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Guião CNCO - 2. Parte - Cumprimento e Não Cumprimento Das Obrigações

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Guio de Cumprimento e No Cumprimento das Obrigaes

Ano lectivo 2016-2017


Ana Taveira da Fonseca

Parte II
Transmisso de crditos e de dvidas
24. Introduo:
24.1. O carcter patrimonial dos crditos e dbitos e a consequentemente
possibilidade de transmisso dos mesmos
A possibilidade de crditos e dbitos serem transmitidos a sujeitos
diferentes daqueles que eram os seus titulares iniciais constitui uma
consequncia do seu carcter patrimonial. No Direito Romano, enquanto a
dvida foi entendida como um vnculo de natureza pessoal, os crditos e os
dbitos no podiam ser logicamente transmitidos a no ser a ttulo universal
mortis causa, por se entender que existia a uma continuao personalidade do
de cujus e no uma verdadeira transmisso.
Por a susceptibilidade de transmisso de crditos e dvidas a ttulo
singular constituir garantia de que parte importante do patrimnio do seu
titular pode circular, ainda no Direito Romano, reconheceu-se a possibilidade
de se proceder a uma novao subjectiva das obrigaes e, atravs da procuratio in
rem suam, permitiu-se ao procurador cobrar o crdito e ficar com o produto do
que houvesse recebido. No era, ainda assim, reconhecido ao terceiro a
qualidade de novo credor ou novo devedor do mesmo crdito ou da mesma
dvida.
A importncia da circularidade dos crditos, mormente para as trocas
comerciais, conduziu a um reconhecimento legal mais precoce da cesso de
crditos, que encontrou consagrao legal logo no Cdigo Civil francs de 1804
e nas codificaes por si influenciadas. A transmisso de dvidas foi acolhida no
BGB de 1896 e a cesso da posio contratual no Cdigo Civil italiano de 1942.
24.2 Formas de transmisso - a ttulo universal ou individual - de crditos e de
dbitos
A existncia de uma transmisso implica que a situao jurdica que se
transfere se mantenha, em princpio, com os mesmos acessrios e garantias e
que o obrigado goze dos mesmos meios de defesa, o que no sucede em
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fenmenos de novao subjectiva da obrigao, ainda que o novo direito seja


moldado imagem e semelhana do primeiro.
A transmisso a ttulo universal pode dar-se tanto inter vivos (ex.: fuso de
sociedades) como mortis causa (art. 2024.)
A modificao subjectiva a ttulo individual ou singular tanto pode
restringir-se ao crdito/ titularidade activa da obrigao, como sucede na cesso
de crditos (arts. 577. e ss.) e na sub-rogao (arts. 589. e ss.), como ao
dbito/titularidade passiva da obrigao, como acontece na assuno de dvidas
(arts. 595 e ss.). Pode tambm ter origem na transmisso global de uma posio
numa relao obrigacional complexa, como acontece na cesso da posio
contratual (arts. 424. e ss.).
Claro est que a identidade da obrigao mais ntida na sucesso
universal mortis causa do que, por exemplo, na assuno liberatria de dvida,
porquanto na primeira, por fora da separao patrimonial prevista no art.
2070., a obrigao garantida pela mesma universalidade de bens, enquanto
na segunda no s se altera o devedor e, consequentemente, o patrimnio que
responde pela dvida, como se extinguem as garantias prestadas por terceiro ou
pelo antigo devedor que no tenha consentido na transmisso (art. 599.).
25. Cesso de crditos:
25. 1. Cesso de crditos: exemplos, noo e importncia prtica
A cesso de crditos pode tambm ser definida como a transmisso total
ou parcial a ttulo individual de um direito de crdito do credor (cedente) para
um terceiro (cessionrio) atravs de negcio jurdico.
Por vezes, tambm se recorre expresso cesso de crditos para designar
a fonte que, em concreto, desencadeia a transmisso do crdito.
Num tempo em que a titularidade de direitos de crdito assume uma
importncia

crescente

no

cmputo

do

patrimnio

dos

sujeitos,

susceptibilidade de as posies jurdicas creditcias activas poderem ser


transmitidas assume uma relevncia prtica ainda maior. A cesso de crditos
est na base de muitas operaes que sero desenvolvidas em outras
disciplinas, como a cesso financeira de crditos (factoring) ou cesso de crditos
para efeitos de titularizao.

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25.2. Requisitos:
i. Validade e eficcia do negcio jurdico que determina a
transmisso do crdito, em especial a cesso de crditos
futuros;
A transmisso do crdito pode fazer-se atravs de um negcio
jurdico bilateral, como p.e. um contrato de compra e venda (art.
874.), de doao (art. 940.), de factoring (Decreto-Lei n. 171/95, de
18 de Julho), de dao pro soluto (art. 837.) ou pro solvendo (art.
840., n.2), de transmisso do crdito em garantia ou de um
contrato a favor de terceiro, com a particularidade de, neste ltimo
caso, o direito de crdito ser adquirido sem o consentimento do
cessionrio (art. 443., n.2). Admite-se tambm que o crdito seja
transmitido atravs de um negcio unilateral, nas hipteses em
que este constitua fonte de obrigaes, como acontece p.e. com a
promessa pblica.
De acordo com o disposto no art. 578., n.1, a validade e eficcia
da cesso afere-se pelas regras aplicveis ao negcio jurdico que
determina a transferncia do crdito (art. 578., n.1).
A cesso de crdito garantido por hipoteca sobre bem imvel, no
sendo feita em testamento, deve constar de escritura pblica ou
documento particular autenticado (art. 578., n.2).
O regime descrito constitui indcio claro de que cesso de crditos
no constitui uma forma de transmisso abstracta do crdito, mas
depende da existncia, validade e eficcia do negcio jurdico que
lhe serve de base. Concluso confirmada pelo facto de o devedor
cedido poder opor ao cessionrio os meios de defesa de que
dispunha relativamente ao cedente (art. 585.).
Em guisa de concluso, tal como sucede com a transmisso de
coisas, a transmisso de crditos rege-se pelo princpio da
causalidade.
Deve considerar-se vlida a cesso onerosa de crditos futuros, ou
seja, de crditos que ainda no se constituram no momento da
cesso ou que ainda no foram adquiridos pelo cedente (art. 578.
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e 893.), mas j no a cesso a ttulo gratuito (art. 578. e 942.,


