Olinto Pegoraro
Olinto Pegoraro
Olinto Pegoraro
Resumo: Esta exposio trata de trs concepes ticas do ser humano, a saber, viso grega, judeu-crist e contempornea. Na primeira,
toda a dignidade humana aparece na sua capacidade de pensar: a inteligncia parecia uma centelha divina na matria. A segunda amplia
esta compreenso acrescentando a dimenso de f; isto , a razo aceita realidades que a transcendem mas no a contradizem, pois para
a razo seria impossvel aceitar a contradio. A terceira viso tica do ser humano baseia-se na temporalidade do nosso existir; o ser
humano, como nica realidade inteligente conhecida, entendido como zelador ou cuidador de si mesmo (tica-poltica), da natureza
(pela cincia) e da histria que ele conduz (pela sabedoria).
Palavras-chave: Existncia-filosofia. tica. Tempo-filosofia.
Abstract: This paper deals with three ethical conceptions of human beings, namely, the Greek, the Jew-Christian and the Contemporary.
In the first one, human dignity resides in the capacity to think: intelligence seemed a divine flash in the matter. The second extends this
understanding adding the dimension of faith: reason accepts realities that go beyond it but do not contradict it, for reason could not
accept contradiction. The third ethical conception of human beings is based on human existences temporality: human beings, as the
only known intelligent reality, are understood as carers of themselves (ethics-politics), nature (through science) and history that they
lead (through wisdom).
Keywords: Existence-philosophy. Ethics. Time-philosophy.
resumen: Este artculo se ocupa de tres conceptos ticos de los seres humanos, a saber, de griego, el judo-cristiano y el contemporneo.
En el primero, la dignidad humana reside en la capacidad de pensar: la inteligencia se asemeja a una centella divina en la materia. El
segundo ampla esta comprensin agregando la dimensin de la fe: la razn acepta las realidades que van ms all de ella pero no la
contradicen, porque la razn no podra aceptar la contradiccin. El tercer concepto tico de seres humanos se basa en la temporalidad
de la existencia humana: entiende a los seres humanos, como la nica realidad inteligente conocida, como cuidadores de s mismos (la
dimensin tica-poltica), de la naturaleza (de promedio la ciencia) y de la historia que llevan (con sabidura).
Palabras LLave: Existncia-filosofia. tica. Tiempo-filosofia.
Introduo
A cultura ocidental criou trs
principais concepes de ser humano. A Antiguidade Grega colocou a Razo como fundamento de
dignidade humana. A poca judaico-crist manteve essa base, mas
reforou-a com a luz da f. A f leva
a razo a admitir realidades que a
transcendem, mas no a contradizem. A era contempornea criou
outro conceito metafsico do ser
humano, definindo-o como Cuidado (um ser que , por exceln-
* Doutor em Filosofia pela Universidade Catlica de Louvain, Blgica. Ps-doutor pela Catholic University of America. Escritor. Docente nas Universidade Federal do
Rio de Janeiro e Universidade Estadual do Rio de Janeiro. E-mail: olintopegoraro@gmail.com
136
O Mundo
da
O Mundo
da
Sentidos ordinrio e
fenomenolgico do Cuidado
Os dicionrios dizem que o Cuidado significa ateno, zelo, dedicao, carinho e, sobretudo, empatia
gratuita e prazerosa; por exemplo,
a me tem todo o cuidado pelo filhinho recm-nascido. Torna-se zelo ansioso quando a criana passa
por alguma enfermidade.
Fenomenologicamente, Cuidado um modo-de-ser, uma maneira de existir das pessoas e gera
nelas comportamentos e atitudes
permanentes. pessoa que age
zelosamente com os seres humanos, chamamos cuidadosa. Isto ,
seu ser ser-cuidadoso; o cuidado
resume sua essncia, existncia e
todos os predicados humanos.
