000463613
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Tese de Doutorado
Porto Alegre RS
2005
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO E INFORMAO
Tese de Doutorado
Porto Alegre - RS
2005
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO E INFORMAO
_________________________________________________________________
Profa. Dra. Zlia Leal Adghirni
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Hohlfeldt
__________________________________________________________________
Profa. Dra. Dris Fagundes Haussen
__________________________________________________________________
Profa. Dra. Christa Berger
A MEU PAI
Velho castelhano que freqentou a escola apenas o tempo necessrio para aprender as quatro
operaes bsicas de matemtica e a ler e escrever um bilhete porque mantendo o rdio
ligado nos noticirios de Montevidu e Buenos Aires alertou-me para a existncia de outro
mundo alm dos cerros do Caver; porque hoje, aos 83 anos, continua referncia de
dignidade, respeito e alegria.
MINHA ME
Que sonhava ser professora e no pde. Que relata seus sonhos, passados e futuros, com o
talento de uma jornalista porque procuro compens-la fazendo meus os seus sonhos e
realizando parte dos seus desejos; porque me acolhe incondicionalmente.
Ao Prof. Dr. Srgio Capparelli, orientador competente, acolhedor e carinhoso que sempre
confiou em mim e me conduziu com segurana e serenidade durante esta caminhada.
s Professoras Dra. Dris Fagundes Haussen e Dra. Christa Berger, pela qualidade das
leituras e discusses proporcionadas em aula e pelas contribuies a este trabalho no Exame
de Qualificao.
Ao Prof. Dr. Raymundo Guimares, pelo carinho e dedicao com que me auxiliou nos
clculos e em algumas das anlises econmicas durante a pesquisa que resultou nesta tese.
Profa. Dra. Ana Cludia Gruszynski, pela pronta colaborao nos momentos de tenso que
antecederam o Exame de Qualificao e a Defesa de Tese. E pela amizade.
s Professoras Dra. Karla Maria Muller, Dra. Mrcia Benetti Machado, Dra. Nilda Jacks e
Vera Gerzson, pelo estmulo e amizade.
Aos jornalistas Marcelo Rech, Marta Gleich, Clvis Heberle, Lauro Schirmer, Rosane de
Oliveira, Maria Isabel Hammes, Valria Pereira, Letcia Sander e Isabel Marchezan, pela
gentileza com que me receberam em Zero Hora, pela disponibilidade demonstrada nas
entrevistas e durante os procedimentos de observao.
Aos colegas professores do Departamento de Comunicao, pela boa vontade com que
assumiram minhas atribuies docentes no ltimo ano do curso de Doutorado, para que eu
pudesse me dedicar integralmente concluso desta tese.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por me acolher como docente em seus quadros
e me proporcionar um curso com a qualidade do PPGCOM, apesar de todas as dificuldades
por que passam as universidades pblicas.
Pessoais:
de que h relao entre as mudanas provocadas pela reestruturao capitalista e pelas novas
servios e entretenimento.
The objective of this thesis is to analyse the implications of the actual global stage of
Capitalism over the journalistic organizations and to see the form of manifestation the flexible
cummulative regime causes on the structures of work organization and of the news production
in printed midia.
that exist relaction between the changes caused by a reestructured Capitalism and the
Information and communications new technologies, and the emergency of a new concept of
Journalism less bind to the idea of notice (expression of relevant journalistc information) or
news of public interest and more connected to concepts of information, general services and
entertainment.
INTRODUO ..............................................................................................................p.11
BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................p.337
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1:
Quadro de cargos/funes e respectivas atribuies numa redao do tipo fordista..........p.195
Figura 2:
Quadro de veculos, empresas e unidades de negcios da RBS..........................................p.244
Figura 3:
Quadro de cargos/funes e respectivas atribuies na redao flexvel de Zero Hora.....p.271
Figura 4:
Quadro de evoluo do Piso Salarial dos Jornalistas em Porto Alegre RS......................p.286
Figura 5:
Representao da evoluo do Piso Salarial dos jornalistas de Porto Alegre.....................p.287
INTRODUO
prossegue nestes primeiros anos do sculo XXI, com nfase naquelas transformaes
comunicao e informao.
weberiana, assegura tratar-se de evento que comea a se configurar com o que denomina
capitalismo. Nesse sentido, configuraria uma espcie de intervalo na histria, pontuado por
eventos importantes que correm com rapidez e ajudam a estabelecer a prxima era estvel.
Articulados, novas tecnologias e capitalismo estariam a implicar mudanas nos mais diversos
1
O autor refere-se ao sistema tecnolgico em que todas as sociedades estariam imersas nos anos 1990 e que teria
surgido nos Estados Unidos, na dcada de 1970, quando todas as tecnologias bsicas de informao, embora
baseadas em conhecimentos j existentes, tiveram um salto qualitativo: difuso macia em aplicaes comerciais
e civis, devido facilidade de acesso, ao baixo custo e maior qualidade (Castells, 2000a).
12
mbitos da vida social, dando origem ao que chama de sociedade em rede, a estrutura social
de novas tecnologias, constitudas como um sistema na dcada de 1970, serviu de base para a
1980 teria condicionado em grande parte seus usos e trajetrias na dcada de 1990.
Harvey (2001), a partir de uma das vertentes marxistas da Economia Poltica, a Escola de
regime de acumulao flexvel, ps-fordista na transio dos sculos. Para o autor, o ps-
fordismo comea a se estruturar precisamente a partir de 1973, quando teria tido incio o
A reestruturao capitalista a que se referem os autores uma reao crise dos anos
1970, representada pela superacumulao3, pela ruptura do Acordo de Bretton Woods4, pela
escassez do petrleo e pela elevao dos preos. Do ponto de vista poltico, compe a crise do
2
Modo de organizao da produo em vigor nos pases capitalistas avanados no perodo entre o final da
Segunda Guerra Mundial e o incio da dcada de 1970.
3
Superacumulao: condio em que podem existir ao mesmo tempo capital ocioso e trabalho ocioso, sem
nenhum modo de se unirem como recursos para a consecuo de tarefas socialmente teis. Em outras palavras,
grande capacidade produtiva ociosa, excesso de mercadorias e de estoques, excedente de capital-dinheiro e
elevados ndices de desemprego (Harvey, 2001, p. 170).
4
O acordo de Bretton Woods fora celebrado em 1944 e institua a conversibilidade fixa dos dlares americanos
em ouro. Com isso, a moeda norte-americana tornou-se o meio do comrcio mundial. Com a ruptura, nos anos
1970, as taxas de cmbio passaram a flutuar livremente (Harvey, 2001).
13
ao processo, h um certo consenso quanto aos eventos que contribuem para a mudana: a
estruturam a nova organizao social, nomeada de sociedade em rede (Manuel Castells), ps-
corrente no senso comum5 que tanto pode ser interpretada como o triunfo final do capitalismo
Ao discorrer sobre as teorias do ps-moderno, Jameson (1996) observa que elas mantm
grande semelhana com todas as generalizaes sociolgicas mais ambiciosas que, mais ou
totalmente novo de sociedade, cujo nome mais famoso seria sociedade ps-industrial,
proposto por Daniel Bell. Adverte, entretanto, que essa nova sociedade tambm pode ser
high-tech, entre outras denominaes. Tais teorias, segundo ele, teriam a misso ideolgica de
demonstrar que a nova formao social no mais obedeceria s leis do capitalismo clssico,
veemente de pensadores da tradio marxista, com exceo de Ernest Mandel. Para este, a
nova formao social que denomina capitalismo tardio nada mais do que um estgio do
capitalismo, o mais puro de qualquer dos momentos que o precederam (Jameson, 1996).
Quanto a essa variedade de denominaes, Sodr (2003) observa que todo fenmeno
social de largo alcance gera linguagem prpria ou, pelo, menos, uma prtica discursiva pela
5
Que se refere ao mesmo processo tambm como neoliberalismo.
14
fenmeno. Por isso, o sentido de uma palavra como globalizao define-se em funo de
pelo discurso globalista, que pretenda recalcar conflitos ou antagonismos diante dessa idia.
particular que se quer universal, aparncia societria que se toma pelo ser social (Sodr,
2003, p. 22).
chama-se globalizao, cumpre-nos esclarecer que, nesta tese, o fenmeno entendido como
representa o incio de um novo ciclo dentro da mesma etapa monoplica do capitalismo, que
se institui com o suporte das novas tecnologias de comunicao e informao que, por sua
razo disso, o setor das comunicaes atravessa perodo de profundas mudanas, que vo da
instituio de novos marcos regulatrios nos estados nacionais em que atuam reestruturao
A necessidade de atrair grande volume de capitais para fazer frente aos vultosos
economia poltica crtica da comunicao. Para se adaptar racionalidade requerida pelo ciclo
tendem a se fundir, a se associar e a fazer todo tipo de acordo corporativo possvel para
corporaes hoje tarefa complexa que necessita de acompanhamento constante, pela rapidez
com que se operam mudanas nas suas composies acionrias. O capital tem distintas
16
origens - tanto pode vir da chamada nova economia6 quanto do mercado financeiro, da
obteno de lucros.
de contedos culturais para difuso em mdias especficas (jornais, revistas, rdio, televiso,
monopolizao dos mercados dos produtos culturais, representada pela mais recente onda
tecnoprodutiva. Tendem a ser peculiar, no entanto, as mudanas que se referem posio dos
regular com soberania a atuao dos grupos transnacionais e quanto s condies em que as
empresas nacionais se posicionam diante dos players que comandam a globalizao nas
comunicaes.
restritiva ao pleno desenvolvimento do capital foi eliminada atravs de uma srie de emendas
Constituio de 1988, aprovadas na segunda metade dos anos 1990. Entre outros, foi
6
Segmento constitudo por empresas de alta tecnologia.
17
entrada do capital estrangeiro nas empresas que passaram a operar os servios depois das
privatizaes. Leis especficas sobre televiso paga e telefonia mvel tambm integram os
novos padres de regulao das comunicaes. Alm disso, desde 2002 a Constituio
monopolizao dos mercados, tanto em nvel nacional (especialmente no caso das emissoras
produtivos, reestruturados.
explicam o carter caudatrio dos grupos de mdia nacionais diante de scios estrangeiros. Os
dois mais recentes negcios envolvendo grupos de mdia nacionais e o capital transnacional
expanso dos seus negcios para a arena global e mais em razo da necessidade, da crise
nas empresas jornalsticas e de radiodifuso, e para sair da crise que atinge todo o setor de
mdia desde o final da dcada de 1990, a Editora Abril e a Capital International, Inc.
transnacional.
No final do ano de 2004, a compra da Sky pela News Corp, holding que j era proprietria
da Directv, deixa nas mos de um nico controlador, Rupert Murdoch, 95% do mercado
brasileiro de televiso por satlite. A fuso representa a criao de um novo monoplio, agora
sociedade em rede. Ainda na metade dos anos 1990, quando desenvolvia pesquisa sobre o
nesse cenrio macro-estrutural que se enquadra o objeto de estudo desta tese. Como se
vem de perodos anteriores, a anlise incide sobre duas fases: 1) a de consolidao das
concepo de jornalismo, tomando como exemplo o jornal Zero Hora, de Porto Alegre (RS).
20
Para que o 5 objetivo especfico possa ser alcanado, preciso esclarecer a concepo de
varivel conforme o perodo, e que pode se estruturar de modo regular nos mais diversos
pblica em que se estabelece a agenda dos assuntos em torno dos quais se estrutura o
fenmeno de difcil definio chamado opinio pblica. Nesse sentido, no se confunde com
imprensa, que nada mais que o corpo material do jornalismo, sua base tecnolgica (jornal,
interpessoal direta ou dos mtodos artesanais (Genro Filho, 1989). Ao fazer a distino entre
A concepo que serve de modelo imprensa moderna remonta aos ideais do Iluminismo
para o senso comum, desempenhando o papel de mediador, de intrprete dos fatos e dos
7
Autoritria, Liberal, da Responsabilidade Social e Comunista Sovitica (Sieber, Schramm e Peterson apud
Kunczik, 1997, p. 74-79).
21
relao a outras naes latino-americanas8. No incio do sculo XIX, quando a famlia real
final do sculo; humorstica e sindical, nas primeiras dcadas do sculo XX. A concepo de
jornalismo como notcia, contudo, fenmeno recente, de meados do sculo XX. Integra o
processo de modernizao iniciado no final dos anos 1950 e intensificado na dcada de 1960.
determinadas pelas formas, pelos mtodos e pelos objetivos de quem produz e do pblico a
que se destina (Moretzohn, 2002). Nessa perspectiva, seria possvel pensar em jornalismo
humorstico, informativo. Essa pluralidade impe que se defina a que concepo se faz
referncia.
jornalsticas nos anos 1960 (Ortiz, 1991; Taschner, 1992; Abreu, 1998; Lattman-Weltman,
2003). No Rio Grande do Sul, o perodo inclui tambm a dcada de 1980, quando a Rede
8
O Mxico conheceu a imprensa em 1539; o Peru, em 1583; as colnias inglesas (Guiana e Trinidad & Tobago),
em 1650 (Sodr, 1983).
22
outras mdias pelo fato de integrarem os mesmos conglomerados. Abrange alguns aspectos
cadernos, suplementos e sees voltados para pblicos especficos, cujos contedos editoriais
definem-se mais pela prestao de servios e pelo entretenimento e menos pela informao
jornalstica, nos termos expressos pelos conceitos de notcia. Em casos extremos, os jornais
Por conta disso, sustenta-se a hiptese que as mudanas nas estruturas organizacionais da
mdia, nas rotinas de produo e nas atividades profissionais devem-se s determinaes das
Portanto, medida que a globalizao emerge como um novo ciclo no capitalismo, uma nova
investig-lo, a perspectiva terica dominante nesta anlise dada pela Economia Poltica da
Comunicao, na sua verso crtica. A opo decorre do seu potencial explicativo para os
uma porta de entrada para o exame da vida social. No sendo reducionista, permite-nos
comunicao, advertindo-nos quanto multiplicidade das suas causas. Justifica-se tambm por
significar uma forma de interveno social, uma maneira de o pesquisador ascender prxis
(Mosco, 1996).
avanadas entre a Segunda Guerra Mundial e os anos 1970; e por ps-fordismo, o regime
flexvel hegemnico a partir dessa data. No Brasil, tanto um quanto outro regime de
avanados.
9
Ao sustentar hiptese que privilegia a estruturao econmica da globalizao nas comunicaes no se est a
excluir outras possibilidades de interpretao quanto s mudanas que vm ocorrendo no jornalismo. Trabalha-se
com uma perspectiva terica que apenas uma porta de entrada (Mosco, 1996), que d relevo a questes de
economia poltica somando-se a outras abordagens, e no se opondo a elas.
24
dos leitores. Caracteriza-se tambm pela afirmao do conceito de notcia como expresso do
tradio norte-americana.
segmentado e flexvel (atravs de cadernos, sees, pginas, edies diferenciadas etc.), com
emergncia trata o leitor como cliente. Por isso, adota uma srie de estratgias para agradar
Escola Regulacionista.
25
dadas nem pelo mtodo bibliogrfico nem pela observao. Recomendadas como mtodo de
obteno de informaes sobre a realidade de atores sociais, foram realizadas com aqueles
que efetivamente so os agentes dos processos analisados, que se envolvem diretamente nas
vir a ser esclarecidas mediante a observao participante e sistemtica. Nesta tese, os dois
10
O conceito global ou globalizao refere-se a um ciclo dentro da etapa monoplica. Utiliza-se a expresso
global ou globalizao para dar nfase e para distingui-la do ciclo anterior transnacionalizao total do capital,
possibilitada pelas novas tecnologias.
11
Flexvel porque no obedece a critrios rgidos de sistematizao do contedo manifesto no jornal. Toma esses
contedos em grandes unidades o caderno principal, os cadernos segmentados, os critrios de noticiabilidade.
26
necessrios consecuo dos objetivos desta tese. Alm das entrevistas com profissionais
trabalho dos jornalistas durante uma semana, perodo em que tambm se conversou
1998) no estado do Rio Grande do Sul, no sentido de que exerce papel hegemnico no
propriamente pelo prestigio ou pela circulao, mas por pertencer ao principal conglomerado
objeto, apenas algumas questes. Nesta pesquisa, utilizam-se algumas tcnicas comuns aos
estudos de caso, como observao e entrevista, para analisar a organizao das rotinas de
Os resultados obtidos com a investigao nesse campo emprico, como prprio dos
12
O estudo de caso caracteriza-se pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de forma a
permitir o seu conhecimento amplo e detalhado (Gil, 1999). a estratgia recomendada para o exame de
acontecimentos contemporneos em que o pesquisador no possa manipular os comportamentos relevantes.
Trata-se de um estudo emprico que investiga um fenmeno atual dentro do seu contexto de realidade, quando as
fronteiras entre o fenmeno e o contexto no so claramente definidas. Com o uso de muitas tcnicas (pesquisa
bibliogrfica, observao participante, no participante, direta, sistemtica, entrevistas etc.), vm sendo muito
27
ressalvas. No podem ser transpostos simplesmente para outros jornais de outras empresas,
cincias sociais cabe se preocupar com os casos particulares, deixando as leis generalizantes a
Estrutura da tese
Poltica como alternativa terica, seus conceitos, sua importncia para os estudos de objetos
indstrias culturais no Brasil. Resgata-se o contexto econmico, social e poltico do Pas nas
dcadas de 1960 e 1970, e destaca-se o papel estratgico das indstrias de bens culturais para
a consecuo dos objetivos ideolgicos, tanto do regime militar vigente, quanto das classes
mudanas que atingem o jornalismo nas indstrias culturais. Faz-se uma sntese das fases da
da subordinao das empresas lgica das indstrias culturais. Analisa-se a relao jornal-
culturais.
utilizados nas cincias sociais, apesar das crticas que recebe quanto falta de rigor e dificuldade de
generalizao (Yin, 2001).
28
A consolidao das indstrias culturais no Rio Grande do Sul objeto do captulo 4, onde
subordinados lgica capitalista dominante nas empresas. Sustenta-se que apenas Zero Hora
Horkheimer. Tambm se analisa a forma como o jornal conquista hegemonia em relao aos
jornalistas.
contextualizar a crise que atinge a mdia jornalstica brasileira no final da dcada de 1990 e
primeiros anos da dcada de 2000, sobretudo a crise que se abate sobre a RBS, e Zero Hora,
na virada do sculo.
anlise dos elementos empricos coletados na redao do jornal Zero Hora. Faz-se uma
Por fim, no Captulo 8, retoma-se a discusso terica sobre a notcia como expresso do
como se apresentam algumas questes que foram surgindo no decorrer da investigao e que,
Estados Unidos e na Europa, vem sendo analisada tanto nas suas facetas particulares como na
relativo consenso quanto sua natureza complexa, que requer, em conseqncia, a pluralidade
debitadas na conta de dois fatores principais que mantm relaes entre si: a) as novas
relao entre esses dois fatores reside no papel que um deles as novas tecnologias
no teria sido possvel sem a base tecnolgica fornecida pelas novas tecnologias de
de analistas de mercado, aponta para um cenrio mundial, em curto prazo, dominado por
miditico reinante, Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, chega a dizer que o
com o advento do digital e da multimdia, que seu alcance j comparado por alguns com a
sculo XX, e que tende a se aprofundar no sculo XXI. nesse cenrio que se pretende
Em razo disso, para a consecuo dos objetivos desta pesquisa, para o tipo de problema
objeto de estudo a opo pela Economia Poltica da Comunicao, na sua verso crtica, como
32
se tratar de teoria realista, inclusivista e crtica. Mosco (1996) a entende realista porque parte
do pressuposto de que a realidade constituda tanto daquilo que vemos quanto do modo
como explicamos o que vemos. Com isto quer dizer que a realidade feita de observaes
que apenas mais uma entre tantas possibilidades de explicao de um fenmeno. No sendo
Culturais ou os estudos de poltica) para o exame de amplos espectros da vida social. E, por
fim, crtica. O autor ressalta esse carter da teoria em relao economia poltica como um
est circunscrita.
Para melhor compreenso do lugar de onde se est a investigar o objeto indstria da mdia
como sua histria, seus pressupostos, suas vertentes e seus objetos de estudo, de forma a
pelo menos preferencialmente, um caminho entre os vrios que nos apresenta a Economia
opo recai sobre a Escola Francesa de Regulao, a respeito da qual discorre-se na parte final
deste captulo.
Economia Poltica, cuja existncia remonta ao sculo XVIII. Mosco (1996), ao analisar as
aproximao da disciplina com a comunicao. O crescimento da sua vertente crtica, por seu
culturais na sua relao com o marketing e com processos econmicos e sociais mais amplos.
A crtica passou ento a ser feita a partir de valores humansticos. A economia poltica crtica
Dois fatores, na avaliao de Mosco (1996), teriam sido decisivos para o crescimento da
estagnao dos anos 1960 e 1970, que gera a crise internacional do capitalismo (produo em
que, alm das razes econmicas e intelectuais, motivam esse esforo as mudanas
significativas que transformaram a economia poltica global nos ltimos anos. As mudanas a
34
que se refere so, segundo suas prprias palavras, a derrota do comunismo, a estagnao e
Terceiro Mundo e a ascenso dos movimentos sociais que atravessam as divises de classe
tradicionais.
sobre os sistemas de comunicao, mas sobre as indstrias culturais, que passam a ser o
estudiosos passam a se interrogar acerca dos problemas encontrados pelo capital para produzir
valor a partir da arte e da cultura. Refutam a idia de que a produo da mercadoria cultural
(livro, disco, cinema, jornal, tv etc.) responda a uma s e mesma lgica, argumentando que a
diferenciam fortemente uns dos outros, por setores que apresentam suas prprias leis de
A segmentao das indstrias culturais pelo capital, explica Mattelart (1999), traduz-se
seu contedo, nos modos de institucionalizao das diversas indstrias culturais, no grau de
Comunicao rompem tambm com algumas das teses clssicas do marxismo a respeito da
condies para a sua prpria queda, ao aprofundar as contradies das foras sociais.
Mattelart (1999) explica que a economia poltica vai contrapor-se a essa viso, dizendo que
avanados2.
modelo de anlise, as indstrias culturais, pesquisadas na sua lgica particular, passam a ser
vistas no cenrio do capitalismo internacional que se alastra alheio s fronteiras dos estados
nacionais.
1
O desenvolvimento do subdesenvolvimento a tese de uma das vertentes da Economia Poltica, representada
por Andr Gunder Frank.
2
Tese de uma das vertentes da Teoria da Dependncia, formulada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo
Faletto, na dcada de 1960, para explicar o modelo de capitalismo em vigor na Amrica Latina. O ensaio escrito
em Santiago do Chile, poca em que os autores trabalhavam com economistas e planejadores da CEPAL,
instituto internacional de ensino, pesquisa e assessoria planificao, visava estabelecer um dilogo com os
economistas sobre o desenvolvimento na Amrica Latina, para salientar a natureza social e poltica do processo.
O problema consistia em mostrar como se d a relao e as implicaes que derivam da forma de combinao
que se estabelece entre economia, sociedade e poltica, em momentos histricos e situaes estruturais distintos.
O trabalho se tornou uma das principais referncias para a economia poltica latino-americana, na medida em
que procura esclarecer alguns pontos controvertidos sobre as condies, possibilidades e formas do
desenvolvimento econmico em pases que mantm relaes de dependncia com os plos hegemnicos do
sistema capitalista, mas, ao mesmo tempo, constituram-se como naes e organizaram-se em estados nacionais
que aspiram soberania.
36
necessidades do centro.
Esse esquema recebe o nome de troca desigual, o que significa que o capitalismo
percebido como a criao da desigualdade no mundo e s pode ser compreendido num espao
cultura constitui parte essencial, manifesta, dessa configurao centrpeta do mundo, com suas
apropriaram das vrias escolas de anlise para, ento, delinear um mapa que toma como
Economia Poltica. A primeira delas seria a Ortodoxa, que, na sua avaliao, ocuparia o
Uma segunda vertente seria a Institucional, levemente esquerda do centro. Essa tradio
de acordo com o poder de controle das corporaes e dos governos. A terceira vertente seria
37
representada pelos neomarxistas, cujos exemplos podem ser encontrados na Escola Francesa
Finalmente, a quarta tradio seria representada pelas escolas geradas nos movimentos
que se concentra nas ligaes entre o comportamento social e o ambiente orgnico maior.
anlise, Mosco (1996) prope sua visualizao num mapa. Segundo ele, a Economia Poltica
Terceiro-Mundista.
O autor explica que a pesquisa norte-americana foi influenciada extensivamente por duas
figuras fundadoras, Dallas Smythe e Herbert Schiller, e seus estudos se alimentam das
tradies marxistas e institucionais. O trabalho desses autores e seus discpulos atenta para a
A pesquisa europia, na sua avaliao, est menos ligada a figuras fundadoras e mais
Mosco (1996) identifica ainda duas direes. Uma delas d nfase ao poder de classe e
38
capitalista maior, e a resistncia das classes subalternas e dos movimentos sociais que se
pesquisa europia enfatiza a luta de classes e mais proeminente nos trabalhos de Armand
Mattelart, que segue, conforme o autor, uma variedade de tradies, incluindo a Teoria da
nacional, para compreender a comunicao como uma entre as principais fontes de resistncia
ao poder3.
uma larga rea de interesses. Forjada nos anos 1950 e 1960, teria seguido duas direes: 1)
econmica, social e cultural dos pases subdesenvolvidos. A mdia era vista como um ndice
3
Para um levantamento geral de autores fundadores da Economia Poltica da Comunicao na Europa, seus
interesses de pesquisa, colaboradores e representantes da nova gerao, ler Mosco (1996, p. 77-78).
39
assim como a introduo de modernos meios de comunicao, era crucial para melhorar a
modernizador, que inclua, tambm, a necessidade de mudanas nas estruturas sociais, como a
familiar, e nas estruturas polticas, construindo uma classe de apoio de lderes locais e
sobre comportamento, atitudes e valores dos indivduos do Terceiro Mundo. Tambm ajudou
O centro foi criado em 1959 pela Unesco, pela Organizao dos Estados Americanos e
Raymond Nixon, John McNelly, Jacques Kayser e Joffre Dumazedier. Os temas de pesquisa
prescrio do receiturio de modernizao para o Terceiro Mundo e sua realizao que teria
4
A Aliana para o Progresso significou o programa modernizador (sade, educao, desenvolvimento rural)
concebido pelo governo norte-americano para a Amrica Latina como reao influncia do regime cubano.
40
nascido a crtica de autores como Armand Mattelart, no Chile, Paulo Freire5, no Brasil,
Antonio Pasquali, na Venezuela, e Eliseo Vern, na Argentina. Estes teriam sido os primeiros
a analisar as conseqncias dos programas de desenvolvimento das mdias. Nos seus estudos
Dessa forma, a partir do final dos anos 1960, e por toda a dcada de 1970, a crtica
Dependncia. Da mesma forma, foi estimulada com a criao das primeiras organizaes de
do Mxico (Mosco, 1996). Conforme Berger (2001), a pesquisa crtica, representada pelas
rupturas com a perspectiva funcionalista dos tericos da modernizao, ocorre entre o final
dos anos 1960 e incio dos anos 1970. A ruptura teria sido propiciada por um encontro na
5
Paulo Freire brasileiro mas produz no Chile, onde se encontrava exilado. Como educador, sua incluso
como pesquisador no campo da comunicao deve-se ao livro Comunicao ou Extenso, de 1968, em que
prope que se pense a comunicao como um processo dialgico.
41
Chile.
sociais dos pases pobres com os pases ricos, assim como as relaes de classe entre e dentro
deles (Mosco, 1996). A pesquisa sobre televiso e capitalismo no Brasil, de Capparelli (1982),
Comunicao na Amrica Latina, um deles, pelo menos, hoje um dos principais expoentes
J as anlises mais recentes concentram-se, entre outros temas, nos conflitos sobre a
extenso da dependncia resultante do uso das novas tecnologias de comunicao, uma vez
que, no novo sistema global, o prprio conceito de dependncia precisa ser revisto e
6
Armand Mattelart esteve no Chile desde o incio do governo da Unidade Popular. Na Universidade do Chile,
coordenou o CEREN (Centro de Estudos da Realidade Nacional) e, a pedido do presidente Salvador Allende,
uma pesquisa visando identificar e compreender a campanha internacional movida pelas agncias internacionais
de notcias contra o governo socialista. Posteriormente, junto com Ariel Dorfman, publicou um dos mais
conhecidos estudos crticos sobre a comunicao: Para ler o Pato Donald. O livro se tornou um clssico: teve 30
edies em lngua espanhola e 15 em outras lnguas e chegou a ser censurado nos EUA. Em 1996, totalizava um
milho de exemplares (Berger, 2001).
42
como dependentes. A propsito de excluso, Mosco (1996) observa que os estudos sobre esse
comercial.
interesses regionais especficos na frica e na sia, mas destas no se trata neste captulo
Poltica da Comunicao, Mosco (1996) aponta como uma das principais causas a
sculo XX. Segundo o autor, mesmo que algumas se mantenham em mos familiares, o
em particular para a Amrica Latina, continente cujos pases vivenciaram longos perodos de
ditadura militar, nas dcadas de 1960, 1970 e primeira metade dos anos 1980 (Brasil,
Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai). O Estado, especialmente no Brasil, teve papel central na
negcios, presses dos movimentos sociais, de classe, gnero e raa, e para coordenar o
pblica, sociedade civil e de comunicao comunitria. O interesse por esses temas, de acordo
com Mosco (1996), seria uma forma de resposta tendncia privatizao e s presses de
behaviorismo como ponto principal de referncia intelectual (Mosco 1996, p. 81). Adverte,
44
entretanto, para o fato de que Estudos Culturais e behaviorismo no podem ser confundidos,
nelas as indstrias da mdia so cada vez mais complexas e exercem papel crescentemente
social. Sempre atentos para a histria, esses tericos tm estado abertos aos desafios de
Foi assim que, num primeiro momento, nos anos 1960, os economistas polticos da
desequilbrio dos fluxos de informao e produtos culturais nos processos de troca que se
entre o Oeste e o Leste (pases capitalistas ocidentais x pases socialistas). Passado esse
objeto de estudo, graas crescente valorizao, pelo capital, das atividades culturais
Ao tratar desse tema, Mosco (1996) observa que a Economia Poltica da Comunicao
Isso parece ter ficado claro no seu mapeamento de tradies de anlise por regio. Em
relacionamento de poder entre classes, gneros e raas, mudanas estruturais nas indstrias de
estatais e pblicos de comunicao etc. As questes que se investiga nesta tese, isto ,
processos de mudanas nas organizaes jornalsticas, podem ser includos nesse rol de
configurar como indstrias culturais a partir dos anos 1960. A reestruturao do capitalismo e
sua insero no sistema mundial, promovidas pelo regime militar, o papel estratgico das
nos anos 1970. Lima (2001) atribui a Gabriel Cohn, professor da Universidade de So Paulo e
ideologia, de 1973, ambos de Cohn, assim como a coletnea de textos organizada por Luiz
Costa Lima, Teria da Cultura de Massa, teriam fornecido as bases tericas para os primeiros
Ainda na dcada de 1970, conforme Lima (2001), teriam surgido os estudos sobre as
desequilbrios nas relaes econmicas, entre naes ricas e pobres, quanto aos fluxos de
representativos dessa fase os trabalhos de Mota e Silva, de 1978, e Rodrigues Dias, de 1979.
Segundo ele, nesse contexto que aparecem no Brasil as anlises da dependncia cultural
ltima dcada do sculo XX, especialmente na ltima metade dos anos 1990 -, tm o poder
Dantas (1996), Capparelli (1999), Lima (2001), Moraes (1998; 2003), Bolao (2000),
propostas pela Escola Francesa de Regulao, uma das mais importantes vertentes da
fordismo.
As transformaes nas indstrias da mdia jornalstica que nos interessam nesta pesquisa
para superar suas sucessivas crises ao longo da histria. Teria sido assim na crise que
culminou com a II Grande Guerra, quando se afirma o Fordismo como regime de acumulao,
e assim na crise do incio dos anos 1970, quando comea a se configurar o ps-fordismo, ou
tal, fornece aparato conceitual e modelo de anlise prprios para a Economia Poltica da
pases latino-americanos, ainda pouco difundida8, apesar das convergncias com a chamada
com a Escola Francesa de Regulao uma viso dinmico-estrutural da economia que as situa
numa mesma perspectiva da economia poltica, da histria e das instituies. Segundo o autor,
Lipietz, Yves Saillard, Scott Lash, John Urry, Frank Webster e David Harvey - atribuem
7
Etapa que comea a se constituir nos pases capitalistas avanados, ainda no final do sculo XIX, e que
encontra pleno desenvolvimento no sculo XX, no perodo posterior II Guerra Mundial. A histria do
capitalismo, contada em etapas, fases, ciclos, recebe nomeaes distintas, dependendo do critrio utilizado na
periodizao. Nesta tese, quando se analisam as caractersticas de mercado predominantes num determinado
perodo, utiliza-se as denominaes capitalismo concorrencial, monopolista, global. Quando se analisam as
formas predominantes de organizao da produo nesses perodos, utilizam-se os conceitos de fordismo e ps-
fordismo. Dessa forma, procura-se articular critrios que, na nossa avaliao, so interdependentes mercado e
produo.
8
Conforme Thret (1998), um nico livro dos fundadores da corrente terica foi traduzido no Brasil: A teoria da
regulao: uma anlise crtica, de Robert Boyer. A referncia completa dessa obra encontra-se no item em que
consta a relao bibliogrfica desta pesquisa.
48
(1998), seus tericos procuram apreender essa historicidade distinguindo uma srie de formas
institucionais parcialmente autnomas, ainda que interdependentes, entre elas. Essas formas
as formas do Estado. A regulao, portanto, serve de bandeira de coeso para todos os que se
Webster (1995) explica que a Teoria da Regulao comea com Aglietta, na Frana, e tem
origem no marxismo, mas seguida depois por autores oriundos do movimento ecolgico,
que procuram uma explicao holstica das relaes sociais. A pergunta principal a orientar as
outras palavras, como assegurada a acumulao capitalista? Isso implica, segundo o autor,
normas de regulao significa, assim, investigar normas, hbitos, leis, redes de regulao que
regulao.
por isso tratou de elaborar um conjunto de conceitos e de mtodos que permitem analisar as
2. delimitam com preciso o espao e o perodo durante os quais legtimo postular uma
teoria, assim, viria no de uma derivao axiomtica, mas de uma progressiva generalizao
uma transformao, ora lenta e controlada, ora brutal e alheia ao controle e anlise. A Teoria
das transformaes tcnicas, a Teoria da Regulao procura explicar com o mesmo conjunto
de hipteses o maior nmero possvel de fatos que possam ser observados no perodo que vai
pluridisciplinar desse modelo de anlise, que se inspiraria, entre outras, na teoria marxista,
numa macroeconomia heterodoxa mais kaleckiana que keynesiana, na escola histrica dos
A partir das hipteses acima enunciadas, a Teoria da Regulao constri suas ferramentas,
seu aparato conceitual. No nvel de maior abstrao, analisa os modos de produo e sua
permitem a acumulao entre duas crises estruturais. O conjunto dessas regularidades define a
noo de regime de acumulao. E, por fim, num terceiro nvel, trata das configuraes
50
especficas das relaes sociais para uma poca e para um conjunto geogrfico de dados. As
O pesquisador diz ainda que a Teoria da Regulao atribui-se como programa caracterizar
fordismo.
correspondncia entre a transformao tanto das condies de produo como das condies
sistema particular de acumulao existe porque seu esquema de reproduo coerente. Vale
A Escola Francesa de Regulao toma o fordismo como uma categoria que demarca um
perodo de expanso econmica que vai do ps-guerra at a crise dos anos 1970, e que teve
Welfare State.
industriais e de acumulao.
a base de um longo perodo de expanso entre o final da II Guerra Mundial (1945) e a dcada
de 1970, mas o modo como se estabeleceu, segundo Harvey (2001), constitui uma longa e
complicada histria, que se estende por quase meio sculo XX. Teria tido origem em 1914,
52
quando Henry Ford introduziu a jornada de trabalho de 8h, o valor de U$ 5 dirios como
Nessa diviso horizontal do trabalho, as operaes que antes eram feitas por uma nica
pessoa passam a ser tarefa de dezenas, ficando cada uma responsvel pela execuo de uma
pequena parte. Fixo no seu posto de trabalho, o homem passou a ser quase um componente
com vistas ao aumento da sua produtividade, distingue-se pela nfase no consumo de massa:
9
A mdia reinante na indstria automobilstica norte-americana poca era de U$ 2,34 (Carvalho, 1999).
53
produo quanto ao consumo em massa, o que teria de ser garantido atravs do aumento da
e estatais. Muitas dessas escolhas, inclusive, teriam sido feitas ou ao acaso ou como respostas
O autor aponta dois grandes obstculos para sua implantao. 1) A resistncia dos
modos e mecanismos de interveno estatal. Teria sido necessrio conceber um novo modo de
capitalismo, nos anos 1930, para que se chegasse a uma concepo da forma e do uso dos
poderes do Estado. Segundo ele, o problema da configurao e uso dos poderes do Estado s
foi resolvido depois de 1945, o que levou o fordismo maturidade como regime de
Conforme Harvey (2001), o cenrio nos pases capitalistas avanados no perodo 1945-
1973 pode ser caracterizado como de crescimento econmico estvel, padres de vida
10
A crise de 1973 marca o incio de um perodo de recesso que vinha dando sinais desde o final dos anos 1960.
A partir da, toda a expanso obtida no ps-guerra acabou afundando com a onda inflacionria, com a ruptura do
Acordo de Breton Woods, que acabou com a conversibilidade dos dlares americanos em ouro instituda em
1944, e com a crise do petrleo (Harvey, 2001).
54
ciclos econmicos com uma combinao apropriada de polticas fiscais e monetrias. Essas
relativamente pleno. Aos governos tambm dado complementar o salrio social com
assistncia sade, educao, habitao etc. O poder exercido direta e indiretamente sobre
estvel e de aumentar os padres materiais de vida das sociedades atravs de uma combinao
Tomado por essa perspectiva, o fordismo visto como um modo de desenvolvimento, que
11
Keynesianismo o conjunto de estratgias administrativas cientficas e poderes estatais empregado visando a
estabilizao do capitalismo, assim como para evitar as represses e irracionalidades, toda a beligerncia e todo
o nacionalismo estreito implicado pelo nacional-socialismo (Harvey, 2001, p. 124).
55
all, 1991). luz da Teoria da Regulao, entretanto, o fordismo tanto pode ser tomado como
uma categoria totalizante, uma concepo moderna de vida, quanto em sentido estrito, um
modo de organizar a produo. Nesta tese, adota-se o conceito em sentido estrito, uma vez
que se trata de um regime de acumulao que se altera no curso da histria para manter e
caractersticas distintas nos diversos contextos histrico-sociais em que foi implantado, apesar
dos traos comuns12. O papel exercido pelo Estado, por exemplo, no foi o mesmo nos
Estados Unidos e na Frana, assim como o tratamento dado questo dos salrios. No Brasil,
genuno, pode-se dizer, de acordo com Boyer (1990), que o regime de acumulao apresenta
12
Na Frana, ao contrrio dos EUA, ocorre um tipo impulsionado pelo Estado, com o governo no comando do
processo de implementao e adaptao do modelo; na Sucia, o bem-estruturado movimento sindical d-lhe
feies democrticas; no Japo, a falta de recursos naturais, o tipo de especializao disponvel e a prpria
ideologia promovem mudanas de princpio que levam a um fordismo hbrido (Carvalho, 1999).
