao se mobilize pela preservao do
patrimnio, o que s acontece se a comunidade reconhec-lo como seu.
28
29
Captulo I - Patrimnio, Patrimnio Subaqutico e Potencial do
Patrimnio Subaqutico de Florianpolis
Diferente da concepo jurdica de patrimnio, que o define
como herana paterna, bens de famlia; riqueza; os bens materiais, ou
no, duma famlia ou empresa (AURLIO, 1993, p.409), a considerada
pelo presente trabalho mais abrangente, enquadrando toda a cultura
material, tanto a emersa quanto a encontrada debaixo dgua, e imaterial
que encerra dentro de si referncias memria e histria de uma
comunidade e que, por isso, pertence a toda coletividade (GUIA PARA
MERGULHADORES, s/d, p.1). A Constituio Federal de 1988, Art.
216 o define da mesma maneira abrangente, e vai mais longe,
englobando no s os bens materiais, mas tambm imateriais:
Art. 216: Constituem patrimnio cultural
brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referncia identidade, ao,
memria dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira []. (Art. 216 da
Constituio Federal, 1988)
30
como a memria, atua no presente; algo vivo, atuante na vida do
indivduo, podendo-se at afirmar que os patrimnios culturais que nos
inventam (no sentido de que constituem nossa subjetividade), ao mesmo
tempo em que os construmos no tempo e no espao (GONALVES,
2005a, p.14).
Assim, a busca de novos conhecimentos sobre o patrimnio
cultural e sua difuso ao grande pblico torna-se necessria, em especial
comunidade junto qual os bens culturais eleitos como patrimnio
encontram ressonncia (GONALVES, 2005b, p.19), iniciando esse
processo mtuo de constituio patrimnio, indivduo e grupo,
sustentando identidades e memrias vivas na interao com outros
grupos, identidades e memrias. Porm, como ressalta Arantes (2006),
os patrimnios se distinguem da memria transmitida e alimentada pelos
atores sociais por se institurem como questo de Estado. Existe uma
agenda do patrimnio, que integra atores pblicos e privados como
arquelogos, pesquisadores e estudiosos de patrimnio, secretrios de
desenvolvimento municipais ou estaduais, IPHAN, entre outros e a
comunidade, agenda esta que tem por objetivo garantir a
sustentabilidade, o desenvolvimento e a valorizao do patrimnio
(FUNARI; PELEGRINI, 2006, p.59). A efetuao dessa tarefa em
conjunto com a comunidade imprescindvel, j que sua presena um
fator insubstituvel na vida, importncia e salvaguarda do patrimnio.
No entanto, h uma categoria de patrimnio cultural que no est
recebendo a mesma ateno que as demais e por isso est
gradativamente sendo esquecida e/ou destruda: o patrimnio cultural
subaqutico. Isso ocorre no somente porque pesquisas e busca de novos
conhecimentos nessa rea so escassas, mas tambm pelas
consequncias polticas e simblicas de sua invisibilidade imediata.
Diferente do que ocorre com uma catedral ou um palcio de governo,
vislumbrado cotidianamente, os bens culturais submersos no tm
consolidado o reconhecimento de seu estatuto patrimonial. Rambelli
(2008, p.50) analisa essa questo de valorizao e afirma que:
A percepo do patrimnio cultural no se d de
maneira espontnea. Ela construda social e
historicamente. E, o que coloca o patrimnio
cultural subaqutico em desvantagem em relao
ao patrimnio cultural localizado em superfcie,
em termos de importncia dada pelas pessoas, o
fato de este patrimnio cultural estar localizado
embaixo dgua. A presena do ambiente aqutico
31
interfere, consideravelmente, no processo de
construo dessa percepo (RAMBELLI, 2008,
p.50).
Sobre estas fbricas de cal ou caieiras que consumiam os sambaquis: VRZEA,1984, p.100;
108
32
acontece com muitos outros registros culturais desconhecidos ou
perdidos pelo Brasil e mundo afora.
Percebe-se que a invisibilidade dos bens submersos ocorre tanto
porque no vislumbrado a olho nu, tendo a gua como empecilho,
quanto porque no compreendido como patrimnio. Essa ultima
condio pode ser aplicada a outros tipos de bens culturais eleitos
patrimnios, visto que muitos no vem um stio arqueolgico como
patrimnio, uma inscrio rupestre como patrimnio, uma igreja antiga
como patrimnio, uma dana como patrimnio, entre outros. Assim
pode-se argumentar que muitos bens emersos, submersos, materiais e
imateriais so invisveis patrimonialmente
Mas o que e qual esse patrimnio cultural subaqutico na ilha,
que, assim como os demais, tanto precisa ser conhecido, valorizado e
salvaguardado?
Um leigo diria que patrimnio subaqutico algo que
importante para a histria que fica debaixo da gua, dentro do mar. A
primeira coisa que viria cabea seriam embarcaes do perodo das
grandes navegaes. Em seguida imaginaria os tesouros e riquezas que
afundaram junto com essas embarcaes. Tudo isso pode ser
considerado patrimnio cultural subaqutico. Embarcaes naufragadas
e tesouros submersos so os bens submersos mais chamativos e,
portanto os mais invadidos e assaltados tanto em guas ocenicas
como em guas interiores. Mas no so os nicos. H outras formas
materiais de patrimnio subaqutico, como mostram as pesquisas
arqueolgicas realizadas nos ltimos 50 anos.
A Arqueologia, subaqutica ou terrestre, uma das grandes
aliadas do patrimnio cultural brasileiro, uma vez que estuda a
totalidade material apropriada pelas sociedades humanas, como parte
de uma cultura total, material e imaterial, sem limitaes de carter
cronolgico (FUNARI, 2003, p.15). Ou seja, dentro do objeto de
estudo da arqueologia, encontra-se o patrimnio cultural.
Ao escavar, por exemplo, um stio raso, caracterstico dos
ceramistas chamados Tupiguaranis, o arquelogo se depara com grande
quantidade de vestgios que so importantes para a contextualizao e
entendimento do stio arqueolgico. Parte desses vestgios e pode ser
considerada patrimnio cultural, j que traz referncias histria e
identidade de um grupo e tem capacidade de reavivar a memria de uma
coletividade, mediando passado, presente e futuro, como pressupe a
definio de patrimnio supracitada. Ao mesmo tempo, esse patrimnio
serve como documentao de pesquisa. Seu estudo permite a
compreenso das relaes sociais, da dinmica e das transformaes
33
sofridas pelas sociedades analisadas. A partir da, possvel, ento,
apresentar comunidade e a todos o conhecimento adquirido atravs de
anlise e interpretao desse patrimnio.
No entanto, a arqueologia passou por um perodo no qual se
acreditava que seu trabalho e objetivos eram apenas coletar, descrever e
classificar objetos antigos. O arquelogo era visto como uma espcie de
antiqurio auxiliar do pesquisador, um tcnico em resgate e
classificao de objetos, cabendo aos historiadores e antroplogos
process-los, interpret-los e gerar conhecimento sobre eles (FUNARI,
2003, p.15-16).
Graas chamada New Archaeology ou arqueologia Processual,
movimento originado nos Estados Unidos no incio da dcada de 60,
essa viso modificou-se. Os arquelogos dessa vertente tentavam
perceber regras universais, que fossem vlidas para todos os grupos
humanos em qualquer poca ou lugar, atravs da anlise da cultura
material. Para melhor atingir seus objetivos, aproximaram a arqueologia
da antropologia e da histria. A partir da e com a vinda da Arqueologia
Ps-Processual, a arqueologia especializou-se cada vez mais,
investigando no s as tcnicas de construo de artefatos, mas seu
papel simblico e prtico dentro dos grupos sociais. O arquelogo
passou a ser pea insubstituvel na compreenso do modo como
sociedades presentes e passadas funcionam e se transformam (FUNARI,
2003, p.17-18; 51). Seu papel , hoje, muito mais amplo que o de
simples coletor de objetos antigos.
No Brasil, as pesquisas com fundo arqueolgico comearam a se
desenvolver em meados do sculo XIX. Seu iniciador foi Peter Wilhem
Lund, naturalista dinamarqus que instalou, em Lagoa Santa, Minas
Gerais, um laboratrio de paleontologia. Atravs deste, Lund fez mais
de 800 incurses em cavernas e encontrou ossadas humanas associadas
a restos de fauna pleistocnica (BARRETO, 2000, p.36). Deste
momento em diante as pesquisas arqueolgicas s se ampliaram, com
pesquisas no Museu Imperial atual Museu Nacional/RJ fomentadas
por D. Pedro II, e com a vinda de estrangeiros para investigaes, tanto
no interior quanto no litoral do Brasil. Vale lembrar a expedio
chefiada por Louis Agassiz, que contava com Frederich Hartt em seu
staff, o qual fez importantes trabalhos sobre arqueologia brasileira
amaznica (BARRETO, 2000, p.37).
Depois da Proclamao da Repblica em 1889, o Museu Paulista,
tambm conhecido como Museu do Ipiranga, e o Museu Paraense,
34
atualmente Museu Paraense Emilio Goeldi, comearam a atuar em
expedies de cunho arqueolgico. 3 Mas s depois da Segunda Guerra
Mundial que a arqueologia brasileira avana mais efetivamente, com o
aparecimento de vrios centros de pesquisa arqueolgica no pas: 1) o
Instituto de Pr-Histria, em 1953, na USP; 2) o CEPA (Centro de
Pesquisas Arqueolgicas), em 1956, na UFPR e 3) o IAP (Instituto
Anchietano de Pesquisas), na Universidade do Rio dos Sinos
(UNISINOS) em 1957 (BARRETO, 2000, p.41; 46).
Atravs do Instituto de Pr-Histria, Paulo Duarte, seu criador,
trouxe estudiosos franceses para formar os primeiros arquelogos
acadmicos brasileiros. Foi tambm Paulo Duarte quem lutou para a
aprovao pelo Congresso Nacional da primeira lei federal de proteo
do patrimnio arqueolgico: a Lei 3.924, de 1961, que prev a
preservao dos vestgios arqueolgicos (FUNARI, 2003, p.26). Em seu
artigo primeiro, a referida lei, sancionada por Jnio Quadros, declara
que Os monumentos arqueolgicos ou pr-histricos de qualquer
natureza existentes no territrio nacional e todos os elementos que neles
se encontram ficam sob a guarda e proteo do Poder Pblico, de acordo
com o que estabelece o art. 175 da Constituio Federal. Em pargrafo
nico, a lei distingue a propriedade de superfcie, regida pelo direito
comum, das jazidas arqueolgicas ou pr-histricas e objetos a elas
incorporados, que passam a ser regidos por dispositivo constitucional
especfico. Essa lei, considerada avanadssima para seu tempo, tem
sua aplicabilidade ainda hoje dificultada pelo baixo investimento em
fiscalizao. (BRANDI, 2004, p. 57).
A nova ordem poltica instituda com o golpe militar de 1964 fez
com que a arqueologia acadmica brasileira entrasse em estado de
latncia. Isso ocorre pelo mesmo motivo que outras reas acadmicas
entram nesse estado: a perseguio de intelectuais contrrios ao regime
militar (FUNARI, 2003 e BARRETO, 1999). Nesse contexto, uma
empreitada diferente tem incio: o PRONAPA, Programa Nacional de
Pesquisas Arqueolgicas. Com o apoio do Estado, esse programa,
coordenado por Betty Meggers e Clifford Evans, ambos funcionrios do
Smithsonian Institute, em Washington, realizou escavaes por toda
extenso do territrio nacional, entre 1965 e 1970, com a inteno clara
de estudar a origem e expanso de populaes, que tinham em comum
uma cermica, denominada Tupiguarani (SCHMITZ, 2007, p.21).
Entretanto, mesmo sendo um dos projetos arqueolgicos
3
Digo de cunho arqueolgico por serem pesquisas realizadas por estudiosos de outras reas e
no por arquelogos ou estudiosos de arqueologia (FUNARI, 2003, p.26).
35
quantitativamente mais eficientes realizados no Brasil, formou poucos
arquelogos pensadores de sua prtica. Ou seja, os mentores do
programa no estavam preocupados com a formao de arquelogos
crticos, tericos de uma arqueologia brasileira. Tal despreocupao fica
evidente quando se descobre que para o desenvolvimento do programa
um grupo de onze arquelogos recebeu apenas um ms de treinamento,
destinados ao aprendizado de todos os conceitos e os procedimentos que
deveriam adotar durante o trabalho (SCHMITZ, 2007, p.21). Cristina
Barreto sintetiza os resultados do projeto, quando afirma que esse
programa gerou tcnico-escavadores e no arquelogos orientados por
uma tica positivista. (1998 apud BRANDI, 2004, p.59)
Mesmo com o regime de privao por que passava a arqueologia
acadmica brasileira, outros projetos se desenvolveram paralelamente ao
PRONAPA: a Misso Franco-Brasileira, com Annette Laming e Joseph
Emperaire, que se constitua de visitas a instituies brasileiras e
apresentao de seminrios sobre arqueologia; o Programa
Arqueolgico do Rio Grande do Sul, no IAP-UNISINOS, e o Programa
Arqueolgico de Gois (PUC-GO), no qual foram pesquisados inmeros
stios pelo litoral e interior do estado (BRANDI, 2004, p. 63-64).
Com a lenta restaurao das liberdades e majoritariamente na
dcada de noventa e incio do sculo XXI, a arqueologia acadmica
voltou a florescer. A criao de inmeros cursos de ps-graduao em
arqueologia, ou com rea de concentrao em arqueologia, e de alguns
(poucos) cursos de graduao so mostras dessas transformaes
(FUNARI, 2007, p.149). O crescente nmero de arquelogos
preocupados em fazer arqueologia brasileira tambm mostra o
amadurecimento dessa rea. A constncia de simpsios, congressos,
seminrios e palestras abordando as temticas da arqueologia,
demonstram o crescimento desse campo de estudos dentro das
universidades e entre a comunidade acadmica.
Os novos saberes trazidos pelo incremento dos estudos
arqueolgicos ocasionam o aparecimento de outra nova modalidade: a
Arqueologia por Contrato ou Arqueologia Preventiva. Esta nasceu com
uma Resoluo do CONAMA n 001/1986, a qual prev para todas as
obras que preencham alguns quesitos a necessidade de se realizar um
Estudo de Impacto Ambiental (EIA), seguido de um Relatrio de
Impacto ao Meio Ambiente (RIMA), ambos estabelecidos como prcondio para o licenciamento. Dentro desse EIA/RIMA devem estar
includos relatrios enfocando a salvaguarda do patrimnio
arqueolgico cultural da rea onde ser executada a obra. Assim, com
no processo de abertura e de reconstruo constitucional e democrtica
36
iniciado nos anos oitenta, ampliou-se a participao do Estado nas aes
de proteo ao patrimnio ambiental. Com isso, um novo mercado de
trabalho se abriu para os arquelogos, que hoje podem prestar
consultoria para grandes empreendimentos como obras virias,
aeroportos, portos, linhas de transmisso, etc., auxiliando na elaborao
de tais relatrios. (BARRETO, 2000, p.47),
Atualmente, o profissional em arqueologia tem a possibilidade de
trabalhar em vrios ambientes, como museus, rgos estatais, empresas
de arqueologia de contrato, docncia e desenvolvimento de pesquisas
acadmicas (CORDEIRO, 2005, p.43). Esses variados campos de
atuao tm gerado diferenas no modus operandi de cada arquelogo e
de cada projeto arqueolgico.
A Arqueologia Acadmica caracteriza-se por pesquisas mais
minuciosas; por isso, mais demoradas. uma vertente que permite ao
pesquisador estabelecer um ritmo de trabalho autoral, podendo
desenvolver uma pesquisa em que haja a aplicao de metodologia
cientfica, com desenvolvimento de hipteses e antteses (CORDEIRO,
2005, p.44). De acordo com Funari (2003, p.114) a arqueologia
acadmica um campo privilegiado, pois na pesquisa o arquelogo
pode dedicar-se, de forma integral, investigao cientfica, alm de
refletir sobre a sociedade, para agir com a comunidade em prol tanto da
preservao do passado como para a transformao do presente
(FUNARI, 2007, p.155). Tambm geralmente a partir da arqueologia
acadmica que so elaboradas teses e dissertaes acerca do patrimnio
arqueolgico e da arqueologia.
J na Arqueologia por Contrato ou Preventiva o arquelogo tem
um tempo reduzido para realizar o projeto, visto que o empreendedor,
que contratou o arquelogo, necessita do relatrio para conseguir o
licenciamento e prosseguir com a obra. O profissional deve realizar um
levantamento da rea onde ocorrer a obra, avaliando os vestgios
arqueolgicos existentes se existirem. Ao encontrar se encontrar
um stio arqueolgico, este deve ser demarcado e resgatado. O resgate
consiste na coleta da maior e mais significativa quantidade de material
(CORDEIRO, 2005, p.42), para posterior curadoria e anlise em
laboratrio. Crticas so feitas a esse tipo de pesquisa, j que esse tipo de
salvamento de urgncia de parte dos vestgios visando sua
preservao no permite uma interpretao cultural abrangente do grupo
que os produziram. Isso acontece no somente pelo tempo reduzido na
pesquisa de campo, que impossibilita o desenvolvimento de hipteses,
mas tambm porque h um corte geogrfico limitado pelo tamanho do
empreendimento e no pelo objeto de pesquisa. Tal recorte, na maioria
37
das vezes, no condiz com o espao utilizado pelo grupo cultural
estudado (BARRETO, 2000, p. 47). Todavia, as pesquisas provenientes
da arqueologia preventiva, se realizadas em condies mais razoveis e
por pessoal habilitado, pode trazer os mesmo resultados que uma
arqueologia acadmica.
