LEITAO JulianaAndrade FOTOJORNALISMO DISRUPTIVO
LEITAO JulianaAndrade FOTOJORNALISMO DISRUPTIVO
LEITAO JulianaAndrade FOTOJORNALISMO DISRUPTIVO
PRESS PHOTO
RECIFE
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO
PRESS PHOTO
RECIFE
2016
Catalogação na fonte
Inclui referências.
1. Comunicação. 2. Fotojornalismo. 3. Imagens como recursos de
informação. 4. Prêmios. 5. Fotografias. I. Pereira Júnior, Alfredo Eurico Vizeu
(Orientador). II. Título.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof. Dr. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Júnior
Universidade Federal de Pernambuco
_______________________________________
Prof. Dr. Heitor Costa Lima da Rocha
Universidade Federal de Pernambuco
_______________________________________
Prof.Dr. Rodrigo Octávio D’Azevedo Carreiro
Universidade Federal de Pernambuco
_______________________________________
Prof. Dr. Moacir Tavares Rodrigues do Anjos Júnior
Fundação Joaquim Nabuco, FUNDAJ
_______________________________________
Prof.Dr. Maria Salett Tauk Santos
Universidade Federal Rural de Pernambuco
AGRADECIMENTOS
Primeiramente quero agradecer aos meus pais, a quem mais devo o incentivo de seguir a
vida acadêmica, com seu incondicional apoio. Quero agradecer ao meu orientador Alfredo Vizeu
por ter aceito este projeto. Agradeço ao supervisor do doutorado sanduíche, José María Perceval,
por tantas orientações e debates imprescindíveis ao resultado deste trabalho. Quero agradecer aos
meus professores de escola, graduação e pós-graduação e aos funcionários que fazem o
Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.
RESUMO
Esta pesquisa se propõe a analisar qual olhar sobre o outro, sobre o mundo e sobre os
acontecimentos tem sido premiado no fotojornalismo e quais rupturas são observáveis dentro das
disputas éticas, estéticas, políticas e ideológicas nesse campo da fotografia/comunicação. A
partir de um aprofundamento teórico e de uma observação empírica foi empreendido um
processo que teve como meta traçar um panorama do que tem sido premiado em moldes pré-
formatados; analisar imagens que causam desconforto, quando são escolhidas, porque não se
relacionam com outras imagens já existentes; diagnosticar a potência que o fotojornalismo possui
como linguagem visual de impacto que chega a tantos lugares no mundo e atinge pessoas de
diferentes classes sociais, faixa etária etc.; diagnosticar e problematizar quais as rupturas dentro
dos regimes éticos, estéticos, representativos da imagem que age dentro do jornalismo,
possibilitando assim observar os espaços de disputa ideológica desse campo da comunicação e
analisar a representação visual da realidade contemporânea a partir das imagens legitimadas
pelos prêmios internacionais de fotojornalismo. Para tal, o corpus escolhido é o maior prêmio de
fotojornalismo existente hoje no mundo, o World Press Photo. Para poder fazer uma separação
que fosse viável e não deixasse de fora nenhuma área de conflito e disputa dentro da fotografia
jornalística este trabalho se apropria do que propõe Rancière de regimes de imagem, os três
grandes regimes permitiram entender que as categorias semânticas fazem mais sentido quando
inseridas dentro do regime imagético a qual pertencem. A tese está dividida a partir da proposta
do Regime Ético das Imagens, O Regime Poético ou Representativo das Artes e o Regime
Estético. A partir disso, a tese propõe uma hipótese central a do fotojornalismo disruptivo
pretendemos responder como poderia o fotojornalismo atual ser disruptivo, para tal utiliza-se os
debates da teoria do jornalismo, os debates da fotografia, as questões da alteridade, das
Representações e os debates sobre contemporaneidade e ruptura estética.
This research intends to analyze which kind of look and perception towards others, the world and
its events has been awarded with prizes in photojournalism and which ruptures are perceptible
within the ethical, aesthetical, political and ideological disputes in this field of photography and
communication studies. From a deep theoretical framework and empirical observation, this
research applied a process to properly trace a landscape of what sort of images have achieved
awards; to analyze images that result in discomfort when chosen due to the absence of any
relation to previously selected photos; to diagnose the strength of photojournalism as a visual
language of impact that reaches so many places in the world and affects people from different
social classes and ages; to diagnose and problematize which ruptures on the ethical and
aesthetical imagery work within Journalism, making it possible to observe spaces of ideology
dispute in this field of study in Communication and analyze the visual representation of the
contemporary reality from legitimized images of international awards in photojournalism. For
such task, the set of chosen data (corpus) is the biggest photojournalism award in the world, the
World Press Photo. In order to properly chose a viable selection and avoid leaving aside any
conflict or dispute within the journalistic photography, this research embraces Rancière's
proposal of image regimes. The three great regimes allow us to understand which semantic
categories make more sense when viewed from the image regimes from where they belong. This
thesis is divided from the proposal of the Ethical Regime of Images, the Poetic Regime (or Arts
Representative Regime) and the Aesthetical Regime. From this point forward, the research
proposes a central hypothesis, the disruptive photojournalism, pretending to answer how the
current photojournalism could be disruptive. For such, debates from the Journalism Theories,
Photography debates and otherness questions are covered, including questions of representation
and debates about contemporary issues and aesthetical rupture.
Foto 12 - WPP2010..................................................................................................................................... 56
Foto 13 - WPP2011..................................................................................................................................... 59
Foto 16 - WPP2014..................................................................................................................................... 73
Foto 91 - Arte de Greg sobre foto de Alcione Ferreira / DP / D.A Press................................................. 155
Foto 95 - Exposição do World Press Photo no Visa pour l’Imge ............................................................ 159
Foto 100 - Printscreen do blog de fotografia Lens do New York Times debatendo a imagem de 2009 . 162
Foto 101 - Prints World Press Photo – 370 euros ..................................................................................... 165
Foto 106 - Sophie Calle, The Hotel, Room 47 1981, © DACS, 2004 ..................................................... 167
Foto 109 - Jeff Wall, After “Invisible Man” by Ralph Ellison, the Preface, 1999-2001 .......................... 169
Foto 111 - Gregory Crewdson. Untitled (from the Twilight series), 1999. .............................................. 170
Foto 113 - Joel Sternfeld -A Young Man Gathering Shopping Carts, Huntington, NY, July 1993 ....... 172
Foto 114 - The Red Bench, Onomichi, 2005 © Wim Wenders ............................................................... 173
Foto 115 - Nan one month after being battered-1984 .............................................................................. 174
Figura 116 - Sophie Ristelhueber photographs at the Jeu de Paume ....................................................... 175
Foto 118 - Ganhador World Press Photo 2014, Fred Ramos .................................................................... 179
Foto 119 - Ganhador World Press Photo 2014, Fred Ramos .................................................................... 179
Foto 120 - Ganhador World Press Photo 2014, Fred Ramos ................................................................... 179
Foto 127 - Retrato – Joost Van Den Broek , WPP2011 ........................................................................... 182
Ao refletir sobre a História da Fotografia a partir da trajetória seguida por autores como
Mª Eliza Linhares Borges (2003), Gisèle Freund (1995), Boris Kossoy (2003), Susan Sontag
(2004), Jorge Pedro Sousa (1998) constata-se a existência de maneiras diversas de construir esse
conhecimento histórico. Alguns pesquisadores focaram seus estudos nas invenções e seus
inventores, ou seja, a descoberta no campo da química e da física, as modificações mecânicas da
câmara escura à fotografia digital. Grandes mudanças se deram na forma de captar, na produção
da imagem, no tempo de pose e no tempo de distribuição dessa informação imagética. Outros
pesquisadores direcionaram seus estudos na catalogação dos/as fotógrafos/as, formas de
linguagens e narrativas múltiplas. Esta tese reflete sobre esse conhecimento coletado e disponível
e propõe um recorte específico: observar no presente como está sendo construída a história da
atualidade e da própria fotografia dentro do universo do fotojornalismo, mais especificamente,
dentro do universo da premiação.
Os prêmios são um reflexo do que se pensa dentro desse campo da fotografia. Apesar de
nem todos os fotojornalistas participarem das premiações ou se espelharem nelas, é inegável o
impacto desse galardão dentro da categoria. Os resultados são baseados em entrevistas a alguns
fotógrafos ganhadores de prêmios e na constatação de que mesmo quando os/as próprios/as
fotógrafos/as não se dispõem a concorrer, as agências e os jornais ou revistas o fazem por eles/as.
O reconhecimento eles produz um impacto mundial na construção de uma carreira dentro desse
mercado e a legitimação de um veículo de comunicação. Dada a quantidade de premiações, esta
pesquisa possui, como recorte metodológico, o corpus do prêmio é World Press Photo 2015.
Que olhar sobre o outro, sobre o mundo e sobre os acontecimentos tem sido premiado?
Existem fotografias premiáveis, feitas dentro de um parâmetro que a faz ter todas as
condições de ganhar um prêmio?
Depois de diagnosticar que existe um formato que normalmente recebe galardões, a pesquisa
avança no diagnóstico de imagens que não estão nos moldes pré-formatados e mesmo assim
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A partir dessas problematizações, este trabalho possui o seguinte objetivo: analisar que
olhar sobre o outro, sobre o mundo e sobre os acontecimentos que tem sido premiado no
fotojornalismo e que rupturas são observáveis dentro das disputas éticas, estéticas, políticas e
ideológicas nesse campo da fotografia/comunicação.
Os objetivos específicos são os seguintes: traçar um panorama do que tem sido premiado
em moldes pré-formatados; analisar quais imagens causam desconfortos quando são premiadas,
porque não se relacionam com outras imagens já existentes; diagnosticar a potência que o
fotojornalismo possui como linguagem visual de impacto que chega a tantos lugares no mundo e
atinge pessoas de diferentes classes sociais, faixa etária etc.; diagnosticar e problematizar quais as
rupturas dentro dos regimes éticos, estéticos, representativos da imagem que age dentro do
jornalismo, possibilitando assim observar os espaços de disputa ideológica desse campo da
comunicação; Analisar a representação visual da realidade contemporânea a partir das imagens
legitimadas pelos prêmios internacionais de fotojornalismo.
corpus de observação é o World Press Photo de 2010 a 2015. O corpus de análise completa e
aprofundada e com a interseção das categorias é o que foi premiado pelo World Press Photo em
2015.
O trabalho compara e adiciona dados de outros prêmios, tais como o Prêmio Pulitzer e
Robert Capa Gold Medal, assim como outras edições do World Press Photo.
Quando uma fotografia é premiada, significa que ela foi capa de uma grande quantidade
de jornais no mundo todo e foi amplamente divulgada em sites de notícias e de fotografia, se não
foi esse o caso, o prêmio realizará esta divulgação. Ao selecionar as imagens que ganharam os
grandes prêmios de fotojornalismo é possível perceber que a maioria delas são muito conhecidas,
elas fazem parte de uma memória coletiva compartilhada socialmente e são constantemente
revisitadas pela mídia.
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Este autor constata também que uma parte significativa dos trabalhos não é desenvolvida
nos departamentos de comunicação, mas nos de estudos históricos (PICADO, 2011, p.158). “O
estudo dos vários aspectos que caracterizariam a dimensão comunicacional, discursiva,
institucional e mesmo profissional da atividade jornalística não tem consistido em assunto
privilegiado da pesquisa e dos estudos sobre a comunicação” (PICADO, 2011, p.157,158).
Essa questão foi constatada por Lorenzo Vilches há tempos em seu livro sobre o
fotojornalismo:
Al mismo tiempo que cobra mayor importancia dentro del llamado mundo de la
comunicación el fotoperiodismo como una actividad artística e informativa, de crónica
social y memoria histórica […] no se corresponde con el interés de los estudiosos de la
comunicación […] En la revista Journalism Quartely se denuncia hace un par de años
que el porcentaje de atención de loscomunicólogos americanos (que son quienes sin duda
más recursos materiales y humanos dedican a los estudios sobre la comunicación de
masas en el mundo) a la dimensión visual de la información era escasísima, indicando ‘la
inactividad de los educadores e investigadores de la comunicación hacia esa área
especial constituida por la comunicación fotográfica) (VILCHES, 1993, p.13,14)
A reflexão sobre as imagens premiadas pelo World Press Photo trouxe a constatação da
existencia de uma disputa dentro de um processo conflituoso sobre a definição do campo de
23
Mapas de Significação
No texto A produção social das notícias: o mugging nos media de Stuart Hall, Chas
Chritcher, Tony Jefferson, John Clarke e Brian Roberts abordam como os acontecimentos
caóticos e desordenados são inseridos em um contexto social que é colocados em um quadro de
significados familiares ao público (HALL, 1999, p.225). Este processo – a identificação e a
contextualização consistem em fazer algo ter sentido, colocar num âmbito de conhecidas
identificações sociais e culturais. Segundo estes autores “Se os jornalistas não dispusessem –
mesmo de forma rotineira – de tais ‘mapas’ culturais do mundo social, não poderiam ‘dar
sentido’ aos acontecimentos invulgares, inesperados e imprevisíveis que constituem o conteúdo
básico do que é ‘noticiável’” (HALL, 1999, p.226).
significa uma única perspectiva dos acontecimentos, assim como os pontos de vista
“consensuais” sobre o mundo. As informações são provenientes de lugares distantes e culturas
diversas, esse fato, os autores chamam de “realidades problemáticas” que recebem interpretações
para serem facilmente assimiladas, ocorre um enquadramento do problema, que decide o que é ou
não é relevante dentro do assunto:
Representações Sociais
jornalísticas poderem explicar o que acontece no mundo, até nos lugares mais distantes, de
línguas e culturas diversas. Essas categorias criam uma linguagem comum que no Brasil, na
Espanha ou nos Estados Unidos são assimiladas. Desta forma, o debate sobre ancoragem auxilia
na reflexão sobre quais categorias sociais são essas que são elaboradas para que a realidade não
seja tão ameaçadora. Moscovici (2009, p. 63) explica que “Categorizar alguém ou alguma coisa
significa escolher um dos paradigmas estocados em nossa memória e estabelecer uma relação
positiva ou negativa com ele”. Tornou-se evidente que foram criadas categorias para explicar o
mundo hoje e essas categorias estão em moldes representativos que são usados sistematicamente
pela fotografia de imprensa.
Generalizando, nós reduzimos as distâncias. Nós selecionamos uma característica
aleatoriamente e a usamos como uma categoria; judeu, doente mental, novela, nação
agressiva, etc. A característica se torna, como se realmente fosse, co-extensiva a todos os
membros dessa categoria. Quando é positiva, nós registramos nossa aceitação; quando é
negativa, nossa rejeição (MOSCOVICI, 2009, p.65).
Uma representação social é uma forma de saber prático que liga um sujeito a um objeto.
O objeto pode ser de natureza social, material ou ideal, a representação se encontra em uma
relação de simbolização e de interpretação. A representação é uma construção e uma expressão
do sujeito que pode ser social ou coletivo, na medida em que sempre se há de integrar na análise
daqueles processos o pertencimento e a participação sociais e culturais do sujeito. As
representações servem para se agir sobre o mundo e sobre os outros (SÁ, 1996, p. 43-45).