56
entre firmas e regies; os salrios so elevados, com incorporao de ganhos pelo aumento da
pleno direito e pelas negociaes coletivas, o que se traduz em regulao dos contratos de
chamado Terceiro Mundo, onde o gerencialismo estatal fordista e keynesiano sofreu severas
crticas. Conforme Harvey (2001), as crticas e as prticas contraculturais dos anos 1960, os
momento em que o sistema econmico parecia estar no seu apogeu. Segundo ele, a
observa que, para responder a essa questo, preciso primeiro considerar duas questes
O autor argumenta que, em pleno perodo conhecido como Idade de Ouro do capitalismo,
Kubitschek (1956-1961) e culminou com o milagre econmico da metade dos anos 1970, j
processo liderado e financiado pelo Estado e pelo capital estrangeiro assentou-se sobre um
trip formado por empresas transnacionais, empresas estatais e empresas privadas nacionais.
ano, o que permitiu que o Produto Interno Bruto (PIB) do Pas dobrasse de volume a cada dez
anos e decuplicasse no perodo 1945-1980 (Carvalho, 1999)13. Esses dados demonstram que,
pases centrais. Mas h outros elementos que permitem identificar um padro fordista de
acumulao.
condicionadas pela sua posio perifrica no sistema capitalista internacional, por um lado, e
13
O desempenho do Brasil no perodo chegou a ser superior ao dos pases avanados, passando a ocupar lugar de
destaque entre as naes recm-industrializadas. Essa posio foi assegurada pelo desempenho dos setores de
bens durveis e de bens de capital, com mdia de crescimento anual de 12,6% e 9,3%, respectivamente, entre
1955-1985 (Carvalho, 1999).
58
controle exercido pelo Estado sobre os sindicatos, em alguns momentos, e pela represso
poltica, em outros. A propsito, o autor inclui entre os fatores de distino a legitimao das
mais diversos nveis das relaes sociais - locais de trabalho, sindicatos, justia do trabalho
59
etc. Silva (1991) aponta trs formas de interveno do Estado que teriam provocado
Dessa forma, v-se que no se reproduziu no Brasil uma das principais caractersticas do
parcial. Em vez de uma estrutura de consumo voltada para a massa, observou-se aqui a
(Carvalho, 1999, p. 128). A parcela includa no consumo era composta basicamente da classe
massivo de consumo. Como observa Lipietz (1989, p. 323), quando se 120 milhes, basta
que 20% da populao se aproprie de dois teros da riqueza para que se constitua um
14
Dados do DIEESE, reproduzidos por Carvalho (1999), revelam que mais de 40% da populao empregada no
Brasil no incio dos anos 1980 recebia mensalmente, no mximo, um salrio mnimo. Desses, cerca de 20%
recebiam menos de meio salrio mnimo. Segundo a mesma fonte, aps a dcada de 1950, quando atingiu seu
pico, o salrio mnimo entrou numa trajetria declinante at 1985, ano em que correspondia a 50% do seu valor
em 1940. Aps o golpe de 1964, e sob a incitao do governo militar, o salrio mnimo seguiu uma poltica
drstica de compresso, continuando a diminuir at mesmo durante o perodo do dito milagre econmico
(Carvalho, 1999, p. 116).
60
Como o modo de regulamentao fordista nunca foi dominante em relao aos salrios,
os trabalhadores brasileiros foram excludos do processo. O que houve foi uma tentativa de
tornar estvel o consumo de massa (de bens durveis), sem faz-lo depender de um tipo de
relao salarial capaz de viabiliz-lo de forma durvel (idem). Ou, como observa Oliveira
[...] o acesso das grandes massas da populao aos ganhos da produo foi sempre uma
condio sine qua non da expanso capitalista, mas a expanso capitalista da economia
brasileira aprofundou no ps-ano 1964 a excluso que j era uma caracterstica que vinha se
firmando sobre as outras e, mais que isso, tornou a excluso um elemento vital de seu
dinamismo (Oliveira, 2003, 118).
mercado formal.
Toda essa situao permite-nos inferir que, apesar da adoo dos princpios do regime de
indicadores macroeconmicos, isto no se fez refletir na melhoria das condies de vida das
pessoas. (Carvalho, 1999, p. 120). Alm disso, enquanto nos pases centrais o
polticas sociais, que apresentou escassos efeitos e baixo nvel de eficcia. Como resultado, o
econmico do Pas no perodo. Arrisca-se a dizer que foi tambm retardatrio, porque
implantado tardiamente, a partir da segunda metade dos anos 1950, perdurou at os primeiros
1970. Essa crise pode ser caracterizada, conforme Harvey (2001), pela forte recesso, que
Acordo de Bretton Woods, que substituiu a conversibilidade do dlar americano em ouro por
A conjuntura nos pases capitalistas centrais acaba por criar as condies que levam
superao do fordismo como regime de acumulao. [...] A crise do fordismo pode ser
interpretada, at certo ponto, como o esgotamento das opes para lidar com o problema da
15
Superacumulao a condio em que podem existir ao mesmo tempo recursos como capital e trabalho
ociosos, sem nenhum modo aparente de se unirem para a consecuo de tarefas socialmente teis. Ex.: grande
capacidade produtiva ociosa, excesso de mercadorias e de estoques, excedente de capital dinheiro e grande
desemprego (Harvey, 2001, p. 170).
62
superacumulao (Harvey, 2001, p. 173). Mas tambm pode ser atribuda intensificao
pode ser vista apenas como o aumento da internacionalizao dos negcios entre Estados-
socioeconmica mundial, rede de relaes que coloca todos os produtos ao alcance de todos e
interconexes globais. Lembra ainda que, na globalizao, o mundo passa a ser o contexto em
indivduo possa ser experenciada. Por isso que se configura o fenmeno de globalizao nos
flexvel como a revoluo passiva das foras produtivas nas relaes entre capitalistas e
trabalhadores.
Ao reagir crise orgnica pela qual passa o capitalismo tardio desde o incio dos anos 50
(e cujo momento de agudizao traduz-se na chamada crise do fordismo, a partir de
1973), os pases imperialistas empreendem, atravs da progressiva internacionalizao
de suas economias, uma estratgia de grande perodo materializada sob a forma de uma
revoluo passiva para as classes dominantes (Braga, 1995, p. 117).
O autor acredita que o objetivo principal do que ele considera uma ofensiva
incio dos anos 1970, entre capitalistas e trabalhadores. Segundo ele, foi a partir da que o
63
Alm disso, implica a reconfigurao dos conceitos de espao e de tempo. Harvey (2001)
privada e pblica se estreitam, enquanto as comunicaes por satlite e a queda dos custos de
transporte possibilitam, cada vez mais, a difuso imediata dessas decises para um espao
permitem aos empregadores exercer presses mais fortes de controle sobre uma fora de
trabalho enfraquecida por dois surtos selvagens de deflao, o que aumentou o desemprego e
Na mesma linha de raciocnio, Braga (1995) observa que a estratgia de grande perodo-
revoluo passiva das foras produtivas, conduzida pelas classes dominantes, com a
64
formas de mobilizao poltica das classes trabalhadoras nos ltimos 20 anos. Essa ofensiva,
Dessa forma, o regime de acumulao flexvel pode ser entendido como um confronto
mo-de-obra excedente para impor regimes e contratos mais flexveis de trabalho. O propsito
forma, sob o regime de acumulao flexvel, reduz-se o emprego regular em favor do trabalho
que,
Essa situao configuraria uma forma de subalternidade das classes trabalhadoras, porque
aos desafios impostos pela estratgia do que chama de grande perodo-revoluo passiva
das foras produtivas, empreendida pelas classes dominantes. Num perodo de crise de
fordismo. Isso significa que as unidades industriais passam a produzir no para a massa
se elevada especializao.
(Lash e Urry, 1987), Harvey (2001) acredita que o capitalismo no est ficando mais
sob o fordismo o poder era coordenado pelo Estado e pelas corporaes, sob a acumulao
e polticas que, a partir da dcada de 1970, se distinguem das normas e valores coletivos
individualismo, que tem a competio como valor central em muitos aspectos da vida.
transformaes por que passam as sociedades capitalistas no mundo inteiro, a partir das
nomeadas de distintas maneiras. So definidas como a passagem da era industrial para a ps-
organizado para o capitalismo desorganizado (Lash e Urry), como o fim da histria e o triunfo
(sindicatos fortes, corporativismo, pleno emprego), estado nacional como locus da atividade
economia, nacionalismo).
capitalista como reao crise do incio dos anos 1970, caracteriza-se pela reestruturao
econmica, pela flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho e dos
inovao dos servios financeiros, pela abertura de novos mercados, pela inovao comercial,
como nos pases capitalistas avanados, constitui uma resposta crise representada pelas
taxas negativas de crescimento e pelos elevados ndices de inflao registrados nos anos 1980,
Como princpio geral, pode-se dizer que o regime de acumulao flexvel comea a se
configurar no governo Fernando Collor de Melo (1990-1992), o primeiro a ser eleito depois
16
Insiste-se na observao de que o regime de acumulao flexvel (ou ps-fordista), assim como fordismo,
tomado nesta tese em sentido estrito, isto , como forma de organizao da produo.
17
Do ponto de vista poltico, a dcada caracteriza-se pela transio do poder militar para o civil (1985) e da
convocao da Assemblia Nacional Constituinte que escreveu a chamada Constituio Cidad, de 1988.
68
do fim da ditadura militar, aprofundou-se nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-
1998 e 1999-2002)18 e tem continuidade no governo de Luiz Incio Lula da Silva, iniciado em
externo.
1994, concebido com dois objetivos fundamentais, naquele momento: a) combater a inflao,
cujos ndices chegaram ao patamar de 80% ao ms, em 1988, sob o governo Sarney; b)
internacional, inserindo-a na fase global do capitalismo, processo j em pleno curso nos pases
capitalistas centrais.
A inflao mensal medida pelo IPCA caiu de 47%, em junho de 1994, para 1,5%, em
setembro do mesmo ano. Antes do Plano Real, chegara a atingir picos prximos a 100% ao
18
Entre os governos de Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso, houve o governo de transio
de Itamar Franco, vice-presidente da Repblica no perodo Fernando Collor. Franco assumiu a presidncia aps
a renncia de Collor, atitude tomada com o objetivo de interromper o processo de impeachment que lhe movia o
Congresso Nacional, no final de 1992.
19
Fonte: Instituto Teotnio Villela.
69
pblicas; a abertura comercial para produtos estrangeiros; a abertura para o capital financeiro;
constitucionais Carta de 1988, dentre elas as quebras dos monoplios estatais nas reas do
Quanto previdncia social, o sistema pblico passou por duas geraes de reformas: a
Incio Lula da Silva, atingiu os servidores pblicos das trs esferas do Estado (Unio, estados
acumulao flexvel, opera mudanas no sistema de comunicaes em geral, assim como nas
organizao da empresa.
jornalismo.
O que se define como indstria cultural? Quais as origens do fenmeno e que fatores
da propaganda produo de livros, entre tantos outros segmentos cada vez mais especficos?
Comunicao. A seguir, procura-se analisar o perodo em que esse tipo de organizao surge
com relevncia na vida social - na fase de emergncia do capitalismo monopolista - tanto das
naes desenvolvidas centrais quanto daquelas situadas na periferia do sistema, como o caso
A expresso indstria cultural foi cunhada por Theodor Adorno e Max Horkheimer no
mais conhecidos filsofos que, junto com Walter Benjamin, Siegfried Kracauer e Herbert
Universidade de Frankfurt, em 1923, que, mais tarde, passou a ser conhecido como a Escola
mais importantes desses autores, como a sugerir uma unidade geogrfica que deixou de existir
depois da II Guerra. Serve para referir uma produo desenvolvida fora de Frankfurt.
Conforme Brbara Freitag (1994), o termo indstria cultural empregado pela primeira vez
distribuem objetos culturais em grande escala, empregando mtodos marcados por um alto
Escrito nos Estados Unidos, para onde boa parte dos frankfurtianos havia emigrado em
produo capitalista.
A respeito do consumo dos produtos criados em srie pela indstria cultural e dos efeitos
dominada pela racionalidade tcnica, administrada e dominada pela lgica capitalista, resulta
da prpria conjuntura mundial no momento em que produziam seus escritos mais famosos.
Como observa Rdiger (1999, p. 14), a II Guerra estava em curso; no havia mais o Estado
1
Em nota preliminar no livro Dialtica do Esclarecimento, de T. Adorno e M. Horkheimer, publicado por Jorge
Zahar Editor em 1985, o tradutor Guido Antonio de Almeida explica que opta por esclarecimento em vez de
iluminismo ou ilustrao por uma questo de maior fidelidade expresso original aufklrung. O tradutor
entende que a expresso esclarecimento traduz melhor o significado histrico-filosfico do termo, assim como o
sentido mais amplo deste nos autores e na linguagem ordinria. J na coletnea de textos Teoria da Cultura de
Massa, publicada pela editora Paz e Terra em 1982, o organizador e comentarista Luiz Costa Lima utiliza a
expresso iluminismo para designar o que comumente conhecemos como a poca ou a Filosofia das Luzes.
74
sistema totalitrio. [...] Assistia-se ao que os autores chamaram de colapso da era moderna.
indstria cultural, nem sobre as razes que levaram sua formulao, como, por exemplo, a
distino tpica da tradio alem entre cultura e civilizao. A definio interessa apenas na
[...] Indstria cultural a forma sui generis pela qual a produo artstica e cultural
organizada no contexto das relaes capitalistas de produo, lanada no mercado e
por este consumida. Numa sociedade em que todas as relaes sociais so
mediatizadas pela mercadoria, tambm a obra de arte, idias, valores espirituais se
transformam em mercadoria, relacionando entre si artistas, pensadores, moralistas
atravs do valor de troca do produto. Este deixa de ter o carter nico, singular, deixa
de ser a expresso da genialidade, do sofrimento, da angstia de um produtor (artista,
poeta, escritor) para ser um bem de consumo coletivo, destinado, desde o incio,
venda, sendo avaliado segundo sua lucratividade ou aceitao de mercado e no pelo
seu valor esttico, filosfico, literrio intrnseco (Freitag, 1994, p. 72).
simplesmente mais um ramo da produo na diversificada economia capitalista. Ela teria sido
concebida e organizada para preencher funes sociais especficas, antes preenchidas pela
cultura burguesa, alienada de sua base material. A nova produo cultural teria, assim, a
funo de ocupar o espao do lazer, a fim de recompor as foras de trabalho do operrio, sem
lhe dar trgua para refletir sobre sua realidade. A indstria cultural criaria a iluso de
Alm disso, preciso que se diga que a idia de indstria cultural est vinculada s
tcnicas modernas, como rdio, tv, cinema, fotografia e imprensa, e seu consumo de massas,
sociedade burguesa. Este um ponto importante para se comear a fazer a distino referida
75
anteriormente. Rdiger (1999) esclarece que Horkheimer e Adorno usam o termo indstria
produtoras nem s tcnicas de difuso dos bens culturais. Representa, antes de mais nada, um
Economia Poltica da Comunicao, assim como os Estudos Culturais, so, de certa forma,
uma msica ou um jornal numa mercadoria, que ser produzida segundo a lgica de
circunscrita, o far atravs de algumas rupturas com as teses clssicas do marxismo, como,
por exemplo, a de que o capitalismo seria, por natureza, revolucionrio. Essa tese sustenta
que, com o acirramento da luta de classes, o capitalismo criaria as condies para sua prpria
queda. Tal interpretao pressupe uma evoluo linear da histria, isto , que todo pas
argumentam que a histria tem desmentido a hiptese e que o que se tem assistido no mundo
76
anlise, a indstria cultural como uma unidade no existe. Que ela, na verdade, um conjunto
constitudo por elementos que se distinguem fortemente entre si, por setores que apresentam
leis de padronizao prprias. Cada indstria (cinema, imprensa, rdio, tv) obedece a uma
cultural. Por essa razo, passam a adotar a expresso no plural indstrias culturais.
A nova concepo representa uma ruptura com os frankfurtianos, porque estes partem do
1999).
2
A tese do desenvolvimento do subdesenvolvimento representada pela Teoria do Colonialismo Mercantil, cujos
autores referenciais so Caio Prado Jnior e Andr Gunder Frank. Segundo a teoria, o subdesenvolvimento dos
pases latino-americanos decorrente do imperialismo, isto , da apropriao pelos pases metropolitanos dos
excedentes gerados nas colnias. Circunscrita a essa concepo est a vertente do imperialismo cultural, que, no
campo da comunicao, tem como principal expoente Herbert Schiller, autor que denuncia o papel hegemnico
dos Estados Unidos da Amrica nas estruturas globais de poder e na produo cultural dos demais pases,
particularmente no perodo posterior II Guerra Mundial. Esta, entretanto, no a nica vertente crtica da
Economia Poltica da Comunicao e da Cultura h tambm a Teoria da Dependncia, inspirada no trabalho
referencial de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falleto. Srgio Capparelli - na obra Televiso e Capitalismo
no Brasil, por exemplo - segue esta linha.
77
Tomando por base a existncia de uma singularidade inerente a cada setor, o objeto de
partir da segunda metade dos anos 1970, passa a ser as indstrias culturais confrontadas com a
por exemplo, as empresas comeam a lanar produtos para atender demandas especficas de
pblicos.
Na mesma linha de Mattelart e Mattelart (1999), quando aborda os fatores sociais que
indstrias culturais, mesmo quando mantidas como propriedades familiares, como no Brasil,
impostas produo de bens culturais pela lgica do capitalismo global do sculo XXI.
Dada a natureza do objeto de estudo desta pesquisa, adota-se nesta tese o conceito
indstrias culturais3. Como sinnimo, tambm possvel que se utilize expresses mais
3
Sempre que, nesta tese, a referncia ao conceito estiver no singular indstria cultural estar se referindo
especificidade de uma delas. No caso desta pesquisa, indstria da mdia jornalstica.
78
expresso e a hegemonia que a Escola de Frankfurt desfrutou por longo tempo nos estudos
agora.
capitalismo em que essas indstrias se constituem fenmeno relevante. Para isso, examinam-
se algumas de suas caractersticas mais gerais, assim como o momento histrico em que
conhecido tambm como liberalismo clssico ou competitivo5, que vigorou nas naes
capitalismo monopolista teve incio ainda no final do sculo XIX. As principais caractersticas
dessa fase so, por um lado, o surgimento das grandes corporaes e, por outro, a forte
presena do Estado na vida social. Juntos e articuladamente, Estado e grandes empresas iro
4
Os pesquisadores brasileiros Csar Bolao e Dulce Cruz so dois exemplos.
5
Conforme Mello (1998), a fase liberal do capitalismo, tambm conhecida como concorrencial, ocorre no
perodo que vai da Segunda Revoluo Industrial (1873) at ecloso da chamada Grande Depresso (1896).
79
intercapitalista e pela ausncia de novos mercados que permitam a expanso do capital. Para
A fase monoplica do capitalismo surge, ento, marcada pelo aparecimento das grandes
alimentos e higiene pessoal, por exemplo). Nos pases capitalistas avanados, tem incio entre
das grandes empresas e a articulao entre capital bancrio e capital industrial so fatores que
levam a transformaes estruturais que acabam culminando nas duas grandes guerras do
Segundo o autor, so seis os traos mais gerais desse movimento. O primeiro deles diz
investigao cientfica. O segundo trao apontado pelo autor remete ao fenmeno iniciado
monopolizao dos principais mercados industriais por empresas cada vez maiores. O terceiro
6
Pequeno nmero de grandes empresas que controlam segmentos de mercado.
80
trao seria a intensificao das exportaes de capitais, assim como a concorrncia entre os
diversos capitalismos financeiros por reas de inverso. Por fim, da articulao de todos esses,
Dessa forma, j nos princpios do sculo XX, a passagem para o capitalismo monopolista
econmica, adentrando no seu perodo inicial, que se encerra [...] entre 1930 e 1945 (Mello
Na tentativa de melhor descrever essa etapa, valemo-nos do que dizem, de comum acordo,
Mello (1998) e Bolao (2000) a respeito do assunto. Para os autores brasileiros, o aspecto
monopolismo, a concorrncia passa a ser exercida entre grandes blocos de capital, com
potencial ofensivo muito maior e com uma enorme capacidade de diversificao, em funo
distintos.
O que ocorre, assim, que a tendncia perequao das taxas de lucro se desloca para a
rbita financeira, que passa a determinar toda a lgica de ao dos grandes blocos de
capital, seja pelo predomnio do capital bancrio, [...] seja por uma organizao de tipo
conglomerado, como a que prevalece no ps-guerra, na qual a empresa holding define
uma estratgia global de diversificao [...] (Bolao, 2000, p. 73).
Estado nas economias. Este o perodo que David Harvey (2001) denomina fordista-
keynesiano.
Sobre a articulao entre os principais agentes desse novo perodo, diz o autor:
Observe-se que Harvey (2001) arrola entre os principais fatores a compor o perodo que
coerentes com o novo regime de acumulao. Este ser um fator relevante em nossa anlise
sob o regime de acumulao fordista-keynesiano, Harvey (2001) diz que, na medida em que a
condies de demanda relativamente estveis para ser lucrativa. Para garantir essas condies,
o Estado tinha de se esforar para manter o controle dos ciclos econmicos atravs de uma
combinao apropriada de polticas fiscais e monetrias. Essas polticas foram ento dirigidas
s reas de investimento pblico, como transportes e equipamentos, onde eram vitais para
Nesse cenrio, cabia tambm aos governos fornecer complementos ao salrio social, como
gastos de seguridade, assistncia mdica, educao, habitao etc. Alm disso, o poder do
Estado era exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos
[...] O notvel a maneira pela qual governos nacionais de tendncias ideolgicas bem
distintas gaullista, na Frana, trabalhista, na Gr-Bretanha, democrata-cristo, na
Alemanha Ocidental etc. criaram tanto um crescimento econmico estvel como um
aumento dos padres materiais de vida atravs de uma combinao de estado do bem-
estar social, administrao econmica keynesiana e controle de relaes de salrio
(Harvey, 2001, p. 130).
esfera econmica. O papel deste deveria se restringir manuteno da ordem pblica, para
manter as condies externas de uma economia vista como natural e naturalmente capaz de
funcionar num nvel timo de atividades, desde que absolutamente separada do Estado
(Bolao, 2000, p. 75). Por essa lgica, a dinmica de formao de preos e salrios, por
exemplo, seria garantida economicamente, de modo que o Estado deveria se limitar a cumprir
83
suas funes clssicas, como a defesa dos contratos civis, a manuteno da ordem e a
contrrio, o Estado deixa de ser apenas rbitro para adquirir um poder de interveno maior
nas relaes sociais. Conforme Bolao (2000), no apenas interfere no prprio contedo dos
contratos, como se torna ele mesmo proprietrio de empresas, transformando-se, nesse caso,
num ente capitalista individual de pleno direito. Passa, assim, a investir diretamente naqueles
investir.
Habermas (2003) explica tambm que esse intervencionismo estatal est ligado aos
pblico no processo de trocas das pessoas privadas intermediam impulsos que, mediatamente,
traduo de tais conflitos de interesses, que no podem mais ser desencadeados apenas dentro
da esfera privada.
84
Ainda quanto constituio da etapa monopolista, Bolao (2000) observa que, na virada
do sculo XIX para o sculo XX, a passagem de uma etapa para outra no desenvolvimento do
da soda e do cloro etc. A crise da hegemonia inglesa, por outro lado, teria aberto espao para
uma fase de lutas entre as grandes potncias capitalistas - que alguns chamam de lutas
aliado crise do sistema de regulao anterior, que s se resolve com o fim da II Guerra, leva
estabilizao das relaes internacionais, desta vez sob a hegemonia dos Estados Unidos.
A estrutura internacional que se constitui aps 1945 nos pases capitalistas avanados -
caracteriza pela Guerra Fria, o antagonismo permanente entre blocos liderados a oeste e leste,
respectivamente, pelos Estados Unidos da Amrica e pela ento Unio das Repblicas
Alm da presena expressiva do Estado nas relaes sociais, que se constituem sob a etapa
constituio e manuteno de hegemonia7 nas relaes tanto entre as classes sociais quanto
entre as naes. Nesse processo, passa a ser fundamental o papel exercido pelas indstrias da
comunicao e da cultura.
poder econmico e financeiro e do seu domnio militar. Harvey (2001) explica que o acordo
7
Por hegemonia entende-se o conceito gramsciano de domnio econmico e liderana poltica de uma classe
social sobre as outras no seio do bloco histrico (Portelli, 1977).
85
agia como banqueiro do mundo em troca de uma abertura dos mercados de capital e de
Quanto s relaes entre classes sociais, Bolao (2000) lembra que, na etapa liberal do
capitalismo, a burguesia industrial conseguia impor sua hegemonia mediante um certo tipo de
acerto com as demais fraes burguesas, entre as quais uma classe mdia numericamente
enquadramento das camadas subalternas podia ser garantido pela coero fsica ou ideolgica,
censitria).
bloco histrico no final do sculo XIX, e ainda mais depois da Revoluo Russa de 1917,
assim como o aumento numrico da classe mdia, faz com que o processo de constituio de
hegemonia entre as classes sociais se torne muito distinto daquele que vigorava no perodo
anterior.
por exemplo, uma imprensa dirigida a um pblico limitado. Esse necessrio mecanismo de
Assim, as indstrias culturais comeam a se desenvolver nessa fase. E o primeiro dos bens
circulao como forma de aumentar a renda obtida com a venda de espaos publicitrios. A
propriamente um fato novo nessa poca, uma vez que as primeiras impressoras (sculo XV)
livros, acrescenta (Thompson, 1999a, p. 235). E exemplifica com dados sobre os jornais
ingleses:
Pelo fim do sculo XIX, o principal jornal dominical, Lloyds Weekly News tinha uma
circulao de ao redor de 1 milho de cpias. Os jornais dirios tambm aumentaram
sua circulao substancialmente no curso do sculo XIX , e em 1890 o Daily Telegraph
tinha alcanado a circulao de 300.000 (Thompson, 1999a, p. 235).
natureza e no contedo dos jornais. O autor argumenta que, enquanto nos sculos XVII e
87
XVIII, os jornais procuravam atingir um pblico restrito, geralmente rico e bem educado, nos
investimentos de capital, reproduzindo situao muito semelhante a que j era vivenciada por
sculo XX, precisamente no perodo posterior II Guerra Mundial, ou seja, sob o regime de
Escola de Regulao, explica que justamente durante esse perodo expansivo que pode ser
dessa solidariedade a televiso, o novo meio de comunicao massiva surgido nos anos
1950.
historicamente determinadas, resolve, de alguma forma e por algum tempo, as tenses entre as
que se verifica na Europa ps-guerra, a soluo representada pela organizao dos sistemas de
comunicao como servio pblico, do ponto de vista do capital, s foi aceitvel, na sua
88
avaliao, como uma soluo provisria, necessria para a manuteno do equilbrio social e
uma limitao para a ao do capital sob o regime monopolista. Significaria, tambm, uma
Por essa razo, j no incio dos anos 1950, era recorrente a discusso sobre a privatizao
mesmo tempo em que, desde o incio, a televiso privada de Luxemburgo representa ameaa
constante estabilidade dos sistemas estatais de seus pases vizinhos (Bolao, 2000, p. 21).
A reviso histrica que aqui se conclui permite firmar a convico de que o fenmeno da
contexto pareceu-nos necessria para que se proceda, a partir de agora, anlise do processo
de consolidao das indstrias culturais no Brasil, quando se ver que o fenmeno mantm o
mesmo tipo de relao com a etapa monopolista do capitalismo aqui vivenciado tardiamente
diferena reside no fato de que, aqui, essa etapa ocorre tardiamente em relao s naes
instaurado em 1964.
etapa concorrencial imperfeita8 do capitalismo nacional para a etapa monopolista, que vinha
governo JK. A passagem ocorre em um momento em que a economia capitalista mundial est
plenamente constituda. Por essa razo, diz-se que a incluso do Brasil no sistema capitalista
internacional retardatrio.
Do ponto de vista poltico, o perodo de transio significa tambm a fase mais dura de
atuao do Estado sob o comando militar, que visava implementar um projeto de nao que se
poder em 1964.
8
A expresso tomada por emprstimo de Cardoso (1964), quando analisa a mentalidade empresarial dos
empreendedores brasileiros das dcadas de 1950 e 1960. A fase definida pelo autor como imperfeita por tratar-
se de um capitalismo subdesenvolvido e no reproduzir formas de acumulao nas mesmas condies
observadas nos pases desenvolvidos.
90
Mesmo que nas dcadas anteriores aos anos 1960 possam ser encontrados
rdio, editoras, gravadoras etc.) e um incipiente mercado para esses bens, no se pode dizer
conceito de indstria cultural adotado nesta tese, e que se encontra esclarecido no primeiro
Numa das mais importantes obras sobre o processo de implantao das indstrias culturais
do Brasil9, Ortiz (1991) lembra que se pode considerar seriamente a presena de atividades
vinculadas a uma cultura popular de massa j na dcada de 1940, uma vez que podem ser
atribuir significado e amplitude social a esses meios. Se apontamos os anos 40 como o incio
Dessa forma, se os anos 1940 e 1950 marcam o incio da constituio de uma sociedade
inferir que o capitalismo institui-se como modo de produo hegemnico somente a partir do
9
A moderna tradio brasileira: cultura brasileira e indstria cultural, de Renato Ortiz, publicada em 1991,
pela editora Brasiliense.
91
dcada de 1950. Entre 1955 e 1960 a produo industrial do setor de bens de consumo
nomeado por socilogos ou economistas de distintas maneiras. Cardoso (1964) define-o como
situa-se entre os anos de 1956 e 1961 e se caracteriza por uma alterao radical na estrutura
do sistema produtivo nacional. Segundo ele, ocorre nesse momento um salto tecnolgico que
permite ampliar a capacidade produtiva do setor empresarial do Pas muito alm da demanda
assim como o desenvolvimento de tcnicas de produo. Tudo isso teria permitido um tipo de
industrializao extensiva.
O novo padro de acumulao demarca uma nova fase, que suplanta a anterior,
industrializao restringida11.
capitalismo que aqui se implanta, especialmente a partir da segunda metade dos anos 1950,
tem forte participao do Estado. E da mesma forma que nos pases de capitalismo avanado,
em que predominou o regime de acumulao definido por Harvey (2001) como fordista-
10
O governo JK aprofunda um processo de desenvolvimento industrial iniciado no primeiro governo de Getlio
Vargas, sob a inspirao da Revoluo de 1930.
11
O perodo definido como de industrializao restringida compreenderia os anos de 1933 a 1955 (Mello,
1998).
92
perodo.
partir desse momento, no setor de produo de bens culturais, assim como em outros
A propsito dessa aliana, convm reproduzir parte da anlise de Sodr (1989) quanto aos
[...] j no lhe sendo possvel opor-se a esse desenvolvimento, cabe associar-se a ele,
subordina-lo a seus propsitos e interesses. O fator de impulso indstria sempre foi o
mercado interno, que no cessou de crescer; acompanhando o aumento demogrfico,
ascendeu, de maneira geral, o poder aquisitivo, ao mesmo passo em que novas reas iam
sendo incorporadas economia de mercado. Aceitando a nova realidade, o imperialismo
12
CEPAL: Comisso Econmica para a Amrica Latina, rgo da UNESCO na Amrica Latina que teve
fundamental importncia na formulao de propostas visando superao do subdesenvolvimento dos pases do
continente. Como tal, constitui-se escola do pensamento poltico e econmico ao trabalhar com a problemtica
da industrializao nacional a partir de uma situao perifrica. Com vrias tendncias circunscritas ao mesmo
paradigma, representada pela obra de autores como Celso Furtado, Raul Prebisch, Anbal Pinto, Fernando
Henrique Cardoso e Maria da Conceio Tavares, entre outros.
13
A tese de que o desenvolvimento capitalista no Brasil, como na maioria dos pases latino-americanos,
dependente do capital internacional e a ele associado sustentada por Fernando Henrique Cardoso no seu
clssico Dependncia e desenvolvimento na Amrica Latina, escrito com Enzo Falletto, e tambm em
Empresrio Industrial e Desenvolvimento Econmico no Brasil.
93
industrializao pesada, conforme Mello (1991), foi decisivo por duas razes: 1) porque foi
favorecimentos.
maior nmero de cidado engajados como massa de manobra dos interesses polticos.
[...] A nova ordem no permite mais a excluso pura e simples do ponto de vista popular,
razo por que os meios de comunicao de massa passam a ser decisivos para o controle do
governo e da nao. preciso fazer coincidir a idia que o povo forma dos seus interesses
com o interesse dos grupos dominantes para que o Estado possa arrogar-se a legitimidade
na defesa da poltica econmica e da ordem vigente (Cardoso, 1964, p. 90).
transio. No segmento da mdia impressa, jornais e revistas passam por grandes inovaes. A
reforma do Jornal do Brasil, iniciada no final da dcada de 1950 e concluda em meados dos
anos 1960, inspira a renovao grfica e editorial de outros peridicos, como ltima Hora e
Dirio Carioca. Na mesma dcada, so lanados novos ttulos, como o Jornal da Tarde, do
relao de inovaes que marca uma fase de modernizao da imprensa jornalstica brasileira
nesse perodo mais ampla, mas estes exemplos da regio Sudeste so suficientes para
caracterizar uma etapa de transio de um modelo antigo, esgotado, para um modelo mais
O rdio, por sua vez, em meio crise que se lhe abate no mesmo perodo, tambm passa
Enquanto isso, quem se afirma como a mdia de massas por excelncia a televiso. Meio
centro produtor14.
Para argumentar em favor da tese de que a televiso a mdia que simboliza a plena
consolidao das indstrias culturais no Brasil nos anos 1970, apresentam-se alguns nmeros
14
Serve de exemplo dessa precariedade tcnica a experincia da TV Piratini (Canal 5), primeira emissora de
televiso do Sul do Brasil. Resultado do empreendimento de um grupo de empreendedores do Rio Grande do Sul
com os Dirios e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, a programao da emissora, no incio da
dcada de 1960, era 50% local. O restante era preenchido com filmes estrangeiros e programas produzidos no
Rio de Janeiro e em So Paulo, reprisados nas capitais em que a rede Associados tinha afiliadas (Kilpp, 2000, p.
41).
95
Outro fator que contribui para reforar a centralidade da televiso na constituio de uma
indstria cultural no Brasil, o fato de o novo meio de massas articular em torno de si todas
Globo de Televiso, em nvel nacional, e a Rede Brasil Sul de Comunicaes (RBS), em nvel
regional.
Dessa forma, pode-se sustentar que, assim como nos pases capitalistas avanados, na
depois da breve interrupo ocorrida nos governos populistas de Jnio Quadros e Joo Goulart
(1961-1964).
econmicas que ocorrem nesses pases, entre as dcadas de 1960 e 1980, devem-se em parte
se implantar um novo modelo de acumulao capitalista, alguns traos so comuns aos pases
7).
15
A expresso Cone-Sul refere-se aos pases que geograficamente se situam mais ao Sul da Amrica do Sul:
Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile.
96
indstrias culturais, em razo do carter peculiar do tipo de produto que produzem. Os bens
como o projeto de nao que tinham em mente, o fator poltico a ser considerado na fase de
grande indstria jornalstica, a partir dos anos 1960, observa ter se formado um pacto de poder
baseado em uma aliana entre a burguesia, as classes mdias e os militares. Esse pacto exclua
burguesia e das classes mdias. Segundo a autora, os setores tradicionais das classes mdias e
os ligados grande propriedade rural, que inicialmente faziam parte do projeto, foram
progressivamente alijados das posies de poder dentro do Estado em benefcio dos grupos
Assim, conclui,
[...] foi nos marcos do capitalismo monopolista tardio e sob a gide de um regime
poltico burocrtico-autoritrio de controle militar, no qual boa parte dos direitos de
cidadania foram restringidos ou inexistentes, que a indstria cultural viveu um perodo
de grande desenvolvimento, o qual, em funo de tal enquadramento, ganharia certa
especificidade (Taschner, 1992, p.105).
Por essa perspectiva, alguns aspectos favorveis s indstrias culturais derivam do prprio
preparar as bases do novo ciclo de expanso; ou, ainda, do prprio autoritarismo do regime;
O golpe militar de 1964 um ponto de inflexo igualmente importante para Ortiz (1991),
que, ao analisar a evoluo da indstria cultural no Brasil, diz que o fenmeno precisa ser
momento.
O antroplogo chama a ateno para o fato de o estado militar inaugurado em 1964 ter um
Estado como uma entidade poltica que detm o monoplio da coero, a faculdade de impor
inclusive pela fora as normas de conduta a serem obedecidas por todos. Trata-se de um
termos polticos. Vem da, segundo ele, a preocupao constante com a integrao nacional.
