Crenças e Crendices Sobre Sexualidade Humana
Crenças e Crendices Sobre Sexualidade Humana
Crenças e Crendices Sobre Sexualidade Humana
RESUMO - Baseado em estudo anterior (Lourenço, 1993), 385 universitários (idade média, 21 anos e 7 meses) responderam
a questionário sobre crenças e crendices ligadas à sexualidade humana. Embora as respostas de crença tenham predominado,
em pelo menos quatro itens ocorreu o oposto (1, 4, 20 e 21). Igualmente, o número de respostas ligadas a crendices, no todo,
foi relativamente expressivo, considerando-se o nível de escolaridade da amostra. As principais fontes de informação sobre
sexo citadas foram, em ordem decrescente, amigos, revistas e livros, namorados(as), TV e rádio. Outros resultados obtidos
dizem respeito à existência de um expressivo número de jovens do sexo feminino que ingressam virgens nas universidades
(27,5%) e de um inquietante descaso por aqueles que têm uma vida sexual ativa: dos 60% que dizem se precaver contra as
DSTs, menos da metade tomam medidas realmente consideradas eficazes, especialmente aqueles moradores dos subúrbios.
O recrudescer do interesse na questão da sexualidade pação feminina, aos avanços tecnológicos e à difusão da
deve-se, entre outras causas, ao surgimento e propagação da psicanálise (Jablonski, 1989), a chamada revolução sexual
AIDS em todo o mundo. Em 1996, segundo a Organização luziu a partir dos anos 60, originando um conjunto de atitu-
Mundial da Saúde, 22 milhões de pessoas já seriam portado- des e comportamentos mais liberais no tocante à questão
ras do vírus, sendo o Brasil, especificamente, o terceiro país sexual. Tal liberalismo traduziu-se, entre outros aspectos, no
do mundo em casos notificados de AIDS (Organização Mun- aumento do sexo pré-marital, em uma vida sexual mais li-
dial da Saúde, 1993 citado em Benzecri, 1996; Bastos & vre, em especial para as mulheres, na comunicação mais fran-
Barcellos, 1995). Outras doenças sexualmente transmissíveis ca entre as pessoas, além do aumento de estudos (e de sua
também tiveram sua incidência aumentada, mas por não se- divulgação na mídia) sobre a própria sexualidade.
rem letais como a AIDS, não vêm recebendo da mídia o Mesmo assim, o pesado véu existente na tradição oci-
mesmo tratamento (herpes genital, hepatite В, clamídia, sí- dental, que remonta aos primórdios do cristianismo, e que
filis, e t c ) . fez do sexo - mesmo o legitimado socialmente pelo casa-
Este interesse ampliou-se em função, igualmente, do cli- mento - algo de impuro, pecaminoso ou apenas tolerável,
ma de liberação sexual verificado no século XX. De causas não foi de todo retirado. Pelo contrário, suas marcas ainda
ainda não de todo determinadas, mas relacionadas à dimi- podem ser aferidas pela inegável dose de ignorância que
nuição da religiosidade, ao advento de anticoncepcionais persiste em nossa cultura sobre esta questão.
mais simples e efetivos (e conseqüentemente uma maior dis- A verdade é que ainda faltam informações corretas so-
tinção entre sexo e maternidade), ao movimento da emanci- bre a sexualidade, face à idéia equivocada "de que todos os
adultos já sabem o suficiente sobre o assunto" (Konner,
1990). Esta questão está diretamente envolvida em outra, a
saber, a da educação sexual. Onde as pessoas obtém infor-
1 Equipe de Pesquisa da PUC-Rio composta pelas psicólogas Daniela
Romão B. Dias, Eduardo R. Peyon, Gabriela Pszczol, Kátia P. Arakaki, mações sobre o sexo? Tais informações são consideradas hoje
Liesel M. Filgueiras, Paula M Sabdin e Tatiana B. Carvalho. Agrade- corretas? Subsistem crendices entre nós? Os jovens prestes
cemos à Professora Cynthia Clark pelo auxílio prestado no tratamen- a iniciar uma vida sexual ativa dispõem de informações su-
to estatístico dos dados e ao Mestrado em Sexologia da UGF pelas ficientes?
informações prestadas, bem como pelo acesso à sua biblioteca.
