He - Robert A. Johnson
He - Robert A. Johnson
He - Robert A. Johnson
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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando
por dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo
nvel."
ndice
INTRODUO
I - O REI PESCADOR
ESTGIOS DE EVOLUO
NOSSO BOBO INTERIOR
II - PARSIFAL
A JORNADA DE PARSIFAL
O CAVALEIRO VERMELHO
GOURNAMOND
BRANCA FLOR
III - CASTIDADE
HUMORES E FEELING
DEPRESSO E INFLAO DO EGO
FELICIDADE
IV - O CASTELO DO GRAAL
O CASTELO DO GRAAL PERDIDO
O COMPLEXO MATERNO
V - OS ANOS ESTREIS
VI - A DONZELA TENEBROSA
VII - A LONGA BUSCA
O EREMITA INTERIOR
A SEGUNDA VISITA AO CASTELO DO GRAAL
INTRODUO
Sempre que desponta na Histria uma nova era, um mito a acompanha,
mostrando como que uma anteviso do que vai acontecer e trazendo em si sbios
conselhos para lidar com os elementos psicolgicos desse perodo. No mito de
Parsifal e a busca do Santo Graal encontramos a receita para nosso prprio
tempo. Ele apareceu no sculo XII, sculo que muitos estudiosos do como
marco da era moderna. Idias, atitudes e conceitos com os quais convivemos
hoje tiveram seu aparecimento nos dias em que esse mito tomou forma. Pode-se
dizer que os ventos do sculo XII transformaram-se nos vendavais do sculo XX.
O tema desse mito esteve muito em voga nos sculos XII, XIII e XIV,
propiciando vrias verses, mas aqui usaremos a francesa, que a narrativa
mais antiga, extrada de um poema de Chrtien de Troy es.1 H tambm uma
verso de Wolfram von Eschenbach2 e outra inglesa, Le Morte Darthur,3 do
sculo XIV, poca em que a histria j estava muito elaborada e por demais
complexa. E tantas vezes foi editada que grande parte das suas verdades
psicolgicas espontneas se perdeu. J a francesa, por ser mais simples, mais
direta, portanto mais prxima do inconsciente, a mais til aos nossos propsitos.
Faz-se necessrio lembrar que o mito uma entidade viva que existe dentro de
cada um. Se o imaginarmos como uma espiral girando sem cessar em nosso
interior, seremos capazes no s de captar-lhe a forma viva e verdadeira, como
tambm de sentir como ele vivo dentro da nossa prpria estrutura psicolgica.
O mito do Graal trata da psicologia masculina, e tudo quanto acontece dentro da
lenda pode ser tomado como parte integrante do homem. Mas isso no quer dizer
que seja restrita ao homem, pois a mulher tambm participa com seu lado
masculino interior.
Teremos de nos haver com um fascinante cortejo de formosas donzelas, mas
precisaremos enfoc-Ias como parte da psique masculina. No obstante, as
mulheres tambm se interessaro pelos segredos do mito do Santo Graal, pois
que todas tero de enfrentar uma dessas criaturas to invulgares, ou vulgares, ou
seja, o macho da espcie, de uma forma ou de outra - pai, marido ou filho. Mas
a verdade que a mulher participa diretamente do mito, j que a histria de
sua masculinidade interior. Especialmente a mulher moderna, que cada vez mais
parte integrante do mundo masculino. Ao abraar uma profisso, o
desenvolvimento de sua masculinidade torna-se importante para ela. Tanto a
masculinidade da mulher quanto a feminilidade do homem esto, alis, mais
prximas do que se possa imaginar. Os insights desse mito so prticos, diretos, de
fcil compreenso e aplicao em nossa era.
I - O REI PESCADOR
Nossa histria comea com o Castelo do Graal e seus terrveis problemas, pois o
Rei Pescador, monarca do castelo, foi ferido. Seus ferimentos so to graves que
o impedem de viver, mas, por outro lado, no o levam morte. Ele geme, ele
grita, ele padece o tempo todo. A propriedade uma desolao s, pois as terras
espelham as condies de seu rei, tanto na dimenso mitolgica quanto na fsica.
Assim, pois, o gado no mais se reproduz, as plantaes no vingam, os
cavaleiros so mortos, as crianas ficam na orfandade, as donzelas choram, h
lamentos e gemidos por toda parte - tudo porque o Rei Pescador est ferido.
A idia de que o bem-estar de um reino depende da virilidade ou do poder de seu
governante bastante comum, especialmente entre os povos primitivos. Nas
reas menos civilizadas do mundo ainda existem sociedades onde o rei
executado quando no mais pode gerar descendncia. Simplesmente o matam
em meio a cerimnias, algumas vezes vagarosamente, outras, de formas
horrveis. A crena a de que o reino no vai prosperar sob um rei fraco ou
enfermio.
1. Poema chamado Percival de Galois, ou Contes de Grail. (N.T.)
2. Verso usada para o libreto da pera Parsifal, de Richard Wagner. (N.T.)
3. Da autoria de Sir Thomas Malory. (N.T.)
Assim, o Castelo do Graal est com srios problemas porque o Rei Pescador est
ferido. O mito nos conta que um belo dia, anos atrs, ainda durante a
adolescncia, ele estava percorrendo os bosques, praticando para ser um
cavaleiro andante, quando deparou com um acampamento abandonado.
Curiosamente, porm, havia um salmo4 sendo assado num espeto.
Faminto, serviu-se de um pedao do peixe, sem perceber que estava muito
quente. Seus dedos se queimaram de uma forma horrvel. Deixou o peixe cair e
levou os dedos boca para aliviar a dor. Ao faz-lo, pde sentir um pouco do
gosto do salmo, um gosto que jamais poder esquecer. Essa a ferida do Rei
Pescador, assim chamado por ter sido ferido por um peixe, e que empresta seu
nome ao que rege boa parte da psicologia moderna. O homem que sofre, hoje,
em nossos dias, o herdeiro direto desse evento psicolgico, que culturalmente
teve lugar h coisa de oitocentos anos.
Outra verso da mesma histria diz que o jovem Rei Pescador, subjugado pelo
amour, saiu em busca de alguma experincia para satisfazer sua paixo. Outro
cavaleiro, um pago muulmano, aps haver tido uma viso da Cruz Verdadeira,
saiu para encontrar uma manifestao de sua busca. Os dois se encontraram
face a face e, como bons cavaleiros, baixaram o elmo e prepararam a lana
para se baterem. O choque foi terrvel, o cavaleiro pago foi morto e o Rei
Pescador foi ferido na coxa, o que arruinou seu reino por anos e anos.
Que espetculo! O cavaleiro que teve a viso e o cavaleiro da sensualidade
batem-se num combate mortal. Instinto e natureza, de repente, sendo atingidos
pela viso de uma "coliso" espiritual. Assim o cadinho dentro do qual forjado
ou o mais alto nvel de evoluo ou um conflito fatal, capaz de promover a
destruio psicolgica.
At tremo ao ver as implicaes de tal embate, pois ele nos deixa o legado da
morte de nossa natureza sensual e um ferimento "terrvel em nossa viso crist.
Dificilmente o homem de hoje se livra dessa coliso em algum momento de sua
vida, o que poder lev-lo a terminar nesse estado descrito em nossa histria: sua
paixo morta e sua viso, muito ferida.
A histria de So Jorge e o drago, que foi adaptada de um mito persa do tempo
das Cruzadas, diz mais ou menos a mesma coisa. Em sua luta contra o drago,
ele e seu cavalo so mortalmente feridos e teriam morrido no fosse a
coincidncia de um pssaro bicar uma laranja (ou uma lima) da rvore sob a
qual jazia So Jorge, e uma gota do suco vital cair em sua boca. Levantou-se e,
sem perda de tempo, espremeu um pouco do elixir da vida na boca de seu cavalo
e o reviveu. Ningum pensou em reviver o drago.
H muito o que aprender com o smbolo do Rei Pescador ferido. O salmo, ou
mais genericamente o peixe, um dos smbolos de Cristo. Como na histria do
Rei Pescador que descobre o salmo sendo assado, um garoto, nos primrdios de
sua adolescncia, toca algo da sua natureza crstica, no seu ntimo - que seu
processo de individuao -; s que o faz prematuramente, sem nenhum preparo.
Ao ser ferido por ele, deixa-o cair por estar quente demais. Mas, ao levar o dedo
queimado boca, prova seu sabor, e esse gosto jamais ser esquecido. Seu
primeiro contato com o que mais tarde vir a ser sua redeno, causa-lhe uma
ferida. o que o torna um Rei Pescador ferido. O primeiro lampejo de
conscincia no jovem aparece sob a forma de uma ferida ou um sofrimento.