No entanto, tanto arqueologia acadmica quanto arqueologia
preventiva devem ou deveriam estar engajadas em uma Arqueologia
Pblica. O IPHAN prev tal engajamento em sua legislao, ao
estabelecer a necessidade de trabalhos de educao patrimonial [...] por
intermdio, por exemplo, de folhetos ilustrativos, escritos em linguagem
clara, explicando s comunidades as razes da presena de arquelogos
e demais pesquisadores naquela rea [...] (IPHAN, Termo de
Referncia, Portaria n 230 - IPHAN, 17 dez. 2002)
Essa Arqueologia Pblica foco de debates por todo o Brasil. Ela
discute a funo social da arqueologia, ou seja, engloba um conjunto de
aes e reflexes que objetiva saber a quem interessa o conhecimento
produzido pela arqueologia; de que forma nossas pesquisas afetam a
sociedade; como esto sendo apresentadas ao pblico [] (PYBURN;
BEZERRA, 2006, p.184). Preocupa-se tambm com as implicaes
pblicas das atividades arqueolgicas, almejando a interao com as
comunidades onde o projeto se desenvolve e benefcios para o pblico
em geral, como professores e estudantes.
Vale salientar ainda que a arqueologia pblica traduz-se por uma
Arqueologia com o pblico e no para o pblico (PYBURN;
BEZERRA, 2006, p.187) tentando compreender, juntamente com a
comunidade, no s a importncia da arqueologia, mas tambm seu
papel dentro da comunidade. Seu papel potencializar a capacidade de
valorizao e proteo do patrimnio arqueolgico pertencente
comunidade pela prpria comunidade, e facilitar, com isso, a atuao
dos arquelogos dentro desta.
Os arquelogos acadmicos ou contratados teriam, ento, o
papel de mediar essa aproximao da comunidade com a arqueologia,
fazendo com que o conhecimento gerado pela arqueologia cientfica,
cheia de jarges e academicismos, se torne acessvel a indivduos sem
formao na rea. Para tanto elabora projetos de educao patrimonial,
que incluem palestras, exposies do patrimnio arqueolgico
encontrado, divulgao dos resultados obtidos com seu trabalho tanto
para o mundo acadmico quanto para a comunidade, e outras formas
que o arquelogo encontrar para mostrar no s a validade de sua
cincia, como tambm resultados e benefcios que pode trazer.
38
Estes arquelogos tm o desafio de tentar reverter, atravs de
uma arqueologia pblica, a imagem que as comunidades tm da
arqueologia, uma vez que sua representao pblica um dos fatores
que contribuem para a desvalorizao e a destruio do patrimnio
arqueolgico (LIMA FILHO; BEZERRA, 2006, p.188). Assim sendo,
a arqueologia deve ser apresentada em todas as suas formas e
especialidades, para acrescer na proteo e salvaguarda das diferentes
formas de patrimnios arqueolgicos.
Rambelli (2008) corrobora esse argumento quando afirma que o
no conhecimento de uma especialidade da cincia arqueolgica, a
arqueologia subaqutica, um dos responsveis pelo tratamento
diferenciado e desvantajoso que dado ao patrimnio subaqutico. Por
no haver o entendimento da arqueologia subaqutica como uma das
especialidades da arqueologia e sim como uma espcie de mergulho ao
tesouro perdido no fundo do mar, os vestgios e stios arqueolgicos
encontrados so tratados como bas de onde se tira somente o que
interessa e lucrativo e no como fontes de referncia histria e
memria de uma coletividade.
Entretanto, a Arqueologia Subaqutica uma especializao da
cincia arqueolgica que difere desta porque exige a prtica do
mergulho autnomo pelo arquelogo. uma cincia como a
Arqueologia, mas possui seus mtodos aplicados a stios submersos e
seu objeto de estudo acaba por ser o patrimnio cultural subaqutico.
Como os stios arqueolgicos de superfcie, os stios submersos
so locais onde h vestgios de atividades de homens do passado e de
sua cultura material. A maior diferena entre esses dois est no fato dos
vestgios, neste caso, se encontrarem em ambiente aqutico
(RAMBELLI, 2002, p.37). No obstante, ambos, subaqutico ou
terrestre, por possurem tais vestgios de cultura material, so locais com
potencial patrimonial. Vale salientar ainda que os testemunhos materiais
orgnicos encontrados em stios arqueolgicos subaquticos conservamse melhor que sua contrapartida terrestre, podendo at ser encontrados
bens culturais de mais de 300 anos, feitos de madeira.
Essa caracterizao de stios arqueolgicos subaquticos abrange
muito mais que as caravelas, naus, bergantins e galeras naufragadas,
muitas vezes entendidas como o nico tipo de vestgio submerso. A
ao do homem no ambiente aqutico bem mais ampla. Tanto que a
presena de registros da cultura material humana nesse ambiente pode
ser dividida em quatro categorias de stios, segundo Blot (apud
RAMBELLI, 2002): stios santurios, stios depositrios (stios de
abandono), stios terrestres submersos e, claro, os stios de naufrgio.
39
interessante falar um pouco sobre essas categorias para elucidar
o potencial documental e patrimonial nelas existente.
Os Stios Santurios ou stios de depsitos rituais esto
relacionados ao depsito intencional de artefatos em ambiente aqutico,
de acordo com tradies culturais de ritos e oferendas. So formados por
grupos humanos que se estabeleceram perto da gua e a utilizavam no
s como forma de abastecimento, mas tambm como lugar de oferenda
s suas divindades. So verdadeiros poos sagrados onde eram
jogados desde simples artefatos at esqueletos humanos. Os maias
faziam isso, os crentes em Santo Nio de Atocha realizavam essa
prtica no sculo XVII, na Guatemala e hoje em dia muitos oferecem
artefatos para rainha do mar Iemanj. (RAMBELLI, 2002. p.44-47).
Os stios depositrios (stios de abandono) so locais onde houve
um descarte, abandono ou perda de algo por um homem no ambiente
aqutico ou lugares que passaram a pertencer ao ambiente aqutico.
Aqui podemos pensar nos objetos que foram jogados 4 ao mar, rios,
lagoas ou que foram transportados pelo esgoto e desembocaram em
guas. Esse tipo de stio muito encontrado em reas porturias, tanto
antigas quanto recentes. (RAMBELLI, 2002. p.48-51).
Os stios terrestres submersos so stios arqueolgicos formados
em ambiente no-aqutico ou em seu limite, que se tornaram submersos
pela ao de efeitos geolgicos, climticos ou pela ao do homem
(criao de barragens, PCHs, etc.). Esses stios so os mesmos
encontrados em locais secos, possuindo as mesmas caractersticas,
todavia esto localizados embaixo dgua. Calippo mostra que ao
longo de todo o planeta muitos stios arqueolgicos pr-coloniais foram
afetados pelos processos costeiros que atuaram durante o ltimo grande
ciclo de variao do nvel do mar. (2004, p.32) E alm de stios prcoloniais, podem-se citar ainda acampamentos histricos, vilarejos,
portos e at mesmo cidade inteiras que ocupavam locais prximo s
guas e foram submersos por diferentes motivos (RAMBELLI, 2002.
p.48-51).
Por fim, h os stios de naufrgio, que so testemunhos materiais
nicos de acidentes com embarcao e representam os restos de cultura
material da milenar histria universal dos naufrgios. (RAMBELLI,
2002. p.41). O mais interessante sobre os stios de naufrgios que
podem representar algo que subitamente deixou de existir, como se o
4
Percebe-se a semelhana entre os sitos depositrios e os stios santurios, visto que nos dois
h um abandono de artefatos, no entanto, possuem caractersticas funcionais distintas,
justificando a separao para estudo.
40
momento do acidente estivesse para sempre congelado no fundo das
guas (RAMBELLI, 2008, p.68).
Todavia no somente para estudiosos da Arqueologia
Subaqutica que o patrimnio subaqutico se extende para alm dos
naufrgios. Para o ICOMOS na Carta Internacional do ICOMOS sobre
Proteo e Gesto do Patrimnio Cultural Subaqutico de Sofia (1996),
o
[...]
patrimnio
cultural
subaqutico
41
So 134 stios pr-coloniais registrados no CNSA/IPHAN 6
entre as categorias abrigo sob rocha, arte rupestre, cermico, funerrio,
ltico, lito-cermico, oficina ltica e sambaqui, espalhados por toda a
ilha. Alguns foram alvos de pesquisas exaustivas, mas a categoria de
stio arqueolgico mais pesquisado e levantado a do sambaqui. Os
sambaquis so amontoados de conchas com presena de ossos
faunsticos e ocasionais sepultamentos humanos milenares (SANTOS;
NACKE; REIS, 2004. p.56), e constituem parte significativa dos bens
tombados pelo Iphan em Santa Catarina.
Na ilha havia e h inmeros sambaquis, grande parte deles
levantados e pesquisados pelo Padre Jesuta Joo Alfredo Rohr,
totalizando 63 stios arqueolgicos cadastrados no CNSA/IPHAN. As
pesquisas realizadas nesses stios geraram novas fontes de referncia e
informaes sobre o passado remoto de Florianpolis. Por exemplo, as
dataes coletadas em sambaquis, como Pntano do Sul (4500 anos AP)
e Cabeuda (4000 anos AP), foram capazes de indicar e comprovar a
longevidade da presena humana na Ilha de Santa Catarina (FOSSARI,
1987). O stio do Pntano do Sul, estudado pelo Pe. Rohr, em 1977,
apresenta ainda outros vestgios que mostram a riqueza da cultura dos
homens que criaram os sambaquis, contendo zolitos, quebracoquinhos, tembets, anzis sseos, entre outros materiais.
Foi tambm em pesquisas arqueolgicas sobre os sambaquis de
Florianpolis que se evidenciou a baixa mobilidade residencial dos
caadores-coletores nomenclatura usada para referir-se populao
que construiu os sambaquis da ilha de Santa Catarina. Marco Aurlio
Nadal De Masi (2001), com esta pesquisa, faz um contraponto
hiptese geral de Lewis Binford, que prope a alta mobilidade
residencial para grupos caadores-coletores, e inova ao afirmar que essa
baixa mobilidade e assentamentos mais intermitentes se deve pesca.
Conclui tambm, a partir da anlise de istopos estveis de carbono e
nitrognio do colgeno dos ossos humanos e animais, que os peixes
eram o recurso alimentcio principal destas populaes pr-coloniais.
De Masi estudou os sambaquis Porto do Rio Vermelho I, Porto
do Rio Vermelho II e Canto da Lagoa I. Seu estudo sobre os vestgios
presentes nesses sambaquis pode reafirmar o significado da pesca para
os habitantes da ilha e ainda mostra que a pesca, desde muito tempo,
mais que um modo de subsistncia primordial para grande nmero de
42
habitantes da ilha, uma atividade que pode ditar o modo de vida,
cotidiano e forma de ocupao do espao.
Outra categoria de stio arqueolgico que chama muita ateno na
Ilha de Santa Catarina so os stios de arte rupestre. Esses sitos so
marcados pela presena de petrglifos, ou seja, figuras desenhadas,
pintadas ou gravadas, em paredes de grutas, cavernas e abrigos, ou
blocos rochosos, podendo conter ainda outros vestgios arqueolgicos,
como indcios de habitaes, fogueiras, restos de alimentos
(CORDEIRO, 2005, p.79).
Na Ilha de Santa Catarina a maior qualidade desses stios est na
visibilidade que possuem por visibilidade quero dizer um bem cultural
que est vista de todos, imediatamente acessveis aos olhos, como
uma edificao. Tanta visibilidade que a logomarca de um dos melhores
resorts de praia do pas, o Resort Costo do Santinho, a imagem de
uma inscrio rupestre encontrada nas formaes rochosas na beira da
praia de mesmo nome. Outra mostra de reconhecimento social o nome
dado a esta praia, que conforme Rohr (1969, p. 09 10) deve-se a:
[] um petrglifo, em forma de boneco gravado
em um bloco de diabsio, ao qual o povo simples
dos arredores tributava culto, acender velas no
local. Sem estarmos a par destas ocorrncias, a
vinte e cinco anos passados, junto com outras
Itacoatiaras da mesma praia, transportamos ao
museu este pretenso Santinho. Soubemos, ao
depois, que este nosso gesto provocara indignao
entre os pescadores, que presumiam ter verificado
sensvel diminuio do pescado, aps a retirada da
Pedra do Santinho.
A arqueologia uma disciplina que dialoga mutuamente com muitas outras, como
antropologia, histria e geologia. Por isso, vale lembrar que quando digo s se conseguir
atravs de pesquisas arqueolgicas, subentende-se o entrosamento nestas pesquisas de todas as
disciplinas supracitadas e muitas outras.
43
atual, adquirida com as pesquisas de Rohr (1969) e Comerlato (2005)
s para citar alguns auxilia na redefinio e reconstituio de histrias
e memrias sobre essas gravuras, impulsionando todos em direo ao
conhecimento de si mesmos e do outro.
Entretanto, seria interessante verificar como aquela populao do
Santinho construiu a narrativa da Pedra do Santinho. A clara ligao
com a pesca mostra a vertente popular de construo desse significado.
No momento em que Rohr deslocou a pedra para o Museu Homem do
Sambaqui, essa populao veio reclamar o retorno do que era deles, a
propriedade sobre um bem entendido como sagrado, sobre o santo. Este
um dos casos em que a anlise da polissemia assumida por um mesmo
bem cultural poderia render resultados significativos.
No entanto, no somente em stios arqueolgicos pr-coloniais
que as pesquisas arqueolgicas terrestres tm trazido avanos,
informaes e debates. Os stios histricos tambm tm relevantes
pesquisas realizadas sobre eles. Os stios histricos se caracterizam por
stios construdos a partir da colonizao portuguesa no Brasil e, no
qual, o arquelogo pode utilizar (se houver) documentos escritos,
mapas, pinturas e fotografias em suas pesquisas, sendo capaz, de
complementar, construir e, at mesmo, trazer consideraes diferentes
das verses registradas na histria ou em documentos e textos oficiais
(NAJJAR, 2005, p.16-18).
Na tabela abaixo (Tabela 01) esto citados alguns stios histricos
e pesquisas importantes, que mostraram grande riqueza material e hoje
so considerados fontes de referncia para a histria poltica,
econmica, cultural e social da Ilha Santa Catarina, bem como para
comunidades e coletividades, as quais tiveram contato com o patrimnio
trazido tona por esses trabalhos e puderam acoplar o entendimento
que adquiriram do patrimnio ao entendimento que possuem de si
mesmos:
44
Pesquisas sobre Stios Arqueolgicos Histricos em
Florianpolis
Local Pesquisado
Conjunto de Nossa Senhora da
Conceio da Lagoa
Arquelogo Coordenador
Sem informaes
Data
1989
(registro
IPHAN)
1992
1992
Helio Vianna
1994
1996
Armaes baleeiras
Fabiana Comerlato
1998
Fabiana Comerlato
1999
1999
Forte SantAna
Fabiana Comerlato
1999
Fabiana Comerlato
2001
2003
45
histrico, o patrimnio cultural atua sobre os atuais habitantes da ilha,
na medida em que estes formulam interpretaes e concepes a
respeito desses bens compreendidos pela noo, identificando-os
consigo mesmos ou com outros grupos, delimitando fronteiras culturais;
construindo identidades e alteridades. O patrimnio herdado e
retransmitido toma parte nas culturas, ressignificando-as de modo
dinmico e permanente.
Esta mesma riqueza patrimonial que pode ser trazida tona pela
arqueologia terrestre, com inmeros stios pr-coloniais e histricos,
tambm se aplica para a arqueologia subaqutica. Numa simples
pesquisa em referncias secundrias, encontram-se inmeras evidncias
de potenciais stios arqueolgicos subaquticos, particularmente de
stios de naufrgios, sem considerar as outras categorias de stios
subaquticos expostos por Blot (apud Rambelli, 2002).
Sabe-se que a Ilha de Santa Catarina foi, desde inicio do sculo
XVI, importante ponto de passagem e aguada 8 de vrias expedies
que iam para o Rio da Prata, no sul da Amrica do Sul, ou que de l
voltavam (LOHN, 2004, p. 29), por este local ser, muito rico em gua
potvel e alimentos.
Alonso de Santa Cruz, tripulante da expedio de Sebastin
Caboto, em 1526/1527, descreve a opulncia que havia na Ilha de Santa
Catarina:
[...] qual puseram o nome de Santa Catalina estendendose de norte a sul cerca de 12 lguas mais ou menos e de 3
ou 4 de largura. Esta habitada por ndios, ela muito
arborizada e contm fonte de muito boa gua e entre a
ilha e o continente h grande e excelentes pesqueiros de
muito bons pescados (SANTA CRUZ apud
MOSSIMANN, 2002, p. 197).
46
Soobros podiam ocorrer por diversos motivos: 1) pela falta de
destreza do capito e/ou piloto cargos por vezes assumidos por nobres
sem preparo algum que pagavam para usufruir desses cargos oficiais; 2)
pouco conhecimento da regio associado com a dificuldade de
estabelecer com exatido a posio do navio do mapa, pois, embora a
latitude pudesse ser traada sem maiores problemas, a longitude era
mais difcil, j que se fazia atravs de um mtodo chamado rumo e
estima, uma espcie de adivinhao, baseada na direo que a
embarcao havia tomado e na orientao fornecida pela bssola e pelos
astros, nada muito preciso e confivel (RAMOS, 2008, p.100); 3) pelos
ataques de piratas, que alm de assediar, roubar, maltratar os
navegantes, deixavam-nos a bordo da nau em chamas e afundando; 4)
pela deteriorao da embarcao, por falta de manuteno ou pelo
tempo de uso; 5) pela imprevisibilidade de fenmenos naturais, como
tempestades, entre outros. Na Ilha de Santa Catarina a imprevisibilidade
de fenmenos naturais foi o principal causador de sinistros martimos.