2 Endereço: Rua das Acácias, 101/404 Gávea Rio de Janeiro RJ. CEP: Inúmeras pesquisas demonstram que a situação é mais
22451-060 - bjablonski@openlink.com.br dramática do que se supõe (Berkeley Wellness Letter, 1991;
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Tabela 1. Percentagens de respostas de concordância nos itens relativos a crenças/crendices sobre saúde reprodutiva e sexualidade
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os primeiros concordando mais com o enunciado do item 6 Tabela 2. Médias das notas atribuídas às principais fontes de informação
sobre a sexualidade (Por ordem decrescente, variação de 10 a0)
(x = 4,10, gl = 1;p< 0,05); também no item 11 houve dife-
renças na mesma direção, ainda que não significativas. Fontes Notas
O bloco relacionado a questões ligadas à normalidade/ - Amigos 7,485
anormalidade inclui os itens 7, 8, 9, 13, 14, 16 e 17 (ver - Revistas/livros 7,387
Anexo 1). A maioria dos sujeitos deu respostas de crença - Namorado(a) 7,345
(72 a 95% de respostas neste sentido). Mesmo assim, uma - TV/Rádio 5,710
quantidade nada desprezível de respostas de crendice apare- - Filmes 5,442
ceu em alguns itens. Assim, por exemplo, 20% dos partici- - Pais 5,244
pantes declararam concordar com a afirmação de que - Escola 4,892
"homossexualismo é uma doença" (item 8); 9%, que "um - Profissionais de saúde 4,476
homem/uma mulher heterossexual dificilmente contrairá o - Irmãos 2,899
vírus da AIDS por via sexual" (item 13) - aqui, os homens - Parentes 2,740
mostraram-se, ainda que não significativamente, mais pro- - Outros 2,568
pensos a assentir com esta crendice. Homens e mulheres tam- - Padres/religiosos/freiras 1,018
bém diferiram significativamente quanto ao "perigo de man-
ter relações sexuais durante a menstruação" (item 14): os
10% de respostas "sim" são uma média resultante de 18,8% tros e religiosos a menor parcela de influência (médias entre
dos homens contra 7,4% das mulheres (x = 9,79; gl = 1, p < 2,9 e 1,0). Constatou-se que pouco mais de 50% dos partici-
0,001). pantes afirmaram ter recebido algum tipo de orientação na
Cinco itens completam nosso questionário. O de núme- escola, ainda que sob a forma de palestras (76%) ou de in-
ro 12 (um orgasmo tem de ocorrer simultaneamente para formações biológicas (70%) - respostas múltiplas.
que a relação do casal seja gratificante) recebeu uma maio- Com relação à idade do início das relações sexuais, os
ria de respostas de discordância (68%). O item 15 (um feto homens diferiram significativamente das mulheres, tendo
de sete meses tem mais chances de sobreviver que um de começado sua vida sexual mais cedo: 16 anos e 3 meses,
oito meses), rejeitado por 77% da amostra, difere dos de- contra 17 anos e 9 meses {t294 = 5,6; p < 0,001). O item 26 do
mais no sentido de estar voltado para uma questão não sexu- questionário refere-se às precauções utilizadas regularmen-
al. Como o instrumento utilizado continha no título a ex- te contra DSTs. Aqui, apenas 59,7% disseram se precaver, e
pressão "Saúde Reprodutiva", optamos por incluir ao me- destes, mais da metade declarou fazer uso de medidas que
nos um item relacionado ao tema. Essa expressão funcionou na verdade, não são eficazes: assim, "somos ambos mono-
como elemento distrator para evitar as tradicionais reações gâmicos", "tenho uma relação estável com um(a) parcei-
de constrangimento diante de questões ligadas apenas à se- ro(a)", "confio nele(a)", "uso eventual de preservativo" e
xualidade. "respostas diversas" contabilizaram 54,3% das respostas. De
"A virgindade não é um fator importante para o êxito de outro lado, 3,8% citaram a abstinência - inegavelmente efi-
um casamento". Esse item 18 recebeu 95% de respostas de caz - e 41,9% o "uso constante de camisinha". Ou seja, ape-
concordância. Quanto ao item 21 (existem substâncias afrodi- nas metade da amostra toma precauções, e destas, menos da
síacas), assunto constantemente difundido pela mídia e que metade são eficazes. Curiosamente, o número de mulheres
parece interessar à humanidade desde os seus primórdios, a que adotam precauções impróprias superou o dos homens
maioria da amostra manifestou concordância com o enunci- em até três vezes.
