Exclusao Social e HIVaids - Final
Exclusao Social e HIVaids - Final
Exclusao Social e HIVaids - Final
Ciências Sociais
Resumo
Desde seu surgimento, a Aids carregou consigo fenômenos sociais e históricos construídos no
imaginário social, recrudescendo o conceito de peste, despertando sentimentos e preconceitos,
tornando-a um grande estigma afetando de maneira fundamental o bem-estar das pessoas
vivendo com HIV e provocando sua exclusão social. Para compreendermos essa dimensão do
problema, propusemo-nos a realizar este estudo tendo como objetivo identificar e conhecer
como é a convivência dos portadores de HIV em relação ao seu meio social, identificando os
tipos de preconceitos, exclusões e dificuldades enfrentadas. O referencial metodológico
adotado foi o método quantitativo e foram entrevistadas pessoas portadoras do HIV que
freqüentam a ONG Casa Fonte Colombo. Analisando suas respostas observamos que o
preconceito e a discriminação estão presentes em suas vidas e são exercidos por familiares,
amigos, vizinhos aumentando o estigma em torno do HIV e excluindo os portadores do vírus
da convivência em sociedade. Palavras-chave: Aids e exclusão, preconceito, discriminação.
Introdução
O artigo que segue foi produzido no segundo semestre de 2007, a partir da disciplina de
Pesquisa Social II, orientada pela professora Magda Vianna. Para trabalhar o assunto
escolhido, analisou-se a exclusão social que atinge os portadores do vírus HIV, a partir de
suas experiências.
É sabido que a epidemia da Aids está presente entre nós há mais de 25 anos e a
imagem criada a seu respeito é a principal causa que leva as pessoas a agirem de forma
preconceituosa ante os portadores, visto que, para a sociedade, só contrai o vírus quem agir
fora das regras da moral, transgredir os bons costumes ou a razão, tornando-a uma doença
intimamente relacionada ao tabu da sociedade, em relação à sexualidade.
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Graduandos em Ciências Sociais pela PUCRS
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No início dos anos 80, quando foi descoberta, a Aids estava associada a grupos
específicos: homens homossexuais - ficou conhecida como “peste gay” - e usuários de drogas
injetáveis. Contudo, com o passar dos anos, percebeu-se que ela atinge todas as camadas
sociais, independentemente de raça, religião, condições econômicas, ou opção sexual.
Graças aos avanços da medicina, sabemos que a AIDS não mata, ela apenas debilita o
organismo, caso não seja tratada. Proporcionaram ainda, a criação de medicamentos e exames
que, quando aderidos pelos soropositivos, trazem notáveis benefícios para sua saúde.
Destaque-se que no Brasil, desde 1996, todo esse acompanhamento pode ser realizado no
Sistema Único de Saúde (SUS) e, está disponível a toda população.
Atualmente estima-se que, no Brasil, 700 mil pessoas estejam contaminadas com o
vírus. Destas, 180 mil estão vinculadas ao SUS, fazendo tratamento com os anti-retrovirais.
(Boletim Epidemiológico, 2007) mas, apesar destes avanços, das campanhas de prevenção e
contra a discriminação, acesso fácil à informação, muitas pessoas continuam agindo de forma
preconceituosa com os portadores de HIV/AIDS, que acabam deparando-se com situações de
exclusão social: discriminação, abandono, segregação, estigmatização, falta de recursos sociais e
financeiros, ruptura nas relações afetivas.
Local da pesquisa
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Com o intuito de garantir uma resposta condizente com a realidade, o trabalho de campo da
pesquisa foi realizado dentro de uma ONG, escolhida a partir de critérios de credibilidade
junto aos diversos órgãos governamentais e, por atender à população menos favorecida da
grande Porto Alegre.
Ao longo de seus 8 anos, a ONG Casa Fonte Colombo, coordenada e mantida pelos
Freis Capuchinhos do Rio Grande do Sul, contribui na luta contra o preconceito e a
discriminação, no resgate da dignidade da pessoa, no controle da epidemia, na reinserção
social e reestruturação familiar a partir de trabalho realizado por voluntários. Com mais de mil
soropositivos cadastrados e cerca de 300 pacientes participando semanalmente das atividades,
a ONG oferece um ambiente confortável, onde é possível trocar experiências, fazer novas
amizades, proporcionando uma melhor aceitação consigo e com sua doença.
Primeiramente serão apresentados alguns dados do perfil dos usuários entrevistados para
visualização da população estudada e em seguida as questões que envolvem propriamente a
exclusão social.
O primeiro dado colocado é em relação ao sexo, onde (57,1%) são mulheres e não
condiz com o apresentado pelo Boletim Epidemiológico de 2007, apresentado pelo Ministério
da Saúde, onde a relação entre os sexos é de 1,4 homens para cada mulher. (Boletim
Epidemiológico 2007). Entretanto, este número justifica-se, pois as mulheres que procuram os
atendimentos da ONG têm mais dificuldades de conseguir emprego e, em muitos casos, são
“chefes” de família e buscam na ONG serviços específicos, como a doação de alimentos e
roupas. Além disso, a epidemia vem atingindo cada vez mais o sexo feminino, visto que nos
anos 80 eram 15 homens para cada mulher.