n.1). No deve ser includa na noo de crditos futuros, a cesso
de um crdito que j existe, mas ainda no exigvel data da
cesso.
ii. Susceptibilidade de o direito de crdito ser cedido: a
inexistncia de impedimentos legais ou contratuais
transmisso do crdito e impossibilidade de cesso de
crditos ligados pessoa do credor, em virtude da
natureza da prestao;
Para que a cesso possa operar necessrio que o crdito possa ser
cedido. Embora seja essa a regra, h impedimentos que impossibilitam a
cesso:
Por encontrarem a sua fonte imediata na lei, devem comear por
analisar-se os impedimentos legais. Devem distinguir-se os
impedimentos legais absolutos, caso em que o crdito no pode ser
cedido a qualquer outra pessoa ex: o direito de preferncia (art.
420.) ou o direito a alimentos (art. 2008.) - dos impedimentos legais
relativos, por s obstaculizarem a que o crdito seja cedido a
determinadas pessoas, como acontece com os crditos litigiosos,
que o legislador no quer que sejam cedidos a pessoas que directa
ou indirectamente possam influenciar o resultado do processo
onde esto a ser contestados (art. 579., n.1). A proibio tambm
abrange a cesso feita por interposta pessoa aos sujeitos inibidos
(art. 579., n.2). Apesar de, mesmo neste ltimo caso, a cesso ser
nula, a nulidade no pode ser invocada pelo cessionrio (art. 580.,
n.2) O impedimento cessa nas hipteses em que o legislador
entende existir um interesse objetivo na aquisio do crdito
litigioso pelo cessionrio que estaria, partida, inibido de o fazer
(art. 581.).
H ainda um conjunto de situaes em que se considera estar o
crdito, em virtude da prpria natureza da prestao, ligado
pessoa do credor, que no se pode exigir ao devedor que, sem o

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seu consentimento, realize a prestao a outra pessoa ex: direito


de crdito prestao de um servio de natureza pessoal.
Ao lado destes, podem identificar-se os impedimentos convencionais
que encontram a sua fonte num acordo estabelecido entre credor e
devedor (pactum de non cedendo) art. 577., n.2. A conveno
como qualquer contrato s vincula em princpio as partes (art.
406., n.2), tendo o legislador optado por tornar oponvel o pactum
de non cedendo aos cessionrios de m-f, entendendo-se por m f
o conhecimento do acordo no momento da cesso. Ao contrrio de
ANTUNES VARELA16 que defende que, existindo um pactum de non
cedendo, o crdito fica fora do comrcio jurdico e o negcio de
cesso deve ser considerado nulo, podendo a nulidade ser arguida
por qualquer interessado (art. 286.), incluindo os credores do
cedente (art. 605.), MENEZES LEITO17 entende que s devedor
pode invocar o incumprimento do pactum de non cedendo e quando
o cessionrio estiver de m-f.

25.3. Efeitos:
i. Entre as partes: momento da transmisso, em especial na cesso
de crditos futuros, transmisso do direito prestao e das
garantias e outros acessrios do crdito, a garantia prestada
pelo cedente, a obrigao de entrega dos documentos e outros
elementos probatrios do crdito.
O momento da transmisso do direito prestao ser tambm
determinado pelo negcio que serve de base cesso. Numa
compra e venda de um crdito, a transmisso dar-se-, em
princpio, no momento da concluso do negcio (art. 408., n.1).
Todavia, se se tratar de um crdito futuro, a transmisso s
poder ocorrer no momento em que o crdito for adquirido pelo
cedente (art. 408., n.2).
A propsito da cesso de crditos futuros, discute-se se o crdito
adquirido directamente pelo cessionrio (teoria da imediao) ou, se
16
17

ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, cit., vol. II, pp. 304 e 305 [1].
MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., p. 22.
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em termos lgicos, o crdito passa, em primeiro lugar, pela esfera


jurdica do cedente e se transfere automaticamente para o
cessionrio (teoria da transmisso). A soluo tem implicaes
prticas evidentes, porquanto a teoria da imediao implica que a
posio jurdica do cessionrio deixe de estar limitada pela
posio jurdica do cedente.
ANTUNES VARELA18 considera que, nos casos em que os crditos
futuros tm na base uma relao contratual duradoura j
constituda data do contrato de cesso, o crdito nasce
directamente na titularidade do cessionrio.
Segundo VAZ SERRA, CARLOS MOTA PINTO e MENEZES LEITO19,
deve adoptar-se a doutrina da transmisso, pois os pressupostos de
aquisio do crdito futuro devem verificar-se na pessoa do
cedente e no do cessionrio, pelo que este ltimo s adquirir o
direito na medida em que o cedente, sem cesso, o tivesse
adquirido. Por exemplo, cesso do direito s rendas devidas pela
locao de um determinado bem no oponvel ao credor
exequente do locador relativamente quelas que se venam depois
da penhora (art. 821.), nem ao sucessor entre vivos do locador,
relativamente s rendas que se venham a vencer depois da
transmisso da propriedade (art. 1058.), o que constitui um sinal
claro de que os crditos, em termos lgicos, nascem na esfera do
cedente e, por isso, s podem ser cedidos se o cedente tiver a essa
data a disponibilidade deles.
Por isso, tambm, quando o art. 585. determina que o devedor
no pode invocar as excepes que provenham de facto posterior
ao conhecimento da cesso, no se est a referir cesso de
crditos futuros, mas quelas hipteses em que a excepo se
constitui depois do conhecimento de uma cesso de crdito eficaz.
A posio jurdica do cedente tem, na cesso de crditos futuros,
de limitar a posio jurdica do cessionrio, sob pena de, atravs
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, II, cit., pp. 317 e 318. Acolhendo nas suas grandes
linhas a posio de ANTUNES VARELA, v. PESTANA DE VASCONCELOS, A Cesso de Crditos em
Garantia e a Insolvncia, Em Particular da Posio do Cessionrio na Insolvncia do Cedente, Coimbra,
2007, pp. 467 e ss.
19 MENEZES LEITO, Cesso de Crditos, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 421 e ss.
18

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da cesso de um crdito futuro, se frustrarem as legtimas


expectativas do devedor cedido.
A cesso opera uma aquisio derivada pelo cessionrio do
crdito detido pelo cedente, o que implica que se transmitam
igualmente:
as garantias que no sejam inseparveis da pessoa do
cedente (art. 582., n,1), salvo se este as estiver
reservado no momento da cesso, caso em que haver
uma extino das mesmas.
O direito de reteno tem sido qualificado como
intimamente ligado pessoa do cedente, por garantir o
cumprimento de um crdito que se encontra em estreita
conexo com uma dvida que tem por objecto a
restituio de coisa de que o cedente o devedor. A
cesso de crditos no , por isso, de per si suficiente
para assegurar a transmisso do direito de reteno,
antes se exigindo um acordo expresso entre cedente e
cessionrio que tenha por objecto a transmisso da
garantia, sob pena de esta caducar (art. 760.). Assim, se
o mecnico que se recusa a entregar o carro at que o
preo da reparao seja pago (art. 754.), pode ceder o
crdito ao preo a um terceiro (art. 577.), mas o direito
de

reteno

no

pode

ser

transmitido

sem

consentimento expresso do cedente e cessionrio (art.