Muitos homens ocidentais so Reis Pescadores, e todo garoto ingenuamente
tropea em algo que muito grande para si. Ele d um passo na direo de seu
desenvolvimento masculino, mas, por estar quente demais, "deixa-o cair".
natural que aparea nele uma certa amargura: como o Rei Pescador, ele ainda
no consegue viver com essa nova conscincia, que ele tocou mas ao mesmo
tempo no capaz de "deix-la cair" totalmente.
Todo adolescente recebe sua ferida-Rei-Pescador. No fosse assim, jamais
ESTGIOS DE EVOLUO
De acordo com a tradio, potencialmente existem trs estgios no
desenvolvimento psicolgico do homem. O padro arquetpico aquele em que
um ser passa da perfeio inconsciente da infncia para a imperfeio
consciente da meia-idade para, depois, atingir a perfeio consciente da velhice.
Assim, o ser caminha partindo de uma plenitude ingnua, onde o mundo interior
e o exterior esto unidos, para um estgio em que se d a separao e a
diferenciao entre esses dois mundos, denotando, portanto, a dualidade da vida,
Existe outra verso da histria, em que o Rei Pescador ferido por uma flecha
que lhe trespassa os testculos. A flecha no pode ser retirada, em nenhuma
direo - nem para a frente, para que passe por inteiro, nem para trs, pois isso o
dilaceraria. Outra vez ele descrito como muito enfermo para viver, mas ao
mesmo tempo no to ferido que possa morrer.
Grande parte da literatura moderna versa sobre a perda e a alienao dos heris.
Mas essa alienao tambm visvel no semblante dos que encontramos pelas
ruas - a ferida do Rei Pescador o carimbo do homem moderno.
Duvido muito que haja uma s mulher em todo o mundo que no tenha assistido
silenciosamente agonia de seu companheiro, no seu aspecto-Rei-Pescador.
Pode ser que ela venha a perceber no seu homem - muito antes de ele prprio
dar-se conta - o sofrimento, a sensao persecutria de injustia e falta de
plenitude, do vazio. Sofrendo dessa forma, o homem muitas vezes levado a
fazer coisas estpidas na tentativa de curar a ferida e suavizar o desespero que
sente. como se buscasse uma soluo inconsciente, fora de si prprio,
queixando-se de seu trabalho, do casamento ou do lugar que tem no mundo. Pode
at, nessa fase, tentar encontrar uma outra mulher.
O Rei Pescador transportado numa liteira, por onde quer que v, e est sempre
gemendo e gritando em seu desespero. Para ele no h alvio a no ser quando
est pescando. Isso significa que aquela ferida, que representa a conscincia, s
suportvel quando o ferido est executando seu trabalho interior, dando
prosseguimento tarefa da conscientizao, da individuao, que ele,
despreparado, iniciou com o ferimento em algum momento de sua juventude.
Essa estreita ligao com a pesca logo tomar um lugar importante em nossa
histria.
O Rei Pescador preside sua corte no Castelo do Graal, onde o Santo Graal clice da ltima Ceia - guardado. A mitologia nos ensina que o rei que governa
nossa corte interior confere a ela e a todos os aspectos de nossa vida o tom e o
carter. Se o rei est bem, estamos bem; se as coisas esto bem dentro, tambm
tudo estar bem fora. Com o Rei Pescador ferido presidindo corte interior do
homem ocidental de hoje, podemos esperar muito sofrimento e alienao. E
assim : o reino no floresce; as colheitas so mnimas; as donzelas vivem
desconsoladas; as crianas, rfs. Tal eloqente linguagem nos mostra um
arqutipo bsico ferido que se est manifestando atravs de problemas em nossa
vida exterior.
tem seu bobo) profetizara, havia muito tempo, que o Rei Pescador se curaria
quando um perfeito tolo, totalmente ingnuo, chegasse corte e fizesse uma
pergunta bem especfica. Qualquer corte medieval que se prezasse entenderia
isso, e nem por um instante as pessoas ficariam surpresas de que um jovem
totalmente ingnuo pudesse ser a soluo para todos os seus problemas. Para ns,
porm, um choque saber que um tolo pode ter a resposta para a nossa mais
dolorosa ferida. Muitas so as lendas que pem nossa cura nas mos de um tolo
ou de algum ainda mais improvvel que tenha esse poder. O povo, ento, passou
a esperar diariamente pelo bobo ingnuo que um dia chegaria para curar seu rei.
O mito est dizendo que a parte inocente do homem que o curar de sua feridaReiPescador. Sugere, assim, que se algum pretende curar-se dever reencontrar
algo no seu interior que tenha a mesma idade e a mesma mentalidade de quando
foi ferido. Mas tambm nos diz por que o rei no pode curar-se a si prprio e por
que a pescaria alivia sua dor, apesar de no cur-Io de vez.
Para realmente sarar ele precisar permitir a entrada em seu consciente de algo
completamente diferente dele mesmo, para que esse algo o venha a mudar. Se
ele continuar com a velha mentalidade do Rei Pescador no vai sarar. Por essa
razo que a parte jovem-tolo que o constitui deve entrar em sua vida se ele
realmente quiser sarar.
Em meu consultrio, algumas vezes, um paciente vocifera quando lhe prescrevo
algo que acha estranho ou difcil: "Quem que voc pensa que eu sou? Um tolo?"
E eu respondo: "Bom, isso bem que te ajudaria". uma "medicina" muito
humilhante para ser aceita.
necessrio que o homem aceite olhar seu lado inocente, tolo, adolescente, para
conseguir curar-se. S o nosso tolo interior pode tocar a ferida do Rei Pescador.
II - PARSIFAL
O mito deixa agora um pouco de lado a ferida do rei e passa para a histria de
um menino to insignificante que nem nome tem, natural do Pas de Gales.
Naquela poca, qualquer pas que geograficamente estivesse localizado nas
fronteiras do mundo conhecido, e que culturalmente fosse atrasado, seria o lugar
mais impensvel para ser o bero de um heri. Isso nos faz lembrar o Heri que
nasceu num lugar assim. "Que de bom pode vir de Nazar?" Quem iria aventar a
hiptese de que a resposta ao nosso sofrimento viria de Gales? O que significa
que nossa redeno, segundo o mito, vem do lugar menos esperado. Novamente
isso nos faz lembrar que ser uma experincia muito humilhante descobrir qual o
caminho para a redeno de nossa sofisticadssima ferida-Rei-Pescador.
- criado pela me, que se chama Dor de Corao, sem conhecer o pai,
falecido, e sem nada saber a seu respeito. Sem irmos ou irms, cresceu em
circunstncias primitivas, usando roupas grosseiras tecidas em casa, vivendo sem
qualquer instruo, na mais completa ignorncia. No faz nenhuma pergunta.
Simplesmente um jovem ingnuo. Na mitologia, freqentemente o jovem
redentor no tem pai, solitrio e criado humildemente.
Um dia, em seus primeiros anos de adolescncia, enquanto brincava fora de
casa, avista cinco cavaleiros que se aproximam. Eles cavalgam usando todos os
seus equipamentos: atavios vermelhos e dourados, armadura, escudos, lanas,
tudo, enfim, que a Cavalaria adotava. Ofuscam o pobre Parsifal de tal maneira
que ele sai correndo para contar me que vira cinco deuses. A viso fora to
maravilhosa que ele quase explode de emoo e decide partir imediatamente
para juntar-se a to magnficos reis.
A me chora convulsivamente depois de perceber que nada poderia fazer para
dissuadi-Io de seguir as pegadas do pai, que tambm fora um cavaleiro e
encontrara a morte ao tentar salvar uma donzela. Ela havia feito de tudo para
ocultar dele sua linhagem, mas me nenhuma consegue manter o filho longe do
perigo quando o sangue do pai comea a ferver em suas veias.
Dor de Corao (a personagem como vista por qualquer me) conta ento a
Parsifal como haviam morrido seu pai e seus dois irmos, tambm cavaleiros.
Para que o filho no tivesse o mesmo triste destino, levara-o para um lugar
afastado onde pudesse proteg-Io. Mas agora, diante do irremedivel, faz-lhe a
revelao, cobre-o de bnos e libera-o de seus laos. Mas no resiste
tentao de dar-lhe conselhos na hora da partida. Tais conselhos vo ecoar
atravs de todo o mito. bom, portanto, prestar ateno a eles: que respeitasse
sempre as donzelas; que fosse igreja de Deus sempre que necessitasse de
alimento; e que nunca fizesse muitas perguntas, o que sempre um bom
conselho para um rapaz falastro, o que no o caso de nosso heri. Mais
adiante, porm, veremos que este foi um conselho desastroso. Como presente,
ela lhe d uma nica roupa, tecida e confeccionada por ela mesma. Portanto,
conselhos e roupa so os legados que vo reverberar durante toda a histria e
fazer parte das complexidades que se nos iro apresentar.