ado (66%). No entanto, quando solicitados a nomearem tais Finalizando esta seção, gostaríamos de citar algumas di-
substâncias, 37% dos que acreditam em afrodisíacos não ferenças fruto do local de moradia dos sujeitos. Pudemos
souberam fazê-lo. Os demais apontaram "certos alimentos" constatar que os moradores da Zona Norte e do subúrbio4
(22%), "perfumes e aromas" (14%), "plantas e ervas" (6,6%), mostraram-se significativamente mais propensos a iniciar
"álcool" (6%), "estimulantes" (5%) e "diversos/outros" mais tarde sua vida sexual (F385= 3,9357, p < 0,04) e tomar
(9,4%). menos precauções - qualitativa e quantitativamente - contra
Já que tocamos na questão das respostas "não sei", à guisa as DSTs. Reportaram também ter recebido menor educação
de curiosidade, além deste item, os de número 19 (lésbicas e sexual formal e apresentaram, no todo, maior nível de res-
técnica correta), 15 (feto de 7 meses) e 20 (ponto G) foram postas de crendice (utilização do teste qui quadrado, níveis
os que mais apresentaram este tipo de resposta. de significância variando de p < 0,04 a 0,0001). Quanto à
Em seguida, com relação às fontes de conhecimento so- escolha profissional e à religião, não encontramos nenhuma
bre a sexualidade (ver Tabela 2), amigos, revistas e livros e diferença de peso dentro de nossa amostra.
namorado(a) foram, nesta ordem, as três fontes indicadas
como as mais importantes, com uma nota média entre 7,4 e
7,3 (escala de zero a dez). Em segundo lugar, no bloco com
médias entre 5,7 e 5,2, foram citados TV/rádio, filmes e pais.
4 Bonsucesso, Ramos, Olaria e adjacências; Acari, Anchieta, Barros Fi-
Escolas e profissionais de saúde formaram o terceiro bloco lho e adjacências; Méier, Piedade e adjacências; Madureira, Cascadura,
com médias entre 4,8 e 4,4, cabendo a irmãos, parentes, ou- Campinho e adjacências.
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falta de informações adequadas, além de significações sim- Quanto à questão dos afrodisíacos, até a data da feitura
bólicas podem ser responsabilizadas por esta diferença deste trabalho, nenhuma substância ingerida oralmente foi
perceptiva entre sexos. considerada comprovadamente efetiva neste sentido (Buffum,
Tomadas em conjunto, as respostas para o bloco de itens 1982; Bills & Duncan, 1991; U.S. Food and Drug Admini-
- ligados à normalidade/anormalidade sexual indicam basica- stration Report, in Masters, Johnson & Kolodny, 1994), ao
mente que os respondentes detêm uma visão esclarecida da contrário do que pensa a maioria de nossa amostra. Curiosa-
questão, em que pese haver ainda um número razoável de mente, pesquisas similares realizadas nos EUA também apon-
sujeitos - homens, principalmente - compartilhando de opi- tam a difusão desta crendice entre universitários. Em estudo
niões que poderíamos chamar de preconceituosas ou fruto realizado por Bills e Duncan, maconha (4%), álcool (27%) e
de informações distorcidas. cocaína (40%) foram consideradas, nas porcentagens cita-
É digno de nota que quase um terço da amostra adote das entre parênteses, como afrodisíacos. Outros pesquisa-
uma visão idealizada acerca da necessidade de um orgasmo dores também comprovaram a existência de crendices quanto
ocorrer de forma simultânea em uma relação sexual. Um ao efeito de drogas no comportamento sexual, os números
orgasmo ocorrer ao mesmo tempo é uma coisa, ter de sê-lo, variando em função de diferenças relacionadas à religiosi-
é outra, que reflete mais influências "hollywoodianas" so- dade, à cultura, ao acesso à informação, aos valores, etc.