O primeiro naufrgio que se tem notcia na Ilha de Santa Catarina
ocorreu em 1516, quando uma nau pertencente expedio de Juan
Diaz Sols perdeu-se das demais e tentou entrar na Baa Sul da Ilha de
Santa Catarina. Devido ao pouco conhecimento do local e a uma
tempestade, a nau com 15 passageiros foi ao fundo. Dos quinze
tripulantes, onze sobreviveram e passaram a viver com os indgenas
nativos do continente, defronte a ilha. Um dos nufragos dessa nau era
Aleixo Garcia, que se tornou famoso devido a sua jornada at os Andes,
na busca pelo Eldorado partindo do litoral de Santa Catarina, junto
com vrios nativos (MOSIMANN, 2002, p. 22 e 101).
Outro naufrgio foi o de Don Rodrigo de Acua, capito do
galeo San Gabriel, que em 1526, perdeu um batel de seu galeo na
frente do chamado Porto dos Patos. A localizao exata do Porto dos
Patos nunca foi encontrada. Sabe-se, entretanto, que estava localizado
no continente defronte Baa Sul da Ilha de Santa Catarina, entre 28S e
27S. No batel estavam quinze tripulantes do San Gabriel e duas arrobas
de ouro que adquiriram com os nufragos da expedio de Juan Diaz
Sols9 (MOSIMANN, 2002, p. 95-96 e 184).
Os nufragos tinham esse ouro devido viagem de Aleixo Garcia aos Andes, onde roubou
populaes que tinham o ouro como metal comum. Mesmo morrendo no trajeto de volta ilha,
os nativos que com ele estavam acabaram a jornada chegando novamente ao litoral de Santa
Catarina. Para mais informaes ver Mosimann (2002. p. 95-96).
47
Vale salientar a importncia que os nufragos possuam para as
coroas, uma vez que facilitavam a comunicao dos navegantes com os
indgenas e a ocupao do territrio. (RAMOS, 2008, p.174-175).
No sculo XVI ocorreram ainda outros naufrgios, expostos no
quadro abaixo, alm de outros que no constam nos registros oficiais 10
(MOSIMANN, 2002, p. 184).
Naufrgios do Sculo XVI
Naufrgio
Santa Maria de la
Concepcin (Nau
Capitnea de Caboto).
Bergantim da expedio
de Martim Afonso de
Sousa.
Naus pequenas da
expedio de Cabeza de
Vaca.
San Miguel da Expedio
de Diego de Sanabria.
Nau provedora da
Armada Espanhola, San
Esteban.
Ano do
naufrgio
Local do naufrgio
1526
1531
1541
Na entrada do Porto de
Vera11.
1551
1583
10
possvel divagar sobre os segredos existentes nos relatos, nem sempre os comandantes
relatam o que acontece nas viagens e o que trazem em suas embarcaes. Para mais
informaes ver Rambelli (2008, p. 59-60).
11
Alguns estudiosos afirmam que o Porto de Vera fica na atual enseada em frente Baa de
So Jos e outros asseguram que fica frente Baa da Palhoa ou ainda mais prximo do
Estreito, frente s atuais ponta de Coqueiros ou mesmo a Enseada de So Jos. Para mais
informaes ver Mosimann (2002. p. 146).
12
Disponvel em: < http://www.naufragiosdobrasil.com.br/> Acesso em: 25 nov. 2010.
48
Sistema de Informao de Naufrgios (SINAU); 2) Brasil Mergulho 13,
feito para reunir conhecimentos sobre mergulho no Brasil, comprovando
a visitao de stios de naufrgios por mergulhadores; e 3) Naufrgios 14,
que traz vrias informaes de naufrgios no Brasil e no Mundo.
No total, enumeram 46 naufrgios somente em Florianpolis.
No se conseguiu a localizao exata desses naufrgios, nem maiores
informaes sobre os mesmos. De acordo com os autores das pginas
eletrnicas essa escolha foi feita para proteger os naufrgios contra
roubos criminosos dos vestgios arqueolgicos.
No site Brasil Mergulho, no entanto, dois naufrgios so
referenciados por GPS: 1) um naufrgio no identificado (NI1) que
ocorreu na Baia Norte da Ilha de Santa Catarina, prximo a Ilha de
Anhatomirim, cujo ponto de GPS : 2725,00 S / 4833,00W; 2) um
naufrgio no identificado (NI2), encontrado representado em uma carta
nutica no referenciada pelo site na rea norte da Ilha de Santa
Catarina com ponto 2723, 655 S / 4827, 930 W. No h data para os
naufrgios no identificados. A localizao do segundo e terceiro
naufrgio mencionado anteriormente esto assinalados no mapa abaixo
(ver figura 1).
13
49
Figura 1: Mapa de localizao dos naufrgios no identificados mencionados pelo site Brasil
Mergulho. Disponvel em: <http://www.brasilmergulho.com/port/ naufrgios/>. Acesso em: 27
nov. 2010.
50
Arqueologia Pblica, nesses stios e para esses grupos, torna-se
evidente. Fiscalizar a ao dos mergulhadores e conscientizar as pessoas
da importncia do patrimnio e de seu papel no exerccio da cidadania
primordial. Caso contrrio, esse patrimnio cultural nico, no
renovvel e de interesse pblico (RAMBELLI, 2008, p.54) ser
prejudicado para sempre, assim como a possibilidade de produzir
conhecimento sobre ele e difundi-lo junto ao grande pblico.
Em resposta ao expressivo potencial subaqutico existente na Ilha
de Santa Catarina e arredores, foram realizadas duas pesquisas
envolvendo o patrimnio submerso no municpio de Florianpolis: 1) no
sul da Ilha de Santa Catarina, o Projeto Resgate Barra Sul, desenvolvido
pela ONG Projeto Barra Sul em parceria com o GRUPEP UNISUL; e
2) no norte da Ilha de Santa Catarina, o stio Praia dos Ingleses I
realizados pela ONG PAS (Projeto de Arqueologia Subaqutica).
O Projeto Resgate Barra Sul 15 teve incio em 2005 e possui
licena da Marinha para pesquisa e explorao de 400 quilmetros
quadrados da Barra Sul, entre as praias de Naufragados, dos Papagaios e
do Sonho. Tem por objetivo identificar os naufrgios da Baa Sul
utilizando prospeco magntica. At o momento encontraram trs
indcios de naufrgios histricos, inclusive de um provvel galeo
espanhol do sculo XVI, que, de acordo com o croqui do stio
arqueolgico (ver figura 2), est encoberto por oito metros de
sedimentos marinhos formados ao longo de 500 anos e possui 30 metros
de comprimento.
Este projeto recebeu recursos da Fundao de Apoio Pesquisa
Cientfica e Tecnolgica do Estado de Santa Catarina (FAPESC) em
2008, e conta com o apoio do Governo do Estado de Santa Catarina e
com a parceria do Grupo de Pesquisa em Educao Patrimonial e
Arqueologia (GRUPEP) da UNISUL (Universidade do Sul de Santa
Catarina). A arqueloga Deisi Scunderlick Eloy de Farias, pertencente
ao GRUPEP, a consultora do projeto.
15
51
52
J as pesquisas realizadas no sitio Praia dos Ingleses I (ver
figura 3), nos perodos entre maro de 2004 e fevereiro de 2005 e entre
fevereiro e maio de 2009 revelaram uma embarcao naufragada de
provvel construo espanhola que aparentemente soobrou no ano
1687. A partir dos levantamentos historiogrficos cogitou-se que a
embarcao seria de piratas ingleses, que raptaram a embarcao em
Nazca e saram a pilhar outras localidades por toda a costa americana do
Oceano Pacfico. Nas pesquisas arqueolgicas subaquticas
encontraram-se evidncias que corroboram essas informaes, tais como
madeiras de origem europia ou norte-americana, fragmentos de
cermica provenientes da Amrica Espanhola, botijas de uma arroba
(figura 4) que usavam para transportar e armazenar lquido, com pastas
de oleiros e jazidas tanto americanas, quanto espanholas, uma Escala
Gunther para navegao com marca de gravao pirografada,
tipicamente inglesa, entre outros. A passagem da embarcao por Santa
Catarina deu-se devido tentativa de chegar ao mar do norte pelo
Oceano Atlntico (NOELLI et al., 2009, p.179-203).
Figura 3: Localizao do Stio Arqueolgico Praia dos Ingleses I. Fonte: Noelliet al. (2009, p.
180).
53
Figura 4: Botija de uma arroba encontrada pelos pesquisadores da ONG PAS no stio Praia
dos Ingleses I. Fonte: Disponvel em: <http://www.feriasfloripa.com.br/page/2> Acesso em:
22 dez. 2010.
54
55
Captulo II - Patrimnio Cultural Subaqutico na
Comunidade da Praia dos Ingleses
No final de 2010, durante a leitura da Revista do Museu de
Arqueologia e Etnologia da USP do ano de 2009, tomei conhecimento
de alguns resultados do projeto de Arqueologia Subaqutica realizado
no norte da Ilha de Santa Catarina pela ONG PAS, juntamente com o
arquelogo Francisco Noelli, publicados no artigo intitulado Praia dos
Ingleses I: Arqueologia subaqutica na Ilha de Santa Catarina
(NOELLI et al., 2009). Foi ao ler esse artigo que decidi fazer uma
pesquisa sobre o potencial do patrimnio cultural subaqutico de
Florianpolis, com a inteno de responder as seguintes perguntas:
como uma comunidade percebe o patrimnio cultural subaqutico
presente ao seu redor (se ela o percebe)? Quais as especificidades do
tratamento dado a esse tipo de patrimnio submerso, em relao a outros
stios arqueolgicos e aos patrimnios visveis que estamos
acostumados a identificar como tais?
Essa deciso ganhou corpo em pesquisas e conversas com
professores, surgindo ento o desafio de escolher uma comunidade
apropriada para realizar a investigao. Assim, foi feita uma rpida
pesquisa sobre as comunidades de Florianpolis que poderiam
encontrar-se em contato com patrimnio subaqutico, cruzando
informaes j levantadas sobre naufrgios e stios arqueolgicos na
regio de Florianpolis e entorno. As comunidades de Naufragados,
Campeche, Pntano do Sul, Centro, Estreito foram levadas em
considerao, uma vez que so localidades onde a populao tem
intenso contato com o mar e onde h histrico de sinistros martimos e
presena de registros materiais desses acontecimentos histricos.
A presena da ONG PAS no stio Praia dos Ingleses I levou-me a
escolher a comunidade da Praia dos Ingleses como universo emprico de
minha investigao. Alm da existncia dessa pesquisa arqueolgica,
outro fator que influenciou na escolha desta comunidade foi a
bibliografia j produzida, referente a esta localidade. No se encontrou
muito material, mas o que se pode acessar mostrou-se til elaborao
da monografia.
Nesse conjunto, duas obras foram usadas como alicerce maior,
pois captam as caractersticas e histrias necessrias para a pesquisa e
compreenso da comunidade da Praia dos Ingleses. So elas a
monografia apresentada para obteno do grau de Especialista em
Histria Social no Ensino Fundamental e Mdio, do Centro de Cincias
da Educao da Universidade do Estado de Santa Catarina, Praia dos
56
Ingleses: Um espao em transformao a partir dos anos 1960 e a
dissertao apresentada como requisito para a obteno do ttulo de
Mestre do Programa de Ps- Graduao em Sociologia Poltica,
Universidade Federal de Santa Catarina, Ilha de Santa Catarina: Praia
Dos Ingleses entre Modernizao e Memrias da Tradio, ambas de
Adriane Nopes, elaboradas em 2006 e 2007, respectivamente.
A Praia dos Ingleses localiza-se na parte insular setentrional de
Florianpolis/SC e est a aproximadamente trinta e seis quilmetros do
Centro da cidade. Pertence ao Distrito Ingleses do Rio Vermelho,
juntamente com outras praias, como Brava, Santinho e com as
localidades de Capivari e Aranhas (NOPES, 2007, p.66). Situa-se entre
os paralelos 27 25 S e 27 30 S (Sul), e os meridianos 48 20 W e 48
25 W (Oeste), com limites ao norte e a leste pelo oceano Atlntico, ao
sul pelo Distrito de So Joo do Rio Vermelho e a oeste pela praia da
Cachoeira do Bom Jesus. A faixa litornea possui 4,83 km, limitada a
oeste pelo Morro das Feiticeiras e a leste pelo Morro dos Ingleses,
fazendo desta a segunda maior praia da Ilha de Santa Catarina,
precedida pela praia do Moambique, com 7,50 km de extenso
(NOPES, 2006, p.26).
Figura 5: Mapa com a localizao da Praia dos Ingleses na Ilha de Florianpolis e no detalhes,
foto area da praia.
57
At o ano de 1962 a Praia dos Ingleses manteve-se integrada
Freguesia So Joo Baptista do Rio Vermelho, seguindo a Resoluo
Rgia de 11 de agosto de 1831. A partir daquele ano houve um
desmembramento desta freguesia, atravs da lei de quatro de dezembro
de 1962, n. 531, e a criao do Distrito So Joo do Rio Vermelho e do
Distrito de Ingleses do Rio Vermelho (NOPES, 2006, p. 27).
A razo da denominao Ingleses permanece uma incgnita, e
vrias suposies j foram levantadas para explicar sua origem. Nopes
(2006, p. 27-29) cita algumas: 1) a denominao teria decorrido do
naufrgio, devido a uma lestada, de uma embarcao inglesa nas
proximidades da comunidade e a permanncia destes ingleses na regio;
2) proviria do encontro de trs corpos de marinheiros ingleses que
teriam aparecido na praia e enterrados no cemitrio local e 3) faria
referncia a uma companhia inglesa de extrao de leo de baleia que ali
existia at a primeira dcada do sculo XX. Nenhuma dessas
conjecturas, segundo Nopes, apresentou evidncias suficientes para
comprovar sua veracidade. Na verdade, o motivo para esta denominao
perdeu-se no tempo (NOPES, 2007, p.112), mas confirmar qual a
verdadeira menos importante do que compreender e estudar a tradio
oral e memria dessa comunidade.
A comunidade da Praia dos Ingleses e respectivo Distrito, at
final da dcada de 1960, incio da dcada de 1970, manteve-se bastante
afastada e isolada, devido distncia do Centro de Florianpolis e
precariedade do acesso virio at o norte da ilha. Desde as levas
migratrias, majoritariamente aorianas de acordo com Nopes (2007),
quem ali residia eram famlias de pescadores que se deslocaram de
Ganchos e Bigua localidades prximas a ilha de Santa Catarina. At
meados da dcada de 1950, a populao dos Ingleses e Rio Vermelho
(Freguesia So Joo Baptista do Rio Vermelho) era muito pequena, e
em 1954 contava com apenas 284 habitantes, sendo 138 do sexo
masculino e 146 do sexo feminino (NOPES, 2006, p.30).
Nos quatro anos seguintes h um aumento significativo na
populao, devido a um grande fluxo migratrio relacionado
facilidade e fartura da pesca e o que seriam as primeiras casas de
veranistas. A populao salta para 2.994 habitantes (NOPES, 2006,
p.30-31).
O aumento populacional continua e as mudanas ocorridas na
localidade nas quatro dcadas posteriores foram suficientemente grandes
para alterar o antigo modo de vida da comunidade, que se alicerava na
pesca, na salga, na roa de subsistncia e nas rendas de bilro feitas pelas
mulheres. Aos poucos a atividade de pesca foi entrando em declnio, as
58
salgas deixaram de existir e os lotes de terras, onde havia roa para
subsistncia, comearam a ser vendidos para veranistas. Grande parte
dos interesses passou a se voltar para o turismo. Desse modo, as terras,
antes utilizadas para a agricultura, criao de animais e casas de pesca,
foram dando lugar a hotis, pousadas, bares, restaurantes, casas de
veraneio, casas de aluguel para turista, praas. E o turismo torna-se a
atividade econmica mais rendosa para estas pessoas, tendo em vista
que suas propriedades passaram a ter valor monetrio (NOPES, 2006,
p. 42).
Esse desenvolvimento do turismo proporcionado, entre outras
coisas, pela chegada da energia eltrica em 1967, e pela facilitao do
acesso Praia dos Ingleses para quem saia do centro. J no incio da
dcada de 1960, iniciaram-se as obras de uma rodovia (SC-401) que
ligava o centro ao norte da ilha. Com o trajeto Ingleses - Centro
concludo em 1973, o turismo para aquela regio efervesceu. A
expanso continuou quando a Lei Municipal n. 2.193/85 estabeleceu
reas de Interesse Turstico em Florianpolis, e incluiu o Balnerio
dos Ingleses entre essas reas. Alm deste, Santo Antnio de Lisboa,
Ratones, Canasvieiras, Cachoeira do Bom Jesus, So Joo do Rio
Vermelho, Lagoa da Conceio, Ribeiro da Ilha e Pntano do Sul
foram considerados locais com potencial de explorao turstica. Esta lei
tambm acelerou a abertura da nova economia local, na qual as reas,
que antes eram destinadas produo de alimentos de subsistncia,
foram transformadas em lotes de terras de baixssimo valor para
qualquer veranista ou empreendedor que estivesse disposto a pagar
(NOPES, 2007, p.67-69)
As pessoas que habitavam o Distrito dos Ingleses do Rio
Vermelho usufruram dos benefcios trazidos pelo aumento populacional
e turstico. Muitos venderam seus lotes e, com o dinheiro, fizeram
melhorias em suas casas, compraram coisas novas, coisas modernas.
