Corpo Textual
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Introdução
Este estudo incide, como o título indicada, no cumprimento e incumprimento das
obrigações no direito português. Trata-se de uma matéria de direito que tem grande
importância prática, o que é demonstrado, por exemplo, a elevada quantidade de
acórdãos das Relações e do Supremo proferidos nesta matéria. Qualquer obrigação, seja
ela de fonte contratual ou legal, tem de ser cumprida pela parte devedora (ou por um
terceiro, como vamos ver) para que a obrigação se extinga. Como não podia deixar de
ser, surgem litígios quando o credor considera incumprida a sua pretensão contra o
devedor.
De seguida, estudaremos, em primeiro lugar, o cumprimento das obrigações ao
lado do cumprimento regulado no artigo 762° n.º 1 do Código Civil (CC), examinar-se-
ão também as outras formas de extinção das obrigações, nomeadamente a dação em
cumprimento (e a dação pro solvendo), a consignação em depósito e a compensação.
No âmbito do incumprimento serão examinadas as diversas formas de violação
do vínculo obrigacional e as suas consequências. Será traçada distinção entre dois
grupos: o não cumprimento temporário (mora do devedor e mora do credor) e o
incumprimento definitivo.
II. O cumprimento das obrigações (artigos 762° a 789° do Código Civil)
1. Conceito e princípios gerais
Conforme refere o artigo 762° n.º 1 CC, o devedor cumpre a obrigação quando
realiza a prestação a que esta vinculado. O cumprimento pode ser definido como a
realização da prestação devida. Com a satisfação do interesse do credor, extingue-se a
obrigação, com a consequente libertação do devedor.
Princípios Gerais:
O regime do cumprimento das obrigações obedece principalmente a três
princípios gerais que têm referência na lei: o princípio da pontualidade, da
integralidade e da boa fé.
O princípio da pontualidade encontra-se consagrado no artigo 406° n.º 1 CC,
que estipula que o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou
extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Deste princípio resulta a proibição de qualquer alteração à prestação devida. O devedor
tem o dever de prestar a coisa ou o facto exactamente nos mesmos termos em que se
vinculou, não podendo o credor ser constrangido a receber do devedor coisa ou serviço
diferente, mesmo que possuam um valor monetário superior à prestação devida.
Excepto se o credor aceitar coisa ou serviço diferente extingue-se a obrigação, situação
jurídica denominada por dação em cumprimento, mais adiante.
Do princípio da pontualidade resulta também a irrelevância da situação
económica do devedor, não podendo o devedor, com esse fundamento, solicitar a
redução da sua prestação ou a obtenção de outro benefício. Dos artigos 601° e 604° CC
consta que mesmo em caso de insuficiência, o património do devedor continua a
responder integralmente pelas dívidas assumidas, apenas se excluindo da penhora certos
bens que se destinam à satisfação de necessidades imprescindíveis (ver artigos 822° e
823° Código de Processo Civil [CPC]). Somente em certo tipo de obrigações periódicas
pode haver uma alteração do montante fixado tomando em consideração a situação
económica do devedor.
O princípio da integralidade encontra-se expresso no artigo 763° n.º 1 CC e
significa que o devedor deve realizar a prestação de uma só vez, ainda que se trate de
prestação divisível. Se o devedor oferecer apenas uma parte da prestação, o credor pode
recusar o seu recebimento sem incorrer em mora. A lei admite, aliás, que o credor
decida exigir apenas uma parte da prestação, esclarecendo, que não impede o devedor
de oferecer a prestação por inteiro (artigo 763 n.º 2 CC). A regra geral é que só pode
haver uma prestação em partes no caso de um acordo entre os contraentes nesse sentido.
É o que ocorre nas obrigações fraccionadas (artigo 781° CC), como a venda a
prestações prevista no artigo 934°CC. Mas existem algumas excepções: O credor terá
que aceitar o pagamento parcial no caso da imputação do cumprimento prevista no
artigo 784° n.º 2 CC, no caso de pluralidade de fiadores, que gozem do benefício da
divisão (artigo 649° CC) e ainda quando exista compensação com divida de menor
montante (artigo 847° n.º 2 CC).
Finalmente, poderá haver lugar ao pagamento parcial quando tal situação resulta
dos usos ou da boa fé. Se o montante devido consiste em 1000 kz e o devedor prestar
998 kz, é controvertido na doutrina se a recusa do recebimento pelo credor origina um
comportamento contrário à boa fé. O princípio da boa fé. Como já foi assinalado, o
princípio da boa fé encontra-se referido no artigo 762° n.º 2 CC (§ 242 BGB). Desta
norma resulta que para se considerar verificado o cumprimento da obrigação não basta a
realização da prestação devida em termos formais, sendo antes necessário o respeito dos
ditames da boa fé, quer por parte de quem executa, quer por parte de quem exige a
obrigação. Fazem parte destes deveres o dever de protecção, informação e lealdade.