bre o que "deve ser uma relação sexual satisfatória", do que (Murstein & Mercy, 1994). Para estes, não se pode dizer que
a consciência de que homens e mulheres possuem ritmos haja um perfil padrão de respostas, o que só seria consegui-
diferentes de excitabilidade. Transformar uma busca pra- do através de um exaustivo exame de muitas instituições
zerosa de acomodação e equilíbrio de ritmos em uma espé- escolares, ressalva que deve ser, evidentemente, estendida
cie de deficiência sexual parece ser mais um resultado da aos achados por nós obtidos.
difusão parcial/incompleta de tópicos ligados à sexualida- Igualmente, no que diz respeito às fontes de conheci-
de. mento, nossos dados alinham-se aos de outras pesquisas,
Como vimos na seção anterior, a maioria dos sujeitos segundo as quais, sexo não se aprende em casa (Bueno, 1992;
não vê relação entre a virgindade e o êxito de um casamen- Covarrubias e cols., 1990; Faulkenberry, Vincent, James &
to. Para esta amostra, é possível que o casamento dependa Johnson, 1987; Ferraz, Ferreira, Morris & Soares, 1993; e
de muitos outros fatores, ou a preservação da virgindade te- Serapião, 1991). Para Ferraz e cols. é inequívoca a falta de
nha um valor em si, desconectado do sucesso das futuras diálogo e de orientação em casa, provocados por fatores como
uniões. No presente trabalho, vimos que os homens come- a repressão, a escassez de tempo, o distanciamento em fun-
çaram a sua vida sexual mais cedo, possivelmente de acordo ção de conflito de valores, a indiferença ou desatenção dos
com padrões ainda muito calcados em uma dupla moral, que pais. Poderíamos acrescentar ainda as próprias deficiências
concede muito mais liberdade aos homens do que às mulhe- dos pais em termos de informação, e a crença em tabus de
res. Outras pesquisas apontam dados similares tanto na nos- forma ainda mais vigorosa que a geração que lhes sucedeu.
sa quanto na cultura norte-americana no que se refere à per- Igualmente digna de nota é a má colocação das escolas nes-
da da virgindade - homens aos 16 anos e 11 meses, e mulhe- te ranking, ainda que a questão de uma educação sexual for-
res aos 17 anos (De Vicenzi, 1994; Murstein & Mercy, 1994; mal no contexto educacional venha sendo ventilada já há
Reinisch e Bealey, 1990), com um decréscimo sensível ao algum tempo.
longo dos últimos vinte anos para a idade em que as moças Se nossos dados estiverem certos, a situação é que está
iniciam sua vida sexual. Encontramos em nosso estudo um errada, já que pais, escola e profissionais de saúde, que de-
número de virgens ainda bem significativo: 27,5% da amos- veriam estar à frente deste ranking, ocupam posições entre o
tra do sexo feminino, com idade média de 20,2 anos. Con- sexto e oitavo lugar. Isto pode explicar tanto o ainda relati-
quanto, só em trabalhos posteriores possamos vir a confir- vamente grande número de respostas de crendice quanto uma
mar um possível declínio no que diz respeito às taxas refe- prática sexual arriscada e mais propensa a DSTs, ou a uma
rentes à preservação da virgindade, o fato é que estes núme- gravidez indesejada. Quanto às precauções, nossos dados se
ros ainda soam surpreendentes, face ao alarde promovido parecem com aqueles obtidos em pesquisa realizada pelo
pela mídia sobre um suposto clima de permissividade e libe- Ministério da Saúde no Rio, São Paulo e Porto Alegre, em
ralidade que prevaleceria entre nossos jovens. É possível que que apenas 36% dos entrevistados disseram fazer uso cons-
esta visão aplique-se apenas a limitados segmentos de mo- tante de preservativos (Aumentam os casos de AIDS, 1993).