A JORNADA DE PARSIFAL
Parsifal sai todo feliz da vida procura dos cinco cavaleiros e d incio sua
carreira como homem. A todos que passam por ele faz a mesma pergunta:
"Onde esto os cinco cavaleiros?" Obtm vrias respostas, todas as formas de
conselho, um sem-fim de comentrios - e todos diferentes uns dos outros.
de Deus, uma donzela arrebatadoramente linda, cujo anel ele agora usa, e, ainda
por cima, fora alimentado. Tudo na mais perfeita ordem.
O CAVALEIRO VERMELHO
No muito longe dali, Parsifal se depara com um mosteiro bem junto de um
convento, ambos em runas. Os monges e as freiras se encontravam muito
angustiados porque, embora o Santo Sacramento estivesse sobre o altar, estava
fora de alcance. Ningum podia aproximar-se dele. A lavoura no crescia, os
animais no procriavam, as fontes haviam secado, as rvores, perdido os frutos.
O curso natural das coisas estava interrompido. Uma terra completamente
paralisada.
Os mitos repetem o mesmo tema muitas e muitas vezes, de modo diverso,
mostrando um mesmo princpio que se manifesta em diferentes nveis. E por
isso que a situao do convento e do mosteiro semelhante quela do castelo do
Rei Pescador. A regio devastada, com a Hstia Sagrada intocada no altar,
identifica a situao com uma condio neurtica. Ter ao alcance das mos tudo
aquilo de que necessita e no poder usar a condio angustiante da estrutura
neurtica do homem dividido e fraturado.
Vivemos na poca mais rica que a humanidade j presenciou. Hoje temos mais
do que qualquer povo historicamente j teve, e, ainda assim, algumas vezes, fico
a imaginar se tambm no seramos as criaturas mais infelizes que j estiveram
na face da Terra. Alienados, somos verdadeiros Reis Pescadores, somos
mosteiros sobre os quais sortilgios foram lanados.
Parsifal v tudo isso e no tem foras para mudar o que l acontece. Promete,
porm, que para ali voltaria um dia, quando fosse mais forte e capaz de desfazer
o encantamento que pairava sobre o mosteiro. De fato, um dia volta l e o
dissolve.
Retomando suas andanas, ele encontra um enorme cavaleiro vindo da corte de
Arthur e sua Tvola Redonda. o Cavaleiro Vermelho. To forte que na corte
todos se sentiam impotentes diante dele. Chegava e tomava fora tudo quanto
quisesse. Sempre fazia o que desejava. No momento do encontro trazia nas mos
uma taa de prata roubada da corte.
Parsifal se encanta com o Cavaleiro Vermelho, que usa armadura e tnica
escarlates. Tambm so escarlates os arreios e a sela do cavalo e os atavios de
cavaleiro. Uma figura magnfica. O rapaz o faz parar e lhe pergunta o que j
havia perguntado a todos quantos encontrara: que fazer para tornar-se tambm
um cavaleiro? O Cavaleiro Vermelho fica to perplexo diante daquele jovem
ingnuo e tolo que resolve no lhe fazer qualquer mal e o aconselha a ir para a
Ios".
Parsifal agora j est todo equipado, tinha at seu prprio escudeiro, que lhe traz
uma espada. (Sou bem curioso, gostaria muito de saber de onde vem essa
espada, mas no encontrei qualquer referncia.) Ele simplesmente tem uma
espada, talvez aquela que os meninos recebem por herana natural.
Ao deixar a corte, Parsifal cruza com o Cavaleiro Vermelho, um ser
impressionante, forte o suficiente para fazer sem receio o que bem entendesse,
pois na corte no tinha opositor. Havia roubado a taa de prata, o Clice, sem que
ningum conseguisse det-lo, e como ltimo insulto atirara uma taa de vinho no
rosto da rainha Gwinevere.
Uma vez mais Parsifal fica deslumbrado com os atavios do Cavaleiro Vermelho
e, na sua ingenuidade, pra o cavaleiro e pede-lhe sua armadura e o cavalo.
Divertido com a pretenso do jovem tolo sua frente, responde-lhe com uma
gargalhada: "timo, se puderes consegui-los!"
Os dois tomam posio, como de praxe entre cavaleiros. Depois de um breve
combate, Parsifal ignominiosamente atirado ao solo, mas, enquanto cado, atira
sua adaga e mata o Cavaleiro Vermelho, atingindo-lhe o olho. Essa foi a nica
morte causada por Parsifal e representa uma etapa muito importante no
desenvolvimento de um jovem.
Esther Harding, em seu livro Psychic Energy, discorre em profundidade sobre a
evoluo da energia psquica desde o estgio do instinto ao da energia controlada
pelo ego. No instante em que mata o Cavaleiro Vermelho, Parsifal transporta
uma grande quantidade da energia de seu adversrio - o instinto - para si prprio,
como ego. Poder-se-ia dizer que nesse momento deixou a adolescncia para
tornar-se homem. Um desenvolvimento posterior lhe ser exigido quando, uma
vez mais, dever levar essa quantidade de energia do ego ao self ou quele centro
de gravidade que maior do que qualquer vida individual. Mas isso uma
histria que veremos mais adiante.
No decorrer de sua carreira, Parsifal derrota dzias de cavaleiros, mas somente
mata o Cavaleiro Vermelho. Alis, a nica morte da verso francesa. De cada
cavaleiro derrotado, o jovem consegue extrair a promessa de que se apresentaria
corte de Arthur e se colocaria a servio daquele nobre rei. Esse o verdadeiro
processo de nobreza na vida do homem, e o ponto alto dessa meia etapa de sua
carreira.
Nenhuma explicao dada para a morte do Cavaleiro Vermelho. D o que
pensar se nos pusermos a analisar o que poderia ter acontecido em nossa cultura
ocidental se esse cavaleiro tivesse sido mandado para servir Arthur e sua corte,
ao invs de ter sido morto.
Um estudo dos ensinamentos indianos fornece um caminho alternativo para lidar
com a energia do Cavaleiro Vermelho dentro de ns. Tais ensinamentos
recomendam que se reduza a dualidade entre Bem e Mal na vida - e assim se
Assim, todo menino, no seu processo para tornar-se adulto, tem de aprender
como dominar seu lado violento e integrar em sua personalidade consciente essa
terrvel tendncia masculina que leva o homem agresso.
Visto pelo ngulo do descontrole da agressividade, o Cavaleiro Vermelho a
sombra da masculinidade, o negativo, o lado potencialmente destrutivo.6
Para realmente tornar-se um homem, a personalidade-sombra precisa ser
trabalhada, no pode ser reprimida, pois ele necessita do poder masculino de sua
sombra-Cavaleiro- Vermelho para abrir caminho no mundo adulto e tornar-se
um vencedor. A questo fazer seu ego forte o suficiente para no ser vencido
pela ira.
Obviamente, tanto a batalha interior quanto a exterior so etapas do trabalho.
Para vencer o oponente de fora e tornar-se "o bom", o garoto precisar ser capaz
de reunir e dirigir suas energias masculinas de modo a superar sua covardia e seu
desejo de ser sempre protegido pela mame. Portanto, se no vencer sua luta
interior no vencer os adversrios fora dele. Acontece, porm, que sero
poucos os que obtero essa vitria apenas interior. O confronto com obstculos
externos, que desafiam sua vontade e identidade, necessrio para consolidar
definitivamente a masculinidade dentro de si.
Parsifal agora est de posse da armadura e do cavalo do Cavaleiro Vermelho,
pois naqueles tempos vencer significava ter; ou seja, tinha a energia do vencido
sob domnio e, como vencedor, podia us-Ia.
Ele tenta vestir a maravilhosa armadura, mas, como jamais vira algo to
complicado quanto uma fivela, no o consegue. Um escudeiro, vindo da corte
para ver como estava transcorrendo o embate, ajuda Parsifal com os mistrios
das fivelas, fechos c todas as outras coisas complicadas da Cavalaria. Mas,
horrorizado, adverte: "Tira essa medonha roupa que tua me te deu, antes de
colocar a armadura; isso no fica bem para um cavaleiro" . O jovem se recusa e
teima em manter a roupa tecida pela me. Tal fato vai ter srias repercusses
mais tarde, e vamos precisar de toda a compreenso possvel para entender a
implicao desse agarrarse--roupa-da-mame.
Cabea dura, Parsifal veste a armadura sobre a roupa tecida em casa, monta o
cavalo do Cavaleiro Vermelho e segue viagem. Qual o garoto que no impe
sua recm-descoberta masculinidade, ou seja, sua qualidade de cavaleiro, a seu
complexo materno? A rigidez da Cavalaria no funciona bem quando ela mal
encobre num homem o seu complexo materno.
Mais um mistrio: apesar de conseguir fazer o cavalo andar, ningum jamais o
ensinara a fre-Io. Por isso andam o dia inteiro, at que, na mais completa
exausto, o animal pra. Voc se recorda de algum projeto iniciado na
adolescncia, at fcil de comear, mas que depois escapou totalmente do seu
controle?
