Guião CNCO - 2. Parte - Cumprimento e Não Cumprimento Das Obrigações
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Parte II
Transmisso de crditos e de dvidas
24. Introduo:
24.1. O carcter patrimonial dos crditos e dbitos e a consequentemente
possibilidade de transmisso dos mesmos
A possibilidade de crditos e dbitos serem transmitidos a sujeitos
diferentes daqueles que eram os seus titulares iniciais constitui uma
consequncia do seu carcter patrimonial. No Direito Romano, enquanto a
dvida foi entendida como um vnculo de natureza pessoal, os crditos e os
dbitos no podiam ser logicamente transmitidos a no ser a ttulo universal
mortis causa, por se entender que existia a uma continuao personalidade do
de cujus e no uma verdadeira transmisso.
Por a susceptibilidade de transmisso de crditos e dvidas a ttulo
singular constituir garantia de que parte importante do patrimnio do seu
titular pode circular, ainda no Direito Romano, reconheceu-se a possibilidade
de se proceder a uma novao subjectiva das obrigaes e, atravs da procuratio in
rem suam, permitiu-se ao procurador cobrar o crdito e ficar com o produto do
que houvesse recebido. No era, ainda assim, reconhecido ao terceiro a
qualidade de novo credor ou novo devedor do mesmo crdito ou da mesma
dvida.
A importncia da circularidade dos crditos, mormente para as trocas
comerciais, conduziu a um reconhecimento legal mais precoce da cesso de
crditos, que encontrou consagrao legal logo no Cdigo Civil francs de 1804
e nas codificaes por si influenciadas. A transmisso de dvidas foi acolhida no
BGB de 1896 e a cesso da posio contratual no Cdigo Civil italiano de 1942.
24.2 Formas de transmisso - a ttulo universal ou individual - de crditos e de
dbitos
A existncia de uma transmisso implica que a situao jurdica que se
transfere se mantenha, em princpio, com os mesmos acessrios e garantias e
que o obrigado goze dos mesmos meios de defesa, o que no sucede em
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crescente
no
cmputo
do
patrimnio
dos
sujeitos,
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25.2. Requisitos:
i. Validade e eficcia do negcio jurdico que determina a
transmisso do crdito, em especial a cesso de crditos
futuros;
A transmisso do crdito pode fazer-se atravs de um negcio
jurdico bilateral, como p.e. um contrato de compra e venda (art.
874.), de doao (art. 940.), de factoring (Decreto-Lei n. 171/95, de
18 de Julho), de dao pro soluto (art. 837.) ou pro solvendo (art.
840., n.2), de transmisso do crdito em garantia ou de um
contrato a favor de terceiro, com a particularidade de, neste ltimo
caso, o direito de crdito ser adquirido sem o consentimento do
cessionrio (art. 443., n.2). Admite-se tambm que o crdito seja
transmitido atravs de um negcio unilateral, nas hipteses em
que este constitua fonte de obrigaes, como acontece p.e. com a
promessa pblica.
De acordo com o disposto no art. 578., n.1, a validade e eficcia
da cesso afere-se pelas regras aplicveis ao negcio jurdico que
determina a transferncia do crdito (art. 578., n.1).
A cesso de crdito garantido por hipoteca sobre bem imvel, no
sendo feita em testamento, deve constar de escritura pblica ou
documento particular autenticado (art. 578., n.2).
O regime descrito constitui indcio claro de que cesso de crditos
no constitui uma forma de transmisso abstracta do crdito, mas
depende da existncia, validade e eficcia do negcio jurdico que
lhe serve de base. Concluso confirmada pelo facto de o devedor
cedido poder opor ao cessionrio os meios de defesa de que
dispunha relativamente ao cedente (art. 585.).
Em guisa de concluso, tal como sucede com a transmisso de
coisas, a transmisso de crditos rege-se pelo princpio da
causalidade.
Deve considerar-se vlida a cesso onerosa de crditos futuros, ou
seja, de crditos que ainda no se constituram no momento da
cesso ou que ainda no foram adquiridos pelo cedente (art. 578.