radores da Zona Sul, não podendo ser generalizada à popu- Outros dados, extraídos de pesquisa realizada pela BEMFAM
lação carioca como um todo. Com efeito, um dado que vi- em 1996, com mais de 16 mil entrevistados, exibiu resulta-
mos constatando regularmente em vários estudos (BEMFAM, dos bastante similares aos nossos, com os homens superan-
1992; Jablonski, 1998; Jablonski e cols., 1996; Macedo, do as mulheres no uso de preservativos na proporção de 3,5
1985; Martins, 1994; Seção Coportamento - Sexo, Revista para 1 (Brasileiro não previne a AIDS, 1997). Confira-se
Veja, 1992; Telerman, 1988), é o relativamente expressivo igualmente o trabalho levado a cabo pelo Instituto de Pes-
número de virgens: encontramos em algumas das pesquisas quisa Gerp (Camisinha ainda é tabu/pesquisa AIDS, 1996),
supracitadas (Jablonski e cols., 1996; Jablonski, 1998), 36 e segundo o qual, enquanto 47% dos 1.297 homens entrevis-
41% de jovens solteiras universitárias virgens (médias de tados disseram nunca usar camisinha, o contingente de mu-
idade, respectivamente, 20,6 em 1986 e 21,02 em 1993). lheres - 1.403 - alcançou os 65%. Provavelmente, as mulhe-
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res ainda se sentem fragilizadas na hora de solicitar ao par- a abordagem séria de questões ligadas ao sexo pelos meios de
ceiro que use preservativos, além de manterem expectativas comunicação de massa privilegia um tema: o atípico. Artigos,
idealizadas sobre fidelidade e monogamia como condições documentários e programas de TV tendem a focalizar a ques-
suficientes para manutenção da sanidade física. As pesqui- tão de forma sensacionalista, dando a entender que o desvio
sexual, e não a normalidade, é que é prioritário.
sas sobre infidelidade e o crescimento da AIDS em mulhe-
res casadas e monogâmicas ou mesmo entre jovens solteiros Quando se tem em mente o dramático avanço da AIDS e
de ambos os sexos (Jablonski, 1998, Jablonski e cols., 1996; de outras DSTs, além dos alarmantes índices da incidência
Stebleton & Rothenberger, 1993) vêm atestando isto dolo- de gravidez entre adolescentes, vê-se que se trata de um as-
rosamente. Algumas referências anedóticas já prevêem uma sunto que não pode ser desprezado pela comunidade cientí-
reformulação do conceito de traição entre casais jovens: com fica; e que só a realização de mais pesquisas na área poderá
ou sem preservativo, constituindo-se apenas esta última, a resultar em políticas de intervenção eficazes, proporcionan-
verdadeira e imperdoável "infidelidade". do melhoras no que diz respeito à sexualidade e à saúde
Quanto às diferenças nos resultados em função do local reprodutiva.
de moradia, elas devem-se, aparentemente, a fatores relaci- Com relação aos dados por nós obtidos, similarmente
onados ao nível sócio-econômico, à diferença na qualidade aqueles de Lourenço (1993), respostas de crenças predomi-
das escolas e no nível de escolaridade dos pais, além do naram sobre as de crendices. Mesmo assim, em quatro delas
menor acesso a profissionais da saúde. Somente uma pes- (habilidade para fazer amor como sendo inata, mulheres com
quisa especificamente destinada a avaliar o peso destas vari- dois tipos de orgasmo, mulheres dotadas do Ponto G e a
áveis contextuais é que poderá subscrever nossos achados e existência de substâncias afrodisíacas), deu-se o reverso.
discriminar o efeito de cada uma delas. Tampouco são insignificantes as porcentagens de respostas
Finalmente, quanto à influência da religião, outros pes- de crendice encontradas em diversos outros itens em quanti-
quisadores têm encontrado uma relação inversa entre liber- dades relativamente inesperadas para uma amostra universi-
dade sexual, livre acesso a informações e mais diálogo den- tária do Rio de Janeiro.