GOURNAMOND
Parsifal vai dar no castelo de Gournamond, que se torna uma espcie de
padrinho para o jovem. Um padrinho uma bno para um garoto quando ele
se est transformando num homem! A imagem do prprio pai talvez esteja um
tanto desgastada para o filho, ou a comunicao entre pai e filho, na
adolescncia, um tanto reduzida. O adolescente est longe da independncia,
mas, por outro lado, muito orgulhoso para aproximar-se do pai e aconselhar-se
com relao aos seus problemas ntimos. raro encontrar um lar, nos dias de
hoje, em que persista a intimidade entre pai e filho adolescente. , portanto, nesta
fase que o garoto necessita de um padrinho, um homem que vai dar continuidade
ao seu processo de treinamento, depois que ele perdeu o contato com o pai.
6. V. Owning Your Own Sbadow, de Jobnson, ainda sem ttulo em portugus, a ser
publicado pela Editora Mercury o, So Paulo. (N. T.)
BRANCA FLOR
Muitos encetam suas jornadas vida afora em boa f, mas com muito pouco
entendimento psicolgico sobre o porqu de estarem em um determinado
caminho ou onde este vai dar. Muitas vezes as pessoas tm uma meta mas
fracassam, no a alcanam, e, nesse caso, com freqncia, o prprio destino
presta-Ihes um servio inesperado, quando objetivos muito maiores podero ser
cumpridos. o que ocorre com Parsifal quando sai em busca de sua me e
encontra Branca Flor. a que ele encontra uma motivao muito maior para sua
vida, antes de descobrir o Graal.
Parsifal nunca mais torna a ver a me, que est morta, mas, iniciada a viagem
de volta, vai dar ao castelo de Branca Flor, a quem encontra em verdadeiro
desespero, pois seu castelo est sitiado. A jovem lhe implora que resgate seu
reino. Promete-lhe cus e terras caso ele a liberte do cerco inimigo. Seguindo a
profunda lei que diz que "um homem no se d conta de sua prpria fora at
que dela necessite", Parsifal manda chamar o segundo homem em comando do
exrcito inimigo, desafia-o para um duelo, vence-o heroicamente, poupa-lhe a
vida no ltimo momento e ordena-lhe que preste sua lealdade corte de Arthur.
III - CASTIDADE
A recomendao de Gournamond - nunca seduzir uma donzela ou deixar-se
seduzir por ela - to importante para nossa histria que vale ganhar um captulo
parte.
bom lembrar que a maioria das leis que regem os mitos aplica-se tambm aos
sonhos, j que os estudos de uns e outros se assemelham bastante. Um sonho
praticamente algo interior, e cada etapa do sonho interpretada como parte
daquele que sonha. Exemplo: se um homem sonha com uma formosa donzela,
quase certo que sua prpria feminilidade interior est sendo acessada. muito
simplista levar ao p da letra essa figura onrica e explic-Ia como sendo um
interesse sexual ou uma meno a uma real namorada. Se algum cometer tal
erro, a verdadeira profundidade do sonho estar perdida.7 O mesmo ocorre no
mito. Se tomarmos a recomendao de Gournamond no sentido literal, s
teremos diante de ns uma caricatura da Cavalaria Medieval.
, pois, de grande relevncia entender essa estranha recomendao de que o
homem no pode manter relaes carnais com mulher alguma enquanto estiver
procura do Graal. Se pudermos penetrar seu significado teremos um tesouro
nas mos.
Mais uma vez, por favor, entendam que estas so recomendaes especficas
para que o homem possa lidar e relacionar-se com essa mulher interior, sua
anima. No se trata do relacionamento do homem com a mulher de carne e osso.
Em geral as pessoas no sabem disso: falta-Ihes dimenso para tal. Ento
aplicam essa proibio exteriormente e, com isso, o mito, a Idade Mdia e todo o
movimento da Cavalaria continuam sendo mal compreendidos.
7. V. A Chave do Reino Interior - Innerwork, de Robert A. Johnson (Editora
Mercury o, So Paulo, 1988). Essa obra fala melhor desse princpio, tratando de
sonhos, fantasias e imaginao ativa. (N. T.)
relacionamento, ou, na falta dele, com a mulher de carne e osso - nossa anima.
As leis da Cavalaria dizem que se deve ser cavalheiresco com a mulher, no
toc-Ia, tratIa como se ela fosse a rainha dos cus. Mas essas regras no fazem
muito sentido quando se fala da mulher real de carne e osso. Apesar de que
existem, sim, leis externas tambm. A mulher exterior merece grande respeito e
toda a ternura, mas ser profundamente infeliz, e seu relacionamento com o
homem no dar certo, se ele a confundir com a anima.
Ento, que essa feminilidade interior da qual Parsifal precisa manter-se
afastado? toda aquela suavidade inerente feminilidade, muito valiosa, num
sentido interior, mas que acabar por vici-Io se ele a interpretar mal, vivendo-a
externamente.
Para saber, portanto, como essa mulher interior age sobre o homem,
precisaremos fazer uma distino entrefeeling e humores. A maioria das pessoas
confunde e mistura estas sensaes indiscriminadamente, e a distino se faz
necessria porque torna o homem apto para caracterizar sua mulher interior e
enxergar com clareza como ela age em sua psique.
HUMORES E FEELING
seu feeling a respeito de alguma coisa, a nica resposta cabvel do indivduo seria:
bom, mau, terrvel ou belo. Teramos dado, ento, atravs do feeling, um
valor a esse algo.
Quanto aos humores, o assunto espinhoso, pois eles apresentam uma
particularidade estranha: como se fossem uma pequena psicose ou possesso, e
aparecem no homem que foi dominado pela parte feminina de sua natureza. o
que se chama "estar de veneta".
Muitas vezes o indivduo tem de fazer uma escolha entre feeling e humores. Um
exclui o outro. Os humores impedem o real feeling. Se ele estiver entrando num
tipo de humor - ou, melhor falando, quando um humor o "agarra" - ele
automaticamente estar excluindo sua capacidade para ter um feeling verdadeiro
e, por conseguinte, relacionamento e criatividade. Na velha linguagem do mito,
seduziu ou foi seduzido pela sua feminilidade interior.
Se um homem usar externamente sua feminilidade, ela no ter um pingo de
eficcia, pois quando est completamente dominado por humores ele como um
relgio de sol, que no funciona luz do luar. Sua anima lhe serve como a "musa
inspiradora", quando manifestada no lugar certo, mas no lhe serve bem quando
ele a usa como uma roupagem externa para relacionar-se com o mundo exterior.
"Usar" o termo correto, pois qualquer um ao seu redor vai sentir-se "usado"
quando ele lida com o mundo enquanto presa dos humores. Seduo, mesmo!
Feeling, ao contrrio, a parte sublime que integra o "equipamento" do homem
para levar calor humano, gentileza e percepo.
Quantas vezes no projetamos nosso relacionamento com a anima, ou, falta
dela, na mulher de carne e osso. A mulher um milagre da natureza, uma beleza
que ser obscurecida se tentarmos impingir a ela as leis aplicadas mulher
interior. Do mesmo modo, a interior ser prejudicada se a tratarmos como se
fosse a de carne e osso.9
raro o homem que sabe bastante sobre seu componente interior feminino, sua
anima, ou que consegue com ela manter um relacionamento satisfatrio. No
entanto, se ele pretende qualquer desenvolvimento interior, essencial que
descubra sua anima, que a coloque, por assim dizer, numa garrafa e a feche com
uma rolha. claro que vai precisar tir-Ia de l um dia, mas antes ter de
aprender como no ser dominado por seus humores e, por conseguinte, suas
sedues. Mas colocar a rolha e fechar a garrafa s o primeiro passo para se
lidar com a anima. a seguinte, e bem mais importante, aprender como
relacionar-se com ela, t-Ia como a companheira interior que caminhar com
ele e lhe trar calor, fora e entusiasmo no decurso da vida.
Em ltima anlise, ele s tem duas alternativas: ou a rejeita, e ela se voltar
fatalmente contra ele em forma de humores e sedues insidiosas, ou a aceita e
se relaciona bem com ela. Portanto, deixar-se cair nas garras dos humores
significa que ele a interpretou mal, ou seja, tratou-a como a mulher de fora. a
Alguns homens parecem ter um potencial de anima muito grande, o que significa
que possuem mais do elemento feminino dentro de si. O que no nem bom
nem mau em si mesmo. Se conseguirem fazer com que seu lado feminino se
desenvolva bem, tornar-se-o criativos, sem deixar de ser msculos por causa
desse poderoso componente. Sero capazes do feeling, de valorizar as coisas, e
por isso encontraro significado na vida, o que no acontece na falta desse
relacionamento com a anima.