Outros tantos se alegraram com as facilidades do mundo urbanizado,
como transporte coletivo, estradas, escolas, telefone, comrcio perto de
suas residncias (e no no centro, como antigamente), energia eltrica,
entre itens de infra-estrutura.
Nopes (2007), analisando as modificaes ocorridas na
comunidade da Praia dos Ingleses comenta a transformao de uma
pequena comunidade em balnerio turstico:
Com o dinheiro circulante e necessidade de
atender os turistas, a organizao do Balnerio vai
sendo modificada e alterada rapidamente, estradas
so traadas, ruas e servides vo surgindo
59
espontaneamente. [] Os estabelecimentos
comerciais e de servios se multiplicam. A
pequena comunidade de pescadores, perdida no
norte da Ilha de Santa Catarina torna-se um
prspero balnerio (NOPES, 2007, p. 70).
60
Para responder essas questes no havia possibilidade de recorrer
bibliografia existente, uma vez que nada foi produzido com o intuito
de saber se a populao daquela rea reconhecia seu patrimnio cultural.
Em registros oficiais tambm no foi dado espao para essa questo.
Para abord-la, nada melhor que recorrer aos prprios habitantes da
comunidade dos Ingleses, e nada mais adequado que a realizao de
entrevistas que trouxessem informaes sobre como esses habitantes
percebem seu patrimnio cultural subaqutico (se percebem). O mtodo
da entrevista tambm o que mais afinidade detm com a Arqueologia
Pblica, uma vez que h uma atuao direta dos profissionais com a
comunidade, o que proporciona um aprendizado mtuo: ao passo que os
pesquisadores entendem como a comunidade v o patrimnio, a
comunidade identifica a importncia que dada a esses bens culturais.
Alm disso, a entrevista um trabalho multidisciplinar como a
arqueologia, visto que para elaborao e aplicao desta h necessidade
de um dilogo entre a antropologia, a histria, a psicologia, alm de
outras disciplinas da rea de cincias humanas e cincias sociais
aplicada (NOPES, 2007, p.15).
Assim sendo, entrevistas16 foram realizadas no perodo de 22 a 25
de junho com os moradores da Praia dos Ingleses. Estas trouxeram
algumas respostas aos questionamentos levantados no incio da
pesquisa, alm de um sem nmero de informaes sobre a comunidade
da Praia dos Ingleses e narrativas por ela criadas.
Durante as entrevistas privilegiei pescadores e informantes mais
velhos, considerando fatores como o tempo de permanncia na regio, o
histrico de contato com o mar (este o habitat do bem cultural focado
no trabalho) e a demonstrao de maior sensibilidade para com as
diferenas que podem ter ocorrido no cotidiano da praia por exemplo,
com a chegada de tcnicos e arquelogos. A escolha de pessoas mais
velhas ocorreu tambm por aconselhamento de moradores da praia.
Na tentativa de entrevistar pessoas mais jovens, estas se negavam
e indicavam moradores mais antigos da praia, pois acreditavam que
responderiam melhor o questionrio. Mesmo insistindo, preferiam no
responder e reforavam que quem entendia sobre coisas do mar eram os
pescadores mais velhos. Foi interessante notar como esses moradores
mais jovens viam os mais velhos da localidade. Eram vistos como bas
de memria da comunidade, como portadores da sabedoria sobre o
lugar. Em resposta disto, no se sentiam sbios o bastante para a
pesquisa e, por isso, aconselhavam conversas com os mais velhos.
16
61
Onze entrevistas foram realizadas sendo trs com mulheres e oito
com homens, apontados na tabela abaixo (Tabela 3):
Informaes dos Entrevistados
Sexo
Idade
Tempo
na regio
Entrevista 1
Feminino
29
3 anos
Entrevista 2
Masculino
70
55anos
Entrevista 3
Masculino
62
35 anos
Professora de
Histria
Barbeiro/Pescador
Aposentado
Chaveiro
Entrevista 4
Masculino
55
Nativo
Pescador Profissional
Entrevista 5
Masculino
51
Nativo
Vigilante/Pescador
Entrevista 6
Masculino
50
47 anos
Pedreiro/Pescador
Entrevista 7
Masculino
68
Nativo
Pescador aposentado
Entrevista 8
Masculino
57
Nativo
Pescador
Entrevista 9
Feminino
59
Nativo
Dona de Casa
Entrevista 10
Feminino
65
20 anos
Dona de Casa
Entrevista 11
Masculino
37
3 anos
Vigilante
Profisso
62
Mesmo tendo esse grande contato com o mar dos Ingleses,
quando indagados se algum dia ouviram falar ou mesmo viram alguma
coisa antiga, algum bem do passado dentro da gua ou na beira da praia,
muitos respondiam que no, totalizando sete negaes. No entanto, aps
negarem a resposta, trs dos entrevistados narraram alguma histria
sobre o passado da Praia dos Ingleses, mostrando-se conhecedores da
Histria do lugar.
O Pescador Profissional contava sobre os diferentes nomes das
localidades antigamente, explicando como o Canto do Man Serafim,
antigo morador e agricultor da praia dos Ingleses, transformou-se em
Canto das Dunas e o Canto da Pedra transformou-se em Canto das
Gaivotas.
J o pescador de 57 anos disse que a nica coisa que sabe de
histria sobre como era aquela regio antigamente, contando que antes
o lado direito da praia dos Ingleses era uma ilha.
A senhora de 59 anos tambm nunca viu nada antigo no mar ou
na praia, mas conhecia uma histria que ouviu sua av materna contar.
Sua av dizia que o lugar tem o nome de Ingleses por conta de um navio
que naufragou no mar ocasionando a morte de vrios ingleses, deixando
muitos corpos cadavricos na praia.
Os quatro moradores que responderam positivamente afirmaram
que sabiam da existncia de um naufrgio ocorrido no lado oeste da
praia dos Ingleses, mas adquiriram conhecimento sobre presena dele de
formas diferentes. Trs ouviram falar sobre uma pesquisa que estava
ocorrendo naquela regio, de onde tiravam coisas antigas de uma
embarcao do fundo do mar e um dos entrevistados, a Professora de
Histria, declarou ter lido uma dissertao em que o foco da pesquisa
era o conhecimento da Plataforma Continental Interna da Enseada dos
Ingleses para servir de apoio ao projeto de Arqueologia Subaqutica na
rea 17.
O Barbeiro, ex-pescador, respondeu a pergunta inicial afirmando
que a nica coisa do passado que viu em sua vida de pescador foram os
letreiros bonitos da ilha do Campeche, onde hoje bate o mar. E ainda
confidenciou que aqueles letreiros foram feitos quando na ilha ainda
17
63
era seco, ou seja, quando o nvel do mar no atingia as rochas da ilha.
Contudo, continuando a entrevista, contou que o seu filho havia achado
uma moeda antiga na praia. No sabendo o que era, doou aos
pesquisadores da ONG PAS. Ao contar esse fato, lembrou da pesquisa e
do naufrgio, ou seja, de que j tinha ouvido falar de coisas antigas
dentro do mar dos Ingleses.
O mais interessante que apesar de um nmero pequeno de
habitantes ter respondido o questionamento anterior positivamente,
todos, ao serem perguntados se sabiam da presena de uma embarcao
naufragada no lado direito da Praia dos Ingleses, responderam que sim!
Parecia que aquela embarcao no pertencia ao hall das coisas
antigas e quando perguntados sobre ela, voltava memria deles
aquela histria, aquele naufrgio. De todos, o chaveiro e o barbeiro
contaram episdios sobre amigos que trabalharam com os
pesquisadores, dirigindo lanchas, e colegas e parentes que acharam
algum objeto enquanto faziam pesca submarina ou passeavam pela
praia. De acordo com os entrevistados, os objetos achados por essas
pessoas foram doados para os pesquisadores do Projeto da ONG PAS.
Alguns dos entrevistados mostravam certa desconfiana quanto
real ocorrncia do naufrgio, no entanto. Diziam que nunca tinham visto
o navio, mas que j tinham ouvido histrias e por isso sabiam dele. Vale
salientar que a falta de visibilidade aqui se tornou motivo de dvida,
colocando em xeque a existncia desse bem cultural e talvez
dificultando a sua valorizao.
Quando questionados sobre o que poderia ser aquele naufrgio,
os entrevistados tinham narrativas muito interessantes e diversificadas.
O Pescador Profissional afirmou ser um navio de porcelana, ou seja,
um navio carregado com porcelana, que na poca tentou atravessar o
canal que havia entre a Praia dos Ingleses e a Praia do Santinho e
acabou encalhando e soobrando ali mesmo. O pescador aposentado de
68 anos acredita que no seja uma embarcao muito antiga e assegura
que no houve vtima fatal quando ocorreu o naufrgio, h 20 anos.
Alm destes, o Vigilante/Pescador e o Pedreiro figuram a embarcao
como um galeo da poca do descobrimento, o barbeiro como uma
caravela espanhola, o pescador de 57 anos como um navio antigo
chileno e o vigilante como uma embarcao naufragada devido a uma
tempestade.
Aps explicarem o que achavam que poderia ter ocasionado o
naufrgio, e qual o tipo de embarcao envolvida, perguntei sobre
importncia que ele poderia ter para histria de Florianpolis e dos
Ingleses, isso, claro, se eles viam alguma.
64
Mais da metade dos entrevistados (oito) percebiam a importncia
do naufrgio para a histria do local e de Florianpolis.
O chaveiro, o pedreiro, o vigilante/pescador e a dona de casa de
65 anos salientaram que o naufrgio era bom para estudo. O pescador
de 57 anos afirma que at bom para histria do Brasil, porque eles
falam que um navio [] desses grande navegador que teve a []
aqui da Amrica do Sul, [] Chile, diz que um navio chileno. A
senhora de 59 anos acha importante para a histria porque coisas
antigas, so tudo histrias bonitas. A professora de histria percebe a
importncia dos vestgios materiais testemunhos do passado e o
vigilante acredita que ele poderia fomentar o turismo.
Dos entrevistados que declararam no ver importncia alguma, o
pescador aposentado foi quem disse mais prontamente no pergunta,
no percebia nenhuma importncia histrica para o naufrgio, o barbeiro
no sabia dizer se ele vale ou no alguma coisa para a Histria.
Entretanto, o morador que mais categoricamente negou a pergunta e
ainda discursou sobre motivo de sua resposta foi o pescador
profissional. Este assegurou que:
[] no traria nada de novo [] existe coisas
mais importantes para ns se ocupar hoje do que
sim um mistrio que est no fundo do mar. Ele
histrico, sim histrico, mas a necessidade que
cabe hoje dentro da segurana da populao e a
melhoria para que ns tenha uma cidade de
primeiro mundo que to falada, ento acho que
existem coisas melhores que ns podemos mudar
dentro da capital, e fazer hoje as nossas praias do
norte da ilha uma coisa que venha a receber os
nossos turistas de maneira mais eficaz, vamos
dizer assim, com mais segurana, que no temos
segurana dentro da nossa prpria capital [].
65
66
Novamente foi feito um grfico (Grfico 2) com os nmeros
obtidos na entrevista e confirma-se o afirmado anteriormente, mais da
metade dos entrevistados no aposta na proteo contra destruio do
naufrgio.
67
imaginrio ocidental, desde a crena num mar que caia para um
precipcio sem fim, denotando o fim do mundo, passando pelos
monstros e seres estranhos e poderosos habitantes das guas (monstro
do Lago Ness, Moby Dick), at hoje com imagens de animais marinhos
estranhos, fora de todo padro biolgico conhecido, habitantes das guas
abissais.
Esse curioso e diferenciado local impe respeito, afastando
muitos de seu ambiente e conotando um mundo inatingvel, contrrio ao
mundo terreno. Qualquer coisa que entre em contato direto com esse
ambiente aqutico por muito tempo adquire os mesmos adjetivos:
desconhecido, misterioso, inatingvel. Piratas, navegadores, marinheiros,
pescadores, so profisses e ofcios do mar altamente enigmticos e
figurantes em inmeras histrias inexplicveis e fantsticas, assim como
objetos, que quando valiosos e perdidos nas guas, so alvos de buscas
mitolgicas, realizadas somente por homens com coragem e habilidade.
Tais objetos, se no forem por eles recuperados estaro para sempre
perdidos, mostrando tambm a dificuldade de recuper-los.
Possivelmente toda esta explicitada imagem enigmtica e
inatingvel do oceano, acabe por dar aos habitantes entrevistados dos
Ingleses a noo de que aquela embarcao naufragada esteja perdida
para sempre e que seja praticamente impossvel resgat-la. Talvez por
isso digam que est muito enterrada.
Todavia, mesmo essa imagem do mar estando consolidada no
imaginrio social, no pode ser colocada como a nica responsvel pelo
paradoxo de reconhecer a importncia dos vestgios submersos e ser
indiferente ou descrente da necessidade de salvaguard-los da destruio
natural ou provocada pelo homem.
A vontade de preservao parte do valor que s pessoas do ao
bem em questo. Se as pessoas no entenderem o valor que o bem
possui, no vo sentir necessidade de proteg-lo. Os habitantes dos
ingleses do um valor diferente do concebido pelos estudiosos,
cientistas e instituies de patrimnio. Esta evidncia aproxima-se do
que foi constatado por Arantes, ao afirmar que [...] as decises das
instituies de preservao podem estar em desacordo e no raramente
esto com os valores vigentes locais (ARANTES, 2006, p.427). O
que se deveria fazer ento promover a valorizao desses registros
junto aos habitantes dos Ingleses, jamais outorgando concepes sobre
patrimnio e salvaguarda de bens culturais, destruindo as concepes
anteriores, mas usando essas concepes como alicerces para construo
de novas idias e de outros valores.
68
Denota-se que o projeto ONG PAS falhou na Educao
Patrimonial junto comunidade. Nenhum dos entrevistados confirmou
ter recebido algum dia uma visita dos colaboradores do Projeto. Quando
perguntados se algum do projeto foi conversar com eles sobre aquele
naufrgio, se sabiam alguma coisa sobre as formas de preservao desse
patrimnio, 100% dos entrevistados responderam que no. O pescador
profissional inclusive afirmou que bom seria que a gente acompanhasse
essa explorao, tivesse uma equipe de, assim, de pescadores nativos
[]. Este pescador gostaria de ter a oportunidade de participar do
projeto, para saber mais sobre esses mistrios, como ele mesmo diz.
Afinal, tambm eles so conhecedores do mar.
Para comprovar essa afirmao quanto falha na Educao
Patrimonial, quando perguntados se conheciam o Museu do Naufrgio,
fundado pela ONG PAS, e se j o haviam visitado, somente trs
afirmaram t-lo freqentado, sendo que um acreditava que ficava aberto
s no vero. O restante nunca visitou o museu, e destes, o
vigilante/pescador e a senhora de 59 anos, declararam no ter interesse
em visit-lo. Seis entrevistados no tinham conhecimento de sua
existncia.
Essas entrevistas, mesmo que poucas, j mostram como uma
pequena parcela da comunidade dos ingleses percebe esse exemplar do
patrimnio cultural subaqutico florianopolitano, brasileiro e mundial.
Nota-se que todos conhecem o naufrgio, todos ouviram falar na
presena dessa embarcao nas profundezas do mar dos Ingleses;
contudo, nem todos atribuem-lhe qualquer importncia para o
conhecimento da histria, e menos ainda consideram imprescindvel sua
preveno contra foras destruidoras, como fenmenos da natureza e
mergulhadores salteadores.
possvel argumentar, a partir dessas evidncias, que parte dos
habitantes da comunidade dos Ingleses no compreende tal embarcao
naufragada como um bem cultural eleito como patrimnio subaqutico,
portador de valor histrico, artstico e cultural, e, portanto, merecedor de
proteo e salvaguarda, como so todos patrimnios culturais de acordo
com a Constituio de 1988 em seu Artigo 23.
No compreendem, por no serem informados do que
patrimnio cultural. Ou seja, no sabem que todo vestgio e bem,
material ou imaterial, que tenha dentro de si uma pea nica, original e
no renovvel (RAMBELLI, 2008, p. 54) do quebra-cabea da histria
deve ser entendida como patrimnio, e no somente deve ser
salvaguardado e protegido da destruio, como tambm estudado,
pesquisado e divulgado para comunidade em geral.
69
O motivo pelo qual no sabem disto est na falta de uma
Arqueologia Pblica eficiente na comunidade. Verifica-se, nas respostas
dos entrevistados (100% deles afirmaram no terem recebido visitas dos
colaboradores do projeto), que no houve um acompanhamento
patrimonial por parte dos participantes do Projeto ONG PAS aos
moradores da localidade.
Explicar para eles, atravs de um projeto planejado e avaliado de
Educao Patrimonial, o que representa aquela embarcao, tanto para
os pesquisadores, arquelogos, quanto para a Ilha de Santa Catarina, o
que ela pode oferecer para a histria e para a comunidade, porque deve
ser considerada patrimnio cultural e porque considerada patrimnio
cultural subaqutico fundamental para que os prprios moradores se
percebam enquanto agentes ativos no processo cultural, reconhecendo
seu papel dentro das aes patrimoniais e das polticas formuladas para
atender salvaguarda do patrimnio catarinense e brasileiro, tanto
quanto o lugar desempenhado pelos bens culturais na vida dos
moradores e do cotidiano da comunidade.
Com essas aes, provvel que algum dia os habitantes e
visitantes cheguem a perceber esse patrimnio enterrado no fundo do
mar como algo pertencente Praia dos Ingleses e a Florianpolis;
conseqentemente, a eles tambm, e no como um objeto da Histria
cujo interesse se restrinja aos cientistas e acadmicos. E ainda
entendero e apoiaro o direcionamento de recursos preservao e
salvaguarda do sitio arqueolgico e embarcao soobrada.