760.).
Se a coisa empenhada estiver na posse do cedente,
dever ser entregue ao cessionrio (art. 582., n.2),
aplicando-se soluo idntica ao direito de reteno por
fora das remisses constantes dos arts. 758. e 759.,
n.3;
os acessrios do crdito, como juros vincendos ou
clusulas penais (art. 582., n.1).
O cedente garante a existncia e exigibilidade do crdito, mas no
a solvncia do devedor, salvo conveno em contrrio (art. 587.).
No caso de garantir a solvncia e o devedor cedido for declarado
insolvente, o cessionrio tem direito de exigir ao cedente o
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ressarcimento

de

todos

os

prejuzos,

no

estando

responsabilidade do cedente limitada ao valor que recebeu pela


cesso ou dito de outra forma restituio do que recebeu do
cessionrio.
O cedente fica obrigado a entregar os documentos e outros
elementos probatrios do crdito (art. 586.), por forma a permitir
ao cessionrio cobrar o crdito que adquiriu.
ii. Em relao ao devedor cedido: oponibilidade da cesso ao devedor
aps a notificao ou aceitao da cesso pelo devedor. O
conhecimento da cesso pelo devedor antes da notificao ou da
aceitao. Meios de defesa oponveis pelo devedor.
Apesar de a transmisso do crdito no depender da notificao,
muito menos da aceitao, do devedor, para que esta lhe seja
oponvel necessrio que haja uma notificao ou aceitao da
cesso (art. 583.). A notificao e a aceitao no s no esto
sujeitas a forma (art. 219.), como tm somente um efeito
consolidativo e no constitutivo do direito do cessionrio. No
existindo notificao ou aceitao, o cessionrio tem de provar a
m-f do devedor para que esta lhe seja oponvel, consistindo
aquela no conhecimento da cesso. ASSUNO CRISTAS considera
que, nas hipteses de desconhecimento culposo, a cesso
tambm oponvel ao devedor cedido. A realizao da prestao
pelo devedor de boa-f ao cedente (credor aparente) tem eficcia
exoneratria relativamente ao primeiro, podendo o cessionrio
socorrer-se da aco de enriquecimento sem causa contra ao
cedente.
Como a cesso no consentida pelo devedor cedido, este no
pode ficar numa situao pior do que aquela em que estaria se a
cesso no tivesse existido, da que o art. 585. determine que o
devedor pode opor ao cessionrio todos os meios de defesa que
lhe era lcito invocar contra o cedente, antes de a cesso produzir
efeitos relativamente a ele.
iii. Relativamente a outros terceiros: em especial o problema
da dupla cesso de um crdito.
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A cesso oponvel a outros terceiros, em regra, no momento em


que produz efeitos entre as partes, o que implica que os credores
do cedente deixem de poder penhorar o crdito e os do
cessionrio j contem com ele no patrimnio deste.
Existindo, contudo, uma dupla cesso do mesmo crdito, a
prioridade entre cessionrios deve ser estabelecida pela prioridade
da notificao ou aceitao pelo devedor (art. 584.). A notificao
tem, pois, um efeito consolidativo do direito do cessionrio,
porque o torna no s oponvel ao devedor cedido como a
terceiros a quem o mesmo crdito seja cedido a non domino. A
dvida que se levanta a este propsito prende-se com a
compatibilizao desta soluo com o art. 583., n.2 que atribui
relevncia ao conhecimento da cesso pelo devedor cedido.
De acordo com a posio expressa por ANTUNES VARELA20, o art.
584. teria por fito acautelar os interesses de terceiros e estabelecer
a quem poderia o devedor cedido pagar com segurana, sendo,
por conseguinte, irrelevante o conhecimento da primeira cesso
pelo devedor cedido ou pelo segundo cessionrio.
Segundo MENEZES LEITO21, quando o segundo cessionrio o
primeiro a notificar o devedor cedido, esta a cesso que deve
prevalecer mesmo que este ltimo tenha conhecimento da anterior
cesso. Se no houver notificao de nenhuma das cesses, no
pode o devedor cedido, contudo, aceitar a segunda cesso e
pretender liberta-se da dvida cumprimento perante o segundo
cessionrio, quando tem conhecimento da primeira cesso. O
autor interpreta, pois, restritivamente o art. 584. para concluir que
a aceitao da cesso s constitui critrio para escolha do
cessionrio a quem o devedor deve realizar a prestao, quando
este desconhece a primeira cesso, porquanto soluo diversa
permitiria chegar a um resultado fraudulento.
Para ASSUNO CRISTAS, a primeira cesso considerar-se- ope legis
resolvida na hiptese em que h uma segunda cesso do mesmo
crdito a um cessionrio de boa-f que notifica em primeiro lugar
20
21

ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, II, cit., pp. 311 e 312.
MENEZES LEITO, Cesso de Crditos, cit., pp. 393 a 397.
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o devedor, tambm ele de boa-f. Para a autora, s se justificar a


aquisio pelo segundo cessionrio se este estiver de boa-f, pelo
que s nessa hiptese poder a notificao desempenhar uma
funo

aquisitiva.