Tanto a genialidade quanto a criatividade de um homem so manifestaes desse
lado feminino, que lhe d a capacidade de "dar luz" algo. , porm, a sua
masculinidade que lhe permite dar forma e estrutura ao que fez nascer de si, no
mundo exterior. O que o mito do Graal nos diz que, no seu relacionamento com
a anima, ele deve usar o feeling, no os humores. Parsifal instrudo a lidar com
Branca Flor, isto , a mulher interior, usando seu feeling, que um sentido nobre,
til e criativo, e no valendo-se da seduo, que destrutiva. Seduzir ou deixar-se
seduzir coisa vedada a algum que busca o Graal, pois significa sempre uma
priso.
Goethe, em sua obra-prima Fausto10, chega nobre concluso, j no fim da
vida, de que a misso do homem servir mulher. Termina o livro com estas
palavras textuais: "A Eterna Feminilidade nos impulsiona a seguir". Com certeza,
uma referncia mulher interior. Servir ao Graal servir a ela.
Portanto, assim que o homem se entrega aos humores no consegue mais sentir,
FELICIDADE
Bons humores no so menos perigosos que os negros. Exigir que a felicidade
venha do meio em que se vive o sombrio ato de seduzir a donzela interior. Isso
anuvia o caminho do Graal e tem o mesmo peso de deixar-se seduzir pela
formosa donzela, apesar de ser menos bvio. Portanto, mais difcil de ser
detectado.
Eis aqui uma diferenciao que no fcil de ser percebida, pois s se chega a
ela com um bom entendimento psicolgico: aqueles humores exuberantes, tipo
dono-do-mundo, efervescentes, meio fora de controle ou propsito, to
supervalorizados entre os homens, constituem uma "possesso" perigosa. To
perigosa quanto estar possudo por humores negros, quando ento o homem seduz
sua anima, agarra-a pelo pescoo e brada: "Ou voc me faz feliz ou ento... " Isso
aplicar-lhe um golpe baixo para satisfazer s exigncias do ego quanto
felicidade ou busca incessante de diverses.
Cair nas garras de um humor exuberante tambm ser seduzido pela mulher
interior. Ela o arrebata para as alturas estonteantes da inflao do ego e lhe d um
fac-smile de felicidade, que ele tanto almeja. Tal seduo vai custar-lhe bem
caro mais tarde, porque a lei das compensaes far com que depois da euforia
sobrevenha uma depresso que vai traz-Io de volta com os ps no cho. O
destino passa muito tempo ou alando o homem das profundezas de uma
depresso ou fazendo-o baixar das alturas de uma inflao do ego. esse "nvel
do cho" que os antigos chineses chamavam de tao, o caminho do meio. aqui
que existe o Graal e que a felicidade, digna do nome, pode ser encontrada. No
um nvel comum, neutro, ou de concesses, mas um ponto de cores reais, onde
se encontram o sentido das coisas e a felicidade. Nada mais ou nada menos que a
Realidade, nosso verdadeiro lar.
Outra forma de seduo sugar o prazer de uma experincia que ainda no
aconteceu. Eis a um passatempo bem americano. Pensamos que nosso direito
nacional "ser feliz", mas no sentido de euforia. No funciona. Conheo dois
rapazes que planejaram um acampamento. Entusiasmadssimos, por dias e dias
fantasiaram como iria ser maravilhoso. Todas as caractersticas dos humores
vieram tona. Partes do equipamento de repente viraram santos graais. O fio de
uma faca ou um pedao de corda foi cultuado. Os dois conseguiram sugar todo o
fascnio e a felicidade da experincia muito antes de passar por ela. Soube,
depois, que foram at o tal lugar planejado, perambularam por l durante meio
dia, no conseguiram pensar em nada criativo para fazer, resolveram tomar o
carro e voltar para casa no mesmo dia - no restava nada l. Haviam vivido
intensamente toda a experincia antes mesmo de realiz-Ia.
O homem ocidental de nossos dias tem algumas idias bsicas deturpadas a
respeito da felicidade. Creio que vale a pena atentar para a origem da palavra
felicdade. Em portugus ela vem de feliz, e do latim, felix. Portanto, felicidade
implica em ser feliz. Em ingls, a palavra happiness, e tem sua raiz no verbo to
happen (acontecer), portanto happiness que o acontece. Pessoas simples, em
partes menos complicadas do planeta, agem de acordo com a definio e
exibem uma felicidade e uma tranqilidade que simplesmente nos assombram.
Como pode um campons da ndia, com to pouco, ser feliz? Ou como um
trabalhador do Mxico, outra vez com to pouco para ser feliz, aparentar
tamanha alegria? Eles conhecem a arte da felicidade: satisfao com aquilo que
. Sua felicidade com aquilo que "acontece". Se voc no puder ser feliz com a
idia de que vai almoar, bem provvel que no ser feliz com nada.
Um sbio hindu ensinou que a mais alta forma de adorao simplesmente ser
feliz. Mas isso significa felicidade no seu mais profundo aspecto, no um tipo de
humor.
Thomas Merton, o monge trapista, disse certa vez que os monges podem ser
felizes mas nunca "esto numa boa". Outra forma de diferenciar felicidade de
humores.
Alguns homens tentam levar a vida em humores quase eternos, o que muito
cansativo. Jamais vou esquecer o dia em que me dei conta de que no havia
necessidade de ceder aos humores. Foi uma revelao! Eu achava que se
"pegava" um humor como quem pega uma gripe. Aos poucos, aprendi que o
humor produto de uma inconscincia intencional, que pode ser mudado atravs
da real conscincia - aquela da qual que fizemos qualquer coisa para escapar.
bom saber disso e ser sbio o suficiente para expulsar os humores ou, pelo
menos, adiIos. No necessrio cair nas garras de uma dessas emanaes
etreas inconscientes, vindas de May a. Elas se aproximam sorrateiramente,
rastejando, sem que a vtima perceba. A as coisas comeam a ficar
ameaadoras. Pois bem, ento no aceite, no se deixe seduzir. No entre nessa
areia movedia. muito fcil cair, mas se soubermos o que est acontecendo
no ser preciso deixar-se levar.
Uma pessoa que esteja doente, portanto fisicamente debilitada, fica mais sujeita
aos humores, por estar mais vulnervel. Pode no estar se sentindo muito bem,
nem l muito feliz; mas isso no nenhuma vergonha, nem deve ser causa de
mau humor. Tambm no preciso entrar em pnico ou depresso, embora,
convenhamos, tudo fique muito mais difcil quando estamos doentes.
Podemos contrastar humor com entusiasmo, que um dos vocbulos mais
humor.
No entanto, com um toque de genialidade ela encontrar a sada (se for capaz e
se realmente o quiser): basta que consiga ser mais feminina do que o humor que
est atacando o marido, ou seja, trazer tona sua feminilidade mais profunda um contraste com a feminilidade mal-empregada do homem. Isso dar a ele um
ponto de realidade do qual poder partir para livrar-se do seu humor de baixa
qualidade. Tem-se de reconhecer que isso muito, mas muito difcil, porque para
ela uma tentao sacar a espada do animus e comear a espet-lo a torto e a
direito.
Todavia, sua feminilidade natural tem poder criativo para ser uma ncora para o
homem que se agita no turbilho de sua feminilidade interior. Isso requer da
mulher que ela tenha sua feminilidade bem desenvolvida e consciente. o
resultado das muitas batalhas com os drages que ela teve de enfrentar para
salvaguardar seu reino feminino, no seu prprio interior.
O que a mulher tambm precisa entender que o homem tem muito menos
controle das eternas alternncias entre luz e trevas, anjo e demnio, presentes no
elemento feminino. Nenhum homem capaz do mesmo tipo de controle que ela
tem dela, e a mulher, se entender isso, poder ser paciente e compreensiva,
enquanto ele bate a cabea, alguns anos-luz atrs dela, na tentativa de
compreender sua feminilidade interior.
O homem ainda uma criana diante da mulher interior, e por isso fica indefeso
quando atacado por ela na forma de um humor. S que ele no quer
conhecimento psicolgico; quer que tomem conta dele. preciso ser forte para
agir contra os humores, e isso pressupe um ser que se est libertando da
infantilidade, ou seja, de seu complexo materno.
Uma esposa poder ajudar muito se usar de pacincia para com ele, deixar de
ser crtica, representar para ele a verdadeira virtude feminina: a virtude feminina
amadurecida, forte o suficiente para enfrentar a feminilidade espria que o
homem est criando no instante dos humores. Uma coisa certa, ele vai projetar
tudo nela e, convencido, dir que se casou com uma bruxa. E mais: que seu mau
humor culpa dela. Talvez ela at esteja sendo ranheta, mas as contas, mesmo,
ele ter de acertar com a mulher interior, no com a esposa.