Uma vez que a sociedade formada por partes diferenciadas, necessrio pensar uma
instncia que integre, a partir de um centro, a diversidade social (Ortiz, 1991, p. 115). Para
esse tipo de concepo, tudo o que contribua para a disfuno desse sistema deve ser
reprimido, punido, banido. Da a censura, os exlios, as prises. O autor entende que a ISN se
nao com base em um discurso repressivo que elimina as disfunes, as prticas dissidentes,
economia brasileira e inseri-la no mercado internacional. Para isso, so tomadas medidas que
todo. Na mesma linha de argumento de Taschner, Ortiz (1991) diz que o Estado autoritrio
Segundo o antroplogo, o mercado de bens culturais envolve uma dimenso simblica que
aponta para questes ideolgicas. Os bens culturais expressam uma aspirao, um elemento
poltico embutido no prprio produto. Por isso, a rea tem um tratamento diferenciado por
parte do Estado. A cultura pode expressar valores e disposies contrrias vontade poltica
dos que esto no poder (Ortiz, 1991, p.114). preciso vigiar, incentivar o desenvolvimento
da indstria cultural, j que ela fundamental para o projeto de poder, mas manter-se atento
A esse respeito, Capparelli (1989) lembra que, no mesmo perodo, a sociedade civil tida
como inimiga, devendo ser conquistada ou pela fora ou pela persuaso, a fim de que a
(1991) identifica a existncia das duas faces da censura no perodo. Uma delas repressiva; a
outra, disciplinadora. A face repressiva puramente negativa, diz no, veta, probe. A
(1991) assegura que, de 1964 a 1980, a censura no se define exclusivamente pelo veto a todo
e qualquer produto cultural, mas atua como represso seletiva, que impossibilita a emergncia
os livros; mas no o teatro, o cinema ou a indstria editorial (Ortiz, 1991, p. 114). Com isso,
Por essa razo, o Estado de Segurana Nacional no s detm o poder de censura, como
submetidas s razes de Estado. Reconhece que a cultura envolve uma relao de poder, que
100
pode ser perigosa quando nas mos de dissidentes do regime, mas benfica quando
culturais que, segundo o autor, o Estado vai promover a criao de instituies como a
Embrafilme, Funarte, Pr-Memria etc. Pela mesma razo, vai reconhecer a importncia dos
coletivos, o que era essencial para a consecuo dos objetivos de integrao nacional.
segundo Ortiz (1991), vai se desprendendo da sua incipincia. Ocorre que integrao
Para os militares, integrar significava a unio nacional de norte a sul, de leste a oeste
em torno de objetivos comuns representados pelo projeto da ISN, criando assim, fortemente,
uma idia de nao, coesa, com a qual todos os brasileiros, indiferenciadamente, estariam
entre uns e outros. Para levar adiante o projeto de integrao nacional, o Estado militar
implantou toda uma infra-estrutura de comunicaes, cujos benefcios sero colhidos pela
A solidariedade entre os grandes grupos privados que atuam nos diversos segmentos das
indstrias culturais e o Estado brasileiro durante o regime militar pode ser comprovada
fartamente. Em primeiro lugar, como bem observa Capparelli (1989), o governo federal e suas
101
principais empresas estatais (Petrobrs, Caixa Econmica Federal, Banco do Brasil) esto
dependncia das indstrias culturais da boa vontade dos governantes, que, alm disso, detm
privado.
exemplos: a criao do Grupo Executivo das Indstrias do Papel e Artes Grficas (GEIPAC),
com o objetivo de ajudar a expanso das indstrias de papel e das editoras e apoiar a criao
privilegia a interveno direta na rea econmica, quem colhe os frutos desse investimento
grupo de Roberto Marinho, colocou a nova infra-estrutura a servio dos seus interesses.
esse argumento, Lattman-Weltman (2003) atribui a hegemonia daquela que logo se tornaria a
(Embratel), que interligou todo o territrio nacional [...] atravs de um sistema de microondas
O processo de consolidao das indstrias culturais no Brasil no pode ser visto, portanto,
que os governos mantiveram com a classe empresarial revelam, na verdade, uma articulao
de interesses econmicos, por um lado, e ideolgicos, por outro. Segundo Capparelli (1989),
seguintes razes:
Bruto (PIB), instrumento que mede o tamanho da riqueza nacional, elevou-se de tal forma
que, no incio dos anos 1980, o Brasil era a stima economia capitalista mundial. [...] O
televiso entre as mdias. Em 1966, a tv recebia 39,5% dos investimentos contra 15,7%
103
investimento em publicidade na televiso alcanara 52,0% do total das verbas, contra 26% em
contudo. Ortiz (1991) lembra que os interesses dos empresrios da cultura e os do Estado
eram os mesmos, embora topicamente pudessem diferir. Nesses termos, a prpria censura
pode ser mais bem compreendida. O autor observa que a ISN era moralista (no sentido
censura torna-se excessivamente rigorosa na sua incidncia sobre o produto (jornais, canes,
filmes, etc.) e com isso prejudica a sobrevivncia econmica das empresas. Um jornal
sada encontrada foi uma ao seletiva da censura: a crtica se desloca do campo poltico para
indstrias culturais, a censura o preo a ser pago pelo fato de serem os militares os
Assim, a partir dos anos 1970, as indstrias culturais no Brasil passam por uma
como a Editora Abril, o grupo Folha, Organizaes Globo, O Estado de So Paulo etc. E se
produo. O prprio gerenciamento das empresas, antes exercido por profissionais da rea da
cultura e/ou da comunicao, passa a ser atividade profissional do mundo dos negcios, de
104
Antes da chegada dos militares ao poder, a empresa possua o jornal O Globo, uma
estao de rdio, uma editora de revistas em quadrinhos e instalava um canal de
televiso. Vinte anos depois, o grupo controlava a primeira rede de televiso, com cinco
estaes emissoras e 45 afiliadas; tornara-se o primeiro grupo de imprensa feminina; o
segundo de revistas em quadrinhos; entrava na edio de livros, aps a compra da
editora Globo, uma das mais prestigiosas do pas. Esse grupo controlava tambm 83%
da publicidade brasileira, 90% da televiso Monte Carlo, comprada ao grupo italiano
RMC, e tinha 30% do mercado brasileiro de disco com o selo Som Livre e a empresa
Sigla; possua tambm a empresa de videoclip Globoteca, bem como 17 estaes de
rdio, o jornal O Globo, [...] e, finalmente, empresas pecurias com 70 mil hectares,
explorao de uma mina de ouro com a British Petroleum, um banco de investimentos,
empresas de BTP, de servios de telecomunicaes por satlite e a filial brasileira do
grupo eletrnico japons NEC. O grupo Globo empregava 15.400 pessoas e tinha
negcios anuais avaliados em 800 milhes de dlares (Capparelli, 1989, p. 23).
remete-nos ao conceito de concentrao diagonal, proposto por Arndt (1972), para analisar
16
Na dcada de 1950, o grupo controlava 36 estaes de rdio, 34 jornais, 18 estaes de tv, e a revista O
Cruzeiro, com edies em portugus e espanhol, com uma tiragem total de 700 mil exemplares (Capparelli,
1989, p. 22).
105
configura quando uma nica empresa da indstria da informao controla, igualmente, outros
americanas, que tm interesses em diversos setores industriais (rede de hotis, carros de luxo,
Outra forma de pensar a questo da concentrao nas indstrias de mdia seria a partir dos
concentrados preferencialmente nas reas urbanas desses pases, em detrimento das reas
rurais, e nos centros economicamente mais desenvolvidos, em detrimento das regies mais
empobrecidas.
(1973) mantm apenas os dois conceitos para analis-las: o de concentrao horizontal, para
17
A concentrao horizontal refere-se empresa que participa de vrios empreendimentos ao mesmo tempo,
mas dentro de um mesmo tipo de produo. Seria o caso, no Brasil, da editora Abril, que, sozinha, publica mais
de 40 ttulos. A concentrao vertical diz respeito empresa que fabrica desde a matria-prima (papel) at o
produto final (jornal), situao encontrada apenas nos pases hegemnicos.
106
tipos de mdia, isto , um proprietrio controlando ao mesmo tempo emissoras de rdio, de tv,
de jornais etc.
A partir dessa classificao, podemos inferir que, no Brasil, desde os anos 1950, pelo
menos18, a concentrao do tipo vertical que predomina. Como comprovao, pode-se citar
outros exemplos, alm da Globo, de grupos empresariais de grande porte, como O Estado de
So Paulo, Folha da Manh, Jornal do Brasil e, no Rio Grande do Sul, os grupos Caldas
Junior e Rede Brasil Sul de Comunicaes (RBS). Todos eles atuam em mais de um segmento
encontrou a mesma tendncia concentrao identificada por Schenkel (1973) nos cinco
conglomerados que podem ser identificados pelas prprias redes de televiso, embora existam
outros, como o Grupo Abril, de So Paulo, cujos negcios se concentram na mdia impressa.
De qualquer forma, dos conglomerados nacionais com rede de emissoras, jornais e televiso,
determinados espaos geogrficos. Exemplo: RBS, no Rio Grande do Sul. Nessa condio,
entretanto, identifica excees, empresas que atuam com disperso geogrfica, e cita como
18
A rede de Dirios e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, ao introduzir a televiso, um exemplo.
107
autnticos. O pesquisador observa, nesse caso, que a semelhana com os demais decorre do
seu lastro econmico, formado por recursos pblicos, uma vez que nem sempre possuem
que comandam, ao mesmo tempo, emissoras de rdio e tv, onde se pratica uma relativa
Federal que congrega uma rede de emissoras pertencentes a diversas esferas da administrao.
nacionais, regionais e estaduais e estatais so do incio dos anos 80. H, portanto, necessidade
surgimento das mais diversas publicaes e produtos culturais que vo atender demanda dos
O que o jornalismo nas indstrias culturais? Que implicaes para a atividade social
Em que momento e em que contexto o jornalismo brasileiro ingressa na era das indstrias
O presente captulo procura respostas a perguntas como essas. Para isso, inicia-se fazendo
um processo de sujeio dessa atividade social lgica capitalista, situao que se instala em
democrtica e plural. Por fim, conclui-se o captulo sustentando o carter fordista da produo
jornalstica dos conglomerados industriais que inauguram um novo tempo na histria das
considerveis. Provavelmente a mais conhecida delas seja a de Sodr (1983), que a divide em
atividades proibidas pela Coroa. Estas s seriam oficialmente permitidas a partir de 1808,
Braziliense, produzido em Londres trs meses antes. O mrito dos pioneiros foi ter aberto
caminho para vrias outras publicaes, das mais diversas posies, que, mais tarde,
publicaes que tiveram papel destacado em relao causa, pr ou contra, quanto quela que
1
H controvrsias quanto a quem deve ser atribuda a condio de primeiro jornal brasileiro: alguns defendem a
Gazeta do Rio de Janeiro, por ser a primeira publicao feita integralmente em territrio brasileiro; outros, o do
Correio Braziliense, produzido em Londres por Hiplito Jos da Costa, a partir de 1 de junho de 1808. Em
deciso recente, o Congresso Nacional aprovou lei, sancionada pelo ento presidente Fernando Henrique
Cardoso, oficializando como Dia da Imprensa o 1 de junho, em substituio data oficial anterior que era 10 de
setembro.
110
pasquins2.
que surgem os grandes escritores da literatura brasileira, que trabalham e publicam textos
literrios nos jornais, como Joaquim Manuel de Macedo, Jos de Alencar e Machado de
Assis, entre outros. Trata-se da imprensa do Romantismo. Sodr (1983) identifica trs fases
movimentos de luta por reformas, a partir do incio dos anos 1860; e a das reformas, os
Por fim, a fase da grande Imprensa seria aquela que surge no final do sculo XIX, com a
Outro tipo de periodizao proposto por Medina (1978). A autora parte do pressuposto
seria mais opinativo, herdeiro da tradio europia que predominou na imprensa brasileira at
o final dos anos 1950; e o Jornalismo Noticioso, o que passa a predominar a partir da
2
Tipo de periodismo que predominou no Perodo Regencial metade do sculo XIX, quando atuou em
liberdade. Segundo Sodr (1983), tratava-se de imprensa poltica atrevida e panfletria que se utilizava nicos
instrumentos possveis para os padres da poca a injria e a difamao.
111
noticioso.
primeira seria a da substituio das importaes, dos anos 1950 at 1962, quando o modelo
Hohlfeldt (2002) diz que ela coincide com o retorno de jornalistas brasileiros em estgio nos
publicaes como Dirio Carioca e Jornal do Brasil. Entre esses, cita Danton Jobim, Alberto
representativo desse momento o acordo das Organizaes Globo com o grupo Time-Life.
Hohlfeldt (2002) inclui como representativa desse perodo, tambm, a decadncia dos Dirios
dizendo que a fase igualmente marcada pela abertura de meios alternativos de comunicao,
ambas tomam como critrio para a classificao das etapas o desenvolvimento do capitalismo
A primeira fase sugerida por Lattman-Welteman (1996) comea em 1808, com a Gazeta
Correio Braziliense. E a terceira e ltima fase, a partir dos anos 1950, a da modernizao e do
imprensa, marco que assinalaria a virtual superao, entre ns, daquilo que autores como
entretanto, teria colocado novos problemas de governo para as autoridades que, rapidamente,
113
2003, p. 16). O historiador gacho sustenta que o jornalismo brasileiro nasce e se desenvolve
nessa conjuntura descrita por Habermas, e apresenta como comprovao da tese o lanamento
assegura que, em linhas gerais, o estado conheceu at agora dois regimes jornalsticos. O
desde a sua formao, em meados do sculo XIX3, at os anos 1930. E o segundo, dominado
pelo conceito de jornalismo informativo e indstria cultural, comea a ser gestado lentamente
Brasil final dos anos 1950 e dcada de 1960. No por acaso esse o perodo que
como de industrializao pesada (de 1956 a 1961); ou que socilogos, como Cardoso
3
O primeiro jornal a ser publicado no Rio Grande do Sul foi o Dirio de Porto Alegre, em 1827.
114
amplia a capacidade produtiva para alm da demanda pr-existente. Como se viu, essa
expanso se d apoiada no Estado e no capital estrangeiro que ingressa no Pas sob a forma de
capital produtivo.
jornalismo produzido em escala industrial no quadro terico proposto por Harvey (2001).
Sustenta-se a idia de que o jornalismo entra na era das indstrias culturais e se consolida
como negcio no Brasil nos anos 1960. Da em diante, institucionaliza-se como tal e se
Essas reformas preparam o jornalismo brasileiro para o ingresso na era das indstrias
culturais.
nos processos de produo jornalstica. Uma das mudanas mais significativas, no mbito da
organizao, diz respeito prpria relao que se estabelece entre a empresa de comunicao,
Um dos argumentos que se sustenta nesta tese, de acordo com Taschner (1987; 1992),
jornalismo, do contedo editorial dos jornais, lgica capitalista de produo das empresas de
porque so produzidas com o emprego de tcnicas prprias das indstrias culturais, mas
um estudo de caso do Grupo Folhas4, que edita, entre outros jornais, a Folha de So Paulo.
que so produzidos. O objetivo era analisar quando e como a forma empresarial das
processo pelo qual as empresas, que antes serviam apenas de suporte para a elaborao do
jornal, passaram a ser o elemento dominante nessa relao. Um segundo eixo da pesquisa
em 1921, e de caracterizar a atuao da empresa em cada uma das etapas, Taschner (1992)
situa na dcada de 1960 o perodo histrico em que efetivamente os modos de produo das
indstrias culturais foram incorporados pelas editoras de jornais no Brasil. Coincide, portanto,
com a instalao das indstrias culturais no Pas, atingindo os mais diversos segmentos da
transferncia do comando, de Jos Nabantino Ramos para Otvio Frias de Oliveira e Carlos
dessa fase, segundo ela, que a empresa passa a ter predomnio sobre o jornal, invertendo a
4
TASCHNER, Gisela. Folhas ao vento: anlise de um conglomerado jornalstico no Brasil. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1992. 230p.
117
lgica do perodo anterior, quando os jornais - que preexistiam indstria cultural - tinham
Deve-se observar a diferena entre esses dois perodos histricos de forma a no entrar em
conflito com o que afirmam historiadores como Sodr (1983) e Bahia (1990). Ambos
sustentam que, j nas primeiras dcadas do sculo XX, os jornais brasileiros eram produzidos
(1875) e Jornal do Brasil (1891), peridicos fundados no final do sculo XIX e que chegam
ao sculo seguinte organizados como empresas. Isso significa que, na transio de um sculo
para outro, ao se apresentaram ao pblico como um negcio, esses jornais dizem-se livres da
agitao e doutrinao poltica. Sua instrumentalizao fazia parte das estratgias dos grupos
Nessa fase, que iria de 1880 a 1930, comeava a se esboar uma imprensa de massas, mais
marcado pela reorganizao dos jornais e pela modernizao tecnolgica as grficas foram
se separando das tipografias e adquirindo contornos mais industriais. o perodo tambm dos
pequenos anncios, que invadem at mesmo a capa dos jornais, e das notcias, que vo
ocupando mais espao em relao aos artigos de fundo, opinio (Bahia, 1990).
Apesar de o carter comercial das empresas vir de longa data, Taschner (1992)
considera, entretanto, que at os anos 1960 estvamos longe da chamada imprensa moderna:
jornal para dar lucro independentemente do tipo de mensagem que faria. Nesse sentido,
nas relaes entre o jornal propriamente dito e sua empresa, o Estado de So Paulo
no era um jornal dominado pela sua organizao empresarial, embora esta j existisse e
ele certamente no fosse um pasquim (Taschner, 1992, p.30-31).
perodo dos jornais-empresa de que falam Sodr (1983) e Bahia (1990) que, na era das
antes.
Entre o perodo dos jornais-empresa, como define Bahia (1990), das primeiras dcadas
do sculo XX, e o perodo do jornal de indstria cultural, dos anos 1960 em diante, tem-se
ainda uma fase de transio. Esta se caracteriza, segundo Taschner (1992), pelo emprego das
tcnicas da indstria cultural nos jornais, mas no da sua lgica. A mensagem jornalstica era
Essa transio foi estudada pela sociloga em outro trabalho de pesquisa5, em que analisa
os casos de ltima Hora e Notcias Populares, jornais que, em 1965, passaram a integrar o
conglomerado Folhas.
Ao lanar ltima Hora, na dcada de 1950, com o objetivo de divulgar o projeto nacional-
populista de Getlio Vargas, Samuel Wainer colocou em circulao um dos mais modernos
peridicos da poca. Suas inovaes grficas e editoriais so tidas por muitos historiadores
junto com a reforma do Jornal do Brasil - um dos marcos que impulsionaram a modernizao
da imprensa na dcada de 1960. Notcias Populares, por sua vez, contraponto do liberalismo
oligrquico, lanado em 1963 por Herbert Levy (presidente da UDN e homem ligado ao
5
GOLDENSTEIN, Gisela Taschner. Do jornalismo poltico indstria cultural. So Paulo: Summus, 1987.
174p.
119
produzido segundo as mesmas tcnicas, embora com outra perspectiva poltica. Notcias
Populares era, como observa Taschner (1987), a imitao pelo avesso do ltima Hora.
O problema que, tanto num caso como no outro, na avaliao da autora, o contedo
A autora conclui, ento, que foi a luta poltica que trouxe luz os dois jornais, porque foi
Foi em funo da luta poltica que ltima Hora sofreu boicote econmico. Foi em
funo da luta poltica que os Levy, capitalistas bem-sucedidos em reas diversas,
deram a Notcias Populares uma organizao empresarial to tosca e perderam o
interesse pelo jornal assim que se consumou o Golpe de Abril, apesar de Notcias
Populares estar fazendo grande sucesso em termos de vendas. Enfim, foi a lgica da
poltica que comandou o destino de ltima Hora e Notcias Populares. A ela se
subordinaram as demais caractersticas. [...] Como empresas, fracassaram (Taschner,
1987, p. 154).
empresariamento por que passava, ainda mantinha forte carter poltico no incio dos anos
1960, recorre-se tambm a Lattman-Weltman (2003, p. 133), que diz que o facciosismo
poltico da imprensa exercia-se sobre um pblico de elite e de classe mdia alta, cujo
Otvio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, em 1965, assim como os do jornal mais
das indstrias culturais. Trata-se da mentalidade empresarial referida por Cardoso (1964) na
econmico do Brasil.
industrial e para o ingresso na etapa monoplica do capital nos termos em que este se institua
(1964) afirma que faltava aos empresrios brasileiros uma mentalidade empresarial, uma
viso que superasse o objetivo imediatista do lucro em favor de uma perspectiva geral
de-indstria seria aquele movido pelo esprito da usura mais que pela poupana metdica e
explorao racional da fora de trabalho. Teria uma compreenso muito limitada dos
e rpida de capitais6. O grupo dos industriais tradicionais seria formado por aqueles cuja
empresa. Cardoso (1964) avalia que essa postura dificultava a expanso dos negcios, e nessa
condio identificou os proprietrios que foram imigrantes. Nas empresas desse tipo de
que, com essa viso, no era possvel ao Pas superar sua condio pr-capitalista.
industrial que comea a surgir no seio do processo mais forte de substituio de importaes.
Este empreendedor alia o grau de compreenso do seu papel como industrial prtica de
condies do mercado e da concorrncia. O empresrio com esse perfil tambm passa a atuar
como um todo. Esse novo tipo de liderana dirige as empresas preocupado com a
indstria e ao industrial tradicional, no teria obsesso pelo lucro rpido e imediato obtido
pela manipulao do mercado ou por favores oficiais, nem a obsesso pela explorao total e
concorrncia e preocupao voltada para a sociedade como um todo, embora ainda no tenha
condies para imprimir a direo da sua convenincia ao processo social, nem possa
6
Conforme revelou a pesquisa, os industriais dessa categoria trabalhavam com o ideal de um mercado fechado,
base de favores governamentais e com uma viso tradicional da empresa, do mercado e da sociedade. Tem-se,
assim, a imagem do antiempreendedor que a industrializao extensiva e a duplicidade tecnolgica,
favorecida pelos mercados de concorrncia imperfeita, alimentava. A semelhana entre as representaes
formadas pelos industriais desse tipo e a viso tradicional dos comerciantes e fazendeiros do velho Brasil
muito grande. (Cardoso, 1964, p. 129).
122
exprimir com sua ao o interesse de todos. No plano da fbrica, so movidos pelo desejo de
construir uma indstria verdadeira; no plano da viso geral que tm do mundo, desejam
importaes, delineando-se melhor no final dos anos 1950 e incio dos anos 1960. Constitui-
se, segundo ele, no s pelas condies do mercado como pelas presses do meio social.
do sculo passado, explicam de forma mais abrangente, na nossa avaliao, o carter de no-
mercadoria dos jornais da poca, o que os faz mais prximos das correntes de opinio, das
os proprietrios das empresas jornalsticas que dirigiam seus negcios de forma tradicional,
mas os empresrios de uma maneira geral. Os produtos de uns e de outros padeciam das
associao com o capital estrangeiro. Assim, no se pode encontrar nas empresas jornalsticas
a lgica que inexiste nos segmentos econmicos em geral, e que s ir se estabelecer mais
especificidades, esto referidas no captulo que trata da consolidao das indstrias culturais
123
no Pas e no h por que repeti-las, uma vez que o jornalismo uma entre as muitas atividades
sociais culturais (como o cinema, o livro, a msica etc.) a se tornar mercadoria no mbito de
nacionais com o capital estrangeiro, que aqui passou a investir maciamente, principalmente
Da leitura de duas pesquisas da sociloga Gisela Taschner7, pode-se apreender alguns dos
7
A primeira foi realizada no final da dcada de 1970 e resultou no livro Do jornalismo poltico indstria
cultural, publicado em 1987; a segunda, no livro Folhas ao vento, de 1992, analisa as mudanas verificadas nos
anos 1960 e 1970, a partir de um estudo de caso do grupo editor da Folha de So Paulo.
124
primeira dessas caractersticas, e a principal dentre elas, a nosso juzo, justamente o carter
flexibilidade de linha editorial, ou mesmo de ausncia de uma linha editorial, permitindo que
o jornal assuma determinadas posies que possam ser corrigidas mais adiante, se necessrio,
dependendo dos rumos do vento, da opinio pblica, acredita a autora. Trata-se de uma
postura distinta da adotada por jornais-causa, como o ltima Hora. Segundo a pesquisadora,
A Folha da Noite, embrio do Grupo Folhas, teria nascido com esse senso de oportunidade,
42).
A propsito do carter das notcias produzidas no mbito das indstrias culturais, cabe
por Taschner (1992), que diz respeito justamente embalagem do produto jornal - a feio
leve e graciosa. Essa seria uma caracterstica a ganhar cada proeminncia medida que
menos highbrow, mais acessvel e sedutor (Taschner, 1992, p. 42), com o objetivo de fisgar
tambm interessado num pblico amplo e diversificado. Da mesma forma, como ilustrativo
monoplico das empresas no mercado. No caso do grupo Folhas, a aquisio dos ttulos
ltima Hora e Notcias Populares, em 1965, tpica dessa situao. No Rio Grande do Sul, o
lanamento pela RBS de um jornal popular como o Dirio Gacho, em 2000, tambm. So
exemplos de jornais de uma mesma empresa que visam atingir pblicos distintos, com
Essa busca constante do leitor tambm criticada por Lins da Silva (1991), ao questionar
o modelo americano de jornalismo que passa a influenciar a imprensa brasileira a partir dos
anos 1960. Desde pelo menos o final da Segunda Guerra Mundial, o noticirio se entregou
cada vez mais idia de que a conquista do mercado pela adulao ao consumidor a nica
regra do jornalismo (Lins da Silva, 1991, p. 24). Para o autor, a conseqncia disso a
indstria cultural relacionada por Taschner (1992). A adoo do modelo americano teria feito
com que muitos peridicos tivessem feies tpicas de uma indstria cultural antes mesmo da
126
existncia de infra-estrutura material para sua instalao, como foram exemplo ltima Hora e
A sociloga observa que fatos como esses, aliados a fatores externos (como a elevao do
anos 1960, semelhana do ocorrido em outros segmentos da produo de bens culturais, foi
produo capitalista nos pases desenvolvidos. A partir desse perodo, tem-se no Brasil o
fenmeno da concentrao cruzada, assim definida por Lima (2001) para designar a situao
em que um mesmo grupo torna-se proprietrio de diferentes mdias, como emissoras de rdio,
de tv, jornais etc. Enquadra-se nessa condio a maioria dos grupos de comunicao que se
consolidam nessa fase, como Globo, Abril, Folha da Manh, O Estado de So Paulo e, no Rio
Grande do Sul, RBS. Os jornais so um entre os vrios produtos, com valor de uso e valor
de troca (mercadorias), ofertados por esses conglomerados aos seus clientes. Usando-se a
propriedade cruzada em nveis local e regional. Exemplo disso seria a relao da Rede Globo
com grupos regionais de emissoras de tv, rdios e jornais, que reproduzem parte da
Marinho. No Rio Grande do Sul, ilustrativa desse tipo de situao a relao das
a) Centralizao da produo
Inicia pela centralizao das operaes de redao. A criao de agncias, cuja finalidade
custos que inexistia nas empresas brasileiras at os anos 1950. Cardoso (1964) assegura que
calcular o custo da sua produo. Como o mercado era fechado, os preos internos eram
fixados a partir da estimativa do preo terico da mercadoria, se ela pudesse ser importada, e
forma de reduzir custos com pessoal, com espao fsico, com meios de transporte e com
outros materiais necessrios realizao do trabalho. Alm disso, permite um maior controle
do que produzido. Taschner (1992) relata que, poca da censura imposta pelo regime
militar, a agncia de notcias do Grupo Folhas foi utilizada para centralizar a autocensura em
indiferenciao dos produtos de um mesmo grupo editorial, o que gera uma espcie de efeito
muito parecidos uns com os outros, tratam mais ou menos dos mesmos assuntos e pela mesma
todos os seus veculos, do ponto de vista trabalhista, a essa organizao. Assim, todos
Dessa forma, a estrutura de produo dos jornais torna-se cada vez mais complexa, mais
verdadeiras mini-redaes: cada uma tem seu editor, seus reprteres e seu prprio pauteiro.
Num jornal como a Folha da Tarde, exemplifica , a redao alimentada duplamente: fica
em contato com a Agncia ao longo do dia, para saber o que os reprteres de l esto fazendo
e que resultados esto obtendo. Ao mesmo tempo, faz a pauta especfica e controla o trabalho
Para dar conta da complexidade do trabalho de produo das notcias para os diversos
H uma diferena considervel entre um jornalista [...] que saiba planejar uma entrevista,
conduzi-la e fazer um bom texto, na forma e no contedo, e um processo em que um
pauteiro decida pela realizao da entrevista, planeje-a e mande um reprter execut-la,
[...], passando o seu contedo para outro jornalista que seja bom redator e possa dar forma
final ao texto (Taschner, 1992, p. 169-170)
129
c) Sistemas de controle
trabalho seria um deles e pode ser percebido, por exemplo, no papel desempenhado pelos
manuais de redao, cada vez mais detalhados. No trabalho dos jornalistas, o manual acaba
por desempenhar funo semelhante exercida pelo colega experiente diante do jovem
profissional em incio de carreira, quando o ofcio era aprendido no calor das redaes.
evoluo dos mtodos de gerenciamento das redaes, sempre com a finalidade de conseguir
Com esse tipo de controle, as notcias ficam cada vez menos diferentes das mercadorias
jornalismo, atividade social, integrante da esfera pblica, onde exerce funo poltica.
congratulaes, planos de metas a serem atingidos e toda uma srie de procedimentos que, ao
submetido a regras e normas semelhantes s de uma linha de montagem (jornada fixa, salrio
capital, o jornalista que antes se via com a misso intelectual de orientar a opinio pblica,
transforma-se praticamente num tcnico, num especialista. Abreu (1998) comparou duas
Acabou identificando dois perfis o dos romnticos e o dos profissionais. Por romnticos,
definiu os jornalistas que ocuparam postos de poder nas redaes de jornais do Rio de Janeiro,
So Paulo e Braslia no perodo anterior s indstrias culturais. Para estes, o jornalismo deve
estar voltado para a defesa de determinadas causas, a atividade tomada como uma misso, e
o jornalista tido como um guia que ajuda a educar o leitor. Nesse caso, o jornalista no se
que a populao possa tomar as suas posies e fazer o seu julgamento. Por isso, acreditam
acordo com a sociloga paulista, pode ser identificada na poltica, cada vez mais incentivada,
autora relata que na Folha de So Paulo, a partir dos anos 1970, foram regulares as reunies
131
entre essas instncias da empresa. Nessas reunies, segundo lhe foi relatado em entrevistas,
eram comuns as orientaes a jornalistas e editores para que produzissem matria dirigida a
algum mercado em que a venda avulsa, por exemplo, estivesse necessitando ser incrementada.
edies, antes ditado pelas necessidades de cobertura dos fatos pelos jornalistas, passa a ser
determinado pelo setor industrial e no mais pela redao. Esta, quando muito, negocia o
circulao.
e) Publicidade e quota-papel
O ltimo aspecto destacado por Taschner (1992) diz respeito relao entre matria
direo de redao pode dispor por um determinado perodo de tempo (mensalmente, por
exemplo) para a produo do jornal. Essa quantidade definida pela empresa de acordo com
nmero de pginas de cada edio. O setor de publicidade, entretanto, que define o espao
inicial, programando, pgina por pgina, os anncios a serem inseridos. O que sobra de
Folha de So Paulo quando um editor-chefe excedia sua quota de papel por haver necessitado
A autora pondera que h limites para isso, porque o nmero de pginas pode ser
certo limite quando os anncios diminuem. De qualquer forma, a lgica pela qual se articulam
e) Linguagem
monopolista. Trata-se da linguagem que procura atingir e seduzir o maior nmero possvel de
leitores. Essa forma est diretamente vinculada produo do texto e aos modelos de
levada ao extremo da simplificao, a ponto de retirar das notcias cada vez mais breves,
jornais, integralmente ou por pginas, tambm compem essa nova linguagem jornalstica.
133
Ttulos, subttulos, quadros, fotografias, legendas, resumos, artes, etc., enfim, todos os
Para agradar ao leitor sem tempo para a leitura, ou no habituado a ela, os jornais vo
renunciando sua funo de aprofundar o conhecimento e a anlise dos eventos que noticia.
indstrias culturais no mais uma publicao cuja organizao tem a forma de empresa,
como nos primrdios do sculo XX. Trata-se de uma empresa que tem atividade jornalstica.
Sustenta-se que o jornalismo produzido nas condies acima referidas, no mbito das
Brasil. A argumentao nesse sentido toma como referncia algumas das expresses
justaposio de termos para distingui-la da ps-modernidade flexvel. Eis alguns dos termos
vezes parecem at incongruentes8, todos os termos reunidos pelo autor ingls, ou pelo menos
anteriores.
Dessa forma, acredita-se ter autorizao para sustentar que, uma vez que prevalecia, na
tipo fordista.
Da mesma forma, tambm nos permitido concluir que o perodo em que as empresas
a partir do final do sculo XX, com o advento das novas tecnologias e do regime de
culturais no estado do Rio Grande do Sul (Cap. 4 e 5) e para a anlise e compreenso das
mudanas mais recentes, que reclamam das indstrias da mdia sua insero no novo regime
8
A tabela com todos os termos reunidos e justapostos para distinguir a modernidade fordista da ps-
modernidade flexvel est em HARVEY, David. A condio ps-moderna. 10 ed. So Paulo: Loyola, 2001, p.
304.
4 AS INDSTRIAS CULTURAIS NO RIO GRANDE DO SUL
culturais no Rio Grande do Sul. Isso implica apreender o momento histrico e o contexto em
propriedade concentrados.
A entrada das empresas de comunicao na era das indstrias culturais no Rio Grande do
Sul obedece mesma lgica e se insere no mesmo contexto de mudanas que se verifica no
Pas na segunda metade do sculo XX. medida que as condies econmicas se alteram, as
empresas de comunicao, como quaisquer outras, tambm se adaptam aos novos cenrios, de
A fase das indstrias culturais no Rio Grande do Sul, particularmente as que dizem
respeito comunicao massiva, como rdio, televiso e jornal, assim como a publicidade,
Comunicaes (RBS).
A sntese histrica das indstrias culturais no Rio Grande do Sul que se empreende neste
Deliberadamente, deixa-se fora deste captulo a mdia impressa, porque, por ser o objeto
central desta pesquisa, ser considerada com exclusividade no captulo a seguir. Exclui-se
tambm o cinema, a msica, a literatura e a publicidade, entre outras formas de expresso que
chave histrica, que no o objetivo desta tese, mas na medida em que se faz necessria
compreenso da constituio das indstrias da mdia, tanto no Brasil quanto no estado do Rio
Grande do Sul, uma vez que exerce papel central no processo. A partir do momento que o
contedo desses bens, isto , alm das organizaes, subordina tambm o produto dessas
organizaes.
haveria necessidade, a no ser como reforo, de insistir no argumento de que o ingresso dos
meios massivos de comunicao na era das indstrias culturais comea na fase de transio da
consolida plenamente nesta. A exemplo do que ocorreu no Pas, particularmente no eixo Rio
dignos de relato envolvendo uns e outros. As anlises mais comprometidas com os cnones da
Francisco Rdiger e Antonio Hohlfeldt (sobre jornalismo impresso), Luiz Artur Ferraretto
(sobre rdio), Suzana Kilpp (sobre televiso) e de Andr Iribure Rodrigues (sobre
daqueles que, fora da academia, tm dado sua contribuio para o registro da histria dos
meios de comunicao, como Lauro Schirmer, Walter Galvani e Jefferson Barros, entre
outros. A rigor, a obra desses jornalistas constitui um ponto de partida inestimvel, sem o qual
dos anos 1950 para os anos 1960, ou ainda, transio do modelo de industrializao
acumulao definido por Harvey (2001) como fordista-keynesiano. No Rio Grande do Sul,
como no Brasil, o meio de comunicao hegemnico o rdio. Por essa razo, comea-se por
esse veculo o resgate da histria das indstrias culturais no estado. Antes de prosseguir, uma
observao se impe. No se far, aqui, uma reproduo extensiva de toda a histria do rdio
e da televiso no RS. Dar-se- nfase a perodos e a situaes que se avalia relevantes para o
fenmeno em estudo - a histria dos meios que se institucionalizam como indstrias culturais.
138
A radiodifuso tem mais de 70 anos no Rio Grande do Sul, e est ligada histria da
Rdio Gacha, uma das mais importantes emissoras AM do estado, cuja programao atual
Controvrsias parte, o fato que, a partir de 1927, por quase uma dcada a Rdio
Sociedade Gacha foi a nica em Porto Alegre. Consta que a programao era elitista e que
scios e introduzindo um modelo mais comercial. A programao, por sua vez, seguia
ao poder central do Imprio. As rdios Gacha, Difusora e Farroupilha formam a trinca que
1
Para maiores esclarecimentos a respeito do incio da radiodifuso no Rio Grande do Sul, sugere-se a leitura de
FERRARETO, Luiz Artur. Rdio no Rio Grande do Sul (anos 20, 30 e 40): dos pioneiros s emissoras
comerciais. Canoas: Editora da ULBRA, 2002. 256p.
139
A disputa que travam entre si pela audincia em nada difere do que ocorre no mesmo
perodo no restante do pas por um pblico que vai se tornando urbano a partir da implantao
das bases industriais e do aumento da renda nacional idealizados pela Revoluo de 1930.
A primeira mudana significativa nesse quadro se d nos anos 1940, quando as rdios
1945, a primeira rede de estaes de rdio no Sul do pas - as Emissoras Reunidas, de Arnaldo
Ballv.
A lder de audincia na dcada de 1950 foi a rdio Farroupilha, que chegou a ser uma das
mais populares do Pas, numa poca de grandes audincias, como a das emissoras Nacional,
auditrio da Farroupilha revelaram nomes famosos, como o de Elis Regina, que estreou em
1957 no Clube do Guri, patrocinado pelas balas da marca Neugebauer. Essa liderana s
comeou a ser perdida aps 1954, precisamente depois do suicdio de Getlio Vargas, em 24
de agosto. Consta que a rdio de Chateaubriand teria dado a notcia da morte do presidente
episdio no estado que era o bero do trabalhismo e, da mesma forma como fez com o jornal
destruindo completamente, entre outras coisas, seu acervo de discos, um dos maiores
sucesso daquele que viria a ser o fundador do maior conglomerado atual de comunicaes do
Sul do Brasil, Maurcio Sirotsky Sobrinho. Seu programa de auditrio fez tanto sucesso que
possibilitou sua associao, mais tarde, a Arnaldo Ballv, para comprar, em 1957, as aes da
pioneira e ento quase falimentar rdio Gacha. Foi a partir da que o ex-locutor de rdio-
140
poste de Passo Fundo deu incio sua carreira de empresrio e histria da RBS,
outras emissoras AM e FM, autnomas e em rede, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
Tambm em 1957 surgiu a rdio Guaba, do grupo Caldas Jnior, ancorada numa
programao sbria e com vocao para o jornalismo. Foi dela, em 1958, a primeira
transmisso da Copa do Mundo, realizada na Sucia. Tendo na qualidade do sinal sonoro sua
marca registrada, assumiu a liderana da radiodifuso nos anos 1960. A rdio Gacha era a
processo de crise que se abateu sobre todo o grupo Caldas Jnior, no final dos anos 1970, e
que culminou com o fechamento do principal veculo do grupo, o jornal Correio do Povo, em
1984.
encontrava-se em crise com a chegada da televiso. Introduzido no Pas no incio dos anos
1950, o novo meio comeava a pr fim chamada Era de Ouro do rdio brasileiro.
Valendo-se dos Anais do 4 Curso de Alto Nvel para Jornalistas, Ferraretto (2002)
sustenta que o rdio era a mdia que maior fatia do bolo publicitrio recebia entre 1950 e
1960. Esses dados permitem demonstrar que, no primeiro ano de existncia da televiso no
rdio. Em nmeros absolutos, elas teriam ficado com 40% das verbas; as revistas, com 30% ;
os jornais, com 23%; e a nascente televiso, com apenas 1%. Dez anos depois, em 1960, no
auge da crise, a mesma fonte aponta para um maior equilbrio: o rdio detinha 26% da verba
publicitria; as revistas, 28%; os jornais, 18%; e a televiso aumentara sua participao para
24%2.
2
As pesquisas relativas a essa poca, entretanto, no so consensuais nos nmeros. Lattman-Weltman (2003, p.
131), por exemplo, apresenta outros dados sobre a distribuio das verbas publicitrias entre os principais meios
de comunicao do Pas. Segundo ele, em 1950, a liderana nos investimentos publicitrios cabia aos jornais,
141
Rdio Difusora. Adquirida nos anos 1940 pelo grupo de Assis Chateaubriand, ento
proprietrio da rdio Farroupilha, acabou sendo vendida novamente, em 1959, para a Ordem
Outra observao importante de Ferraretto (2002) sobre essa fase diz respeito aos
publicidade do comrcio. Esta a poca, segunda metade dos anos 50, do incio da
radiofnico no Rio Grande do Sul. Ainda segundo Ferraretto (2002), a dcada de 1950
registra tambm o aumento do nmero de emissoras em todo o estado, que se eleva de 28 para
50. S em Porto Alegre, em 1960, havia 11 emissoras disputando a preferncia dos ouvintes.
No final da dcada de 1950, entretanto, esse modelo de rdio - definido por Ferraretto
que comea a se afirmar como veculo massivo. O historiador do rdio no Rio Grande do Sul
com 39%, contra 24% do rdio. Em 1966, a televiso assumiria a liderana, com 39,5%; as revistas assumiriam o
segundo lugar, com 23,3%; e o rdio ficaria em terceiro, com 17,5%.
3
No mbito nacional, a bibliografia costuma se referir s dcadas de 40 e 50 como a poca de Ouro do rdio.
142
relata em sua pesquisa que, com a chegada da televiso ao estado, em 1959, o rdio, ento em
crise, comea um lento processo de reestruturao. De tal forma que, em 1964, ainda
persistem algumas atraes de auditrio, como o Programa MS, comandado por Maurcio
A respeito disso, Ferraretto (2002) tambm sustenta que ocorre com as emissoras de rdio
no Rio Grande do Sul, nas dcadas de 1950 e 1960, o mesmo processo verificado, no mesmo
cenrio semelhante, embora com algumas peculiaridades. Uma delas a influncia da rdio
Guaba, do grupo Caldas Jnior, sobre o radiojornalismo brasileiro, com sua produo de
A grande contribuio da Guaba [...] passa pelo trabalho dos seus departamentos de
Notcias e de Esportes. E, neste particular, 1958 a chave para o prestgio que a estao
vai ganhar junto ao pblico. Em junho e julho daquele ano, o diretor comercial da
emissora, Flvio Alcaraz Gomes, organiza [...] a primeira grande cobertura internacional
de um Campeonato Mundial de Futebol realizada por uma emissora do Rio Grande do
Sul. O ouvinte pode, ento, acompanhar, na narrao de Jorge Alberto Mendes Ribeiro,
as participaes da Seleo Brasileira diretamente da Sucia (Ferraretto, 2002, p. 76-
77).