Nós propomos que não existe uma realidade objetiva a priori, mas sim que toda
realidade é representada, quer dizer, reapropriada pelo indivíduo ou pelo grupo,
reconstruída no seu sistema cognitivo, integrada no seu sistema de valores, dependente
de sua história e do contexto social e ideológico que o cerca (ABRIC, 1998, p.27).
Um dos pontos cruciais desta teoria é a constatação de que “a representação tem por
função preservar e justificar a diferenciação social e ela pode estereotipar as relações entre os
grupos, contribuir para discriminação ou para a manutenção da distância social entre eles”
(ABRIC, 1998, p.30).
Consenso e Dissenso
O autor reflete que “O real é sempre objeto de uma ficção, ou seja, de uma construção do
espaço no qual se entrelaçam o visível, o dizível e o factível. É a ficção dominante, a ficção
consensual, que nega seu caráter de ficção fazendo-se passar por realidade e traçando uma linha
de divisão simples entre o domínio desse real e o das representações e aparências, opiniões e
utopias” (RANCIÈRE, 2012, p. 75).
Fotojornalismo disruptivo
O termo jornalismo disruptivo aparece em publicações como: Periodismo Disruptivos,
dilemas y estratégias para la inovación, organizado por Gastón Roitberg e Franco Piccato
(2015). O trabalho citado traz textos de diversos autores e fala sobre a inovação tecnológica, as
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mudanças no negócio, novos formatos comerciais, novas plataformas e narrativas. O termo, cada
vez mais utilizado em matérias e blogs1 normalmente está associado a questões de inovação, a
maior parte delas, tecnológicas e à adaptação dos meios às novas plataformas digitais, as
demissões em massa e as estratégias para conseguir migrar para o meio digital. A palavra
disrupção configura-se como a interrupção do curso normal de um processo. O inventor do
termo “inovação disruptiva” foi Clayton Christensen, autor do livro O dilema da inovação (1997)
inspirado no conceito de destruição criativa do economista austríaco Joseph Schumpeter (1883-
1950) (HAMA, 2015). Empresas que tinham muita estabilidade no mercado quebram por causa
de uma ruptura no modo de se viver, de se enxergar o mundo, de se comunicar etc.
1
Texto de Caio Túlio Costa em 22/04/2014 na edição 795 de Observatório da imprensa. Um modelo de negócio
para o jornalismo digital. Disponível em <http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-
questao/um_modelo_de_negocio_para_o_jornalismo_digital/> acesso em dezembro de 2015.
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Esta tese propõe expandir o conceito de disrupção e trabalhar com uma hipótese ampliada
que vai além das mudanças tecnológicas e da inovação. Então, voltando ao considerar que as
imagens produzidas no Vietnã fizeram com que a sociedade repensasse aquele conflito entre os
países, ou que na o fotógrafo americano, Lewis Hine, pôde com suas imagens de crianças
trabalhando em fábricas pressionar a mudança na lei sobre trabalho infantil (SOUSA,1998).
Exemplos assim mostram ocorreu uma modificação sem possibilidade de retorno na narrativa, na
forma de olhar, de experienciar as imagens, depois de ver aquela imagem ou a forma de contar
aquela história, não existe mais a possibilidade de se olhar como se olhava antes para aquele
assunto, tema, questão etc. Não se trata somente de revelar algo viésoculto que reconfigura tudo o
que se sabia sobre aquele assunto, é mais do que isso. O fotógrafo Robert Capa, por exemplo, fez
imagens de guerra de uma forma que nunca tinha sido feito antes, os soldados um pouco borrados
em movimento, as imagens sem foco definido, isso transformou-se em seu discurso sobre como
falar do conflito, do calor dos acontecimentos a partir de uma estética nunca vista antes.
Um termo que contribui a esta reflexão é o de ruptura estética, que significa uma
desconexão “entre as produções das habilidades artísticas e dos fins sociais definidos, entre
formas sensíveis”[...] “Pode-se dizer de outro modo: a eficácia de um dissenso” (RANCIÈRE,
2012, p. 59). O autor observa dissenso como um conflito de vários regimes de sensorialidade,
essa Esta tese pretende observar esses indícios de ruptura e propostas de dissenso que atravessam
transversalmente o fotojornalismo, que são as questões da ética jornalística, dos debates sobre
alteridade, contemporaneidade, política e representação.
Rancière debate:
31
Que esperar da representação fotográfica, nas paredes das galerias, das vítimas desta ou
daquela iniciativa de extermínio étnico: revolta contra seus carrascos? Simpatia sem
consequência pelos que sofrem? Cólera contra os fotógrafos que fazem da aflição de
populações uma oportunidade de manifestação estética? Ou indagação contra seu olhar
conivente, que naquelas populações só vê a situação degradante de vítimas? (RANCIÈRE,
2012, p. 54)
Regimes imagéticos
No Regime Estético, estão as imagens desobrigadas de regras. Neste regime entram alguns
debates e problematizações sobre propostas estéticas que destoam das imagens que são
continuadamente premiadas, essas imagens destoantes se contrapõem às matrizes estabelecidas
nos cânones estéticos, geralmente estabelecidos nos prêmios. Neste regime problematiza-se:
Imagem pensativa, Imagens contemporâneas e Imagens de Fuga e o dissenso. É neste capítulo a
abordagem da proposta de hipótese do fotojornalismo disruptivo.
O trabalho usou como base o que propôs Rancière de regimes de imagem, os três grandes
regimes auxiliam a compreesão de que as categorias semânticas fazem mais sentido quando
inseridas dentro do regime imagético a qual pertencem. Os regimes são os seguintes: Regime
Ético das Imagens; Regime Poético ou Representativo das Artes e Regime Estético.
Um trabalho realizado durante quatro anos que resultou na combinação de estudos teóricos
com entrevistas e observações empíricas. Em 2014, a bolsa Capes de doutorado sanduiche
possibilitou a feitura de uma importante parte da tese na Universidade Autônoma de Barcelona.
Foram entrevistadas pessoas que fazem o prêmio, que montam as exposições, que recebem as
exposições, curadores envolvidos com a organização e fotógrafos. Entrevistamos David Airob,
ganhador do World Press Photo Multimedia de 2014, Pau Barrena, ganhador da categoria Portrait
do World Press Photo Contest 2014, Helena Velez Olabarria, coordenadora de projetos de
Photographic Social Vision, organização que recebe, monta e divulga o World Press Photo na
cidade de Barcelona e tivemos a contribuição de Anna Lena Mehr, Project Manager Contests &
Awards Days do World Press Photo, que dirimiu algumas dúvidas e nos deu acesso a alguns
dados do prêmio. A partir dos dados e das divisões teóricas propomos as seguintes categorias de
análise:
As categorias de análise
Dentro do Regime Ético foi levado em consideração que dentro do fotojornalismo e do
prêmio em questão, fazem parte desse regime de imagem todo o discurso do World Press Photo
sobre idoneidade das imagens, dos jurados, processos éticos de captação e tratamentos de
imagens. O discurso sobre imagens sem montagem e sem manipulação é um debate bastante caro
à fotografia dentro do universo do jornalismo, que vive de uma bandeira: a credibilidade de que
produz e distribui informações visuais verdadeiras. Assim, incluímos todo o debate ético sobre
valores notícia e o modo de funcionamento que rege esse modelo de trabalho. Aqui entra também
o debate sobre os anônimos, os heróis e vítimas, uma problematização importante de uso ético da
imagem das pessoas para fins informativos.
1. Critérios de Noticiabilidade
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1. Critérios de noticiabilidade
São os valores notícias das teorias do jornalismo, o que já foi estudado e apontado como
os critérios que fazem um assunto ganhar repercussão:
•Proximidade (geográfica, afectiva, cultural, etc);
•Momento do acontecimento (Quanto mais recente for um acontecimento, mais probabilidades
tem de se tornar notícia.);
•Significância (Quanto mais intenso ou relevante for um acontecimento, quantas mais pessoas
estiverem envolvidas ou sofrerem consequências, quanto maior for a sua dimensão, mais
probabilidades tem de se tornar notícia; além disso, quanto menos ambíguo for um
acontecimento, mais probabilidades tem de se tornar notícia);
•Proeminência dos sujeitos envolvidos (Quanto mais proeminentes forem as pessoas envolvidas
num acontecimento, mais hipóteses ele tem de se tornar notícia);
• Proeminência das nações envolvidas nas notícias (Quanto mais proeminentes forem as nações
envolvidas num acontecimento internacional, mais probabilidades ele tem de se tornar notícia;
• Consonância (Quanto mais agendável for um acontecimento, quanto mais corresponder às
expectativas e quanto mais o seu relato se adaptar ao medium, mais probabilidades tem de se
tornar notícia);
•Imprevisibilidade (Quanto mais surpreendente for um acontecimento, mais hipóteses terá de se
tornar notícia);
•Composição (Quanto mais um acontecimento se enquadrar num noticiário tematicamente
equilibrado, ou seja, num noticiário com espaço para diversos temas, mais probabilidades tem de
se tornar notícia);
•Negatividade (Quanto mais um acontecimento se desvia para a negatividade, mais
probabilidades tem de se tornar notícia); (SOUSA, 2008, p.18-19).
2. “Estórias” que emocionam
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5. Os moldes Religiosos
6. A representação do bem versus o mal
7. A co-presença
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8. Imagem Intolerável
Os moldes Religiosos
Nessa categoria a análise recai sobre os elementos que já foram utilizados previamente e
que funcionaram para tantos outros fotógrafos a ponto de se tornar um molde imagético, o mais
comum são os modelos cristãos da Pietà ou da jornada de Jesus Cristo. A imagem vem de uma
matriz existente.
A representação do bem versus o mal
Nesta categoria a questão central é a imagem do contraste, principalmente no quesito
dualidade, onde o/a fotógrafo/a escolhe um lado para defender naquela imagem, muito comum
em imagens de guerra, escolhe mostrar um lado da história e anula outra possível interpretação
do acontecimento. Faz uma analogia a mocinhos e bandidos, o bem contra o mal.
A co-presença
Aqui elaboramos uma categoria pensando no que Barthes diz na Câmara Clara, ele diz
que ao ver a imagem, compreendeu logo que sua existencia (sua "aventura"), esta tinha a ver com
a co-presença de dois elementos descontínuos, heterogêneos, na medida em que não pertenciam
ao mesmo mundo. O exemplo da imagem da menina afegã bela, retratada em um portrait
bucólico, clássico inserida em uma narrativa sobre violência, guerra, conflito.
Imagem Intolerável
Nesta categoria observa-se o conceito de imagem intolerável de Rancière (2012). Um
modelo existente na produção de fotografias propostas para causar indignação, desconforto etc..
uma história da mídia e da sociedade. O que não é visibilizado por nenhum dos grandes prêmios
significa que não foi agendado na mídia como importante, não foi notícia. Na elaboração deste
texto foi imprescindível estabelecer diálogo com a obra de alguns dos mais premiados fotógrafos
como James Nachtwey, Steve McCurry, Don McCullin e a agencias a agência Magnum Photos.
Este capítulo explícita uma compreensão mais detalhada do World Press Photo, a magnitude da
Fundação e sua importância, assim como a forma como ele se apresenta como um representante
oficial do fotojornalismo, revelamos o discurso tal e como o prêmio se expressa nas suas
plataformas oficiais.
Capítulo 02 – O fotojornalismo dentro do Regime Ético das imagens
Este capítulo propõe, primeiramente uma interlocução do que Rancière debate sobre o Regime
Ético com os critérios de noticiabilidade ou valores notícia (SOUSA, 2005,p.30) juntamente com
os texto de Hall, Chritcher, Jefferson, Clarke e Roberts (1999). Um dos exemplos utilizados é o
trabalho de Carolina Zoccolaro Costa Mancuzo e Paulo César Boni sobre o terremoto – seguido
de tsunâmi – ocorrido no Japão, obra que nos auxiliou a fazer uma correlação com alguns
trabalhos premiados em 2012 pelo Woord Press Photo sobre a temática. Além do critério de
noticiabilidade existem outros valores que estão relacionados às historias de vida e à
emotividade, contribuição do conceito desenvolvido por Gaye Tuchman (1999) estabelecendo
relações com o trabalho do fotógrafo André Liohn, ganhador do Robert Capa Gold Medal. As
propostas da teoria do jornalismo construtivista Alsina (2009) e Sádaba (2008) estabelecem
diálogo com o trabalho do fotojornalista Robert Capa (1913 – 1954), juntamente com reflexões
elaboradas por Jean Galard no (2012) e Soulage (2010). Neste capítulo, algumas questões são
debatidas a partir da cobertura de conflitos na África do Sul, especificamente os dilemas
vivenciados por Kevin Carter. Os teóricos Arlindo Machado (1984) e Jacques Aumont (1994)
foram essenciais para a problematização sobre o recorte do quadro e o conceito de moldura. Uma
questão central é a da manipulação: a escolha técnica/estética sempre entra em cheque quando sai
um resultado de premiação. Blogs como o ‘Lens’ do New York Times, publicações como o
British Journal of Photography e o site e livro No Caption Needed alicerçam a controvérsia e as
especulações sobre os resultados. O trabalho que David Campbell fez em “The Integrity of the
Image” para o World Press Photo, a fim de compilar um mapa das práticas e normas aceitas no
que diz respeito à manipulação em fotojornalismo, foi fundamental para as reflexões sobre o
39
As imagens mostram uma reportagem sobre o Sudão, que garantiu ao fotógrafo vários
prêmios. James Nachtwey foi da Agência Magnum e depois passou a integrar a VII Photo
Agency. A agência VII quase todos os anos ganha alguma premiação no World Press Photo, em
2014 a foto do ano de John Stanmeyer foi comissionada pela VII Agency para a National
Geographic.
Em 2012, a fotógrafa Stephanie Sinclair foi premiada com o trabalho Child Brides na
categoria Contemporary Issues - first prize stories, que foi comissionada pelaVII Photo Agency
para a National Geographic magazine. Nesse mesmo ano Donald Weber recebeu um prêmio pelo
trabalho Interrogation room na categoria Portraits - first prize stories, Commissionado pela VII
Photo Agency.
Em 2011, Seamus Murphy foi premiado na categoria People in the News, second prize
singles Commissionado pela VII Photo Agency; Ed Kashi com o trabalho Agent Orange, ganhou
o second prize singles na categoria Contemporary Issues, comissionado pela
VII Photo Agency.
Segundo o site oficial da agência, a VII foi criada em 2001 por sete dos maiores
fotojornalistas do mundo, em 2005 foi listada na terceira posição na American Photo das "100
43
pessoas mais influentes na fotografia." Hoje a VII possui 19 dos fotojornalistas mais
proeminentes do mundo, cujas carreiras abrangem 35 anos de história do mundo. Reconhecida
pela qualidade de sua fotografia, o arquivo coletivo do grupo possui mais de cem mil imagens.