Estabelecendo

um

paralelismo

com

as

aquisies a non domino primeiramente registadas, defende que,


tal como na venda de uma coisa sujeita a registo o registo
prioritrio no suficiente para que o terceiro adquira a non
domino e exista a resoluo ex lege do primeiro negcio, tambm a
notificao no suficiente para que o segundo cessionrio possa
adquirir o crdito. Contudo, para proteco do devedor cedido, o
pagamento ao segundo cessionrio deve ser considerado
exoneratrio se este for primeiro notificado da segunda cesso
(art. 584.) e desconhecer sem culpa o negcio translativo anterior.
Todavia, como, segunda a autora, o segundo cessionrio no pode
adquirir a non domino se estiver de m-f, pode ser intentada uma
aco de enriquecimento sem causa contra ele pelo primeiro
cessionrio22. Ainda segundo ASSUNO CRISTAS, assim como o
devedor cedido no pode pagar ao cedente quando tiver
conhecimento da cesso (art. 583., n.2), a partir do momento em
que aquele tem conhecimento da primeira cesso deixa de poder
pagar ao segundo cessionrio mesmo que este esteja de boa-f e o
notifique em primeiro lugar da cesso23.
Temos dvidas que o paralelismo possa ser estabelecido, porque a
soluo do art. 583., n.2 justifica-se exactamente por o cedente
estar de m-f. Parece-nos duvidoso que, estando o segundo
cessionrio de boa-f e notificando primeiro o devedor cedido,
este se possa/deva recusar-se a pagar porque conhece a primeira
cesso (cfr. soluo constante do art. 5:121 do DCFR). Deve
tambm salientar-se que, tendo o devedor cedido dvidas
legtimas relativamente titularidade do direito de crdito, pode
sempre socorrer-se da consignao em depsito para extinguir a
obrigao (art. 841., n.1, al. a), ltima parte).

22

ASSUNO CRISTAS, A dupla venda de um crdito, O Direito, ano 132, vol. I e II, 2000, pp.
238-244.
23
ASSUNO CRISTAS, A dupla venda de um crdito, cit., pp. 235 a 238.
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Bibliografia obrigatria:
MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., pp. 15 a 32.
Bibliografia complementar:
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, vol. II, 7. edio, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 294 a
334.
ASSUNO CRISTAS, A dupla venda de um crdito, O Direito, ano 132, vol. I e II, 2000, pp. 197
e ss.
CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, Almedina, Coimbra, 1982, pp. 226 a 234.

26. Sub-rogao
26.1. Conceito e modalidades de sub-rogao. Distino relativamente cesso de
crditos e ao direito de regresso
A sub-rogao ocorre sempre que o credor recebe de terceiro a prestao a
que tem direito, sem que a obrigao se extinga pelo cumprimento, mas
antes se transmita quele que realizou a prestao ou forneceu ao devedor
os meios necessrios ao cumprimento.
Principais diferenas relativamente cesso de crditos:
a sub-rogao no se destina a fazer circular o crdito, mas a obter uma
aco de regresso a favor do terceiro que paga uma dvida alheia;
a cesso de crditos depende da existncia de um negcio jurdico
atravs do qual o credor transmita a sua posio a um terceiro, enquanto
que na sub-rogao a transmisso do crdito um efeito legal do
cumprimento por terceiro da prestao ao credor;
na cesso de crditos, o credor no tem de necessariamente receber a
prestao a que tem direito por parte de um terceiro, pois mesmo que
encontre a sua causa num negcio oneroso a contrapartida pela
transmisso do crdito no tem de coincidir com a prestao devida pelo
devedor;
sub-rogao no se aplicam os impedimentos legais relativos previstos
para a cesso de crditos nos arts. 579. e ss;
em caso de sub-rogao parcial, o regime constante do art. 593., n.2
mais favorvel ao credor do que aquele que resulta de uma cesso
parcial do crdito.

Principais diferenas relativamente ao direito de regresso:


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ainda que a eliminao do empobrecimento injustificado do solvens


constitua escopo comum das duas figuras, como no cumprimento
efectuado pelo devedor solidrio ao credor no se est perante uma
situao em que um sujeito realiza uma prestao a que no est
vinculado, a obrigao extingue-se e o que nasce na sua esfera jurdica
um novo direito relativamente aos outros co-obrigados;
como o direito de regresso constitui um novo direito, os meios de defesa
que so oponveis pelos devedores de regresso ao credor de regresso (art.
525.) so diversos daqueles que o devedor pode opor ao sub-rogado (art.
585. por analogia);
o direito do credor de regresso no goza das mesmas garantias de que
gozava o crdito extinto, quando o sub-rogado goza das mesmas
garantias de que gozava o credor (art. 594. que remete para o disposto
no art. 582.);

26.2. Sub-rogao pelo credor


A sub-rogao pelo credor pressupe, de acordo com o disposto no art. 589.:
a) que um terceiro realize a prestao devida pelo devedor se o terceiro s
realizar parte da prestao e o credor quiser transmitir a totalidade do
crdito, deve entender-se que se est perante uma operao mista de
sub-rogao e de cesso24;
b) a existncia de declarao expressa do credor a determinar a sub-rogao at ao
momento do cumprimento por terceiro a declarao tem de ser expressa,
mas no est sujeita a forma (art. 219.), mas se esta for emitida depois do
cumprimento, a obrigao extingue-se e o devedor fica libertado, posto
que se entende que prejudicaria os credores do devedor e os garantes,
repristinar uma obrigao extinta.
26.3. Sub-rogao pelo devedor e em consequncia de emprstimo efetuado ao
devedor

JLIO GOMES, Do pagamento com sub-rogao, mormente na modalidade de sub-rogao


voluntria, cit., p. 162.
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A sub-rogao pelo devedor pressupe, de acordo com o disposto no art. 590.:


a) que um terceiro realize a prestao devida pelo devedor;
b) a existncia de declarao expressa do devedor a determinar a sub-rogao at ao
momento do cumprimento por terceiro - a possibilidade de o devedor
dispor/transmitir um direito crdito de que no titular com
manuteno das garantias mesmo que prestadas por outrem justifica-se
por poder constituir um incentivo a que um terceiro aceite pagar uma
dvida alheia no ficando os garantes mais onerados do que j se
encontravam.
A sub-rogao em consequncia de emprstimo efectuado ao devedor, prevista
no art. 591. pressupe que:
a) haja um cumprimento feito pelo devedor com dinheiro ou outra coisa fungvel de
terceiro;
b) exista uma declarao expressa do devedor no documento de emprstimo a
determinar a sub-rogao ao contrrio do que sucede noutras ordens
jurdicas, no exige que conste do documento de quitao entregue pelo
credor ao devedor a origem do dinheiro ou coisa fungvel utilizada para o
cumprimento, o que no caso de o devedor ter pedido vrios emprstimos de
coisas fungveis e sub-rogado todos os mutuantes pode dificultar a
identificao do sub-rogado.
Discute-se se, aps a sub-rogao, o crdito original do muturio se extingue
e substitudo pelo crdito adquirido atravs da sub-rogao ou se, como
defende JLIO GOMES25, o credor permanece na titularidade dos dois crditos
- o que deriva do emprstimo e o que consequncia da sub-rogao - e
depois opta por aquele que quer exercer.
Segundo JLIO GOMES26, o escopo da sub-rogao pelo pagamento o de
evitar um empobrecimento injustificado do solvens fora dos casos de subrogao legal. Todavia, como a sub-rogao voluntria depende, entre ns,
de declarao expressa, no correcto, na opinio do autor, invocar o
enriquecimento sem causa para obter um efeito sub-rogatrio que no foi
JLIO GOMES, Do pagamento com sub-rogao, mormente na modalidade de sub-rogao
voluntria, cit., pp. 125 e ss.
26 JLIO GOMES, Do pagamento com sub-rogao, mormente na modalidade de sub-rogao
voluntria, cit., p. 112.
25

61

Guio de Cumprimento e No Cumprimento das Obrigaes


Ano lectivo 2016-2017
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concedido e, por vezes, no foi sequer solicitado, o que no significa que,


no existindo animus donandi, o terceiro no possa ter agido como gestor de
negcios e, com esse fundamento, ser ressarcido27.