Pode-se ainda mencionar a concretização como princípio do regime do
cumprimento das obrigações. O princípio da concretização significa que a vinculação do
devedor deve ser concretizada numa conduta real e efectiva. A lei prevê vários
pressupostos para o cumprimento efectivo: capacidades das partes, disponibilidade das
coisas dadas em prestação, legitimidade, lugar e tempo do cumprimento. Para que o
cumprimento da obrigação possa efectivamente ocorrer haverá que respeitar toda a
disciplina específica que regula o seu modo de realização.
2. Capacidade para o cumprimento
Do artigo 764° CC consta que não é exigido a capacidade do devedor, a menos
que a própria prestação consista num acto de disposição. A capacidade do devedor é
exigida se a prestação consistir num acto de disposição, como sucede sempre que o
cumprimento implique a celebração de um novo negócio jurídico (como na hipótese da
realização do contrato de escritura prometido em relação ao contrato de promessa de
compra e venda), ou dele resulte directamente a alienação ou oneração do património do
devedor.
A lei protege o incapaz. Quando consiste num acto de disposição, o
cumprimento não esta ao alcance do incapaz, devendoantes ser realizado pelo seu
representante legal. Quando para a prestação se exija acapacidade do autor do
cumprimento e este não a possua o cumprimento da obrigação pode ser anulado nos
termos gerais (cfr. artigos 125° e 139° CC). Quando ocumprimento é realizado pelo
devedor, o credor pode, porém, paralisar esse pedido através de uma excepção,
demonstrando que o devedor não teve prejuízo com o cumprimento (artigo 764 n.º 1, 2°
parte CC).
O credor tem de ter capacidade para receber a prestação. Se a prestação for
realizada por um incapaz, o seu representante legal poderá solicitar a sua anulação e a
realização de uma nova prestação pelo devedor. Na Alemanha, a jurisprudência defende
que falta ao incapaz a chamada Empfangszuständigkeit (competência derecebimento).
No entanto, no direito português, também aqui o devedor pode oporse ao pedido de
anulação da prestação realizada ou de nova prestação, na medida do que tiver sido
recebido pelo representante ou do seu enriquecimento (v. artigo 764° n.º 2 CC).
3. Disponibilidade da coisa dada em cumprimento
O devedor tem que ser titular da coisa dada em prestação e ter capacidade e
legitimidade para proceder à sua alienação. O artigo 765° n.º 1 CC admite que o credor
que de boa fé receber a prestação de coisa que o devedor não pode alhear tem o direito
de impugnar o cumprimento, sem prejuízo da faculdade de se ressarcir dos danos que
haja sofrido. O credor corre, neste caso, o perigo de ver a coisa reivindicada pelo seu
legítimo proprietário. Estabelece ainda o artigo 765° n.º 2 CC que o devedor que, de boa
ou má-fé, prestar coisa de que lhe não é lícito dispor não pode impugnar o
cumprimento, a não ser que ofereça uma nova prestação. Pois não faria neste caso
sentido, permitir ao devedor invocar a ausência da disponibilidade da coisa entregue.
4. Legitimidade para o cumprimento
a) Legitimidade activa
Em relação ao autor do cumprimento, a lei generaliza o princípio da legitimidade
activa, atribuindo-a a todas as pessoas, quer estas tenham interesse directo no
cumprimento da obrigação, quer não (artigo 767° n.º 1 CC). Assim, a prestação pode ser
realizada por terceiro, sem que o credor se possa opor.
O terceiro só não terá legitimidade para cumprir se a prestação tiver carácter
infungível, por natureza ou por convenção das partes (artigo 767° n.º 2 CC), caso em
que o credor não poderá ser constrangido a receber de terceiro a prestação, podendo
recusa-la e exigir que o cumprimento seja realizado pessoalmente pelo devedor. Se o
terceiro tiver legitimidade para o cumprimento, o credor não pode recusar a prestação
por ele oferecida, e se o fizer incorre em mora perante o devedor como se tivesse
recusado a prestação deste (artigos 768° n.º 1 e 813° CC). A lei apenas admite a recusa
por parte do credor se o devedor se opuser ao cumprimento, desde que o terceiro não
tenha interesse directo na satisfação do crédito, por ter garantido a obrigação ou por
qualquer outra causa (artigos 768° n.º 2 e 592° CC). Se o terceiro for directamente
interessado, o credor não pode recusar o cumprimento por este, mesmo com a oposição
do devedor, dado que esta situação envolveria prejuízo para o terceiro. No entanto, a
simples oposição do devedor ao cumprimento nunca obsta a que o credor aceite
validamente a prestação do terceiro (artigo 768°n.º 2 CC). A regra geral é, portanto, que
o cumprimento por terceiro provoca a extinção da obrigação.