A criao do Museu do Naufrgio (figura 5) uma iniciativa que
segue na direo de uma Arqueologia Pblica de qualidade. No entanto,
a quantidade de entrevistados que desconheciam sua existncia mostra o
fracasso de sua divulgao na comunidade dos Ingleses.
70
71
desenhos de croquis das quadrculas, digitalizao de croquis, fotografia
dos materiais encontrados e das quadrculas, aplicao de tcnicas para
reduzir danos nas peas retiradas do mar (dessalinizao), entre outros
procedimentos. No entanto, a estrutura do Museu assustadoramente
precria. Grande parte da exposio ocorre dentro de um continer,
outras peas, como a quilha e o leme, esto dentro de uma piscina cheia
de gua marinha, expostas no ptio do Museu e o lastro est espalhado
por toda a rea externa do Museu. O continer definitivamente no o
melhor local para deixar as peas expostas, por conta das constantes
mudanas de temperatura e umidade. J a piscina e as peas do lastro
esto expostas demais a agentes externos, como vegetao e animais. H
ainda um continer para a diretoria, um para Registros e Desenhos
Tcnicos e trs como salas de laboratrio e dessalinizao.
Em conversa com o novo presidente da ONG PAS, o Sr. Narbal
Corra, me foi dito que essa estrutura do museu ser futuramente outra.
Hoje ele mais referido como Centro de Visitaes, local para expor
algumas das peas encontradas e permitir um conhecimento maior dos
antepassados. De acordo com o Sr. Corra, o Centro de Visitaes j
recebeu cerca de 30 mil visitantes pertencentes a diversas partes de
Santa Catarina. Este informou tambm que a pesquisa dos 220 m j
escavados foi autorizada18 pela Marinha do Brasil e pelo Ministrio da
Cultura, estando financiada pela Fundao de Apoio Pesquisa
Cientfica e Tecnolgica do Estado de Santa Catarina (FAPESC). Na
pgina eletrnica da ONG 19 est divulgado que na etapa da escavao
foram realizados mais de 1200 mergulhos e recuperadas inmeras peas
arqueolgicas e partes da embarcao, como o leme, a quilha e o lastro.
Ainda informa que a conservao das peas retiradas est, at hoje,
sendo realizada pela Universidade do Vale do Itaja (UNIVALI) com a
qual o projeto possui um convnio, assim como com o Museu Casa do
Homem do Mar, do municpio de Bombas. As peas expostas no Museu
(ou Centro de Visitao) devem ser, portanto, as peas que j passaram
pela fase da curadoria.
Durante a conversa, o Sr. Corra mostrou a insatisfao com a
desaprovao de alguns arquelogos ao projeto ONG PAS, acusando-o
de pouco cientfico e preocupado com o lucro. Afirmava que em
nenhum momento os objetos recuperados foram vendidos para
Portaria n. 59/DPC, de 03/06/2003 D.O.U. n. 11, seo 1, p. 7, de 16/01/2004) Contrato
de Autorizao (n. 52.000/2003-015/00) DPC/Marinha do Brasil), acordado no dia
16/12/2003, entre a autoridade naval, ministro da cultura e o PAS.
19
Disponvel em : http://www.ongpas.com/legisl.html Acesso em: 20 jul. 2011
18
72
patrocinar a pesquisa, e que tudo est sendo guardado, em curadoria
e/ou exposto. Revela ainda que precisou tirar dinheiro de seu prprio
bolso para conseguir continuar com a pesquisa e que em nenhum
momento lucrou com nada, pelo contrrio. Censurava esses crticos
dizendo que se os participantes da ONG quisessem, teriam direito a uma
soma em dinheiro como recompensa pelo trabalho de resgate, mas que
em nenhum momento cobraram isso. E ainda usou a contratao do
arquelogo Francisco Noelli como arma de defesa contra as acusaes
de baixa cientificidade no projeto, afirmando que at o ensinaram a
mergulhar.
Contou ainda que seu colega, Alexandre Viana, arquiteto e
mergulhador, foi quem descobriu o naufrgio em 1989. Viana e Corra,
junto com Marcelo Moura, gegrafo/mergulhador, esto desde o incio
no projeto. Noelli teria vindo mais tarde, no ano de 2004, tomando a
ponta no que se refere a questes arqueolgicas na pesquisa. Estes
quatro profissionais publicaram alguns artigos envolvendo o naufrgio,
inclusive na Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.
Tais publicaes, no entanto, no so suficientes para dotar o
projeto de legitimidade social. A divulgao do conhecimento e
informaes adquiridas com a escavao do naufrgio deve ser mostrada
para o pblico em geral, no somente para acadmicos e assinantes de
revistas. Falta divulgar para os pescadores, donas de casa, senhoras,
barbeiros, pedreiros, professores, etc. a potencialidade cultural,
cientfica e mesmo econmica da explorao arqueolgica subaqutica
nos Ingleses. Essa pea para fazer o Projeto ONG PAS mais completo
est faltando: uma educao patrimonial mais efetiva e presente na
comunidade, no somente existente em grandes veculos de divulgao
de massa. Estes ignoram os atores locais, saltam por sobre as pessoas
que convivem de perto com o patrimnio cultural em questo, e que
acabam no elegendo essa embarcao naufragada como patrimnio
cultural, pois no foi mostrado a elas tudo o que significa, tudo o que
guarda de histria. Assim, no incorporam esse naufrgio histria de
sua comunidade, e, por conseguinte, a sua prpria histria, nem se
apropriam de seus significados ou fazem dele um referencial identitrio
da localidade, afastando possibilidades otimizadas de salvaguarda que
prevem uma valorizao no somente do patrimnio cultural, mas
tambm da coletividade, uma vez que:
Iniciativas de apropriao, reinterpretao,
reabilitao e mesmo reinveno de tradies
[], tornam-se alvo de ateno de especialistas de
publicidade e marketing em seus projetos visando
73
produo de mercadorias e negcios de inflexo
cultural ou de valor cultural agregado
(ARANTES, 2006, p.431).
74
75
76
histrico e afirmariam que necessita de salvaguarda e proteo contra
destruio e/ou ataques a sua estrutura.
E, possivelmente, desconhecem tambm as outras polticas
pblicas que recaem sobre esse stio arqueolgico subaqutico e todos
os outros e que direcionam as prticas neles executadas.
Todo stio arqueolgico no Brasil, emerso ou subaqutico,
inclusive este da Praia dos Ingleses, est tutelado pela Lei Federal n
3.924 de 1961. Esta lei dispe sobre os monumentos arqueolgicos e
pr-histricos, alm de promulgar sua salvaguarda pelo poder pblico:
Art. 1. Os monumentos arqueolgicos ou prhistricos de qualquer natureza existentes no
territrio nacional e todos os elementos que neles
se encontram ficam sob a guarda e proteo do
Poder Pblico, de acordo com o que estabelece o
art. 180 da Constituio Federal.
nico - A propriedade da superfcie, regida pelo
direito comum, no inclui a das jazidas
arqueolgicas ou pr-histricas, nem a dos objetos
nela incorporados na forma do art. 161 da mesma
Constituio (Lei Federal 3.924/1961).
77
Art. 165. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa
tombada pela autoridade competente em virtude
de valor artstico, arqueolgico ou histrico.
Pena: deteno, de seis meses a dois anos, e
multa, de mil cruzeiros a vinte mil cruzeiros
(Cdigo Penal Brasileiro, Ttulo III, Captulo V)
78
Devido ao constante assalto e ilegal comercializao desses
testemunhos materiais subaquticos, em 1986, as autoridades nacionais,
representadas pela Marinha do Brasil, promulgaram a Lei Federal n
7.54220 (RAMBELLI, 2008, p. 64) que estabelecia como pertencentes
Unio todos os bens de valor artstico, interesse histrico e arqueolgico
encontrados submersos, proibindo a sua comercializao:
Art 20. As coisas e os bens resgatados, de valor
artstico, de interesse histrico ou arqueolgico,
permanecero no domnio da Unio, no sendo
passveis de apropriao, adjudicao, doao,
alienao direta ou atravs de licitao pblica, e
a eles no sero atribudos valores para fins de
fixao de pagamento a concessionrio. (Lei
7542/86, artigo 20).
79
arqueolgico foi modificado para permitir a pessoa fsica ou jurdica
nacional ou estrangeira com comprovada experincia em atividades de
pesquisa [grifo meu] (Lei 10.166/00, artigo 1) a exercer tais operaes
e atividades de pesquisa.
De acordo com anlise de Rambelli (2002, 2006, 2008) e o
Manifesto Pr-Patrimnio Cultural Subaqutico Brasileiro, o Livro
Amarelo (2004) essa mudana representa a contrapartida poltica ao
forte lobby junto aos mais destacados meios da Cultura, da
Comunicao, da Poltica, da Economia, das Finanas e das Foras
Armadas (LIVRO AMARELO, 2004, p.5), favorvel a empresas
estrangeiras e nacionais de caa ao tesouro e mergulho. Estas haviam
perdido a prerrogativa legal de explorar os stios de naufrgios em
territrio brasileiro, com a promulgao da Lei Federal n 7.542/86
(RAMBELLI, 2008, p.65), atrapalhando os planos de enriquecimento
atravs da venda dos vestgios materiais resgatados (venda legal prevista
na legislao anterior a 1986).
A modificao legal realmente d abertura a essas empresas
estrangeiras de mergulho para realizar pesquisas no Brasil e explorar
economicamente os seus stios arqueolgicos. No entanto, inmeras
pesquisas arqueolgicas em superfcie foram desempenhadas por
pessoas e instituies estrangeiras, e nem por isso deixaram de trazer
contribuies para arqueologia brasileira. O PRONAPA ocorreu com a
presena forte e constante de Betty Meggers e Clifford Evans do
Smithsonian Institute. Nide Guidon, francesa, respeitvel arqueloga
do Parque Nacional da Serra da Capivara, desenvolve pesquisas at hoje
naquela regio; pesquisas que se fazem atravs daquele museu e trazem
importantes contribuies ao debate sobre o povoamento da Amrica,
enriquecendo a academia brasileira , as pesquisas realizadas no Brasil e
mostrando para todo mundo a opulncia arqueolgica brasileira.
Portanto essa acusao deve ser feita com cuidado, pois o motivo para a
alterao desse enunciado pode ser a vontade de permitir a presena de
estrangeiros no Brasil, para estes desenvolverem, com suas diferentes
concepes e idias de arqueologia, pesquisas subaquticas
diferenciadas e para trocarem informaes com cientistas e
pesquisadores brasileiros, o que diferente de abrir a explorao das
guas brasileiras e dos vestgios materiais nelas encerrados a empresas
estrangeiras de mergulho.
O Manifesto ainda denuncia este lobby das empresas de
mergulho como razo da alterao do Artigo 20 da Lei Federal n
7.542/86. Esta colocava todos os bens resgatados, de valor artstico, de
interesse histrico ou arqueolgico como pertencentes Unio, sem
80
atribuir valor sobre eles para posterior pagamento ao contratado. J na
Lei Federal n 10.166/00, na nova redao do artigo 20, h o
estabelecimento de valor de mercado sobre os bens resgatados (LIVRO
AMARELO, 2004, p.18-20).
De fato, a alterao realizada no artigo 20 comprova o
estabelecimento de valor de mercado sobre o patrimnio cultural:
Art. 20. As coisas e os bens resgatados de valor
artstico, de interesse histrico ou arqueolgico
permanecero no domnio da Unio, no sendo
passveis de apropriao, doao, alienao direta
ou por meio de licitao pblica, o que dever
constar do contrato ou do ato de autorizao
elaborado previamente remoo.
[...]
2o O contrato ou o ato de autorizao poder
estipular o pagamento de recompensa ao
concessionrio pela remoo dos bens de valor
artstico, de interesse histrico ou arqueolgico, a
qual poder se constituir na adjudicao de at
quarenta por cento do valor total atribudo s
coisas e bens como tais classificados (Lei Federal
10.166/00, Artigo 2).
81
as atividades de localizao, explorao, remoo,
preservao e restaurao, a serem aferidas pela
Autoridade Naval
82
do ponto de vista histrico, artstico e arqueolgico, podero ser
negociados livremente (RAMBELLI, 2002, p.108):
Art.20 []
3o As coisas e bens resgatados sero avaliados
por uma comisso de peritos, convocada pela
Autoridade Naval e ouvido o Ministrio da
Cultura, que decidir se eles so de valor artstico,
de interesse cultural ou arqueolgico e atribuir os
seus valores, devendo levar em considerao os
preos praticados no mercado internacional.
4o Em qualquer hiptese, assegurada Unio
a escolha das coisas e bens resgatados de valor
artstico, de interesse histrico ou arqueolgico,
que sero adjudicados. (Lei Federal 10.166/00).
83
da prpria finalidade de salvaguarda legal pelo Estado brasileiro aos
bens culturais eleitos como patrimnio. Estes no apenas merecem ser
resguardado da ao destruidora por servirem como referncia s
identidades e memrias de grupos constituintes da sociedade nacional,
mas tambm por tratarem-se de documentos, nicos e insubstituveis,
necessrios elucidao do passado pela pesquisa acadmica. Em vista
disso, Rambelli tem razo quando afirma imperar, nesse caso, [] a
regra do favorecimento de poucos em detrimento de uma maioria
(leia-se humanidade, pois se trata de um patrimnio cultural comum a
todos os povos). (RAMBELLI, 2002, p.110).
A julgar pela singularidade da legislao aplicada ao patrimnio
submerso, cuja extrao por empresas privadas estimulada pela
recompensa financeira com base em valores praticados no mercado
internacional, o que a Lei 3924/61 garante no a proteo e
salvaguarda de todos os stios arqueolgicos e dos bens culturais neles
abrigados, mas apenas dos stios e patrimnios emersos.
A construo de um quadro legal mais permissivo com relao ao
patrimnio arqueolgico submerso do que com os stios arqueolgicos
terrestres repercute sobre as instncias autorizadas a regular as prticas
de interveno sobre os stios. O patrimnio arqueolgico brasileiro tem
a sua tutela sob a responsabilidade do Instituto do Patrimnio Histrico
e Artstico Nacional (IPHAN) (SOUZA, 2006, p.146). Contudo,
diferentemente do que ocorre com os projetos arqueolgicos terrestres, o
IPHAN no tem total jurisdio sobre a escolha de profissionais para
trabalhar em projetos de arqueologia subaqutica, que so escolhidos
pela Autoridade Naval. Naqueles, o IPHAN s emite autorizaes de
pesquisas para arquelogos devidamente qualificados, aps rigorosa
anlise de currculos e do contedo do projeto (RAMBELLI, 2008,
p.66). J a Autoridade Naval escolhe a pessoa fsica ou jurdica
nacional ou estrangeira com comprovada experincia em atividades de
pesquisa, localizao ou explorao de coisas e bens submersos (Lei
Federal n 10.166/00, artigo 1). Est claro que os profissionais
autorizados para fazer a pesquisa no stio arqueolgico subaqutico
podem ser exploradores de coisas e bens submersos, no
necessariamente arquelogos mergulhadores. No h uma preocupao
com o currculo dos homens que resgatam os bens culturais submersos.
Certo que est contemplada a comprovada experincia em atividades
de pesquisa, mas a presena do ou no enunciado retira a
obrigatoriedade de ser um pesquisador experiente de stios
arqueolgicos, ou seja, um arquelogo. Em terra, homens sem formao
mnima em arqueologia, no poderiam resgatar um stio por razes
84
bastante bvias: se ningum deixaria um advogado fazer um
procedimento mdico, pois a vida nica, tambm no deveria ser
permitido a mergulhadores com comprovada experincia em explorao
e localizao de bens e coisas submersas e sem formao em
arqueologia realizar procedimentos arqueolgicos, pois aqueles bens ou
coisas, so testemunhos materiais da histria nicos e insubstituveis.
H mais. O IPHAN, na Portaria n 230/2002, estabelece a
necessidade de fazer EIA/RIMA, como citado no primeiro captulo
desse trabalho, para todas as grandes obras de impacto ambiental. O
rgo prev a incluso, nestes estudos e relatrios, dos levantamentos
arqueolgicos na rea impactada. As reas impactadas dentro dgua
no recebem a mesma ateno e zelo do rgo responsvel pela tutela de
seus estudos (LIVRO AMARELO, 2004, p.10). No h ali dentro quem
exija esses estudos e relatrios para empreendimentos martimos. Por
esse motivo, comum a ausncia de levantamentos arqueolgicos
martimos na maioria dos projetos dessa natureza, e muitos stios
arqueolgicos subaquticos j podem ter sido destrudos.
Na prtica, a Lei Federal 10.166/00 est isolada do quadro legal
que serve de referncia salvaguarda do patrimnio histrico e cultural
brasileiro. Mesmo a legislao sendo abrangente e abordando o
patrimnio cultural como um todo, terrestre ou aqutico, seco ou
molhado, a Lei Federal n 10.166/00 ela foi promulgada para funcionar
em contradio com o preconizado pelas regras anteriores, confundindo
uma cincia preocupada com os bens culturais nicos e no renovveis,
com uma cincia equivocada, que pode no escolher um profissional
formado, com anos de estudos na rea da arqueologia, para realizar uma
pesquisa arqueolgica, e que faz isso em detrimento de um mergulhador
com anos de mergulho e experincia na retirada de objetos do fundo do
mar.