26.4. Sub-rogao legal:


A sub-rogao no depende, contudo, de uma declarao do credor ou do
devedor se o terceiro que realiza a prestao tiver garantido o cumprimento
ou estiver de qualquer outra forma interessado na satisfao do crdito (art.
592.).
O terceiro que realiza a prestao tem, pois, de ter garantido o cumprimento
daquela obrigao ou provar que tem um interesse directo no cumprimento,
como sucede na hiptese de este ser necessrio para acautelar o prprio
direito. Por exemplo, o subarrendatrio que decide pagar a renda ao
senhorio para evitar a resoluo do contrato de arrendamento e consequente
caducidade do subarrendamento (art. 1089.) tem um interesse directo na
satisfao do crdito.
De acordo com a posio expressa por MENEZES LEITO28, a sub-rogao
pressupe a existncia de um interesse prprio do solvens com contedo
econmico prtico e no meramente jurdico, muito menos moral ou
afectivo. A posio assumida pelo autor implica, por conseguinte, que o
cumprimento por gestor de negcios ou por administrador de interesses
alheios com bens prprios seus no determine a transmisso do direito de
crdito por sub-rogao, muito menos o pagamento da dvida do filho pelo
pai para salvaguardar o bom-nome da famlia.
26.5. Efeitos da sub-rogao: entre as partes, relativamente ao devedor e a terceiros
Com a sub-rogao, o crdito transmite-se ao terceiro se e na medida em que
o credor tiver recebido a prestao a que tem direito, o que implica que:

JLIO GOMES, Do pagamento com sub-rogao, mormente na modalidade de sub-rogao


voluntria, cit., p. 121.
28 MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., pp. 39 e 40.
27

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Ano lectivo 2016-2017
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a sub-rogao no possa confundir-se com a transmisso da posio


contratual, pelo que se o crdito transmitido emergir de um contratobilateral o terceiro sub-rogado no responde pela prestao devida
pela parte contratual a quem realizou a prestao. Assim, se o credor
do preo for devedor da entrega da coisa e esta apresentar um
defeito, o credor da entrega da coisa, devedor do preo, no pode
exigir ao sub-rogado que expurgue o vcio.
Se o terceiro no paga a totalidade da dvida, s parte do crdito
que se transmite, passando o devedor a ter dois credores: o credor
originrio e o terceiro sub-rogado. O credor originrio, em caso de
insolvncia do devedor, tem preferncia relativamente ao subrogado. Como o credor poderia ter recusado a oferta parcial da
prestao proposta pelo terceiro (art. 763.), no pode ficar
prejudicado relativamente ao sub-rogado (art. 593., n.2). A
preferncia no se aplica se existir mais do que um terceiro subrogado (art. 593., n.3).
Para alm do crdito, transmitem-se todas as garantias e acessrios
deste (art. 594. - art. 582.). Se a sub-rogao for parcial a garantia
passa a assegurar ambos os crditos, ainda que com preferncia do
credor originrio.
No que respeita possibilidade de o devedor opor ao sub-rogado os
meios de defesa que podia opor ao credor antes da sub-rogao,
deve entender-se que, apesar de o art. 594. no remeter para o art.
585., o devedor no pode ficar prejudicado pela transmisso do
crdito, pelo que a mesma regra deve ser aplicada por analogia.
ANTUNES VARELA29 e MENEZES LEITO30 defendem, contudo, que, nas
hipteses em que a sub-rogao opera por declarao do devedor, j
no tem sentido que ele mantenha as excepes que podia opor ao
credor anterior ou originrio, a menos que as tivesse comunicado ao
terceiro antes da sub-rogao.
Questiona-se se, existindo uma sub-rogao, se transmite o direito
resoluo do contrato por incumprimento do direito transmitido.

29
30

ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, vol. II, cit., p. 352 (1)
MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., p. 42.
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Guio de Cumprimento e No Cumprimento das Obrigaes


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Segundo JLIO GOMES31, o vendedor que recebeu o preo do terceiro


sub-rogado deixa de ter interesse em resolver o contrato por falta de
pagamento, pelo que quando essa faculdade assiste ao vendedor, ela
deve ser transmitida ao terceiro sub-rogado no direito ao pagamento
do preo.
Sem notificao, aceitao ou conhecimento da sub-rogao pelo devedor, o
pagamento realizado por este ltimo ao credor originrio (credor aparente)
considerado liberatrio, por fora da remisso para o art. 583. constante
do art. 594..
Em caso de dupla sub-rogao do mesmo crdito, deve aplicar-se o regime
previsto para a cesso de crditos, porquanto o art. 594. tambm remete
para o disposto no art. 584.. Relativamente aos demais terceiros, a
transmisso do crdito por via da sub-rogao torna-se eficaz no momento
em que esta produz efeitos entre as partes.
26.6. A natureza jurdica da sub-rogao
Somos de opinio que, atravs do cumprimento de terceiro com subrogao, o direito de crdito no se extingue e nasce na espera jurdica do
solvens um novo direito que goza das mesmas garantias do extinto, porquanto
dificilmente se poderia distinguir o instituto da novao com manuteno das
garantias. Em todas as hipteses de sub-rogao, estamos perante um fenmeno
de transmisso legal, e no voluntria, de um direito de crdito em virtude do
cumprimento realizado por terceiro ou com meios disponibilizados por este,
porque a transmisso do crdito no encontra a sua fonte na declarao do
credor ou do devedor, mas na lei que estabelece como pressupostos dessa
transmisso o cumprimento por terceiro e, nas hipteses de sub-rogao
voluntria, a declarao do credor ou do devedor32, o que significa que ao
credor no exigida capacidade de exerccio de direitos para efectuar a subrogao.
Bibliografia obrigatria:
MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., pp. 33 a 46.
JLIO GOMES, Do pagamento com sub-rogao, mormente na modalidade de sub-rogao
voluntria, cit., p. 158.
32
JLIO GOMES, Do pagamento com sub-rogao, mormente na modalidade de sub-rogao
voluntria, cit., pp. 129 e ss.
31

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Bibliografia complementar:
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, vol. II, cit., pp. 334 a 358.
JLIO GOMES, Do pagamento com sub-rogao, mormente na modalidade de sub-rogao
voluntria, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Inocncio Galvo Telles, vol. I, Almedina,
Coimbra, 2002, pp. 107 e ss.