tro de casa e forte adesão à uma religião (Catalan, 1996; Se é verdade que o acesso à informação per se não ga-
Cullari & Mikus, 1990; Lottes & Kuriloff, 1992; Studer & rante uma postura sexual saudável (Hays & Hays, 1992), о
Thornton, 1987; Thomas, 1985; Wuthnow, 1976). A respos- contrário é inquestionavelmente exato, com estereótipos e
ta para ausência desta correlação em nosso estudo pode es- preconceitos levando a assunções equivocadas, prejudican-
tar no desequilíbrio entre as religiões na nossa amostra: do a prevenção contra as DSTs e o gozo de uma vida sexual
61,6% dela disseram-se católicos e 11,3% sem religião, com sadia.
as demais não atingindo sequer cinco pontos percentuais. Algo que vimos constatando repetidamente, em diver-
Estes números espelham as pesquisas do IBGE para o Rio sos estudos, é a existência de um ainda expressivo número
de Janeiro, que apontam 60,0% de católicos e 11,1% sem de jovens do sexo feminino que ingressam virgens nas univer-
religião (IBGE, 1997). Os evangélicos, que chegariam a sidades (27,5% no presente trabalho). Tais dados seriam sur-
16,1% da população carioca, é que estariam aqui sub-repre- preendentes, caso dependêssemos exclusivamente dos meios
sentados (menos de 2%). Seja como for, face ao desequilíbrio de comunicação de massa para traçar um retrato do compor-
apresentado acima, não conseguimos extrair nenhuma cor- tamento sexual de nossos jovens - mais um motivo para nos
relação significativa neste sentido. preocuparmos com o destacado papel que a mídia ocupa
como fornecedora de informações sobre o tema em questão.
Conclusão Finalmente, no que se refere às precauções tomadas pe-
los que têm uma vida sexual ativa, dos quase 60% que di-
A questão da educação sexual é pontuada por inúmeras zem se precaver, menos da metade afirmaram adotar medi-
contradições, em função de tabus e constrangimentos que das realmente eficazes. Quanto a outras diferenças detectá-
correm paralelos a um clima de crescente liberação sexual. veis, chamou-nos a atenção uma significativa discrepância
Segundo Pasquali, Souza e Tanizaki (1985), "os pais, que entre moradores da Zona Sul e do subúrbio, sendo estes últi-
seriam provavelmente as pessoas mais indicadas para darem mos mais propensos a iniciar mais tarde sua vida sexual e a
conhecimentos precisos a respeito de sexo aos filhos, ca- tomar menos precauções contra DSTs, além de terem apre-
lam-se perplexos, na esperança que outros encarreguem-se sentado maior número de respostas consideradas de crendice.
de suprir a sua timidez e comodismo". Este silêncio dos pais Gostaríamos de encerrar nosso estudo reiterando a rele-
deve-se tanto às suas próprias deficiências em termos de in- vância social do tema e de suas evidentes implicações para a
formação, como a uma criação mais repressiva. Em conse- busca de práticas que ensejem uma melhoria nas questões
qüência, os jovens voltam-se para outras fontes de informa- relativas à saúde reprodutiva. Pretendemos, futuramente,
ção, muitas vezes imprecisas, com a escola ocupando ainda prosseguir nesta área de estudos, debruçando-nos agora mais
um lugar dúbio nesta forma de aprendizagem. detidamente sobre o que a mídia vem divulgando sobre a
Quanto ao destaque dado por nossos jovens à mídia, cabe questão, já que é ela - e não os pais ou a escola - que tem
lembrar a advertência de Silverman-Watkins (1983), segun- funcionado como uma das principais fontes de informação
do a qual sexual.
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Recebido em 11.08.1997
Primeira decisão editorial em 02.02.1999
Versão final em 20.09.1999
Aceito em 23.09.1999
Psic.: Teor. e Pesq., Brasilia, Set-Dez 1998, Vol. 14 n. 3, pp. 209-218 217
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Anexo 1
Saúde Reprodutiva & Sexualidade
Estamos realizando uma pesquisa sobre opiniões de pessoas acerca de sexo e saúde reprodutiva. Gostaríamos de contar com a sua colaboração.
Responda, por favor, ao que se pede nesta e nas folhas seguintes. Desde logo, agradecemos a sua colaboração.