Revista Time, The New York Times Magazine, National Geographic, Newsweek, Stern, The
Sunday Times Magazine, GEO Alemanha, Paris Match, Le Monde são parceiros da Agência.
Mais de 70 livros foram dedicados ao trabalho de fotógrafos/as da VII; O trabalho de VII também
tem sido tema de documentários de transmissão nos EUA, Europa, Japão e outros lugares. Os
membros atuais incluem: Jocelyn Bain Hogg, o Estate de Alexandra Boulat, Stefano De Luigi,
Jessica Dimmock, Danny Wilcox Frazier, Ashley Gilbertson, Ron Haviv, Ed Kashi, Gary Knight,
Antonin Kratochvil, Joachim Ladefoged, Davide Monteleone, Christopher Morris, Maciek
Nabrdalik, Franco Pagetti, Sarker Protick, Sim Chi Yin, John Stanmeyer, Tomas van Houtryve e
Donald Weber. Os atuais membros do Programa de Mentor VII incluem: Ali Arkady (Iraque),
Poulomi Basu (Índia), Arthur Bondar (Ucrânia), Maika Elan (Vietnã), e Cristóbal Olivares
(Chile). O Conselho Administrativo é formado por Richard Schoenberg (CEO & Presidente),
Tommaso Barracco, Ashley Gilbertson, Ron Haviv, Ed Kashi, Stefano de Luigi e Diego Rigatti
(VII PHOTO, 2015).
Uma grande agência de fotografia recorrente em premiações é a Magnum, premiada 69
vezes nas datas que vão de 1982 a 2007 (WPP, 2015). Esses dados são do arquivo do WPP que
está sistematizado até 2009, o número de fotografias aumentaria somando os últimos anos. A
Magnum é a agência que aparece nos livros de história do fotojornalismo, foi criada por
fotógrafos famoso e foi pioneiras no negócio da cobertura fotográfica (SOUSA, 1998). Robert
Capa, Henri Cartier Bresson, Sebastião Salgado, entre outros, foram integrantes dessa agência
(FREUND, 1995). A agência está presente no World Press Photo não somente concorrendo aos
prêmios, mas os editores, curadores e agentes da Magnum Photos participam como jurados.
Ao procurar no site do Concurso World Press Photo a agência Magnum Photos, aparece
como ganhadora com fotos do famoso fotógrafo americano Steve McCurry, que fez carreira na
National Geographic, e deve sua fama à fotografia intitulada: A menina afegã. É vencedor
também da Magazine Photographer of the Year e Robert Capa Gold Medal na categoria Best
Photographic Reporting from Abroad. Na história recente é autor de algumas das imagens mais
conhecidas do 11 de setembro de 2001 em Nova York.
44
As fotos reforçam o que Susan Sontag e Barbie Zelizer relataram sobre a cobertura desse
evento: muitas imagens do mesmo tema e pouca diversidade. Um olhar centrado em contar a
história a partir de um determinado formato. Ao observar as Agências, os prêmios e os/as
fotógrafos é perceptível um fato: algumas pessoas são escolhidas por um conglomerado que
trabalha conjuntamente para contar a história recente, uma forma de olhar e decidir apertar o
disparador da câmera não é algo tão intuitivo e passional como o discurso construído sobre o
trabalho do/a fotojornalista.
46
Na entrevista disse que não vê mérito nenhum nas coberturas que fez, porque sempre uma
nova guerra começa, assim suas fotos não tinham conseguido mudar nada. Falou das proibições
do governo britânico em fazer certas coberturas, porque suas fotos eram gráficas demais e que,
depois do Vietnã, o fotojornalismo passou a ser censurado fortemente, aquela guerra, para ele, foi
a última guerra em que o fotógrafo teve liberdade.
Donald 'Don' McCullin (Londres, Reino Unido, 1935). Em 1964, The Observer
ofereceu-lhe sua primeira missão de guerra em Chipre, onde ele cobriu o conflito entre cipriotas
gregos e turcos. Depois de trabalhar como fotojornalista freelance para The Observer, The
Sunday Telegraph, e revistas como Paris Match, Stern e Vida, Don McCullin tornou-se um
fotógrafo pessoal no The Sunday Times em 1966. Durante seus 18 anos no The Sunday Times
cobriu numerosos conflitos internacionais: fome em Biafra (1967), a Guerra do Vietnã (1968-
1972), conflitos na Irlanda do Norte-(1971), a queda de Phnom Penh (1975) e a guerra civil no
47
Líbano (1975-1982). Don McCullin foi premiado inúmeras vezes, incluindo o Word Press Foto
do Ano 1964 e em 2006 e Cornell Capa Award pelo Centro Internacional de Fotografia, em Nova
York por sua contribuição única para a fotografia.
As repetições temáticas nas coberturas feitas por esses famosos fotojornalistas mostram
coincidências. Quase todos se conhecem, estão ou estiveram nas mesmas coberturas,
incorporando novas imagens sobre os mesmos assuntos que a mídia como conglomerado decidiu
estabelecer como o tema do ano.
No livro de Marinovich (2003) sobre a cobertura nos anos noventa na África do Sul, o
fotógrafo sul-africano cita a presença de Nachtwey lá entre eles, ou seja, o fotógrafo vai onde
está o interesse dos editores para as capas dos jornais. É como uma harmonização temática, o que
destoa desta agenda, não interessa.
A legitimação dos prêmios foi construída ao longo dos anos, hoje pode-se dizer que os
prêmios impulsionaram a carreira de importantes fotógrafos e fotógrafas e atestam qualidade aos
meios de comunicação de massa, agencias e coletivos fotográficos que produzem fotografia com
fins informativos. O maior deles, em número de premiações outorgadas e divulgação nos meios
de comunicação de massa é o World Press Photo, que premia desde 1955, tendo como únicas
lacunas os anos de 1961 e 1959.
Segundo o site da instituição, que possui uma Fundação, a World Press Photo está
empenhada em apoiar e promover elevados padrões de fotojornalismo e fotografia documental
mundial. “Nós nos esforçamos para gerar grande interesse público e apreço pelo trabalho de
fotógrafos e para a livre troca de informações” (WPP, 2015). As atividades desenvolvidas por
eles incluem o concurso anual, exposições, programas educacionais e publicações. World Press
Photo é executado como uma organização independente, sem fins lucrativos, com sede em
Amsterdã, na Holanda, onde a World Press Photo foi fundada em 1955. Hoje é patrocinado
mundialmente pela Canon. World Press Photo detém a acreditação oficial para boas práticas do
Bureau Central de Captação de Recursos (CBF) (WPP, 2015).
48
Outro importante prêmio na área de fotojornalismo é Pulitzer, que acontece nos Estados
Unidos, foi criado pelo jornalista Joseph Pulitzer. O prêmio é para jornalismo e artes. Em
fotojornalismo, o Pulitzer premia Breaking News Photography e Feature Photography. São dois
prêmios por ano.
Este trabalho levou em consideração também uma premiação que recebe o nome Robert
Capa Gold Medal, que pretende disseminar o nome de Robert Capa, o fotógrafo de guerra que
cobriu a Guerra Civil Espanhola, fundou com outros integrantes a Agência Magnum e morreu
fazendo cobertura. No discurso oficial deste prêmio, a fotografia de guerra é combativa, envolve
risco pessoal e serve para trazer à luz os horrores e consequências do combate. Este prêmio, dado
pela Overseas Press Club of America (OPC) desde 1955, é outorgado ao que eles consideram
"best published photographic reporting from abroad requiring exceptional courage and
enterprise" (OPCOFAMERICA, 2012), eles premiam um por ano.
A título de contextualização, para aqueles que não estão familiarizados com a estrutura
dos prêmios e a forma como ele se coloca como um representante oficial do fotojornalismo,
explicitamos o discurso divulgado pelo prêmio nas suas plataformas oficiais. Estes dados abaixo
são todos colhidos do site, dos livros e das entrevistas dadas oficialmente pelo World Press Photo
Foundation.
Em 2015 o world Press Photo outorgou os prêmios do seu 58th World Press Photo
contest. Os selecionados, concorreram dentro de um universo de 97.912 fotografias vindas de
5.692 fotógrafos/as de 131 países diferentes. O World Press afirma que por mais de 55 anos tem
49
encorajado fotojornalismo de alta qualidade. O concurso cria uma ponte entre os profissionais e o
público em geral, pois ao anunciar os ganhadores gera manchete nos jornais do mundo, assim
esse fotojornalismo inspirador chega a uma audiência de centenas de milhares. A exposição com
as imagens vencedoras viaja por 45 países e são publicadas no livro catálogo, Mais de dois
milhões de pessoas vão às exposições e o anuário é publicado em sete línguas.
O concurso é julgado por especialistas em jornalismo visual que representam vários
aspectos da profissão. A composição do júri é alterada de ano para ano e segundo o prêmio, eles
operam de forma independente, e uma secretaria que não tem voto garante o que eles afirmam ser
um procedimento de julgamento justo e equilibrado.
Segundo as informações oficiais dadas pelo prêmio, o primeiro prêmio World Press
Photo, em 1955, surgiu quando alguns membros do sindicato dos fotojornalistas holandeses
(Nederlandse Vereniging van Fotojournalisten, NVF) tiveram a ideia de transformar uma
competição nacional “Zilveren Camera” em internacional. Era o ano de comemoração do 25º
aniversário da NVF que foi comemorada com uma exposição pública em dezembro de 1955. A
partir de então, decidiu-se organizar um evento único para a criação de um concurso anual - que
foi realizado quase todos os anos desde então. Desde aquela primeira competição, as fotografias
vencedoras foram reunidas em uma exposição.
Em 1955, 42 fotógrafos de 11 países apresentaram pouco mais de 300 fotos para julgar.
No ano seguinte, o número de participantes quadruplicou, com quase o dobro das nacionalidades.
A década de 1960 viu um crescimento lento mas constante em ambos os participantes e do leque
de países de onde vieram. No início da década de 1990 de 1.280 fotógrafos de 64 países com
11.043 fotos passou-se para 3.733 fotógrafos de 116 nacionalidades e 36.836 fotos em 1999. Em
2015, o concurso anual atrai bem mais de 5.000 participantes de 125 países, que juntos enviam
mais de 95 mil fotos.
O júri apresenta uma composição internacional, que se renova todo ano. O primeiro júri
foi composto apenas por cinco membros, a partir do Reino Unido, a Alemanha Ocidental, França,
Bélgica e Holanda, em 1956 participou o primeiro membro do Bloco Leste europeu. Ao longo da
Guerra Fria, russos e americanos contribuíram no mesmo júri.
As inscrições são julgadas por seu valor-notícia junto com as habilidades criativas do/a
fotógrafo/a. No caso de reportagem, a edição do material apresentado é também tida em conta.
O/a vencedor/a do World Press Photo do Ano, junto com os vencedores de primeiros prêmios em
cada categoria, receberá um prêmio em dinheiro e passagem aérea e hospedagem para a
Cerimônia de Premiação, em Amsterdã.
World Press Photo do Ano - O World Press Photo do Ano, é concedido à uma única
fotografia que segundo os porta-vozes do concurso representa um problema, situação ou evento
de grande importância jornalística, realizado de uma forma que demonstra um excelente nível de
percepção visual e criatividade. Esse prêmio principal leva 10.000 euros, a viagem para
Amsterdã, a câmera digital profissional da Canon mais recente e a insígnia Golden Eye.
51
Em cada categoria, tanto o/a fotógrafo/a da melhor imagem única como o/a fotógrafo/a
das melhores reportagens recebem um prêmio em dinheiro de 1.500 euros e uma insígnia Golden
Eye, juntamente com a viagem a Amsterdã para a Cerimônia de Premiação. Os/as vencedores/as
do segundo e terceiro prêmios, e os que receberam menção honrosa, recebem um Golden Eye
Award e um diploma.
Os/as participantes são obrigados/as a fornecer arquivos como gravado pela câmera para
todas as imagens que cheguem nas fases finais da competição. Estes, serão solicitados e
examinados de forma confidencial durante o período de julgamento. A falha em fornecer
esses arquivos levará à eliminação da inscrição.
Apenas as imagens únicas por quadro serão aceitas. Não serão aceitas imagens com
bordas adicionadas, fundos ou outros efeitos. As imagens não devem mostrar o nome de
um/a fotógrafo/a, agência ou publicação (esta informação pode ser incluída nos
metadados da imagem, mas não deve ser visível na imagem propriamente dita).
A submissão é feita pelo site: https://submit.worldpressphoto.org.
Existe uma observação na inscrição que diz o seguinte: World Press Photo espera que
todos os participantes ajam em conformidade com as diretrizes de conduta profissional, tal como
previstas na Declaração de Princípios sobre a Conduta dos Jornalistas da Federação Internacional
de Jornalistas. Declaração de Princípios IFJ sobre a Conduta dos Jornalistas
(http://www.ifj.org/about-ifj/ifj-code-of-principles/) (Aprovado em 1954 pelo Congresso Mundial
da Federação Internacional de Jornalistas - IFJ Alterado em 1986). Esta Declaração internacional
proclama um padrão de conduta profissional para jornalistas engajados na coleta, transmissão,
disseminação e comentários sobre notícias e informação de eventos.
1. O respeito pela verdade e pelo direito do público à verdade é o primeiro dever do jornalista
2. No âmbito deste dever, o jornalista deverá sempre defender os princípios da liberdade na coleta
e publicação honesta de notícias, e do direito de comentário justo e críticas
3. O jornalista deve escrever o que estiver somente de acordo com os fatos que ele / ela sabe a
procedência. O jornalista não deve suprimir as informações essenciais ou falsificar documentos.
4. O jornalista deve usar apenas métodos justos para obter notícias, fotografias e documentos.
5. O jornalista deve fazer o máximo para corrigir qualquer informação publicada imprecisa.
6. O jornalista deve respeitar o sigilo profissional em relação à fonte de informação obtida de
forma confidencial.
7. O jornalista deve estar ciente do perigo de discriminação que está sendo promovido pela mídia,
e deverá fazer o máximo para evitar que se facilite essa discriminação com base, entre outras
coisas, raça, sexo, orientação sexual, idioma, religião, opiniões políticas ou outras de origens
nacionais ou sociais.
8. O jornalista deve considerar como infracções graves à profissão:
- Plágio;
53
- Deturpação maliciosa;
- Calúnia, difamação, acusações infundadas;
- Aceitação de um suborno em qualquer forma na consideração de qualquer publicação ou
supressão.
9. Jornalistas dignos desse nome considerarão ser seu dever observar fielmente os princípios
acima enunciados. Dentro da lei geral de cada país com exclusão de qualquer tipo de
interferência de governos ou outros.
Jurados:
As categorias foram: Arts and Entertainment, Contemporary Issues, Daily Life, General
News, Nature, People in the News, Portraits, Sports Action, Sports Feature e Spot News.