Faz parte integrante da natureza da anima e do animus, na sua forma primitiva
(onde a maioria de ns se encontra), viver de projees. Assim, quando o
homem passa pelos humores, pe a culpa na mulher porque acha que ela o est
infernizando. Se a mulher interior est num acesso de violncia, ele vai
relacionar-se com a de carne e osso no mesmo processo, quer ela concorde ou
no. Por outro lado, se ele se relacionar bem com a interior, tambm ter bom
relacionamento com a exterior.
As mulheres que tm de se haver com essa extica criatura chamada de "o
macho da espcie" devem ser mansas quando ele est passando pelos humores,
IV - O CASTELO DO GRAAL
Mas voltemos nossa histria.
Depois de deixar o castelo de Branca Flor, Parsifal viaja o dia todo em sua
herica busca e, ao cair da noite, pergunta a um viajante se por ali havia algum
alojamento ou taverna onde pudesse passar a noite. Foi informado de que a
habitao mais prxima estava a cinqenta quilmetros dali.
Um pouco mais adiante encontra um lago e um homem num barco pescando. O
jovem fazlhe a mesma pergunta. O pescador, claro, era o Rei Pescador, que
ento o convida para passar a noite em sua humilde morada: "Desce pela
estrada, h um caminho, vira esquerda e cruza a ponte levadia". Parsifal
segue as instrues e assim que atinge a ponte levadia ela comea a erguer-se e
chega a tocar as patas traseiras de seu cavalo, antes de se fechar rapidamente
atrs dele.
muito perigoso entrar no Castelo do Graal, a casa do Rei Pescador, e muitos
jovens perdem sua montaria ao fazer a transio do mundo comum, do dia-adia, ao imaginrio, ao simblico mundo do Castelo do Graal.
Parsifal v-se ento no trio de um enorme castelo, onde quatro pajens acorrem
para cuidar do seu cavalo. Depois despem-no, do-lhe banho, vestem-lhe ricas
roupas vermelhas e o conduzem presena do senhor do castelo, o Rei Pescador,
que pede desculpas por no conseguir levantar-se da sua liteira para saud-Io
como ele o merecia. Toda a corte est presente - quatrocentos cavaleiros com
suas damas - para saudar Parsifal, e uma esplendorosa cerimnia tem lugar.
Um cenrio de tamanha grandiosidade j mostra que Parsifal entrou no mundo
interior, a morada do esprito, o lugar da transmutao. Especialmente quando o
nmero quatro ressaltado - quatro pajens, quatrocentos cavaleiros e damas,
uma grande lareira central de quatro faces marcando os pontos cardeais -, j se
pode esperar o esplendor do mundo interior. Sabe-se que o simbolismo do
nmero quatro significa a presena da integralidade ou totalidade.
verdadeiramente o Castelo do Graal, onde guardado o Santo Graal da ltima
Ceia.
A magnfica cerimnia prossegue. O Rei Pescador, como sempre, jaz gemendo
em agonia e desespero em sua liteira; uma procisso se inicia com uma formosa
donzela que traz a lana que verte sangue continuamente, a que trespassou o
flanco direito de Cristo; outra donzela traz a ptena que tambm foi usada na
ltima Ceia, e, finalmente, uma terceira donzela carrega o prprio Santo
Graal.11
O COMPLEXO MATERNO
Voc se lembra daquela roupa tecida em casa que a me de Parsifal lhe deu?
Pois bem, exatamente esse elemento, que o jovem usa embaixo de sua
armadura, que o impede de valorizar o Graal quando o v pela primeira vez.
Enquanto estiver enclausurado no seu complexo materno o homem no
conseguir apreciar plenamente o Graal, ou, bem pior, formular a pergunta que
cicatrizar a ferida do Rei Pescador. Fazer com que um jovem se despoje da
"roupa que sua me lhe fez" uma tarefa rdua. Muitos jamais conseguem
despir-se de seu complexo materno, cujo simbolismo a "roupa tecida pela
me". Para analisar esse ponto crucial teremos de fazer uma digresso e falar a
respeito do homem e suas relaes com o feminino.
sua me de carne e osso faa o papel da sua deusa protetora, papel, entretanto,
que s o arqutipo pode desempenhar. Ele vai fazer exigncias ridiculamente
excessivas ao mundo como figura materna, e vai cobrar do mundo um sustento
que ele sente que lhe devido de preferncia que no exija esforo de sua parte.
Se ele contaminar sua anima, ou a formosa donzela, com sua imagem interior de
me, vai querer que sua mulher interior seja me para ele.
Uma mistura que ocorre muito a superposio de me e esposa. O homem que
faz isso vai esperar que sua esposa o adote como filho, em vez de ser uma
companheira para ele. Vai querer que ela preencha suas necessidades como a
personificao da me.
J que Sophia no um aspecto marcante na vida dos homens em geral, esse
componente no est sempre presente. Mas, no caso de estar, e se o homem
confundir Sophia com me, vai coloc-Ia como a deusa da sabedoria de uma
forma que nenhum ser humano consegue manter. "Mame-sabe-tudo" e o
arqutipo-Sophia fazem uma pssima combinao.
Deixo as outras misturas ou contaminaes para que voc mesmo pesquise.
Todas so negativas. No o feminino que negativo, somente o a
contaminao dos nveis de conscincia.
Portanto, se Parsifal fracassou ao no fazer a pergunta foi por no haver despido
a roupa que sua me lhe fez. Seu complexo materno privou-o de poder e
discernimento para seguir o que Gournamond lhe recomendara. Nenhum
homem pode ligar-se permanentemente ao Castelo do Graal se seu complexo
materno se interpe entre ele e a fora masculina, que inata. Isso significou
vinte anos arduamente gastos como cavaleiro andante, at que Parsifal
conseguisse despir essa roupa e chegasse a ser um homem suficientemente forte
para suportar a beleza do Graal - smbolo mximo do arqutipo-me. Enquanto
envolto nas roupas tecidas pela me, ele no pode participar do Graal, a no ser
em um ou outro encontro fortuito. Tampouco pode curar a ferida do seu Rei
Pescador. Os anos de aventuras que lhe restam, Parsifal os passa tentando despiIa.
Como j ficou dito, existe uma segunda chance de voltar ao Castelo do Graal na
meiaidade. Apesar de o Graal estar sempre bem prximo e disposio a
qualquer momento, aos 16 e aos 45 anos, ou seja, nos perodos de transio, nos
dois marcos da vida de um homem, que ele mais facilmente encontrado.
Aquela procisso miraculosa acontece todas as noites no Castelo do Graal; mas
somente em tempos particulares na vida - quando est preparado para tal - que o
homem pode ter acesso fcil ao esplendor do Castelo do Graal.
Teoricamente deveria ser possvel permanecer no castelo quando da primeira
ida. Os monges beneditinos, na Europa Medieval, observaram essa possibilidade
na prtica monstica. Pegavam meninos recm-nascidos e os criavam no
Castelo do Graal sem nunca permitir que dele sassem, psicologicamente
nossa. Nenhum oriental que siga as tradies se afasta muito do Castelo do Graal.
Seus mestres nos observam e perguntam: "Por que, pelos cus, tanta pressa e
tanta nsia?" Algum nos mencionou como "aquelas aves de rapina arianas". Um
povo com tal voracidade na eterna busca mesmo impressionante.
Na medida em que uma cultura - como acontece com a ocidental - assume sua
vocao conquistadora, vai sempre ter de se haver com lanas e espadas
sanguinolentas. Essa tendncia tipicamente ariana de nossa cultura nasce do
nosso fracasso no Castelo do Graal.
Existe um caminho legtimo para chegar l. H paralelos muito elucidativos entre
Cristo e a jornada de Parsifal. As duas histrias se assemelham em muitos
pontos, com a diferena bem grande de que Cristo, o grande sbio, promove sua
busca no sentido perfeito. Mesmo assim, teve de passar por todos os estgios.
Quando aos 12 anos foi ao templo e censurou seus pais, estava entrando pela
primeira vez no Castelo do Graal, por assim dizer. Tocou algo muito grandioso sua fora, sua masculinidade. No foi terrivelmente ferido pela experincia
porque a compreendeu. Mais tarde teve de voltar ao castelo para faz-Io sua
residncia permanente. Fez tudo isso de maneira muito sbia, deixando-nos o
prottipo para que o pudssemos seguir. Gosto do velho mito do Graal, do sculo
XII, porque nos oferece um caminho mais terra a terra e humano. Encontro
dentro de mim mais de Parsifal do que do grande mrtir.
V - OS ANOS ESTREIS
Parsifal partiu do Castelo do Graal e agora necessrio o merecimento para
retornar. Envolve-se numa longa srie de aventuras como cavaleiro andante, e
isso vai fortalec-lo o suficiente para que possa pedir sua segunda entrada no
castelo.