27. Transmisso singular de dvidas:


27.1. Noo e classificaes: assuno interna vs. assuno externa, assuno
cumulativa vs. assuno liberatria de dvida.
A assuno de dvida verifica-se sempre que existe uma transmisso a
ttulo individual de uma dvida operada atravs de um negcio jurdico
celebrado com terceiro.
Na assuno interna, a transmisso da dvida d-se por contrato entre o
antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor (art. 595., n.1, al. a). A
ratificao, no s no est sujeita a forma (art. 219.), como pode resultar de
uma declarao tcita (art. 217.), e no se confunde com o consentimento do
credor para a libertao do antigo devedor (art. 595., n.2). Sem a ratificao o
contrato no eficaz perante o credor, pelo que o novo devedor no fica
vinculado perante o primeiro. Isto mesmo justifica que at ratificao o
contrato entre antigo e novo devedor possa ser distratado, assim como fixado
um prazo por qualquer um deles para o credor ratificar a transmisso, sob pena
de esta se considerar recusada (art. 596.). Discute-se se, aps a ratificao, a
transmisso produz efeitos data da celebrao do contrato ou s para o futuro.
Na assuno externa, a transmisso da dvida opera por contrato entre o
novo devedor e o credor, com ou sem o consentimento do antigo devedor (art.
595., n.1, al. b). A falta de consentimento do antigo devedor na assuno
cumulativa no suscita dvidas, na liberatria compagina-se mal com o facto de
a remisso ter natureza contratual (art. 863., n.1). Todavia, assim como o
devedor no pode recusar a sua liberao por terceiro, quando o credor aceita a
prestao oferecida (arts. 767. e 768.), no pode impedir a assuno liberatria.
A assuno cumulativa pressupe que o antigo devedor continue
solidariamente obrigado para com o novo perante o credor, ainda que a
transmisso da dvida determine que o novo devedor, se for o demandado, no
tem, em princpio, direito de regresso sobre o antigo e, por isso, se refere a este
propsito que a solidariedade imperfeita. Nas relaes externas, a
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solidariedade possibilita ao credor exigir de qualquer dos dois o cumprimento


da obrigao. As relaes internas entre co-obrigado no se regem pelo art.
516., mas so reguladas pelo contrato que serve de base assuno, o que
significa que, como dvida se transmitiu, na falta de acordo, s o antigo devedor
gozar de direito de regresso. Por outro lado, os meios de defesa que o novo
devedor pode invocar contra o credor so diversos (art. 598.) daqueles que o
devedor solidrio demandado pode invocar contra o credor (art. 514., n.1).
A assuno liberatria pressupe que o credor tenha expressamente
consentido na libertao do antigo devedor (art. 595., n.2). O credor pode,
contudo, ao libertar o antigo devedor, ressalvar a sua responsabilidade em caso
de insolvncia do novo (art. 600.), mas a responsabilidade do novo devedor
subsidiria e no solidria como acontece na assuno cumulativa. A declarao
tem de ser expressa, pelo no basta a ratificao da assuno interna e o
contrato na assuno externa para libertar o antigo devedor. O credor no pode
ver o devedor substitudo sem uma declarao segura de que concorda com a
modificao subjectiva da obrigao.
Se a assuno liberatria for invalidada a responsabilidade do anterior
devedor renasce, ainda que se considerem extintas as garantias prestadas por
terceiro, excepto se este tinha conhecimento do vcio no momento em que teve
conhecimento da transmisso (art. 597.).
27.2. Distino de figuras afins como a promessa de liberao de uma dvida, a
fiana, o contrato a favor de terceiro e a novao
Na promessa de liberao de uma dvida, o terceiro obriga-se perante o
devedor a desoner-lo de uma obrigao, efectuando a prestao em seu lugar,
no tendo, contudo, o credor o direito a exigir a realizao da prestao, porque
no se trata de um contrato a favor terceiro (art. 444., n.3), enquanto na
assuno de dvida o credor pode exigir do novo devedor o cumprimento da
obrigao.
O fiador assume a posio de garante de uma dvida alheia, enquanto na
assuno de dvida, mesmo na cumulativa, o assuntor torna-se um devedor
principal, o que determina que: i) se o fiador pagar fica sub-rogado nos direitos
do credor (art. 644.), enquanto se o assuntor se realizar a prestao ao credor
no s no fica sub-rogado, como no goza, em princpio, de direito de
regresso, porque a solidariedade imperfeita; ii) o fiador responde pela mora
66

Guio de Cumprimento e No Cumprimento das Obrigaes


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do devedor principal (art. 634.), mas o assuntor no, quando a mora for
posterior assuno de dvida. Na prtica, pode ser difcil determinar se
terceiro se quis obrigar como fiador ou como assuntor. Para interpretar a
vontade das partes deve ter-se em considerao se o terceiro tem um interesse
prprio na relao obrigacional ou s pretende garantir a obrigao, embora o
critrio seja pouco seguro, uma vez que se tende hoje a considerar que a
assuno cumulativa de dvida tambm pode integrar o elenco das garantias
das obrigaes.
O contrato a favor de terceiro pressupe que, por acordo estabelecido entre
promitente e promissrio, o terceiro adquira o direito a uma nova prestao,
enquanto na assuno externa, quer seja cumulativa, quer seja liberatria, o que
se d uma transmisso de uma dvida pr-existente. Por isso, o promitente
pode opor ao terceiro todos os meios de defesa emergentes do contrato
celebrado entre si e o promissrio (art. 449.), mas o novo devedor no pode
opor ao credor os meios de defesa emergentes da relao de cobertura (art.
598.).
Na novao subjectiva por substituio do devedor, extingue-se uma
obrigao para constituio de uma nova, ainda que com contedo idntico,
mas com um novo devedor. Porque se constitui uma obrigao nova, o novo
devedor no pode opor os meios de defesa oponveis pelo antigo (art. 862.) e o
credor no goza das garantias que asseguravam a antiga obrigao, na falta de
reserva expressa (art. 861.).
27.3. Requisitos: consentimento pelo credor, validade da dvida transmitida,
validade e eficcia do contrato de transmisso
A transmisso depende da celebrao de um negcio vlido e eficaz. Se o
negcio for declarado nulo ou anulado, a obrigao anterior renasce, mesmo
que a assuno fosse liberatria (art. 597.). As garantias prestadas por terceiro
s renascem se este conhecia o vcio no momento em que teve notcia da
transmisso.
Para que a dvida se transmita, mesmo sem libertao do antigo devedor,
sempre necessrio o consentimento do novo devedor e do credor, nem que
seja atravs de ratificao. O que se prescinde na assuno externa do
consentimento do antigo devedor, porque a dvida tambm se pode extinguir

