DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade Do Processo
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade Do Processo
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade Do Processo
p. 11
Minha proposta prefcio 1 edio
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porque o processo e as suas teorias e a sua tcnica tm a sua dignidade e o
seu valor dimensionados pela capacidade, que tenham, de propiciar a
pacificao social, educar para o exerccio e respeito aos direitos, garantir as
liberdades e servir de canal para a participao democrtica.
p. 13
Novos rumos do instrumentalismo prefcio 13 edio
p. 15
Parte Primeira Premissas metodolgicas e conceituais
p. 17
Captulo I Perspectivas metodolgicas atuais do direito processual
p. 18
Foi esse sincretismo jurdico, caracterizado pela confuso entre os
planos substancial e processual do ordenamento estatal, que no sculo XIX
principiou a ruir. Primeiro, questionou-se o tradicional conceito civilista de ao
e afirmou-se a sua grande diferena, seja no plano conceitual ou funcional, em
face da actio romana: ela no (como esta) instituto de direito material, mas
processual; no se dirige ao adversrio, mas ao juiz; no tem por objeto o bem
litigioso, mas a prestao jurisdicional. A celeuma provocada por essas (p. 19)
afirmaes revolucionrias (hoje, to naturais aos olhos do jurista moderno)
acabou gerando reaes em cadeia, que chegaram at plena conscincia da
autonomia no s da ao, mas dela e dos demais institutos processuais. A
primeira dessas repercusses foi a tomada de conscincia para a autonomia
da relao jurdica processual, que se distingue da de direito substancial pelos
seus sujeitos, seus pressupostos, seu objeto. Com a descoberta da autonomia
da ao e do processo, institutos que tradicionalmente ocupavam com
exclusividade a primeira linha das investigaes dos processualistas, pode ser
proposta desde logo a renovao dos estudos de direito processual, surgindo
ele como cincia em si mesma, dotada de objeto prprio e ento esboada a
definio de seus prprio mtodo.
p. 24
Tudo isso e muito mais so manifestaes da postura instrumentalista que
envolve a cincia processual, neste terceiro momento metodolgico. a
instrumentalidade o ncleo e a sntese dos movimentos pelo aprimoramento do
sistema processual, sendo consciente ou inconscientemente tomada como
premissa pelos que defendem o alargamento da via de acesso ao Judicirio e
eliminao das diferenas de oportunidades em funo da situao econmica
dos sujeitos, (p. 25) nos estudos e propostas pela inafastabilidade do controle
jurisdicional e efetividade do processo, nas preocupaes pela garantia da
ampla defesa no processo criminal ou pela igualdade em qualquer processo,
no aumento da participao do juiz na instruo da causa e da sua liberdade
na apreciao do resultado da instruo.
A viso instrumental que est no esprito do processualista moderno
transparece tambm, de modo bastante visvel, nas preocupaes do
constituinte e do legislador brasileiro da atualidade, como se v na Lei dos
Juizados Especiais, na Lei da Ao Civil Pblica, no Cdigo de Defesa do
Consumidor e no Cdigo de Defesa da Criana e do Adolescente (medidas
destinadas efetividade do processo, especialmente mediante a oferta de
tutela jurisdicional coletiva). indispensvel que tambm o intrprete fique
imbudo desse novo mtodo de pensamento e sejam juzes capazes de dar ao
seu instrumento de trabalho a dimenso que os tempos exigem.
Aprimorar o servio jurisdicional prestado atravs do processo, dando
efetividade a seus princpios formativos (lgico, jurdico, poltico, econmico),
hoje uma tendncia universal. E justamente a instrumentalidade que vale de
suficiente justificao lgico-jurdica para essa indispensvel dinmica do
sistema e permeabilidade s presses axiolgicas exteriores: tivesse ele seus
prprios objetivos e justificao auto-suficiente, razo inexistiria, ou
fundamento, para p-lo merc das mutaes polticas, constitucionais,
sociais, econmicas e jurdico-substanciais da sociedade.
p. 25
2. o processo e a ordem constitucional
p. 26
A viso analtica das relaes entre processo e Constituio revela ao
estudioso dois sentidos vetoriais em que elas se desenvolvem, a saber: a) no
sentido Constituio-processo, tem-se tutela constitucional deste e dos
princpios que devem reg-lo, alados ao plano constitucional; b) no sentido
processo-Constituio, a chamada jurisdio (p. 27) constitucional, voltada ao
controle da constitucionalidade das leis e atos administrativos e preservao
de garantias oferecidas pela Constituio (jurisdio constitucional das
liberdades), mais toda a ideia de instrumentalidade processual em si mesma,
que apresenta o processo como sistema estabelecido para a realizao da
ordem jurdica, constitucional inclusive.
p. 27
p. 30
No contexto da jurisdio constitucional, indispensvel no Estado-de-direito, a
primeira ordem de mecanismos que a doutrina traz colao a dos
destinados ao controle da constitucionalidade das leis. O constituinte tem por
premissa a falibilidade do legislador e pe empenho em fazer valer em sua
feio atual o binmio lei-liberdade, (p. 31) assim estruturado: no mais
direitos de liberdade na medida das leis, mas leis na medida dos direitos de
liberdade (esse o sugestivo aforismo representativo da moderna escalada
do princpio da legalidade ao da constitucionalidade). Indica-se o controle da
constitucionalidade das leis como o mais moderno entre os instrumentos
destinados a tornar efetivo o princpio da supremacia constitucional, pouco
importando se ele feito por rgo especfico (as cortes constitucionais
europias) ou se constitui controle difuso a ser feito pelo Poder Judicirio,
como no sistema norte-americano, que no Brasil se adota; o que tem
relevncia tratar-se de controle inter-rgos, feito por instituio diversa da
responsvel pela elaborao da norma. No sistema difuso que praticamos, a
possibilidade do controle incidenter tantum ativa a instrumentalidade do prprio
processo jurisdicional ordem constitucional, sem a necessidade da ciso do
julgamento da causa (nos sistemas europeus, o rgo judicirio somente
deliba a questo constitucional e envia o julgamento corte competente).