Modos de intervir
na natureza
Vimos que a nica Inteligncia
est encarregada pela natureza a
autogovernar-se; presidir a evoluo da natureza pela cincia; e a
traar um rumo inteligente histria que ela produz. Essa presena atuante e transformadora se faz
pelas muitas maneiras de trabalhar
a natureza. O homem comeou a
trabalhar a natureza fazendo instrumentos agrcolas: enxadas,
arados, carroas. Aos poucos, domesticou animais mais fortes que
ele para ajud-lo na tarefa de colocar a natureza a seu servio. Assim
foi por muitos milnios, durante
os quais a vida humana se passava
no meio agrcola. Este o mundo
de Homero e dos grandes metafsicos gregos, como Plato e Aristteles4, que construram a filosofia
137
138
O Mundo
O Mito do Cuidado
Aprofundando a concepo do
Cuidado consideremos a palavra
com a qual Heidegger define o
homem como um ser-cuidadoso
(sorge) e, a seguir, a universalidade
do Cuidado. Para dar importncia
ao tema, Heidegger recorre a uma
fbula antiga, de origem greco-romana qual um certo Higino deu
uma verso latina que, resumidamente, diz o seguinte:
A deusa Cura (palavra latina
que significa Cuidado) fez um boneco de barro e invocou Jpiter
para que lhe infundisse o esprito
da vida. Aparece tambm Tellus (a
terra) e sugere que a nova criatura leve o seu nome j que lhe deu
o corpo; ora, Jpiter reivindica o
mesmo direito, porque lhe infundiu o esprito; Tellus e Jpiter concordam em invocar Saturno (deus
do tempo) como rbitro da contenda. Este pronunciou o seguinte
veredicto: enquanto a nova criatura viver, Cura ter a sua guarda;
quando morrer, Jpiter receber o
esprito e Tellus ficar com o corpo;
quanto ao nome em disputa, ele se
chamar homo, pois foi feita de
hmus (terra).
da
O cuidado em sentido
metafsico
At aqui, analisamos o Cuidado
em seu sentido vocabular; avanamos, tambm, em seu conceito
mtico; um ltimo passo dever
mostrar qual seja a raiz temporal do Dasein. O ponto de partida
sua capacidade antecipadora.
Como ser-possvel, ou conjunto
de possibilidades, ele tem o poder
de antecip-las e, de algum modo,
viv-las antes que aconteam. Antecipamos situaes desejadas que
nos alegram, como a celebrao
do aniversrio de um amigo nas
prximas semanas; antecipamos
situaes indesejveis, como a re-
O Mundo
da
139
140
O Mundo
Concluso: ganhamos
o qu?
O que ganhamos com essa divagao da imaginao pelo tempo?
Que orientao tica pode oferecer essa concepo da existncia?
Quais so seus princpios consistentes? O que pode dizer esta teoria
ao cientista e ao bioeticista? So
perguntas pertinentes que fazem
jus a um comentrio explicativo.
De sada, importa observar que
a concepo temporal do homem
da
O Mundo
da
sculo XIII, a escolstica, sob liderana tomista, assumiu o paradigma aristotlico do homo naturalis,
ou o homem que emerge das foras
naturais criadas por Deus. Essa tese
, hoje, muito aplicada por evolucionistas e bilogos.
Sobre essas doutrinas, a metafsica medieval construiu a teoria da
pessoa humana, em vigor at hoje
nas comunidades crists. Pessoa
o indivduo subsistente na natureza e dotado de razo. Basta ler, por
exemplo, o livreto da Campanha
da Fraternidade (CNBB) 2008 para
constatar que este entendimento
do ser humano vigora at hoje,
em suas linhas de fundo. E, daqui,
emerge a concepo de tica crist
da existncia humana contempornea: uma concepo milenar.
A terceira grande concepo
do ser humano foi criada pela fenomenologia do sculo XX, da qual
Heidegger um representante
qualificado. Em geral, este movimento entende a existncia humana como temporal, relacional e
progressiva. Tambm daqui emerge uma concepo tica. Qualquer
uma dessas trs leituras excelente e seria desconhecer a histria do
pensamento lanar uma contra as
outras.
O que cria problemas o seu
alcance interpretativo do nosso
presente histrico marcado especialmente pelas cincias fsica,
biotecnologia e biologia humana
donde surgiram a biotica, ecologia, tica dos animais e uma srie
de ticas aplicadas. Ora, os modelos
metafsicos greco-medievais tm
pouco impacto (apenas indireto)
sobre os problemas levantados pelas cincias. o que acontece, por
exemplo, com a recente instruo
vaticana Dignitas personae, que
141
Referncias
1. Sartre JP. O existencialismo um humanismo. So Paulo: Abril; 1973. [Coleo Pensadores]
2. Heidegger M. Ser e Tempo. Petrpolis: Vozes; 1998.
3. Jonas H. Le Principe Responsabilit. Paris: Du Cerf; 1991.
4. Aristteles. tica a Nicomaco. Braslia: UnB; 1985.
5. Kemp P. Lirremplaable. Paris: Du Cerf; 1997.
6. Bergson H. Levolution creatice. Paris: Gallimard; 2000.
7. Singer P. tica Prtica. So Paulo: Martins Fontes; 1994.
8. Agostinho A. Confisses. So Paulo: Paulus; 2006.
Bibliografia consultada
Ricoeur P. Soi-Meme comme um autre. Paris: Seuil; 1990.
142
O Mundo
da