O autor cita ainda, como exemplo dessa referncia da Guaba para o radiojornalismo
nacional, a estrutura paralela de contagem de votos montada pela emissora na cobertura das
eleies daquele ano para o governo gacho. Teria sido a primeira experincia de apurao
paralela feita por um veculo de comunicao no Pas. Planejada por Amir Domingues e
143
tornada possvel tecnicamente pelo engenheiro Homero Carlos Simon, a apurao da rdio
Guaba teria antecipado, com 36 horas em relao Justia Eleitoral, a vitria de Leonel
Brizola para o governo do Rio Grande do Sul. Nos anos seguintes, consolidar-se-ia no
jornalismo com as coberturas internacionais de Flvio Alcaraz Gomes: na Guerra dos Seis
e vietcongs, em Paris, e, no mesmo ms, ano e capital, na cobertura das rebelies de maio de
informar e prestar servios. Atuando nas brechas deixadas pela tv, o rdio obtm sucesso ao
oferecer uma programao para aquela parcela do pblico ainda excluda do acesso ao novo
o estilo das outras, que faziam mais sucesso, como Ita, emissora que lana o comunicador
Srgio Zambiasi.
que permite sua sobrevivncia e sua evoluo. Sua organizao como indstria cultural, nos
termos definidos no incio deste captulo, a exemplo das outras mdias no Rio Grande do Sul,
vai ocorrer na passagem da dcada de 1970 para a de 1980, mesmo que nas dcadas anteriores
o rdio tenha carter comercial e possam ser identificados alguns indcios de seu carter
industrial.
nas emissoras da rede de Dirios e Emissoras Associados, por exemplo. Mas esses elementos,
144
delinearia mais tarde, no sendo possvel caracterizar as emissoras comerciais de rdio nas
dcadas de 1940 e 1950 como indstrias culturais. Para manter coerncia com o raciocnio
tardia e perifrica - do capitalismo. A distino conceitual, mesmo que encarada por alguns
como abstrao terica, impe-se pela necessidade de rigor analtico, razo por que se passa a
que este meio, com outras mdias, converge para os conglomerados. Ferraretto (2002)
culturais nas dcadas anteriores a 1970 limita-se, no rdio, conforme o autor, a um certo grau
delineamento mais ntido dessa padronizao, entretanto, ficaria para a dcada de 1970,
histrica hegemonia exercida havia dcadas pelos veculos do grupo Caldas Jnior. No
A histria da televiso no Rio Grande do Sul comea em 1959, quando vai ao ar o sinal da
o pblico e o anncio do futuro canal 5 haviam sido feitos por Assis Chateaubriand em 1955
numa cerimnia realizada no Clube do Comrcio de Porto Alegre. O interesse das pessoas
pela novidade permitiu a constituio de uma empresa de capital aberto, j em 1956, abrindo
de 1959.
A TV Piratini fazia parte de uma rede que se estendia pelo Pas, mas as limitaes
tecnolgicas da poca restringiam sua concepo aos limites regionais. Isso fez com que
programao era feita de msica, dramaturgia e eventualmente humor. Parte dela era
adquirida pronta das outras emissoras dos Dirios Associados, situadas no Rio e em So Paulo
(Kilpp, 2000).
estivesse operando em carter experimental desde o incio do ms. Sua entrada em operao
concorrncia com a pioneira Piratini: era uma emissora genuinamente local e empresa mais
das comunicaes.
pblico, que podia escolher entre um e outro canal. Um fator decisivo nesse embate foi o fato
de a Gacha perseguir, desde o incio, uma programao com identidade cultural com o
Estado, caracterstica que procura manter ainda hoje. Lauro Schirmer, jornalista com cerca de
40 anos de trabalho junto aos veculos da RBS, homem de confiana do fundador Maurcio
Na disputa da audincia com a TV Piratini, Maurcio Sirotsky passou a lutar com sua
arma preferida: a valorizao da produo local. Enquanto a TV Piratini, por fora da
vinculao com a rede associada, baseava sua programao nos enlatados das TVs Tupi
de So Paulo e Rio, a Gacha tornou-se realmente a imagem viva do Rio Grande
(Schirmer , 2002, p. 40).
Da programao local veiculada pelo Canal 12, constava uma srie de programas de
auditrio - Carlos Nobre, GR (Glnio Reis) Show, Show do Gordo (Ivan Castro) e os
Teresinha. Alm disso, havia o programa de Clia Ribeiro, voltado para o pblico feminino.
estabelecendo vnculos com cada uma das micro-regies. A estratgia assegura-lhe audincia
e captao publicitria, o que, por sua vez, possibilita negociar em boas condies com a
Rede Globo espaos maiores para a insero de produes locais na grade da programao.
Uma terceira emissora vai surgir no estado dez anos depois da pioneira, com a
empresrios da rea de televiso que j haviam participado da instalao das estaes Piratini
4
J na sua instalao planejava usar equipamento de VT e produzir seus prprios programas (Kilpp, 2000).
147
e Gacha. A nova televiso iniciou suas operaes com cerca de 70% de programao local,
numa poca em que as concorrentes, premidas pelos elevados custos, haviam diminudo
drasticamente esse tipo de produo, optando por reproduzir programas feitos no Rio de
que viriam depois a ser adotados pelas demais. Foi a TV Difusora que liderou o pool de
emissoras que inaugurou a cor na tv brasileira, transmitindo a Festa da Uva, de Caxias do Sul,
em 1972.
Uma das ltimas tentativas de desenvolver um projeto gacho de televiso, quando j era
grupo Caldas Jnior. Foi inaugurada em 10 de maro de 1978 com uma programao regional
passagem da dcada de 1970 para 1980, quando o grupo no suportou a concorrncia e perdeu
A pioneira TV Piratini fechou em 1980, ano em que tambm ocorreu a ltima tentativa de
uma televiso local, com a TV Pampa, projeto que tambm no obteve xito. Atualmente, a
transmite o sinal da Rede Record, alm de manter produo local em alguns horrios5. Quanto
Bandeirantes em 1987.
A TV Gacha, fortalecida pela ligao com a Rede Globo desde 1971, atualmente
denominada RBS TV Porto Alegre, um dos veculos da Rede Brasil Sul de Comunicaes
segmentos da economia do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Conforme registra Kilpp
(2000), a afiliada mais competitiva da Rede Globo e, por isso, goza de relativa autonomia e
5
Em dezembro de 2004, esto vinculados ao grupo Pampa emissoras FM e o jornal O Sul.
148
Paulo.
Atualmente, h seis canais de televiso aberta no Rio Grande do Sul: um pblico (canal
7) e cinco privados (2, 4, 5, 10 e 12). Com exceo do canal 2 (TV Guaba), todos integram
Esse resumo da histria da televiso no Rio Grande do Sul justifica-se na medida em que
que centramos nossa anlise. Porque a chegada da televiso ao estado, assim como no Brasil,
se d no contexto das grandes mudanas ocorridas na dcada de 1960 e que criam as bases
No caso especfico do Rio Grande do Sul, acredita-se ser possvel sustentar que, dentre as
cultural na passagem da dcada de 1970 para a de 1980 a RBS. Sua principal concorrente, a
Um fator decisivo para a evoluo da RBS para a condio de indstria cultural no Rio
Grande do Sul a expanso da televiso. Pelo seu potencial tcnico, pela capacidade de
mobilizar grandes audincias e pelo poder de alavancar negcios que beneficiam os outros
Garnham (2003). A emergncia da RBS, nesse perodo e com essa caracterstica, um marco
Rede Globo.
Pela centralidade do grupo RBS na histria das indstrias culturais no Rio Grande do Sul,
no prximo item faz-se um relato sucinto da evoluo da empresa, desde a aquisio de seu
A sigla RBS aparece no Rio Grande do Sul a partir de 1970, mas a histria da organizao
tornar um conglomerado, entretanto, nos anos 1960 e 1970, com o acrscimo de um canal de
televiso e de um jornal.
sucintas reproduzimos no item anterior, Maurcio Sirotsky Sobrinho deu seqncia aos
6
A expresso monoplico utilizada aqui com o objetivo de estabelecer relao com a etapa monoplica do
capitalismo, assim nomeada pela teoria econmica de inspirao marxista. A posio do grupo RBS, no entanto,
do tipo oligoplica, uma vez que no o nico grupo de comunicao a atuar no mercado cultural e de
comunicao do Rio Grande do Sul. A teoria marxista nos lembra, entretanto, que toda empresa visa o
monoplio. A competio [...] tende sempre ao monoplio (ou oligoplio), simplesmente porque a
sobrevivncia do mais apto na guerra de todos contra todos elimina as empresas mais fracas (Harvey, 2003, p.
145).
7
Maurcio Sirotsky compra a rdio Gacha junto com Arnaldo Ballv, Frederico Arnaldo Ballv, Nestor Rizzo
e Manoel Arroxelas Galvo (Schirmer, 2002, p. 13).
150
investimentos comprando, em 1967, 50% das aes de Zero Hora8. Trs anos depois, junto
com o irmo Jaime Sirotsky, adquire os outros 50% e incorpora o jornal ao que hoje
conhecemos como RBS. Dessa forma, com rdio, TV e jornal, a empresa consolida-se como
Seu carter de indstria cultural se afirma na dcada de 1980, quando seus veculos se
processo que tem a RBS como protagonista, Cruz (1996) chama ateno para o fato de todos
os elementos para a consolidao das indstrias culturais no Brasil estarem dados no final da
8
Jornal fundado por Ary de Carvalho, em maio de 1964.
151
Padro Global de Qualidade, como forma de moldar e qualificar a audincia. Para isso,
Por outro lado, tambm definia o pblico desejado pela Globo - os estratos de rendas mais
elevadas. Essa qualidade era buscada porque, entre outras coisas, conquistava um pblico
cativo, facilitava o avano da rede no mercado mundial de forma competitiva e criava uma
vista poltico, os interesses que sobre ela depositava o poder constitudo (Cruz, 1996, p. 38).
Globo, reproduzindo esse padro, uma estratgia que beneficia diretamente os planos de
Para crescer e incluir novas audincias e novos mercados, a estratgia foi buscar o interior
dos estados: primeiro, o do Rio Grande do Sul; depois, o de Santa Catarina9. Dados
levantados por Cruz (1996) indicam que, j em 1972, a RBS dispunha de 104 retransmissoras-
repetidoras10 de TV, alm das geradoras TV Caxias, TV Imembu (Santa Maria), TV Tuiuti
poltica de manter vnculos e identidade com as culturas locais, e tambm entravam em rede
9
Em 1979, inaugura a primeira emissora de televiso em Santa Catarina (Florianpolis) e, no mesmo ano,
instala-se tambm no interior (Joinville).
10
Retransmissoras ou repetidoras so estaes com equipamento que repetem o sinal das geradoras, no
produzem nem transmitem programao prpria. Geradoras so as concesses de televiso, que podem produzir
e transmitir programao prpria. (Cruz, 1996, p. 43).
152
A autora atribui a expanso da televiso para o interior posio do Rio Grande do Sul na
economia nacional na dcada de 1970. O estado tinha uma das maiores rendas per capita do
Pas e era o terceiro mercado consumidor, o que o colocava numa posio de prioridade na
prpria RBS a iniciativa de buscar a interiorizao: No nosso entender, [...], deve-se creditar
inclusive, abrindo espaos locais dentro da programao da rede. (Cruz, 1996, p. 44).
Para sustentar a afirmao, relata depoimento de Jaime Sirotsky em que afirma que, do
ponto de vista econmico, o interior do Rio Grande do Sul significava um filo importante,
razo por que a RBS tratou de criar o que define como um novo conceito de televiso, com
avaliao da pesquisadora, abertura de espaos para programao local, mas implica um tipo
Sirotsky enfatiza os resultados obtidos com essa estratgia. A maior parte da publicidade
emitida pelas estaes da RBS local ou regional, o que representa uma mudana
A viso voltada para o negcio havia sido explicitada tambm pelo prprio fundador
1974. poca, conforme registro de Cruz (1996), o empresrio ressaltara o risco representado
pelo investimento, que, segundo ele, nem todos podiam correr. Sua avaliao, no entanto, era
apresentando-se, ele prprio, muito mais como um empresrio das comunicaes do que
fundador da RBS ressaltava aquilo que possivelmente foi decisivo para levar os veculos de
Essa viso para os bons negcios11 que, segundo Cruz (1996), teria levado o
aceitao entre os gachos, e setor que demandava grande investimento por parte das
emissoras. Na mesma perspectiva, teria se dado a compra do controle acionrio do jornal Zero
Hora. Com a incorporao do jornal ao grupo j integrado pela rdio e tv Gacha, e superado
No final dos anos 1970, conforme dados de Capparelli (1982), a empresa j constitua um
Nos anos que seguem, a empresa investe na expanso e na diversificao das emissoras de
cabo e provedor de acesso Internet -, tanto no Rio Grande do Sul quanto em Santa Catarina.
estabelecimento de uma nova relao entre empresa e veculo: os interesses da empresa tem
11
Os que do os lucros, necessrios sobrevivncia das empresas.
154
contedos, mais do que em qualquer outra poca, so concebidos como mercadorias. Leitores,
O aprofundamento dessa lgica que faz a diferena e coloca o grupo RBS como o
sculo XIX, e hegemnica at o final da dcada de 1970; a livraria e editora que publicou a
notvel Revista do Globo, nos anos 1930; o Dirio de Notcias, de Assis Chateaubriand; e a
partir da dcada de 1980, reside, entre outras coisas, no modelo de gesto do negcio. At o
advento das indstrias culturais, emissoras de rdios e jornais eram dirigidos por
estratgico da direo do negcio. Por conta disso, se, por razes de mercado, for necessrio
ser uma deciso empresarial, importando menos suas implicaes sociais, polticas ou
condies a que esto subordinados outros segmentos econmicos que compem a estrutura
Janeiro e So Paulo, sua consolidao, nas dcadas de 1970 e 1980, significa para o campo da
Grande do Sul: 1) a empresarial, que comea ainda no final do sculo XIX, com a fundao
incio dos anos 1980, e continua nos dias atuais, incio do sculo XXI, sob a etapa monoplica
por Garnham (2003), pode-se afirmar que a televiso aberta, massiva, financiada pela
com a lgica fordista. Segundo o autor, o Estado tinha basicamente duas atribuies quanto
tecnolgico de longo prazo. Com a previso de uma tecnologia para transmisso em cores, o
que possibilita a expanso da televiso no Brasil, como se viu, deu-se pela ao do Estado,
com recursos pblicos; 2) garantir formas de financiamento seguro e de longo prazo para
programas que assegurassem a demanda por aparelhos que, por sua vez, ajudassem a criar
mobilizao das massas, para a formao de uma opinio pblica, questo de interesse
poltico. Essa segunda atribuio foi igualmente cumprida pelo Estado brasileiro.
chave do processo de acumulao capitalista. Para ele, a televiso foi um dos principais
157
motores do crescimento fordista nos pases capitalistas avanados, o que nos autoriza a dizer
conformidade com a lgica desse modelo no momento em que se afirmam como hegemnicas
nos respectivos mercados. Controlam o mercado das principais mdias atravs de um tipo de
propriedade cruzada, em que uma empresa proprietria, ao mesmo tempo, de vrias mdias
(tv aberta, tv por assinatura, rdios, jornais etc.), formando oligoplios nacionais privados no
setor das comunicaes12. Juntas, Globo e RBS conformam tambm o que Lima (2001, p.
Grande do Sul, mas de grande parte do Brasil. Pesquisa de Amaral Guimares (1994), na
primeira metade dos anos 1990, revela que, em 19 estados da federao, os sistemas regionais
nacionalmente hegemnica:
Santos (1999), por outro lado, observa que, na fase de constituio das indstrias culturais,
em relao a outros pases da Amrica Latina, onde tambm vigoravam regimes militares nas
12
Ao discorrer sobre o padro universal de concentrao de propriedade prevalecentes nos sistemas de
comunicao, Lima (2001, p. 96-104) prope a seguinte classificao: a) concentrao horizontal
(oligopolizao ou monopolizao numa mesma rea ou setor); b) concentrao vertical (integrao das
diferentes etapas da cadeia de produo e distribuio; c) propriedade cruzada (um mesmo grupo controla
diferentes tipos de mdia; e d) monoplio em cruz (reproduo, em nveis local e regional, dos oligoplios da
propriedade cruzada (2001, p. 96-104).
158
dcadas de 1960 e 1970. A pesquisadora lembra que na Argentina, por exemplo, os militares
Segundo a autora, a estratgia usada pela RBS, na fase fordista, incluiu forte investimento
do Sul d-se na fase de desregulamentao que se instaura no Pas na dcada de 1990, com a
gradativa introduo do regime de acumulao flexvel, nos termos definidos por Harvey
flexibilizao.
estatal na rea das telecomunicaes13, a aprovao de uma lei especfica para a TV a Cabo14,
a Lei Mnima, que permite a entrada de capital estrangeiro nas reas de telefonia celular e de
13
Emenda Constitucional n 8, de agosto de 1996.
14
Lei 8.977, de janeiro de 1995.
15
Lei 9.295, de julho de 1996.
16
Lei 4.472, de julho de 1997.
159
Garnham (2003), o ingresso da televiso brasileira na era ps-fordista. A RBS, no Rio Grande
dcada de 1980, o grupo RBS concentrava sua atuao em jornal, rdio e televiso, meios
da autora, como grupo de expresso regional, apesar de manter negcios em outros estados18.
Grande do Sul para um modelo ps-fordista comea a se configurar quando a RBS resolve
investir no mercado de televiso por assinatura, ocasio em que opta pela tecnologia do
cabo19. A deciso de entrar nesse segmento coincide com a emergncia no Pas do que chama
17
Emenda Constitucional n 36, de 28 de maio de 2002, regulamentada pela Lei 10.610, de 20 de dezembro de
2002. Em decorrncia, em junho de 2004 anunciada a primeira sociedade entre empresa de comunicao
nacional e grupo estrangeiro: o fundo de investimento norte-americano Capital International, Inc. investe R$
150 milhes e assume 13,8% do capital da Editora Abril (Zero Hora, 29/06/2004, p. 18, e Veja, edio n 1862,
14/07/2004, p. 52) .
18
Como a RBS Vdeo, empresa de finalizao de comerciais que operava, desde 1986, em Porto Alegre e em
So Paulo.
19
A Rede Globo e o Grupo Abril optaram pela tecnologia DTH e MMDS, respectivamente (Santos, 1999, p.
135).
160
A televiso por assinatura comea sua histria entre as indstrias culturais gachas no
final do sculo XX20. Em 1993, as Organizaes Globo e a Rede Brasil Sul de Comunicao
fundam a NET21, empresa de televiso a cabo, que transmite a programao da Globosat para
Porto Alegre e para as principais cidades do interior do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina
Brasil era defasada em relao a outros pases, inclusive latino-americanos, onde j havia
TV a cabo era utilizado desde a dcada de 1960, de forma a complementar o sistema aberto.
sistema no Brasil.
Com a lei em vigor, h o que Santos (1999) considera uma exploso no mercado da tv a
cabo. O nmero de assinaturas passa, segundo ela, de 400 mil, em 1995, para 2,5 milhes trs
anos depois.
Nesse processo, diferentemente da Globo e do grupo Abril, que optaram pelas tecnologias
DTH e MMDS, respectivamente, a RBS investiu no cabo, tecnologia que se tornaria a maior
expresso do mercado. Dados de Pay TV Survey indicam que, em 1998, essa tecnologia
20
Para conhecimento de todo o processo de implantao da televiso paga no Brasil e no Rio Grande do Sul, ver
Santos (1999) e Goellner (2000).
21
Em junho de 2004, a Globo Participaes (Globopar), holding das organizaes Globo, controladora da Net
Servios, maior operadora de tv por assinatura do Pas (cerca de 1,35 milho de assinantes), anunciou a venda de
parte do capital da empresa Telmex (Telfonos do Mxico), empresa lder no setor de telecomunicaes na
Amrica Latina.
161
detinha 68% da preferncia do mercado (Santos, 1999, p. 135). O ndice, por si s, revela o
estratgia de proteo do canal aberto contra possvel concorrncia de outro grupo, como
tambm a uma viso expansionista da empresa, atenta para as potencialidades das redes
digitais de banda larga por fibra ptica, que poderiam viabilizar o fornecimento de outros
servios, alm de programao televisiva. Ramos (1998) tambm aposta nessa explicao. O
autor afirma que a RBS enxergou antes da Globo a importncia das redes fsicas de TV a
cabo, como passo fundamental para uma possvel entrada tambm no servio de
telecomunicaes.
Mais tarde, quando o sistema das telecomunicaes foi privatizado, na segunda metade
dos anos 1990, a RBS deu continuidade estratgia coerente com o regime flexvel de
em associao com o grupo espanhol Telefonica, fez parte da estratgia de ingresso no campo
RBS marcada tambm por sua reestruturao administrativa, orientada por consultoria
rdio no fazem parte dos objetivos desta tese, a no ser naqueles aspectos que nos permitam
refletir sobre a estruturao das indstrias da mdia em geral. O que representa o regime de
22
Esse provedor foi depois vendido e se transformou no portal Terra.
162
acumulao flexvel para a indstria da mdia impressa, um dos muitos segmentos dos
oligoplios de comunicao atuais, isto sim, um dos principais objetivos desta pesquisa, e
por isso objeto de um captulo especfico. Essa a razo por que se recupera sucintamente a
histria da televiso por assinatura no Rio Grande do Sul. A recuperao dessa histria
significa levantar muros, limites fixos, delineados, entre um perodo e outro. Pelo contrrio,
qualquer tentativa de periodizao. Consciente dos riscos, entretanto, o captulo que ora se
conclui uma tentativa de desenhar um quadro, ainda que com limites difusos, que nos
jornalismo produzido no mbito das indstrias culturais do Rio Grande do Sul segundo a
embora possa ser mais bem percebido a partir de meados dos anos 1970, com a estruturao
do grupo RBS. Essa fase se configura plenamente, entretanto, na dcada de 1980, quando a
hegemonia exercida desde o incio do sculo XX pela Companhia Jornalstica Caldas Jnior.
Neste captulo, a anlise desse momento de transio privilegia a mdia impressa sediada
na capital, Porto Alegre. A opo decorre do fato de se considerar que jornal mdia
como vertente especfica, procura-se estabelecer a relao entre distintos momentos desse
partir da segunda metade do sculo XX. Em outras palavras, procura-se identificar um modelo
de jornalismo predominante poca das empresas de comunicao, que operam num mercado
1
Mais que rdio e televiso, a finalidade ltima de um jornal a veiculao de notcias - fatos/eventos que,
conforme Erbolato (1991, p. 55), correspondam aos quesitos de veracidade, atualidade, ineditismo, objetividade
e interesse pblico. Acredita-se que as funes de prestao de servios e entretenimento, centrais na
radiodifuso, no jornal so complementares.
164
Como recomendaria Boyer (1990), para a consecuo desses objetivos, parte-se de uma
Zero Hora - como parte da organizao RBS - no mercado da mdia jornalstica impressa do
Rio Grande do Sul, sua estruturao como indstria cultural e a transformao plena do
jornalismo em negcio.
Sustenta-se que, das empresas jornalsticas existentes no Rio Grande do Sul na metade do
sculo XX, apenas a Rede Brasil Sul de Comunicao (RBS) evolui para a condio de
conglomerado nos moldes de uma indstria cultural. Estruturada em torno da televiso, filiada
Rede Globo, a organizao incorpora dos anos 1970 em diante os padres de gerenciamento
apenas perde essa condio como entra em crise. O ponto culminante dessa crise d-se com o
expansionista do concorrente.
O argumento de que apenas o grupo RBS estrutura-se de fato como uma indstria cultural
que, mesmo sendo proprietrias de outros meios (emissoras de rdio e mais de um ttulo de
concorrncia imperfeita, como define Cardoso (1964). As indstrias culturais, como visto
Alm disso, como antecipado no captulo referente s indstrias culturais no Rio Grande
do Sul, apenas a RBS consegue estruturar-se como uma organizao industrial de mdia e
Para refletir sobre o jornalismo no mbito das indstrias culturais, toma-se como
pressuposto a periodizao de Rdiger (2003), que sustenta que o Rio Grande do Sul
experimentou duas fases, ou dois regimes jornalsticos, desde o seu surgimento, no sculo
XIX, at os dias atuais. A primeira fase comandada pelo conceito de jornalismo poltico-
2
A expresso monoplio aqui usada no sentido no de nica empresa existente no mercado, mas de empresa
que domina o mercado, atravs da conquista dos maiores ndices de audincia e de leitura, maior captao
publicitria, e que adota estratgias que dificultam o surgimento de efetivos concorrentes. Se, nesse mesmo
mercado, se estabelecesse de fato uma concorrncia, ainda que entre poucos e grandes grupos de comunicao,
ter-se-ia uma situao de oligoplio, situao que no se configura no estado do Rio Grande do Sul.
3
A primeira fase identificada entre o sculo XIX e a dcada de 1930 e a segunda, das primeiras dcadas do
sculo XX, quando surgiram as primeiras empresas de comunicao, at o momento atual, dominado pelas redes
e monoplios de comunicao (Rdiger, 2003, p. 13-14).
166
Para efeito de anlise, opta-se por subdividir essa segunda fase, acentuando as diferenas
das indstrias culturais, que se formam sob a lgica da etapa monopolista do capitalismo4, e
que produzido conforme o regime fordista de acumulao. Faz-se distino, portanto, entre
o jornalismo de empresas como Dirios e Emissoras Associados, ltima Hora, Caldas Jnior
etc. do jornalismo de indstrias culturais, como a RBS5. Dessa forma, tem-se no Rio Grande
novidade. Rdiger (2003) j o fez e, de certa forma, tambm Galvani (1994). O que se
produo jornalstica, entre uma etapa e outra do capitalismo, representados por dois jornais-
paradigma, compreender a concepo de jornalismo vigente em cada um. Dito de outra forma,
jornalismo.
4
Conforme Bolao (2000, p. 101), alm de serem contemporneas do capitalismo monoplico, as indstrias
culturais exercem papel preponderante na reproduo desse modo de produo em modo de vida.
5
Como estratgia de anlise, distingue-se conceitualmente empresa de comunicao de indstria cultural.
Relaciona-se a primeira etapa concorrencial do capitalismo, e a segunda, etapa monoplica do capitalismo no
Brasil. Considera-se ainda que o processo de consolidao das indstrias culturais, nos anos 1960 e 1970, d-se
sob a lgica do regime fordista de acumulao, enquanto as mudanas mais recentes, a partir dos anos 1990,
respondem lgica do regime ps-fordista de acumulao.
6
Tambm podem ser circunscritos a esse modelo os jornais Dirio de Notcias e ltima Hora, assim como as
folhas da Cia. Caldas Jnior.
167
O jornal Correio do Povo foi fundado por Francisco Antonio Veira Caldas Jnior em 1
do Rio Grande do Sul, Rdiger (2003) observa que a conjuntura poltica naquele momento era
propcia para esse tipo de proposta - o estado acabara de pr termo Revoluo Federalista
que durante trs anos, de 1893 a 1895, dividira profundamente a sociedade gacha. Walter
[...] Quando o Estado radicalizou-se na diviso entre maragatos e pica-paus, era possvel
sentir com muita clareza de que lado estavam os jornais e os jornalistas. Todos eles
tinham suas posies polticas e todos os veculos demonstravam na linguagem e na
prtica sua ideologia (Galvani, 1994, p. 45).
Os registros de Galvani permitem inferir que a opo pela informao em detrimento dos
artigos opinativos, prevalecentes nas publicaes da poca, foi, na verdade, uma estratgia
Correio do Povo, Caldas Jnior publicaria na primeira pgina sua poltica editorial, na forma
reprovveis.
Ao analisar o cultivo dessa linha editorial do Correio do Povo, Rdiger (2003) conclui
que Caldas Jnior teria descoberto, na verdade, que o carter poltico do jornalismo no
historiador cita como exemplos contraditrios dessa poltica os vultosos recursos investidos
na campanha eleitoral de Getlio Vargas e Joo Pessoa, em 1929, o que teria provocado grave
por sua vez, acrescenta a oposio discreta oposio do silncio - do jornal a Leonel
Brizola e sua emergente representao poltica junto aos extratos populares nos anos 1960.
O apoliticismo do histrico jornal da famlia Caldas dizia respeito [...] apenas s divises
partidrias entre elites dominantes, da aristocracia rural. No [...] em relao s opes
das novas camadas populares urbanas, cuja hegemonia eleitoral o governo Brizola
expressava (Barros, 1999, p. 38).
7
Com Caldas Jnior, tambm so considerados fundadores do jornal Jos Paulino de Azurenha e Mrio Totta. O
empreendimento teria sido viabilizado com o apoio de dois capitalistas amigos do proprietrio: Antonio
Mostardeiro Filho e Eugnio du Pasquier (Galvani, 1994, p. 27-28).
169
principal jornal do Rio Grande do Sul, condio que manteria at o incio dos anos 1980.
produtividade, equiparando sua publicao aos padres grficos mais modernos existentes no
Pas8. Nos anos 1920, conquistaria a liderana. [...] Havia uma mudana em curso nas
necessidades do pblico e no prprio espectro desse pblico, estabelecendo novos termos para
A partir da, compartilhou o mercado com outras publicaes que, seguindo linha
inaugurado pelo Correio do Povo - o jornal produto de uma empresa. Esse modelo
configura-se plenamente nos anos 1930, quando todas as demais publicaes de alguma
editora e grfica), fundada no final do sculo XIX, e o Dirio de Notcias, jornal fundado em
1925 que, em 1931, torna-se propriedade do grupo Dirios e Emissoras Associados, de Assis
Chateaubriand. Podem ser includos nessa relao o Jornal da Manh, de 1930, e o Jornal da
8
Em 1910, montou a primeira impressora rotativa no estado e, nos anos seguintes, as primeiras quatro linotipos,
o que permitiu elevar a tiragem do jornal de mil para dez mil exemplares. Em 1920, teria chegado aos 20 mil
exemplares, conquistando a liderana no mercado de jornais (Rdiger, 2003).
9
A Companhia Jornalstica Rio-Grandense era de propriedade de ngelo Flores da Cunha, irmo do governador.
O Jornal da Manh, responsvel pelo lanamento de sees novas, como suplementos de moda e esporte, fechou
em 1937; o Jornal da Noite, vespertino, desapareceu no seio do mesmo processo que levou ao encerramento das
atividades da empresa, que no conseguiu manter-se neutra diante do acirramento da disputa poltica travada
pelo governador Flores da Cunha e seu principal adversrio, Getlio Vargas (Rdiger, 2003).
170
(1936), vespertino do grupo Caldas Jnior, e, dcadas mais tarde, o ltima Hora (1960)10, da
maneira orgnica no novo regime jornalstico quando os jornais passam a existir para os
veculos.
Dos anos 1930 em diante, o Brasil ingressa numa nova etapa de desenvolvimento
jornalsticas.
10
Esta data refere-se fundao da unidade gacha do jornal ltima Hora. A rede nacional de Samuel Wainer
comeou com a fundao do ltima Hora na cidade do Rio de Janeiro, em 12 de junho de 1951.
11
A Revoluo de 1930 marcou o fim de um ciclo e o incio de outro na economia brasileira: o fim da
hegemonia agrrio-exportadora e o incio da predominncia da estrutura produtiva de base urbano-industrial
(Oliveira, 2003, p. 35).
12
Na medida em que se relacione capitalismo industrializao, pode-se inferir que a Revoluo de 1930 um
marco histrico representativo do incio de uma formao capitalista no Brasil. Mello (1998, p.116-117) define o
perodo que vai de 1933 a 1955 como de industrializao restringida: h industrializao, mas as bases
171
o tipo de organizao que se institui para explorar o jornalismo como negcio o da empresa
relevncia nas dcadas seguintes, empresas como Caldas Jnior e Dirios e Emissoras
caractersticas comuns, so dirigidas por jornalistas, alguns mais outros menos vinculados
Taschner (1992) segundo a qual, no perodo imediatamente anterior ao ingresso das empresas
jornalsticas na era das indstrias culturais, os jornais eram produzidos com a utilizao de
suas tcnicas (planejamento da edio, diagramao, uso de fotografias, linguagem etc.), mas
meados dos anos 1960 em diante. A autora utiliza os exemplos paulistas de ltima Hora e
Notcias Populares para sustentar a hiptese de que esses jornais, apesar de produzidos no
Quando se procura analisar esse mesmo aspecto no mbito do Rio Grande do Sul,
forma dissimulada, sempre teve lado, sempre defendeu os interesses das classes dominantes.
Barros (1999) chega a dizer que Breno Caldas, diretor do jornal de 1935 a 1986, aspirava
jornalstico informativo representado pelo Correio do Povo at, pelo menos, o incio da
ponto de vista jornalstico, era um jornal moderno, editorial e graficamente bem feito para os
expectativas de um pblico cada vez mais exigente e variado15. Contava com um forte setor
de captao de publicidade. Por muito tempo foi o principal concorrente do Correio do Povo,
mas entrou em declnio nos anos 1950, justamente por se envolver na disputa poltica travada
contra o segundo governo Vargas. Assim como todos os veculos da rede nacional a que
Getlio Vargas. Quando do suicdio do presidente, em 24 de agosto de 1954, foi destrudo por
13
A imprensa jornalstica interiorana, com algumas excees, entrou em decadncia com a modernizao dos
processos de distribuio e o desenvolvimentos dos meios de transporte, que permitiram maior circulao aos
grandes jornais da capital (Rdiger, 2003).
14
O jornal foi fundado por um grupo de jornalistas dissidentes da Caldas Jnior, liderados por Raul Pilla, Raul
Ribeiro, Francisco Leonardo Truda e Jos Pedro de Moura, proprietrios da Sociedade Annima Graphica
Portoalegrense, onde era impresso. Em 1931, foi vendido para a Cadeia de Dirios e Emissoras Associados, de
Assis Chateaubriand. Na fase de maior prestgio, sua redao foi dirigida pelo jornalista Ernesto Corra.
173
de Notcias de Porto Alegre, assim como todos os demais meios de comunicao da cadeia
Associados, defendia as causas particulares do seu controvertido proprietrio, que, por sua
vez, era motivado por interesses, na maioria das vezes, pessoais, singulares. Executava uma
orientava, portanto, nem por uma determinada concepo poltica, nem pelas tendncias de
A Hora16, por sua vez, citado por Schirmer (2000) como um exemplo de inovao na
imprensa gacha dos anos 1950, tambm tinha fortes vnculos polticos. Foi fundado por um
grupo de jornalistas ligados faco do Partido Trabalhista Brasileiro controlada por Joo
Goulart, ento ministro do Trabalho de Getlio Vargas. O matutino perseguia uma linha
popular, consoante com os interesses dos extratos de classe que compunham a base eleitoral
do lder que, no interior do PTB, disputava espao com Leonel Brizola. A Hora introduziu
Entretanto, apesar da objetividade prometida desde o seu primeiro editorial, exatamente por
causa dos vnculos partidrios dos seus dirigentes, seu contedo jornalstico era politicamente
subordinado. Em 1957, afundado em dvidas, foi vendido para a cadeia dos Dirios e
Emissoras Associados, que passou a utilizar sua estrutura para a produo do Dirio de
Notcias17. No livro em que resgata a histria do jornal, Schirmer (2000) o apresenta como um
15
Entre as inovaes introduzidas pelo Dirio de Notcias na imprensa jornalstica rio-grandense, que o
distingue do Correio do Povo, consta o fim das manchetes sobre temas internacionais, tradio firmada no tempo
em que a Europa centralizava os principais acontecimentos.
16
O jornal A Hora circulou em Porto Alegre do final de 1954 at o incio dos anos 1960, provavelmente 1962.
Em 1957, foi vendido para os Dirios Associados. No h registros da data precisa em que deixou de circular.
17
Desde o incndio do prdio da Praa da Alfndega, em 1954, o Dirio de Notcias funcionava em instalaes
precrias e era impresso numa Marinoni emprestada pelo Correio do Povo. Ao passar para o controle dos
Dirios Associados, A Hora foi gradativamente sendo transformada em vespertino. A mudana teria significado
174
veculo apartidrio. Seu comentrio sobre os momentos que sucederam o ato de venda do
jornal rede de Chateaubriand, entretanto, contradiz essa afirmao, e contribui para reforar
[...] Troca de favores entre governos e jornalistas, com respaldo dos veculos, hoje pode
parecer chocante, mas era coisa rotineira nas dcadas de 50, 60. E quanto mais
importante o jornal, maior o nmero de jornalistas placas brancas, cuja lista,
naturalmente, era naquele tempo encabeada pelos colegas do Correio do Povo
(Schirmer, 2000, p. 113).
A unidade gacha do ltima Hora talvez seja o exemplo menos disfarado de vinculao
Pertencente rede nacional de Samuel Wainer, circulou no Rio Grande do Sul de fevereiro de
A rede de jornais ltima Hora, como de amplo conhecimento pblico, comeou a ser
criada em 1951, no Rio de Janeiro, com o objetivo de dar visibilidade ao projeto nacional-
populista do segundo governo Vargas. Sentindo-se bloqueado pela grande imprensa da poca,
Getlio utilizou recursos do Banco do Brasil para financiar o projeto jornalstico a ser
o incio do seu fim, na medida em que comeou a perder a concorrncia para a Folha da Tarde (Schirmer,
2000).
18
Antes disso, uma sucursal funcionara em Porto Alegre por 14 meses, entre 1958 e 1959 (Barros, 1999).
175
sido antecipadas por A Hora, o jornal de Wainer que introduz no Rio Grande do Sul uma
novidades apresentadas, citam-se apenas algumas: pauta fotogrfica, projeto grfico, edio
de textos (sintticos, geis e claros, com a introduo do modelo norte-americano dos Five W
e ttulos com nmeros exatos de batidas). Tambm foi o introdutor da figura do copy desk na
redao. Conforme Barros ltima Hora foi o primeiro tablide da imprensa jornalstica
administrao financeira e contbil, foi contratada uma empresa, que atuava nos termos da
terceirizao que se conhece atualmente. Barros (1999) acredita que esse mtodo de
relaes trabalhistas. Segundo o autor, foi o primeiro jornal a pagar salrios em conta
bancria. Outra novidade teria sido a estruturao de editorias na redao, o que j existia nos
176
trabalharam no ltima Hora gacho confirmam isso. Ao responder sobre a existncia de uma
No, pois todos os funcionrios j haviam sido contratados pelo seu passado, pelas suas
tendncias esquerdistas ou polticas. [...] O jornal [...] era mantido pelos grupos em volta
do Jango [...]. E, portanto, a ligao com o Palcio era muito estreita. Leonel Brizola era o
governador. Era evidente a simpatia com que o jornal tratava as coisas relativas ao
governo do estado (Fonseca apud Hohlfeldt e Buckup, 2002, p. 243).
Porto Alegre na passagem da dcada de 1950 para a de 1960 apresentavam muitas das
configuravam ainda uma indstria cultural, nos termos teoricamente definidos na parte inicial
capitalistas, o que s vai ocorrer na etapa monoplica, como o assujeitamento poltico das
editorias constitui uma restrio, um impedimento, para que as notcias sejam plenamente
parafraseando Taschner (1992). Tm valor de uso e valor de troca, mas o atrelamento poltico
sugere que prevalea o valor de uso. A condio plena de mercadoria as notcias s iro
19
A histria completa do jornal ltima Hora do Rio Grande do Sul pode ser conferida em: Barros (1999) e
177
sob o controle do conglomerado Rede Brasil Sul de Comunicaes (RBS) que Zero
Rio Grande do Sul e que o jornalismo e sua matria-prima a notcia assumem plenamente
valor de troca. Ao conceber o jornal como um produto a ser negociado no mercado, ainda que
sobrevivncia como ente econmico na sociedade, acima das supostas preferncias polticas
ou partidrias de seus dirigentes, embora essa postura no deixe de ser ideolgica. Tem-se
conscincia de que tal argumento controverso, mas se voltar a ele posteriormente. Por ora,
abril de 1970. O fundador do grupo RBS j era proprietrio de 50% das aes desde 1967.