33
3. o processo e a ordem constitucional (mutaes)
34-35
Pois o Estado social contemporneo, que repudia a filosofia poltica dos fins
limitados do Estado, pretende chegar ao valor homem atravs do culto justia
um contedo substancial e efetivo. preciso reduzir as diferenas sociais e
econmicas tanto quanto possvel, gerando oportunidades. preciso assegurar
a todos a fruio dos bens materiais e imateriais que integram o patrimnio
comum da nao. preciso criar efetivas condies para a mobilidade scio-
econmica, inclusive mediante a liberdade de associao. E o Estado, ento,
pretendendo ser a providncia do seu povo, sente que o / bem-estar coletivo
depende intimamente da sua participao efetiva nos destinos da populao.
Ele , por isso, declaradamente intervencionista, agindo sobre a ordem
econmica e social e buscando a sua modelagem segundo os objetivos da
ideologia aceita. O pacto social refletido na nova ordem constitucional, inclui o
traado de diretrizes nesse sentido da integrao social e econmica da
populao.
36-37
Por isso e que o processo nos Estados ocidentais de hoje, marcados pelo
cunho social e legalista, h de oferecer tambm em si mesmo a garantia da
legalidade processual (seria estranho o juiz, rgo estatal, agir com arbtrio no
exerccio da sua funo de controlador da legalidade) e ser dotado de meios
aptos a promover a igualdade e garantir a liberdade. A maneira como diante da
escala axiolgica da sociedade contempornea so interpretadas as garantias
constitucionais de igualdade substancial entre as pessoas (e entre as partes),
da inafastabilidade do controle jurisdicional, da ampla defesa e do contraditrio,
do devido processo legal todos eles endereados efetividade do processo
em sua funo de instrumento a servio da ordem constitucional e legal
conduz existncia de um processo acessvel a todos e a todas as suas
causas (por mais humildes que sejam aqueles e menor expresso econmica
tenham estas), gil e simplificado, aberto participao efetiva dos sujeitos
interessados e contando com a atenta vigilncia do juiz sobre a instruo e sua
interferncia at ao ponto em que no atinja a prpria liberdade dos litigantes.
A Lei dos Juizados Especiais e o Cdigo de Defesa do Consumidor so
ilustraes desses reflexos processuais das opes scio-polticas contidas na
ordem constitucional: o novo processo que instituem (no mero procedimento
novo) apresenta um conjunto de idias que constitui resposta adequada e
moderna s exigncias contidas nos princpios constitucionais do processo
(processo acessvel, aberto, gratuito em primeiro grau de jurisdio, gil,
simples e concentrado, permevel a um grau elevadssimo de participao das
partes e do juiz).
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4. o processo como instrumento de mutaes na ordem constitucional e
legal
46
A Constituio age sobre o processo, garantindo-lhe os princpios bsicos, para
que o processo possa, depois, atuar convenientemente os preceitos e
garantias que ela prpria contm e que projeta sobre todo o ordenamento
jurdico. A bipolaridade dessas influncias associa-se, naturalmente, ao
reconhecimento do poder que os juzes exercem, como guardas da
Constituio e responsveis pela sua interpretao fiel e cumprimento estrito.
Assim inserido nas estruturas estatais do exerccio do poder, o juiz legtimo
canal atravs de que o universo axiolgico da sociedade impe as suas
presses destinadas a definir e precisar o sentido dos textos, a supri-lhes
eventuais lacunas e a determinar a evoluo do contedo substancial das
normas constitucionais. Apesar de os provimentos jurisdicionais terem eficcia
limitada concretamente ao objeto de cada processo, mostrando-se destitudos
de qualquer vocao generalidade e vinculando somente nos limites do
decisum (como se sabe, os motivos no podem ficar cobertos pela autoridade
da coisa julgada) fora da repetio a interpretao atribuda pelos tribunais
a dado texto acaba por gerar a convico de que o seu contedo aquele
indicado na jurisprudncia estabelecida.
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5. perspectiva publicista do processo
O direito judicirio civil viveu, desde as origens e por muitos sculos, sob o
manto do direito privado e considerado mero apndice deste, ou adjetivo que o
qualifica quando submetido s vicissitudes da vida judiciria. Foi assim
cultivado no direito comum e no cannico e, sem qualquer suspeita de sua
autonomia sistemtica (p. 50) assim chegou at o sculo XIX, quando a segura
afirmao de uma relao jurdica processual, distinta da de direito privado,
abalou os alicerces do sincretismo at ento incontrastado. O campo abriu-se,
com isso, para o progresso da ideia publicista do direito processual, uma vez
que a nova relao jurdica descoberta inclua entre os seus sujeitos o juiz,
rgo estatal, da derivando a ideia de relao de subordinao que no
processo se d. Isso constitui, at, desenvolvimento da prpria teoria do
Estado, que j quele tempo conseguira isolar o fenmeno da inevitabilidade
deste e da imposio de seu poder ficando desmentida, com isso, a crena
de que o processo tivesse a natureza jurdica de um contrato (ou mesmo
quase-contrato) e tornando-se consequentemente priva de qualquer significado
a ideia da litiscontestatio o demandado fica jungido ao processo e aos seus
resultados, no porque o houvesse aceito contratualmente, mas porque o
Estado, no exerccio do poder pelas formas regulares, tem autoridade
suficiente para impor-lhe essa sujeio (imperium).