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pelo cumprimento de terceiro, sem o consentimento do devedor (arts. 767. e


768.).
CARLOS MOTA PINTO33 tem posio diferente, porquanto considera que a
assuno pode resultar de um contrato a favor de terceiro em que as partes,
afastando o art. 444., n.3, faam nascer na esfera jurdica do credor o direito a
exigir a prestao do novo devedor sem o seu consentimento. A admitir-se a
soluo, o acordo do terceiro s serviria para tornar a assuno de dvida
irrevogvel (art. 448.).
27.4. Os meios de defesa oponveis pelo novo devedor
O novo devedor pode opor os meios defesa que o antigo podia invocar
contra o credor desde que: i) o fundamento seja anterior transmisso; ii) e no
se trate de meio de defesa pessoal do antigo (art. 598.).
O novo devedor pode, por exemplo, invocar a nulidade do contrato por
simulao ou falta de forma, a prescrio da dvida ou a extino da obrigao
por impossibilidade da prestao, mas no a anulao do vnculo obrigacional
por erro, dolo ou coaco, salvo se a excepo tiver sido invocada pelo antigo
devedor, porque a poder aproveitar ao novo.
No pode igualmente o novo devedor opor ao credor meios de defesa
derivados da relao estabelecida entre si e o antigo devedor mesmo que
respeitem ao contrato de assuno de dvida. O novo devedor no pode, assim,
recusar-se a cumprir perante o credor por o antigo no lhe ter pago a
contraprestao ou por esta padecer de algum vcio.
O art. 598. no exclui a possibilidade de o novo devedor opor ao credor
os meios de defesa que derivam da relao entre ambos, como uma moratria
concedida pelo credor ao novo devedor, a compensao com um crdito de que
o credor seja o devedor ou um perdo de dvida.
27.5. A transmisso das garantias e dos acessrios do crdito.
Com a assuno, transmite-se a dvida - que inclui no s os deveres
primrios, mas tambm os secundrios de prestao e os acessrios de condutae seus acessrios (art. 599., n.1), bem assim como todas as garantias, excepto
aquelas que tiverem sido constitudas por terceiro ou pelo antigo devedor que
33

CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, cit., pp. 149 a 153, nota 2.
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no haja consentido na transmisso da dvida (art. 599.. n.2). As garantias com


fonte na lei e as prestadas pelo novo devedor mantm-se.
Bibliografia obrigatria:
MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., pp. 47 a 68.
Bibliografia complementar:
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, vol. II, cit., pp. 358 a 383.
CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, cit., pp. 149 a 153, nota 2.

28. Cesso da posio contratual:


28.1. Noo e distino de figuras a afins como o sub-contrato, a adeso ao
contrato e a sub-rogao ex-lege na posio contratual.
A cesso da posio contratual distingue-se da transmisso, por via
negocial, da posio jurdica activa ou passiva, por atravs dela o seu titular
ceder o conjunto de direitos, deveres, faculdades, poderes, nus e sujeies que
para si emergem da celebrao de um determinado contrato, ou seja, transmitir
a situao jurdica complexa procedente da celebrao de um contrato
celebrado com outrem.
A cesso da posio contratual deve, em primeiro lugar, distinguir-se da
sub-rogao ex-lege da posio contratual, porque a a transmisso da posio
contratual encontra a sua fonte na lei e no no negcio jurdico. A ttulo de
exemplo, v. art. 1057..
A cesso da posio contratual no se confunde igualmente com o subcontrato, porquanto neste ltimo caso no se procede substituio de um dos
contraentes, mas um deles celebra com terceiro contrato de contedo idntico
ao por si celebrado, cuja manuteno depende da vigncia do primeiro.
No h igualmente transmisso da posio contratual na adeso ao
contrato, porque a o terceiro vai constitui-se parte numa relao contratual prexistente sem substituio de qualquer das partes primitivas, tornando-se cotitular dos crditos e co-responsvel pelas dvidas em regime de conjuno ou
solidariedade, consoante o que tiver sido convencionado.
28.2. O contrato objecto da cesso: restrio do mbito da cesso da posio
contratual aos contratos sinalagmticos no executados (?)

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O art. 424.. n.1 primeira parte parece restringir a cesso da posio


contratual aos contratos sinalagmticos no executados, o que significaria que
relativamente a contratos sinalagmticos j executados e a contratos no
sinalagmticos, como o mtuo ou a doao, s seria possvel transmitir
individualmente crditos e dvidas, o que sempre deixaria de fora o feche de
deveres acessrios, direitos potestativos e respectivas sujeies, bem assim
como excepes e outras situaes jurdicas que podem igualmente emergir de
contratos no sinalagmticos e manter-se mesmo aps o cumprimento de
alguma das obrigaes primrias provenientes de contratos sinalagmticos.
Aderindo s posies de CARLOS MOTA PINTO34 e MENEZES LEITO35, parece-nos
que o objecto da cesso da posio contratual no se restringe aos contratos
sinalagmticos ainda no executados.
28.3. A validade do contrato atravs do qual se transmite a posio contratual
o negcio que serve de base/causa cesso que determina a forma de
transmisso e o regime aplicvel falta e aos vcios da vontade, s relaes
entre as partes e s garantias (arts. 425. e 426.). Esse negcio tanto pode ser
oneroso como gratuito, o necessrio que seja apto a transmitir a posio
contratual.
28.4. O consentimento do contraente cedido
Uma vez que as posies passivas tambm so transmitidas, a cesso da
posio contratual pressupe o consentimento do contraente cedido, porquanto
este v necessariamente a sua situao afectada na medida que passa a ter um
novo devedor.
O consentimento pode ser dado antes ou depois do contrato de cesso. Se
o consentimento tiver sido dado antes do contrato de cesso, necessria a
notificao ao cedido ou o reconhecimento por este da cesso (art. 424., n.2).
Sem esse consentimento o contrato de cesso no se considerada concludo
(art. 424., n.1). O mesmo dizer que o consentimento elemento constitutivo
de um contrato trilateral e no condio de eficcia do mesmo relativamente ao
cedido.
CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, cit., pp. 437 e ss.
MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., p. 77. Em sentido contrrio, a ttulo de
exemplo, ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, vol. II, cit., p. 385(2)
34
35