b) Legitimidade passiva
Quanto à legitimidade para receber a prestação, o artigo 769° CC estabelece que
a prestação deve ser efectuada ao credor ou ao seu representante. Todas as outras
pessoas são consideradas terceiros, pelo que a prestação que a estes for realizada não
importará em princípio a extinção da obrigação, podendo o devedor ser condenado a
realizá-la novamente (cfr. artigo 770° CC em conexão o artigo 476° n.º 2 CC). Como já
analisamos em cima (página 6), existindo representador legal do credor incapaz, a
prestação deve ser realizada ao seu representante legal. Tratando-se, no entanto, de
representação voluntária, a lei determina que o devedor não é obrigado a satisfazer a
prestação ao representante voluntário do credor nem à pessoa por este autorizada a
recebê-la, se não houver convenção nesse sentido (artigo 771° CC). O actual CC
permite ao devedor recusar a prestação perante o representante voluntário. O credor
corre o perigo de incorrer em mora ( artigo 813° CC).
5. Tempo do cumprimento
a) Modalidades das obrigações quanto ao tempo do cumprimento
Uma questão muito relevante é o prazo da prestação. A doutrina portuguesa
distingue entre dois momentos distintos: o momento em que o devedor pode cumprir a
obrigação (pagabilidade), forçando o credo a receber a prestação, sob pena de o credor
entrar em mora, e o momento em que o credor pode exigir do devedor a realização da
prestação (exigibilidade), sob pena de o devedor entrar em mora. Os artigos 777° e ss.
CC determinam tanto a pagabilidade como o vencimento da divida. Distinguem-se as
obrigações puras das obrigações em prazo. As obrigações puras são aquelas cujo
cumprimento pode ser exigido ou realizado a todo o tempo. As obrigações a prazo são
aquelas em que a exigibilidade do cumprimento ou a possibilidade da sua realização é
diferida para um momento posterior.
A regra geral é a de as obrigações não terem prazo certo estipulado, sendo,
portanto, obrigações puras. Neste caso o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o
cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela
(artigo 777° n.º 1 CC). Neste caso o devedor apenas entra em mora com a exigência do
cumprimento pelo credor, nos termos do artigo 805° n.º 1 CC.
Pode, porém, acontecer que as partes ou a lei tenham estabelecido um prazo de
cumprimento (artigo 777° n.º 1 proémio). Nesse caso, está-se perante obrigações com
prazo certo, as quais se caracterizam por o decurso do prazo constituir o devedor em
mora (artigo 805° n.º 2 alínea a) CC.
Fora do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 32/2003 é excepcionalmente o
tribunal que fixa o prazo do cumprimento da obrigação. É o que acontece na falta de
acordo e se torne necessário a fixação de um prazo,tal nos artigos 777° n.º 2 CC e 1456°
a 1457° CPC.
b) Colocação do prazo no critério de uma das partes
A determinação do prazo pode ser deixada ao critério de uma das partes, o
credor ou o devedor. Relativamente ao credor, a lei determina que quando este não use
da faculdade que lhe for concedida, compete ao tribunal fixar o prazo, a requerimento
do devedor (artigo 777° n.º 3 CC). Quando o prazo é deixado ao critério do devedor, a
lei distingue consoante esse critério corresponde a um factor objectivo (o devedor ter
nesse momento os meios económicos necessários para realizar a prestação) ou
subjectivo (aprouver ao devedor realizar a prestação nesse momento).
O primeiro caso está previsto no artigo 778° n.º 1 CC, que esclarece que quando
se estipula que o devedor cumprirá quando puder, o credor só pode exigir o
cumprimento se demonstrar que o devedor tem a possibilidade de cumprir. Não
podendo fazer essa demonstração, o credor apenas poderá, após a morte do devedor,
exigir dos seus herdeiros que realizem a prestação, sem prejuízo da limitação da sua
responsabilidade aos bens da herança, nos termos do artigo 2071° CC.