p. 60
p. 62
p. 70
112
13. cont. (imperatividade)
112-113
A imperatividade das decises estatais constitui reflexo da situao de
supremacia do prprio Estado, entre as entidades dotadas de poder. To
distinto o poder exercido pelo Estado, que este chega a ser at identificado
quele, sendo conceituado, pela mesma voz doutrinria autorizadssima, como
uma institucionalizao do poder. Embora ordem jurdica, o Estado
substancialmente uma realidade poltica, realidade de poder exercido sobre a
populao que o compe e territrio que ocupa. Esse poder supremo, que
monoplio do Estado, tambm o nico que se apresenta com o predicado da
soberania, constituindo projeo moderna do imperium, mximo poder na
ordem poltica romana. Da a imperatividade, / que inerente ao poder estatal,
originrio como se sabe e inevitvel (ou irresistvel) porque supremo. A
inevitabilidade do poder estatal, em que reside o ncleo da explicao da
imperatividade de suas decises, revela-se em dois aspectos: na capacidade
de imp-las e na impossibilidade em que se acha o submetido de se subtrair
ao poder. Isso quer dizer no s que as pessoas sob o poder do Estado se
consideram sob sujeio a este, sendo-lhes impossvel afastar a eficcia das
decises estatais, como ainda que a todos , em princpio, trancada qualquer
oportunidade de quebrar o vnculo de submisso.
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A imperatividade das decises, assim solidamente assentada no sistema
estatal de poder, explica satisfatoriamente a virtualidade, usualmente
denominada coercibilidade em cincia poltica, de que s o poder estatal
desfruta. S o Estado decide legitimamente de modo tal que em cumprimento a
essa deciso e com base no que ela contm (aplicao da vontade
sancionatria) se legitima a sucessiva invaso da esfera de direitos e da
prpria liberdade da pessoa, mediante a execuo forada.
115
14. jurisdio e poder do ponto-de-vista do direito processual
116
14.1 jurisdio, poder e comportamento
122
14.2 jurisdio, sano, coero, coercibilidade
127
14.3 jurisdio e influncia a jurisprudncia e seu valor
129
Por isso, a influncia dos precedentes jurisprudenciais reduz-se, nos sistemas
jurdicos da famlia romano-germnica, advertncia dos riscos a que esto
sujeitos os comportamentos divergentes. Saibam as pessoas do grande risco
que correm, caso contem com situaes jurdicas negadas pelos tribunais em
sua linha costumeira de julgamentos; saibam os juzes da provvel reforma de
seus julgamentos, caso prefiram linha diferente. Como se disse da auctoritas
do Senado romano, a fora da jurisprudncia mais do que um conselho e
menos do que uma ordem.
133
14.4 participao no processo decisrio
14.5 jurisdio (poder) e dinmica do poder
135
15. perspectiva funcional da jurisdio
136-137-138
Na busca do bem comum, o Estado sente a necessidade de / remover
obstculos e implantar condies favorveis desejada realizao integral do
homem. Da os servios que presta populao e que tradicionalmente
costumam ser agrupados nas trs clssicas funes consideradas. Essa ,
conforme prometido, uma viso marcadamente teleolgica, que prope
identificar a jurisdio segundo os objetivos que atravs dela o Estado busca
atingir. Existe realmente um feixe de objetivos a serem alcanados mediante a
atividade que se convencionou chamar jurisdicional e que se situam no campo
propriamente jurdico (atuao da vontade do direito substancial), no campo
social (pacificao com justia; educao para a conscincia dos prprios
direitos e respeito aos alheios) e no poltico (afirmao do poder estatal;
participao democrtica; preservao do valor liberdade; nos regimes
socialistas, propaganda e educao para a vida e a ao socialista). A
jurisdio caracteriza-se, pois, como uma das funes do Estado, voltada aos
objetivos assim definidos.
Por sua prpria natureza e destinao, ela ligada aos conflitos sociais, ou
seja, exerce-se sempre em virtude do confronto de duas ou mais pessoas, seja
por serem portadores de aspiraes conflitantes, seja por lamentar uma delas
alguma leso sofrida e pretender que se aplique a sano que indica, seja por
no andarem de acordo quanto aos rumos de interesses comuns ou de uma
delas, etc.; os conflitos / so inevitveis e constituem fato universal na
sociedade, constituindo fatores de desagregao e, portanto, obstculos
consecuo do fim ltimo do Estado. Remov-los, remedi-los, sancion-los,
pois um servio, ou seja, uma funo de extrema relevncia social.
141
15.1 unidade da jurisdio
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15.2 jurisdio voluntria
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16. processo, procedimento e contraditrio
151-152-153-154-155
No contexto processual bastante amplo afirmado pela doutrina moderna, due
process of law mais que uma garantia: o conjunto de garantias
constitucionais que, de um lado, asseguram s partes o exerccio de suas
faculdades e poderes processuais e, do outro, so indispensveis ao correto
exerccio da jurisdio. tambm, por outro aspecto e em outras palavras, um
sistema de limitaes ao exerccio do poder limitaes postas ao juiz como
penhor da efetividade das garantias do contraditrio e ampla defesa. Em sua
reduo mais sinttica, uma garantia de justia e consiste no direito ao
processo, ou seja, direito ao servio jurisdicional corretamente prestado e s
oportunidades que o conjunto de normas processuais-constitucionais oferece
para a defesa judicial de direitos e interesses.