Ele encontra uma jovem em grande sofrimento envolvendo nos braos o
namorado morto. Ela lhe explica, entre lgrimas e soluos, que seu cavaleiro
havia sido morto por outro cavaleiro, enfurecido por algo que Parsifal havia feito
em uma de suas primeiras bravatas ingnuas. E Parsifal tem de arcar com essa
culpa. (O assassino era o namorado da donzela da tenda, que, louco de raiva pelo
que Parsifal havia feito, atacou o primeiro cavaleiro que passou pelo seu
caminho.) A jovem, ento, pergunta-lhe por onde havia andado e, quando ele diz
que estivera no castelo local, ela lhe responde que num raio de cinqenta
quilmetros no havia nenhuma habitao. Todavia, pelos detalhes descritos por
ele, ela deduz: "Ah, ento voc esteve no Castelo do Graal!" (Geralmente as
mulheres sabem muito mais dessas experincias do que os homens.)
como o havia qualificado a donzela que no rira por seis anos. Arthur sai ao seu
encalo e promete no dormir duas vezes na mesma cama enquanto no
encontrar esse heri maravilhoso, a flor do seu reino.
Uma curiosa experincia acontece com Parsifal, que estava acampado no
muito longe da corte. Um falco ataca trs gansos em pleno ar, ferindo um deles,
e trs gotas de sangue caem sobre a neve perto de Parsifal. Quando ele v o
sangue, imediatamente cai num transe de amor, lembrando-se de Branca Flor.
Fica paralisado pelas trs gotas de sangue e no pode pensar em nada alm da
jovem. E nesse estado que o encontram os homens de Arthur, totalmente
imobilizado. Tentam lev-lo corte. Parsifal luta com eles, resiste, e acaba por
quebrar o brao de um daqueles homens. E no um qualquer: justamente o que
esbofeteara a donzeIa que gargalhou depois de seis anos sem um sorriso, e o
mesmo que atirara Parsifal contra a lareira. E o jovem cavaleiro havia jurado
vingar a afronta. A jura foi cumprida e a donzela, vingada.
Gawain, o terceiro cavaleiro, gentil e humildemente pergunta se Parsifal gostaria
de acompanh-lo corte de Arthur. O jovem aquiesce.
Em outra verso da histria, o sol derrete a neve e dissolve duas das trs gotas de
sangue, libertando Parsifal do encantamento. possvel que ele ainda estivesse
l, no seu transe amoroso, no fosse o sol derreter duas das trs gotas de sangue,
ou no tivesse Gawain chegado para resgat-lo.
curioso o simbolismo em ao nesta parte da histria. Quando sonhos ou mitos
apontam para nmeros, certo que profundos pontos do inconsciente coletivo
esto agindo. Voc se lembra da grande nfase dada ao quatro no Castelo do
Graal? Aqui o nmero trs que foi ressaltado. O quatro parece ser a linguagem
do inconsciente coletivo para paz, totalidade, plenitude e tranqilidade. O trs, por
seu lado, representa necessidade, imperfeio, inquietude, esforo, consumao.
Tendo sido profundamente tocado pela quaternidade do Castelo do Graal, Parsifal
precisa agora lidar com a trindade da vida do aqui-e-agora: seus amores, sua
busca como cavaleiro, seu lugar na corte de Arthur - coisas do aqui-e-agora que
lhe exigem ateno. Ningum pode retornar ao castelo antes de passar pelas
dimenses humanas da vida.
A vida se torna complicada quando dominada pelo trs; preciso reduzi-lo a um
ou aument-lo para quatro. O trs, ou aquela conscincia representada pelo trs,
no pode suportar por muito tempo sua intensidade sem propulso. Se algum se
vir diante de um dilema insolvel, precisar de um impulso para ir adiante e
alcanar o insight da iluminao, a quaternidade, ou ento ter de reduzir sua
conscincia para apenas sobreviver.
Jung passou grande parte de seus ltimos anos trabalhando no simbolismo do trs
e do quatro. Sentiu que a humanidade estava saindo daquele estgio de
conscincia representado pelo trs, para alcanar o representado pelo quatro. Em
1948 e 1949 ele se rejubilou com o dogma da Igreja Catlica que colocou a
Virgem Maria com a Trindade - todas elas figuras masculinas - no Cu. Jung
sentiu que isso completava um estgio antigo, ainda por atingir de todo o seu
desenvolvimento, que tem trazido tantos conflitos e intranqilidade ao mundo
ocidental. O smbolo precede o fato em muitos anos, o que mostra que a
possibilidade est agora aberta para ns; mas a obra ainda no foi completada.
Jung tambm sentiu que o trabalho real do homem moderno seria o de promover
a expanso da conscincia representada pela evoluo do trs para o quatro - da
conscincia devotada ao fazer, ao trabalho, realizao, ao progresso - para
aquela caracterizada pela paz, pela tranqilidade, pelo ser existencial. O cerne da
questo que o quatro contm o trs, mas o trs no pode conter o quatro.
Algum que tenha a plena conscincia do quatro capaz de realizar todas as
coisas prticas da vida, mas sem ficar preso a elas. O que est no mundo do trs
no capaz de apreciar os elementos associados ao nmero quatro.
Aparentemente, estamos em um nvel no qual a conscincia do homem est
partindo da viso trinria para a quaternria. um caminho possvel e bastante
srio para avaliar o extremo caos em que est mergulhando nosso mundo de
hoje. Ouvem-se muitos sonhos de pessoas dos nossos dias que nada sabem,
conscientemente, a respeito da simbologia dos nmeros e, no obstante, sonham
com o trs transformando-se em quatro. Isto sugere que estamos passando por
uma evoluo de conscincia que vai do todo-ordenado conceito masculino da
realidade - a viso trinitria de Deus - para a quaternria, que inclui o feminino,
assim como outros elementos difceis de ser colocados tambm, se se insistir nos
valores antigos.
Parece-nos ser agora o propsito da evoluo substituir uma imagem de
perfeio pelo conceito de plenitude e totalidade. Perfeio sugere algo
totalmente puro, sem mcula, pontos escuros ou reas questionveis. Totalidade
inclui as trevas, mas mescladas com os elementos da luz, resultando em um
conjunto mais real e completo do que qualquer idealizao. uma tarefa
assustadora, e a pergunta que enfrentamos se a humanidade ser capaz ou no
deste esforo e crescimento. Preparados ou no, estamos no processo.
O Ano de Maria veio e foi-se, e nos pareceu ter cado no esquecimento, alm de
ter tido poucos efeitos em nossa vida. Se consegussemos, porm, ver este
extraordinrio evento da maneira correta, ele teria um profundo efeito na
teologia e, por conseqncia, no nosso dia-a-dia.
Quando se confere dignidade e honra ao quarto elemento, ele passa a no ser
mais nosso adversrio; somente quando exclumos uma verdade psicolgica
que ela se torna negativa ou destrutiva. Fica batendo porta insistentemente - por
assim dizer - para entrar, e isso pode parecer-nos algo muito ruim. Um elemento
que mostra seu lado mau s precisa de conscincia para que possamos dar-lhe
um lugar til em nossa estrutura. Ns mesmos criamos os elementos demonacos
ao exclu-los, pois sabido que tudo aquilo que rejeitado pela psique se torna
hostil.
O homem tem visto seu lado sombrio como feminino e, ao empurr-lo cada vez
mais para as profundezas do seu ser, acabou por transform-lo numa bruxa.
Grande parte da escurido do elemento rejeitado durante a Idade Mdia era
feminino - da a caa s bruxas e as fogueiras. E isso no se constituiu apenas de
incidentes isolados que ganharam muita notoriedade. Estima-se que mais de
quatro milhes de mulheres foram queimadas nos patbulos no auge da
contrareforma na Europa.
Agora, uma formidvel tarefa incorporar em nossa personalidade esses
elementos vistos como escuros at um tempo atrs; a rejeio de um elemento
to sombrio perigosa. Mas se algum antagonizou o lobo por tanto tempo, no
pode simplesmente abrir a porta e dizer-lhe: "Seja bem-vindo" .
VI - A DONZELA TENEBROSA
Parsifal escoltado em triunfo at a corte de Arthur e ali torna-se o centro de
todas as atenes, o maior cavaleiro de todos os tempos no ciclo arthuriano. Em
sua homenagem prepararam trs dias de festivais e torneios. Parsifal certamente
o merece, mas sem querer tropea em suas inevitveis conseqncias. Quantas
vezes ele enfia os ps pelas mos! extremamente tranqilizador ver como
essas antagnicas situaes o levam ao estgio seguinte em sua evoluo. No
fosse por esses fatos, caracterizados sempre pela bondade, todos os Parsifais do
mundo teriam despencado da borda do mundo plano e cado no merecido
esquecimento. Dom Quixote, o eterno arquitolo, percorre sua sublime jornada
totalmente pontilhada pelo absurdo.