A fim de verificar a hipótese proposta pela pesquisa, uma das perguntas buscava saber
o grau de intensidade quanto à revelação da condição de soropositivo. O percentual obtido foi
o seguinte: 69,4% dos entrevistados não revelam sua sorologia a qualquer pessoa por receio
que a sociedade, ou muitas vezes a família, reajam de forma preconceituosa. Além disso, a
omissão da condição de soropositividade pode servir como estratégia, em alguns momentos,
para evitar as situações de discriminação e processos de estigmatização. É um modo de
manter o segredo e a privacidade, sem estabelecer conflitos abertos, pois assumir uma
determinada posição simbólica e transformar um conhecimento científico em conhecimento
do senso comum é feito a partir de dois processos básicos: a ancoragem (que consiste em
incorporar um fato ou informação estranha em uma categoria mais familiar, em sistemas
prévios de classificação) e a objetivação (que consiste em tornar concreto o que é abstrato).
(DOISE, 2001).
Assumir-se portador de HIV é passar por um julgamento muitas vezes “cruel” das
pessoas que fazem parte de sua vida familiar e social. Para os entrevistados, o medo de serem
julgados e condenados, pela sociedade, pela família ou amigos é o principal motivo que leva
45,9% deles a não revelem sua sorologia a fim de preservarem sua imagem, evitando passar
por situações constrangedoras e preconceituosas.
69,60%
69,00%
31,00% 30,40%
Sim Não
69,40%
30,60%
Sim Não
O estigma pode, ainda, ser dividido em duas categorias: sentido e sofrido. O sentido é
a percepção de depreciação e/ou exclusão pelo indivíduo portador de alguma característica ou
condição socialmente desvalorizada, o que acarreta sentimentos prejudiciais como vergonha,
medo, ansiedade e depressão. Ao sofrido nos referimos às ações, atitudes ou omissões
concretas que provocam danos ou limitam benefícios às pessoas estigmatizadas. Em poucas
palavras, o estigma sofrido é a discriminação negativa, caracterizada como crime no plano
jurídico nacional e internacional.
Ao serem perguntados a respeito de como estão suas vidas, nos, aspectos familiares,
nas relações com amigos, na sociedade, 35,7% as classificaram como boa; 46,9% regular;
8,2% ruim; e 4,1% péssima. Mas o que nos chamou a atenção foi o seguinte dado: nenhum
dos 5,1% dos entrevistados que disseram ter uma vida ótima revelam sua sorologia a qualquer
pessoa. Na outra extremidade, porém, percebemos o contrário: dos 4,1% que disseram ter
uma vida péssima, 75% deles revelam sua sorologia a alguma pessoa.
Os dados da pesquisa revelaram ainda, que quanto mais tempo vivendo com a doença,
aumenta a proporção de soropositivos que contam sua sorologia a qualquer pessoa. Isso
acontece devido ao fato de procurarem apoio de organizações, ou mesmo quando a família
“aceita” a condição de soropositivo. A participação em organizações que trabalham a
problemática do HIV/Aids é fundamental, pois os soropositivos vão se auto-afirmando e
obtendo as ferramentas para equilibrar a forma com que as pessoas agem a partir do senso
comum. Desta maneira fazem o trabalho de educação e conscientização da sociedade para que
mudem a forma com que são vistos os portadores de HIV. Essa mudança é lenta, mas está
acontecendo. Muitas pessoas estão entrando em movimentos que buscam num primeiro
momento amenizar o problema, e num segundo momento acabá-lo. Um exemplo disso é a
Pastoral da Aids, que conta com mais 3000 agentes realizando esse trabalho de
conscientização junto à população.
pessoa, além da boa relação entre usuários e voluntários, fatores que contribuem efetivamente
na melhora da vida dos usuários.
Quando perguntados sobre sua relação com os voluntários, 39,8% dos usuários
disseram ter uma relação ótima; 55,1% boa e 5,1% regular. Já as melhoras alcançadas pelos
usuários da ONG ficaram com os seguintes percentuais: 88,8% disseram que conquistaram
melhoras pessoais aceitam-se com a doença, participam mais da sociedade e outros relataram
não necessitarem mais acompanhamento psicológico na rede pública de saúde. Houve
melhoras nas relações com amigos entre 18,4% dos entrevistados e nas relações familiares
para 11,2%.
Conclusão
O processo de coleta dos dados mostrou que é preciso um ambiente favorável para que
os portadores falem sobre esse problema sem medos e constrangimentos. Encontramos na
ONG Casa Fonte Colombo um espaço onde é possível conversar, sanar dúvidas, fazer novos
amigos, enfim um ambiente onde podem colocar abertamente problemas pessoais e juntos
buscar alternativas para os mesmos. Neste ambiente, nossa aproximação e coleta dos dados
ficaram facilitadas, embora muitos freqüentadores se negaram a responder à pesquisa.
Referências bibliográficas
Boletim Epidemiológico, http://www.aids.gov.br/data/documents/storedDocuments/
%7BB8EF5DAF-23AE-4891-AD36-1903553A3174%7D/%7BB0ABAF06-847F-42B0-
A9FD-0A62575D5937%7D/Boletim%20Tabelas%202007.pdf, acessado em 27/11/2007.
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CRUZ, E. F., & BRITO, N. Fios da vida: tecendo o feminino em tempos de AIDS. Brasília:
Ministério da Saúde, 2005.
FERREIRA, Cláudio Vital de Lima. Aids e exclusão social: um estudo clínico com
pacientes com HIV. São Paulo: Lemos Editorial, 2003.