O segundo caso encontra-se previsto no artigo 778°n.º 2 CC, estabelecendo a lei
que, se o prazo for deixado ao arbítrio do devedor – caso em que ele paga quando lhe
apetece –, a prestação só pode ser exigida dos seus herdeiros, após o seu falecimento.
c) Benefício do prazo
A possibilidade de a prestação ser realizada ou exigida em momento posterior
constitui um benefício. Pergunta-se a quem compete o benefício do prazo. Nos termos
do artigo 779° CC a regra é a de que o benefício compete em princípio ao devedor. Isto
significa que o credor não pode exigir a prestação antes do fim do prazo, mas o devedor
tem o direito de proceder à sua realização a todo o tempo, renunciando ao benefício do
prazo. Neste caso, portanto, ainda não se verificou o vencimento. Consequentemente, o
devedor pode decidir cumprir antecipadamente a sua obrigação, sem que o credor a tal
se possa opor, sob pena de entrar em mora (artigo 813° CC). Exige-se, porém, que essa
renúncia do benefício seja efectiva, ou seja, que a prestação não seja antecipadamente
realizada por erro desculpável, caso em que o devedor teria direito a que o credor lhe
restituísse o seu enriquecimento (artigo 476° n.º 3 CC).
Em certos casos, porém, como no depósito (artigo 1194° CC), a lei atribui esse
benefício ao credor. Neste caso tem o credor a faculdade de exigir a prestação a todo o
tempo, mas o devedor só tem a possibilidade de cumprir no fim do prazo.
Noutros casos, como no mútuo oneroso (artigo 1147°CC), a lei estabelece a
atribuição do benefício a ambas as partes. No caso de o benefício do prazo ser atribuído
a ambas as partes, em princípio nenhuma delas poderia antecipar o cumprimento, mas
no caso do mútuo o legislador admite que o mutuário possa antecipar o cumprimento
desde que ofereça os juros por inteiro (artigo 1147° CC).
Em caso de atribuição do benefício ao devedor, este pode perder esse benefício,
caso a sua situação patrimonial se altere ou pratique algum acto considerado imputável
com a confiança do credor que determinou que lhe fosse concedido o prazo para
pagamento. O artigo 780°, 1° parte CC estabelece que, não obstante a estipulação de
prazo a favor do devedor, o credor pode exigir o cumprimento imediato da obrigação, se
o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente
declarada. Nos termos do artigo 3° Código da insolvência e recuperação de empresa, é
considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de
cumprir as suas obrigações vencidas, considerando-se pessoas colectivas e os
patrimónios autónomos em situação de insolvência quando o activo seja manifestamente
superior ao passivo. A lei exige a verificação de uma efectiva situação de insolvência,
não bastando o justo receio da mesma.
É necessário que a redução das garantias apresente um mínimo de relevância,
sem o que a exigência pelo credor do cumprimento imediato será contrária à boa fé
(artigo 762° n.º 2 CC). Em alternativa ao cumprimento imediato da obrigação o credor
tem ainda a possibilidade de exigir do devedor a substituição ou o reforço das garantias,
se estas sofrerem diminuição (artigo 780° n.º 2 CC). É de salientar que a lei por vezes
também impõe que o devedor reforce as garantias quando estas perecem causalmente,
sob pena de credor poder exigir o cumprimento imediato da obrigação.
É o que sucede na fiança (artigo 633° n.º 2, 3 CC), na hipoteca (artigo 701°
CC), na consignação de rendimentos (artigo 665° CC em conexão com o artigo 701°
CC) e no penhor (artigo 670° alínea c) CC).Parece, no entanto, que, caso o perecimento
destas garantias se dê por facto imputável ao devedor, será aplicável o regime do artigo
780° CC, em lugar destas disposições. Pois seria inaceitável não aplicar o artigo 780°
CC às garantias mais importantes que são a fiança, a hipoteca e o penhor. Outro caso de
perda do benefício é a não realização uma prestação nas dívidas a prestações (artigo
781° CC). Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de
realização de uma delas importa o vencimento de todas. Esta disposição apenas se
aplica em relação às prestações instantâneas fraccionadas, e não às prestações
periódicas. Não tem por isso, o senhorio a possibilidade de reclamar rendas ainda não
vencidas, caso o locatário falte aopagamento de alguma delas. Tratando-se de
prestações fraccionadas, a não realização de uma das prestações permite ao credor
exigir logo a totalidade da divida.
Apesar de a lei descrever a situação como de vencimento antecipado, trata-se na
opinião da jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa26 de perda do benefício do
prazo, já que, se o credor não exigir as prestações restantes, não parece que fique logo
constituído em mora pela totalidade da obrigação.