Kees van de Veen The Netherlands Dagblad van het Noorden. Stedum, The Netherlands
Sobre a premiação de 2010, o prêmio contextualiza dizendo que em 2009, nos Estados
Unidos, o ano começou com o presidente George W. Bush passando a presidência para Barack
Obama. Foram capturados os primeiros momentos do novo presidente e os últimos do ex-
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presidente em uma das histórias ganhadoras do WPP. Outro tema foi a ofensiva de Israel contra
militantes do Hamas na Faixa de Gaza que dominou as manchetes de notícias do mundo e
posteriormente as categorias de notícias do World Press Photo Contest 2010. Este foi também o
ano em que, pela primeira vez, desde 1979, os iranianos saíram às ruas em grande número para
protestar contra seu governo na sequência do resultado contestado da eleição presidencial. À
noite, quando as ruas estavam esvaziadas, eles escalaram seus telhados para gritar expressões de
seu descontentamento – o que rendeu a Pietro Masturzo o World Press Photo do Ano de 2009.
Foto 12 - WPP2010
Segundo o WPP, o júri tinha decidido atribuir o prêmio principal a uma imagem que não
fosse imediatamente identificável, convidando o espectador a descobrir uma importante notícia
de uma forma diferente e que a imagem de Pietro Masturzo os atraiu por ser uma foto que instiga
a pessoa a querer descobrir algo mais, mas que houve muito debate sobre a foto porque alguns
dos jurados não se sentiram tão tocados pela foto por sua falta de contexto imediato. Segundo
Ayperi Karabuda Ecer, presidente do jurado do World Press Photo Contest 2010: "Alguns
afirmaram que uma fotografia deve ser capaz de expressar tudo dentro de um quadro, enquanto
outros pensavam que este tudo era uma ilusão e que não querem que lhes digam o que pensar,
57
simplesmente queriam uma fotografia para abrir as portas de forma criativa, para alimentar a
reflexão e despertar emoção " (WPP,2010).
O júri decidiu dar uma menção honrosa ao frame de um vídeo postado no YouTube
durante os protestos iranianos, nele aparece uma mulher identificada como Neda Agha Soltan
deitada no chão após ser baleada no peito. O filme, feito desde um telefone, foi visto por milhões
de pessoas on-line e discutido em mídias sociais e na grande mídia impressa em todo o mundo.
Para o WPP “Seu nome e imagem tornou-se um símbolo da resistência ao regime iraniano”. O
júri do World Press Photo Contest considera uma imagem para menção especial quando possui
um impacto excepcional como notícia e não poderia ter sido feita por um fotógrafo profissional.
Os primeiros a serem homenageados, desta forma, foram os astronautas do Apollo 11 no
concurso 1969/70 (WPP, 2010).
Em 2011 divulgou-se a premiação do 54º concurso do World Press Photo. A escolha deu-se
entre 108.059 fotos de 5.691 fotógrafos de 125 países.
Vince Aletti, USA, freelance critic (General jury, Portraits jury, chair)
Harry Borden, UK, photographer (Portraits jury)
Terence Pepper, UK, curator of photographs National Portrait Gallery (Portraits jury)
Peter Bialobrzeski, Germany, artist (News & Documentary jury)
Héric Libong, Cameroon, head of photo department Panapress (News & Documentary
jury)
Enric Martí, Spain, regional editor AP for Latin America and Caribbean (News &
Documentary jury)
Sujong Song, South Korea, independent curator and photo editor (News & Documentary
jury)
Presidencia do jurado: David Burnett, USA, photojournalist and founding member Contact
Press Images
Secretaria: Daphné Anglès, France/USA, European picture coordinator The New York Times e
Stephen Mayes, UK, managing director VII Photo Agency
Sobre o ano de 2010, premiado em 2011, WPP trouxe como contexto da premiação o fato de que
a natureza mostrou sua força destrutiva de diferentes formas: inundações no Paquistão, terremotos na
China e no Haiti.
Fotógrafos estavam ali para testemunhar, gravar e mostrar os desastres naturais, assim
como eles estavam em Banguecoque durante as manifestações, em Budapeste, quando um
homem pulou para a morte, em Dalian, depois de dois oleodutos explodirem, em
Duisburg, quando as pessoas foram pisoteadas até a morte, e em Karachi durante tiroteios
(WPP, 2011).
59
Foto 13 - WPP2011
Sobre o retrato vencedor do WPP que a fotógrafa Jodi Bieber fez da moça afegã Bibi
Aisha, o presidente David Burnett escreveu no anuário de 2011 que: "O retrato não só falou do
próprio caso de Aisha, mas também de muitas mulheres ao redor do mundo, cujas vidas
permanecem em perigo. A imagem foi considerada tanto o retrato de uma vítima como uma foto
sobre a relação entre o fotógrafo e seu assunto” (WPP, 2011).
O World Press Photo deu menção honrosa a fotografias de notícias feitas por não
repórteres, o prêmio recebe o nome de jornalistas cidadãos, é o caso de uma série de 12 fotos
feitas pelos mineiros chilenos presos a 700 metros de profundidade por 69 dias dentro da mina de
San José. O membro do júri Abir Abdullah disse: “. Este é um bom exemplo de uma foto feita em
um lugar onde um fotojornalista não poderia ter estado." Um outro destaque é a um novo tipo de
foto de imprensa feita por Michael Wolf fotografando o registro do Google Street View. Em
2011, a World Press Photo lançou o concurso de multimídia em reconhecimento da crescente
prática de combinar fotografia, vídeo, áudio e infográficos em produções on-line, expandindo a
fotografia tradicional (WPP, 2011).
O fotógrafo italiano Davide Monteleone foi presenteado com o Grant “Siga suas
Convicções”, patrocinado pelo relojoeiro suíço Maurice Lacroix, que visa desenvolver um
projeto que foca nas relações mutáveis entre os países que rodeiam o Mar Mediterrâneo (WPP,
2011).
60
Na tabela abaixo, a lista dos/as ganhadores/as, com o país ao qual pertecem, agência,
jornal, revista que comissionou a reportagem e o lugar onde foram feitas as imagens nas
categorias: Arts and Entertainment, Contemporary Issues, Daily Life, General News, Nature,
People in the News, Portraits, Sports, Spot News.
Atlantic
Olivier Grunewald France Le Figaro Magazine Goma, Democratic
Republic of Congo
Benjamin Lowy USA Reportage by Getty Images for GQ Gulf of Mexico
Stefano Unterthiner Italy National Geographic magazine Hokkaido, Japan
Whooper
Christophe France Agence France-Presse Cemoro Lawang,
Archambault Indonesia
Altaf Qadri India The Associated Press Palhalan, Indian-
administered Kashmir
Seamus Murphy Ireland VII Photo Agency London, UK
Vincent Yu Hong Kong The Associated Press Pyongyang, North Korea
Daniel Berehulak Australia Getty Images Dadu, Sindh, Pakistan
Kemal Jufri Indonesia Panos Pictures / Polaris Images Yogyakarta, Java
Filip Cwik Poland Napo Images for Newsweek Polska Warsaw, Poland
Jodi Bieber South Africa Institute for Artist Kabul, Afghanistan
Management / Goodman
Gallery for Time magazine
Joost van den Broek the Netherlands De Volkskrant Amsterdam, the
Netherlands.
Guillem Valle Spain ----------- Akkach, South Sudan
Andrew McConnell Ireland Panos Pictures Minatu Lanabas Suidat
Wolfram Hahn Germany -------- Berlin, Germany
Kenneth O'Halloran Ireland --------- Ireland
Mike Hutchings South Africa Reuters South Africa
Gustavo Cuevas Spain EFE Madrid, Spain
Steve Christo Australia Getty Images Australia
Tomasz Gudzowaty Poland Yours Gallery / Focus Photo und Laguna de Sayula,
Presse Agentur Mexico
Chris Keulen The Netherlands Panos Pictures for Geo Asmara, Eritrea
Péter Lakatos Hungary MTI Budapest, Hungary
Daniel Morel Haiti -------- Port-au-Prince, Haiti
Uwe Weber Germany Bild Duisburg, Germany
Daniel Morel Haiti ------------ Port-au-Prince, Haiti
Corentin Fohlen France Fedephoto Bangkok, Thailand
Lu Guang China Greenpeace International Dalian, Liaoning, China
Alexandre Vieira Brazil Jornal O Dia Rio de Janeiro, Brazil
Fonte: WPP, 2011
Em 2012 foram 5247 fotógrafos de 124 países, totalizando 101254 imagens que
concorreram ao World Press Photo 2012.
Andrei Polikanov, Russia, director of photography Russian Reporter magazine (General jury)
Koji Aoki, Japan, chief photographer Aflo Sport / Aflo Dite and president Aflo Co., Ltd.
(General jury, Sports jury, chair)
Al Bello, USA, chief photographer sport Getty Images for North America (Sports jury)
Nicole Becker, Germany, senior photo editor sport DPA (Sports jury)
Joel Sartore, USA, contributing photographer National Geographic magazine (General jury,
Nature jury, chair)
Daniel Beltrá, Spain, conservation photographer (Nature jury)
Sophie Stafford, UK, editor BBC Wildlife Magazine (Nature jury)
Steve Pyke, UK, artist and photographer (General jury, Portraits jury, chair)
W.M. Hunt, USA, strategist at Dancing B (Portraits jury)
Dana Lixenberg, the Netherlands, photographer (Portraits jury)
Monica Allende, Spain, photo editor The Sunday Times Magazine (News & Documentary
jury)
Patrick Baz, Lebanon/France, photo manager AFP for Middle East (News & Documentary
jury)
Pablo Corral Vega, Ecuador, director Nuestramirada.org (News & Documentary jury)
Ami Vitale, USA, photographer and filmmaker Panos Pictures/Ripple Effect Images (News &
Documentary jury)
Presidido por : Aidan Sullivan, UK, vice president of photo assignments for Getty Images
Secretários do júri: Daphné Anglès, France/USA, European photo assignments editor The
New York Times; Stephen Mayes, UK, managing director VII Photo Agency
magazine
Ebrahim Noroozi Iran Jamejam Online Qazvin, Iran
Pedro Pardo Mexico Agence France-Presse Acapulco, Mexico
Paolo Woods The Netherlands/Italy Institute for Artist Les Cayes, Haiti
Management
O 55º World Press Photo do Ano foi atribuído a Samuel Aranda para seu retrato de uma
mãe iemenita embalando seu filho, que sofre de gás lacrimogêneo depois de participar das
manifestações de rua em Sanaa. O membro do júri Koyo Kouoh explicou no texto oficial sobre
essa fotografia: "Fica para o Iêmen, Egito, Tunísia, Líbia, Síria, por tudo o que aconteceu na
Primavera Árabe. Mas expressa, um lado íntimo privado do que se passou. E mostra o papel que
as mulheres desempenharam, não só como cuidadoras, mas como pessoas ativas no movimento"
(WPP, 2012). No texto que acompanha a premiação está inserida uma explicação dizendo que o
júri tinha a esperança de recompensar uma imagem que pudesse não só refletir os eventos do ano,
mas também oferecer consolo, e que a foto de Aranda mostrou um momento de compaixão, é
atemporal e instantaneamente reconhecível em todo o mundo (WPP,2012).
Em 2011, World Press Photo Contest júri também decidiu dar uma menção especial a
uma imagem de Muammar Gaddafi sendo puxado em um veículo militar após sua captura em 20
de outubro em Sirte, Líbia. A imagem estática foi feita a partir de um vídeo. Aiden Sullivan,
presidente do júri comentou: "A foto captura um momento histórico, uma imagem de um ditador
e seu fim que de outra forma não teria sido visto, se não tivesse sido capturado por um membro
do público" (WPP, 2012).
66
O prêmio homenageou os antigos vencedores da World Press Photo, Chris Hondros e Tim
Hetherington, que foram mortos em um ataque de morteiro em Misrata, na Líbia em 2011. Em
homenagem a Tim Hetherington, World Press Photo e Human Rights Watch, para cujas
publicações Tim foi um colaborador regular, conjuntamente estabeleceram o Tim Hetherington
Grant, em setembro de 2011.
Em 2013 aconteceu o 56ª concurso World Press Photo. Foram selecionadas imagens
dentro de um universo de 103.481 fotos, 5.666 fotógrafos de 124 países diferentes.
No texto oficial sobre o concurso desse ano, o WPP disse que considerou o fato de que a
guerra civil na Síria, o rescaldo do terremoto e do tsunami no Japão em 2011, os Jogos Olímpicos
de Verão em Londres e a ofensiva de Israel contra Gaza estavam entre as notícias principais e foi
o tema de muitas das fotografias apresentadas e premiadas.
A imagem dos corpos de duas crianças que estão sendo levadas por seus tios para uma
mesquita em Gaza para o seu funeral, fotografada por Paul Hansen se tornou World Press Photo
of the Year. Santiago Lyon, presidente do júri 2013 explica que essa foto " atinge sua cabeça, seu
coração, e seu estômago-todas as chaves para um fotojornalismo eficaz." (WPP, 2013).
Os jurados observaram uma nova tendência a partir dos resultados da competição de
2013, os/as fotógrafos/as se voltaram para os lugares e pessoas que haviam fotografado,
desenvolvendo iniciativas para ajudar os protagonistas de suas histórias. Jan Grarup, que ganhou
67
o prêmio com sua história sobre a equipe feminina de basquete da Somália, iniciou uma
campanha de angariação de fundos que permitam que estas mulheres contratem segurança como
proteção às ameaças por parte de alguns grupos radicais islâmicos em Mogadíscio. Outro
exemplo é o fato de que devido a doações de todo o mundo, a escola sob a ponte ferroviária Deli
que Altaf Qadri retratou em sua história premiada recebeu água potável, roupas e materiais de
aprendizagem. (WPP, 2013).
Outro exemplo trazido pelo texto oficial da premiação conta a história do fotógrafo
português Daniel Rodrigues, que foi premiado com a imagem de meninos e meninas que jogam
futebol em Guiné-Bissau, quando trabalhou como voluntário para uma organização humanitária.
O fotógrafo quando voltou ao seu país, enfrentou a recessão econômica que atingiu Portugal, o
que tornou impossível para ele sustentar uma vida de fotojornalismo, assim teve que vender seu
equipamento fotográfico. O prêmio do WPP deu um novo impulso a sua carreira, ao receber
novos contratos de trabalho e uma nova câmera (WPP, 2013).
Devido ao fato de que várias mídias e plataformas questionaram a autenticidade da
imagem de Paul Hansen, o World Press Photo sentiu-se obrigado a enviar a imagem para uma
análise forense. O especialista em fotografia digital independente Eduard Kam explicou:
"Quando eu comparo o arquivo RAW com a versão ganhadora, posso realmente ver que houve
uma boa quantidade de pós-produção, no sentido de que algumas áreas foram clareadas outras
escurecidas. Mas em relação à posição de cada pixel, todos eles estão exatamente no mesmo
lugar em JPEG (imagem premiada) como estão no arquivo RAW” (WPP, 2013). O prêmio traz
um texto do British Journal of Photography que disse que a controvérsia ilustra "o estado atual do
fotojornalismo dentro de uma sociedade que aprendeu a não confiar no que vê" (WPP, 2013).
Em 2014 aconteceu o 57º World Press Photo Contest. Na concorrência pelo prêmio
participaram 5754 fotógrafos/as, de 132 países com 98671 imagens.