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28.5. Efeitos:
28.5.1. Entre as partes;
Com a cesso da posio contratual, opera-se uma transferncia da
posio jurdica contratual integral do cedente para o cessionrio.
Se se tratar de um contrato de execuo duradoura ou continuada, a
cesso s produzir efeitos para o futuro, o que significa que, na ausncia de
acordo em contrrio, o cessionrio no assume qualquer responsabilidade
relativamente s dvidas vencidas antes da cesso, mas tambm no adquire
qualquer direito aos crditos que j sejam exigveis data.
No que respeita transmisso da faculdade de anulao do contrato
com base num vcio da vontade verificado na pessoa do cedente, deve
entender-se que s o cedente, mesmo aps a cesso, tem legitimidade para
requerer a invalidao do negcio, por ter sido em seu interesse que a
anulabilidade foi estabelecida (art. 287.). Como bem conclui CARLOS MOTA
PINTO36, sendo a anulabilidade uma consequncia dum vcio intrnseco do
negcio, o direito de a invocar est integrado no momento gentico do
contrato e no dever, assim, transmitir-se para o cessionrio, salvo
estipulao em contrrio que no pode presumir-se implcita no negcio de
cesso. O facto de o cedente poder requerer a anulao do contrato, com
base em erro, dolo ou coaco, aps a cesso, no significa que este no
venha a ser obrigado a indemnizar o cessionrio pelos prejuzos sofridos
com a invalidao.
O cedente s garante ao cessionrio a existncia da posio contratual
transmitida, nos termos aplicveis, ao negcio gratuito ou oneroso que
constitua a causa da cesso. A garantia do cumprimento das obrigaes
emergentes do contrato s existe se for convencionada (art. 426.). As partes
tanto podem convencionar que o cedente responde solidariamente com o
cedido ou como fiador com ou sem benefcio da excusso prvia. Em caso de
dvida sobre a garantia pessoal que concretamente foi prestada, pode
entender-se que se trata de uma responsabilidade subsidiria, exigvel logo

36

CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, cit., pp. 495 e ss.
71

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que o devedor entre em mora, sem possibilidade de invocao do benefcio


da excusso37.

28.5.2. Entre o cessionrio e o contraente cedido;


A cesso implicar, em princpio, a substituio do cedente pelo
cessionrio em todas situaes jurdicas emergentes do contrato celebrado
com o cedido. Se, todavia, no momento em que a cesso produz efeitos, j
ter sido executada alguma prestao, o seu cumprimento no pode ser
exigido nem ao nem pelo adquirente da posio contratual.
Todavia, como tivemos oportunidade de anteriormente referir a
propsito das posies contratuais que podem ser objecto de uma cesso,
mesmo que as prestaes principais j tenham sido executadas pode haver
uma cesso da posio contratual, porque h deveres secundrios e
acessrios, direitos potestativos ou nus que podem ainda subsistir. O
cessionrio pode, por exemplo, invocar a excepo de no cumprimento ou
resolver o contrato por incumprimento/cumprimento defeituoso da
obrigao ou por alterao das circunstncias. Mais duvidoso que o
contraente cedido possa resolver o contrato por incumprimento por parte
do cedente de uma obrigao que no se tenha transmitido ao cessionrio.
As garantias prestadas pelo cedente e o cessionrio mantm-se, mas
no as prestadas por terceiro que no haja consentido na sua manuteno
(art. 599., n.2, por analogia).
O contraente cedido s pode invocar contra o cessionrio as
excepes que emergem desta relao contratual e no outras que podia
invocar contra o cedente, salvo se as tiver reservado ao consentir na cesso
(art. 427.). uma consequncia de o cedido ser parte no contrato.
De uma interpretao conjugada dos arts. 427. e 598. deve negarse a possibilidade de o cessionrio opor ao cedido excepes resultantes do
contrato que determinou a cesso. No teria sentido que o cessionrio
pudesse invocar o incumprimento do contrato de cesso para recusar-se a
cumprir as obrigaes emergentes do contrato cedido.

37 37

CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, cit., p. 473.


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No que respeita hiptese de o cessionrio opor ao contraente


cedido, que consentiu na cesso, a invalidade do prprio contrato de cesso
por este constituir um contrato tripartido, por exemplo, com base em erro,
dolo, coaco ou incapacidade acidental da sua parte, deve entender-se,
com CARLOS MOTA PINTO, que ao contraente cedido se aplicam as regras de
proteco do declaratrio previstas para cada um dos vcios que podem
fundamentar a invalidao38.
28.5.3 Entre o cedente e o contraente cedido
O cedente mantm-se responsvel pelo cumprimento das obrigaes
que no se tenham transmitido ao cessionrio, onde se inclui a obrigao de
indemnizao de danos causados antes da cesso, e credor das posies
jurdicas activas que no se considerem cedidas.
Pode o cedente, por acordo estabelecido entre as partes, manter-se
vinculado perante o contraente cedido. Todavia, quando tal sucede, em
regra, o cedente deixa de ser parte no contrato e passa a ser um garante do
cumprimento das obrigaes assumidas pelo cessionrio.
28.6. Natureza jurdica da cesso da posio contratual: teoria atomista vs.
teoria unitria.
De acordo com a teoria unitria, a cesso da posio contratual no
pode ser decomposta num negcio misto de cesso de crditos e de
transmisso de dvidas recprocas (teorias atomistas), porque a mesma no
permitiria explicar a transmisso de direitos e vinculaes, assim como
poderes potestativos, sujeies, nus, faculdades, excepes e outras
situaes jurdicas que, de forma automtica e global, passam do cedente
para o cessionrio em consequncia do negcio que constitui a causa da
cesso.
Bibliografia obrigatria:
MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, vol. II, cit., pp. 47 a 68.
Bibliografia complementar:
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, vol. II, pp. 383 a 417.
CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, cit., pp. 281 a 291 e pp. 434 a 445.
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CARLOS MOTA PINTO, Cesso da Posio Contratual, cit., pp. 517 e 518.
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