A perda do benefício do prazo é, no entanto, pessoal, pelo que não se estende
aos co-obrigados do devedor, nem aos terceiros que garantiram o cumprimento da
obrigação (artigo 782° CC). A perda do benefício tem carácter pessoal. Assim, no caso
de perda do benefício do prazo, o credor poderá exigir ao devedor o cumprimento
imediato da obrigação, mas terá de esperar o seu vencimento normal para exigir aos
condevedores ou a terceiros garantes da obrigação. Existem, aliás, algumas restrições.
Em relação aos condevedores, na hipótese de a obrigação ser solidária, pode dar-se o
caso de a solvência ou a responsabilidade pela diminuição de garantias se verificar em
mais de um dos devedores, o que legitimará o credor a exigir imediatamente o
cumprimento aos outros condevedores em relação aos quais também se verifiquem
essas circunstâncias. Em relação aos terceiros garantes através de hipoteca ou penhor,
pode acontecer que, sendo o devedor estranho à constituição da garantia, a diminuição
desta seja devida a culpa do terceiro garante. Neste caso, o credor poderá exigir dele a
substituição ou o reforço da garantia ou, quando tal não suceda, o cumprimento
imediato da obrigação (artigo 701° n.º 2, 2. parte e 678° CC).
6. Lugar do cumprimento
a) Modalidades das obrigações quanto ao lugar do cumprimento
Veremos agora onde deve ser realizada a prestação. É usual estabelecer no
direito português, bem como no direito alemão, a propósito do lugar do cumprimento,
uma distinção entre as obrigações de colocação obrigações de entrega e obrigações de
envio.
Nas obrigações de colocação, o devedor deve apenas colocar a prestação à
disposição do credor no seu próprio domicílio ou noutro lugar, cabendo assim ao credor
o ónus de levantar a prestação fora do seu domicílio. Consequentemente, nestas
obrigações, o devedor não pode ser responsabilizado pelo facto de o credor não
proceder ao levantamento da prestação, sendo esta situação considerada antes como
mora do próprio credor (artigo 813° CC).
Nas obrigações de entrega, o devedor tem efectivamente que entregar a coisa ao
credor no domicílio deste, ou no lugar com este acordado. Neste caso a prestação só se
considera adequadamente realizada se chega ao domicílio do credor dentro do prazo
acordado, havendo mora do devedor no caso contrário (804° CC).
Nas obrigações de envio, o devedor apenas esta obrigado a enviar a coisa para o
domicilio do credor, sendo o transporte da conta e risco deste. Assim, o local do
cumprimento é aquele onde o devedor procede à entrega ao transportador. Se o
transporte se atrasa ou a coisa se perde ou deteriora no seu curso, o risco correrá por
conta do credor (artigo 797° CC).
Nos dois primeiros casos o lugar da prestação coincide com o lugar do resultado.
No terceiro caso ocorre uma diferenciação entre o lugar da prestação e o lugar do
resultado da mesma.
b) As regras relativas ao lugar da prestação
A determinação do lugar do cumprimento cabe, em princípio às partes,
resultando, assim de convenção delas, a qual pode ser inclusivamente tácita (artigo 217°
CC), resultante da própria natureza da prestação.
Não havendo convenção entre as partes, a regra geral é que o lugar do
cumprimento corresponde ao domicílio do devedor (artigo 772° n.º 1 CC). Daqui
resulta que a regra geral corresponde às obrigações de colocação, tendo assim o credor o
ónus de se deslocar ao domicílio do devedor para obter a prestação.
Se a obrigação tiver por objecto a entrega de uma coisa móvel, a regra é a de que
a obrigação deve ser cumprida no lugar onde a coisa se encontrava ao tempo da
conclusão do negócio. Esta regra é aplicável, quer se trate de coisa móvel determinada
(artigo 773° n.º 1 CC), quer de coisa genérica a ser escolhida de conjunto determinado
ou de coisa que deve ser produzida em certo lugar (artigo 773° n.º 2 CC). Trata-se
também aqui de uma obrigação de colocação, apesar de o lugar do cumprimento não
ser o do domicílio do devedor.
Se a obrigação tiver por objecto certa quantia de dinheiro, a regra é de que a
obrigação deve ser cumprida no domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento
(artigo 774° CC). Esta solução deriva da facilidade que o devedor possui de proceder à
transferência de quantias de dinheiro e de a posição oposta poder ser onerosa para o
credor, que seria obrigado a ir buscar o dinheiro ao domicílio do devedor. As obrigações
pecuniárias correspondem a obrigações de entrega qualificada porque o risco da perda
do dinheiro corre sempre por conta do devedor, o que não acontece nos outros tipos de
obrigações de entrega.