Os jurados foram:
70
David Guttenfelder, USA, chief Asia photographer The Associated Press (General jury)
Hideko Kataoka, Japan, director of photography Newsweek Japan (General jury)
Koyo Kouoh, Cameroon, founder and artistic director Raw Material Company (General
jury)
Susie Linfield, USA, associate professor and director of the cultural reporting and
criticism program, New York University (General jury)
Francesco Zizola, Italy, photojournalist Noor Images (General jury)
Kerim Okten, Turkey, photographer (General jury, Sports jury, chair)
Tom Jenkins, UK, sports photographer (Sports jury)
Miriam Marseu, USA, photo editor Sports Illustrated (Sports jury)
Daniel Beltrá, Spain/USA, photographer (General jury, Nature jury, chair)
Rosamund Kidman Cox, UK, editor (Nature jury)
Luciano Candisani, Brazil, nature photojournalist (Nature jury)
Jillian Edelstein, UK/South Africa, photographer (General jury, Portraits jury, chair)
Alessia Glaviano, Italy, senior photo editor Vogue Italia and L’Uomo Vogue (Portraits
jury)
Terence Pepper, UK, senior special advisor National Portrait Gallery (Portraits jury)
Adrees Latif, Pakistan/USA, photographer and editor in charge US pictures Reuters
(News & Documentary jury)
Daniel Merle, Argentina, picture editor and curator (News & Documentary jury)
Marie Sumalla, France, photo editor Le Monde (News & Documentary jury)
Newsha Tavakolian, Iran, photographer (News & Documentary jury)
John Stanmeyer USA VII for National Geographic Djibouti City, Djibouti
Maciek Nabrdalik Poland VII Warsaw, Poland
Christopher Vanegas Mexico La Vanguardia / El Guardían Saltillo, Coahuila, Mexico
Sara Lewkowicz USA Time Millersport, Ohio, United States
Robin Hammond New Zealand ------------- Juba, South Sudan
Marcus Bleasdale UK VII for National Geographic Lodingen, Lofoten, Norway
Julius Schrank Germany for De Volkskrant Laiza, Kachin State, Burma
Andrea Bruce USA Noor for The New York Times Latakia, Syria
William Daniels France Panos Pictures for Time Bangui, Central African
Republic
Gianluca Panella Italy ----------- Gaza City, Palestinian Territory
Bruno D'Amicis Italy --------------- Kebili region, Tunisia
Sobre as premiações de 2014, o presidente Gary Knight, declarou que tentaram premiar a
fotografia de questões e eventos, em vez de premiar os eventos e as próprias questões em si. Esta
declaração não implica, contudo, que os acontecimentos mundiais importantes desapareceram da
seleção. Algumas imagens poderosas do tufão nas Filipinas estão inclusas, bem como imagens do
colapso em Bangladesh, a violência na República Centro Africana, o massacre em Nairobi no
Westgate Mall e o conflito em curso na Síria. “Aesthetics and journalism were both important
determining factors in rewarding work and so was the ability of the photograph to engage the
viewer for more than an instant” Explicou Gary Knight, presidente do júri. Segundo ele, o júri
optou por fotografias que permitiam o espectador pensar sobre o que foi fotografado, que
desafiou estereótipos, e que pode avançar no gênero (WPP, 2014).
No texto oficial, a equipe do prêmio diz que algumas dessas fotos vencedoras estão
firmemente enraizadas nas tradições do fotojornalismo, enquanto outras desafiaram as
convenções do gênero. Alguns trabalhos forçaram os limites do que é possível capturar com os
sensores de câmeras contemporâneas, como a história de Gianluca Panella sobre os apagões em
Gaza. A seleção também incluiu pela primeira vez fotos feitas por um avião não tripulado,
operado por Kunrong Chen.
73
Foto 16 - WPP2014
O júri decidiu ainda dar uma menção especial a uma série de imagens de incêndios
florestais em Dunalley, Tasmania, Austrália, que destruiu 90 casas. As fotos foram feitas por Tim
Holmes, nas quais mostrou sua esposa Tammy e seus cinco netos que se refugiam sob um píer,
enquanto o fogo se alastrou nas proximidades. "Nenhuma das entradas para a competição
abordou a questão dos incêndios florestais com tal sentimento de proximidade" (WPP, 2014).
Entre 2010 e 2014, em 55 trabalhos não foi informada a agência, ou revista etc. Em
entrevista feita ao fotógrafo Pau Barrena, ganhador em 2014, que não aparece nenhuma agência
junto a seu nome, ele contou que estava no Norte da África trabalhando para uma ONG e
conheceu algumas pessoas e no momento de folga foi fotografar esse casamento que resultou no
Retrato premiado. Não publicou nem vendeu a imagem naquele momento.
O maior número de premiações foi dado a fotógrafos em trabalhos para a Getty Images,
com 19 premiações, seguido pelas 16 da empresa The Associated Press, depois vem 12 da
Agence France-Presse, 08 da VII Photo Agency, 13 da National Geographic, 06 para o The New
York Times, 05 para a Panos Pictures, 06 para INSTITUTE, 06 para Redux Pictures, 06 também
para a Reuters, Contrasto e Laif, 05 para as agências Agence Vu e Magnum Photos. As outras
receberam menos de 05 premiações.
No que diz respeito à nacionalidade dos fotógrafos, foi possível constatar algumas
repetições, pelo fato do mesmo fotógrafo/a receber mais de uma premiação. Considerando esse
fato, a maioria dos fotógrafos são dos Estados Unidos, seguido pela da Itália, depois França,
China, Holanda, Alemanha, Austrália, Polônia, Reino Unido, Rússia e Espanha. No montante
total é possível perceber que a maioria dos vencedores e das agências estão na Europa e nos
Estados Unidos, mesmo a China e a Austrália aparecendo entre as nacionalidades principais, as
agências desses países não aparecem entre a maioria, o que significa que são fotógrafos/as que
estão inseridos no mercado europeu e ou americano.
Ao refletir sobre este regime, observamos que o texto de Rancière (2008:29) propõe que
são pertencentes a este grupo as imagens que estão no campo da proibição e que se debate seu
teor de verdade. Observamos que o fotojornalismo em seu processo de legitimação como
linguagem social constrói e reforça um contrato de veracidade com a sociedade. Assim fazem
parte desse regime de imagem todo o discurso oficial divulgado pelo World Press Photo em suas
plataformas sobre idoneidade das imagens, dos jurados, processos éticos de captação e
tratamentos de imagens. O argumento sobre imagens sem montagem, sem manipulação. Um
75
debate bastante valorizado na fotografia dentro do universo do jornalismo, que se legitima a partir
desses pressupostos: a credibilidade de que produz e distribui informações visuais verdadeiras.
Assim todo o debate ético sobre valores notícia e o modo de funcionamento que rege esse modelo
de trabalho.
Apesar de todas as transformações que têm ocorrido no campo dos media, as principais
tarefas do jornalista ainda estão relacionadas com as suas mais tradicionais funções:
seleção e hierarquização de acontecimentos susceptíveis de terem valor como notícia;
transformação desses acontecimentos em notícias; difusão das notícias (SOUSA,1999).
O autor Jorge Pedro Sousa (SOUSA, 2008, p.18-19) seleciona os critérios identificados
por diversos autores do que são os valores-notícia:
Para Hall, Chritcher, Jefferson, Clarke e Roberts (1999), “‘As notícias’ são o produto final
de um processo complexo que se inicia numa escolha e seleção sistemática de acontecimentos e
tópicos de acordo com um conjunto de categorias socialmente construídas” (199, p. 224) Desta
forma “basta dizer que os valores-notícia fornecem critérios nas práticas de rotina do jornalismo
que permitem aos jornalistas, editores e agentes noticiosos decidir rotineira e regularmente sobre
quais as ‘estórias’ que são ‘noticiáveis’ e quais não são, quais as ‘estórias’ que merecem
destaque e quais as que são relativamente insignificantes, quais as que são para publicar e quais
as que são para eliminar” (1999, p´. 225).
O texto dos autores para problematizar quais são os valores notícias:
“Itens que são ‘fora do comum’, o que de certo modo vai contra as nossas expectativas
‘normais’ acerca da vida social, o inesperado terremoto ou a alunagem, por exemplo.
Poderíamos chamar isso de valor-notícia primário ou fundamental. “Acontecimentos que
se referem a pessoas ou países de elite; acontecimentos que são dramáticos;
acontecimentos que podem ser personalizados para essencialmente evidenciar as
características de humor humanas, como tristeza, sentimentalismo, etc.; acontecimentos
que têm consequências negativas e acontecimentos que são parte ou podem fazer parte
de um assunto noticiável existente, são todos notícias possíveis (Galtung e Ruge, 1970).
Desastres, dramas, os gestos do dia-a-dia - cômicos e trágicos – de pessoas vulgares, a
vida dos ricos e poderosos, e temas tão perenes como o futebol (no inverno) e o cricket
(no verão), todos eles encontram um lugar regular nas páginas de um jornal. Duas coisas
resultam disto: a primeira é que o jornalismo tenderá a realçar os elementos
extraordinários, dramáticos, trágicos, etc., numa ‘estória’ para reforçar a sua
noticiabilidade; a segunda é que acontecimentos que maiores pontuações tenham num
número destes valores-notícia terão maior potencial noticioso do que os outros. E,
acontecimentos com pontuação elevada em todas as dimensões, tais como no caso do
assassínio de Kennedy (isto é, que são inesperados e dramáticos, com consequências
negativas, assim como as tragédias humanas envolvendo pessoas de elite, dirigentes de
uma nação poderosa, que possuem o estatuto de tema recorrente na imprensa britânica),
tornar-se-ão tão noticiáveis que serão interrompidos programas” (HALL, CHRITCHER,
JEFFERSON, CLARKE, ROBERTS, 1999, p.225).
77
Outro premiado com o assunto foi o fotógrafo francês Denis Rouvre, que fez um retrato
de Toku Konno, sobrevivente do tsunami e ganhou, em 2012, na categoria Portraits o 3rd
prize singles. O Fotógrafo japonês KOICHIRO TEZUKA produziu o ensaio: A fúria do
TSUNAMI. Premiado em 2012, na categoria Spot News, com o 1st prize stories.
O ensaio TSUNAMI, 27 de março de 2011 do fotógrafo japonês Yasuyoshi Chiba levou o
prêmio People in the News, 1st prize stories. As imagens levam um texto que diz: Hira Noda (70)
recolhe itens recuperáveis em sua aldeia, que foi devastada pelo Tsunami. No dia 11 de março,
um terremoto de magnitude 9,0 atingiu 70 quilômetros da costa de Tohoku, no nordeste do Japão.
O terremoto provocou um tsunami que varreu o interior por uma área de cerca de 500
quilômetros quadrados, destruindo edifícios, minando a infraestrutura, e resultando no
deslocamento de mais de 340.000 pessoas. O terremoto foi o mais poderoso a atingir o Japão e
um dos mais documentados no mundo. Inundações e danos para o transporte, centrais elétricas e
outras instalações vitais prejudicaram severamente as operações de recuperação (2012, People in
the News, 1st prize stories, Yasuyoshi Chiba).
79
Eu não estou ali fotografando, a minha fotografia não tem valor nenhum como
fotografia, eu não estou ali defendendo a minha fotografia, não estou ali fazendo arte,
não estou ali pensando se alguém vai gostar ou alguém vai pensar que a minha fotografia
virou um ícone da guerra, nada, nada. Estou ali para mostrar o que aconteceu com aquele
homem. Esse homem, o nome dele é Hamid Shwaili, ele tinha 28 anos de idade, era um
mecânico desempregado forçado a lutar para defender a cidade, a família dele. Eu voltei
com essa imagem, eu voltei com esse vídeo, qualquer coisa daquela imagem o nome
dele o lugar eu garanto [...]. Eu paro de filmar, fotografo, continuo filmando... Eu não
acho que minha foto, meu vídeo, muda nada na vida daquela pessoa ali, aquela pessoa
morreu defendendo a cidade dela de um criminoso que não deveria existir. Eu como
André fazendo aquela imagem posso estar aqui hoje dizendo o que aconteceu, basta
(RODA VIVA, 2012).
81
Este fotógrafo, assim como qualquer repórter elabora um discurso a partir do que por ele
foi assimilando da experiência vivenciada. As teorias do jornalismo construtivista fazem parte de
um paradigma trazido pela Construção Social da Realidade e observado a partir das práticas do
jornalismo. Para Alsina “os jornalistas são, como todo mundo, construtores da realidade ao seu
redor, mas também conferem estilo narrativo a essa realidade e, divulgando-a, a tornam uma
realidade pública sobre o dia-a-dia” (2009, p.11). A partir de Berger e Luckman, que observam
que a construção social da realidade é a institucionalização das práticas e papéis na vida
quotidiana, Alsina afirma que entende a notícia como um dos aspectos da construção da
realidade, logicamente não a única. Para este autor: “Produzir informação é uma atividade
complexa, que se realiza industrialmente e no seio de uma instituição reconhecida socialmente”
(ALSINA, 2009, p.10).
Este paradigma observa a biografia, o sujeito, no caso desta tese, o/a fotógrafo/a como
Foto central. Sádaba pontua: “ la realidad social esté construida implica que hay tantas realidades
como perspectivas sociales tienen los sujetos” (SÁDABA, 2008, p.41). O sujeito está no meio de
uma cobertura que ele está assimilando, está fotografando com seu repertório, sua bagagem, suas
opiniões e em determinadas circunstancias. A preocupação é compreender, captar e enviar. O
fotojornalista Robert Capa (1913 – 1954) um dos fotógrafos pioneiros na cobertura de grandes
acontecimentos nos moldes do que é feito hoje, mesmo sendo conhecido por romantizar alguns
de seus relatos, deixou muitos registros sobre o que pensava sobre suas imagens e sobre as
circunstancias que vivenciou, nos quais é possível entender um pouco mais sobre o homem por
trás da câmera:
Fazer fotografias de vitória é como tirar fotos de um casamento na igreja dez minutos
depois que os recém-casados foram embora. A cerimônia em Nápoles tinha sido muito
breve. Um pouco de confete ainda brilhava em meio ao chão sujo, mas os festeiros de
barriga vazia tinham se dispersado depressa, já imaginando o quanto a noiva e o noivo
iam brigar no dia seguinte. Com minhas câmeras penduradas no pescoço, caminhei pelas
ruas desertas, infeliz e mesmo assim contente de ter uma desculpa tão boa para não tirar
mais fotos. Quando voltei ao Hotel Parco, onde estava hospedado, tinha a consciência
tranquila e uma sede bem compreensível [...] Tirei o chapéu e peguei minha câmera.
Apontei a lente para o rosto das mulheres prostradas que carregavam pequenas fotos de
seus filhos mortos, até caixões serem finalmente levados embora. Aquelas eram as
minhas fotos de vitória mais verdadeiras, as que tirei naquele simples funeral numa
escola (CAPA, 2010, p. 147-149).