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25.3. Efeitos:
i. Entre as partes: momento da transmisso, em especial na cesso
de crditos futuros, transmisso do direito prestao e das
garantias e outros acessrios do crdito, a garantia prestada
pelo cedente, a obrigao de entrega dos documentos e outros
elementos probatrios do crdito.
O momento da transmisso do direito prestao ser tambm
determinado pelo negcio que serve de base cesso. Numa
compra e venda de um crdito, a transmisso dar-se-, em
princpio, no momento da concluso do negcio (art. 408., n.1).
Todavia, se se tratar de um crdito futuro, a transmisso s
poder ocorrer no momento em que o crdito for adquirido pelo
cedente (art. 408., n.2).
A propsito da cesso de crditos futuros, discute-se se o crdito
adquirido directamente pelo cessionrio (teoria da imediao) ou, se
16
17
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, cit., vol. II, pp. 304 e 305 [1].
MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., p. 22.
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reteno
no
pode
ser
transmitido
sem
ressarcimento
de
todos
os
prejuzos,
no
estando
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, II, cit., pp. 311 e 312.
MENEZES LEITO, Cesso de Crditos, cit., pp. 393 a 397.
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aquisitiva.
Estabelecendo
um
paralelismo
com
as
22
ASSUNO CRISTAS, A dupla venda de um crdito, O Direito, ano 132, vol. I e II, 2000, pp.
238-244.
23
ASSUNO CRISTAS, A dupla venda de um crdito, cit., pp. 235 a 238.
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Bibliografia obrigatria:
MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., pp. 15 a 32.
Bibliografia complementar:
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, vol. II, 7. edio, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 294 a
334.
ASSUNO CRISTAS, A dupla venda de um crdito, O Direito, ano 132, vol. I e II, 2000, pp. 197
e ss.
CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, Almedina, Coimbra, 1982, pp. 226 a 234.
26. Sub-rogao
26.1. Conceito e modalidades de sub-rogao. Distino relativamente cesso de
crditos e ao direito de regresso
A sub-rogao ocorre sempre que o credor recebe de terceiro a prestao a
que tem direito, sem que a obrigao se extinga pelo cumprimento, mas
antes se transmita quele que realizou a prestao ou forneceu ao devedor
os meios necessrios ao cumprimento.
Principais diferenas relativamente cesso de crditos:
a sub-rogao no se destina a fazer circular o crdito, mas a obter uma
aco de regresso a favor do terceiro que paga uma dvida alheia;
a cesso de crditos depende da existncia de um negcio jurdico
atravs do qual o credor transmita a sua posio a um terceiro, enquanto
que na sub-rogao a transmisso do crdito um efeito legal do
cumprimento por terceiro da prestao ao credor;
na cesso de crditos, o credor no tem de necessariamente receber a
prestao a que tem direito por parte de um terceiro, pois mesmo que
encontre a sua causa num negcio oneroso a contrapartida pela
transmisso do crdito no tem de coincidir com a prestao devida pelo
devedor;
sub-rogao no se aplicam os impedimentos legais relativos previstos
para a cesso de crditos nos arts. 579. e ss;
em caso de sub-rogao parcial, o regime constante do art. 593., n.2
mais favorvel ao credor do que aquele que resulta de uma cesso
parcial do crdito.
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30
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, vol. II, cit., p. 352 (1)
MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., p. 42.
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Bibliografia complementar:
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, vol. II, cit., pp. 334 a 358.
JLIO GOMES, Do pagamento com sub-rogao, mormente na modalidade de sub-rogao
voluntria, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Inocncio Galvo Telles, vol. I, Almedina,
Coimbra, 2002, pp. 107 e ss.
do devedor principal (art. 634.), mas o assuntor no, quando a mora for
posterior assuno de dvida. Na prtica, pode ser difcil determinar se
terceiro se quis obrigar como fiador ou como assuntor. Para interpretar a
vontade das partes deve ter-se em considerao se o terceiro tem um interesse
prprio na relao obrigacional ou s pretende garantir a obrigao, embora o
critrio seja pouco seguro, uma vez que se tende hoje a considerar que a
assuno cumulativa de dvida tambm pode integrar o elenco das garantias
das obrigaes.