A legislao, marco regulatrio das polticas pblicas, acaba por
beneficiar aqueles lobistas das empresas de mergulho que buscam, como
toda empresa, lucros. Pode at no ser contra a vontade dos legisladores
brasileiros, mas bens culturais brasileiros correm o risco de estar sendo
vendidos legalmente, uma vez que erros na comisso podem ocorrer, e
no o Brasil que est lucrando com isso.
Essa legislao no observa tcnicas contemporneas de estudo e
divulgao de conhecimento, na verdade segue tradies estipuladas h
cerca de dois mil anos, na Lei de Rhodes, a qual estabelecia recompensa
para os mergulhadores que conseguissem recuperar objetos perdidos no
fundo do mar, exatamente como Rambelli (2002, 2006, 2008) e o Livro
Amarelo (2004) argumentaram em suas anlises.
85
As empresas de mergulho tentam mostrar que esto fazendo
arqueologia e confundem-na com a simples coleta de objetos do fundo
das guas, trazendo-os a superfcie para rapidamente serem revistados
pela Comisso e recompensados com dinheiro, vindo da venda desses
objetos. Nenhum arquelogo, preocupado com o valor e o significado de
sua profisso, venderia o patrimnio arqueolgico, nem para financiar
sua pesquisa. Arquelogos experientes e preocupados com o patrimnio
seguem normas rigorosssimas para coordenarem projetos de
arqueologia. Como j foi mencionado, por vezes devem passar por uma
rgida anlise de currculo. Outras obrigaes como cadastrar o stio
arqueolgico e prever em seus projetos a educao patrimonial e a
divulgao pblica dos conhecimentos adquiridos fazem parte dos
trabalhos desses arquelogos, que no recebem nada a mais da Unio
por isso.
Necessidade de financiamento para pesquisa foi a argumentao
das empresas de mergulho em 1986, ocasio em que a legislao mudou
e a Lei Federal n 7542/86 foi promulgada. Afirmavam que o resgate de
objetos submersos muito custoso e que necessrio um alto
investimento para fazer pesquisas arqueolgicas em ambientes
aquticos, concluindo que o nico modo de realizar tais pesquisas seria
comercializando os artefatos resgatados.
Pesquisas em arqueologia subaquticas bem sucedidas e
planejadas com cuidado comprovaram que no extrapolam o mesmo
oramento utilizado para pesquisas arqueolgicas emersas
(RAMBELLI, 2002, p.111). Rambelli (1998, 2003), Bava de Camargo
(2002) e Callipo (2004) fizeram suas pesquisas subaquticas que
resultaram em importantes avanos na cincia arqueolgica e
consolidaram os objetivos da arqueologia subaqutica no Brasil, de
conhecer, estudar e gerenciar os testemunhos materiais submersos da
presena humana em seus processos de ocupao (LIVRO
AMARELO, 2004, p.13). Fizeram isso sem vender os artefatos
recuperados com as pesquisas.
De acordo com Rambelli (2002), o que encarece as pesquisas
dessas empresas a realizao de buscas em grandes reas com usos de
equipamentos de alta tecnologia e com um longo trabalho de campo e
permanncia no stio para retirarem o maior nmero de objetos possveis
(RAMBELLI, 2002, p.111-112).
As prticas realizadas pelas empresas de mergulho que somente
buscam o lucro, legalmente amparadas pela Lei Federal de 10.166/00
colocam o Brasil na contramo de importantes recomendaes aceitas
internacionalmente, como a Carta Internacional do ICOMOS
86
(International Council of Monuments and Sites) sobre proteo e gesto
do patrimnio subaqutico (Sofia, 1996), e a Conveno da UNESCO
(United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) para
a Proteo do Patrimnio Cultural Subaqutico (2001) (LIVRO
AMARELO, 2004, p.17; RAMBELLI, 2002, p.108).
A UNESCO, sabendo da importncia da pesquisa, da informao
e da educao para a proteo e preservao do patrimnio cultural
subaqutico, mostra-se profundamente preocupada com a crescente
explorao comercial do patrimnio cultural subaqutico e estabelece:
I. Princpios Gerais
[]
Regra 2. A explorao comercial do patrimnio
cultural subaqutico para fins de transao,
especulao ou a sua irreversvel disperso
fundamentalmente incompatvel com a sua
proteo e adequada gesto. O patrimnio cultural
subaqutico no dever ser negociado, comprado
ou trocado como bens de natureza comercial
(UNESCO, 2001, p.17.)
87
patrimnio cultural subaqutico como parte integrante do patrimnio
cultural mundial, pertencente a toda a humanidade.
O Projeto ONG PAS no stio Praia dos Ingleses I, de acordo com
o que afirmado em sua pgina eletrnica, alicera a pesquisa que
conduz no norte da ilha de Florianpolis em grande parte das legislaes
e convenes acima citadas, como o artigo 216 da Constituio de 1988,
a Lei Federal n 3924/61, o Artigo 2 da Lei Federal n 10166, de
27/12/2000, a Carta do ICOMOS para a Proteo e Gesto do
Patrimnio Arqueolgico, de 1990, e a Conveno da UNESCO sobre a
Proteo do Patrimnio Cultural Subaqutico de 2001, alm de
considerar as ponderaes feitas no Livro Amarelo (2004). Asseguram
ainda na mesma pgina que seguiro essas normas da arqueologia de
forma incondicional, dentro dos cnones cientficos vigentes, permitindo
que todos os achados sejam conservados e dispostos em benefcio da
Unio e da humanidade, e confirmando a divulgao ao pblico em
geral atravs de publicaes de material didtico e cientfico.
So consideraes e objetivos louvveis realmente, haja vista a
no necessidade de seguir risca todas as recomendaes para fazer um
trabalho, mais simples e mais lucrativo, dentro das normas da Lei
Federal n 10.166/00.
Os objetivos expostos no site oficial vo ao encontro das
afirmaes de Sr. Narbal Corra quando este assegurou que em nenhum
momento os colaboradores do Projeto ONG PAS pediram recompensa
pelo trabalho prestado. O financiamento da pesquisa de acordo com suas
palavras d-se somente com a FAPESC e o Governo de Santa Catarina,
que at 2006 havia disponibilizado R$1,2 milhes para a pesquisa 22.
At hoje, Sr. Corra afirma que nunca foi vendida uma nica pea para
financiar a pesquisa de outro modo.
Com a conversa percebeu-se que os colaboradores do projeto
conhecem as preocupaes de arquelogos acadmicos sobre patrimnio
cultural subaqutico. Reconhecem seu potencial de trazer novas
referncias para a histria e identificam os conflitos de interesse que
rondam um stio de naufrgio. Compreendem que o patrimnio capaz
de ensinar muito sobre o passado e no deve ser vendido, nem guardado
longe do pblico. Aceitam os aconselhamentos internacionais sobre o
assunto e esto engajados em fazer uma pesquisa dentro dos mais
avanados parmetros da arqueologia subaqutica. No entanto, vale
acrescentar alguns conselhos e reiterar outros queles feitos no segundo
captulo desta monografia.
22
88
O artigo segundo da Lei Federal n 10.166/00 contrasta com as
outras legislaes, convenes e carta dispostas na pgina eletrnica.
Seria prefervel que os colaboradores e coordenadores do projeto,
percebendo as discrepncias largamente denunciadas pela comunidade
de arquelogos brasileiros, seguissem as sugestes internacionais ao
invs da regulamentao da Lei Federal n 10.166/00, mesmo que o
aval23 para pesquisa parta dessa legislao.
Mesmo com a presena do arquelogo Francisco Noelli desde
2004, tomando a frente nas questes arqueolgicas, importante no
ignorar a necessidade de um arquelogo-mergulhador como
coordenador do projeto e sujeito cotidianamente presente nas pesquisas.
A anlise autoral do arquelogo, com a carga de subjetividade que lhe
inerente, de extrema importncia para a reconstituio do stio, para a
sua percepo holstica, para a interpretao dos registros e o
cruzamento destes com outras fontes documentais e bibliogrficas.
(FUNARI, 2003, p.31-32).
Outro ponto a se ponderar a realizao de uma educao
patrimonial mais efetiva dentro da comunidade dos Ingleses. Como foi
argumentado no primeiro e segundo captulo deste trabalho, a criao do
Museu do Naufrgio segue essas recomendaes internacionais citadas
na pgina eletrnica, mas h uma defasagem na promoo ao acesso e
na divulgao dos bens culturais preservados e expostos. Mostrar a esses
moradores a importncia do patrimnio subaqutico para a histria do
Brasil, de Santa Catarina e para as suas histrias pessoais e coletivas,
atravs de educao patrimonial os incitar a conhecer esse patrimnio
cultural. Deix-los participar da vida daquele patrimnio trar o
patrimnio para a vida deles. Incit-los a conhecer o que arqueologia
subaqutica e como praticada, os far querer visitar o stio. Desse
modo podero desfrutar dos benefcios educativos e recreativos de um
acesso, responsvel e no intrusivo, ao patrimnio cultural subaqutico
in situ [] (UNESCO, 2001, p.1).
Os moradores da Praia dos Ingleses merecem conhecer aquela
embarcao, como mais que uma simples embarcao naufragada de
antigamente. Merecem ver o verdadeiro significado dela como
patrimnio cultural, como algo que os identifica, que traz memrias, e
que re-significa a histria de Florianpolis.
Nesse processo educacional importante tambm dar
conhecimento das leis de salvaguarda que protegem o seu patrimnio,
pois ele pertence a sua comunidade, a Comunidade da Praia dos
23
89
Ingleses. Perceberiam esse naufrgio como algo que deve ser cuidado,
conhecido e divulgado. Veriam que atravs dele, esto ligados ao
mundo, pois a histria desse patrimnio cultural subaqutico comea
muito longe dali. Esse naufrgio presente no mar que os habitantes da
praia visitam quase todos os dias tem sua histria iniciada do outro lado
do Oceano Atlntico. Os naufrgios tm esse carter nico de
multiplicidade tnica, ou seja, mesmo tendo soobrado na ilha de Santa
Catarina, concernem a uma diversidade de naes. E mesmo
pertencentes a essas naes, no necessariamente possuam somente
materiais provenientes de l. Foi o que mostrou a pesquisa de Noelli et
al. (2009): a embarcao era espanhola, comandada por ingleses,
carregada com materiais americanos e posto a fundo em Florianpolis.
curioso como os stios de naufrgio podem ser considerados
testemunhos de histrias e identidades nacionais, j que so
representantes da pluralidade tnica dos diferentes grupos navegadores
que povoaram o Brasil (povos pr-histricos costeiros, indgenas,
europeus, africanos, asiticos...) (RAMBELLI, 2006, p.164).
Quer proceda de povos pr-histricos, indgenas, europeus ou
africanos, existe patrimnio cultural subaqutico em Florianpolis.
Sabe-se da necessidade de proteg-lo e salvaguard-lo. O ICOMOS
(1996, p.5) j aconselhava isso: Deve ser preparado um programa de
gesto do stio, pormenorizando medidas para a proteco e para a
gesto in situ do patrimnio cultural subaqutico, na imediata seqncia
da concluso do trabalho de campo. Mas como se protege algo que no
visvel pela grande maioria da populao?
Pode-se pensar que a melhor forma de se proteger um patrimnio
como esse seria essa simples ignorncia sobre a sua existncia. Desse
modo ele continuaria no fundo das guas, esttico, sendo destrudo
somente por causas naturais, quando ocorresse. Mas com o contnuo
desenvolvimento urbano, envolvendo aterros, edificaes, construes
de pontes, hidreltricas, portos e estaleiros, muito comum
encontrarem-se stios arqueolgicos debaixo dgua, que sem
autorizao so destrudos ou so explorados por empresas de mergulho
em busca de lucro imediato.
Com essa conjuntura, a prospeco e escavao aparecem como
ltimo recurso no sentido de recuperar as informaes e conhecimentos
encerrados dentro do stio arqueolgico. Essa , na verdade, uma das
poucas conjunturas que legitimam uma escavao em stio arqueolgico
subaqutico, uma vez que toda atividade arqueolgica realizada sobre
um stio arqueolgico por si s destruidora (LIVRO AMARELO,
90
2004, p.6). Por esse motivo a Carta para Proteo e Gesto do
Patrimnio Arqueolgico, de Lausanne, de 1990 recomenda que:
As escavaes devem ser executadas de
preferncia em stios e monumentos condenados
destruio, devido a projetos de desenvolvimento
que alterem, a ocupao e o uso do solo, em razo
de pilhagem, ou da degradao causada por
agentes naturais (ICAHM-ICOMOS, 1990).
91
acabar nunca gerando o conhecimento que todo patrimnio cultural
deveria gerar. Como afirma Rambelli (2008), O patrimnio cultural
subaqutico representa uma diversidade considervel de testemunhos
materiais, e seu estudo pertence, no mnimo, sociedade brasileira [...]
(RAMBELLI, 2008, p.55)
Ao gerar conhecimento sobre o stio arqueolgico e difundi-lo
junto sociedade brasileira, o arquelogo no somente contribui para
enriquecer a histria, mas se posiciona como agente transformador da
realidade presente, uma vez que, por estar dentro de um contexto social,
cultural e poltico, traz os restos do passado atualidade e para dentro
deste mesmo contexto, modificando o modo como o presente e esse
contexto so percebidos. (RAMBELLI, 2006, p. 162) Esse
posicionamento e atitude reavivam o passado dos indivduos no
presente, sendo possvel faz-los reafirmar, desconstruir ou constatar
novas atribuies ao seu passado e a sua identidade. Descobri-los e no
proteg-los da melhor forma possvel uma irresponsabilidade maior
ainda do que ignor-los.
Acreditar que essa proteo venha das mos de empresas de
mergulho que buscam lucrar com a venda seja ao Estado, seja a
particulares de registros arqueolgicos submersos assumir o risco de
que o interesse econmico privado passe a reger as intervenes
tcnicas sobre os stios histricos e pr-histricos submersos. Estes, uma
vez destrudos, tem suas condies de interpretao determinadas para
sempre. O que alimenta a revolta de Rambelli e dos signatrios do Livro
Amarelo que a venda de bens culturais valiosos do ponto de vista
cientfico, histrico e cultural pode estar ocorrendo agora legalmente. Os
bens culturais, como os documentos histricos e pr-histricos, so
nicos, no renovveis e de valor inestimvel para a sociedade, e podem
estar sendo comercializados sem que se avalie exaustivamente o seu real
significado.
Rambelli (2002) acredita que uma forma para se combater e
vencer essa lei equivocada a formulao de uma Carta Arqueolgica
detalhada, que mostraria e traria um melhor conhecimento do que h nas
guas do Brasil, criando assim formas de gesto e proteo de stios
subaquticos para geraes futuras e presentes. Argumenta ainda que
uma alternativa barata; que poderia ter apoio da Marinha do Brasil e das
universidades, formando uma gama de novos profissionais e pessoas
preocupadas com patrimnio, como mergulhadores recreacionais.
por isso que pesquisas e estudos nessa rea, realizados por
arquelogos, so importantes. Sabe-se haver potencial para isso em
Florianpolis, mas sem identificar os stios no h como criar novas
92
formas de salvaguard-los. Sem identificao e estudo no ser possvel
contar com esse patrimnio na formulao da histria de Florianpolis.
No haver como perceb-lo como parte integrante da histria da
populao de Florianpolis. No h como fazer dele um lugar da
memria, que pode re-significar identidades.
De nada adianta tambm identific-los, estud-los e proteg-los e
mais nada fazer, no devolvendo populao o resultado das pesquisas,
nem disponibilizando a elas o acesso a esse patrimnio e ao
conhecimento construdo atravs dele.
As entrevistas realizadas na Praia dos Ingleses mostram a
ineficcia de projetos que no concebem atividades envolvendo
educao patrimonial e arqueologia pblica na comunidade, visto
grande parte dos entrevistados desconhecer a existncia do Museu do
Naufrgio e afirmar no ter recebido visitas de colaboradores do projeto.
Projetos que no prevem essas atividades perdem legitimidade perante
a populao, que no entende por completo o que o projeto faz, o que
significa o que est sendo pesquisado. Por conseguinte, perdem fora
quando necessitam reafirmar a importncia do projeto s fundaes de
amparo pesquisa. Alm disso, o objetivo do projeto acaba por ser de
simples ilustrador da histria, visto que no se preocupa em reafirm-la,
re-signific-la ou desconstru-la junto com a sociedade e as novas fontes
materiais de referncia. Sem educao patrimonial e arqueologia
pblica, o patrimnio subaqutico jamais ser patrimnio para todas as
pessoas, para todas as comunidades e sim meros objetos da histria,
coisas de museus e cientistas. Desse modo o patrimnio cultural
mantm-se como categoria exterior aos atores que produzem memrias
e narrativas sobre esses bens culturais.
Para implementar com sucesso uma poltica patrimonial, a
comunidade deve ansiar a preservao do patrimnio e isso s acontece
se os atores sociais reconhecerem como seus os bens culturais
envolvidos (FUNARI, PEREGRINI, 2006, p.59). Para tanto, os
dilogos, as crticas e as reflexes acerca do que patrimnio, qual sua
importncia para a histria, identidade e memria de determinados
grupos sociais urgente. Tambm urge a aplicao de princpios da
Arqueologia Pblica atravs da Educao Patrimonial, de modo a tornar
possvel:
[] construir junto com as comunidades o
conceito de patrimnio e de bem pblico. Apenas
quando esses conceitos tiverem sentidos para os
indivduos ser possvel alcanar uma preservao
efetiva desses patrimnios, sejam eles de
93
quaisquer espcies. O indivduo precisa
compreender que esse patrimonio importante
para algum. (CARVALHO; FUNARI, 2009, s/p)
94
95
Concluso
Aps breve anlise do que patrimnio e de seu significado
cultural procurei demonstrar que este muito mais que propriedade,
coisa material ou bem cultural histrico. O patrimnio cultural algo
vivo, agente na vida dos cidados, fonte para a constituio de novas
subjetividades ao mesmo tempo em que construdo coletivamente.