Isso no significa, porm, que a estrita legalidade dos atos do processo
seja uma inerncia do Estado-de-direito, nem que seja conveniente para os
bons resultados do processo. A liberdade das formas, deixada ao juiz entre
parmetros razoavelmente definidos e mediante certas garantias fundamentais
aos litigantes que, hoje, / caracteriza os procedimentos mais adiantados. No
enrijecendo as exigncias formais, em um fetichismo forma, que se
asseguram direitos; ao contrrio, o formalismo obcecado e irracional fator de
empobrecimento do processo e cegueira para os seus fins. Temos no processo
civil brasileiro, a promessa da liberdade das formas em normas programticas
dos dois sucessivos Cdigos de Processo Civil nacionais, mas s mesmo a
promessa; ambos foram to minuciosos quanto forma dos atos processuais
(alis, segundo os tradicionais modelos europeus) que com segurana se pode
afirmar ser o princpio da legalidade formal o que realmente prepondera. Na Lei
dos Juizados Especiais que, anunciada a liberdade, no vm depois os
desmentidos e isso permite a esperana de um processo que favorea de
modo muito eficiente a percepo dos fatos e do prprio modo de ser do litgio
pelo juiz, nesse contrato mais espontneo e informal com os litigantes e com as
fontes de prova.
A ampla liberdade formal, estabelecida l e defendida aqui, no limitada,
nem abre campo ao arbtrio. A ruptura de velhos hbitos, nessa preconizada
mudana de mentalidade proposta na revolucionria lei especial, pretende
demolir somente a estrutura formal do processo tradicional, no para imolar
princpios, mas justamente para oferecer melhores condies sua plena
realizao. O juiz criar modos de tratar a prova, de colher a instruo ou de se
sentir as pretenses das partes: interrog-las livremente, dialogar com elas e
permitir o dilogo entre elas ou delas com as testemunhas; visitar o local dos
fatos, ou examinar coisas trazidas com sinais ou vestgios de interesse para a
instruo; permitir que argumentem a qualquer tempo e lhes dirigir perguntas
ainda quando declarada / finda a instruo e tudo sem as formas
sacramentais do processo tradicional. Nesse modo de participar e abrir canais
para a efetiva participao, ele no estar ultrajando a garantia constitucional
do contraditrio, mas dando-lhe uma dimenso jamais obtida na prtica, alm
de sair ele do imobilismo do juiz-espectador. As citaes e intimaes sero
feitas por modo bastante simplificado e sem rigorosas exigncias formais, mas
em cada caso o juiz apreciar se cumpriram sua finalidade de comunicao
processual, tambm para que no deixe de ter prevalncia o contraditrio. Ele
dar oportunidades iguais s partes e, no informalismo de atos no
desenhados minuciosamente em lei, garantir que a luta entre elas se trave em
paridade em armas.
O juiz, investido por critrios estabelecidos na ordem constitucional e
mediante as formas que a lei institui, tambm um agente poltico do Estado,
portador do poder deste e expresso da democracia indireta praticada nos
Estados ocidentais contemporneos. Inexiste razo para enclausur-lo em
cubculos formais do procedimento, sem liberdade de movimentos e com
pouqussima liberdade criativa. O que precisa ficar muito claro, como fator de
segurana para as partes e como perene advertncia ao juiz, a substancial
exigncia de preservao das fundamentais garantias constitucionais do
processo, expressas no contraditrio, igualdade, inafastabilidade de controle
jurisdicional e na clusula due process of law. Cada ato do procedimento h de
ser conforme a lei, no em razo de estar descrito na lei nem na medida do
rigor das exigncias legais, mas na medida da necessidade de cumprir certas
funes do processo e porque existem as funes a cumprir. Da a grande
elasticidade a ser conferida ao princpio da instrumentalidade das formas, que
no tradicional processo legalista assume o papel de vlvula do sistema,
destinada a atenuar e racionalizar os rigores das exigncias formais; no
processo / marcado pela liberdade das formas, o princpio da instrumentalidade
tem a importncia de parmetro da prpria liberdade e serve para amparar o
respeito s garantias fundamentais, como penhor da obteno dos resultados
e, portanto, da validade do ato.
E assim que o procedimento, mais estratificado na legalidade, ou menos,
sempre constitui o plano para o exerccio da jurisdio e tambm para o da
ao e da defesa pelas partes. Sua observncia racional legitima o resultado
do exerccio do poder. Alm disso, o procedimento tem tambm o valor social
de enfraquecer o confronto, ou reduzir o conflito. Vedada a autotutela,
inclusive ao prprio Estado, as pessoas em conflito so obrigadas a canalizar
pelas vias do processo as suas pretenses antagnicas e a comportar-se, no
processo, segundo as normas do procedimento. As regras do combate que
ento se veem obrigadas a obedecer permitem-lhes combater e em certa
medida desafogar-se, fazendo-o porm pelos modos civilizados / que o Estado
lhes impe. A presena do defensor tcnico funciona tambm como anteparo
aos mpetos dos contendores e modo de manter o conflito em limites tolerveis.