Para que melhor se compreenda o processo em que o jornal se insere naquele que viria a ser o
Zero Hora inicia sua histria na imprensa jornalstica do Estado em 1964, no vazio
deixado pelo encerramento das atividades da unidade gacha do ltima Hora. Com o Golpe
Militar de 1964, tornou-se impossvel a manuteno do jornal que trazia, na sua origem,
populista a que j se fez referncia, e que foi interrompido pelos militares. Por isso, contra a
vontade de Ary de Carvalho, diretor de redao do dirio em Porto Alegre, Samuel Wainer,
Encerrava-se, assim, depois de quatro anos e dois meses, e de 1270 edies, a histria do
mais jacobino dos jornais de Samuel Wainer, na avaliao de Barros (1999, p. 156).
No seu lugar, surge Zero Hora, resultado da criao de uma nova empresa, formada por
quatro scios com igual nmero de quotas: Ricardo Eichler, Otto Hoffmeister, Dante Laytano
por Ary de Carvalho de fazer a logomarca do novo peridico. Mantive o azul, transformei o
retngulo em quadrado e surgiu Zero Hora (Bendatti apud Barros, 1999, p. 158). O
diagramador no teria sido o nico responsvel pela semelhana, entretanto. Por muito tempo
a equipe do novo jornal precisou fazer um esforo dirio para distinguir uma publicao da
O autor em referncia conta tambm que, graas s relaes de amizade com Amador
Aguiar, logo foi possvel a Ary de Carvalho obter um emprstimo do Bradesco e assim se
tornar o nico proprietrio de Zero Hora. medida que o tempo passa, entretanto, comeam
Sobrinho, proprietrio da Rdio Gacha e da ento TV Gacha. O negcio teria sido fechado
quando a construo da sede na avenida Ipiranga j estava pela metade. O passo seguinte foi a
compra de uma mquina offset, em 1969, que permitiu Zero Hora tornar-se o segundo jornal
no Pas20 a ser impresso com esse tipo de tecnologia. A construo do novo prdio e a compra
da rotativa acabaram por deixar a empresa sem flego financeiro. Teria sido nessa
179
circunstncia que Maurcio Sirotsky props a compra de mais 10% da empresa, o que no
teria sido aceito por Ary de Carvalho, porque isso representaria a transferncia do controle do
jornal.
Ao relatar esse momento da histria de Zero Hora, Schirmer (2002) alega que a
gerando um impasse entre os scios. Nesse momento, teria havido um acordo para que, no
prazo de um ms, um dos lados assumisse o controle do jornal. Sustenta ainda que Ary de
A histria relatada por Ary de Carvalho sobre essa transao tem outra verso. A comear
Ele [Maurcio Sirotsky] tentou, uma, duas, trs vezes. Como no conseguiu, me disse: no
vou avalizar mais nada. Se voc no avalizar, respondi, voc sabe o que vai acontecer:
vamos subir a Ladeira (rua General Cmara, onde esto os cartrios de protesto de ttulos).
Agentei seis meses, reformando ttulos. At que chegou o dia que eu atrasei o pagamento
de um ttulo na Crefisul. A Crefisul era o agente financeiro que tinha financiado a mquina.
Com a valorizao cambial, a mquina j custava trs vezes mais do que quando foi
financiada (Ary de Carvalho apud Barros, 1999, p. 159).
Crefisul poca, Aron Birmann, teria sugerido que, alm da mquina impressora, ele desse
como garantia as suas aes na empresa, o que foi aceito. O objetivo da garantia em aes,
segundo ele, logo ficaria claro: Quando houve o atraso da prestao fui intimado a pagar em
20
O primeiro jornal no Pas a utilizar impresso off set foi a Folha de So Paulo.
21
Jayme Sirotsky era scio do irmo Maurcio.
180
72 horas. Era uma combinao do Birmann com o Maurcio, que era o avalista. S me restou
o acordo, e as aes foram parar nas mos do Maurcio, pelo preo nominal das cotas (Ary
de Carvalho apud Barros, 1999, p. 159). O irnico da situao, tambm revelada pelo
empresrio, que um dia antes ele oferecera o jornal para Breno Caldas. Mas ele tinha
aquela coisa monrquica, a pretenso de ser o Estado gacho [...]. No pensou 24 horas e
Foi assim que, antes de se completarem os dias 30 dias do prazo acordado entre os scios,
Zero Hora integrou-se ao grupo RBS. Mas o expediente com a nova direo publicado pela
4 de maio de 1964: [...] ser um jornal autenticamente gacho, democrtico, sem vnculos ou
compromissos polticos, com um nico objetivo: servir ao povo, defender seus direitos e
serem superadas. Schirmer (2002) diz que os problemas se agravaram quando, nos meses
Segundo ele, no foi uma crise passageira, passvel de ser contornada com cortes de custos,
situao que teria feito com que, em 1971, os irmos Sirotsky - diante da ameaa de que a
para a Editora Abril. Da proposta para Breno Caldas, j se tornou clebre a frase que deu em
resposta, que se reproduz pelo significado que adquire no contexto desta tese, especialmente
a ver desaparecer os jornais que tentam lhe fazer concorrncia. Vou esperar para assistir ao
fim de mais este... (Breno Caldas apud Schirmer, 2002, p. 72). Certamente no dispunha de
elementos, naquele momento, que lhe permitissem vislumbrar que a derrota de seu Correio do
Povo, smbolo da derrocada de sua empresa23, dar-se-ia exatamente para Zero Hora, na
dcada seguinte.
com Fernando Ernesto Corra, procuraram imprimir uma nova mentalidade administrativa,
iniciativas, como, por exemplo, a retirada do azul do logotipo e a supresso das manchetes
A atitude diante da crise do incio dos anos 1970, que poderia comprometer
empresarial dos irmos Sirotsky, referida no captulo sobre as indstrias culturais no Rio
Grande Sul. Essa postura que faz a diferena na comparao com os empresrios
empresa fundada por Caldas Jnior, era um empreendedor do tipo tradicional, Maurcio
22
Reprter e comentarista esportivo que trabalhava com os irmos Sirotsky na rdio e na TV Gacha desde
1963. Filho do jornalista Ernesto Corra, diretor de redao do Dirio de Notcias, tornou-se scio e um dos
fundadores da RBS a partir da retomada do controle da TV Gacha, em 1968 (Schirmer, 2002).
23
Os jornais Folha da Manh, Folha da Tarde e Correio do Povo, todos de propriedade da Empresa Jornalstica
Caldas Jnior, encerram suas atividades, respectivamente, em 1979, 1983 e 1984. Somente o Correio do Povo
retorna ao mercado, em 1986, completamente diferente e sob nova direo.
182
A partir de ento, o grupo RBS passa a adotar mtodos de gesto empresarial que no se
limitam Zero Hora, mas alcanam todos os veculos, e a investir na renovao tecnolgica e
na qualificao dos seus produtos. A preocupao com uma atualizao tecnolgica sempre
aconteceu com os canais de televiso da RBS [...]. Com o tempo, as caractersticas modernas
O resultado dessa mudana de foco que, em poucos anos, 1975, Zero Hora conquista a
maior venda avulsa do Estado24 e, em 1982, atinge a maior tiragem, desbancando dcadas de
liderana do Correio do Povo (Rdiger, 2003, p. 109). No mesmo perodo, a Caldas Jnior
enfrentava a pior das suas crises, atribuda por Galvani (1994) tardia modernizao do seu
parque grfico e implantao da TV Guaba. Sobre esta, deve-se observar que surgiu como
um projeto de televiso local, quando no Pas j era consolidado, como se viu anteriormente,
um modelo nacional. A recusa de Breno Caldas em filiar-se Globo, para reproduzir sua
programao, deve ser contabilizada entre os fatores que, aliados a uma gesto empresarial
decadncia do grupo.
cultural RBS que, nesse momento, estrutura-se como um conglomerado em torno da televiso,
183
e do vnculo desta com as Organizaes Globo. Zero Hora uma das mdias que conformam
o conglomerado regional e, por conseguinte, como as demais, tira vantagem dessa condio.
O xito de Zero Hora pode ser atribudo ainda a um terceiro fator, embora intrnseco
que dominou a cena brasileira desde a dcada de 30, Zero Hora representou indiretamente as
algumas estratgias de gesto e inovaes grficas, adotadas nas dcadas de 1970 e 1980, que
demonstram a forma com que Zero Hora conquista posies e que justificam sua
monopolizao.
24
Conforme o Instituto Marplan.
184
racionalizao dos custos de produo do jornal, de forma que dois anos depois de passar para
ao controle da RBS, Zero Hora atinge seu equilbrio oramentrio. Da em diante, a empresa
d incio a uma srie de investimentos e implementa uma srie de inovaes que resultam,
Nesse momento, ZH passa a se distinguir dos concorrentes pela rodagem de edies extras.
Em 1974, junto com a Rdio Gacha, cobre a Copa do Mundo na Alemanha, o que motiva
Maurcio Sirotsky a lanar um novo projeto editorial, para competir com a Folha da Tarde.
Em outubro desse mesmo ano entra em circulao o tablide Hoje, um vespertino com 48
pginas feito por uma pequena equipe recrutada junto aos veculos da concorrente Caldas
encontrando dificuldades na competio com a Folha da Tarde, situao que, agravada por
disputas internas com a prpria equipe de Zero Hora, determinaram seu fechamento, nove
meses depois, em julho de 1975. Os jornalistas recrutados para o projeto acabaram sendo
profissionais qualifica o jornal e acaba sendo um fator importante para o salto obtido no seu
Uma inovao considerada pelo autor como fundamental na batalha com a concorrncia
foi o lanamento dos cadernos de classificados, em 1979. A estratgia teria dado resultados
185
Na sua avaliao, o aumento de receita obtido com a venda de pequenos anncios se refletiria
na maior independncia do jornal, pois sabido que, quanto mais classificados tem um
(Schirmer, 2002, p. 93). O autor atribui ao lanamento desses cadernos o salto decisivo sobre
Hora entre 1975 a 1988, no s confirma o xito da estratgia como revela as armas
Na guerra entre Zero Hora e jornais da Cia. Jornalstica Caldas Jnior, a batalha dos
classificados foi das mais decisivas. At os anos 70, todas as tentativas de enfrentar o
Correio tinham fracassado. Foi quando recebi do Maurcio e do Jayme a incumbncia de
partir para um novo projeto, em 1978, ano em que Zero Hora passou a contar com novas
unidades em sua rotativa. Fiz uma imerso de 30 dias no Miami Herald, que havia
dominado o mercado da Flrida [...].
Partimos para a batalha, com o lanamento do primeiro caderno em maro de 1979. O
Correio no dava comisso para as agncias, ns passamos a dar. O Correio s tinha a loja
central, ns passamos a ter 40 pontos-de-venda e vendedores autnomos. Eles no tinham
telefone para anncios, Zero Hora conseguiu da CRT um nmero de trs dgitos 139
para receber anncios. Comeamos cobrando um tero dos preos do Correio, projetando
conquistar 15% do mercado em um ano, 20% no segundo, 25% no terceiro e 40% no
quarto. Pois nosso sucesso foi to espetacular que chegamos aos 15% em trs meses, a
mais de 50% no primeiro ano, no segundo alcanamos o concorrente que superamos no
terceiro. E em 1984 o velho Correio do Povo faliu e deixou de circular (Madruga Duarte
apud Schirmer, 2002, p.939-94).
A essas estratgias aliou-se a nova rotativa, uma Gross Metro, implantada no ano
anterior, em 1978. Tida como a mais moderna offset do Sul do Pas, ampliou a capacidade de
RBS no mercado. Quatro anos depois, em 1982, Zero Hora conquista a perseguida liderana.
empresa coloca no mercado, a sua mercadoria. Em razo disso, seria possvel inferir que a
ascenso de Zero Hora no mercado deveu-se mais ao acerto dos mtodos de gesto da
empresa e menos qualidade jornalstica apresentada no incio dos anos 1980. Em favor dessa
argumentao h o fato de que a primeira grande mudana editorial ocorre somente na metade
de uma dcada depois. Antes disso, a reforma mais prxima ao jornalismo fora a substituio
das mquinas de escrever e das laudas datilografadas por terminais de vdeo e editores de
editor-chefe do jornal por vinte anos, de 1970 a 1990, discorda. Seu argumento que, mesmo
no havendo um mudana grfica e editorial mais profunda durante esses 20 anos, o jornal foi
no mercado de jornais.
custos de produo e o xito das estratgias para coloc-lo no mercado, entretanto, dizem
25
Antes disso, em 1986, a RBS lana em Florianpolis (SC) o Dirio Catarinense, primeiro jornal brasileiro
inteiramente informatizado. Pouco antes, a Folha de So Paulo informatizara parcialmente sua redao.
26
Em entrevista autora em 04/08/2004.
187
Rio Grande do Sul, na dcada de 1980, necessrio considerar tambm os fatores externos
cenrio criado pela articulao desses dois fatores estruturais que se insere o fenmeno da
No de forma isolada que Zero Hora conquista a liderana no mercado, mas num
conjunto que inclui a Rdio Gacha e a ento TV Gacha (RBS TV Porto Alegre) na
liderana dos seus respectivos segmentos. Isto significa que a liderana dessas mdias
Do ponto de vista econmico, a indstria cultural RBS reproduz no Rio Grande do Sul a
mesma lgica que permitiu Rede Globo a monopolizao do mercado televisivo no Brasil.
Essa forma de operao faz com que a empresa, para sobreviver no mercado capitalista
monoplico, procure ocupar todos os segmentos, mesmo que para isso tenha de liquidar
com o concorrente27. A prevalncia dessa lgica explica por que as empresas de comunicao
(2001). Por isso, mesmo que se efetue o recorte do segmento jornal, para anlise, a explicao
do processo de conquista da preferncia dos leitores por Zero Hora no prescinde do olhar
sobre o conjunto da empresa constituda por outras mdias de massa, que tambm atuam no
sentido de ocupar todos os espaos no seu segmento. Pertencendo a uma mesma organizao,
institui-se entre rdio, tv e jornal uma relao de interdependncia - grande parte dos
27
A expresso liquidar utilizada aqui com sentido de inviabilizar sua efetiva concorrncia, diminuir sua
importncia no mercado, no necessariamente elimin-lo.
188
Rio Grande do Sul e expandindo-se para Santa Catarina. por conta dessa racionalidade
tpica da etapa monoplica do capitalismo por que passa o Brasil no perodo que a RBS
necessrio incluir o elemento poltico que compe a outra face da estrutura. O fator poltico,
neste caso, representado pela viso dominante no governo, centralizadora e autocrtica, que
comunicaes, particularmente a televiso, fosse feita diretamente pelo Estado. Este aspecto
captulo especfico e, por isso, no h por que repeti-lo na anlise circunscrita ao Rio Grande
do Sul. Basta referi-lo como fator determinante para o xito da indstria da televiso, que ser
RBS, entre eles Zero Hora, como tambm contribuir decisivamente para a expanso do
explicao de Capparelli e Lima (2004) sobre a consolidao das indstrias culturais no Brasil
tambm adequada para a compreenso do papel desempenhado pela indstria cultural RBS
[...] A consolidao das indstrias culturais nos anos 60 resultante e resultado. Ela
aparece como uma nova possibilidade de aplicao do capital indstrias culturais mas
189
sucessivos governos militares encontram nela o meio mais eficaz de conquista e de controle
a concesso de um canal, por exemplo, seria fatal para um organizao cuja espinha dorsal a
televiso.
poucos problemas com a censura. No porque ela no incidisse sobre seus veculos, mas
Paulo, o jornal nunca teve a presena de um censor dentro da redao. Recebia visitas apenas,
eram dadas por telefone. Ao se referir ao tema, no captulo Histrias nunca contadas do
livro sobre a histria da RBS, o jornalista justifica a ausncia de reaes mais explcitas de
28
Em entrevista autora em 04/08/2004.
190
possuam estaes de TV, outorgadas a ttulo precrio e que podiam ser cassadas a
qualquer pretexto, ficavam expostas a essa espada de Dmocles que as impedia de
enfrentamentos com a censura e com o governo (Schirmer, 2002, p. 85).
Ainda segundo o autor, sendo as ordens dos censores repassadas oralmente, dribl-las s
era possvel em situaes de pouca importncia. Contudo, revela um episdio em que Zero
ordem era para que a notcia sobre a morte de Salvador Allende, presidente do Chile, em
1973, fosse dada sem destaque, e o jornal a publicou como manchete Allende foi
chegara por telefone tarde da noite, o que teria motivado o editor a fazer-se de desentendido,
alegando que a ligao estava com rudos. Quando o agente da Polcia Federal chegou
peridico da RBS assegura que, naquele dia, Zero Hora foi um dos poucos, talvez o nico, a
Uma outra situao acabou por enquadrar o prprio editor-chefe na Lei de Segurana
Nacional, por publicar despacho distribudo pela agncia France Presse noticiando a deciso
do governo do Brasil de importar trigo do Uruguai, deciso que poderia provocar reao dos
agricultores brasileiros. Como editor responsvel pela matria, em represlia, Lauro Schirmer
sofreu processo, movido pelo ministro da Agricultura da poca, e foi incurso na LSN.
Apesar da complacncia para com o regime, que no foi posio isolada de Zero Hora,
relao queles que tinham militncia poltica e sofriam perseguies do regime por isso. Joo
Aveline um deles:
Quando me chamou, claro que o Maurcio sabia que eu era militante do PCB, mas isso
nunca foi problema. Nem naqueles tempos mais risonhos, nem depois, nos anos de
191
O fato que, superadas as dificuldades dos primeiros tempos, entre as quais a censura do
regime militar, a organizao RBS, jornal Zero Hora em particular, chega ao final dos anos
presidncia foi assumida por seu irmo Jayme e as vice-presidncias, pelo filho Nelson
Sirostsky e pelo scio Fernando Ernesto Corra. O outro filho, Jos Pedro Sirotsky, junto com
Brasil. Assumida desde o incio pelos dirigentes da RBS, contrasta com a direo tradicional
29
Considera-se Zero Hora hegemnica nesse perodo porque pertence ao grupo hegemnico - RBS. O jornal
alcanou essa posio com a falncia da Empresa Caldas Jnior e o fechamento dos seus veculos. Em termos de
circulao, entretanto, vinha perdendo para o Correio do Povo desde o relanamento deste em 1986. A liderana
192
das empresas concorrentes que, no lugar de executivos, por exemplo, mantinham homens-
do sculo XX.
pblica. Ao se tornar um produto da indstria cultural RBS, o jornal Zero Hora adquire
da, no apenas utiliza as tcnicas da indstria cultural na sua produo, como se submete
por isso que, levando-se em conta esse contexto econmico, social e poltico, sustenta-
se que Zero Hora, ao atingir a posio de lder no mercado de jornais, simboliza o ingresso da
produo jornalstica do Rio Grande do Sul na era das indstrias culturais, perodo em que
s foi reconquistada, segundo o IVC (ndice Verificador de Circulao), em janeiro de 2004, quando atinge
180.886 exemplares com circulao paga (assinantes e venda avulsa) contra 179.928 do Correio do Povo.
30
Administradores utilizados por empresrios tradicionais tpicos (Cardoso, 1964).
193
comunicao. Ao longo do tempo, tanto os estudos orientados pela Teoria Crtica, da Escola
Circo Marcondes Filho e Gisela Taschner31 so apenas trs exemplos entre os autores que
identificar algumas das formas atravs das quais o jornalismo, nas indstrias culturais, se
mercadoria com a finalidade gerar lucro para as empresas. A partir da experincia de Zero
Hora, procura-se analisar a produo da edio diria de um jornal, atentando para aspectos
31
Autores, respectivamente, de Notcia, um produto a venda, O capital da Notcia e Folhas ao vento.
32
Espao no qual se opem diversas tendncias ideolgicas, sendo uma delas majoritria (Thiollent, 1986). Em
geral, opinio pblica definida funcionalmente como a opinio ou o conjunto de opinies de um pblico, isto ,
194
industriais brasileiros do final dos anos 1980, -se levado a inferir que a organizao da
1980.
At 1988, ano em que a redao do jornal foi informatizada, Zero Hora contava com
um grupo em que a participao se define apenas por um interesse comum no assunto dessa opinio ou desse
conjunto de opinies (Dicionrio de Cincias Sociais, FGV, 1987).
195
polcia, cultura33, nacional, internacional, fotografia, segundo caderno etc.). Regra geral, a
metade dos anos 1980 assemelha-se linha de montagem das organizaes industriais. Nessa
definidas:
Figura 1:
33
Tambm denominada de Segundo Caderno.
196
Redator (ou copidesque) Dar texto final matria do reprter, corrigir erros
gramaticais e de concordncia, sugerir ttulo para
a notcia e legenda para a foto
Diagramador Planejar graficamente cada pgina do jornal, de
acordo com as determinaes do editor, marcar os
diagramas, calcular espaos de textos e fotos,
fazer o espelho das pginas
Escuta Acompanhar pelo rdio e pela tv os ltimos
acontecimentos na rea de cobertura do jornal
Reprter fotogrfico Registrar em fotografia, com critrio jornalstico,
o evento/notcia (trabalho de campo), revelar os
negativos, produzir fotos para publicao e
arquivo (trabalho de laboratrio)
Editorialista Identificar os assuntos mais importantes do dia na
rea de abrangncia do jornal e escrever o
editorial, a opinio do veculo a respeito de tema
considerado relevante
produo jornalstica, a redao, cada profissional executa uma tarefa, em que geralmente
especializado. A rotina de produo comea com a elaborao de uma pauta (em geral feita
por um profissional experiente, bem informado e com boas fontes) entregue a um reprter
esse reprter redige a primeira verso da matria e a encaminha para o chefe de reportagem.
Este, depois de ler e definir seu enquadramento, encaminha-a para o redator (ou copidesque),
que faz o texto final. Ao editor, cabe colocar ttulo, legenda nas fotos, crditos ao autor, se for
acordo com as determinaes do editor, faz os clculos e determina fonte e corpo das letras
em que o texto ser composto, o tamanho da foto, marca nos originais (laudas) as decises
grficas a serem cumpridas e, no diagrama, faz o espelho de cada pgina. Concluda essa
etapa, o texto enviado ao setor industrial, para ser composto, montado conforme o espelho e
remetido para impresso. Cada uma dessas fases, do levantamento das informaes que
especializado e uma determinada rotina. A informao jornalstica vai sendo produzida por
partes, como numa linha de montagem em que cada trabalhador executa uma tarefa numa
Hora, no Rio Grande do Sul, o fenmeno configura-se mais claramente entre o final dos anos
hierarquia: reprter em incio de carreira comea pela apurao das pautas de menor prestgio
o planto da polcia, o buraco de rua, o acidente de trnsito. medida que vai adquirindo
experincia, conquista espao e comea a trabalhar pautas mais valorizadas na editoria a que
a) Regulao
licena. Alm disso, o pargrafo primeiro do Art. 220 do Captulo V reza que nenhuma lei
conter dispositivo que possa constituir embarao plena liberdade de informao jornalstica
XIV. O pargrafo segundo do mesmo artigo, por sua vez, diz que vedada toda e qualquer
atualmente em vigor, os jornais e a atividade jornalstica eram regulados por leis e decretos
34
Lei 5250, de 9 de fevereiro de 1967 (Lei de Imprensa), que trata da forma de registro dos rgos de
informao, dos crimes praticados pela imprensa, do direito de resposta e da responsabilidade civil e criminal
pelas infraes cometidas (apesar da Constituio de 1988, a Lei de Imprensa ainda no foi revogada. No Rio
Grande do Sul, chegou a ser invocada pelo Governo de Olvio Dutra, no incio dos anos 2000, para processar
jornalistas); Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispe sobre os registros de jornais e outros peridicos;
e Decreto n 83.284, de 13/03/1979, que regulamenta a profisso de jornalista.
35
Os cursos superiores de Jornalismo existiam desde a dcada de 1940. Foram criados pelo Decreto-Lei n
5.480, assinado por Getlio Vargas em 13 de maio de 1943, que os vinculava Faculdade Nacional de Filosofia
199
jornalista. Pelas regras estabelecidas, os profissionais que exerciam a profisso at aquela data
veculos.
Entre vrias coisas, o decreto descreve que atividades so tidas como jornalsticas (Ex.:
considera empresa jornalstica aquela que tenha como atividade a edio de jornal ou
profisso de jornalista. Entre estas, no Art. 4, III, consta: diploma de nvel de curso superior
estabelecimento de ensino reconhecido na forma da lei, para as funes relacionadas nos itens
I e IV do artigo 11. Mais adiante, no Art. 11, chega ao detalhe de classificar as funes
empresas privadas. Esse um dos aspectos que, junto com a fragmentao e a especializao
organizao da produo nas empresas jornalsticas do perodo em anlise, dentre elas, Zero
Hora.
Assim como o tipo de vnculo profissional do jornalista com a empresa, que, regra geral,
se estabelece mediante um contrato regido pela Consolidao das Leis Trabalhistas (CLT),
conjunto de leis criado na dcada de 1940 para normatizar as relaes trabalhistas em geral no
Pas. No caso das relaes entre jornalistas e empresas, esses contratos, sem contrariar a CLT,
Justia do Trabalho. No caso de Zero Hora, os contratos so celebrados para uma jornada de
entretanto, nunca chegou a conquistar grande poder de mobilizao e presso, como chegaram
atualmente, o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, Jos Carlos
Torves37, relata que o auditrio da entidade muitas vezes foi insuficiente para abrigar os
uma das peculiaridades desse regime de acumulao no Brasil, destoante dos pases
capitalistas avanados, foi a compresso dos salrios. Enquanto nas economias desenvolvidas
37
Em entrevista autora no dia 30 de setembro de 2004.
201
Avaliar com segurana a evoluo dos salrios dos jornalistas nas ltimas dcadas
tarefa complexa e de difcil execuo. A partir dos anos 1970, houve planos econmicos
metodologias para clculo desses ndices, expurgos de inflao etc. Para agravar as
categoria. Ainda assim, procurou-se apurar dados que permitissem algum exerccio de anlise.
O piso salarial dos jornalistas do Rio Grande do Sul foi institudo pela primeira vez em
maro de 1982. Atravs de conveno, foi estabelecido o valor de Cr$ 40.000,00 (Quarenta
mil cruzeiros), o equivalente a 3,35 salrios mnimos da poca (o salrio mnimo era de Cr$
11.928,00), com validade em todo o estado. Em 1989, por presso das empresas do interior,
que argumentam operar em mercados com menor potencial de publicidade, o piso passou a
ser diferenciado.
Caldas Jnior pagavam os melhores salrios no Rio Grande do Sul. A falncia da empresa,
conforme o presidente do Sindicato dos Jornalistas38, permanece nos dias atuais. Com o
Para se ter uma idia da evoluo salarial dos jornalistas da capital a partir da dcada de
1980, elaborou-se uma tabela comparando os valores anuais do piso da categoria em relao
ao salrio mnimo vigente no Pas e inflao nos respectivos perodos. Na sua composio,
202
A partir dos dados relativos aos anos 1980, possvel concluir que, entre maro de 1982,
ano em que foi institudo, a maro de 1989, final da dcada e ano em que se criaram pisos
diferenciados para a capital e interior, em relao ao salrio mnimo, o piso salarial mais
elevado, pago em Porto Alegre, foi o de 1985, quando, em valores nominais, valia Cr$
800.000,00 (oitocentos mil cruzeiros). O valor era equivalente a 4,80 salrios mnimos de
Cr$ 166.560,00 (166 mil 560 cruzeiros). Nesse ano, o ndice de reajuste obtido pela categoria
foi de 219,51, o que significou o repasse de 99,99% da inflao do ano anterior (219,52%,
Considerando os repasses de inflao para o piso salarial, verifica-se que em 1987 houve
aumento real. Nesse ano, foram repassados 141,65% da inflao para o piso. O ano de menor
repasse no perodo foi o de 1989, com apenas 86,25% da inflao transcorrida incorporada ao
salrio.
significativas nos salrios dos jornalistas na dcada de 1980. Assim como em alguns anos
considerar que, nessa poca, ainda havia correo monetria, e o Estado tinha maior poder de
interveno nas polticas de correo salarial em geral. Razo porque prudente concluir que
38
Idem.
203
com uma distribuio de renda distorcida, relao salarial unilateral e padro de consumo e
As questes analisadas neste item nos permitem concluir pela existncia de um modo
Sul, representadas, nesta pesquisa, pela indstria de notcias Zero Hora. Especialmente na
Essas caractersticas aparecem com clareza quando se analisa o produto jornal, a forma
este se apresenta como mercadoria produzida em larga escala para consumo massivo, isto ,
econmica, poltica, social, cultural, educacional ou outra forma de estratificao. Nessa fase,
caderno principal, dividido em editorias, e no chamado Segundo Caderno, que abriga matrias
relacionadas ao campo da cultura e das artes. Uma questo interessante a ser observada a
204
(artigo, editorial, comentrio, resenha, crnica etc). Esse esforo de demarcao se d tanto
nos estilos empregados nos textos (gneros jornalsticos), quanto graficamente. Em razo
aparncia jornalstica, costumam ser distinguidos pelo cercamento (colocao de um fio), cuja
finalidade sinalizar para o leitor que, apesar de jornalstico, aquele contedo publicitrio.
Uma das conseqncias desse esforo de delimitao o tensionamento nas relaes das
equipes dos setores comercial e de circulao com a equipe editorial. Esta, em luta para
circulao do produto.
desempenhado pelo Estado nesse processo e na definio das polticas salariais, constituem
jornalistas, tendo o peridico da RBS como modelo, constitui apenas um critrio de anlise na
evoluo do jornalismo impresso no Rio Grande do Sul. Outro critrio possvel o que toma a
posio da empresa no mercado e a forma como organiza o mercado da mdia impressa. Por
39
No jargo profissional, notcia ou reportagem publicada menos por seu interesse jornalstico e mais por
interesse comercial. Em geral, trata-se de venda casada de anncio. O jornal publica notcia de interesse de
205
Ao tentar ocupar todos os possveis segmentos onde haja potencial de consumo a ser
explorado, a organizao RBS, proprietria de Zero Hora, nada mais faz que reproduzir na
sua regio de abrangncia e interesse - Rio Grande do Sul e Santa Catarina - a lgica
predominante no mercado. Como observa Harvey (2003), o prprio Marx percebera que a
sobrevivncia do mais apto na guerra de todos contra todos elimina as empresas mais fracas
(Harvey, 2003, p. 145). Nessa perspectiva, define-se a atuao da organizao RBS como
segmentos das indstrias culturais - rdio, televiso e jornal; 2) porque, como conglomerado
cultural, adota estratgias que visam ampliar e dominar esse mercado, sem deixar espao para
racionalidade requerida pela respectiva etapa capitalista por que passa o Pas explicam seu
xito empresarial. Essa explicao vale tanto para o perodo em que a RBS se afirma como
indstria cultural e conquista a condio de lder dentre as principais mdias no Rio Grande do
Sul (jornal, rdio e tv), na dcada de 1980, quanto para o perodo atual, de maiores e mais
profundas transformaes.
anos 1960, quando se tem a chamada modernizao da imprensa - processo iniciado com a
reforma do Jornal do Brasil, no final dos anos 1950, que tem continuidade na dcada seguinte
Realidade e Veja, para citar poucos exemplos -, mas s se completa no momento em que as
redaes passam a ser gerenciadas por princpios de administrao cientfica, como determina
a lgica das indstrias culturais. Antes, manifestara-se nas tcnicas industriais de produo de
relativamente novo no Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, onde realidade desde o
incio do sculo XX. Ao estudar a influncia americana sobre o jornalismo brasileiro, Lins da
Silva (1991) lembra que, ainda em 1990, o processo encontrava-se em curso, dada a polmica
provocada pela implantao do Projeto Folha41, no jornal Folha de So Paulo, nos anos
1980. O fato de se encarar com naturalidade que o jornal um produto de mercado e que sua
qualquer indstria, ainda considerado por boa parte dos jornalistas uma blasfmia (Lins da
40
Enquanto isso, pode-se afirmar que o mercado em nvel nacional do tipo oligoplico poucas grandes
empresas controlam-no.
41
Documento do Conselho Editorial em que, entre diversas definies e detalhamentos, o jornal assume sua
condio de empresa prestadora de servios inserida numa economia de mercado, que se pauta pela competio
comercial, modernizao tecnolgica e competncia profissional. A Folha considera notcias e idias como
mercadoria a serem tratadas com rigor tcnico. Acredita que a democracia se baseia no atendimento livre,
diversificado e eficiente da demanda coletiva por informaes ( Novo Manual da Redao, 1992, p. 13).
207
Silva, 1991, p. 138). O autor atribui a resistncia dos jornalistas brasileiros implantao de
uma racionalidade administrativa nas redaes a uma suposta formao marxista destes, o que
Alm das razes ideolgicas, o autor aponta tambm motivaes culturais para justificar
jornalismo visto como uma atividade muito prxima da criao artstica, a improvisao e o
rompante seriam questes mais valorizadas em relao ao planejamento. Por esse ponto de
vista, a organizao seria encarada como um instrumento que impe distncia entre os
entre os brasileiros.
planejamento das empresas americanas (jornalsticas ou no) para tentar aumentar os nveis
de eficincia de sua redao (Lins da Silva, 1991, p. 142). No Rio Grande do Sul, essa
profissionalizao progressiva que acompanha a organizao RBS desde sua origem, mas que
monoplico. A organizao fordista das redaes, portanto, fora parcial e tardia em relao a
outros segmentos industriais. Entretanto, preciso considerar que se tem nesse perodo uma
mesmo tida como mercadoria, se constitui como tal a partir de alguns pr-requisitos
essenciais. Os antigos livros didticos e manuais escritos por profissionais experientes, que
com dificuldades para formular um conceito, apresentavam algumas das caractersticas que os
eventos deveriam apresentar para sair da vala comum dos acontecimentos quotidianos, sem
notcia apontadas por esses livros que ensinavam a fazer: atualidade, veracidade,
acontecimento publicado por um jornal, com a esperana de, divulgando-o, obter proveito;
Qualquer coisa que muitas pessoas queiram ler, sempre que ela seja apresentada dentro dos
cnones do bom gosto e das leis de imprensa (Erbolato, 1991, p. 52); ou: o modo pelo
comunidade e capaz de ser por ela entendida (Bahia, 1990, p. 35); e ainda: [...] todo fato
1982, p.7). Essas definies de notcia eram referncias obrigatrias at pouco tempo na
definies mais sofisticadas, que formulam conceitos mais complexos para falar dos
hiptese de pesquisa Newsmaking, por exemplo, argumenta que, para conquistar esse status, o
seus apelos estticos, emocionais e sensacionais (Marcondes Filho, 1989. p. 13). Para isso,
segundo o autor, essa informao sofre tratamento com vistas sua adaptao s normas
mais, sustenta tratar-se de meio de manipulao ideolgica de grupos de poder social e uma
compreensvel por meio de sua lgica (idem). Para Marcondes Filho, a lgica da notcia
supe trs dimenses: a da sua insero como fator de sobrevivncia econmica (infra-
estabilizador poltico.
42
Conjunto de caractersticas que os acontecimentos devem ter, ou apresentar aos olhos dos jornalistas, para
adquirirem a existncia pblica de notcias (Wolf, 1995).
210
enquanto esta ltima circunscreve-se ao paradigma crtico marxista, cuja anlise reporta-se s
De qualquer forma, com mais ou menos amparo terico, com maior simplicidade ou
brasileiras a partir da segunda metade do sculo XX, quando se afirma a influncia americana
profissional, a que inspira o lema do New York Times - dar as notcias com imparcialidade,
sem medo ou favor. Ao se identificar a vigncia dessa concepo no se est a sugerir que no
Brasil, como nos Estados Unidos, as notcias de fato sejam objetivas, neutras, imparciais,
religiosos, ideolgicos etc. Contudo, apesar das restries que a prpria institucionalizao da
imprensa jornalstica como negcio implica, nessa afirmao de objetivos do NYT subjaz a
interesse pblico. Portanto, notcias so acontecimentos atuais que devem ser relatados
objetivamente e compreendidos por um grande nmero de pessoas que por eles se interessem.
Pressupe-se, com isso, que os acontecimentos sejam aqueles efetivamente relevantes para
por parte dos seus membros, e para a formao de uma opinio pblica a respeito deles.
Mesmo que constituam retalhos da realidade, partes fragmentadas da vida social, devem
acontecimentos importantes a respeito dos quais devam ter alguma opinio ou tomar alguma
43
Componente da noticiabilidade, so os critrios de seleo dos elementos a serem includos no produto final,
que funcionam como linhas-guia para a apresentao da matria. Sugerem o que deve ser realado ou omitido na
211
posio. Isso vale tanto para a informao sobre o fornecimento de gua na sua cidade, para a
escolha do candidato a presidente do seu Pas, quanto sobre a influncia do resultado das
Por fim, o que se argumenta que, apesar de todas as restries que a racionalidade
capitalista impe sobre os jornais e sobre a atividade dos jornalistas subordinados a essas
simples e objetiva, predomina a concepo de jornalismo como notcia. Isso faz com que os
resistam, lutem para no ter de renunciar misso de fornecer ao pblico, de forma ampla e
social preserva sua finalidade poltica. Os espaos destinados publicidade so cada vez mais
de Zero Hora, lanados em 1979, mas o contedo que prevalece, que caracteriza, que define o
jornal e sustenta o seu interesse perante o pblico, no perodo aqui analisado, de natureza
leitor por meio do interesse deste pela notcia. Do contrrio, poderia investir em outra mdia,
no editorializada. Essa situao faz com que o empresrio que tenha no jornalismo o seu
negcio procure harmonizar os interesses nem sempre coincidentes entre leitor e anunciante.
Por isso, o carter jornalstico da informao preservado. Essa a concepo que parece
estar se desfazendo atualmente, em favor de uma nova tendncia, como se pretende mostrar
no ltimo captulo.
6 A GLOBALIZAO NAS COMUNICAES
processo que encontra nas novas tecnologias de comunicao e informao o suporte tcnico
profundamente os mais diversos mbitos da vida nos mais distintos contextos sociais.
Pela profundidade e pelo significado dessas mudanas, neste captulo procura-se analisar
comunicaes. Para isso, primeiramente procura-se definir o fenmeno, resgatar suas origens
A expresso globalizao usada das mais diversas maneiras na literatura e, como todo
enunciada e do contexto histrico em que enunciada. Embora surja com nfase nos
discursos nas ltimas dcadas do sculo XX, trata-se de processo que, conforme Thompson
(1999), tem origens na expanso do comrcio no ltimo perodo da Idade Mdia e incio do
mercantilismo ao longo dos sculos XV e XVI, foi nos sculos XVII, XVIII e XIX que o
mais geral, como um processo que deu origem s formas complexas de interao e
envolve mais que a expanso de atividades para alm das fronteiras de Estados nacionais.
Para o autor, a globalizao surge somente quando: a) atividades acontecem numa arena que
permitir que atividades locais sejam modeladas umas pelas outras. S se pode falar de
torna sistemtica e recproca num certo grau, e somente quando o alcance da interconexo
A partir de paradigma materialista, Harvey (2003) sustenta que o fenmeno deve ser
processo como um regime de acumulao que se define por sua caracterstica flexvel.
capitalismo.
Historicamente apontaria para o incio da Era Moderna, quando novos instrumentos tcnicos
possibilitaram as descobertas [aspas do autor] e uma viso global da terra, assim como a
integradoras (p. 22). Em outras palavras, que a globalizao significa o apogeu do capital
monopolista.
A definio est de acordo com o sentido atribudo por Ianni, Capparelli e Lima. Ianni
(1996a), que dedicou especial ateno ao fenmeno na dcada de 1990, define-a como a
civilizatrio de alcance mundial, razo por que a adaptao das economias nacionais s
exigncias da economia mundial teria passado a ser prioridade nas ltimas dcadas do sculo
XX, quando o estado passou a ser uma correia de transmisso da economia mundial
economia nacional (Ianni, 1996b, p. 24). Capparelli e Lima (2004), da mesma forma, depois
de alertar que o fenmeno recebe nomeao distinta na tradio europia, sustentam tratar-se
da mundializao do capital.