82
Para Gallard: “O fotógrafo escrupuloso descreve suas intenções, suas dúvidas, suas
provações íntimas. Não revela apenas suas fotos, mas também as razões que tem para mostra-las”
(GALARD, 2012, p.118). Em entrevista dada em agosto de 2012 André Liohn disse “Me
considero um interlocutor da guerra.
Considerando que:
La realidad social se apoya en la intersubjetividad, de modo que las interpretaciones de
cada persona configuran nuevos significados con los que el resto de las personas se
manejan también en el mundo, en una interacción continua. Los nuevos significados al
llegar a su reificación o cosificación, son “reutilizados” por otros en la creación de un
contexto coherente, que configura, en palabras de Peter Berger y Thomas Luckman, “la
vida cotidiana” (SÁDABA, 2008, p.40).
encontramos o sonho leonardesco de uma ciência total que seja uma arte (SOULAGE,
2010, p.42-43).
Não metralhar ao acaso pensando que Deus reconhece os seus. É necessário escolher
com respeito e humanismo. “Entretanto evitar-se-á metralhar”, senão o conjunto do
trabalho será menos claro. Há um homem e não uma máquina atrás de cada foto;
Trabalhar a cópia por contato do filme, mas nunca retocar nem reenquadrar senão se trai
esse instante decisivo e essa estrutura significativa;Nunca encenar, senão não se trata
mais de fotografia, mas de teatro (fotografado): “o arranjo artificial é o que se deve
temer acima de tudo”. O fotógrafo não deve intervir, deve tornar-se invisível, como um
anjo sem corpo, como o geômetra de Descartes, “fazer-se esquecer a si e a máquina
fotográfica, que é sempre visível demais”. Mas como fica isso para os retratos? E que
pensar das fotos em que as pessoas fotografadas olham para o fotógrafo? Em cada seis
fotos no corpus de Cartier-Bresson, uma é desse tipo. Também aqui a foto denuncia a
fábula...; Não utilizar a cor, porque, por um lado, ainda não é dominada tecnicamente;
por outro, como nos aproxima da natureza, ela nos afasta da estrutura: “ A emoção,
encontro-a no preto e branco; ele transpõe, é uma abstração, não é normal” [...] A cor
para mim é o campo específico da pintura. Novamente, como ocorreria com frequência
no século XIX, a pintura funciona como superego estético da fotografia (SOULAGE,
2010, p.46).
Esse trecho interessa porque assim como o anteriormente citado André Liohn, outros
fotógrafos perpetuaram e perpetuam essa concepção de caçar e esperar a imagem perfeita se
alinhar na composição, uma forma de se colocar e explicar suas imagens que aparenta ter sua
origem no que foi dito por Bresson, ou foi fomentado pelo discurso de Bresson. Legitima-se
assim uma fotografia com padrão e teor de verdade.
2.3. Os enquadramentos
A teoria do enquadramento coloca o papel do repórter como figura central que irá traduzir,
observar, relatar alguns aspectos do acontecimento que se transformará em notícia:
El trabajo del periodista permite mirar al mundo desde un lugar, en cierto modo,
privilegiado. Cuenta con fuentes, medios técnicos y acceso a muchos acontecimientos
cotidianos. Su tarea consiste precisamente en abrir bien los ojos y aguzar los oídos ante
una realidad que sorprende en cada momento y transmitir esta continua sorpresa a
cientos o miles de personas. A este lugar se refiere la teoría del framing (SÁDABA,
2008, p.21).
André Liohn é o reflexo dos arranjos produtivos das coberturas, pois trata-se de um
fotógrafo brasileiro, que emigrou para a Europa, conheceu o grande fotógrafo tcheco de guerra,
Antonin Kratochvil, a quem considera seu mentor. Posteriormente foi para a Líbia, cobrir guerra,
suas imagens mais conhecidas e as grandes reportagens foram publicadas no New York Times. A
combinação entre individuo, papel e função social, assim como repertório cultural e os arranjos
profissionais das empresas, mostra mais do que um fotógrafo como função, mas alguém com
opiniões, vivenciando uma guerra in loco. A complexidade que envolvem experiências e
vivências indicam que a nacionalidade deste não é suficiente para dizer que opinião, que
estereótipos, que modo de ver aquela guerra aquela pessoa terá. Em Fotografia e Sociedade,
85
Freund diz:
A verdade, o saber e a crença de Henry R. Luce correspondiam às ideias da pequena
camada do grande capital que dirige o destino dos estados Unidos. Luce nunca escondeu
as suas ideias: a Life deveria em primeiro lugar proporcionar lucros, mas também apoiar
a que lhe parecesse a melhor política (FREUND, 1995, p.141).
O fotógrafo Andre Liohn trabalhando para a Time não tem a origem, os ideais e as
preocupações que possuem os dirigentes, mas sabe produzir imagem que interessem a essas
revistas, pois é impossível desconsiderar a existência de um modelo de cobertura padronizado,
ocidental. O fotógrafo se torna o personagem central em uma cobertura, que irá olhar, pensar e
sob circunstancias extremas, registrar histórias, relatar a complexidade de uma guerra através de
imagens. Jean Gallard problematiza a ideia proximidade: “ O olho do fotógrafo está
perigosamente próximo. Está, por assim dizer, com o nariz colado nos detalhes” (GALARD,
2012, p.101).
Sádaba debate a teoria do enquadramento a partir desse enfoque, desse marco, framming
dado pelo jornalista:
El periodista cuenta los acontecimientos con un enfoque particular. Al analizar este
enfoque, los estudios consideran las posibles influencias personales y profesionales con
las que le periodista aborda la tarea de elaborar un mensaje informativo. Tanto el
periodista como individuo con unas características concretas, como el periodista en
cuanto profesional que trabaja con unas rutinas y una determinada organización, hacen
que los hechos adquieran encuadres diferentes en los distintos medios (SÁDABA, 2008,
p.14).
A foto tinha causado sensação. Estava sendo usada em pôsteres para arrecadar fundos
para organizações de assistência. Tinha sido publicada em jornais e revistas do mundo
inteiro, e a reação imediata do público fora dar donativos para qualquer organização
humanitária em operação no Sudão. A imagem de partir o coração de uma criança
faminta e indefesa sendo observada por um abutre levara, inevitavelmente, à pergunta “
O que aconteceu com a garotinha? “, seguida de perto por “ O que o fotógrafo fez para
ajudá-la?”. A artilharia de perguntas tinha começado a afetar Kevin. Não podia
responder que simplesmente deixara a criança lá, que a criança não correra nenhum risco
de morrer de fome, pois o centro de distribuição de alimentos, capaz de ministrar
nutrição de emergência, estava a metros cem metros de distância. Primeiro Kevin contou
que enxotou o abutre, foi embora e se sentou embaixo de uma árvore para chorar. Não
sabia o que havia acontecido com a criança. Mas as perguntas continuaram e ele
começou a elaborar a história, dizendo que tinha visto a criança se levantar e andar na
direção da clínica. Isso atenuou muitos dos receios das pessoas, porém não eliminou o
dilema moral de Kevin: depois de tirar a foto, porque simplesmente não pegou a menina
no colo e não a levou para o centro a poucos metros dali? Seu trabalho como jornalista,
de mostrar o sofrimento dos sudaneses tinha sido feito e até bem demais. A verdade é
que a Operação Socorro ao Sudão não tinha levado Kevin e João até lá para recolherem
ou alimentarem crianças, e sim para mostrarem o pior da fome e da guerra, para gerar
publicidade. Mas as perguntas prosseguiam (MARINOVICH, 2003. p. 196-197).
A imagem em questão:
Existem questões que não podem ser deixadas de lado, uma delas é a ideia de recorte da
realidade. Esse recorte estético, técnico, social, vai delimitar o que é excluído e o que é incluído
na imagem. No bojo desse debate estão as questões ideológicas sobre o tema do enquadramento
fotográfico a partir de Arlindo Machado (1984) e Jacques Aumont (1994).
No texto de Arlindo Machado intitulado: Recorte do quadro e alusão ao extraquadro, do
livro A Ilusão Especular, o autor relata um caso sobre um material etnográfico produzido pela
87
Toda visão pictórica, mesmo a mais “realista” ou a mais ingênua, é sempre um processo
classificatório, que joga nas trevas da invisibilidade extraquadro tudo aquilo que não
convém aos interesses da enunciação e que, inversamente, traz à luz da cena o detalhe
que se quer privilegiar (MACHADO, 1984 p. 76).
Foi a primeira vez que acompanhei um ataque do começo ao fim e consegui fazer
algumas fotos muito boas. Fotos simples que mostravam o quanto o combate é de fato
horrível e pouco espetacular. Furos dependem de sorte e de transmissão rápida, e a maior
parte deles não significa mais nada no dia seguinte à publicação. Mas o soldado que
olhar as fotos de Troina, daqui a dez anos, em sua casa em Ohio, vai poder dizer: “foi
assim” (CAPA, 2010, p.115).
Em algumas coberturas, uma imagem específica foi captada sem que nenhum outro
jornalista estivesse perto, assim a pessoa que foi enviada aquele local, distante de sua cultura, vai
registrar para os “seus” aquela guerra. No trabalho de campo de um repórter fotográfico é
importante salientar que a dedicação, as circunstancias e a prática mesmo do/a profissional
dependem da possibilidade de tempo para entrar naquelas histórias e de construir uma narrativa
para o mundo:
89
O repórter fotográfico foi ao local, no meio das populações flageladas. Fez seu trabalho,
que consiste em fixar imagens de ruínas, de crianças esquálidas, refugiados em fuga,
corpos mutilados. Realizou sua missão: informar, fazer saber, testemunhar. Foi aos
quatro cantos do mundo, percorreu o planeta. É um batalhador. Arriscou sua vida. Viveu
o inferno. Ele deve ser persistente. Mas uma divisão dos papéis e uma distinção de
temperamentos logo se impõe. O profissional da reportagem-relâmpago envia a suas
agencias imagens da atualidade mais recente. Estava no local antes dos concorrentes,
voltou antes de todo mundo. Ele pula de uma guerra a outra, de um helicóptero a outro.
Só trabalha com recursos digitais, envia suas imagens via satélite. Alguns fotógrafos, ao
contrário, decidem trabalhar com calma, tornar-se disponíveis (Sebastião Salgado, James
Nachtwey, Stanley Greene) (GALARD, 2012, p.117,118).
Existem decisões circunstanciais, pessoais, profissionais, culturais etc, que somente quem
está em campo tomando decisões em meio a uma situação extrema pode decidir e pode se
responsabilizar por suas escolhas:
O fotógrafo deve decidir sobre a distância que vai colocar entre o objeto e a câmera,
sobre a relação mais ou menos estreita, mais ou menos flutuante, entre o objeto e o
enquadramento da foto [...] acepção ao mesmo tempo ética e estética da boa distância,
em que a distância exata consiste em não estar nem perto demais (até a representação
sensacional e inspirada pela compaixão dos indivíduos que sofrem) nem longe demais
(na indiferença estetizante diante de vítimas anônimas), o pudor, o respeito, a exatidão, a
justeza são preocupações partilhadas por outros que não os fotógrafos [...] Dever-se-ia
introduzir um pouco de apreensão, senão de temor e de tremor, na arte de calcular a
distância exata a manter entre o olhar e seu objeto, entre o espectador e sua
representação, nem que fosse, justamente, por causa dessa apropriação (GALARD,
2012, p.144).
E quando não tem poder de decisão, recebe ordens ou direcionamento por meio de pautas,
ou vê seu trabalho modificado na pós-produção, nas legendas, nos textos explicativos. André
Liohn traz questionamentos, relatos, detalhes, opinião sobre o que cobriu e vivenciou naquela
guerra, mas se não tivesse ganho o prêmio, provavelmente teria menos visibilidade, seria ouvido
por um número bem menor de pessoas. No início da entrevista surge a pergunta: “Você acha que
a suas fotos mudam alguma coisa na situação internacional desses conflitos? ” André Liohn
responde:
Não minhas fotos não, mas as minhas fotos me trazem aqui por exemplo. Eu acho que
para os jornalistas ou para qualquer pessoa que faz uma coisa que ele poderia arriscar a
vida, que ele doa a vida para fazer aquilo, a pessoa quer uma oportunidade de refletir
junto com a sociedade e que essa reflexão parta com um maior número possível de
pessoas. A minha fotografia me dá essa possiblidade e de uma certa forma, minha
fotografia emociona uma pessoa ou outra. E eu não consigo, eu não gosto das minhas
fotografias, eu não consigo olhar, eu me incomodo vendo a minha, foto porque eu
conheço cada situação que tem ali, porque cada situação, o como eu disse tem uma
90
Essa entrevista se deu pelo fato do fotógrafo brasileiro ganhar um dos mais importantes
prêmios de guerra, O Robert Capa Gold Medal, nunca um sul-americano havia ganho a honraria.
As fotografias premiadas foram tiradas na Líbia. O Robert Capa Gold Medal é um prêmio dado
pela Overseas Press Club of America (OPC) e premia desde 1955 "best published photographic
reporting from abroad requiring exceptional courage and enterprise". A Overseas Press Club of
America foi fundada em 1939 em Nova York por um grupo de correspondentes estrangeiros.
Segundo o site oficial da OPC, eles procuram manter uma associação internacional de jornalistas
que trabalham nos Estados Unidos e no exterior para incentivar os mais elevados padrões de
integridade profissional e habilidade na comunicação de notícias, para ajudar a educar uma nova
geração de jornalistas, de contribuir para a liberdade e independência de jornalistas e da imprensa
em todo o mundo, e para trabalhar em direção a uma melhor comunicação e compreensão entre
as pessoas (OPCOFAMERICA).
Um dos entrevistadores pergunta a André Liohn como ele lida com a tentativa de
manipulação de cada lado com o qual convive em uma cobertura e questiona se ele tenta ser
isento. André Liohn responde:
Isento sim, neutro não. Eu acho e eu busco um modo de fotografar que possa expressar a
minha opinião, eu André, pai de dois filhos vindo de Botucatu com os meus porquês
estou aqui me expondo a isso e documentando isso. Então quero que a minha fotografia
tenha a minha cara, a minha opinião. Então ela não é neutra. Ela tem a manipulação da
realidade. É a minha visão. Se alguém me perguntar quem é responsável por isso aqui.
Sou eu (Roda Viva 2012).
O veículo vai me dar espaço, tudo bem, vai receber as críticas comigo, mas se for para
ser criticado, vou levantar a mão e dizer, sou eu. Goste ou não goste, sou eu. Isso é o que
eu acho que é importante, porque neutralidade, essa coisa de imparcialidade, o veículo
ele tem que ser, mas o jornalista ele tem que ter uma pegada, um por quê (RODA VIVA
2012).
grupo de civis que havia pedido, ajuda derrubando a cidade com bombas com a mesma
técnica que Kadafi (Roda Viva 2012).
Logo descobri que se eu fosse fotografar poderia expressar toda a revolta que eu tinha
[...]. Essa revolta toda me levou à guerra [...]O que eu quero expressar na minha foto é o
trauma. Eu mostro um momento de trauma, a vida daquela pessoa vai ter que mudar,
aquela pessoa vai ter que tomar uma decisão, porque a vida como foi até então, ela não
vai existir mais (RODA VIVA, 2012).