155-156-157
162
17. legitimidade
166-167
Pois a desorganizao axiolgica com que na atualidade se defronta o mundo
ocidental e que conduz a uma srie crise de autoridade, constitui fator
problematizante de todas as estruturas do poder, inclusive a jurisdicional. A
Justia vai decaindo de sua condio de alvo da admirao e confiana dos
membros da populao, perdendo vulto entre as credenda e os Miranda, de
que falam os socilogos. O formalismo e lentido dos procedimentos,
associados estreiteza da via de acesso ao Poder Judicirio e impunidade
consentida pelos tribunais nestes tempos de verdadeira neurose em face da
violncia / urbana, so fatores de degradao da legitimao do poder perante
a sociedade brasileira contempornea. So decepes que se somam a
decepes e geram um estado de descrena e permanente decepo
generalizada: conduzem a comportamentos rebeldes ao sistema jurdico, como
os linchamentos e surgimento de justicieiros, chegando a conferir Justia, em
uma pesquisa de opinio pblica realizada j h mais de duas dcadas,
conceito nada abonador (nota 3,5 em escala de 0 a 10). A populao no cr
na eficincia do Poder Judicirio, prefere evitar o recurso a ele, no quer
cooperar com ele. Mas sente que precisa dele e, apesar de tudo, respeita-o,
em alguma medida, ainda cr na sua idoneidade.
168-169-170-171
No foi por acaso, v.g., que tiveram plena receptividade as iniciativas no
sentido de abrir o Poder Judicirio s pequenas causa, seja nos conselhos de
conciliao e arbitramento institudos no Sul do pas ainda sem investidura
jurisdicional, seja na Lei dos Juizados Especiais e nos juizados informais de
conciliao que no passado o Tribunal de Justia de So Paulo implantou em
foros regionais da capital e em algumas comarcas do interior desse Estado.
Essas iniciativas foram cercadas de amplos debates que a imprensa divulgou,
envolvendo juristas e entidades de classe, tudo a permitir que, atravs dos
meios de comunicao de massa, a populao sentisse a problemtica.
Resultado: criaram-se expectativas legtimas em uma Justia mais acessvel,
seja por ser gratuita, seja por ser rpida e informal. O que se viu foi o poder
estatal instituindo, mediante esse esforo de aperfeioamento da Justia, o seu
prprio processo de legitimao ou, pelo menos, processo de elevao do grau
de sua legitimidade. E os debates que foram levados a pblico, que de um lado
constituram fator de educao a gerar expectativas por uma Justia melhor,
por outro traduziram a promessa, ou seja, compromisso de um
aperfeioamento que a leve a um estado de satisfatria compatibilidade com o
que dela lcito esperar. As iniciativas em exame so ligadas generosa ideia
da universalizao da Justia, contida na promessa constitucional ainda
imperfeitamente cumprida da inafastabilidade da tutela jurisdicional; e a
populao j sente / que isso necessrio, tanto que a opinio pblica se ps
inteiramente de acordo com essas iniciativas e depois, quando implantados os
rgos para atendimento das pequenas causas, passou a fazer expressivo uso
dos seus servios. a confirmao de que a abertura da via de acesso a
justia, que constitui postulado democrtico no Estado-de-direito, vlido fator
de legitimao do sistema processual e do exerccio da jurisdio. Fenmeno
semelhante tem-se na tambm Lei da Ao Civil Pblica.
Essa Justia acessvel gratuita informal e rpida , no entanto, ainda mera
promessa em via de cumprimento. Fora do mbito das causas de menor
expresso econmica, tem-se ainda o processo tradicional muito caro e
demorado, como fator de desgaste da legitimao do sistema. O povo sabe da
lentido da Justia e do conhecimento comum a utilizao que os maus
pagadores fazem de suas delongas, seja mesmo para desencorajar pretenses
de credores (conceituado veculo de comunicao jornalstica chegou a tachar
o Poder Judicirio, sob esse prisma, de refgio da impunidade); e o que
desgasta ainda mais o sistema processual e concorre com muito peso para a
menor confiana nele, vale-se o prprio governo dessa relativa ineficincia,
para fins igualmente imorais. Por outro / lado, a falncia do sistema repressivo,
com um muito mal recebido afrouxamento de decises nos juzos criminais at
mesmo em funo da insuficincia dos presdios, tem concorrido em muito para
a generalizada impresso de uma grande impunidade dos deliquentes mais
perigosos; a populao recebeu com grande desagrado e renovado sentimento
de insegurana a inovao imposta por um juiz que determinara a ilegal soltura
provisria de criminosos convertidos a determinada confisso religiosa.
Profundo sentimento nacional de frustrao cercou tambm a impunidade
assegurada, ainda no perodo de excepcionalidade poltica, aos envolvidos nos
episdios Baumgarten, Capemi e Rio-Centro; e o inconformismo generalizado
estava agravado, nesses casos, pelo repdio da nao ao prprio sistema
poltico-militar garantidor da impunidade.
Nem esses grandes fatores de comprometimento da credibilidade do
sistema judicirio tm sido capazes, todavia, de retirar a legitimidade da
Justia. Nela deposita a populao a ltima das esperanas que lhe oferecem
as instituies humanas e so inerentes ao regime democrtico
consubstanciado no Estado de direito; seus membros sabem, de modo mais ou
menos consciente, que renunciar a essa esperana seria condenar-se ao
perptuo estado de insatisfao pessoal e profunda insegurana. Todos sabem
que necessitam da Justia e isso contribui muito eficazmente para a
manuteno do seu prestgio e permanncia da crena na obrigatoriedade de
suas decises. Sem duvidar da validade das decises imperativas emanadas
do Estado-juiz ao cabo do procedimento previamente institudo, a populao
racionalmente mantm a generalizada crena na legitimidade do sistema
processual-estatal e com isso est confiante no resguardo da / segurana de
cada um. Mesmo as frustraes individuais em face de decises desfavorveis
e ainda eventuais manifestaes incivis de rebeldia individual (como no grave
incidente havido no Tribunal Regional do Trabalho de So Paulo, em setembro
de 1985) no infirmam a legitimidade da jurisdio, nem a generalizada
aceitao dos resultados do seu exerccio.