216
Conclui-se, assim, de acordo com Sodr (2003), que a globalizao poderia ser a palavra
de ordem de um novo patamar civilizatrio, mas no tem sido outra coisa se no a expresso
sua forma real e no seu formato miditico, que seria a sua representao social trabalhada
entre as novas tecnologias e a fase recente do capitalismo, Castells (2000a) observa que ela
histrico da reestruturao global do capitalismo, para o qual foi uma ferramenta bsica
(p.31).
Crtico dessa aliana, Sodr (2003) acredita que o avano tecnocentfico a ltima das
ilimitado. A cincia [...] e a tecnologia impem-se como a ltima grande utopia do capital
(p.27). Para ele, as tecnologias da informao adequam-se bem fase em que os mercados
1
Por tecnologia entende-se o uso de conhecimentos cientficos para especificar as vias de se fazerem as coisas
de uma maneira reproduzvel (Brooks e Bell apud Castells, 2000, p. 49).
217
Dessa forma, pode-se dizer que, quanto ao mercado, a transio do sculo XX para o XXI
capital financeiro. Quanto produo, pela flexibilidade que se confronta com a rigidez
fordista. Por isso, o regime de acumulao intrnseco fase global do capitalismo apia-se no
produtos e dos padres de consumo (Harvey, 2001), questes que so analisadas com foco nas
destinadas a dissociar a comunicao do transporte fsico das mensagens. Mas foi tambm
XIX e princpio do sculo XX: a) nos sistemas de cabo submarino, desenvolvidos pelas
O processo, entretanto, como ele mesmo observa, fenmeno tpico do sculo XX,
dos processos de comunicao globalizada. E em todas essas dimenses, destaca seu carter
estruturado e desigual.
das mais destacadas pelos autores em geral a que trata da reconcentrao de propriedade, na
Thompson (1999) sustenta que o processo de globalizao das comunicaes tem sido
operaes, em grande escala, para outras regies fora de seus pases originais. Especialmente
a partir das ltimas dcadas do sculo XX, parte dos interesses financeiros e industriais
Ao analisar esse aspecto da globalizao nas comunicaes, Lima (2001) sustenta que a
fevereiro de 1996 (Lima, 2001, p. 93). A partir da, comea uma verdadeira avalanche
mundial de fuses, aquisies e joint ventures entre Estados nacionais, grupos financeiros,
movimentam-se com tal rapidez que se torna extremamente difcil e complexo o seu
E, como observa Lima (2001), todas as previses levam a se acreditar que o processo
Ao analisar o sentido das fuses na rea das comunicaes, Moraes (2003) diz que a
lgica predominante no setor em nada difere dos parmetros de lucratividade buscados pelas
hegemnico, propagando vises de mundo e modos de vida que transferem para o mercado a
regulao das demandas coletivas (Moraes, 2003, p. 187). Alm de fabricar o consenso
A mdia assim atua tanto por adeso globalizao capitalista quanto por deter a
220
nas comunicaes, no seria possvel sem o suporte das novas tecnologias, outra dimenso do
DVD, TV interativa de alta definio, celulares com web mvel, webcams, MP3 player etc.
redes em escala planetria, processo interpretado por Moraes (2003) como uma mudana de
multimdia, sob o signo da digitalizao. A linguagem digital nica forja a base material para
Em razo disso, a passagem para o sculo XXI marcada pelas fuses, que implicam
rgidas, substitudas por normas mais flexveis, e depois de reduzido o poder de interveno
do Estado no setor.
contnuo de tecnologias que favoream o comando distncia. O carter global das operaes
desfaz as estruturas piramidais de comando e articula uma rede corporativa constituda por
elementos complementares, mas mantm ascendncia sobre o todo (Moraes, 2003, p. 198).
ativamente os poderes monoplicos porque assim tornam real o controle de longo alcance
e, em termos mais gerais, para garantir a si mesmos uma existncia relativamente pacfica e
sem problemas. Dessa forma, segundo o autor, o poder monoplico da propriedade privada
tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada de toda atividade capitalista. Nesse
222
Sobre essa fase, Harvey (2003) acredita que a reduo dos preos dos transportes e das
anseio dos capitalistas por proteo. A reao tem se dado no sentido de centralizar o capital
disso, procuram assegurar os direitos monoplicos da propriedade privada por meio de leis
diversos setores da economia, que viram nas empresas de alta tecnologia2 um nicho para a
chamada nova economia que o comrcio de aes dessas companhias na bolsa eletrnica
Nasdaq, em Nova York, registrou por algum tempo lucros irreais, porque no mantinham
trfego. Como o mercado parecia promissor, muitas das empresas virtuais iniciaram suas
O declnio no valor das aes na bolsa eletrnica, cujo pice deu-se em dezembro, com o
2
Empresas de biotecnologia e portais de internet.
3
As empresas de pesquisa de Internet apresentaram dados fabulosos e pequenas empresas virtuais, algumas
criadas por universitrios que tinham apenas uma idia na cabea e nenhum capital, chegaram a atingir ganhos
de 150 pontos. O ndice Nasdaq atingiu ganhos de 150 pontos em apenas uma semana e um crescimento de 50%
223
foi enunciada pela mdia como o estouro da bolha, e teve reflexos no mundo inteiro.
representados pelas indstrias culturais televiso, cinema, rdio e jornais, etc. Nos pases
Nos ltimos anos, esses sistemas nacionais comeam a tomar uma nova forma, com as
modelo de atuao global que j vinha ocorrendo em outros setores da economia, como o
petrolfero e o automobilstico. A criao dessa espcie de oligoplio global tem duas faces,
quase todas situadas nos Estados Unidos, movem-se pelo planeta com a velocidade de uma
ordem do dia.
em seis meses, fechando com o recorde histrico de 5.049 pontos em 10 de maro de 2000. A partir da, tem
incio a decadncia gradual. Em 20 de dezembro do mesmo ano, a bolsa operava com 2.300 pontos, cerca de
50% do prprio recorde (Bolao e Castaeda, 2004, p. 56).
4
Dados da empresa Challenger, Gray and Christmas, citados por Bolao (2004), revelam que a reestruturao
implicou, somente em janeiro de 2001, a demisso de 12.800 pessoas nos setores de internet e tecnologia.
224
mbito interno. No Brasil, o ingresso das indstrias da mdia na etapa global do capitalismo
na dcada de 1990, processo sobre o qual discorreu-se no Captulo 1 (item 1.4.2), e com a
flexibilizao da regulao nas comunicaes, sobre o que se tratou no Captulo 4 (item 4.2.2)
o perodo que comea nos anos 1980 e chega aos dias atuais. Como recurso metodolgico
brasileiro.
Quanto aos atores, Capparelli e Lima (2004) fazem distino entre os que comandam o
5
O exemplo apresentado como o mais avassalador seria o das transformaes no setor de publicidade e
propaganda, dominado por grupos transnacionais, como McCann Ericson, J. W. Thompson e Ogilvy&Mather, as
trs agncias mais importantes do Pas em 2004 (Capparelli e Lima, 2004).
225
controle ser exercido por grupos familiares. O resultado que a maioria dos grandes grupos
de comunicao est h dcadas sob o controle de grupos familiares: Marinho (Globo), Saad
que tambm atuam na mdia impressa. Trs dessas famlias controlam empresas de alcance
nacional (Globo, Bandeirantes e SBT) e cinco, regional: Sirotsky (Sul), Cmara (Centro
Quanto s elites polticas, sobretudo regionais e locais, argumentam que o vnculo entre
elas e as comunicaes tem razes profundas no Pas. Entre vrias questes e dados, analisam
o quanto a concesso de canais de radiodifuso tem servido de barganha poltica nos ltimos
6
Estimativas de Nuzzi apud Capparelli e Lima (2004) indicavam que 90% da mdia brasileira era controlada por
15 grupos familiares em 1995.
226
Capparelli e Lima (2004) vem como especificidade brasileira a presena das igrejas no
1990, com a aquisio da TV Record pela Igreja Universal do Reino de Deus, e continuado
Estariam excludos como atores todos aqueles segmentos sem acesso e sem participao
comunicaes aparecem ao lado das indstrias de chocolate, bebidas e pasta de dentes como
os setores onde maior a concentrao econmica no Pas, fruto de uma srie de aquisies e
configura, de fato, propriedade cruzada nos termos definidos por Lima (2001).
7
Situao alterada pela Emenda Constitucional n 36/2002, sobre a qual tratar-se- a seguir.
227
fatores que assumem papel central no processo de globalizao das comunicaes no Brasil,
global do capitalismo.
brasileiras de mdia, sem capital prprio e sem linhas de crdito de longo prazo no Pas,
8
Desde a implantao do Plano Real, em 1994, at o incio de 1999, a moeda brasileira tinha cotao igual ao
dlar americano, proporo de um para um. Com a chamada crise da Rssia, em maro de 1999, passou a flutuar
livremente.
228
jornais e revistas. A circulao mdia de jornais sara de 4,3 milhes em 1990 para 6,6
anos. Depois de uma pequena reduo em 1996, quando caiu para 6,5 milhes, a circulao
O setor imaginava que haveria uma rpida convergncia entre a mdia tradicional e as
companhias telefnicas (Elvira Lobato, FSP, 15/02/2004, verso on line). Segundo a mesma
9
Em 1998, as Organizaes Globo lanam o jornal Extra, no Rio de Janeiro, e a revista poca, em So Paulo;
em 1999, o Grupo Folha lana o Agora; em 2000, a RBS pe em circulao o Dirio Gacho e, em parceria,
Folha de So Paulo e Globo criam o Valor Econmico. Em 2001, a Globo compra do ex-governador Orestes
Qurcia o Dirio Popular e o transforma no Dirio de So Paulo (FSP, 15/02/2004, verso on line).
10
Em maro de 1999.
11
Em 1996, o Grupo Folha de So Paulo lanou, em parceria com o Grupo Abril, o provedor de contedos e
acesso Internet Universo OnLine (UOL) e, com a norte-americana Quad Graphics, a grfica Plural (FSP,
15/02/2004, verso on line).
229
empresa acumulava nessa data uma dvida equivalente a U$ 1,9 bilho (cerca de R$ 5,6
bilhes em fevereiro de 2004) e deixou de pagar aos credores em outubro de 2002. A cifra,
edita os jornais O Globo, Extra, Dirio de So Paulo e Valor Econmico. No Grupo Folha de
So Paulo era da ordem de R$ 290 milhes, e se referia a investimentos para lanar os jornais
Agora e Valor Econmico13, o provedor UOL e para instalar o parque grfico Plural; no
A crise nas Organizaes Globo chegou ao auge em dezembro de 2003, quando trs
Distrito Sul de Nova York solicitando a interveno da Justia dos Estados Unidos na
renegociao das dvidas da Globopar. O mercado avalia que a situao poderia ter sido ainda
pior se a empresa no tivesse desistido de duas empresas de telefonia celular - a Tele Celular
dessa dvida17.
12
A dvida da Globo foi contrada para investimentos, a partir de 1995, em tv a cabo (Net Servios), tv por
satlite (Sky, em parceria com Rupert Murdoch) e na Globosat (FSP, 15/02/2004, verso on line).
13
O jornal Valor Econmico um investimento conjunto do grupo Folha de So Paulo com as Organizaes
Globo.
14
O equivalente a R$ 370 milhes em fevereiro de 2004. Esse o valor declarado pela empresa, mas o mercado
estima que chegasse a R$ 450 milhes (FSP, 15/02/2004, verso on line).
15
O Grupo Estado teria tomado emprstimos de U$ 120 milhes no mercado externo para investir em novo
parque grfico e na BCP, empresa de telefonia celular de que era scio minoritrio. Essa participao foi
vendida para a mexicana Telmex em 2003 (FSP, 15/02/2004, verso on line).
16
Em julho de 1998.
17
Encaminhada direo da RBS, o comunicado foi redistribudo por e-mail a todos os funcionrios do
conglomerado gacho.
230
O Grupo Estado renegociou a sua dvida no final de 2003, numa complexa operao que
empresa18 (FSP, 15/02/2004, verso on line), e a RBS a sua, em 2002. Em 2001, dentro do
Segundo Capparelli e Lima (2004), a reestruturao das dvidas e das empresas tem sido
membros das famlias proprietrias de funes executivas, para as quais tm sido contratados
A crise experimentada pelo setor nos primeiros anos da dcada 2000 fez com que a
soluo para os problemas causados pelo endividamento. Mas havia restries constitucionais
para isso. A Carta de 1988 vetava a participao de capital estrangeiro nas empresas
governo e ao Congresso Nacional para retirar da Constituio essas restries. No final do ano
18
Francisco Mesquita Neto deixou o cargo de diretor-superintendente do grupo e assumiu a presidncia do
Conselho de Administrao. A famlia participa da orientao editorial e estratgica, mas no se envolve com a
administrao cotidiana da empresa (FSP, 15/02/2004, verso on line).
231
nova redao ao Art. 222 da Constituio Federal. Pela emenda, fica autorizada a participao
Essa a mais importante mudana no quesito regulao no setor das comunicaes desde
a privatizao das telecomunicaes e das leis que disciplinam o mercado de tv por assinatura
no Pas. A flexibilizao foi possvel mediante acordo do governo com a oposio que,
Constituio de 1998 (Art. 224), regulamentado em 1991 (Lei 8.389, de 30/12/1991), mas at
ento no institudo.
propriedade destas deveria ser exclusiva de brasileiros natos ou naturalizados h mais de dez
19
O Jornal do Brasil foi o primeiro a disponibilizar a sua verso on line na internet em 1995 (Adghirni, 2002, p.
309).
232
Abril, que edita sete das dez revistas mais lidas do Brasil, dentre elas Veja, e Folha de So
Paulo.
A Editora Abril anunciou em julho de 2004 sua associao a Capital International, Inc.,
injetou na empresa brasileira R$ 150 milhes, o equivalente a 13,8% do seu capital total. Foi
centralizao dos negcios da famlia Frias, proprietria dos jornais Folha de So Paulo e
Valor Econmico, do provedor de internet UOL e da grfica Plural, entre outros negcios, foi
brasileiro. A holding Folha-UOL ter 78,81% do capital controlado pela famlia Frias e
20
Agrupamento de grandes sociedades annimas.
21
O principal negcio da Portugal Telecom no Brasil a operadora de telefonia celular Vivo, em parceria com a
Telefnica de Espanha.
233
21,09%, pela Portugal Telecom (ZH, 05/01/2005, p. 15). Ser tambm o segundo
UOL, manter o controle sobre a Grfica Plural, sobre a empresa So Paulo Logstica e
Publifolha, a Agncia Folha e o Datafolha. Tambm fazem parte dos ativos da nova empresa,
os 50% das aes jornal Valor Econmico, mantido com as Organizaes Globo.
fuso entre as operadoras de televiso por assinatura Sky e Directv, que passaram ao comando
de Rupert Murdoch, principal acionista da NewsCorp, conglomerado com valor estimado pelo
mercado em U$ 52 bilhes, que rene os canais Fox, os estdios 20th Century Fox e 175
jornais (Isto Dinheiro, 20/10/2004, p. 92-95). Com o negcio, o grupo passou a controlar
95% do mercado brasileiro de televiso paga transmitida via satlite. Conforme o diretor-
fianceiro da Direct Group, Bruce Churchil, o mercado apresenta baixos ndices de assinaturas,
A fuso entre as duas principais operadoras de televiso por assinatura com sinal
difundido por satlite tem relao com a reestruturao da dvida da Globopar. Segundo a
revista Isto Dinheiro (edio n 372, de 20/10/2004, p. 94), o negcio comeou com a
compra das aes da Globopar na Sky. A holding das Organizaes Globo era at ento a
de 200324, viabilizou-se a fuso entre as duas. Com o domnio do mercado de televiso via
satlite no Brasil, o grupo consolida sua posio monopolista no mundo25. Segundo a revista
22
Em janeiro de 2005 o processo no estava concludo e dependia de registros e aprovaes legais pertinentes.
23
Com a Liberty Mdia, detinha 54% das aes (Isto Dinheiro, 20/10/2004, p.95).
24
Antes de passar para o controle do grupo de Rupert Murdoch, a Directv, maior operadora de tv via satlite dos
Estados Unidos, era controlada pela Hughes Eletronics, subsidiria da General Motors.
25
Com a Sky, o empresrio australiano domina o mercado europeu.
234
Isto Dinheiro, a inteno preservar no Brasil a marca Sky e deixar 5% do mercado para a
participao na Sky para a NewsCorp, a empresa brasileira repassou ao scio estrangeiro uma
dvida de U$ 220 milhes, que este assumiu na condio de avalista. As pendncias eram
nova Sky, que ter 72% das aes sob o comando de Murdoch. Alm disso, fica desobrigada
por Moraes (2003). Alm de alertar para o fato de que essas corporaes passam a definir os
limites de variedade das informaes fornecidas aos consumidores atravs das suas instncias
de produo e comercializao, o autor observa que elas consagram a liderana dos pases
ricos.
Os Estados Unidos ficam com 55% das receitas mundiais geradas por bens culturais e
comunicacionais; a Unio Europia, com 25%; Japo e sia, com 15%; e a Amrica
Latina, com apenas 5%. Se compararmos o desempenho sofrvel dos pases latino-
americanos com o que se arrecada em uma regio com 500 milhes de habitantes,
concluiremos sem dificuldade que a maior fatia do faturamento com a produo cultural
em nosso continente sugada por potncias estrangeiras (Moraes, 2003, p. 208).
Observe-se em relao aos ndices, que a anlise do autor anterior s associaes entre
as empresas referidas. O que prevalece o fato de onde quer que se pretenda atuar em mdia,
l estar desfraldada a bandeira de um player global (Moraes, 2003, p. 207). Isso se deve ao
fato de que:
235
a alternativa para sair da crise, por razes que merecem ser analisadas em outro momento, at
carter recente e pela escassez de casos, exceo da Editora Abril, da Folha de So Paulo e
controle dos agentes econmicos hegemnicos, estes controlam tambm o fluxo e a variedade
desses discursos.
escalo so aquelas situadas em geral nos pases dominantes, e que controlam o processo. As
de segundo seriam seis ou sete dezenas de organizaes com carter de potncia nacional ou
regional, que controlam nichos do mercado. Entre um tero e metade dessas empresas [...]
mdia comercial. O que a Televisa ou a Globo podem oferecer a News Corporation [...] a
ascendncia sobre os polticos locais e a impresso de controle sobre suas joint ventures
(p.228).
Como esforo de sntese, -se levado a concluir que a globalizao nas comunicaes
a convergncia das tradicionais empresas de mdia para uma plataforma multimiditica. Essa
caracterizao tanto vale para as empresas situadas nas economias centrais quanto nas
XXI, so compostos de fatores externos, como a euforia mundial com a valorizao das
abate sobre a organizao RBS no final dos anos 1990 reflexo dessa conjuntura.
237
Como esta pesquisa retira do cenrio das comunicaes do Rio Grande do Sul os
elementos empricos para anlise, o foco da anlise dirige-se, a partir de agora, para os fatores
Para melhor compreenso do problema, impe-se que se busque sua origem. Como nas
demais empresas do setor, a direo do grupo gacho chegou ao final da dcada animada com
investir no ramo da telefonia. A abertura para empreendimentos inovadores foi sempre uma
vocao da RBS, que, para isso, contou com consultorias especializadas para orient-la em
vrios campos. [...] Telecomunicaes era um desses campos [...], justifica Schirmer (2002,
p. 180).
Rio Grande do Sul, foi a primeira estatal telefnica a ser privatizada no Brasil depois de
monoplio sobre o sistema. Em 1996, o governo colocou venda 35% das aes da
depois de analisadas propostas de vrios outros grupos estrangeiros28 interessados nesse tipo
26
A flexibilizao da regulao, que se encontrava em curso, tomada neste estudo como indcio da estruturao
de um novo regime de acumulao no Pas o ps-fordismo.
27
Dissoluo de fronteiras entre as tecnologias de comunicaes, informtica e de comunicao massiva.
28
Na posio de principal empresa de mdia do Sul do Brasil, teria sido procurada pela British Telecom, pela
Deutsche Telecom, France Telecom , A&T e Bell South (Schirmer, 2002).
238
Espanha financiou RBS U$ 70 milhes dos U$ 220 milhes ofertados em leilo29. Esse
valor passou a ser participao inicial da empresa brasileira no negcio (Schirmer, 2002).
dcada de 1990, levou o grupo a investir na televiso a cabo, dando incio transio para o
perodo que aqui se define como ps-fordista. poca, conforme Santos (1999), das grandes
empresas de comunicao do Pas, apenas a RBS interessou-se pelo servio de televiso por
29
O leilo foi realizado em 17 de dezembro de 1996, na sede da FIERGS (Federao das indstrias do Estado do
Rio Grande do Sul). O valor pago pelo lote de aes (R$ 681 milhes) correspondeu a 54,77% de gio sobre o
preo mnimo fixado em R$ 440 milhes (Schirmer, 2002; Santos, 1999).
30
Entre 1990 e 1991, o Ministrio das Comunicaes distribuiu 101 autorizaes para explorao do Servio de
Distribuio de Sinais de Televiso por Meio Fsico (DISTV) com base na Portaria n 250/89. A RBS obteve 20
autorizaes, o mximo permitido a cada unidade da Federao. Empresas como Globo e Abril passaram a
239
o governo dividiu o sistema por regies31 e a regio da Tele Centro Sul foi constituda pelos
estados do Rio Grande do Sul (includa a regio de Pelotas, que no era atendida pela CRT),
1998, o consrcio formado pela Telefnica e pela RBS comprou o restante das aes da CRT
por R$ 1,176 bilho. Transformado na empresa Tele Brasil Sul, com capital de U$ 1 bilho e
servio de telefonia na regio da Tele Centro Sul (Schirmer, 2002; Santos, 1999). Com isso,
da RBS nas reas de telecomunicaes e TV a cabo32. Com a CRT integrando a Tele Centro
Sul, estaria distribuindo sinais de televiso, vdeo, telefonia e servios para quatro Estados e
viessem a ser formados s poderiam disputar uma delas. No leilo realizado na Bolsa de
Valores do Rio de Janeiro, contrariando acerto prvio com a direo da RBS, o grupo
Telefnica de Espanha decidiu disputar no a Tele Centro Sul, mas a Tele So Paulo, muito
investir nesse mercado depois de aprovada a Lei 8.977, de 06 de janeiro de 1995, conhecida como Lei da TV a
Cabo ou Lei da Cabodifuso (Santos, 1999).
31
A Embratel, operadora de telefonia de longa distncia, 27 empresas estaduais e 2 municipais foram divididas
em 12 empresas, privatizadas atravs de leilo em 29 de julho de 1998. Outras 12 seriam leiloadas a partir de
1999 na condio de empresas-espelho, visando criar concorrncia (Santos, 1999).
32
Em 1998, com a Net Sul, a RBS tinha implantada infra-estrutura para tv a cabo nos trs estados da regio Sul.
33
Herz (1997) sustenta que a diviso do Sistema Telebrs por regies no processo de privatizao, mesmo que
tcnica e economicamente recomendvel, encobre a inteno do governo de ampliar o nmero de consrcios a
desfrutar o mercado partilhado, e assim neutralizar eventuais oposies ao processo de privatizao.
240
mais atrativa em termos de investimento. Aquela sexta-feira [...] ficou marcada para Nelson
Sirotsky como um dia que ele no gosta de lembrar, comenta Schirmer (2002, p. 182).
pelos espanhis, em nome da Tele Brasil Sul, de quem a RBS era scia naquele momento,
explodiu como uma bomba. Por U$ 5,7 bilhes, com surpreendente gio de 63,74%, venceu a
disputa pela operadora paulista. A direo da RBS alega que o combinado teria sido a
apresentao de uma proposta pro forma, uma vez que a regio de prioridade seria a da Tele
relatou Nelson Sirotsky ao jornal Folha de So Paulo um dia depois do leilo (FSP,
31/07/1998, p. 1-6). A compra da Telesp configurava uma traio que constrangia a direo
legalmente obrigava a RBS, como scia da Tele Brasil Sul, a desistir da Tele Centro Sul,
regio estratgica para os seus planos de expanso. [...] Da Tele Brasil Sul a RBS seria scia
Paulo nada tinha a ver com a estratgia voltada para o sul do pas (Schirmer, 2002, p. 183).
tinha de se afastar da empresa, que acabou sendo vendida para a Brasil Telecom.
34
Num consrcio que reunia as Organizaes Globo e o grupo italiano Stet (Schirmer, 2002).
241
Esses consrcios teriam sido depois fundidos em dois BCP, para as operaes da Banda B,
e Tele Brasil Sul, para as operaes de telefonia fixa e Banda A de telefonia mvel.
1999, determinada pela crise mundial35, constituem a combinao de fatores que fazem o
cambial. Quando esse regime substitudo pelo sistema de bandas e logo depois pela livre
veculos.
empresa. O autor relata que, em razo disso, a RBS foi chamada a antecipar, em 1998, o
Para saldar a dvida, a organizao vende a participao que tem na BCP, em So Paulo. E
35
Crise desencadeada pela quebra da Rssia.
36
A expresso utilizada aqui em referncia queda na cotao dos ttulos das empresas de alta tecnologia na
bolsa eletrnica Nasdaq, gerando grave crise no setor.
242
investimentos.
Telecom tambm provocam demisses. Dados apurados por Santos (1999) do conta da
Ao analisar o conflito da RBS com a Telefnica de Espanha, Santos (1999) observa que o
comunicaes no Brasil.
A anlise da autora, feita no ltimo ano da dcada de 1990, ainda em meio crise,
revelou-se acertada. A recuperao do equilbrio comea no incio dos anos 2000, com a
renegociao das dvidas de longo prazo, convertidas para real37, e a renovao do contrato
com a Rede Globo, preservando as condies de principal afiliada. Schirmer (2002) sustenta
que a RBS vivenciou como player o perodo de euforia com a convergncia nas
37
A converso da dvida teria sido feita com o cmbio a R$ 2,35 (Schirmer, 2002).
243
se saiu bem nos investimentos em internet e em tv por assinatura. O provedor ZAZ, primeiro
projeto de uma empresa brasileira de mdia na internet, criado em 1996, acabou sendo
vendido trs anos depois, por conta da crise, mas terminou sendo um grande negcio. Quem o
adquiriu, por ironia, foram os ex-scios espanhis da Telefnica, por U$ 200 milhes,
transformando-se no Terra. Quanto Net Sul, empresa de televiso a cabo, foi vendida para a
Reencontrado o equilbrio, superada a maior das crises desde a dcada de 1970, a RBS
2004 comeava a ser distribudo para outras regies do Estado. O Dirio de Santa Maria
cobre a regio central do Rio Grande do Sul e se insere no que a empresa classifica de jornal
Interativa, logo depois reformulada para RBS Direct, introduzindo no Brasil o conceito CRM
era o maior banco de dados e de nomes no Pas, com atuao em So Paulo e Porto Alegre
(Schirmer, 2002). No rdio, estruturou em 2004 a Rede Itapema FM, para veiculao de
msica de boa qualidade para as classes A e B. A rede integrada por emissoras sediadas em
38
Seu projeto editorial e grfico voltado para as classes populares (C, D, E e B sem hbito de leitura).
39
No ano de seu lanamento, recebeu o prmio Top Of Mind de Veculo do Ano. Em 2001, foi o jornal mais
lido na regio metropolitana; em 2002, foi apontado como o jornal de 8 maior venda avulsa no Pas; e em 2004,
segundo o Instituto Marplan, atingiu o ndice de 1,2 milho de leitores na Grande Porto Alegre (Amaral, 2004).
40
Posteriormente, passou a denominar-se DIREKT.
244
de 200541.
41
Fonte: site institucional www.rbs.com.br
245
Rdios FM
Rede Atlntida FM (13 emissoras)
Rede Itapema FM (5 emissoras: Florianpolis, Joinvile, Porto Alegre, Caxias do Sul e
Santa Maria)
Rdio Metropolitana FM (91.3), voltada para os setores populares (samba e pagode)
Rdio Cidade
Rdios AM
Rdio Gacha (a Rede Gacha SAT tem 110 emissoras afiliadas em 09 estados brasileiros)
CBN (Dirio/SC e 1340/RS)
Rdio Rural,
Rdio Farroupilha
RBS TELEVISO
Maior rede de televiso regional da Amrica do Sul
RBS ONLINE
Unidade de negcios voltada para o desenvolvimento de contedos multimdia, extenso
real time dos veculos/programas tradicionais e interatividade com a audincia
RBS RURAL
Unidade corporativa de perfil multimdia com foco no agronegcio
Rdio Rural
Canal Rural (visa o desenvolvimento de projetos multimdia que gerem comunidade e
comrcio focados no complexo agroindustrial brasileiro)
Planejar
(Empresa da RBS Rural focada na gesto rural. Trabalha com 3 produtos principais:
educao rural, softwares para gesto de negcios rurais e rastreabilidade e certificao de
origem bovina Sistema Integrado de Rastreabilidade . A equipe formada por
agrnomos, veterinrios, administradores de empresas, economistas, analistas de sistemas e
tcnicos em informtica. Os produtos e clientes esto localizados em todos os estados do
Brasil, nos pases integrantes do Mercosul e no Chile)
246
Central de Meteorologia
Fornece informaes sobre meteorologia para todos os veculos da RBS e para mais de 50
emissoras de rdio da regio Sul. Tambm oferece servios para produtores rurais,
indstrias de confeces, universidades, prefeituras e outros setores que demandem estudos
personalizados. Com avanados equipamentos e recursos humanos para a deteco das
variaes meteorolgicas de longo, mdio e curto prazos, mantm parceria com a empresa
Somar e tem suporte tcnico do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do
INMET (Instituto Nacional de Meteorologia) e da USP (Universidade de So Paulo).
Eventos
Promove diretamente ou patrocina:
RBS PUBLICAES
Unidade responsvel pela concepo e produo de projetos editoriais oferecidos a leitores
e assinantes de jornais do grupo RBS e ao pblico em geral. Os lanamentos privilegiam
dois tipos de contedo: 1) temas relacionados histria, s tradies, literatura, ao
cotidiano, ou, mais amplamente, cultura regional e suas repercusses; 2) temas de
utilidades, com livros e guias nas reas de arquitetura, sade, gastronomia, turismo e
servios. Criada em 2000, j lanou mais de 40 ttulos, incluindo best sellers como Os
Farrapos, de Carlos Urbim, e Felipo, a alma do penta, de Ruy Carlos Osterman. Est
entre as principais editoras do RS.
RBS EVENTOS
DIREKT
Nova marca da RBS Direct, empresa de marketing direto do Grupo RBS. uma sociedade
247
da RBS com a K2 Participaes, do Grupo K2. Iniciou suas atividades em 2004. Trata-se
de uma empresa de gerenciamento de banco de dados.
ViaLOG
Empresa de logstica da RBS. Atua na distribuio de jornais, impressos, revistas, malas-
diretas, catlogos, listas (coleta, estoque e entrega), entrega expressa (aparelho celular,
cartes, autopeas, suprimentos de informtica, eletrodomsticos, CDs, DVDs, fitas VHS
e produtos diversos at 35 Kg) e no e-commerce.
ORBEAT MUSIC
Selo fonogrfico independente, voltado para a msica jovem em todas as suas variantes.
Tem estrutura prpria de produo e distribuio e estabelece parcerias comerciais com
selos nacionais e internacionais.
PLANEJAR
Empresa estratgia da RBS Rural focada no comrcio e na gesto rural.
televiso e jornal), nos anos 2000 a RBS d continuidade reestruturao dos seus processos
estruturao do trabalho e das rotinas produtivas na nova linha de montagem, flexvel, das
O perodo de consolidao das indstrias culturais foi tratado com relevncia nesta
pesquisa por ser o que representa a estruturao de um modelo fordista na produo de bens
respectivamente.
perodo ps-fordista, momento em que uma nova gerao de mudanas ocorre, provocando
Como a pesquisa analisa questes relativas mdia jornalstica impressa, toma-se o jornal
Zero Hora como objeto emprico de investigao. Ao longo desta etapa do trabalho,
procurou-se resposta seguinte questo: como o regime de acumulao flexvel (ou ps-
trabalho jornalstico?
A escolha de Zero Hora deve-se a dois fatores: a) ao fato de ser o principal jornal do
laudas e mquinas de escrever, que, com a tradicional fumaa dos cigarros, compunham o
com softwares de edio de texto e editorao instalados num ambiente limpo e climatizado
1
Zero Hora foi dos primeiros jornais no Brasil a informatizar totalmente a redao. Como nos demais veculos
da RBS, seus funcionrios passam atualmente por programa de treinamento visando uma atuao multimdia.
250
burros2, era centralizado no servidor CSI, comprado nos Estados Unidos. Capparelli (1997)
modelo fordista parcial para o modelo flexvel. No entanto, pondera, eram [...] apenas um
embrio do que aconteceria no momento em que a redao fosse reinformatizada, sete anos
equipamento, levou a uma nova informatizao da redao, em 1995, quando a RBS adquiriu
de O Estado de Minas o software C-Text. O programa, tambm produzido por empresa norte-
americana, fora vendido pelo jornal mineiro inicialmente para pequenos jornais do interior do
Pas. Zero Hora foi o primeiro entre os considerados grandes a adquiri-lo, seguida depois por
vrios outros3.
final.
organizao da produo e nas relaes de trabalho de Zero Hora. Tomou como parmetro as
(2001), e conceitos de Zallo (1993), que se refere a esses perodos como taylorismo e neo-
2
Burros porque eram terminais, s trabalhavam conectados ao computador central (main frame),
diferentemente dos atuais, que so microcomputadores completos. Esto ligados em rede mas podem ser
desconectados e funcionar de forma independente.
3
Depois de Zero Hora, adquiriram o mesmo software os jornais Folha de Londrina, A Tribuna (de Santos - SP),
Dirio Popular (de So Paulo), O Dia (do Rio de Janeiro), A Tarde (de Salvador BA), entre outros (Capparelli,
1997).
251
perodo investigado, uma vez que vinha se apresentando desde os anos 1970, quando as
empresas passaram a contratar reprteres com texto final, suprimindo o cargo de copidesque,
cultural com peculiaridades em relao a outros produtos. E recorre a Mige (1989) para
lembrar que os produtos culturais podem ser classificados por tipos. H os que s podem ser
edies limitadas, litografias, etc. Os jornais estariam circunscritos ao primeiro tipo, como
produto cultural que s pode ser reproduzido com a participao do criador cultural - o
jornalista.
montagem de diversas peas. Que, apesar de se situar no campo5 da produo cultural, essas
manuais que ensinam as tcnicas de redao jornalstica. Essa padronizao serviria para
4
Zero Hora manteve a funo de copidesque at a informatizao da redao, em 1988, quando passaram
funo de editor assistente.
252
separando-o de outros campos sociais. No caso das peas que compem o jornal, essa
conhece por lead, pirmide normal, pirmide invertida) e nos gneros ou estilos - informativo
editoriais, etc.). Conclui ento, referindo-se aos conceitos de Zallo (1993), que nesse tipo de
anos 1990 o padro mltiplas tarefas ainda no se configurava plenamente, este era o
retardada apenas, e retomada mais tarde com a implantao de uma nova tecnologia no
5
Referncia ao conceito de campos sociais, de Bourdieu (1994).
253
Uma nova etapa na histria do jornal iniciou-se com a contratao do jornalista Augusto
consagrados, como a revista Veja e o jornal O Estado de So Paulo, Nunes ingressou na RBS
nacional. Consta que a contratao de um profissional de fora do Rio Grande do Sul, estado
essa misso. Reestruturar o jornal implicava enfrentar obstculos inclusive culturais, entre
eles a resistncia de alguns profissionais com anos de trabalho prestados empresa. Dentre as
Carlos Fehlberg, que, por sua vez, substitura por curto perodo a Lauro Schirmer, editor-
As mudanas implantadas pelo novo diretor de redao implicaram, alm das demisses,
remunerao. At ento, cada jornalista recebia um salrio mensal fixado de acordo com a
(PPR) estabeleceu novas relaes entre capital e trabalho. Pela nova poltica, alm do salrio
mensal definido com base no tempo de servio, outros fatores relacionados a controle de
6
O perodo de mudanas a que se faz referncia a partir de agora coincide com reestruturao na direo do
grupo RBS. Anunciada em 1990, a nova direo da empresa assume em maio de 1991, quando Nelson Sirotsky,
filho mais velho do fundador, assume a presidncia do grupo em substituio ao tio Jayme Sirotsky, que
deslocado para a presidncia do Conselho de Administrao, instncia at ento inexistente na estrutura da
organizao. A partir da, passaram a existir dois rgos diretivos o Conselho de Administrao e o Comit
Executivo que contam com a participao de membros no acionistas (Schirmer, 2002).
254
a participao de seus funcionrios nos lucros da empresa. Para ter direito a essa participao,
o funcionrio ou a equipe a que est integrado deve cumprir metas previamente estabelecidas.
estabelecidas por equipe e por indivduos. Quanto s metas por equipe, explica,
(...) a cada ano as editorias renem sua equipe e estabelecem certos objetivos gerais,
complementados por objetivos individuais. Se esses objetivos so atingidos, o
funcionrio pode receber no fim do ano de um a dois salrios extras. Diferentemente de
uma produo de escala, como acontecia antes, procurou-se chegar a uma produo de
qualidade. (...) A redao, por exemplo, pode estabelecer como meta em determinado
perodo um crescimento em credibilidade junto ao pblico enquanto que o setor industrial
pode visar a uma diminuio de perda de papel na fase de impresso (Capparelli, 1997, p.
122).
(...) um reprter sedentrio, avesso a deslocamentos muito longos, pode apresentar como
meta ou o chefe de reportagem pode lhe propor a produo de cinco reportagens
especiais, viajando por todo o Brasil. A outro reprter pode propor a pontualidade, seja
em relao ao incio de seu trabalho, seja em relao a atrasos eventuais no baixamento
de matrias (Capparelli, 1997, p. 122).
mesmo que haja o reconhecimento de que um jornal completamente sem erros praticamente
uma utopia9.
7
Marcelo Rech, editor-chefe poca, contesta essa interpretao e atribui as demisses ao fim do duplo
emprego, quando os jornalistas tiveram de optar por um deles.
8
Atualmente essas metas so coletivas, mas igualmente vinculadas a critrios de qualidade e produtividade.
255
As reformas grficas e editoriais comearam a se tornar visveis para o leitor por ocasio
sobre economia e a ampliao do espao destinado opinio, que passou a publicar textos
Lemos e a charge de Sampaulo, por exemplo, foram transferidos da pgina 4 para a seo
colaboradores, alguns com dia fixo na semana10. As pginas 4 e 5 foram reservadas para
reportagem especial. Espao nobre, procura abordar de forma aprofundada temas variados -
locais, nacionais ou internacionais. A editoria Mundo, por sua vez, foi deslocada para depois
Outra inovao foi a publicao dos nomes dos editores, dos editores assistentes e dos
cada vez mais a partir da. Atualmente, publicam-se, alm dos telefones, os e-mails de
editores e reprteres, sempre com o objetivo de ampliar a comunicao do leitor com o jornal.
Os textos passaram a ser compostos em corpo maior, para facilitar a leitura, e o logotipo foi
redesenhado o quadrado foi substitudo pelo ttulo escrito horizontalmente na parte superior
da primeira pgina. O manual de redao foi atualizado e reeditado com o nome de Manual
apurao das notcias, normatizao dos textos, relao com as fontes, tica profissional, etc.
9
A meta de 1996 foi de reduo de 50% dos erros; em 1997, baixou para 25%, conforme Marcelo Rech, em
mensagem a Srgio Capparelli em 21 de outubro de 1997.
10
Como o historiador Voltaire Schilling, que escreve sempre aos domingos, e o jurista Paulo Brossard, s
segundas-feiras.