Nesta entrevista percebe-se a ênfase dada ao autor da imagem como sujeito que constrói
um olhar sobre aquele conflito, que não está ali pelo simples fato de trabalhar em um conflito,
mas com opiniões sobre o que está acontecendo.
André Liohn disse na entrevista:
Tem gente que me manda uma fotografia. O que quer que eu responda. Não escreve
nada sobre ele, ou porque ele fotografa. Fotografia não é mais nada do que uma
desculpa. Não tem valor nenhum se não tiver uma ligação, um comprometimento, não
sei como explicar isso (Roda Viva,2012).
O fotógrafo Robert Capa é um dos mais interessantes casos de envolvimento pessoal com
a notícia, a cobertura de uma cena. Escreveu Ligeiramente Fora de Foco, livro escrito pelo
fotógrafo onde romanceia sua trajetória de fotógrafo de guerra, refugiado, idealista, comunista e
judeu. A sua fotografia mais conhecida, o soldado legalista, feita na Guerra Civil Espanhola é
fruto de diversas questões: Foi Capa quem a fez? Foi Gerda Taro? O soldado está posando para
imagem, ele morreu de verdade?
Alguns autores debateram exaustivamente essa questão, François Maspero escreveu:
Gerda Taro, la sombra de una fotógrafa; Hanno Hardt: “Remembering Capa, Spain and the
Legacy of Gerda Taro, 1936–1937”; Alex, Kershaw: Sangue e Champanhe - A vida de Robert
Capa. Nesses livros e em alguns documentários como La sombra del Iceberg e La maleta
Mexicana é possível perceber as incógnitas em função de uma imagem que se transformou em
ícone de uma guerra e que sua potência narrativa e de gerar fascínio vai além da narrativa da
morte de um soldado em combate. Os debates e teorias não conclusivas sobre a veracidade da
imagem não interessam neste trabalho, no entanto a fotografia de guerra como foco de análise é
92
imprescindível, porque grande parte das imagens que recebem os prêmios de fotojornalismo são
imagens de conflitos.
A fotografia de guerra, tal e qual a conhecemos hoje, tem como seu primeiro
representante, Andrei Friedmann, mundialmente conhecido como Robert Capa. Seu irmão,
Cornell, escreveu no prefácio de Ligeiramente Fora de Foco (2010:15) “Meu irmão, Robert Capa,
assumiu o encargo de registrar o inferno que o homem criou para si próprio, a guerra”. Robert
Capa além de ficar conhecido por suas imagens, ficou também famoso por suas ideias sobre
fotografia, foi ele quem expressou a seguinte máxima: “Se suas fotos ainda não estão boas o
suficiente, é porque você ainda não está perto o suficiente” (CAPA, 2010, p.15).
Para Hardt, Capa contou uma história complexa através de uma imagem singular, para
este autor, reduziu o conflito a um episódio privado, a imagem de um homem morrendo em
defesa de uma ideia revolucionária (HARDT, 2011, P.6). Sempre um defensor da foto
tecnicamente imperfeita, daí o título de seu livro, Ligeiramente Fora de Foco, Capa é
imprescindível em qualquer debate sobre cobertura fotográfica de conflito.
Segundo Maspero, Robert Capa disse: “En una guerra, hay que detestar o amar a alguien,
en todo caso, hay que tomar partido, porque si no, no hay forma de soportar lo que ocurre”
(MASPERO, 2010, p.63). Para Hardt, tanto Gerda Taro como Robert Capa lutaram a seu modo
do lado republicano da guerra contra o fascismo de Hitler e afirma que questões como
objetividade estavam fora de questão, os fotógrafos Gerda Taro e Robert Capa fizeram sua
cobertura por uma decisão ideológica:
Taro and Capa, as refugees from Hitler’s Germany, fought in their own way on the side
of a democratic, Republican Spain. Their photographic work focused on the fight against
fascism, while questions of journalistic objectivity, for instance, were out of place or
perhaps restricted to finding different ways in which to reveal the suffering of civilians
and to document the armed struggle against Franco and his allies, including Nazi
Germany (HARDT, 2011, p.3).
É possível falar em uma verdade? É possível questionar a fotografia sobre o que ela
representa e narra? A imagem de Capa, publicada no período da guerra e depois inúmeras vezes,
como um ícone da história do fotojornalismo, nos mostra que é preciso escolher quais são as
verdades que estamos buscando ao olhar para uma imagem e que noção de neutralidade,
objetividade se é possível ter quando pensamos em representação.
93
Robert Capa em entrevista ao New York World-Telegram, 1937 disse: “Não é necessário
nenhum truque para tirar fotos na Espanha. Não é preciso pousar a câmera. As imagens estão lá,
basta capturá-las. A verdade é a melhor imagem, a melhor propaganda”. Na biografia escrita por
Kershaw (2013), existe um relato de uma amiga afirmando que Capa se sentia culpado por ter
pedido aos companheiros que descessem correndo uma encosta exposta. Segundo o professor
Hans Puttnies, biógrafo de Gisèle Freund, Capa contou a ela uma história semelhante,
reconhecendo que tinha “matado” o homem da foto. A autenticidade da foto só foi questionada
em 1947 no livro First Casualty, de Philip Knightley. O.D. Gallagher, correspondente do Daily
Express, que esteve durante a guerra civil. Knightley disse que falou com Capa e que parecia
autêntica, por ser uma imagem ligeiramente turva, mas que Capa deu uma risada e disse: “ Para
se obter boas imagens de ação, elas não podem ser muito focadas. Se a mão tremer um pouco é
que vai se obter uma bela foto de ação” Gallagher disse também que Capa tirou essa foto em
território espanhol controlado pelos insurgentes – o que para Kershaw é pouco provável.
O que resultou mais interessante foi o Relato de Capa em 20 de outubro de 1947 para a
rádio WNBC, quando promovia o livro Ligeiramente Fora de Foco: “A foto rara nasce da
imaginação dos editores e do público que a vê” (Kershaw, 2013).
O debate sobre o que foi feito em uma determinada imagem fotográfica para que ela
produza determinado resultado estético tem sido muito acalorado. Desde que a fotografia existe,
94
ela trava um incansável confronto dentro do meio sobre o quanto de verdade mostra sobre os
fatos.
A escolha técnica/estética sempre entra em cheque quando sai um resultado de
premiações. Em nota oficial em 2010 o World Press Photo divulgou o seguinte:
Enquanto Photoshop celebrou o seu 20º aniversário em 2010, a World Press Photo tinha
que desqualificar um trabalho vencedor pela primeira vez devido ao uso questionável,
dentro de um contexto jornalístico, do software de edição de fotos. Fotógrafo ucraniano
Stepan Rudik tinha sido atribuído um terceiro prémio na categoria Desporto para sua
história em lutas de rua em Kiev. Após o anúncio dos resultados do concurso, tornou-se
claro que uma das imagens de Rudik tinha sido alterado. Um elemento minúsculo, um
pé, tinha sido removido em Photoshop, violando a regra de concurso que prevê que o
conteúdo da imagem não deve ser alterado, e que só retoque que está de acordo com os
padrões aceitos do setor é permitido (WPP, 2010).
“Hansen’s picture is part of a cinematic form of expression that has emerged in the last 6-7 years.
[…] this picture is a more of a kind of movie realism, a sort of photographic cinema verité
(KJELDSEN, 2013). Durante três edições chegou-se a pensar que o tratamento estético dado na
pós-produção, principalmente nas cores e contrastes, era imprescindível para ganhar prêmios.
2
Fonte: Kjeldsen,Jens. The Rhetoric of Prize-Winning Photographs. No Caption Needed. Publicado em 17 maio de
2013. Disponível em: http://www.nocaptionneeded.com/2013/05/the-rhetoric-of-prize-winning-photographs/
Acesso em 28 de agosto de 2014.
3
Quando Paul Hansen foi acusado por outros fotógrafos em denuncias públicas em blogs e ao próprio prêmio, por
modificar a luz, o que fez o WPP solicitar, ao autor da imagem ganhadora, o arquivo original em RAW para
comprovação.
96
que chefiou o júri, disse: “if you fabricate your images, you will probably be caught, and you’ll
be embarrasse” (LAURENT,2014).
David Campbell escreveu em seu site um texto: World Press Photo 2014 contest:
Reflections from the Secretary’s seat. Ele foi secretário do júri e disse, sobre as questões de
manipulação e processamento, que o especialista realizou uma análise caso a caso e observou o
nível de pós-processamento nos arquivos que foram inscritos no concurso, comparando-os com
os arquivos não processados. Um total de 120 fotógrafos foram solicitados a enviar os arquivos
não processados para análise. O júri recebeu um briefing completo e este foi seguido por uma
discussão aprofundada. Na aplicação das regras do concurso, nenhum material significativo pode
ser adicionado ou removido, somente limpeza de poeira e arranhões é aceito. O júri decidiu que
10 trabalhos não eram elegíveis para a ronda final de julgamento, na última etapa de eliminação.
Isso é, 8% dos trabalhos que ainda estavam na competição após a quarta rodada. Houveram oito
histórias e duas imagens individuais desclassificadas (CAMPBELL, 2014).
O interesse nesse tema é grande pelo concurso e pelo público. David Campbell dirigiu um
projeto de pesquisa “The Integrity of the Image” para o World Press Photo a fim de compilar um
mapa das práticas e normas aceitas no que diz respeito à manipulação em fotojornalismo e
fotografia documental, concentrando-se principalmente no pós-processamento das imagens. A
pesquisa questiona o seguinte:
Quais formas de manipulação são relevantes para a integridade da imagem, além de pós-
processamento de negativos, arquivos RAW ou JPEG não transformados?
Poderia também incluir o enquadramento, corte, seleção, legendas e contextualização de
imagens, entre outras questões?
É a manipulação geralmente um problema crescente?
Quais são as diretrizes éticas e protocolos relevantes para a integridade da imagem
seguidas por organizações de mídia em diferentes países?
Que orientações relevantes para a integridade da imagem são promovidas por associações
profissionais de mídia em diferentes países? Existem diferenças nacionais, regionais e
culturais nas diretrizes éticas, padrões aceitos e práticas atuais relevantes para a
integridade da imagem?
Existem pontos de consenso sobre a manipulação, independentemente das diferenças
geográficas e culturais?
97
4
RAW ou CR2 refere-se a um arquivo de alta resolução que por ter mais pixels permite mais processamento, ou seja,
é possível mexer mais na imagem através dos softwares de tratamento. Não é um arquivo leve e nem todo programa
abre o arquivo, mas é muito usado pelos fotógrafos porque aguenta pós-processamebto. Ao exigir a imagem em
JPEG, o/a fotógrafo/a terá um arquivo mais leve e no qual poderá interferi menos.
5
“Sendo testemunhas oculares dos eventos cobertos pelos dedicados e responsáveis jornalistas, a Reuters Pictures
deve refletir a realidade. Embora o nosso objectivo seja a fotografia de alta qualidade estética, nossa missão não é
interpretar artisticamente a notícia" Tradução nossa.
98
notícia aos clientes. Essa divulgação oficial foi muito repercutida por blogs que abordam
fotografia e tecnologia do mundo todo.
Foto 29 - Reuters e RAW
No processo de finalização da tese, novembro de 2015, o World Press Photo lançou suas
novas regras para o concurso de 2016, nas quais está cada vez mais detalhada a parte que fala em
ética e manipulação. Com o título “O que conta como manipulação? ” 6 o WPP toma algumas
decisões, a primeira é afirmar que qualquer encenação conta como manipulação. Encenar ou
produzir (a palavra em inglês usada por eles é Staging), que segundo o texto no site, significa
deliberadamente arranjar alguma coisa a fim de enganar o público, direcionar o assunto (s) para
fazer coisas, ou pedindo-lhes para repetir as coisas que eles estavam fazendo antes da chegada do
fotógrafo. No caso do Retrato (portrait), que eles consideram um gênero especial de fotografia, o
prêmio reconhece que é feito por meio de uma relação entre o sujeito/a e o/a fotógrafo/a através
da pose. No entanto, para o concurso, retratos não devem mostrar imagens de pessoas fazendo
algo que normalmente não fariam. Retratos não devem induzir ao erro, falsificar a cena.
O prêmio se preocupa com aspectos bem específicos, como o fato de a face e o corpo do
sujeito (s) não poder ser alterado através da adição ou remoção de marcas físicas. A outra questão
diz respeito ao conteúdo da imagem: "são permitidos ajustes de cor ou de conversão em escala de
cinza que não alteram o conteúdo", as especificações falam em alterações na densidade,
contraste, cor e / ou níveis de saturação que alteram o conteúdo, obscurecendo ou eliminando
fundos, e / ou objetos ou pessoas no fundo do quadro. Para a premiação é inadmissível alterar o
conteúdo de uma imagem "adicionando, reorganizando, revertendo, distorcendo ou removendo
pessoas e / ou objetos dentro do quadro”.
6
Disponível em < http://www.worldpressphoto.org/activities/photo-contest/verification-process/what-counts-as-
manipulation> acesso em 02 dez de 2015
99
A lista é grande e específica, em resumo, não é aceitável remover coisas como: marcas
físicas no corpo, pequenos objetos na imagem, pontos de luz refletidos, sombras etc. Não é
aceitável adicionar coisas. Isto inclui, mas não está limitado, a: clonagens, aumento de corpo, ou
o tamanho do traje, pintura em detalhes do objeto, fotomontagem.
Esta normativa amplia o espaço de debate sobre vestígio e verdade na fotografia, mantem
aceso o dilema entre objetividade e subjetividade na imagem fotográfica.
Quem ainda poderia pensar que a foto é uma prova? Uma foto é um vestígio, é por isso
que é poética. O fotógrafo é aquele que deve deixar, ou melhor, que deve criar vestígios
de sua passagem e da passagem dos fenômenos, vestígios de seu encontro fotográfico
com os fenômenos. É por isso que é um artista (SOULAGE, 2010, p.14).
Para este autor a foto é o que permanece após a perda, a perda do ato, o que aconteceu no
encontro que deu lugar à imagem não se restitui. O prêmio mostra a imagem que ficou depois de
que o acontecimento passou, depois de que a mídia se desinteressou pelo tema, depois que a
informação que chegou, já tão filtrada e escassa, tornou-se esquecimento. A fotografia volta com
força, um ano depois em capas, livros exposições do fotojornalismo legitimado na condição de
melhor do mundo.
“verdadeiramente” existiram. Ela se faz passar por uma mediação graças à qual estamos
imediatamente presentes nesse passado e nesses alhures. Ela é como as pessoas tidas
como dotadas de poder de comunicação com os espíritos; é médium e não meio; daí sua
função mágica de ilusão (SOULAGE,2010, p.22).