O contrato a favor de terceiro pressupe que, por acordo estabelecido entre
promitente e promissrio, o terceiro adquira o direito a uma nova prestao,
enquanto na assuno externa, quer seja cumulativa, quer seja liberatria, o que
se d uma transmisso de uma dvida pr-existente. Por isso, o promitente
pode opor ao terceiro todos os meios de defesa emergentes do contrato
celebrado entre si e o promissrio (art. 449.), mas o novo devedor no pode
opor ao credor os meios de defesa emergentes da relao de cobertura (art.
598.).
Na novao subjectiva por substituio do devedor, extingue-se uma
obrigao para constituio de uma nova, ainda que com contedo idntico,
mas com um novo devedor. Porque se constitui uma obrigao nova, o novo
devedor no pode opor os meios de defesa oponveis pelo antigo (art. 862.) e o
credor no goza das garantias que asseguravam a antiga obrigao, na falta de
reserva expressa (art. 861.).
27.3. Requisitos: consentimento pelo credor, validade da dvida transmitida,
validade e eficcia do contrato de transmisso
A transmisso depende da celebrao de um negcio vlido e eficaz. Se o
negcio for declarado nulo ou anulado, a obrigao anterior renasce, mesmo
que a assuno fosse liberatria (art. 597.). As garantias prestadas por terceiro
s renascem se este conhecia o vcio no momento em que teve notcia da
transmisso.
Para que a dvida se transmita, mesmo sem libertao do antigo devedor,
sempre necessrio o consentimento do novo devedor e do credor, nem que
seja atravs de ratificao. O que se prescinde na assuno externa do
consentimento do antigo devedor, porque a dvida tambm se pode extinguir
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CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, cit., pp. 149 a 153, nota 2.
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28.5. Efeitos:
28.5.1. Entre as partes;
Com a cesso da posio contratual, opera-se uma transferncia da
posio jurdica contratual integral do cedente para o cessionrio.
Se se tratar de um contrato de execuo duradoura ou continuada, a
cesso s produzir efeitos para o futuro, o que significa que, na ausncia de
acordo em contrrio, o cessionrio no assume qualquer responsabilidade
relativamente s dvidas vencidas antes da cesso, mas tambm no adquire
qualquer direito aos crditos que j sejam exigveis data.
No que respeita transmisso da faculdade de anulao do contrato
com base num vcio da vontade verificado na pessoa do cedente, deve
entender-se que s o cedente, mesmo aps a cesso, tem legitimidade para
requerer a invalidao do negcio, por ter sido em seu interesse que a
anulabilidade foi estabelecida (art. 287.). Como bem conclui CARLOS MOTA
PINTO36, sendo a anulabilidade uma consequncia dum vcio intrnseco do
negcio, o direito de a invocar est integrado no momento gentico do
contrato e no dever, assim, transmitir-se para o cessionrio, salvo
estipulao em contrrio que no pode presumir-se implcita no negcio de
cesso. O facto de o cedente poder requerer a anulao do contrato, com
base em erro, dolo ou coaco, aps a cesso, no significa que este no
venha a ser obrigado a indemnizar o cessionrio pelos prejuzos sofridos
com a invalidao.
O cedente s garante ao cessionrio a existncia da posio contratual
transmitida, nos termos aplicveis, ao negcio gratuito ou oneroso que
constitua a causa da cesso. A garantia do cumprimento das obrigaes
emergentes do contrato s existe se for convencionada (art. 426.). As partes
tanto podem convencionar que o cedente responde solidariamente com o
cedido ou como fiador com ou sem benefcio da excusso prvia. Em caso de
dvida sobre a garantia pessoal que concretamente foi prestada, pode
entender-se que se trata de uma responsabilidade subsidiria, exigvel logo
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CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, cit., pp. 495 e ss.
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CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, cit., pp. 517 e 518.
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