171-172
Esse clima de respeitabilidade da Justia e confiabilidade no modo como
conduzida neutraliza em medida satisfatria a fora centrfuga representada
pelo alto preo, demora, formalismo, impunidade. E, mesmo sem crer na
eficincia da Justia, a populao confia na sua idoneidade; mesmo preferindo
no recorrer a ela, sabe que em nada mais poder confiar, quando no contar
com ela. Por isso, acata-a. E nisso reside legitimidade do poder exercido sub
specie jurisdictionis, que opera como fator de manuteno das regras sociais
de convivncia e de garantia contras as inevitveis tendncias desagregao
social e desvio das metas coletivas.
Essa legitimidade tende naturalmente a caminhar para graus mais elevados
e animadores, medida que o prprio sistema se aperfeioe, com maior
abertura do canal do acesso, maior celeridade na produo dos resultados,
menos formalismo na busca da boa soluo, ou seja, medida que se
aproxime do ideal representado pela plena efetividade do controle jurisdicional.
O que realmente tem significado e reflexos no grau de legitimidade da
jurisdio no a sua institucionalizao, em si mesma (porque sua
necessidade todos / sentem), mas as variaes do grau de sua eficincia:
existem objetivos a serem realizados mediante o seu exerccio e a populao,
no abrindo mo deles, no tem dvida em validar o poder jurisdicional. So
objetivos individuais e coletivos, situados no plano jurdico, social e mesmo
poltico propriamente dito, todos dependentes do correto exerccio da
jurisdio. Esta legitimada pelo grau de fidelidade aos seus escopos, merc
dos quais existe e exercida.
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Parte Segunda A instrumentalidade do sistema processual
177
Captulo IV Escopos da jurisdio e instrumentalidade
177
18. processo, escopos, instrumentalidade
178
19. os escopos da jurisdio
184
20. relatividade social e poltica
188
Captulo V Escopos sociais
188
21. pacificar com justia
189-190-191
sabido e repetido que a vida em sociedade gera insatisfaes, merc de
condutas contrrias aos interesses das pessoas e tambm por serem estes
literalmente infinitos, enquanto finitos so os bens da vida sobre os quais
incidem. Por insatisfao entenda-se um sentimento, um fenmeno psquico
que costuma acompanhar a percepo ou a ameaa de uma carncia. So as
insatisfaes que justificam toda a atividade jurdica do Estado e a eliminao
delas que lhe confere legitimidade. A vida em sociedade seria bem pior se os
estados pessoais de insatisfao fossem todos fadados a se perpetuar em
decepes permanentes e inafastveis; e o Estado, legislando e exercendo a
jurisdio, oferece com isso a promessa de por fim a esses estados. Eis ento
que ele define condutas como favorveis ou desfavorveis vida em grupo
(licitudes, ilicitudes), acenando com recompensas ou castigos (sanes), alm
de estabelecer critrios para o acesso aos bens da vida e s situaes
almejadas.
O Estado est, com isso, positivando o seu poder, no sentido de evitar as
condutas desagregadoras, estimular as agregadoras, distribuir os bens entre as
pessoas e, por essas formas, criar o clima favorvel paz entre os homens,
eliminando as insatisfaes. Mas eis que o Estado positiva tambm o seu
poder ao definir situaes concretas, decidindo e realizando praticamente os
resultados que entende devidos em cada caso. Legislao e jurisdio
englobam-se, assim, em uma unidade teleolgica ambas engajadas em uma
tarefa s, de cunho social, que estaria a meio caminho se fosse confiada s a
legislao e no teria significado algum se se cogitasse da jurisdio sem
existirem normas de direito substancial. E essa misso pacificadora no tem os
resultados comprometidos pelo fato de ordinariamente trazerem situao
desvantajosa a pelo menos uma pessoa.
No se busca o consenso em torno das decises estatais, mas a
imunizao delas contra os ataques dos contrariados; e indispensvel, para
cumprimento da funo pacificadora exercida pelo Estado legislando ou sub
espcie jurisdictionis, a eliminao do conflito como tal, por meios que sejam
reconhecidamente idneos. O que importa, afinal, tornar inevitveis e
provveis decepes em decepes difusas: apesar de descontentes, as
partes aceitam a deciso. Elas sabem que, exauridos os escales de
julgamento, esperana alguma de soluo melhor seria humanamente
realizvel; alm disso, ainda que inconscientemente, sabem tambm que
necessitam da proteo do Estado e no convm tranquilidade de ningum a
destruio dos mecanismos estatais de proteo mediante sistemtica
desobedincia.
Por outro lado, existe a predisposio a aceitar decises desfavorveis na
medida em que cada um, tendo oportunidade de participar na preparao da
deciso e influir no seu teor mediante observncia do procedimento adequado
(princpio do contraditrio, legitimao / pelo procedimento), confia na
idoneidade do sistema em si mesmo. E, por fim: psicologicamente, s vezes a
privao consumada menos incmoda que o conflito pendente: eliminado
este desaparecem as angstias inerentes ao estado de insatisfao e esta, se
perdurar, estar desativada de boa parte de sua potencialidade anti-social.