11
Publicao com edio esgotada. A redao utiliza atualmente uma verso eletrnica. Em 2004, a RBS lanou
o Guia de tica e Responsabilidade Social, com orientaes ticas e editoriais a todos os seus funcionrios.
256
Sobre Rodas e Imveis, os cadernos passam a publicar, alm dos pequenos anncios,
textos jornalsticos relacionados aos temas. A estratgia visa, pela editorializao, valorizar o
Para dar maior visibilidade ao conjunto de mudanas, foi veiculada uma grande campanha
Em 1995 so criadas as Casas Zero Hora, espcie de sucursais regionais com a finalidade
nas mesmas cidades-plo onde esto as emissoras de televiso da rede RBS: Novo Hamburgo,
Santa Maria, Cruz Alta, Rio Grande, Uruguaiana, Erechim, Caxias do Sul, Pelotas, Passo
Fundo, Santo ngelo e Bag. A partir dos plos, procuram atender a todas as cidades da
regio. Em 1998, o jornal inaugura em Cruz Alta a chamada Planta Remota, sistema que
permite impresso distncia de parte das edies de Zero Hora e Dirio Catarinense,
facilitando a distribuio desses veculos para as regies centro, noroeste e norte do Rio
Ao analisar esse perodo, Schirmer (2002) refere-se proposta de tornar Zero Hora um
jornal de leitura obrigatria nos centros de deciso - Braslia e capitais do centro do Pas -
como um equvoco. Para tentar alcanar esse objetivo, algumas alteraes nas rotinas de
impresso, para que os exemplares chegassem cedo capital federal. Alm disso, o contedo
12
Em conversas informais, jornalistas de Zero Hora relatam que, nessa fase, chegaram a produzir dois jornais
por dia. Um para a primeira edio e outro, para a segunda, o que aumentou o volume e a jornada de trabalho.
257
por conta da aspirao de transformar Zero Hora numa verso brasileira do Los Angeles
Times, o jornal foi perdendo os vnculos que caracterizam a relao dos veculos da empresa
O jornal passou a rodar s 21h, edio que em parte ia para o interior do Estado, sem os
resultados dos jogos noturnos da dupla Gre-Nal. Foi afastada da cobertura de Zero Hora
em Braslia a jornalista Ana Amlia Lemos (que permaneceu atuando na Rdio Gacha e
na RBS TV) e posto em seu lugar um reprter paraibano que no conhecia nenhum
parlamentar gacho ou catarinense, mas tinha trnsito entre lderes nordestinos mais
influentes (Schirmer, 2002, p. 169).
O autor avalia essa linha editorial como um tropeo. O projeto no deu certo e foi
abandonado junto com o afastamento de Augusto Nunes, cinco anos depois de sua
jornalistas da prpria equipe assumiu a direo: Marcelo Rech como diretor de redao e
razes que levaram perda de assinantes no final da dcada, perodo em que Zero Hora
perdeu a liderana no mercado para o concorrente Correio do Povo. Em 1998, nas eleies
para o Governo do Estado, o jornal viu-se envolvido na polmica discusso sobre suposto
Setores do Partido dos Trabalhadores (PT), de oposio, que afinal acabou vencendo a disputa
13
Em janeiro de 1998, o jornal tinha uma circulao mdia de 168.107 exemplares pagos (assinantes e venda
avulsa), nmero que caiu para 164.320 em fevereiro; para 160.709 em maro e para 158.109 em junho do
mesmo ano. Fonte: IVC
258
geraram campanhas contra Zero Hora, jornalistas e veculos da RBS15. Acredita-se que esses
Para agravar a situao, sobreveio a crise do final da dcada de 1990 no conglomerado RBS e
Em maro de 2000, quando a empresa comea a reagir crise lanando o Dirio Gacho,
Zero Hora era inferior a do seu principal concorrente no estado. Conforme o Instituto
Verificador de Circulao (IVC), o Correio do Povo tinha, poca, uma mdia de 216.308
exemplares com circulao paga, contra 181.613 de Zero Hora. Para se contrapor estratgia
de marketing do concorrente, que ressaltava essa posio de liderana, Zero Hora apresentava
seus ndices de leitura que, segundo o IBOPE, eram maiores17. Enquanto isso, o recm-
lanado Dirio Gacho obtinha 170.592 exemplares vendidos logo no primeiro ms, vindo a
superar a irm em setembro de 2000, quando atingiu 202.594 exemplares vendidos, contra
14
A RBS contrata o IBOPE para a realizao de pesquisas eleitorais. Nesse ano, as pesquisas do primeiro turno
das eleies para o governo do Estado davam como certa a reeleio do ento governador, o que no se
confirmou nas urnas.
15
Alm de grafites espalhados pela cidade e adesivos com a expresso RBS Mente, listas eletrnicas
circularam pela internet convocando os leitores que se sentiam prejudicados pela cobertura das eleies e das
aes do governo a cancelar assinaturas.
16
Conforme o IVC, a circulao declinou para cerca de 156.000 entre maro e abril de 1999, voltando a
recupera-se a partir da.
17
Em 1999, o jornal contratou o IBOPE para pesquisar ndice de leitura de jornais no interior do RS. O
resultado, somado aos ndices obtidos na regio metropolitana, indicavam uma mdia de 6 a 7 leitores por
exemplar de Zero Hora, contra trs do Correio do Povo. Desde ento, a pesquisa feita anualmente e os
resultados so publicizados no final de cada ano.
18
Desde novembro de 2000, quando obteve a maior circulao (213.266), vem declinando a circulao paga do
Dirio Gacho. Em setembro de 2004 estava em 139.636 exemplares, conforme apurava o IVC em 11/11/2004.
259
definidora dos novos tempos21. Coerente com sua histria, marcada pela permanente
inovao, o conglomerado d continuidade aos investimentos guiado por num novo conceito,
organizao caracterizada essencialmente pela integrao plena entre rdio, televiso, jornal e
web, nos termos imaginados at o incio dos anos 2000. A experincia e as dificuldades
19
Fonte: IVC, em 11/11/2004.
20
Esse jogo de palavras apenas um exerccio terico com a finalidade de distinguir e ao mesmo articular
categorias que servem para periodizar o capitalismo de diferentes formas: por etapas (concorrencial,
monoplico), em funo da organizao do mercado; e em regimes de acumulao (fordista, ps-fordista), em
funo do sistema de organizao da produo.
21
Ps-fordismo e regime flexvel de acumulao so usados com o mesmo sentido porque, de acordo com Braga
(1995), a nova ordem capitalista internacional ergue-se sob a base fordista que substitui.
260
jornalstica na mdia impressa. A ateno concentra-se na flexibilidade obtida com o uso das
trabalho. O campo emprico onde se investigam esses novos processos o jornal Zero Hora.
de custos de produo.
redao de Zero Hora, uma das mais importantes o News2000, programa instalado em 2003
22
Conforme Gil (1999), que classifica o mtodo de observao em trs tipos: simples, participante e sistemtica.
Como observao participante, define aquela em que o pesquisador tem conhecimento real do grupo ou da
situao que ir pesquisar; como sistemtica, a que visa descrio do(s) fenmeno(s) a ser pesquisado. No caso
desta pesquisa, as rotinas produtivas e a organizao do trabalho numa redao jornalstica de mdia impressa.
23
Pr-requisito para a conquista de um padro multimdia.
261
tamanho da letra, o clculo do espao a ser ocupado na pgina em funo da largura das
colunas25 do jornal, etc. O programa tem ferramentas semelhantes s utilizadas nos softwares
exemplo, pode ser mais tnue. O editor de texto pode tomar uma srie de decises, como
acabamento final. Da mesma forma, o reprter pode interferir na edio de sua matria,
materializa fica mais evidente no item 7.2.2., onde se descrevem as rotinas de produo do
jornal.
designa o desenho da edio, pgina por pgina, com a demarcao dos espaos editorial e
24
O programa News2000 foi desenvolvido sob medida para Zero Hora por uma empresa gacha (Suta
Sistemas e Solues em Software). Atualmente, utilizado em todas as redaes da rede de jornais da RBS no
Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
25
Em Zero Hora, a coluna tem 4,987 cm de largura.
262
Alm disso, permite que os jornalistas tenham acesso, em tempo real, a todos os
contedos dos jornais da rede RBS. Da redao de Zero Hora, a qualquer hora, possvel ler
uma matria a ser publicada no dia seguinte pelo Dirio Catarinense, em Florianpolis, ou
pelo Pioneiro, em Caxias do Sul (e vice versa), desde que ela esteja pronta e liberada pelo
editor para diagramao. O sistema permite o compartilhamento das pautas e dos contedos
rede de comunicao interna entre as redaes dos seis jornais da RBS e, conseqentemente,
anexao de documentos, textos e fotos entre todas as pessoas vinculadas RBS. Trata-se de
A diagramao dos jornais feita no programa Quark Express, da Microsoft, que, alm da
geral diretamente das editorias, assim como a colocao de ttulos e legendas nas matrias. A
capa de Zero Hora feita na paginadora desse programa, sem passar pelo News2000, onde
O site da Agncia RBS tambm pode ser considerado uma tecnologia de comunicao e
informao. Nele ficam disponveis para os jornais da rede as fotos de capa e todas as
O TeleScope Pro um software de imagens, uma espcie de arquivo digital onde ficam
armazenadas as fotos publicadas pela rede de jornais da RBS, ou produzidas pelas editorias de
edio da imagem, imediatamente indexa a foto pauta a que est relacionada, facilitando o
telefnicas, as fibras ticas e cabos das conexes Internet, em banda larga, e os telefones
celulares utilizados pelos jornalistas quando a servio da empresa. Todas essas tecnologias
produo. Uma nova linha de montagem foi concebida e implantada por um grupo de
26
Na linguagem especializada, horrio de encerramento da edio do jornal.
264
procedimentos da rotina precisaram ser alterados, como a ampliao das tarefas de cada um.
Estrutura da redao
A redao de Zero Hora tem a seguinte estrutura quanto a cargos e funes: diretor de
responde legalmente pelo jornal, quem faz cumprir a poltica editorial27, executa as
criados em 1997, depois da sada de Augusto Nunes e da ascenso de Marcelo Rech direo
semana, das semanas seguintes, dos prximos meses, do final do ano; o outro fecha a edio
do dia. Este o que trabalha diretamente com os editores executivos. Ambos reportam-se,
pelo tema das reas de cobertura: Poltica, Economia, Mundo, Opinio, Segundo Caderno,
Geral, Esporte, Polcia. A cada uma delas vinculam-se cadernos especiais. As editorias de
27
Na RBS, a poltica editorial de todos os veculos definida por um Comit Editorial, composto pelo presidente
da empresa, pelo vice-presidente editorial e pelos diretores e pelos diretores dos veculos. O comit rene-se
semanalmente.
28
Entre 1993 e 1997, havia apenas um editor-chefe, cargo ocupado por Marcelo Rech, e um secretrio de
redao. Na estrutura atual, no existe secretrio de redao.
29
Atualmente, Marcelo Rech tambm Diretor Editorial da RBS Jornais, rede de seis peridicos de propriedade
do conglomerado. Isso significa que sua a atribuio de orientar a poltica editorial de toda a mdia impressa da
empresa nos estados do RS e de SC.
30
Em entrevista autora no dia 12/11/2004.
265
Banco de Dados.
editoria e faz cumprir a linha editorial da empresa para a rea), de editores assistentes,
O tamanho de cada editoria varivel. Geral uma das maiores, com cerca de 30
profissionais, o equivalente a uma redao inteira em jornais de menor porte. Mundo das
menores.
As editorias de apoio tem estrutura varivel. A Central do Interior tem equipe pequena
em Porto Alegre, porque trabalha com profissionais espalhados pelo interior do Estado. A
essa editoria cabe fornecer a pauta, orientar e apoiar o trabalho dos reprteres das sucursais.
As notcias do interior chegam por trs vias: pelas sucursais, que geralmente tm apenas um
no se vinculem a ela. A agncia RBS de Notcias um exemplo. atravs dela que o jornal
noticirios das agncias, de rdio e de televiso. A unidade funciona 24 horas, sete dias por
semana.
Os contedos locais e regionais so produzidos pelas equipes vinculadas a cada uma das
diretamente redao, mas apia o trabalho desta com pesquisa. Se um reprter, coordenador
de produo ou editor precisa levantar o que j foi publicado sobre um determinado assunto,
ou se precisa de alguma foto de arquivo, a esse banco de dados que recorre. Assim como a
Rotinas de produo32
A rotina de produo do jornal comea pela manh. Por volta das 9h ocorre a primeira
as pautas, que comearam a ser previstas no dia anterior, relatam o que est em andamento,
discutem a forma mais apropriada de abordagem de alguns assuntos, definem que editoria se
todas as providncias para a execuo do trabalho. A essa altura, muitos reprteres j esto
apurando as informaes.
da RBS, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, que podem consult-la a qualquer tempo.
31
Neste caso, a notcia enviada atravs da Agncia RBS de Notcias.
32
Em relao ao conceito formulado pela hiptese de pesquisa Newsmaking, a expresso rotinas de produo,
aqui, utilizada parcialmente. Para os tericos do Newsmaking, routines produtivas significa a organizao do
trabalho da redao com vistas a compatibilizar a escassez de tempo e de meios na produo de notcias, e
divide-se em trs etapas: captao, seleo e apresentao (Wolf, 1995). Nesta tese, a anlise restringe-se ao
conjunto dos procedimentos adotados com regularidade ao longo do dia na produo do jornal da concepo da
pauta edio final.
267
Assim, todos sabem o que todas as redaes esto fazendo, podendo planejar
Cada editoria tem seu ritmo e sua dinmica de trabalho, que so determinados pelo tipo de
acontecimento que cobre. Algumas comeam a trabalhar pela manh, como Polcia, Geral,
Segundo Caderno e as dos cadernos especiais. Estas so as que primeiro fecham suas edies.
s 14 horas ocorre nova reunio, desta vez entre o diretor de redao, o editor-chefe
rodada de atualizao das pautas, cada editor relata o andamento do trabalho nas suas
editorias e discutem novamente as matrias com potencial para a reportagem das pginas 4 e
5, alm daquelas que devem receber chamadas de capa, e as principais fotografias. Da mesma
forma, planejam temas para a edio de domingo. Encerrada a reunio, com durao
produo, a manchete definida na reunio do incio da tarde era sobre a paralisia no sistema
vem a especificao, pgina por pgina, dos espaos editorial e publicitrio. De posse dessas
horrio, para que ele tome conhecimento do que est sendo publicado.
das pginas, para que no haja atrasos nem sobrecarga do sistema ao se aproximar o deadline.
Essa descrio refere-se ao caderno principal, porque o encerramento da edio dos cadernos
especiais ocorre pela manh, entre 10h e 14h, e do Segundo Caderno, entre 12h e 14h.
ocorre entre 19h e 20h, desta vez na sala do diretor de redao, para decidir os destaques da
editorias. Se alguma informao nova, relevante, surgiu, nesse momento que ela entra na
ser rodada uma terceira, na madrugada, para circulao restrita a algumas regies de Porto
Alegre.
269
Neste item, analisa-se a estrutura de cargos, funes e distribuio de tarefas, assim como
Cargos e funes
do acmulo de funes. O padro flexvel exigido pela nova etapa do capitalismo requer
linha de produo flexvel, uma das qualidades perseguidas pelas indstrias da mdia em
33
Emenda Constitucional n 36, que modifica o Art. 222 da Constituio Federal e permite a participao de
pessoas jurdicas e de capital estrangeiro no capital social das empresas jornalsticas e de radiodifuso sonora e
de imagens.
270
redao, etc. Atualmente, conforme comprova a estrutura de produo de Zero Hora, a linha
de demarcao de tarefas mais tnue e tem de ser analisada por partes. Ela no a mesma
em todas as editorias.
Em algumas, as funes so mais demarcadas, seja pelo volume de trabalho dirio, seja
setor so, ao mesmo tempo, reprteres e editores de suas matrias. Essa realidade poderia nos
executam todas as tarefas: propem pautas, apuram, pesquisam, redigem, revisam, editam e
edio da pgina. Dominar o processo pr-requisito para sua contratao ou para sua
manuteno na empresa. O reprter pode no executar uma ou mais tarefas, mas ele tem de
saber faz-lo. Da mesma forma o editor, que ter de se desempenhar na funo de reprter,
Figura 3:
CARGO/FUNO ATRIBUIES
elaborao da pauta o melhor exemplo. Na estrutura flexvel das atuais redaes, a funo
de pauteiro, tpica do perodo fordista, foi extinta junto com o cargo. E a atribuio
correspondente foi distribuda entre toda a equipe do diretor de redao ao reprter, sem
redator.
Quando convidado a descrever o perfil do jornalista perseguido por Zero Hora34, o diretor
de redao insiste que, alm de um excelente texto, condio sine qua non, este deve dominar
propondo ttulos, subttulos, legendas para as fotos, retrancas, boxes, infogrficos, artes, etc.
A enfatizada qualidade do texto sempre foi um pr-requisito para quem trabalha em jornal
ou revista. O que faz com que assuma especial relevncia agora a extino da etapa de
reviso, que desapareceu junto com a funo de redator (copidesque) e do revisor. Na rgida e
fragmentada estrutura fordista do perodo anterior, o reprter no tinha o dever nem era
responsvel pelo texto final. Poderia, eventualmente, entreg-lo com erros ortogrficos ou de
sintaxe porque haveria algum para revis-lo. Tambm no tinha o dever de redigir ttulos ou
legendas. Na estrutura flexvel atual, as tarefas que impliquem alguma forma de reviso so
entendidas como re-trabalho, e por isso devem ser evitadas, suprimidas. Com isso, h ganhos
34
Em entrevista autora em 12/11/2004, na redao de Zero Hora.
273
um, poder-se-ia persistir nessa interpretao, ainda que reconhecendo alguma mudana, como
flexibilidade funcional.
organizaes, nos mtodos de gesto, nas relaes pessoais, etc. Na redao jornalstica,
produo, como o de editor ou de reprter - poder ser chamado, a qualquer tempo, para a
274
execuo de outras funes, e precisar estar prontamente habilitado para isso. A isso, o atual
diretor de redao de Zero Hora chama de jornalismo total - o caminho para o fim da
que, com essa interferncia nas diferentes etapas do processo, o jornalismo se torna mais
Numa terceira fase, que j se anuncia, as habilidades sero outras, para dar conta de novas
Treinamento e qualificao
A rapidez com que ocorrem as mudanas no mundo da produo faz com que os
organizaes.
A regra que todos devem ampliar suas habilidades, sem perda de qualidade. Em Zero
impressa. Entretanto, a integrao das mdias, processo que vem sendo perseguido com o
O domnio das linguagens e dos processos de produo em rdio, televiso, jornal e web
plataformas. O depoimento de uma das editoras chefes de Zero Hora, recm-chegada dos
Estados Unidos em novembro de 2004, embora pondere que nem todos os jornalistas devam
se transformar em profissionais multimdia, confirma a busca desse perfil. Ela acredita que
35
Marcelo Rech, em mensagem eletrnica a Srgio Capparelli em 21/10/1997.
275
essa no ser uma exigncia para todos porque a empresa comporta diversidade - Alguns so
por que insistir nesse perfil; o mesmo vale para o reprter de televiso em relao ao jornal.
reprter Letcia Sander fez a cobertura do Frum Social Mundial, em Mumbai, ndia, para os
principais veculos da empresa. No mesmo ano, em agosto, cobriu o referendum que decidiria
especial a viagem do governador do Estado do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, a quatro
cidades da China (Xangai, Pequim, Wuhan e Hong Kong). Nos trs casos, as jornalistas de
em banda larga, enviaram textos, fotos, imagens e udio para Zero Hora, ClicRBS, Rdio
36
Marta Gleich, em entrevista autora em 16/11/2004.
37
Os editores-chefes avaliam que apenas excepcionalmente podem ocorrer situaes desse tipo, que no podem
se tornar regra.
38
Nos Estados Unidos h experincias bem-sucedidas de redao multimdia, como o acordo operacional entre o
jornal The Tampa Tribune, a emissora de televiso WFLA-TV e o provedor de acesso Internet Tampa Bay
276
RBS39. A empresa tem, atualmente, duas redaes multimdia - em Braslia (entre a sucursal
da RBS TV e Zero Hora) e em Santa Maria (entre RBS TV Santa Maria e Dirio de Santa
Maria).
Em pesquisa sobre o impacto das novas tecnologias sobre os jornalistas, Mattos (2002)
Cada veculo vai continuar tendo sua autonomia e individualidade, mas os recursos
tecnolgicos e humanos (os jornalistas) sero compartilhados dentro de redaes
multimdia. O profissional multimdia se movimentar entre todas as plataformas de
informao, seja ela no impresso, na televiso ou na Internet (Mattos, 2002, p. 51).
efetivamente treinados para trabalhar de forma integrada em televiso, web, jornal e rdio.
novembro de 2004, metade dos 880 jornalistas da empresa havia passado pela primeira etapa.
Pela segunda, 16. O curso da segunda etapa tem durao prevista de 300 a 400 horas-aula40.
patrocinadas pela RBS. Nos ltimos cinco anos, cerca de 28 jornalistas estudaram no exterior,
com bolsas ou subveno da empresa. Espanha (Madrid e Barcelona) e Estados Unidos foram
Tribune, na cidade de Tampa, Flrida, que tira vantagens da convergncia e amplia a disseminao das notcias
(Mattos, 2002).
39
Em novembro de 2004, o jornalista Rodrigo Lopes viajou Tailndia para cobertura do 3 World
Conservation Congress. De Bangcoc, o reprter de Zero Hora produziu os textos e as fotos publicadas sobre o
evento. O exemplo mais uma comprovao do acmulo de tarefas.
277
atividades, geralmente pela manh, para ouvir relatos dessas experincias. Periodicamente so
promovidos cursos rpidos para atender a demandas especficas, como Histria da Arte para a
observe-se com ateno este item - a habilidade para lidar com o cliente, que nesse contexto
o leitor.
qualificao do profissional. Entretanto, h que se considerar que, mesmo nas profisses que
exigem maior conhecimento. O operador do novo equipamento deve deter uma maior
capacidade de abstrao para acionar e controlar as mquinas automatizadas [...], diz Braga
(1995, p. 114). No caso das profisses que exigem maior habilidade intelectual, como a de
jornalista, acredita-se que as demandas atuais do mercado so por maior e mais ampla
especializao.
40
Conforme informao da editora chefe Marta Gleich, em entrevista autora em 16/11/2004.
41
Conforme a editora-chefe Marta Gleich, em entrevista autora em 18/11/2004.
278
contrrio, implica a ampliao do leque de habilidades que precisa dominar para se manter no
mercado de trabalho. Se, alm de um bom texto, tambm souber titular, legendar, condensar,
baixar fotos, escrever na linguagem apropriada para rdio, televiso e web, e editar nas
diferentes mdias, entre tantas outras tarefas possveis com a utilizao das novas tecnologias
O profissional multimdia NO pode ser confundido com o profissional que sabe operar
variados e sofisticados instrumentos eletrnicos. Muito pelo contrrio, este profissional,
alm de saber operar tais instrumentos, deve conhecer principalmente como funcionam as
foras do mercado, como pensam os profissionais de outras reas, como se processam as
relaes profissionais e como eles utilizam os meios de comunicao e como se
gratificam ao utilizar cada veculo (Mattos, 2002, p. 50).
destinado requalificao, cada mais comprimido, como diria Harvey (2001). Na velocidade
muito estreito o intervalo de tempo que separa a adoo de um processo e sua superao.
tm de ser substitudos.
compreender mais que o funcionamento das foras do mercado, mas as estruturas das
preparam para o mercado, e assim pressionam por mudanas curriculares que se traduzem
respostas43.
conglomerados de mdia. Conforme Harvey (2001), esse tempo de giro, que sempre foi uma
chave da lucratividade capitalista, foi reduzido de modo dramtico pelo uso das novas
jornalistas, o que se v [...] uma intensificao dos processos de trabalho e uma acelerao
Jornada de trabalho
Apesar de a legislao em vigor estabelecer uma jornada de trabalho de cinco horas para
42
Formados em currculos estruturados segundo os objetivos da chamada comunicao integrada.
43
Em artigo publicado a propsito da fuga de um presidirio considerado de alta periculosidade no estado RS, o
jornalista Marcos Rolim, ex-deputado federal com atuao na rea de Direitos Humanos, questiona a pressa com
que a mdia, entre outras instncias, pe-se a fazer afirmaes e interpretaes quanto ao episdio, repetindo
bordes e reproduzindo preconceitos, sem antes formular as perguntas pertinentes, a seu juzo. [Seria]
Conveniente, ento, que as bordunas sejam guardadas e que as respostas de sempre aguardem, pelo menos, as
primeiras perguntas, recomendou (ZH , 04/12/2004, p. 15). Acredita-se que o episdio e o respectivo artigo
servem de reflexo.
280
cumprimento de doze horas e meia de trabalho das 8h s 20h30min. No Rio Grande do Sul,
o Sindicato dos Jornalistas assegura que em Zero Hora as jornadas so de dez a doze horas, o
Rech45 no informa de quanto tempo o horrio cumprido no jornal, alegando que flexvel,
que o jornalista pode trabalhar muito num determinado dia e compensar no outro, reduzindo
pelo reprter na edio de um texto, por exemplo, dispensa-o da obrigao de cumprir quatro
ou cinco pautas dirias, situao corriqueira poca da linha fordista de produo. Segundo
ele, o jornalista pode ficar a jornada inteira, ou at mesmo a semana, no caso dos reprteres
Zero Hora, foi um extenso e exaustivo perodo de trabalho, uma jornada superior a dez horas.
Durante as entrevistas, houve quem se declarasse contrrio jornada fixa, alegando que as
notcias no tm hora para acontecer e que a atividade jornalstica, por sua natureza, no pode
ser burocratizada. Um entrevistado chegou a dizer que a fixao em lei da jornada de cinco
horas serviu apenas para que os jornalistas tivessem de se submeter a dois empregos de salrio
baixo. Esse tipo de comentrio, entretanto, ouve-se apenas de quem tem cargo de chefia e que
responsvel, de alguma forma, por fazer cumprir a poltica da empresa. Em outras palavras,
reprteres reclamam da longa jornada e explicam que, mesmo tendo uma ou duas pautas por
dia, o trabalho se estende para alm das sete horas contratadas e registradas em carteira. Do
44
Revista Imprensa, Ano 18, n 195, out. 2004, p. 21-23.
45
Em entrevista autora em 12/11/2004.
281
contrrio, no dariam conta de todas as suas tarefas. Ocorre que, alm das matrias para entrar
na edio do dia, eles sempre tm atribuies para o dia seguinte, para a edio de domingo e
alguns casos, em aumento no volume de trabalho. Por conta dos prazos, cada vez mais
produzir mais que o nmero de linhas solicitados pelo editor para publicao numa
determinada pgina do jornal, ou a execuo das pautas que lhe foram atribudas no dia. Alm
de cumprir essas tarefas, poder ter de produzir contedos, a partir dessas pautas, para
veiculao nas outras mdias. Quando isso ocorre, implica apurar mais informaes, encontrar
novos ngulos para as matrias, fazer novas abordagens e pesquisar links disponveis sobre o
assunto. A quantidade de contedos a ser produzido, portanto, maior que aquela necessria
contedos, em razo da demanda de outra mdia da empresa, isso ocorre mediante negociao
prvia.
Essa realidade remete novamente questo do controle do trabalho pelo capital, como
observara Katz (1995) a propsito do ingresso da informtica nas fbricas no perodo por ele
fordistas compem um cenrio definido por Adghirni (2001) como de rotinas infernais. A
expresso refere-se compresso do tempo nos provedores on line de notcias, onde prevalece
a obsesso pelo tempo real46, mas pode ser transposto para a mdia impressa sem perda de
sentido. A idia de inferno adquire ainda maior gravidade quando se observa que a extenso
dos jornalistas no Rio Grande do Sul. O sindicato da categoria estima que haja 4500
poder das entidades representativas dos trabalhadores uma das caractersticas do ps-
fordismo, apontada por Harvey (2001), que se reflete diretamente na precarizao do mercado
empresa, cerca de 900 novos jornalistas saem dos 16 cursos universitrios existentes no
Isso faz com que a maioria dos bacharis em Comunicao, com habilitao em
46
Sistema de atualizao permanente das notcias na Internet, que acompanha o desenrolar do acontecimento.
283
Nos veculos da RBS esto cerca de 880 jornalistas; 400 na rede de jornais; 180 em Zero
ponto eletrnico para fiscalizar a assiduidade, nem qualquer sistema de avaliao ou controle
de participao nos resultados da empresa, vigorou por algum tempo e foi suspenso. O Plano
de Participao nos Resultados (PPR) permanece como poltica salarial, mas as metas
individuais e por equipe foram substitudas por metas qualitativas e setoriais. Para o conjunto
da equipe de Zero Hora ter direito ao PPR, o jornal tem de atingir determinadas metas, como
ndices de receita publicitria, de circulao e de satisfao dos clientes. Ressalte-se: para ter
de assunto interno da empresa. Apurou-se, contudo, que o menor salrio pago a um jornalista
contrato de um reprter de Zero Hora estipula jornada de trabalho de sete horas (as cinco
horas determinadas pela lei que regulamenta o exerccio da profisso e duas horas-extras, pr-
nem pelo acmulo de funes nem pela execuo de tarefas para outros veculos do grupo.
47
Conforme Jos Carlos Torves, presidente do Sindicato, em entrevista autora em 28/10/2004.
284
multimdia.
O diretor de redao explica que o jornalista que atua sistematicamente em jornal, rdio e
televiso, como os comentaristas, tm contratos especiais que prevem esse tipo de situao.
Se, em outra situao, um jornalista de Zero Hora, eventualmente, faz algum trabalho para
uma das emissoras de rdio ou tv da empresa, este ser interpretado como voluntrio, e no
veculo a que esto vinculados. No caso das reprteres de Zero Hora em misses na China,
ndia e Venezuela, o trabalho realizado para a rdio Gacha e para a RBS TV no foi pago.
fora de trabalho (Soares, 1985, p. 30), que se divide em duas formas: o salrio por tempo,
cujo montante depende do tempo trabalhado, e o salrio por pea, pago em funo da
jornada de trabalho no paga pelo capitalista, perodo durante o qual o trabalhador produz o
A frao de tempo de trabalho no pago pode ser dividida em mais-valia absoluta e mais-
valia relativa. Em Zero Hora, tem-se a caracterizao de extrao de mais-valia simples pelo
fato de haver uma relao em que o capital, representado pela empresa, compra a fora de
intensificao do ritmo de trabalho dos jornalistas produzir mais em igual ou menor tempo;
determinadas empresas a nveis superiores mdia social de seu respectivo ramo (Soares,
1985, p. 38). Situao semelhante fora observada por Moretzsohn (2002), quando pesquisou o
categoria. A concentrao de postos de trabalho nos veculos de uma nica grande empresa,
remunerao desde a dcada de 1980, quando foi institudo o piso, apesar da expanso e do
alegado xito obtido nos ltimos anos pelo conglomerado. Como no h concorrncia pelos
melhores profissionais, os salrios definem-se pelos nveis mais baixos. A remunerao paga
pela RBS superior mdia no Rio Grande do Sul48, mas inferior mdia de mercados como
Para melhor visualizar a evoluo do piso salarial dos jornalistas no Rio Grande do Sul,
anualmente para a categoria aos valores do salrio mnimo e aos ganhos ou perdas em relao
inflao apurada pelo INPC nos respectivos perodos. Optou-se pelo ndice de preos do
IBGE por ser o que mede a inflao entre os trabalhadores que percebem at 10 salrios
mnimos. Como se v a seguir, o piso salarial da categoria nunca atingiu esse teto. O perodo
analisado comea em maro de 1982, quando foi institudo, at o ltimo dissdio coletivo, em
Figura 4:
Quadro com a evoluo do Piso Salarial dos Jornalistas em Porto Alegre RS:
48
Segundo o diretor de Redao de Zero Hora, 50% superior, em entrevista autora em 12/11/2004.
287
Figura 5:
Como se pode observar, a evoluo do piso em Porto Alegre oscilou ao longo do perodo
entre Cr$ 68.000,01 (sessenta e oito mil cruzeiros e um centavo), ou 2,93 salrios mnimos em
maro de 1990, o mais baixo, e R$ 640,00 (seiscentos e quarenta reais), o equivalente 5,71
salrios mnimos, em junho de 1996, o mais alto. Ao se adotar outro critrio de comparao, a
inflao, chega-se a outro tipo de avaliao. Nesse caso, observa-se um ganho maior em
maro de 1987, quando houve repasse de 141,65% da inflao acumulada no perodo anterior,
o que caracteriza aumento real de salrio; e uma perda mais acentuada em junho de 1995,
Esse tipo de comparao precisa ser visto com reservas. Porque a prpria anlise da
evoluo do salrio mnimo difcil e complexa. Nem mesmo os economistas esto de acordo
quanto a melhor forma de faz-la. Como se alertou no captulo 5, nesse curto perodo houve
metodologias e at mesmo expurgos de inflao. Por essa razo, a tentativa de anlise deve
288
ser entendida nesta tese mais como um exerccio, que permite fazer alguma avaliao
comparativa dos valores em relao a outros dados econmicos. De qualquer forma, assim
como no perodo fordista, a situao salarial dos jornalistas gachos na ltima dcada do
classe mdia, classe social a que os jornalistas, do ponto de vista econmico, do consumo,
ainda no ascenderam.
queda nos salrios, que se acentua tambm em funo do aumento da carga tributria e da
elevao do preo das tarifas pblicas (gua, luz, telefone), impede o acesso da maioria dos
produzirem grande parte dos contedos das indstrias culturais, permanecem excludos do
consumo de bens culturais. Com a mdia salarial que auferem, no h como arcar com os
internet banda larga, cursos no exterior, etc. Tambm tm margem muito estreita para custos
49
Em 2003, chegaram a ultrapassar 13% da Populao Economicamente Ativa (Fonte: IBGE).
289
(2001) chama a ateno para algumas das implicaes da flexibilidade dominante: nveis
trabalho dos jornalistas. Apesar de no haver dados que permitam uma avaliao quantitativa,
respeita aos irrisrios ganhos de salrios. Resta-nos, por fim, concordar tambm com a
classes dominantes, que visa recomposio das bases da sua hegemonia. E que o conjunto
de mudanas com esse objetivo conduz as classes trabalhadoras a um duplo movimento: [...]
por um lado, brutal aumento nas taxas de desindicalizao [...]; por outro, redefinio das
sindicatos organizados por empresa, por exemplo) (Braga, 1995, p. 120). Segundo o autor,
50
A esse respeito, importante observar que, durante todo o ano de 2004, foi discutido, no mbito do chamado
Frum Nacional do Trabalho, um projeto de reforma sindical visando exatamente sua flexibilizao. Dentre as
propostas, estava o fim da unicidade sindical e a possibilidade da criao de sindicatos por empresa ou mais de
290
impor regime e contratos de trabalho flexveis, com o objetivo de satisfazer necessidades com
Tambm no costuma contratar free lancers, a no ser excepcionalmente, assim como no faz
empresa, nessa condio, e somente enquanto mantm vnculos com a universidade. Esse tipo
de contrato pode representar uma forma de precarizao do trabalho, porque, muitas vezes, os
ao trabalho. Reflete-se tambm no produto. A mercadoria que sai dessa linha de montagem
Enquanto produto de uma indstria que se estrutura em padres flexveis, como requer a
sucesso nesta primeira metade da dcada de 2000. Dados da RBS indicam que cresceu 5,2%
entre 2001 e 2002, enquanto a mdia dos dez maiores jornais do Pas teria cado 9,6% no
um sindicato por categoria. O projeto, do mximo interesse da classe patronal, encontrava-se no Ministrio do
Trabalho em dezembro de 2004.
291
mesmo perodo (ZH, 02/06/2004, p. 32). A Folha de So Paulo calcula que a circulao
diria de jornais caiu de 7,9 milhes de exemplares/dia para 7 milhes/dia, o que contribuiu
para o agravamento da dvida e da crise no setor, que chegou ao auge em 2002 (FSP,
15/02/2004)51.
Em janeiro de 2004, pela primeira vez desde a reabertura do Correio do Povo, em 1986,
Zero Hora voltou a liderar o mercado de circulao paga (assinantes e venda avulsa),
em todo o estado do Rio Grande do Sul, no oeste de Santa Catarina, em Florianpolis e nas
A recuperao do peridico gacho, depois da turbulncia do final dos anos 1990, foi de
tal forma dissonante em relao s demais mdias impressas do Pas (jornais e revistas) neste
incio de sculo que se tornou case no 57 Congresso Mundial de Jornais, realizado em junho
mgicas ou truques milagrosos, apenas uma seqncia lgica de estratgias para elevar a
qualidade editorial e uma relao muito prxima com o leitor (ZH, 02/06/2004, p. 32).
51
Conforme texto Mdia nacional acumula dvida, de Elvira Lobato, disponvel no site www.uol.com.br em
15/02/2004.
52
Em 1999, Zero Hora contratou o Ibope para verificar o seu ndice de leitura no interior do Estado. O resultado,
somado aos ndices obtidos na regio metropolitana, segundo o coordenador de anlise de mercado da empresa,
foi de seis a sete leitores por exemplar, mdia superior aos trs leitores por exemplar obtidos pelo Correio do
Povo no mesmo perodo. Desde ento, a pesquisa vem sendo realizada anualmente. Informao obtida atravs de
entrevista no dia 11 de novembro de 2004.
292
estruturao da empresa como uma indstria cultural, nos anos 1970. Trata-se, portanto, de
Brasil ao longo destas ltimas duas dcadas exatamente pela manuteno dessa poltica de
destacou o que considera os dez pontos chaves para o sucesso em circulao: 1) flexibilidade
valorizao da rentabilidade (no abrir mo da qualidade do produto ainda que isso signifique
aumento de custos)54.
Por tudo isso, a idia de sucesso faz sentido, pelo menos na concepo do mercado. Em
outubro de 2004, Zero Hora foi a vencedora da categoria Jornal de Assuntos Gerais em
concedido anualmente aos veculos que se destacam em suas respectivas reas. A escolha
53
Zero Hora oferece sete modalidades de assinatura: normal (de segunda a domingo), vip (de segunda a
domingo, com entrega no escritrio de segunda a sexta-feira e em casa, no final de semana), light (sem os
cadernos segmentados e sem classificados), comercial (de segunda a sexta-feira), terceiro dia (de sexta-feira a
domingo ou de sbado a segunda-feira) e final de semana (somente edies de sbado e domingo). Para cada
modalidade, h tambm cinco formas possveis de pagamento: carto de crdito, carn, anual, semestral,
trimestral e mensal, alm de formas de pagamento e preo especficos para funcionrios da RBS.
293
ocorreu por votao que envolveu 500 profissionais do setor. Os critrios considerados foram
criatividade e eficincia. Para vencer na categoria, os resultados obtidos atravs das aes
comerciais, de marketing e de circulao no ano de 2003 deveriam ser pelo menos iguais ao
desempenho financeiro obtido no ano anterior55. Alm disso, anualmente dezenas de prmios
As diferenas que o jornal das estruturas flexveis de hoje tem em relao ao jornal da
54
Explicao complementada pelo gerente de circulao de Zero Hora, Walter Bier, em entrevista autora no
dia 12/11/2004.
55
Na entrega do prmio, os promotores ressaltaram que um jornal pode ter bom contedo mas no obter sucesso
em vendas. Segundo eles, Zero Hora alia essas duas coisas - apresenta bom contedo, valorizado por aes
criativas de marketing que resultam no aumento de vendas (ZH, 26/10/2004, p. 26).