Suas respostas serão tratadas confidencialmente. Assim sendo, NÃO assine este questionário.
Universidade: Data / /
Curso: Período letivo:
Sexo: () Fem. () Masc.
Idade: Estado Civil:
Bairro em que mora: Religião:
Renda Familiar Aproximada:
Você acredita que (marque a resposta que considera mais apropriada): 16) Durante a gravidez, a mulher pode manter relações sexuais sem risco
a) Sim, com certeza para o bebê.
b) Acho que sim (não tenho certeza absoluta) (a) (b) (c) (d) (e)
c) Não, com certeza 17) A masturbação provoca conseqüências ruins à saúde,
d) Acho que não (não tenho certeza absoluta) (a) (b) (c) (d) (e)
e) Não sei 18) A virgindade é um fator importante para o êxito de um casamento,
1) A habilidade de fazer amor é inata, (a) (b) (c) (d) (e)
(a) (b) (c) (d) (e) 19) Uma lésbica preferiria um homem, se fosse um "homem de verdade"
2) As pessoas que sofrem de desajustes sexuais conseguem melhorar e usasse a técnica correta.
com o tratamento destes problemas. (a) (b) (c) (d) (e)
(a) (b) (c) (d) (e) 20) As mulheres têm o Ponto G, uma região específica e extremamente
3) A mulher tem a mesma necessidade de sexo que o homem. sensível no interior da vagina.
(a) (b) (c) (d) (e) (a) (b) (c) (d) (e)
4) Há dois tipos de orgasmos na mulher: o clitoriano e o vaginal. 21) Existem substâncias afrodisíacas.
(a) (b) (c) (d) (e) (a) (b) (c) (d) (e)
5) Para um homem satisfazer-se sexualmente, ele precisa de mais de uma Se você acha que existem, quais são?
parceira. 22) Quais foram as suas principais fontes de conhecimento sobre a sexu-
(a) (b) (c) (d) (e) alidade? (Dê uma nota de 0 a 10 para cada item, quanto maior a im-
6) Um homem de pênis grande proporciona mais prazer em uma relação portância, maior a nota. Uma mesma nota pode ser utilizada mais de
sexual. uma vez)
(a) (b) (c) (d) (e) () pais () escola
7) O sexo com introdução do pênis na vagina é a única prática de relação () revistas e livros () amigos/colegas
sexual normal. () televisão/rádio () filmes
(a) (b) (c) (d) (e) () irmãos () outros parentes
8) O homossexualismo é uma doença. () profissionais da área de saúde ( ) padre/freira/religiosos
(a) (b) (c) (d) (e) () namorado(a) ( ) outros
9) A pornografia estimula as pessoas a cometer atos sexuais criminosos. 23) Teve algum tipo de educação sexual na escola?
(a) (b) (c) (d) (e) () sim () não () não me lembro
10) A maioria dos problemas sexuais é de origem psicológica. 24) Se respondeu sim na pergunta anterior, foi por meio de:
(a) (b) (c) (d) (e) palestras? () sim () não
11) Em termos de prazer proporcionado, um pênis grande exerce apenas matéria específica? () sim () não
uma influência psicológica. informações dentro de cursos regulares? () sim () não
(a) (b) (c) (d) (e) informações, mas só sobre aspectos biológicos?() sim () não
12) Um orgasmo tem de ocorrer simultaneamente para que a relação do 25) Com que idade você começou a ter relações sexuais? (Se você é vir-
casal seja gratificante. gem, não responda a esta pergunta). anos
(a) (b) (c) (d) (e) 26) Você utiliza regularmente alguma precaução contra doenças sexual-
13) Um homem ou uma mulher heterossexual dificilmente contrairá o mente transmissíveis?
vírus da AIDS por via sexual. ( ) sim ( ) não
(a) (b) (c) (d) (e) Por quê?
14) É perigoso manter relações sexuais durante a menstruação.
(a) (b) (c) (d) (e)
15) Um feto de 7 meses tem mais chance de sobreviver do que um de 8
meses.
(a) (b) (c) (d) (e)
218 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Set-Dez 1998, Vol. 14 n. 3, pp. 209-218