Estas regras gerais cedem, porém, em certos casos particulares onde vigoram
outras regras, havendo, por isso, que averiguar se o regime especial daquele contrato
não estabelece regras específicas para o lugar do cumprimento, diferentes das regras dos
artigos 772° e ss. Assim, por exemplo, o lugar de restituição de coisa móvel no depósito
é o lugar onde esta deve ser guardada e não o lugar onde a coisa se encontrava ao tempo
da conclusão do negócio (artigo 1195° CC). O lugar de cumprimento da obrigação de
pagar o preço da venda é o mesmo da obrigação de entrega da coisa vendida (artigo
885° n.º 1 CC), só se aplicando a regra geral do artigo 774° CC se o prazo de
cumprimento das duas obrigações não for coincidente (artigo 885° n.º 2 CC). Também
em contrariedade ao disposto no artigo 774° CC, o lugar do cumprimento da obrigação
de pagamento da renda é o domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes ou
os usos não fixarem outro regime (artigo 1039° CC).
c) A mudança do domicílio das partes
A alteração, após a constituição da obrigação, do domicílio do devedor nas
obrigações de colocação ou do credor nas obrigações de entrega pode implicar lesão das
legítimas expectativas da outra parte. A lei determina, por isso, que a alteração do
domicílio das partes possa não significar necessariamente a alteração do local de
cumprimento, sempre que a parte lesada sofra prejuízos com essa alteração. O regime
legal varia, porém, consoante se trate de obrigações de colocação ou de entrega.
Nas obrigações de colocação, a lei determina que, se ocorrer mudança de
domicilio do devedor, após a constituição da obrigação, o cumprimento é realizado no
novo domicílio, salvo se a mudança acarretar prejuízo para o credor, caso em que o
cumprimento ser efectuado no domicílio primitivo (artigo 772° n.° 2 CC).
Nas obrigações de entrega a lei determina que a alteração do domicílio do credor
após a constituição da obrigação implica que a obrigação passe a poder ser realizada no
domicílio do devedor, convertendo-se assim a obrigação de entrega em obrigação de
colocação. Tal só não sucederá se o credor se comprometer a indemnizar o devedor do
prejuízo que este sofrer com a mudança (artigo 775° CC).
d) A impossibilidade da prestação no lugar fixado
Tendo as partes fixado um lugar para o cumprimento, poder ser ou tornar-se
impossível realizar a prestação nesse lugar. É o que sucede se, por exemplo, as partes
acordam na realização da pintura de um edifício na Praia da Luz que já tinha caído ou
entretanto veio a ruir.
Em grande parte dos casos, o local do cumprimento aparece como essencial em
relação à própria prestação, pelo que a impossibilidade de realizar a prestação naquele
local equivale à impossibilidade da sua realização em absoluto. Assim, se a
impossibilidade já existia no momento da conclusão do negócio, considera-se este como
nulo (artigos 401° e 280° n.º 1 CC). Sendo a impossibilidade posterior à conclusão do
negócio, determina esta a extinção da obrigação (artigo 790° CC), com a consequente
perda do direito à contraprestação nos contratos bilaterais (artigo 795° n.º 1 CC).
Pode, porém, suceder que o lugar do cumprimento não apareça como essencial
em relação à obrigação, podendo esta por natureza ser realizada tanto no local fixado
para o cumprimento como noutro qualquer. Nesta situação, o facto de ser ou se tornar
impossível realizar a prestação no lugar fixado para o cumprimento não é motivo para
considerar a obrigação extinta, pelo que deverá antes a prestação ser realizada noutro
lugar (artigo 776° CC). Quando a prestação for ou se tornar impossível no lugar fixado
para o cumprimento e não houver fundamento para considerar a obrigação nula ou
extinta, são aplicáveis as regras supletivas dos artigos 772º a 774º CC. Se, porém, a
impossibilidade da prestação ocorrer precisamente no lugar designado pelas regras
supletivas dos artigos 772°e ss. CC, aplica-se o artigo 239° CC (integração da
declaração negocial).
7. Imputação do cumprimento
A imputação do cumprimento consiste na operação pela qual se relaciona a
prestação realizada com uma determina obrigação, quando existam várias dívidas entre
as partes e a prestação efectuada não chegue para as extinguir todas. È preciso, então,
determinar qual a dívida ou dívidas a que o cumprimento se refere, ou seja fazer a
imputação da prestação à divida que aquela vai extinguir.