191
22. educao
191-192-193
O acesso justia, mais do que ingresso no processo e aos meios que ele
oferece, modo de buscar eficientemente, na medida da razo de cada um,
situaes e bens da vida que por outro caminho no se poderiam obter. Seja
porque a lei veda a satisfao voluntria de dadas pretenses (v.g., anulao
de casamento), seja porque a pessoa de quem se poderia esperar a satisfao
no satisfez (inadimplemento), quem no vier a juzo ou no puder faz-lo
renunciar quilo / que aspira. Em outras palavras, no ter acesso ordem
jurdica justa nos casos em que, por fs ou por nefas, sem o processo no
possa sequer chegar at ao processo. Nessa viso instrumentalista, que
relativiza o binmio direito-processo e procura ver o instrumento pela tica da
tarefa que lhe compete, sente-se o grande dano substancial ocasionado s
pessoas que, necessitando dela, acabem no entanto ficando privadas da tutela
jurisdicional. E, com realismo na observao, sente-se que no s acontece
isso quando a impossibilidade econmica fecha o caminho s pretenses dos
menos favorecidos, como ainda em outros casos, menos ntidos, em que o
despreparo, a descrena, a desproporo entre o custo e o retorno esperado,
ou ainda o prprio sistema jurdico desatualizado, interpem-se entre a
pretenso e o processo e acabam constituindo-se em obstculos muito
poderosos. A cincia processual moderna assumiu o encargo de denunci-los,
aps hav-los identificado em muitas oportunidades, para que eles possam ser
adequadamente removidos. Com essa conceituao, o tema do ingresso em
juzo (ou admisso ao processo) menos amplo que o do acesso justia.
335
36.2 o modo-de-ser do processo
337
E, assim, conclui-se que so quatro os temas de interesse vital, relacionados
com o modo de ser do processo, para a presente investigao: contraditrio,
inquisitividade, prova e procedimento. Nenhum deles tem valor absoluto, nem
deixar de haver superposies, nem talvez seja exaustivo o elenco, mas a
considerao desses quatros pontos bastante satisfatria e seguramente o
modo como sejam empiricamente tratados repercutir no grau de efetividade
da tutela jurisdicional atravs do processo.
345-346
Outro caso destacado da efetividade buscada atravs de disposies sobre o
procedimento est na Lei dos Juizados Especiais. Ali, a liberdade das formas
preconizada mediante adoo do critrio da informalidade, mais a celeridade
recomendada em norma programtica e cultivada no modo de ser do desenho
procedimental traado, constituem pattica advertncia ao juiz, para que
participe pessoal e intensamente da causa e da sua instruo para que cuide
de emitir em breve tempo o provimento. Tambm no contexto dessa lei, o
procedimento em si mesmo no o depositrio de todo o valor da inovao.
Trata-se de um novo processo, revolucionrio no modo como / se pretende que
se relacionem os seus sujeitos e nos rumos pelos quais se quer que o juiz
conduza os seus interesses, marcadamente buscando a conciliao e depois
julgando com obcecada preocupao pela justia. O procedimento tem o valor
que lhe normal em todos os casos, qual seja o de servir de plano para esse
trabalho de aproximao entre o juiz e a causa. O que se quer, com essas
novas disposies, afinal a pacificao to pronta quanto possvel, para a
menor possvel durao do estado social de insatisfao. Se a lei for bem
cumprida, o processo ter condies, ali, de atingir aos graus mais satisfatrios
de efetividade que se podem almejar, especialmente no tocante ao escopo
social considerado.
347
36.3 justia nas decises
351
Todo esse empenho em extrair justia das atividades desenvolvidas no
processo est manifesto em disposio explcita na Lei dos Juizados Especiais,
onde se diz que o juiz adotar em cada caso a deciso que reputar mais justa
e equnime, atendendo aos fins sociais da lei e s exigncias do bem comum.
Tal colocao, reflexo evidente de norma contida na Lei de Introduo ao
Cdigo Civil, seria vazia de objetivos, no fosse a sensvel preocupao em
lembrar ao juiz o seu solene compromisso com a justia e conclam-lo a
proferir decises justas, sem formalismos ou comodismos.
351
36.4 efetividade das decises
359
37. instrumentalidade e acesso justia
359-360-361-362
Tudo quanto foi dito ao longo da obra volta-se a essa sntese muito generosa
que na literatura moderna leva o nome de acesso justia. Falar em
instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa, no contexto,
falar dele como algo posto a disposio das pessoas com vista a faz-las mais
felizes (ou menos infelizes), mediante a eliminao dos conflitos que as
envolvem, com decises justas. Mais do que um princpio, o acesso justia
a sntese de todos os princpios e garantias do processo, seja no plano
constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinria e
jurisprudencial. Chega-se ideia do acesso justia, que o polo
metodolgico mais importante do sistema processual na atualidade, mediante o
exame de todos e de qualquer um dos grandes princpios.
A garantia de ingresso em juzo (ou do chamado direito de demandar)
consiste em assegurar s pessoas o acesso ao Poder Judicirio, com suas
pretenses e defesas a serem apreciadas, s lhes podendo ser negado a
exame em casos perfeitamente definidos em lei (universalizao do processo e
da jurisdio). Hoje busca-se evitar que conflitos pequenos ou pessoas menos
favorecidas fiquem margem do Poder Judicirio; legitimam-se pessoas e
entidades postulao judicial (interesses difusos, mandado de segurana
coletivo, ao direta de inconstitucionalidade estendida a diversas entidades
representativas); e o Poder Judicirio, pouco a pouco, vai (p. 360) chegando
mais perto do exame do mrito dos atos administrativos, superando a ideia
fascista da discricionariedade e a sutil distino entre direitos subjetivos e
interesses legtimos, usadas como escudo para assegurar a imunidade deles
censura jurisdicional. Nessa e em outras medidas voltadas universalidade do
processo e da jurisdio reside o primeiro significado da garantia constitucional
do controle judicirio e o primeiro passo para o acesso justia.