No auge das festividades dos trs dias, a mais horripilante das donzelas aparece
como um desmancha-prazeres. Vem montada numa mula velha e decrpita,
manca das quatro patas. Traz os negros cabelos arranjados em duas tranas. Eis
sua descrio no mito:
Negros cabelos, divididos em grossas tranas, da cor do ferro preto eram suas
mos e unhas qual garras;
os olhos, juntinhos, como os dos ratos,
ventas de gato e chimpanz,
os beios, como os dos burros e bois.
Barbada era ela, corcunda no peito e costas,
lombo e ombros retorcidos como as razes de uma rvore.
Jamais em corte real fora vista donzela igual.
necessidade, nesta etapa da vida, de encontrar uma nova Formosa Donzela como
escudo protetor contra a Donzela Tenebrosa. A no ser, porm, que ele primeiro
faa as pazes com o elemento escuro, nenhuma donzela, velha ou nova, seja
como for, ir livr-lo da etapa de trevas em sua vida.
Aqui aprendemos o que fazer quando a nossa prpria megera nos aparecer. Ela
muito til, por isso no devemos ingerir sedativos e mand-Ia embora. No
devemos nem nos esconder dela nem dissuadi-Ia de seu propsito. Ns, homens,
quando estivermos na faixa dos 40-50 anos e a virmos aproximar-se fazendo suas
terrveis acusaes, no devemos tentar escapar-lhe. Fugir s acusaes um
impulso universal, mas totalmente errado. preciso que fiquemos com ela, nos
sentemos em frente a ela e agentemos firmemente todo o tempo que ela,
encarapitada em sua mula, levar apontando nossos erros. Porque certo que
depois de sua longa preleo vai-nos despachar de volta nossa busca. esta a
razo de sua existncia. E voz comum achar que o perodo-Donzela-Tenebrosa
deve ser evitado e tratado como uma enfermidade a ser curada. Banir suas
trevas neutralizar a chance de evoluo que ela possibilita.
12. V. A Idade do Lobo, de Ely seu Mardeganjr., obra que trata da crise do
homem na meia-idade. Editora Mercury o, So Paulo, 1993. (N. T.)
O EREMITA INTERIOR
O eremita um aspecto altamente introvertido de nossa natureza que tem
esperado e armazenado energia l num canto, bem retirado, espera desse
momento. A extroverso, usualmente, a dominante na primeira metade de
nossa vida, e isso correto. Mas quando as manifestaes da extroverso de um
indivduo tomam as rdeas no perodo mais frtil da sua jornada na vida, ele vai
precisar consultar l dentro o eremita, aquele que mora numa casinha na
floresta, para depois dar o prximo passo.
algo que ns fazemos pouco e ainda malfeito em nossa cultura, e so raros os
que sabem como apelar para a preciosidade de sua natureza introvertida para
esse prximo estgio. O que acontece com freqncia que as pessoas so
foradas introspeco ou por uma doena ou por acidente ou, ainda, por algum
tipo de sintoma que a incapacite por algum tempo. Ou ainda por qualquer outra
coisa.
O eremita uma figura nobre que o servir muito bem se voc se dirigir a ele
com dignidade, honrando-o. Na verdade sobra muito pouca dignidade quando se
arrastado ao seu reino por alguma doena ou acidente; mas, de um jeito ou de
outro, ele o receber, l pela metade da sua jornada, com ou sem dignidade de
sua parte.
Para fazer justia ao eremita preciso que se fale, ao menos um pouquinho,
daqueles cuja natureza-eremita to forte que se torna a manifestao
predominante em sua personalidade. Para servir humanidade, essas raras
pessoas nascidas eremitas (espritos profundamente introvertidos) precisam
manter-se na cabana da floresta (psicologicamente falando, claro), solitrias,
concentrando as energias advindas dessa caracterstica crucial e de altssimo
valor.
Por outro lado, conhecero poucas experincias do tipo Cavaleiro Vermelho e
sero poucos os louros da vitria. Hoje em dia pessoas assim recebem rarssimos
incentivos e parcos elogios, e quase sempre levam a vida como solitrias. Chega
um dia, porm, em que esse talento faz-se absolutamente necessrio para
promover a transio - um outro estgio de vida - para eles mesmos ou para
algum de seu meio. S o fato de saber disso j uma salvaguarda para eles. Por
favor, seja bom para sua prpria caracterstica-ermito ou para aquele que
nasceu ermito, e que faz parte de seu crculo de amizades! Se seu filho um
eremita nato, no o pressione a que embarque em experincias tipo Cavaleiro
Vermelho. Deixe-o seguir seu caminho pela floresta.
Quando Parsifal se v cara a cara com o eremita, passa por uma experincia
muito semelhante que vivenciou com a Donzela Tenebrosa. Antes que o
cavaleiro abrisse a boca, o velho eremita, usando de clarividncia, o acusa,
recitando uma longa lista de suas falhas e erros. Outra vez o pior de tudo havia
sido seu fracasso ao no formular a pergunta que sanaria todos os males no
Castelo do Graal.
Logo o eremita suaviza o tom e diz que tudo que lhe acontecera havia sido por
causa de sua me. O jovem no conseguira conduzir-se corretamente com a
me, e, todavia, seguira servilmente seus conselhos. Essa uma caracterstica do
complexo materno que leva a extremos: ou muito em excesso, ou pouco em
excesso, ao mesmo tempo. Seu complexo materno o impedira de livrar o castelo
do encantamento. Mas agora o eremita o absolve e leva-o estrada com
recomendaes para que ande um pouco pelo caminho, vire esquerda e cruze
a ponte levadia. O Castelo do Graal sempre est assim, bem perto, mas
geralmente na adolescncia ou na meia-idade que fica mais fcil encontr-Io.
Exatamente neste ponto, o grande poema francs de Chrtien interrompido!
Alguns acham que ele morreu, outros, que o resto do manuscrito se perdeu. Acho
mais provvel que o autor tenha deliberadamente parado neste ponto por no ter
mais nada que dizer. Essa grande histria tirada do inconsciente coletivo foi to
longe na sua evoluo que o autor teve a humildade de interromper a narrativa
quando se deu conta de que no havia mais nada que acrescentar.
Penso que o mito progrediu um pouco mais, coletivamente falando, at os nossos
dias. uma histria inacabada dentro de ns, plena de poder, e requer mais
trabalho. Se voc desejar uma verdadeira tarefa de cavaleiro, tome a histria
dentro de voc como ela est, inacabada, e desenvolva-a. Verdadeiramente,
cada um de ns Parsifal, e sua jornada a nossa prpria jornada.
Outros autores13
tentaram concluir o mito, seguindo Chrtien de Troy es, mas nenhum final
satisfatrio, convincente. Poderemos tomar uma dessas concluses e levar
Parsifal para a sua segunda visita ao Castelo do Graal.
Ele est ali mesmo, caminhando um pouco e virando esquerda. Se algum for
suficientemente humilhado, e tiver corao, poder encontrar esse castelo
interior. Parsifal teve sua arrogncia esmagada pelos vinte anos de busca infrtil,
e agora est preparado para entrar em seu castelo.
Esse mesmo motivo aparece num mito contemporneo, O Senhor dos Anis, de
J. R. R. Tolkien. O poder deve ser retirado daqueles que poderiam abusar dele. No
mito do Santo Graal a fonte do poder dada a um representante de Deus. No de
Tolkien, o anel do poder tirado de mos maldosas que poderiam usar seu poder
para destruir o mundo, e devolvido ao seu lugar de origem, a que ele pertence.
Mitos mais antigos ainda falam da descoberta do poder e da sua emergncia da
terra para as mos do homem. Os mais recentes falam de retornar a fonte do
poder terra ou s mos de Deus, antes que nos destruamos com ele.14
Um detalhe na histria merece uma observao especial: Parsifal s necessita
perguntar; no preciso responder pergunta. Quando algum se sentir
desencorajado, certo de que no vai conseguir nunca a articulao necessria
para descobrir a soluo de enigmas insolveis, poder lembrar-se de que,
apesar de constituir dever do ego fazer uma pergunta bem formulada, no lhe
exigido respond-Ia. Perguntar bem virtualmente responder.
O regozijo explode no Castelo do Graal; o Graal trazido e seu alimento dado a
todos, inclusive ao recm-curado Rei Pescador, e a paz perfeita, a alegria e o
bem-estar so estabelecidos. Mas que dilema! Se voc pedir ao Graal que lhe d
a felicidade, esse mesmo pedido obsta a felicidade. Por outro lado, se voc servir
ao Graal e ao Rei do Graal de maneira correta, descobrir que aquilo que
acontece e a felicidade so a mesma coisa. E isso a definio de iluminao.
Encontramos um tema idntico, numa linguagem muito diferente, nos "Dez