A lei considera que a imputação do cumprimento é uma faculdade do devedor,
cabendo a este, sem necessidade de qualquer acordo do credor, escolher a dívida ou as
dívidas a que o cumprimento se refere (artigo 783° n.º 1 CC). Esta faculdade o devedor
sofre, no entanto, algumas restrições em relação a certas categorias de dívidas, que só
podem ser designadas pelo devedor para imputação do cumprimento se o credor der o
seu assentimento. As situações referidas são as seguintes:
O devedor não pode imputar o cumprimento, contra vontade do credor,
numa dívida ainda não vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em
benefício do credor (artigo 783° n.º 2 CC).
O devedor não pode imputar o cumprimento, contra a vontade do credor,
numa divida de montante superior à prestação efectuada, sempre que o
credor tenha a faculdade de recusar o pagamento parcial (artigo 783° n.º
2 CC).
O devedor não pode, contra a vontade do credor, imputar o cumprimento
numa divida de capital, enquanto estiver obrigado a pagar também
despesas, indemnização moratória ou juros (artigo 785° n.º 2 CC).
Caso o devedor não efectue a designação, o credor não é livre de efectuar ele
mesmo a imputação, havendo antes que aplicar as regras supletivas do artigo 784° CC.
Essas regras consistem no seguinte:
a imputação do cumprimento efectua-se em primeiro lugar na dívida
vencida;
- se existirem várias dívidas vencidas, opta-se pela que oferece menor
garantia para o credor;
se as dividas tiverem idênticas garantias, escolhe-se a que for mais
onerosa para o devedor;
se as dívidas forem igualmente onerosas, prefere-se a que primeiro se
tenha vencido;
se as dividas se tiverem vencido simultaneamente, imputa-se o
cumprimento na dívida que constituiu em primeiro lugar.
Numa hipótese de verificação difícil, na medida em que se pressupõe uma
constituição simultânea de várias obrigações, com datas de vencimento idênticas, a
mesma onerosidade e idênticas garantias, lei vem ainda prever a hipótese de não ser
possível aplicar as regras referidas, prevendo que nessa situação a considera-se
realizada por conta de todas as dívidas rateadamente, sem que o credor possa recusar o
pagamento parcial (artigo 784°n.º 2 CC).
A lei regula ainda a forma supletiva de realizar a imputação do cumprimento
quando o devedor, simultaneamente com a dívida de capital, esteja obrigado a pagar
despesas, juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora. Vimos já que,
neste caso, só com o acordo do credor é possível efectuar a imputação no capital antes
do pagamento das restantes dívidas (artigo 785° n.º 2 CC). A lei vem, porém,
estabelecer ainda uma ordenação supletiva, em termos de imputação do cumprimento,
estabelecendo que, na ausência de designação, a prestação se tem por sucessivamente
feita por conta das despesas, da indemnização, dos juros e do capital (artigo 785° n.º 1
CC).
8. Prova do cumprimento
A prova do cumprimento compete em princípio ao devedor, uma vez que o
cumprimento constitui um facto extintivo do direito do credor que deve ser
demonstrado pela parte contra quem o crédito é invocado (artigo 342° n.º 2 CC).29 No
âmbito, por exemplo, de um contrato de compra e venda, uma vez provada a celebração
e compra e venda, em acção movida pelo vendedor ao comprador, fundada no contrato,
visando a condenação do segundo no pagamento do preço, incumbe ao réu o ónus da
prova do cumprimento desta obrigação legal. No entanto o cumprimento não pode ser
provado por testemunhas (artigo 395° CC), pelo que o modo mais adequado de proceder
a essa prova consiste em o autor do cumprimento exigir do credor uma declaração
escrita de que recebeu a prestação em dívida. A essa declaração dá-se o nome de
quitação, uma quitação que através dela o credor exprime que o devedor se encontra
quite para com ele.31 Quando a quitação consta de um documento avulso, costuma dar-
se a esse documento o nome de recibo.
As regras relativas à imputação do cumprimento cedem ainda perante regime
especial, de que salienta o caso do contrato de conta corrente (artigos 344°, 346° e 350°
Código Comercial) e a situação de falência (artigos 172°, 174°, 176°e 177° Código da
Insolvência e da recuperação de empresa).