56
Em janeiro de 2004, o reprter Rodrigo Lopes recebeu o prmio Internacional de Jornalismo Rey da Espanha,
pela srie de reportagens Uma nova chance para a Argentina, que relatava como o povo daquele pas estava
tentando recuperar a auto-estima aps a crise econmica e caos social que culminou com a derrocada do governo
Fernando de la Rua, em 1999. A categoria vencida pelo jornalista - Prmio Ibero-Americano, a principal,
procura distinguir matrias jornalsticas em lngua portuguesa e espanhola que contribuam para o mtuo
conhecimento entre os povos de lngua latina. Em dezembro de 2004, dos 41 trabalhos destacados pelo 46
Prmio Ari de Jornalismo, 15 eram de Zero Hora: das oito categorias do jornalismo impresso, seis obtiveram o
primeiro lugar. No mesmo ms, a reprter Isabel Marchezan obteve o 5 lugar do Prmio Bovespa de Jornalismo
2004.
8 O JORNALISMO NO CONGLOMERADO MULTIMDIA
prevalece uma concepo de jornalismo. Portanto, medida que emerge um novo ciclo no
caracterizao.
jornalismo define-se pelo conceito de notcia, razo por que se retoma, brevemente, a
discusso iniciada no captulo 5 (item 5.4). A seguir, apresenta-se uma descrio do jornal
fordista no produto resultante dessa nova estrutura de produo e de trabalho, e, por fim,
sugere-se a hiptese de que uma nova concepo est a se delinear. A nova tendncia seria
jornalismo de que trata esta pesquisa o representado pela empresa capitalista: jornalismo
informativo, tomado como modelo do prprio conceito de jornalismo (Genro Filho, 1989, p.
23). No o jornalismo cvico, comunitrio, popular, sensacionalista, nem aquele que busca
com Marcondes Filho (1989, p.65) a compreenso de que na empresa capitalista que se
que, assim como o funcionamento econmico regido pelo laissez-faire, tambm a atividade
jornalstica reflete o jogo de foras presente na disputa poltica. Com isso quer dizer que, sob
da opinio na sociedade.
remontam ao sculo XVII e tributrio dos ideais iluministas da Revoluo Francesa. Integra
abordado por Habermas (2003), para quem a atividade passou a existir a partir do momento
Moretzsohn (2002) explica que, apesar das razes iluministas que fornecem os princpios
de expresso de idias. Valorizados eram os livros e brochuras (p. 42). Segundo a autora,
foi a precipitao dos acontecimentos de 1789 que deu imprensa, na Frana, o status obtido
Como negcio de empresa privada, voltado para o pblico em geral, para as massas, o
materiais e tcnicas para a produo em grande escala. Nas ltimas dcadas, j tomava forma
No Brasil, a imprensa jornalstica de carter empresarial tem suas razes no final do sculo
XIX, mas se consolida, como tal, no sculo XX. A associao entre jornalismo e notcia se faz
mais evidente a partir dos anos 1960, quando um movimento modernizador atinge a maioria
Mesmo que, particularmente dessa fase em diante, o jornalismo cada vez mais se
cidado. Esse princpio estaria presente, segundo Moretzsohn (2002), nos ideais de
objetividade e suposto poder de verdade contido nos fatos noticiados. Sobreviveria nos
manuais de redao, nas declaraes de princpios dos jornais, em alguns estudos acadmicos
Responsabilidade Social, fundada na idia de que o pblico tem o direito de saber, o que
[...] Acima das contradies da sociedade, sem interesses a defender, capaz de falar em
nome de todos [...]. So princpios desenvolvidos no contexto da sociedade americana,
mas cujo reconhecimento transcende essa particularidade, no s porque [...] vinculam-se
aos postulados bsicos do iluminismo, como porque foram adotados pela imprensa
ocidental em geral, e em torno deles que se procura formular uma teoria do jornalismo
(Moretzsohn, 2002, p. 56).
mbito desta pesquisa, que nos permitem conceber jornalismo como notcia.
expresso do jornalismo. Seu papel seria o de fazer um relato verdadeiro e dar a explicao
pertinente dos fatos de relevncia social. Para o autor, o jornalismo o elo que, nos
1994, p. 108).
do seu carter de mercadoria. Diz-se em favor dessa tese que, apesar da mercantilizao
preservar a neutralidade, ainda que aparente, a que fazem referncia Marcondes Filho (1989),
Barros Filho (1995) e Moretzsohn (2002). O jornal, mais que qualquer dos outros meios de
sua editorializao. Quando o leitor adquire o exemplar na banca ou contrata a assinatura, est
No est entre os objetivos desta tese a discusso conceitual de notcia, tema que por si
chamado tempo real no jornalismo online, Moretzsohn (2002) dedica boa parte de seu
ampliao do debate, a definio de Robert Darnton, que Moretzsohn (2002) considera das de
melhor sntese: toda notcia que couber, a gente publica. O historiador adota como conceito
durante breve perodo em que se experimentou como reprter do The Times. Ele acha que o
grafite queria dizer que os artigos s so publicados no jornal se tiver espao1, mas acredita
que tambm poderia estar expressando uma verdade mais profunda: que as matrias
299
Com isso, a autora conclui ser impossvel chegar-se a um conceito de notcia adotando
como habitus no mundo do trabalho, no campo profissional. Essas definies esto presentes
Outros manuais, assim como autores de obras direcionadas prtica, relacionam alguns
outros critrios, como impacto, exotismo, etc. De qualquer forma, trata-se de variaes que
podem muito bem ser sintetizadas nas cinco caractersticas da notcia formuladas por Erbolato
nos permitem relembrar que toda notcia informao, mas nem toda informao notcia, ou
que nem todo o fato social fato jornalstico, cabendo ao jornalista fazer, entre a
1
O grafite apenas reproduzia o lema do New York Times All the News Thatss Fit to Print.
2
Habitus, para Bourdieu (1990), so as estruturas mentais atravs das quais se apreende o mundo social, o
produto da interiorizao das estruturas do mundo social. Harvey (2001) faz referncia a esse conceito ao
discorrer sobre o processo de constituio dos regimes de acumulao e dos modos de regulamentao que lhes
so inerentes.
300
fluxo contnuo, uma parte que [] separada arbitrariamente do todo (Genro Filho, 1989, p.
188).
levantamento, conclui que a palavra interesse a que mais se repete nas definies do que
A atividade jornalstica deve ser avaliada e avalizada pelas razes do interesse pblico,
parmetro gerador dos critrios jornalsticos de valorao da informao. E quanto mais
vigorosos forem os atributos de relevncia social da informao, maior ser a dimenso
do interesse pblico atendido (Chaparro, 1994, p. 118).
fundamentalmente ao critrio do interesse pblico - que faz com que se atribua a essa
efetivamente relevantes. E esse o critrio que nos parece estar entrando em declnio.
A descrio do jornal Zero Hora que se faz a seguir, alm de procurar identificar
sucesso de Zero Hora, constou o seu contedo editorial. Na parte que lhe coube na exposio
observncia do que chamou de quatro pilares bsicos: a) o tratamento de assuntos que afetam
301
esforo de edio para apresentar ao leitor um jornal ao mesmo tempo profundo e fcil de ler;
e d) a interatividade com os leitores, representada por sees como Sobre ZH, da pgina 2, e a
Esses pilares sero retomados mais adiante, como critrios de noticiabilidade adotados
emergncia de uma nova tendncia na seleo dos contedos, menos relacionada notcia e
descrever e analisar as caractersticas gerais do produto que sai da linha de montagem flexvel
2004.
Apesar de coincidir com a ltima semana antes da realizao do segundo turno das
eleies municipais em Porto Alegre, a escolha do perodo foi aleatria. Acredita-se que o
carter atpico das coberturas eleitorais no compromete a anlise na medida em que esta no
excepcionalmente em razo do evento, mas se limita ao contedo geral manifesto nas edies,
Caderno principal
O jornal Zero Hora da fase ps-fordista mais flexvel e mais segmentado em relao ao
3
A observao das rotinas de produo e da organizao do trabalho jornalstico foi realizada entre os dias 16 e
20 de novembro de 2004.
302
segmentados, com circulao varivel. Alguns saem uma vez por semana, em dias fixos,
Quanto ao caderno principal, o tamanho de cada edio definido em funo dos fatores
sem reduzir espao editorial. Em notcias de grande envergadura, que exigem mais espao
que o habitual, o jornal acrescenta pginas, por vezes at cadernos extras [como no primeiro
venda avulsa; c) assegurar a independncia do veculo. Segundo ele, ZH tem uma robusta e
total obtida com anncios, o que reduziria o poder de presso de um determinado anunciante.
O diretor de redao acredita que veculos de comunicao com essa condio tm sade
financeira para rejeitar presses e garantir a seus pblicos um noticirio definido unicamente
preserva a sua credibilidade, amplia seu alcance, oferece mais e melhor retorno aos
leitores. [...]. Essa a frmula do contnuo sucesso de Zero Hora (Marcelo Rech,
24/10/2004, p. 3).
do jornal. Uma pgina diria, contudo, tem contedo distinto. Pelo Rio Grande/Metropol a
metropolitana de Porto Alegre; e Pelo Rio Grande, da mesma forma, matrias sobre eventos
informao sempre que for veiculado anncio restrito regio metropolitana. Nesse caso, os
exemplares da primeira edio, enviados para o interior, apresentam notcias na pgina onde,
Essa flexibilidade tambm pode ocorrer na primeira pgina, na contracapa, ou mesmo nas
notcia. No dia 1 de novembro de 2004, logo aps o segundo turno das eleies municipais,
circularam quatro capas com manchetes que procuravam valorizar os resultados por regio, da
maneira mais prxima possvel do leitor. A manchete da primeira edio, que circulou em
grande parte do interior do estado, foi PT perde em Porto Alegre, Pelotas e Caxias do Sul.
Na regio de Caxias do Sul, anunciava a eleio de Jos Ivo Sartori, do PMDB; na regio de
do PPS, em Porto Alegre, antecedida de uma linha de apoio ressaltando a derrota do PT,
partido que comandava as prefeituras nas trs cidades onde houve segundo turno. As
304
eleitorais nas trs maiores cidades do Rio Grande do Sul e o resultado em So Paulo.
Na edio do dia 11 de novembro de 2004, Zero Hora conseguiu incluir como manchete
madrugada daquele dia, em Paris. A notcia pde ser includa porque a editoria de Esportes
aguardava o resultado de um jogo que transcorria aps a meia-noite para fechar a terceira
edio, que circularia, em razo do horrio, apenas em algumas regies de Porto Alegre4.
Alm da morte de Arafat, a ltima edio acabou noticiando tambm os estragos provocados
Os exemplos nos permitem concluir que o jornal consegue conciliar reduo de tempo,
compresso de espao e atualidade jornalstica - uma proeza para mdia impressa, que tm
caractersticas de produo e difuso diferente das mdias eletrnicas, mais instantneas. Isso
possvel pela flexibilidade de sua linha de produo e pelo uso de tecnologias. Como
estratgia de marketing, sempre que consegue superar as dificuldades inerentes sua prpria
estrutura e publica alguma notcia de impacto ocorrida fora do seu tempo regular de produo,
seguinte5.
Compartilhamento de contedos
tempo o compartilhamento de contedos. Tido como uma das etapas mais importantes no
sendo praticado e incentivado entre todos os veculos e profissionais da RBS. Alm da pauta,
que depois de consolidada disponibilizada em rede para todas as redaes dos veculos da
4
Os jornalistas brincam que essa edio circula na Grande Azenha, bairro da capital onde fica a sede do jornal.
5
Como comprovam a nota do Informe Especial, na pgina 2 da edio de 12/11/2004, e a seo Cartas ao Leitor
da edio de 7/11/2004. Na segunda-feira posterior ao segundo turno das eleies, Zero Hora circulou com
305
organizao, grande parte dos contedos editoriais so comuns entre a rede de jornais, entre
alguns jornais, entre os jornais e as rdios, entre as rdios e as emissoras de tv, entre as rdios,
a tv, os jornais e o ClicRBS, entre cadernos, entre editorias, entre sees, etc. A flexibilidade
Apenas para exemplificar, os contedos das editorias de Polcia so comuns entre Zero
mesma em toda a rede de jornais; os resumos das novelas, o horscopo, o principal editorial e
alguns colunistas, idem. A lgica prevalecente : sempre que um contedo for do interesse
Com essa perspectiva, a empresa promoveu um concurso entre os jornalistas dos seus
veculos - do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Braslia - com o objetivo de incentivar e
evento realizado em Porto Alegre, em novembro de 2004, pelo menos duas valorizam
de cobertura amplificada entre jornal, tv, rdio e internet, em que uma mesma matria
quatro capas diferentes, com o objetivo de valorizar os resultados da maneira mais apropriada possvel para
leitores de distintas regies do Estado [...]. (ZH, 07/11/2004, p. 3).
6
As categorias da primeira edio do concurso foram: experincia multimdia, relao comunitria, edio de
jornal, edio de tv, edio de rdio, edio de Internet, gente comum, pauta criativa, inovao editorial,
experincia de vnculo entre online e veculo tradicional e interatividade com o pblico (ZH, 08/11/2004, p. 25).
306
(receptor), o que obedece a razes de natureza jornalstica. Mas representa, sobretudo, uma
produo.
acumulao e para o giro de bens fsicos [...], faz sentido que os capitalistas se voltem para o
Partindo do conceito de Leibniz, para quem tempo a ordem de sucesso das coisas, o
7
A RBS segue uma tendncia crescente na mdia jornalstica nacional, de remeter para o site eletrnico da
empresa o leitor ou telespectador que deseje ter mais informaes sobre um determinado assunto. Ex: saiba
mais sobre como enfrentar a crise dos 25 anos no site www.clicrbs.com.br.
307
esses acontecimentos.
que ocorre sempre que antecipa o deadline para atender s demandas dos anunciantes. A
manh de sbado, e impressa por volta do meio-dia, para circulao tarde. Esses horrios
dirio, significa que todo o fato jornalstico ocorrido a partir desse horrio no constar da
assujeitamento, apresentado por Taschner (1992), como uma das caractersticas do jornalismo
Cadernos segmentados
Talvez nada exemplifique melhor o carter flexvel do jornal Zero Hora que os cadernos
segmentados, voltados para nichos de mercado e de pblico. O diretor de redao8 explica que
podem ter uma nica edio ou uma srie definida de edies (Guia da Ps-Graduao, O
Poder da Soja). Para cada dia da semana, ou ms, h uma publicao, ou mais de uma, com
esse carter. Regra geral, abordam temas contemporneos e de interesse para leitores que
Empregos, Digital e Sobre Rodas esto vinculados editoria de Economia; Patrola, Meu
com aparncia jornalstica e finalidade comercial. Eureka, Meu Filho, Viagem, Casa&Cia,
ZH Digital, Vestibular e Sobre Rodas so exemplos disso. A breve descrio e anlise que se
faz desse tipo de publicao refere-se aos cadernos que circularam na semana entre 25 e 31 de
outubro de 2004. Para isso, seguiu-se a ordem em que foram publicados na semana.
etc., alm de explicaes sobre fenmenos de vrios outros campos das cincias.
309
superiores nessas reas. A vinculao do nome da universidade a uma publicao que trata do
No mesmo dia da semana circula o Meu Filho, com orientaes aos pais sobre cuidados
As matrias do caderno Viagem ressaltam aspectos tursticos dos mais diversos lugares,
cidade, no campo, na serra ou na praia casas, apartamentos, escritrios, reas de lazer, etc.
que o leitor envia as medidas e o desenho de sua sala de estar, por exemplo, e o arquiteto
sugere a composio do ambiente, garantindo bom gosto e ocupao racional dos espaos.
Assim como no caderno Viagem, o Casa&Cia tambm tem o ClassiCasa, pginas para
8
Em entrevista autora em 12/11/2004.
310
usurio convencional, que dizem respeito apenas a iniciados no campo das tecnologias da
vestibular, publica textos referentes s profisses que exigem formao superior, enfatiza as
formao. Esses assuntos so abordados das mais diferentes formas, incluindo-se entrevistas
preparar para o concurso, dando dicas que vo desde a alimentao at truques para conservar
na memria determinados conhecimentos. Entre outras coisas, o caderno publica uma seo
com exerccios de diferentes reas, para que o leitor/candidato teste seus conhecimentos. Na
cadernos atuam no mercado de alguma forma interessado nesse segmento de leitores. No caso
transporte de cargas) etc. A seo Indicadores traz a cotao nacional de modelos novos e
311
usados. No por acaso, no mesmo dia da semana circula tambm o caderno de classificados
Veculos.
matrias sobre meio-ambiente (controle de poluio, cuidados com a gua, com os rios e
mares, separao seletiva e reciclagem de lixo, preservao de parques, etc.), acaba sendo um
veculo que exerce dupla funo. Por um lado, simboliza a preocupao de Zero Hora com as
questes ambientais. Na medida em que o jornal cria um instrumento especfico para abordar
um tema de grande relevncia nos tempos atuais, refora sua imagem de empresa com
qualificado, pela editorializao, para divulgar suas campanhas e veicular seus anncios
institucionais.
culturas de exportao, como soja, trigo, arroz e milho, em lavouras mecanizadas e de alta
composio do Produto Interno Bruto do Rio Grande do Sul e do Brasil, alm de assegurar
sucessivos supervits na balana comercial nos ltimos anos. Uma expressiva indstria de
contedo editorial do caderno contempla esse segmento, com matrias sobre novas
sunos, aves), sobre doenas veterinrias, lavouras, cultivares, pragas, manejo, comrcio,
O agronegcio rea tratada com especial relevncia no s por Zero Hora - que, alm
do caderno de sexta-feira, tem uma seo diria sobre o assunto - mas pela organizao RBS,
que mantm na televiso a cabo o Canal Rural, na tv aberta o programa Campo&Lavoura (aos
trabalha ou tem origem no campo na rdio Rural (AM 1120). Todos esses espaos constituem
caderno Patrola, homnimo impresso do programa de televiso que vai ao ar nas tardes de
sbado pela RBS TV. O caderno voltado para o pblico jovem e urbano. Pelo tipo de temas
que aborda - msica, comportamento, sexo, lazer, entrevistas com celebridades, baladas,
shows etc. conclui-se que se dirige para jovens das classes A, B e alguns sub-estratos da
classe C, isto , para escolarizados, com bom nvel de informao e acesso ao consumo.
jornalismo como notcia. mais um caderno de receitas, que pode ser colecionado, recortado,
guardado.
Cabe ainda uma observao quanto ao Segundo Caderno das sextas-feiras. Com
circulao diria, um espao tradicional nos jornais brasileiros em geral, voltado para a
cultura. o lugar onde se encontram resenhas de livros, de filmes, crticas de obras de arte em
geral. Na edio de sexta-feira, h destaque para o roteiro cultural do final de semana. Nesse
dia, o Segundo Caderno recebe uma sobrecapa com a denominao Fim de Semana, cujo
313
contedo aborda basicamente shows, lanamentos nos cinemas, exposies, teatro, msica,
dana, eventos e tudo o mais que possa constituir uma programa cultural, na capital e no
interior. Como nos demais dias da semana, o Segundo Caderno traz ainda sees de
O caderno Vida, que circula aos sbados, trata de assuntos do interesse daqueles que
Compulsivo), sobre os cuidados com o corao, com os pulmes, com a presso arterial,
peso, esclarecem sobre as mais variados sintomas de doenas e do dicas e conselhos para um
modo de vida saudvel. Tambm publica uma coluna do mdico e escritor Moacyr Scliar, que
informaes histricas sobre as doenas, sobre a evoluo dos tratamentos, e orienta sobre
da sade, hospitais privados, centros privados de pesquisa, etc. Como os demais, mantm um
Tambm aos sbados publicado o caderno Cultura, dirigido ao pblico culto, no apenas
do Sul. , portanto, um caderno de pouco potencial publicitrio, mantido seguramente por seu
baixo custo de produo e para agradar o pblico formador de opinio (autores e leitores).
Por fim, aos domingos, alm do caderno principal e dos classificados, circulam o caderno
entrevistas com celebridades, colunas e matrias sobre comportamento, moda, beleza e vida
Verssimo, Moacyr Scliar, Clia Ribeiro e Martha Medeiros. Apresenta uma ou mais pginas
TV+Show, tambm uma revista, sobre televiso. Traz um resumo dos captulos da semana
das principais novelas, os filmes a serem veiculados na tv aberta durante a semana e matrias
sobre novas produes na Rede Globo, RBS TV ou no cinema, alm de entrevistas com
do final de semana, com indicao de ttulos, endereo, telefone, horrios e preo das salas, e
Caderno.
Como se observa dessa descrio, os cadernos publicados por Zero Hora ao longo da
menos pelo valor-notcia das informaes. Dito de outra forma, os valores-notcia desses
conjunto, mas pelo interesse dos pblicos a que se reportam. Dentre os que foram analisados,
Acredita-se que o critrio de lanamento ou suspenso desse tipo de caderno, que procura
de mercadoria, e a conseqente renncia a seu papel poltico na sociedade. Situao desse tipo
se configura quando uma informao se impe menos por seu interesse pblico, jornalstico, e
9
Castells (2000a, p. 34) define modo de desenvolvimento como os procedimentos mediante os quais os
trabalhadores atuam sobre a matria para gerar o produto [...], determinando o nvel e a qualidade do excedente.
316
Harvey, o modo de organizao da produo; para Castells, o elemento que incide com
Nesse sentido, os contedos de alguns dos cadernos segmentados de Zero Hora so menos
superficial sobre uma srie de quatro pginas encartada em novembro de 2004 - O Poder da
fatores que julga explicarem o sucesso de Zero Hora, do ponto de vista editorial. Esses fatores
so aqui tomados como critrios de seleo das notcias e de poltica editorial: assuntos que
afetam a vida do leitor, valorizao de diferentes pontos de vista (em matrias e colunas),
Para o autor, cada modo de desenvolvimento se define pelo elemento fundamental promoo da produtividade
no processo produtivo.
10
Castells (2000a), autor de filiao terica weberiana, classifica os modos de produo em capitalismo e
estatismo; e os modos de desenvolvimento, em agrrio, industrial e informacional.
317
outros, apresentados pelo mesmo jornalista em palestra para um grupo de editores e contatos
tambm o diretor editorial da rede de jornais da RBS, relacionou uma espcie de dez
mandamentos a serem observados por quem deseje sucesso no ramo: 1) seja regional; 2)
seja bairrista; 3) evite excesso de opinio; 4) selecione bem os temas; 5) faa textos curtos; 6)
independncia; 9) atenda bem o leitor; 10) seja jovem (Revista Imprensa, n 195, p. 60-61).
anlise do produto jornal (item 8.2) e pelos dados captados durante o perodo de observao
na redao do jornal, parecem nos fornecer elementos suficientes para justificar a hiptese
aqui levantada. Alguns desses fatores tm carter jornalstico, como a valorizao de todos os
Para iniciar, tome-se duas recomendaes: ser regional e bairrista. Para justific-las, o
jornalista argumenta que no adianta copiar os grandes jornais as pautas devem ser
procure abord-lo sob a perspectiva local (Rech apud Revista Imprensa, n 195, p. 60).
longe de sua regio e no houve nenhum sobrevivente, a primeira pergunta que deve ser feita
: quantos habitantes de sua cidade estavam a bordo? Nenhum? Ento a histria deve se
resumir a uma nota. Caso contrrio, o assunto passa a ser manchete (idem).
Do primeiro caso, -se levado a inferir que um jornal que prioriza sobretudo o fato
jornalstico regional, e o ponto de vista local sobre o mundo, dificilmente conseguir atingir
do jornal valesse mais que a do cidado de outra regio, reproduzindo em parte a lgica dos
de mdia do Village Voice e registrados por Moretzsohn (2002). Dentre eles, o crtico lembra
que um editor no deve esquecer que h extensas partes do mundo nas quais as pessoas no
[] A morte de um americano famoso pode sempre ser registrada, ainda que tenha
ocorrido nas circunstncias menos relevantes. Se o americano for um ilustre
desconhecido, preciso que morram pelo menos dois ou trs []. No caso dos negros
[americanos], o nmero tem de ser maior. Depois temos os europeus do sul (italianos,
espanhis, portugueses, gregos). Conte uns 30 deles para cada americano. Depois, os
turcos, persas e latino-americanos. Conte uns 100 desses para cada americano []. Nessa
altura j chegamos a um limite em nmeros e passamos categoria seguinte a das
hordas incalculveis. So os indianos, africanos e chineses. Em relao a eles, j no se
concebe qualquer nmero. As pessoas somente comeam a se interessar se falarmos em
50 mil e 100 mil mortos. Especialistas calculam que somente uns 50 mil indianos seriam
capazes de igualar, em termos de notcia, ao total de 10 americanos (Alexander Cockburn
apud Moretzsohn, 2002, p. 66).
Com esta citao, no se est a afirmar que Zero Hora, ao priorizar o regional e o local,
esteja a enveredar pelo absurdo acima descrito. Apenas que tende a reproduzir lgica
semelhante.
Tomemos agora mais dois mandamentos: evitar o excesso de opinio e os textos longos.
estes devem ser preferencialmente de autores locais. Se tiver que escolher entre um colunista
da terra, ou uma estrela nacional, fique com o primeiro (Rech apud Revista Imprensa, n
195, p. 60). Dos cerca de 55 autores de textos opinativos publicados regularmente em Zero
Hora (entre colunas, comentrios, artigos, crnicas etc.), apenas dois no so gachos o
recomendao de se evitar o excesso de opinio, assim como os textos longos, que devem ser
319
assinaturas, na flexibilidade dos cadernos, nas vrias formas de entrega do produto, no tipo de
treinamento oferecido aos jornalistas e aos funcionrios dos servios de apoio, no projeto
pela Revista Imprensa, a que aconselha atender bem o leitor das mais representativas
atender bem o leitor. Em Zero Hora, como se observou no captulo anterior, o item faz parte
dos programas de treinamento dirigidos a jornalistas. Tal sua importncia que uma editoria
foi criada especificamente para atender as demandas dos leitores. A editoria tambm
no congresso da WAN.
Leitor, publicado o resumo da reunio mais recente dos conselheiros, com elogios, crticas
representam vrios tipos de pblico e se renem mensalmente com os editores. Exercem papel
o jornal em nome do leitor, este quem faz a anlise em nome de todos os leitores para o
320
comenta o jornal segundo os parmetros do senso comum gosto disso, no gosto daquilo -
jornalstica na sociedade11.
A seo O Rio Grande Pergunta contm sempre uma curiosidade, das mais prosaicas -
Na mesma pgina, Sobre ZH traz sempre um elogio ou uma crtica de leitor no integrante
do Conselho sobre o tratamento dado pelo jornal ou por algum dos seus colunistas a
determinado assunto.
Leitor, publicada aos domingos, no dia 24 de outubro de 2004, o diretor de redao responde
a leitores que reclamam da quantidade de anncios nas pginas do jornal. Eles querem saber
Alm dessas sees, a publicao dos nomes, dos telefones e dos endereos eletrnicos
dos editores, assim como dos e-mails dos autores das matrias no final de cada texto,
publicados. Quando o assinante liga para o Call Center para solicitar algum servio, os
atendentes esto orientados a perguntar se a edio do dia j foi lida e qual o assunto que mais
Atendimento ao Leitor com a redao, ao relacionar as estratgias adotadas pelo setor (item
7.2.3).
11
Os conselheiros so escolhidos entre profissionais liberais, estudantes, professores, autnomos etc.
321
mercadolgicas, que estimulam o permanente contato do leitor com o veculo e vice versa. Na
verdade, essas sees e servios so apenas algumas das 55 formas12 empregadas pelo jornal
Essa mistura de poltica editorial com estratgias de marketing pode ser desejvel do
publicizao e ao debate dos temas de interesse pblico, transforma-se numa atividade com a
A citao abaixo auxilia-nos na defesa da hiptese de que esse tipo de jornalismo determina o
servio.
Servir ao pblico passa a ser uma atividade pautada por mximas de supermercado
segundo as quais preciso servir bem para servir sempre, pois o cliente tem sempre
razo. Como mercadoria, a notcia deve ser oferecida de acordo com o gosto do
fregus. E, evidentemente, a qualidade do produto passa a ser medida exclusivamente
por esse padro mercadolgico: um jornal bom simplesmente porque vende ou tm
audincia (Moretzsohn, 2002, p. 171).
O que faz um grande jornal no s o que exprime de tiragem e receita publicitria, mas
principalmente a sua opinio. na linha editorial que repousam os sinais de
credibilidade, confiana, identidade, firmeza, coerncia, etc. (p. 242-242).
Optando pelo caminho descrito acima, Zero Hora circunscreve-se tendncia que vemos
emergir e se afasta do padro de referncia que se identifica numa publicao como O Estado
12
O levantamento da editora-chefe Marta Gleich.
322
Marques de Melo (2003) aponta o tradicional peridico paulista como o principal jornal de
no apenas pelo reconhecimento que lhe tributam as elites dirigentes [...] ou as lideranas da
sociedade civil, mas sobretudo pela funo de agendamento informativo que exerce no
interior do sistema miditico (Marques de Melo, 2003, p. 195). Segundo o autor, o carter de
referncia restringe-se ao segmento de jornais dirios que atuam como fontes de alimentao
dos acontecimentos que sero repercutidos nas outras mdias. Alm de O Estado de So
Paulo, o autor classifica como de referncia os jornais Folha de So Paulo, O Globo e Jornal
do Brasil.
A partir de outro critrio, Berger (1998) trabalha com outro tipo de classificao. A autora
Paulo como nova imprensa ou imprensa de vanguarda. Aos de referncia, atribui o papel
(internacionais) aos domingos para interpretar e refletir questes complexas do mundo atual
Quanto Zero Hora, a pesquisadora no a enquadra nem como jornal de referncia nem
prevaleceria uma outra lgica no ordenamento dos jornais. Classifica-a como jornal de
referncia dominante, uma vez que o carter de referncia determinado pelo critrio prestgio
seria, por tradio, do Correio do Povo. jornal de referncia dominante por pertencer ao
323
grupo RBS, que possui o canal de televiso afiliado Rede Globo e, assim, detm um dos
Um jornal que tenha como objetivo manter-se de rabo preso com o leitor13, em vez de
questo. Trata-se da implantao de uma poltica de evitar conflito, que representa a renncia
quando no h conflito no jornalismo, um alarme deve soar, adverte-nos Bucci (2000, p. 11).
Dessa forma, a nova tendncia, representada neste estudo por Zero Hora, pode estar a
interpretao do jornalista expresso na unidade notcia, aqui tomada no sentido genrico, que
qual o jornalista age como rbitro [...]. o que interpreta e seleciona os acontecimentos [...]
O jornal em que a recomendao para atender bem o leitor, para fazer um noticirio local
notcias sobre a vida da comunidade: quem nasceu?, quem morreu?, o primeiro dia de
aula da menina que tirou o aparelho dos dentes, etc. -, que recomenda investir no jovem
porque, mesmo que ele no compre jornal hoje, amanh ser consumidor, cmplice e co-
acadmica em que a autora conclui pela desvinculao das revistas semanais de informao
dos fatos marcantes da semana. A pesquisa foi realizada para uma tese de doutorado em que
demonstrado o recuo dos temas polticos e econmicos nas publicaes do gnero em favor
dos faits divers (sade, moda, celebridades, escndalo, esquisitices, etc.). Ao responder se est
argumenta que matrias sobre poltica no incrementam vendas, ao contrrio das sobre
encomendadas aos institutos especializados, como pelo instinto. [...]. Conversando com as
pessoas e sentindo sua reao (Alvarenga apud revista Imprensa, n 195, p. 12). O ttulo da
tese da professora Maria Alice Carnevalli sugestivo: Indispensvel o leitor o novo papel
circulao e, com isso, as receitas publicitrias, de natureza tica. Tanto Tales Alvarenga
quanto Marcelo Rech so jornalistas e responsveis por dar a linha editorial a veculos
recorrer novamente a Bucci (2000, p. 24): O jornalista no age para obter resultados que no
sejam o de bem informar o pblico. Em razo disso, ele no tem autorizao tica para
embora nem toda informao tenha atributos jornalsticos, como entretenimento e prestao
13
Referncia a slogan utilizado por algum tempo nas campanhas publicitrias da Folha de So Paulo.
325
de contedos15.
crescente oligopolizao, processo que se manifesta fortemente no Brasil, pode significar uma
ameaa aos prprios princpios da democracia liberal. medida que privilegie os faits divers
apenas o ponto de vista das grandes corporaes e dos segmentos hegemnicos ou mais
organizados.
14
Tales Alvarenga foi diretor de redao de Veja entre 1998 e 2004. Atualmente, diretor editorial do grupo
Veja/Exame da Editora Abril.
15
Coincidentemente essa a expresso utilizada pela editora Marta Gleich para definir o perfil do jornalista
multimdia perseguido pela RBS.
CONSIDERAES FINAIS
jornalismo num quadro amplo, panormico, que teve como ponto de partida as
ltimas dcadas do sculo XX. Tomaram-se como fatores de delineamento desse quadro a
comunicao.
notcias na mdia impressa. Da mesma forma, procurou-se estabelecer uma relao entre as
estruturas.
327
resultados obtidos.
hegemnicos, o que contribui para mant-las em posio subalterna, de segunda linha. Essa
sociedade da Editora Abril com a Capital Internacional, Inc., associao da holding Folha-
UOL a Portugal Telecom e venda do controle da Sky para o grupo de Rupert Murdoch.
AOL, Time Warner, Disney, Sony, Viacom, Vivendi, Bertelsmann e a prpria NewsCorp.
328
funes jornalsticas.
jornais, entre editorias, entre cadernos, entre sees. Em ambos os casos, o objetivo final
funes jornalsticas, que tende a ser cada vez mais tnue ou inexistente.
O jornalista das redaes ps-fordistas tem perfil diferente daquele requerido pelas
empresas poca da consolidao das indstrias culturais. Alm de dominar todas as etapas
de produo jornalstica, deve ter qualificao para atuar em todas as mdias. O tipo de
contribui para essa mudana. De intrprete da realidade social, mediador, o jornalista vai se
origem no processo de constituio das indstrias culturais, quando os jornalistas adotam uma
quando eram politicamente engajados e consideravam ter uma misso a cumprir na sociedade.
tempo, funo que lhe exige domnio da tcnica para a obteno de informaes.
Testemunha da histria foi expresso escolhida pelo diretor de redao de Zero Hora para
na categoria de expert utilizada por Abreu (1998), a partir de Bobbio1, para descrever os
culturais.
No Rio Grande do Sul, apenas o jornal Zero Hora, do grupo RBS, tem demonstrado, ao
propostas pelo mercado. A posio de referncia dominante, adquirida no incio dos anos
1980 e preservada nos dias atuais, deve-se exatamente adoo de postura empresarial
jornalsticos e mais empresariais2, Zero Hora tem se mantido em posio hegemnica3 graas
padro multimdia neste incio de sculo. Essa posio facilitada pela condio de principal
1
A partir de Max Weber, Bobbio (1997) classifica os intelectuais em idelogos e expertos. Os idelogos seriam
os que elaboram princpios determinados pela crena em valores, acolhidos como guias da ao, e os expertos,
os portadores dos conhecimentos adequados execuo de determinado fim.
2
Ao que se soma o fracasso da Empresa Jornalstica Caldas Jnior, sua principal concorrente.
330
culturais, no Brasil e no Rio Grande do Sul, faz-se uma sntese do que seriam elementos de
destinado a gerar lucro s empresas que o exploram como negcio. Como mercadoria,
mesma lgica.
Para acelerar o tempo de giro do capital transnacional, a palavra de ordem passa a ser
ocorre na fase de consolidao das indstrias culturais, nos anos 1960 e 1970, num contexto
fechamento poltico promovido pela ditadura militar. No estado do Rio Grande do Sul,
configura-se mais claramente entre as dcadas de 1970 e 1980, com a ascenso do grupo
3
Mesmo que, em alguns perodos, essa hegemonia no se reflita nos ndices de circulao.
331
RBS. Antes disso, os jornais ou eram fortemente vinculados a faces polticas, ainda que
Os anos 1990 e os primeiros da dcada 2000 so marcados por uma nova onda de
capitalismo avanado quanto nos pases da periferia do sistema, como o Brasil. A mesma
comunicao da etapa monoplica tinham atuao restrita aos Estados nacionais, a exemplo
das organizaes Globo, Abril, O Estado de So Paulo e Folha da Manh, sob o capitalismo
padres multimdia uma delas. Tpica da fase globalista, trata-se da integrao de rdio,
jornal feito em escala, dirigido ao pblico em geral, cede lugar produo de escopo: criam-
Zero Hora, a produo para nichos de mercado (de leitores e de anunciantes) pode ser
reunio de assuntos por editoria (poltica, opinio, geral, esportes, economia, etc.) configura
concepo de jornalismo.
respondia por uma tarefa, na qual era especialista (reprter, redator, diagramador, fotgrafo,
editor, pauteiro, etc.), com separao entre planejamento e execuo, requer agora um
4
Utiliza-se a expresso pela fora de representao do ambiente de produo jornalstica, mas no se deixa de
considerar que o produto jornal um bem cultural, com especificidades em relao s mercadorias em geral.
333
jornalista tem de conceber a pauta, apurar a informao, redigir o texto e, se necessrio, editar
tcnicas dos outros meios. Complementarmente, em ambos os casos, tem de saber avaliar e
trabalho (em casa, no campo de futebol, no local da reunio poltica), assim como plantes em
horrios diversos e rodzios por editorias e sees. Da mesma forma, folgas semanais e frias
alm do limite estabelecido em lei, sem repercusso salarial, o que representa uma mudana
pelos sindicatos ou pelos rgos governamentais competentes. Tanto sindicatos quanto Estado
ndices de produtividade.
Concepo de jornalismo
Zero Hora, das entrevistas com os jornalistas da empresa e dos critrios apresentados por seu
diretor de redao como fatores que estruturam a linha editorial da rede de jornais da RBS.
Trata-se de uma concepo que sugere uma excessiva subordinao dos jornais ao mercado.
revista de entretenimento. Assim, parece-nos que renuncia a uma das atribuies histricas da
atingem diretamente os altos escales das esferas de poder Unio, estado, municpio e
grandes empresas. Uma reportagem sobre fraudes num programa federal atinge o fraudador
supostamente prevaricou.
participao da imprensa.
entretanto, aquela extensa lista de questes a serem retomadas. Nesta tese, o tema comparece
335
passear no parque pela manh, disse uma entrevistada, como a naturalizar a jornada de 10 ou
horrio de trabalho, mas se sair daqui mais cedo, a gente no consegue fazer tudo que
Da mesma forma, o perfil dos jornalistas que esto nas redaes dos conglomerados
multimdia requer redefinio. Desta pesquisa, resta a intuio de que se opera uma mudana
nos a supor uma mudana. Pesquisas realizadas em outros contextos esto a indic-las, mas
Parece-nos estar se tornando senso comum a idia de que jornal e informao jornalstica
procurando agradar ao cliente, sem que haja reflexo sobre isso, prevalece a lgica do
capital - acelerar a produo de lucros. Sugere-se que a pergunta qual o papel do jornalismo
grupos de mdia so empresas transnacionais, formadas com capital financeiro das mais
como a mdia jornalstica abordaria, por exemplo, a quebra das patentes da indstria
farmacutica para implementar polticas pblicas de sade em pases pobres? Como a revista
Veja, da Editora Abril, associada a Capital International, Inc., abordaria essa matria?
Por fim, resta-nos insistir que esta pesquisa investiu num determinado recorte do objeto
de estudo, e que sobre ele procurou analisar aquilo que a economia poltica crtica da
anlise de recepo, que nos permitisse analisar se os leitores de Zero Hora, apesar do esforo
da empresa em agrad-los, esto de fato satisfeitos com o jornal que lhes oferecido, ou se o
lem apenas por falta de opo. Esta outra questo em aberto. A investigao que se conclui
Da trajetria que se conclui, resta dizer que o monopolismo que assegura a liderana e o
pode ser comprovado medindo-se os ndices de leitura e de circulao do jornal. Mas tambm
atualidade e como instrumento de fiscalizao do poder. Isso no tem como ser medido pelos
critrios do mercado.
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