Essa garantia no um fim em si mesma. A progressiva reduo do rol dos
conflitos no jurisdicionalizveis e das pessoas sem acesso [ao] Judicirio seria
coisa sem muito significado social e poltico se no existisse a garantia do
devido processo legal, que por um de seus possveis aspectos a expresso
particularizada do princpio constitucional da legalidade, enquanto voltado ao
processo. Constitui segurana para todos o sistema de limitaes ao exerccio
do poder pelo juiz, de deveres deste perante as partes e de oportunidades
definidas na lei e postas disposio delas, para atuao de cada uma no
processo segundo seu prprio juzo de convenincia (regras sobre
procedimento, prova, recursos, etc). A efetiva observncia dessas limitaes e
deveres, mais a oferta dessas oportunidades mediante a racional interpretao
e efetivao das regras formais do processo, so inerncias da legalidade do
Estado-de-direito. As partes tm verdadeiro direito ao processo, corporificado
nessas regras formais do sistema processual e garantidas constitucionalmente
mediante a explcita adoo da clusula due process of law. (p. 361)
Compreende-se facilmente, ainda, que sequer essa solene garantia
constitucional de legalidade vale por si prpria, mas como penhor da
observncia de algo maior significado substancial, que o contraditrio
processual. O cumprimento do devido processo legal, que legitima os
provimentos jurisdicionais, legitima-os justamente porque a experincia mostra
ao constituinte, ao legislador, ao juiz e a todos, que a observncia dessas
regras o caminho mais seguro para a efetividade do contraditrio.
indispensvel todo o sistema de informes s partes sobre os atos processuais
do juiz, dos seus auxiliares e da parte contrria. indispensvel que a esses
atos e provimentos possa a parte reagir adequadamente, gerando situaes
novas, de sua convenincia. indispensvel, tambm, que entre as partes e o
juiz se instale no processo um dilogo construtivo, no sentido de melhor
instruo daquele para decidir. Informao mais reao com dilogo eis a
receita do contraditrio, segundo a sua mais moderna conceituao.
Nem a garantia do contraditrio tem valor prprio, todavia, apesar de to
intimamente ligada ideia do processo, a ponto de hoje dizer-se que a parte
essencial deste. Ela e mais as garantias do ingresso em juzo, do devido
processo legal, do juiz natural, da igualdade entre as partes todas elas
somadas visam a um nico fim, que a sntese de todas e dos propsitos
integrados no direito processual constitucional: o acesso justia. Uma vez
que o processo tem por / escopo magno a pacificao com justia,
indispensvel que todo ele se estruture e seja praticado segundo essas regras
voltadas a fazer dele um canal de conduo ordem jurdica justa.
362
38. temas fundamentais do processo civil moderno
365
Concluses
365
A Concluses de ordem geral
367
B Outras concluses
369
8. O processo miniatura do Estado democrtico (ou microcosmos do Estado-
de-direito), por ser construdo em clima de liberdade e com abertura para a
participao efetiva dos seus sujeitos, os quais so tratados segundo as regras
da isonomia (v.n.3)
369
9. O processo, sendo espelho do Estado em que vive, no Estado-de-direito
contemporneo de cunho social, h de ser tambm marcado pela legalidade e
dotado de meios que assegurem a liberdade e igualdade dos litigantes (v.n.4)
(quanto ao sentido da legalidade, v. contudo o n. 16)
377-378
47. Admisso em juzo problema ligado abertura da vida de acesso ao
processo, seja para a postulao de provimentos, seja para a resistncia: no
s para demandar existe o problema da estreiteza dessa via, mas tambm para
defender-se. Por outro lado, a questo social, com os problemas de
desigualdade econmica, no exaure o tema da admisso em juzo; este
abrange questes que se situam no campo econmico (pobreza, alto custo do
processo), no psicossocial (desinformao, descrena na Justia) e no jurdico
(legitimidade ativa individual). A efetivao da possibilidade de admisso em
juzo inclui, portanto, medidas em todos esses setores (e as leis para as /
causas de menor complexidade e para a tutela jurisdicional ao meio ambiente e
outros valores constituem valiosos passos nesse sentido) (v.n.36.1)
378-379
51. Tal a ideia do acesso justia, que constitui a sntese generosa de todo o
pensamento instrumentalista e dos grandes princpios / e garantias
constitucionais do processo. Todos eles coordenam-se no sentido de tornar o
sistema processual acessvel, bem administrado, justo e afinal dotado da maior
produtividade possvel (v. 37). A propsito, afirma-se energeticamente que a
prpria instrumentalidade do processo, como mtodo, no exaure a sua misso
se no for capaz de efetivamente conduzir ao aperfeioamento do sistema, na
sua vivncia cotidiana. O ciclo doutrinrio desta fase instrumentalista j fez o
que lhe cumpria e este estudo mesmo uma sntese do que a respeito foi
construdo com muito brilho e criatividade pelos processualistas da escola
contempornea. Agora, mos obra: preciso, (a) de um lado, dotar o sistema
de instrumental bastante gil e rente realidade e (b) de outro, influir no
esprito dos operadores do sistema, para que empreguem o novo instrumental
e tambm o velho, com mentalidade nova. Sem mentalidade instrumentalista
nos juzes, advogados e promotores de justia, no h reforma que seja capaz
de ter alguma utilidade.