A quitação é um direito atribuído por lei a qualquer pessoa que cumpre a
obrigação, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser
provido de reconhecimento notarial se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo
(artigo 787° n.º 1 CC). Pode-se assim exigir sempre do credor um recibo e, caso este
não se disponha a passá-lo, o cumprimento pode legitimamente ser recusado (artigo 787
n.º 2 CC). O recibo pode igualmente ser exigido mesmo depois de a prestação já ter sido
efectuada (artigo 787 n.º 2 CC).
Em certos casos, a lei dispensa o devedor de provar que cumpriu a obrigação.
São as denominadas presunções de cumprimento, que constam do artigo 786° CC.
Assim, se o credor prestou quitação do capital sem reservar que faltava pagar juros e
prestações periódicas, presume-se que estão pagos os juros e essas prestações (artigo
786° n.º 1 CC). Da mesma forma, se forem devidos juros e ou outras prestações
periódicas e o credor der quitação sem reserva de uma dessas prestações presumem-se
realizadas as prestações anteriores (artigo 786° n.º 2 CC).
Finalmente se o credor entregar voluntariamente ao devedor o título original do
crédito, a lei faz presumir a liberação do devedor e dos seus codevedores, solidários ou
conjuntos, bem como do fiador e do devedor principal, se o título é entregue a algum
destes (artigo 786° n.º 3 CC).
Para além deste caso de presunções de cumprimento, por vezes a lei também
presume que já ocorreu o cumprimento da obrigação, em virtude de já ter decorrido
certo prazo sobre a sua constituição. São as prescrições presuntivas (artigos 312° e ss.
CC), que se encontram previstas nos artigos 316° e 317° CC. Nestes casos, a presunção
de cumprimento resultante do decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do
devedor de que ainda não cumpriu a obrigação (artigo 313° n.º 1 CC), a qual se for
extrajudicial, só revela quando efectuada por escrito (artigo 313° n.º 2 CC). No entanto
a dívida considera-se tacitamente confessada se o devedor se recusar a depor ou a
prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção
de cumprimento (artigo 314° CC).
9. Direito à restituição do título ou à menção do cumprimento
Se a obrigação aparece referida a determinado documento (como sucede, por
exemplo, nos títulos de credito), quando o devedor realiza o cumprimento, tem o direito
de exigir a restituição desse documento (artigo 788° n.º 1 CC). O credor pode ter, no
entanto, interesse legítimo na conservação do documento, como sucederá na hipótese de
o título lhe conferir outros direitos. Nesse caso, o devedor poderá exigir que o credor
mencione no título o cumprimento efectuado, o que inviabilizará a possibilidade de o
utilizar novamente para cobrança daquela obrigação. Caso o credor não o faça, o
devedor pode legitimamente recusar-se a efectuar a prestação, podendo ainda exigir a
restituição do título posteriormente ao cumprimento (artigo 788° n.º 3 CC).
Pode, porém, ainda acontecer, que o credor invoque impossibilidade, por
qualquer causa, de restituir o título ou de nele mencionar o cumprimento. Nesse caso,
pode o devedor exigir quitação passada em documento autêntico ou autenticado ou com
reconhecimento notarial, correndo o encargo por conta do credor (artigo 789° CC).
Se for um terceiro a cumprir a obrigação, a lei determina que ele só goza dos
mesmos direitos se ficar sub-rogado nos direitos do credor (artigo 788° n.º 2 CC).
10. Efeitos do cumprimento
O cumprimento produz sempre em relação ao credor a extinção do seu crédito,
como contrapartida da prestação recebida. Normalmente o cumprimento produz
igualmente em relação ao devedor a liberação da sua obrigação, tendo eficácia extintiva
da obrigação a que respeita. No entanto, em certos casos o cumprimento pode
desencadear a sub-rogação do crédito (cfr. artigos 589° e ss. CC), caso em que crédito
não se extingue, antes se transmite para o terceiro que realiza a obrigação, ficando o
devedor vinculado perante este.
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11. A compensação
Como já foi dito, a compensação é o mais importante. Quando duas pessoas
estejam reciprocamente obrigados a entregar coisas fungíveis da mesma
natureza, é admissível que as respectivas obrigações sejam extintas, total ou
parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou pela
dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte (artigos 847°
e ss. CC). A extinção das obrigações por compensação assegura duas grandes
vantagens: a primeira é a de que se produz a extinção das obrigações
dispensando a realização efectiva da prestação devida, funcionando assim a
compensação como forma de facilitação de pagamentos; a segunda é a de que a
compensação permite ao seu declarante extinguir a sua obrigação, mesmo que
não tenha qualquer possibilidade de receber o seu próprio crédito por
insolvência do seu devedor, funcionando assim a compensação como garantia
dos créditos.