Concluiu-se que o patrimnio cultural, tanto emerso quanto submerso,
tanto material quanto imaterial, serve de referncia para memria
individual e de grupo; representa e referencia o passado, a histria e/ou
identidade de uma comunidade ou de um lugar, mas tambm opera no
presente sobre os indivduos da comunidade, reinventando-os e resignificando concepes sobre sua histria e sobre si. Afirmou-se
tambm que esse bem cultural eleito como patrimnio nico, original
e no-renovvel, dotado de valores inestimveis para a sociedade
mundial, brasileira, estadual e/ou municipal e por isso merece ser
salvaguardo e protegido da destruio e ataques criminosos.
No entanto, as evidncias levantadas no presente trabalho
apontam para o fato de que o patrimnio cultural subaqutico recebe um
tratamento desigual em relao a outras categorias de patrimnio, sendo
socialmente percebido de forma particularmente desfavorvel a sua
preservao. Mesmo com todas as discusses acerca da importncia da
salvaguarda do patrimnio cultural para a humanidade, o patrimnio
subaqutico sofre com constantes ataques criminosos feito por
mergulhadores a caa de tesouros e lucro. Mesmo com todo o avano da
cincia arqueolgica, como cincia autnoma, focada em interpretar e
investigar o passado do homem no planeta atravs do estudo de seus
vestgios materiais, o patrimnio submerso tratado com descaso. E
mesmo com todo o potencial patrimonial subaqutico que o Brasil,
Santa Catarina e mais pontualmente a ilha de Florianpolis possui, o
patrimnio molhado padece com a negligncia das polticas pblicas.
Nesse contexto os bens culturais presentes em meio aqutico
acabam no ganhando o valor que merecem por parte dos indivduos de
uma comunidade. As entrevistas feitas na Praia dos Ingleses mostraram
a viso que alguns moradores tm sobre estes bens. Era uma viso
ambivalente, pois reconheciam ali algo importante para a Histria, mas
no percebiam um bom motivo para investir na proteo e salvaguarda
dos bens em questo. Do ponto de vista dos entrevistados, aquela
embarcao naufragada no tinha valor suficiente para justificar os
esforos de proteo. Para eles, os testemunhos materiais daquele
naufrgio no se constituam em patrimnio.
96
fcil culpar os colaboradores do Projeto ONG PAS pela falta de
aplicao dos mtodos da Arqueologia Pblica e pela ausncia de uma
educao patrimonial mais eficaz dentro da comunidade, em razo de
poucos conhecerem o Museu do Naufrgio e ningum ter recebido
visitas de colaboradores. Entretanto, a deficincia da legislao sobre o
patrimnio cultural subaqutico no Brasil a real responsvel por essa
negligncia. Responsabilidade dividida com as empresas de mergulho
que buscam, mais do que o conhecimento e a salvaguarda. Nada
justifica substituir uma lei razovel (Lei Federal n 7542/86) para o
patrimnio cultural, por uma lei (Lei Federal n 10.166/00) que contraria
importantes e incisivas recomendaes internacionais, a menos que algo
muito mais poderoso empurre os legisladores para tal promulgao
absurda.
Esta lei permite s empresas de mergulho retirar bens culturais
submersos de onde estiverem, sob pretexto de que o salvamento e
resgate de objetos perdidos e passveis de destruio seja urgente e
dificultoso. Sob tal alegao, as empresas ainda merecem recompensas
por este nobre servio prestado, recompensa que pode ser o prprio
bem pblico, se depois de passar pela avaliao sumria e restritiva de
uma comisso oficial for julgado destitudo de valor artstico, histrico
ou arqueolgico. Ainda aceita a venda desses bens culturais e no
obriga implementao de projetos de educao patrimonial e
divulgao de conhecimento sobre o patrimnio gerado.
Como pode esta lei ir contra tudo o que j foi debatido e contra
tudo pelo que os estudiosos e preocupados com patrimnio lutaram? Ela
vai contra leis primordiais sobre o patrimnio do Brasil. Ela vai contra
aconselhamentos internacionais. Ela vai contra o bom senso. Quem
venderia algo que referencia sua histria individual, se este algo nico
e no renovvel?
Por esse motivo o Projeto ONG PAS deve seguir as orientaes
da Lei Federal n 3924/61, da Carta do ICOMOS para a Proteo e
Gesto do Patrimnio Arqueolgico, de 1990, e da Conveno da
UNESCO sobre a Proteo do Patrimnio Cultural Subaqutico de
2001, colocadas em sua pgina eletrnica. Pois a Lei Federal n
10.166/00 no mostra a todos, nem a todos obriga a realizao de uma
educao sistemtica, mediante a devoluo do conhecimento gerado ao
pblico geral e tambm no dispe sobre a importncia de um
arquelogo-mergulhador como coordenador do projeto. Mas afinal, seria
possvel esperar outra coisa de uma lei promulgada revelia da
comunidade cientfica e dos cidados?
Os filhos do Brasil gostariam de no ter um pai assim.
97
Referncias
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arqueolgicos e pr-histricos.
Lei n 7.542, de 26 de setembro de 1986 - Dispe sobre a pesquisa,
explorao, remoo e demolio de coisas ou bens afundados,
submersos, encalhados e perdidos em guas sob jurisdio nacional, em
terreno de marinha e seus acrescidos e em terrenos marginais, em
decorrncia de sinistro, alijamento ou fortuna do mar, e d outras
providncias.
Lei n 10.166, de 27 de dezembro de 2000 Altera a Lei no 7.542, de
26 de setembro de 1986.
Portaria Interministerial n 69 - Aprova normas comuns sobre a
pesquisa, explorao, remoo e demolio de coisas ou bens de valor
artstico, de interesse histrico ou arqueolgico, afundados, submersos,
encalhados e perdidos em guas sob jurisdio nacional, em terrenos de
marinha e seus acrescidos e em terrenos marginais, em decorrncia de
sinistro, alijamento ou fortuna do mar. 23 de janeiro de 1989.
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103
104
105
Anexos
Anexo A
p.107
Anexo B
p.109
Anexo C
p.121
106
107
Anexo A
Nome:____________________________________________________
Idade: _______ Tempo na regio: ______ Profisso:________________
Endereo:__________________________________________________
1. Voc tem um contato grande com o mar aqui da praia dos Ingleses?
O que ele para voc?
2. Voc j viu ou ouviu falar de coisas que esto embaixo dgua que
seja de pessoas que passaram por l no passado, antepassados,
ancestrais? Tem histrias sobre pessoas do passado? O que seria?
3. Sabe que por essa regio j naufragou um navio? O que voc sabe
sobre isso?
4. Para voc importante esse navio para a histria da ilha de
Florianpolis e dos Ingleses?
5. Voc acha que deviam cuidar desse navio para que ele no seja
destrudo?
6. Soube da presena de uma pesquisa em 2004 na regio, no fundo
do mar?
7. Na ocasio algum veio conversar com voc sobre a regio, se
voc sabia alguma coisa sobre patrimnio, naufrgios embaixo da
gua?
8. J visitou o Museu do Naufrgio, perto da associao? J o viu
aberto?
108
109
Anexo B
Lei n 7542, de 26 de setembro de 1986
Dispe sobre a pesquisa, explorao, remoo e demolio de coisas
ou bens afundados, submersos, encalhados e perdidos em guas sob
jurisdio nacional, em terreno de marinha e seus acrescidos e em
terrenos marginais, em decorrncia de sinistro, alijamento ou fortuna
do mar, e d outras providncias
Art 1.As coisas ou bens afundados, submersos, encalhados e perdidos
em guas sob jurisdio nacional, em terrenos de marinha e seus
acrescidos e em terrenos marginais, em decorrncia de sinistro,
alijamento ou fortuna do mar, ficam submetidos s disposies desta lei.
Art 2 Compete ao Ministrio da Marinha a coordenao, o controle e a
fiscalizao das operaes e atividades de pesquisa, explorao,
remoo e demolio de coisas ou bens afundados, submersos,
encalhados e perdidos em guas sob jurisdio nacional, em terrenos de
marinha e seus acrescidos e em terrenos marginais, em decorrncia de
sinistro, alijamento ou fortuna do mar.
Pargrafo nico. O Ministro da Marinha poder delegar a execuo de
tais servios a outros rgos federais, estaduais, municipais e, por
concesso, a particulares, em reas definidas de jurisdio.
Art 3 As coisas ou bens referidos no art. 1 desta lei sero considerados
como perdidos quando o seu responsvel:
I - declarar Autoridade Naval que o considera perdido;
II - no for conhecido, estiver ausente ou no manifestar sua disposio
de providenciar, de imediato, a flutuao ou recuperao da coisa ou
bem, mediante operao de assistncia e salvamento.
Art 4 O responsvel por coisas ou bens referidos no art. 1 desta lei
poder solicitar Autoridade Naval licena para pesquis-los, explorlos, remov-los ou demoli-los, no todo ou em parte.
Art 5 A Autoridade Naval, a seu exclusivo critrio, poder determinar
ao responsvel por coisas ou bens, referidos no art. 1 desta lei, sua
remoo ou demolio, no todo ou em parte, quando constiturem ou
110
vierem a constituir perigo, obstculo navegao ou ameaa de danos a
terceiros ou ao meio ambiente.
Pargrafo nico. A Autoridade Naval fixar prazos para incio e trmino
da remoo ou demolio, que podero ser alterados, a seu critrio.
Art 6 O direito estabelecido no art. 4 desta lei prescrever em 5
(cinco) anos, a contar da data do sinistro, alijamento ou fortuna do mar.
Pargrafo nico. O prazo previsto neste artigo ficar suspenso quando:
I - o responsvel iniciar a remoo ou demolio;
II - a Autoridade Naval determinar a remoo ou demolio;
III - a remoo ou demolio for interrompida mediante protesto
judicial.
Art 7 Decorrido o prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data do sinistro,
alijamento ou fortuna do mar, sem que o responsvel pelas coisas ou
bens referidos no art. 1 desta lei tenha solicitado licena para sua
remoo ou demolio, ser considerado como presuno legal de
renncia propriedade, passando as coisas ou os bens ao domnio da
Unio.
Art 8 O responsvel pelas coisas ou pelos bens referidos no art. 1
desta lei poder ceder a terceiros seus direitos de disposio sobre os
mesmos.
1 O cedente e o cessionrio so solidariamente responsveis pelos
riscos ou danos segurana da navegao, a terceiros e ao meio
ambiente, decorrentes da existncia das coisas ou dos bens referidos no
art. 1 ou conseqentes das operaes de sua remoo ou demolio.
2 A cesso dever ser comunicada Autoridade Naval, sob pena de
ser anulado o ato.
Art 9 A determinao de remoo ou demolio de que trata o art. 5
desta lei ser feita:
I - por intimao pessoal, quando o responsvel tiver paradeiro
conhecido no Pas;
II - por edital, quando o responsvel tiver paradeiro ignorado, incerto ou
desconhecido, quando no estiver no Pas, quando se furtar intimao
pessoal ou quando for desconhecido.
111
1 A intimao de responsvel estrangeiro dever ser feita atravs de
edital, enviando-se cpia Embaixada ou ao Consulado de seu pas de
origem, ou, caso seu paradeiro seja conhecido, Embaixada ou
Consulado do pas em que residir.
2 O edital, com prazo de 15 (quinze) dias, ser publicado, uma vez,
no Dirio Oficial da Unio, em jornal de grande circulao da capital da
Unidade da Federao onde se encontrem as coisas ou os bens, em
jornal da cidade porturia mais prxima ou de maior importncia do
Estado e em jornal do Rio de Janeiro, caso as coisas ou os bens se
encontrem afastados da costa ou nas proximidades de ilhas ocenicas.
Art 10. A Autoridade Naval poder assumir as operaes de pesquisa,
explorao, remoo ou demolio das coisas ou bens referidos no art.
1 desta lei, por conta e risco de seu responsvel, caso este no tenha
providenciado ou conseguido realizar estas operaes dentro dos prazos
legais estabelecidos.
Art 11. A Autoridade Naval determinar que o responsvel, antes de dar
incio pesquisa, explorao, remoo ou demolio solicitadas ou
determinadas, das coisas ou dos bens referidos no art. 1 desta lei adote
providncias imediatas e preliminares para prevenir, reduzir ou controlar
os riscos ou danos segurana da navegao, a terceiros e ao meio
ambiente.
1 A providncia determinada dever consistir:
I - na manuteno, se possvel, a bordo, ou em local prximo
embarcao, de seu Comandante ou de um Oficial ou um Tripulante; e
II - na demarcao ou sinalizao das coisas ou dos bens.
2 Na falta de atendimento imediato de tais providncias, ou quando
for impraticvel ou no houver tempo para intimar o responsvel, a
Autoridade Naval poder adotar providncias por conta e risco do
responsvel.
Art 12. A Autoridade Naval poder empregar seus prprios meios ou
autorizar terceiros para executarem as operaes de pesquisa,
explorao, remoo ou demolio de coisas ou bens referidos no art. 1
desta lei, no exerccio do direito a que se referem o art. 10 e o 2 do
art. 11.
112
1 No contrato com terceiro ou na autorizao a estes dada poder
constar clusula determinando o pagamento no todo ou em parte, com as
coisas ou os bens recuperados, ou removidos, ressalvado o direito do
responsvel de reaver a posse at 30 (trinta) dias aps a recuperao,
mediante pagamento do valor da fatura, do seguro ou de mercado, o que
for maior, da mesma coisa ou bem, alm do pagamento do que faltar
para reembolso integral das despesas havidas ou contratadas para a
operao executada.
2 Na falta de disposio em contrrio no contrato ou autorizao ou
sendo a recuperao feita pela Autoridade Naval, as coisas ou os bens
resgatados, nacionais ou nacionalizados, sero imediatamente vendidos
em licitao ou hasta pblica, dando-se preferncia na arrematao
quele que efetuou a remoo ou recuperao, ressalvado o direito do
responsvel de reaver sua posse, na forma e no prazo estabelecidos no
pargrafo anterior.
Art 13. O responsvel pelas coisas ou bens referidos no art. 1 desta lei,
seu cessionrio e o segurador, que tenham coberto especificamente os
riscos de pesquisa, explorao, remoo ou demolio das coisas ou
bens, permanecero solidariamente responsveis:
I - pelos danos que venham provocar, direta ou indiretamente,
segurana da navegao, a terceiros ou ao meio ambiente, at que as
coisas ou os bens sejam removidos ou demolidos, ou at que sejam
incorporados ao domnio da Unio pelo decurso do prazo de 5 (cinco)
anos a contar do sinistro; e
II - pelo que faltar para reembolsar ou indenizar a Unio, quando a
Autoridade Naval tiver atuado conforme disposto no art. 10 e no 2 do
art. 11.
1 No caso de uma embarcao, o seu responsvel responder,
solidariamente, com o responsvel pela carga, pelos danos que esta
carga possa provocar segurana da navegao, a terceiros e ao meio
ambiente.
2 No caso de haver saldo a favor do responsvel pelas coisas ou pelos
bens, aps a disposio das coisas e dos bens recuperados, e depois de
atendido o disposto no inciso II deste artigo, o saldo ser mantido pela
Autoridade Naval, disposio do interessado, at 5 (cinco) anos a
contar da data do sinistro, depois do que ser considerado como receita
da Unio.
113
3 As responsabilidades de que tratam o inciso I e o 1 deste artigo
permanecero, mesmo nos casos em que os danos sejam decorrentes de
operaes realizadas pela Autoridade Naval, nos termos do art. 10 e do
2 do art. 11.
Art 14. No caso de embarcao que contiver carga e que em decorrncia
de sinistro ou fortuna do mar se encontrar em uma das situaes
previstas no art. 1 desta lei, ser adotado o seguinte procedimento:
I - no havendo manifestao de interesse por parte do responsvel pela
carga, o responsvel pela embarcao poder solicitar autorizao para
remoo ou recuperao da carga ou ser intimado pela Autoridade
Naval a remover a carga, juntamente com a embarcao ou
separadamente dela;
Il - o responsvel pela carga poder solicitar Autoridade Naval
autorizao para sua remoo ou recuperao, independente de pedido
por parte do responsvel pela embarcao.
1 A Autoridade Naval poder, a seu critrio, exigir a remoo da
carga intimando o seu responsvel e o responsvel pela embarcao,
junta ou separadamente.
2 A Autoridade Naval poder negar autorizao ao responsvel pela
carga, para sua remoo ou recuperao, quando, a seu critrio, concluir
haver srio risco de resultar em modificao de situao em relao
embarcao, que venha a tornar mais difcil ou onerosa a sua remoo.
3 A Autoridade Naval, ao assumir a operao de remoo da
embarcao, poder aceitar, a seu critrio, a colaborao ou participao
do responsvel interessado pela recuperao da carga.
Art 15. Ao solicitar autorizao para a pesquisa, explorao, remoo
ou demolio das coisas ou bens referidos no art. 1 desta lei, o
responsvel dever indicar:
I - os meios de que dispe, ou que pretende obter, para a realizao das
operaes;
Il - a data em que pretende dar incio s operaes e a data prevista para
o seu trmino;
III - o processo a ser empregado; e
IV - se a recuperao ser total ou parcial.
114
1. A Autoridade Naval poder vetar o uso de meios ou processos que,
a seu critrio, representem riscos inaceitveis para a segurana da
navegao, para terceiros ou para o meio ambiente.
2 A Autoridade Naval poder condicionar a autorizao remoo,
pelo responsvel, de todas as coisas ou bens, e no parte deles, bem
como de seus acessrios e remanescentes ou, quando se tratar de
embarcao, tambm de sua carga.
3 A Autoridade Naval fiscalizar as operaes e, na hiptese de que o
responsvel venha a abandon-las sem completar a remoo do todo
determinado, poder substitu-lo nos termos do art. 10.
Art 16. A Autoridade Naval poder conceder autorizao para a
remoo ou explorao, no todo ou em parte, de coisas ou bens referidos
no art. 1 desta lei, que tenham passado ao domnio da Unio.
1 O pedido de autorizao para explorao ou remoo dever ser
antecedido por pedido de autorizao para pesquisa de coisas ou bens.
2 Havendo mais de um pedido de explorao ou remoo, em relao
mesma coisa ou bem, apresentados no prazo de intimao ou do edital
a que se refere o
3 deste artigo, tero preferncia, independente de prazos para incio e
fim das operaes, mas desde que ofeream as mesmas condies
econmicas para a Unio:
I - em primeiro lugar, aquele que, devidamente autorizado a pesquisar,
tenha localizado a coisa ou o bem;
II - em segundo lugar, o antigo responsvel pela coisa ou pelo bem.
3 Para que possam manifestar sua preferncia, se assim o desejarem,
devero aqueles mencionados nos incisos I e II do 2 deste artigo ser
intimados, pessoalmente ou por edital, obedecendo-se no que couber, as
regras estabelecias no art. 9 e seus pargrafos. O custo das intimaes
ou da publicao de editais correr por conta dos interessados.
4 Nas intimaes ou editais ser estabelecido o prazo de 15 (quinze)
dias para que aqueles mencionados nos incisos I e II do 2 deste artigo
manifestem seu desejo de preferncia. Manifestada a preferncia, a
Autoridade Naval decidir de acordo com o que dispe 2 deste artigo.
115
5 No ser concedida a autorizao para realizar operaes e
atividades de pesquisa, explorao, remoo ou demolio a pessoa
fsica ou jurdica estrangeira ou a pessoa jurdica sob controle
estrangeiro, que tambm no podero ser subcontratados por pessoas
fsicas ou jurdicas brasileiras. Citado por 1
Art 17. A Autoridade Naval, quando for de seu interesse, poder
pesquisar, explorar, remover e demolir quaisquer coisas ou bens
referidos no art. 1 desta lei, j incorporados ao domnio da Unio.
Art 18. A Autoridade Naval, no exame de solicitao de autorizao
para pesquisa, explorao ou remoo de coisas ou bens referidos no art.
1 desta lei, levar em conta os interesses da preservao do local, das
coisas ou dos bens de valor artstico, de interesse histrico ou
arqueolgico, a segurana da navegao e o perigo de danos a terceiros
e ao meio ambiente.
Pargrafo nico. A autorizao de pesquisa no d ao interessado o
direito de alterar o local em que foi encontrada a coisa ou bem, suas
condies, ou de remover qualquer parte.
Art 19. A Autoridade Naval, ao conceder autorizao para pesquisa,
fixar, a seu critrio, prazos para seu incio e trmino.
1 A Autoridade Naval, a seu critrio, poder autorizar que mais de
um interessado efetue pesquisas e tente a localizao de coisas ou bens.
2 O autorizado a realizar operaes de pesquisa manter a Autoridade
Naval informada do desenvolvimento das operaes e, em especial, de
seus resultados e achados.
Art 20. As coisas e os bens resgatados, de valor artstico, de interesse
histrico ou arqueolgico, permanecero no domnio da Unio, no
sendo passveis de apropriao, adjudicao, doao, alienao direta ou
atravs de licitao pblica, e a eles no sero atribudos valores para
fins de fixao de pagamento a concessionrio.
Art 21. O contrato ou ato de autorizao de remoo ou explorao
poder prever como pagamento ao concessionrio, ressalvado o disposto
no art. 20 desta lei, in fine:
I - soma em dinheiro;
116
Il - soma em dinheiro, proporcional ao valor das coisas e dos bens que
vierem a ser recuperados;
III - adjudicao de parte dos bens que vierem a ser recuperados;
IV - pagamento a ser fixado diante do resultado de remoo ou
explorao, conforme as regras estabelecidas para fixao de pagamento
por assistncia e salvamento, no que couber.
1 Sero decididos por arbitragem os pagamentos previstos nos incisos
II e IV deste artigo, que no estejam ajustados em contrato ou acordo.
2 Ressalvado o disposto no inciso III deste artigo, todas as demais
coisas ou bens desprovidos de valor artstico e de interesse histrico ou
arqueolgico, que venham a ser removidos tero sua destinao dada
pela Autoridade Naval, a seu critrio, ou sero alienados, pela mesma
Autoridade, em licitao ou hasta pblica, tendo preferncia, preo por
preo, o concessionrio, em primeiro lugar, e o antigo responsvel, em
segundo lugar.
3 O valor das coisas ou dos bens que vierem a ser removidos poder
ser fixado no contrato ou no ato de concesso antes do incio ou depois
do trmino das operaes de remoo.
Art 22. A Autoridade Naval poder cancelar a autorizao se:
I - o autorizado no tiver dado incio s operaes dentro do prazo
estabelecido no ato de autorizao, ou, no curso das operaes, no
apresentar condies para lhes dar continuidade;
II - verificar, durante as operaes, o surgimento de riscos inaceitveis
para a segurana da navegao, de danos a terceiros, inclusive aos que
estiverem trabalhando nas operaes, e ao meio ambiente;
III - verificar, durante as operaes, que o processo ou os meio
empregados esto causando ou podero causar prejuzo s coisas ou aos
bens de valor artstico, de interesse histrico arqueolgico, ou danificar
local que deva ser preservado pelos mesmos motivos.
Pargrafo nico. Nenhum pagamento ser devido ao autorizado pelo
cancelamento da autorizao, salvo quando j tenha havido coisas ou
bens, desprovidos de valor artstico e de interesse histrico ou
arqueolgico, recuperados, situao em que tais coisas ou bens podero
ser adjudicados ou entregue o produto de sua venda, mesmo que em
117
proporo inferior ao previsto no contrato ou ato de autorizao, para
pagamento e compensao do autorizado.
Art 23. Independente da forma de pagamento contratada, toda e
qualquer coisa ou bem recuperados mesmos os destitudos de valor
artstico e de interesse histrico ou arqueolgico, devero ser entregues,
to logo recuperados, Autoridade Naval. O autorizado, como
depositrio, ser o responsvel pela guarda e conservao dos bens
recuperados, at efetuar a sua entrega.
Art 24. O autorizado para uma remoo, quando na autorizao constar
que a coisa ou o bem deve ser totalmente removido, permanecer
responsvel pela operao at sua completa remoo. A Autoridade
Naval poder intim-lo a completar a remoo, nos prazos estabelecidos
na autorizao, bem como poder substitu-lo, por sua conta e risco,
para terminar a remoo, se necessrio.
Art 25. O autorizado ou contratado estar sujeito s mesmas regras de
responsabilidade que se aplicam, na forma do art. 13 desta lei, ao
responsvel, ao seu cessionrio e ao segurador autorizados ou
compelidos a efetuar remoo ou demolio de coisas ou de bens,
referidos no art. 1.
Art 26. A Autoridade Naval poder exigir, do interessado e requerente
de autorizao para pesquisa, uma cauo, em valor por ela arbitrado,
como garantia das responsabilidades do autorizado.
Art 27. Nos casos em que exista interesse pblico na remoo ou
demolio de embarcaes ou quaisquer outras coisas ou bens referidos
no art. 1 desta lei, e j incorporados ao domnio da Unio, a Autoridade
Naval poder vend-los, em licitao ou hasta pblica, a quem se
obrigue a remov-los ou demoli-los no prazo por ela determinado.
Art 28. Aquele que achar quaisquer coisas ou bens referidos no art. 1
desta lei, em guas sob jurisdio nacional, em terrenos de marinha a
seus acrescidos e em terrenos marginais, no estando presente o seu
responsvel, fica obrigado a:
I - no alterar a situao das referidas coisas ou bens, salvo se for
necessrio para coloc-los em segurana; e
II - comunicar imediatamente o achado Autoridade Naval, fazendo a
entrega das coisas e dos bens que tiver colocado em segurana e dos
quais tiver a guarda ou posse.
118
Pargrafo nico. A quem achar coisas ou bens nos locais estabelecidos
no art. 1, no caber invocar em seu benefcio as regras da Lei n 3.071,
de 1 de janeiro de 1916 - Cdigo Civil Brasileiro - que tratam da
inveno e do tesouro.
Art 29. As coisas e os bens referidos no art. 1 desta lei, encontrados nas
condies previstas no artigo anterior, sero arrecadados e ficaro sob a
custdia da Autoridade Naval, que poder entreg-los, quando nacionais
ou nacionalizados, aos seus responsveis.
1 As coisas e os bens que ainda no tenham sido alienados pela
Autoridade Naval, podero ser reclamados e entregues aos seus
responsveis, pagando o interessado as custas e despesas de guarda e
conservao.
2 No sendo as coisas e os bens reclamados por seus responsveis, no
prazo de 30 (trinta) dias da arrecadao, a Autoridade Naval poder
declar-los perdidos.
3 As coisas e os bens de difcil guarda e conservao podero ser
alienados em licitao ou hasta pblica pela Autoridade Naval. O
produto da alienao ser guardado por aquela Autoridade Naval pelo
prazo de 6 (seis) meses, disposio do responsvel pela coisa ou bem.
Decorrido o prazo, o produto da alienao ser convertido em receita da
Unio.
Art 30. As coisas e os bens de que trata o art. 1 desta lei, quando
identificados pela Autoridade Naval como de procedncia estrangeira e
no incorporados ao domnio da Unio por fora do art. 32, sero
encaminhados Secretaria da Receita Federal para aplicao da
legislao fiscal pertinente.
Art 31. As autorizaes concedidas, at a data da promulgao desta lei,
para a pesquisa, explorao ou remoo de coisas ou bens referidos no
art. 1 no ficaro prejudicadas, ficando os interessados, no entanto,
sujeitos s normas desta lei.
Art 32. As coisas ou bens afundados, submersos, encalhados e perdidos
em guas sob jurisdio nacional, em terrenos de marinha e seus
acrescidos e em terrenos marginais, em decorrncia de sinistro,
alijamento ou fortuna do mar ocorrido h mais de 20 (vinte) anos da
data de publicao desta lei, cujos responsveis no venham a requerer
autorizao para pesquisa com fins de remoo, demolio ou
119
explorao, no prazo de 1 (um) ano a contar da data da publicao desta
lei, sero considerados, automaticamente, incorporados ao domnio da
Unio.
Pargrafo nico. Os destroos de navios de casco de madeira afundados
nos sculos XVI, XVII e XVIII ter-se-o como automaticamente
incorporados ao domnio da Unio, independentemente, do decurso de
prazo de 1 (um) ano fixado no caput deste artigo.
Art 33. Das decises proferidas, nos termos desta lei, caber pedido de
reconsiderao prpria Autoridade Naval ou recurso instncia
imediatamente superior quela que proferiu a deciso, sem efeito
suspensivo.
Pargrafo nico. Para fins do disposto nesta lei, o Ministro da Marinha
considerado a instncia final, na esfera da Administrao Pblica, para
recursos s decises da Autoridade Naval.
Art 34. So consideradas Autoridades Navais, para fins desta lei, as do
Ministrio da Marinha, conforme as atribuies definidas nos
respectivos regulamentos.
Art 35. O Ministro da Marinha, sem prejuzo da aplicao imediata do
estabelecido nesta lei, baixar e manter atualizadas instrues
necessrias sua execuo.
Art 36. As infraes aos dispositivos desta lei sujeitam os infratores s
sanes cabveis ao Decreto-lei n 72.848, de 7 de dezembro de 1940 Cdigo Penal, sem prejuzo da aplicao de outras previstas na
legislao vigente.
Art 37. Esta lei entra em vigor na data de sua publicao.
Art 38. Ficam revogados os arts. 731 a 739 da Lei n 556, de 25 de
junho de 1850 - Cdigo Comercial Brasileiro; o art. 5 do Decreto-lei n
1.284, de 18 de maio de 1939; o Decreto-lei n 235, de 2 de fevereiro de
1938; o Decreto-lei n 8.256, de 30 de novembro de 1945, com as
alteraes introduzidas pela Lei n 1.471, de 21 de novembro de 1951, a
alnea p do art. 3 da Lei n 4.213, de 14 de fevereiro de 1963; o Ttulo
XXI do Livro V do Decreto-lei n 1.608, de 18 de setembro de 1939
(arts. 769 a 771) e o inciso XV do art. 1.218 da Lei n 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Cdigo de Processo Civil e demais disposies em
contrrio.
120
Braslia, 26 de setembro de 1986; 165 da Independncia e 98 da
Repblica.
JOS SARNEY
Henrique Saboia
121
Anexo C
Lei n 10.166, de dezembro de 2000
Altera a Lei no 7.542, de 26 de setembro de 1986, que dispe sobre a
pesquisa, explorao, remoo e demolio de coisas ou bens
afundados, submersos, encalhados e perdidos em guas sob jurisdio
nacional, em terreno de marinha e seus acrescidos e em terrenos
marginais, em decorrncia de sinistro, alijamento ou fortuna do mar,
e d outras providncias.
O PRESIDENTE DA REPBLICA Fao saber que o Congresso
Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O 5o do art. 16 da Lei no 7.542, de 26 de setembro de 1986,
passa a vigorar com a seguinte redao:
" 5o Poder ser concedida autorizao para realizar operaes e
atividades de pesquisa, explorao, remoo ou demolio, no todo ou
em parte, de coisas e bens referidos nesta Lei, que tenham passado ao
domnio da Unio, a pessoa fsica ou jurdica nacional ou estrangeira
com comprovada experincia em atividades de pesquisa, localizao ou
explorao de coisas e bens submersos, a quem caber responsabilizarse por seus atos perante a Autoridade Naval." (NR)
Art. 2o O art. 20 da Lei no 7.542, de 1986, passa a vigorar com a
seguinte redao:
"Art. 20. As coisas e os bens resgatados de valor artstico, de interesse
histrico ou arqueolgico permanecero no domnio da Unio, no
sendo passveis de apropriao, doao, alienao direta ou por meio de
licitao pblica, o que dever constar do contrato ou do ato de
autorizao elaborado previamente remoo." (NR)
" 1o O contrato ou o ato de autorizao previsto no caput deste artigo
dever ser assinado pela Autoridade Naval, pelo concessionrio e por
um representante do Ministrio da Cultura." (AC)
" 2o O contrato ou o ato de autorizao poder estipular o pagamento
de recompensa ao concessionrio pela remoo dos bens de valor
artstico, de interesse histrico ou arqueolgico, a qual poder se
constituir na adjudicao de at quarenta por cento do valor total
122
atribudo s coisas e bens como tais classificados." (AC)* " 3o As
coisas e bens resgatados sero avaliados por uma comisso de peritos,
convocada pela Autoridade Naval e ouvido o Ministrio da Cultura, que
decidir se eles so de valor artstico, de interesse cultural ou
arqueolgico e atribuir os seus valores, devendo levar em considerao
os preos praticados no mercado internacional." (AC)
" 4o Em qualquer hiptese, assegurada Unio a escolha das coisas e
bens resgatados de valor artstico, de interesse histrico ou
arqueolgico, que sero adjudicados." (AC)
Art. 3o Os incisos II e III e os 1o e 2o do art. 21 da Lei no 7.542, de
1986, passam a vigorar com a seguinte redao:
"Art. 21......................................................
................................................................""II - soma em dinheiro
proporcional ao valor de mercado das coisas e bens que vierem a ser
recuperados, at o limite de setenta por cento, aplicando-se, para
definio da parcela em cada caso, o disposto no 1o deste artigo;"
(NR)
"III - adjudicao de parte das coisas e bens que vierem a ser resgatados,
at o limite de setenta por cento, aplicando-se, tambm, para a definio
da parcela em cada caso, o disposto no 1o deste artigo;" (NR)
"......................................" " 1o A atribuio da parcela que caber ao
concessionrio depender do grau de dificuldade e da complexidade
tcnica requeridas para realizar as atividades de localizao, explorao,
remoo, preservao e restaurao, a serem aferidas pela Autoridade
Naval." (NR)
" 2o As coisas e os bens resgatados, dependendo de sua natureza e
contedo, devero ser avaliados com base em critrios predominantes
nos mercados nacional e internacional, podendo os valores atribudos, a
critrio da Autoridade Naval, ser aferidos por organizaes renomadas
por sua atuao no segmento especfico." (NR)
"....................................."
Art. 4o O art. 32 da Lei no 7.542, de 1986, passa a vigorar acrescido do
seguinte 2o, numerando-se o atual pargrafo nico como 1o:
"Art. 32. ............................................." " 1o (antigo pargrafo nico)
123
............................................................"" 2o livre, dependendo apenas
de comunicao Autoridade Naval e desde que no represente riscos
inaceitveis para a segurana da navegao, para terceiros ou para o
meio ambiente, a realizao de excurses de turismo submarino, com
turistas mergulhadores nacionais e estrangeiros, em stios arqueolgicos
j incorporados ao domnio da Unio, quando promovidas por conta e
responsabilidade de empresas devidamente cadastradas na Marinha do
Brasil e no Instituto Brasileiro de Turismo, sendo vedada aos
mergulhadores a remoo de qualquer bem ou parte deste." (AC)
Art. 5o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicao.
Braslia, 27 de dezembro de 2000; 179o da Independncia e 112o da
Repblica.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Geraldo Magela da Cruz Quinto