Ele pondera as declarações publicadas em 1934 por Henry Luce para o projeto Life: “Ver
a vida, ver o mundo”, mas de que vida, de que mundo se trata? Complementa: “não existe a vida,
ou mundo, mas vidas, mundos, ou melhor, pontos de vista particulares sobre essas vidas e sobre
esses mundos”. Conceito que dialoga com as teorias da Representação Social e Construção Social
da Realidade. Soulage afirma que “a fotografia não é a restituição do objeto-mundo, mas a
produção de imagens que interpretam alguns fenômenos visíveis e fotografáveis, de um mundo
particular existente neste espaço e numa história dados” (SOULAGE, 2010, p.34-35).
A autora Laura Flores, em sua pesquisa sobre as relações da fotografia com a pintura,
afirma que está no cerne da fotografia a possibilidade da ficção desde seu surgimento a partir do
texto original escrito no verso da imagem “O afogado de Hippolyte Bayard” de 1840:
Este cadáver que os senhores vêm é o do senhor Bayard, inventor do procedimento que
acabam de presenciar, ou cujos maravilhosos resultados logo presenciarão. Segundo eu
soube, este engenhoso e incansável pesquisador trabalhou durante uns três anos para
aperfeiçoar seu invento [...] isso lhe trouxe grande honra, mas não lhe rendeu nenhum
centavo. O governo, que deu demasiado ao senhor Daguerre, declarou que nada podia
fazer pelo senhor Bayard e o infeliz resolveu se afogar [...] será melhor se os senhores
passarem longe para não ofender seu olfato, pois como podem observar, o rosto e as mãos
do cavalheiro começam a se decompor (FLORES, 2011 p.145).
E a autora constata que, com esse gesto irônico, o afogado constitui “não apenas a
primeira performance fotográfica, mas também a primeira mostra de subversão da veracidade
fotográfica em prol de legitimação de uma mentira. Bayard aproveita a já evidente credibilidade
da fotografia para fazer uma brincadeira irônica com sua veracidade” (FLORES, 2011 p.145-
146).
O “realismo” da fotografia não é uma qualidade inerente, mas uma construção cultural: percebe-se
como realista aquilo que ostenta as características predefinidas por uma cultura como tal. Enquanto
na cultura ocidental o natural, ou seja, o semelhante à percepção visual é visto como realista, outras
culturas alheias à nossa idiossincrasia verão o natural como codificado (FLORES, 2011 p.147).
Aumont (1995, p. 79) debate a relação da imagem com o real e diferencia em valores:
O autor debate também o papel do espectador que complementa a imagem com suas
referências. No livro, O Ato Fotográfico, Philippe Dubois propõe no capítulo primeiro uma
trajetória da fotografia que intitula: Da Verossimilhança ao índice, é uma pequena retrospectivas
histórica sobre a questão do realismo na fotografia:
Existe uma espécie de consenso de princípio que pretende que o verdadeiro documento
fotográfico ‘presta contas do mundo com fidelidade’. Foi-lhe atribuída uma credibilidade,
um peso de real bem singular. E essa virtude irredutível de testemunho baseia-se
principalmente na consciência que se tem do processo mecânico de produção da imagem
fotográfica, em seu modo específico de constituição e existência: o que se chamou de
automatismo de sua gênese técnica [...] “A foto é percebida como uma espécie de prova,
ao mesmo tempo necessária e suficiente, que atesta indubitavelmente a existência daquilo
que mostra (DUBOIS, 1998, p.25).
Sobre a fotografia como espelho do real, o autor mostra que esse discurso já está colocado
por inteiro desde o início do século XIX, vem do discurso da natureza técnica, mecânica,
aparentemente automática, “objetiva”. O autor copila textos de entusiastas que observam a
libertação da arte pela fotografia, assim, a fotografia irá se encarregar de todas as funções sociais
e utilitárias antes exercidas pela arte pictural.
Por que o artista continuaria a tratar de sujeitos que podem ser obtidos com tanta precisão
pela objetiva de um aparelho de fotografia? Seria absurdo, não é? A fotografia chegou no
momento certo para libertar a pintura de qualquer anedota, de qualquer literatura e até do
sujeito. Em todo caso, um certo aspecto do sujeito hoje depende do campo da fotografia
(PICASSO 1939 apud DUBOIS, 1998, p.31).
O livro dá acesso também a um recorte do que foi dito por André Bazin no texto sobre a
“ontologia da imagem fotográfica” (1945):
O autor debate que a foto produzida na ausência do sujeito – assim não interpreta, não
seleciona, não hierarquiza, e diz que diversas pesquisas se concentram em processos de
refinamentos dos “desempenhos” do dispositivo.
Existe uma clara diferenciação sobre o que mostrar de uma situação de catástrofe que não
tem a ver com a qualidade das imagens, importância do fato ou questões estéticas. Essa
diferenciação é o tratamento dado a “nós” e aos “outros”. Existe um argumento comum para não
mostrar corpos de pessoas próximas, da mesma cidade, por exemplo, que é o direito dos parentes.
Sobre isso Sontag refuta:
A exibição, em fotos, de crueldades infligidas a pessoas de pele mais escura, em países
exóticos, continua a promover o mesmo espetáculo, esquecida das ponderações que
impedem essa exposição quando se trata de nossas próprias vítimas da violência; pois o
outro, mesmo quando não se trata de um inimigo, só é visto como alguém para ser visto,
e não como alguém (como nós) que também vê. Porém, sem dúvida, o soldado Talibã
ferido que implora pela sua vida, cuja sorte foi mostrada com destaque em The New
York Times, também tinha esposa, filhos, pais, irmãs e irmãos, alguns dos quais
poderiam, um dia, topar com fotos coloridas do seu marido, pai filho e irmão ao ser
massacrado – se é que já não as viram (SONTAG, 2003, p.63).
Esse debate recai sobre quais os direitos de registrar o pior momento existencial de alguém,
de publicizar a vulnerabilidade de um ser humano. Um autor que está sempre em meio a debates
calorosos sobre essa questão é o renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. As duas autoras
(MARIEN, 2007 e SONTAG, 2003) discutem questões relacionadas a fotografia documental e suas
implicações a partir das imagens e das críticas ao trabalho de Sebastião Salgado. Susan Sontag diz
que “Sebastião Salgado tornou-se o alvo principal na nova campanha contra a inautenticidade do
belo” (2003, p.67). Este fotógrafo é também acusado de ser demasiado comercial e demasiado
gigante. O que vem à tona na crítica que Azoulay faz ao trabalho Migrant Worker, em que, sem
nomes, sem cidadania, as pessoas se tornam casos e exemplos.
Tiradas em 39 países, as fotos de migrações de Salgado reúnem, sob esse único título, uma
multidão de causas e de modalidades de infortúnio diversas. Fazer o sofrimento avultar,
globaliza-lo, pode incitar as pessoas a sentir que deveriam “importar-se” mais. Também as
convida a sentir que os sofrimentos e os infortúnios são demasiado vastos, demasiado
irrevogáveis, demasiado épicos para serem alterados, em alguma medida significativa, por
qualquer intervenção política local (SONTAG, 2003, p.68).
O que interessa do trabalho deste fotógrafo e que se aplica a esta pesquisa são os elementos
utilizados na imagem para propositalmente provocar emoção, explorar alguns sentimentos que irão
tornar suas imagens de guerra mais comerciais, etnocêntricas, vistas a partir de uma ótica ocidental,
com valor agregado ideológico.
104
Esses números mostram fotojornalistas pertencentes às regiões onde as imagens foram feitas,
no entanto, os fotógrafos, em sua maioria não pertencem a esses lugares. As agencias possuem
interesses nesse conflito no Oriente Médio e deslocam seus fotógrafos para fazer o registro,
possivelmente porque o distanciamento do assunto, gera essas imagens tão difíceis de olhar, já que a
dor é do outro, como brilhantemente disse Susan Sontag (2003).
fundada pelo membro e fotojornalista da National Geographic, Reza Deghati. Hossaini juntou-se
a Agencia France-Presse (AFP) em 2007, e cobriu a guerra no Afeganistão, parte do tempo sob
tutela das tropas norte-americanas. Ao fazer isso, ele viajou para aldeias isoladas, onde também
documentou a vida local. Ele é ainda hoje um fotógrafo da AFP no Afeganistão. (THE
PULITZER PRIZES, 2012).
A imagem a seguir é de uma jovem xiita depois de uma explosão de bomba no santuário
lotado Abu Fazal em Cabul. A explosão foi resultado de um ataque suicida durante o festival de
Ashura, um dos eventos mais importantes do calendário xiita, uma ocasião de grandes reuniões e
procissões. Cerca de 60 pessoas foram mortas e 160 feridas na explosão. Embora o Afeganistão
tenha alguma história de tensão entre muçulmanos sunitas e uma minoria xiita, ataques suicidas
por razões sectárias em tal escala são raros. Ninguém reivindicou imediatamente a
responsabilidade pelo ataque de Cabul (WPP, 2012).
Este trabalho levantou o debate sobre o que é um olhar “ocidental” ou talvez “europeu” e se
é possível ensiná-lo. Observando fotógrafos premiados que são das regiões do Oriente Médio,
praticamente todos pertencem ou pertenceram a alguma agência americana ou europeia em algum
momento da carreira. A grande parte deles compõe o quadro de profissionais do escritório no
Oriente Médio da Agencia France Presse, mas também tem alguns da Reuters e da Associated Press.
É intrigante o fato de que Hossaini cobriu a guerra do Afeganistão sob tutela das tropas americanas,
pode-se dizer que é um olhar “enquadrado” em um modelo etnocêntrico.
106
O que levou este trabalho a se direcionar a um movimento forte na Europa e que se espalha
pelos meios, pelos fotógrafos e com certeza resultam em certas imagens.
Desde los Auténticos Finlandeses a la búsqueda de las raíces en los nacionalismos
mediterráneos, desde el despertar de la Aurora Griega a la excelente posición Marine Le
Pen en las elecciones francesas, un nuevo fantasma recorre Europa. El nacionalismo
excluyente. Esta transversal – que enfrenta lo nacional con lo extranjero, el natural con
el migrante, lo “autentico” con lo “importado”, las costumbres locales y las exóticas con
un gran componente islamófobo -, cuenta además con una fractura norte-sur que parte el
continente (PERCEVAL, 2013, p.23).
A imagem de Hossaini que ganhou dois prêmios mostra corpos ensanguentados, bebês
mortos, crianças chorando, a menina em pé toda manchada de sangue, o que é um contraponto aos
corpos não mostrados no atentado do 11 de setembro de 2001. Ou seja, essas crianças podem ser
colocadas à vista de todos, completamente vulneráveis ao olhar do outro. A legislação em
Pernambuco, por exemplo, não permite a exibição de imagens de crianças em qualquer situação de
vulnerabilidade, elas são protegidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, muitos outros países
devem agir de forma semelhante, no entanto essa questão não é levada em consideração quando se
trata de crianças de outro lugar, porque entra em vigor o tal critério do interesse público, o que é
sempre confuso e parece servir a certos outros interesses.
Um jornal de Pernambuco pode publicar fotografias de uma guerra na Líbia e qualquer
pessoa do mundo ter acesso a foto através dos portais de notícias que todos os jornais possuem,
principalmente imagens como estas mostradas neste trabalho, entra para a história dos conflitos aos
quais se referem. As agências se encarregam de divulgar em todos os jornais do globo terrestre e os
prêmios transformam essas fotografias na imagem icônica do acontecimento. A foto de Hossaini foi
publicada em muitos jornais distribuídos pelo mundo.
O que se reforça com esse olhar sobre o outro é o da comparação, aquele lugar em guerra é
pior que o lugar do leitor da foto na capa do jornal. Não é uma crítica à cobertura, que é necessária,
mas talvez falte esse olhar de quem está lá e que deve, possivelmente, ter outra imagem para
mostrar, outro recorte, outro enquadramento, que não chega ao conhecimento geral, pelo menos
ocidental, não se sabe se quer se existe outra forma de contar porque há um reducionismo provocado
por poucos conglomerados midiáticos que controlam e filtram essas imagens.
Nos anos de 2011 e 2012, o World Press Photo recebeu imagens de fotógrafos dessa região
tão registrada e divulgada pelas agências. Na tabela abaixo o número de fotógrafos inscritos no
prêmio por ano e nacionalidade que pertencem ao Oriente Médio:
107
fotografias dos conflitos bélicos são verdadeiras, falam sobre uma das verdades existentes, então,
no momento em que o enquadramento do registro fica restrito ao olhar de uma cultura
etnocêntrica, sem considerar as outras, então, parece, que só existe uma verdade.
World Press Photo possui a seguinte frase slogan “Believing in the power of photojournalism
to change the world and to inspire understanding” juntamente com “we don´t take sides or preach
right from wrong”. Não é propósito da tese desconstruir o discurso do World Press Photo, mas de
incentivar a aplicação dele, principalmente a parte em que eles dizem que o fotojornalismo pode
abrir nossos olhos, criar crescimento, novas perspectivas e inspirar compreensão.
Foto 33: Capa The New York Times Foto 34: foto de Massoud Hossaini
Outro ensaio do assunto intitula-se Beyond the finish line, feito para o New York Times e
consiste em 20 fotografias que narram um processo de recuperação de um rapaz que estava na
linha de chegada esperando a namorada completar o trajeto quando ocorreu o atentado. Nas
imagens, Bauman aparece com a mãe, a namorada, com amigos, participando em eventos
esportivos, com a perna mecânica e as dificuldades até a conquista da reabilitação. O texto que
acompanhou o trabalho foi escrito pelo repórter da matéria Tim Roan e detalha um pouco o
trabalho. Segundo Roan: a atribuição dada ao fotógrafo foi a de passar várias semanas ou meses
com uma das vítimas da maratona de Boston e fazer com que os leitores se sentissem como se
estivessem lá com ele durante a recuperação. O trabalho estava condenado desde o primeiro dia, a
mãe de Bauman colocou o fotógrafo para fora, no entanto, depois de conquistar a confiança da
família, Harner conseguiu um portfólio que coincidia com a enormidade da história. Suas
fotografias prendem e assombram. Ele excedeu em muito a missão original, chegando tão perto
quanto possível fotograficamente de colocar o leitor na reabilitação, dentro do assunto.
114
Fonte: Site Pulitzer Prize, 20147 Fonte: Site Pulitzer Prize, 2014
Fonte: Site Pulitzer Prize, 2014 Fonte: Site Pulitzer Prize, 2014
Dentro do ensaio completo, destacam-se quatro fotos. A primeira que abre o ensaio é a
capa, consiste na foto mais divulgada, ela mostra o jovem de braços abertos em uma cama, com
uma iluminação espetacular e sacra de um cristo crucificado. A segunda foto é a representação de
pessoas acompanhando, fotos do personagem com parentes e amigos. A terceira é a imagem da
superação, da tecnologia, a medicina e a força de vontade fazendo com que esse jovem possa
7
Fonte: Disponível em http://www.pulitzer.org/prize-winners-by-year/2014 Acesso em 28 fev. 2015
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superar as dificuldades. A quarta mostra Bauman na abertura da Copa Stanley como convidado
dos Bruins de Boston. A imagem vem com um texto que diz que ele deu alguns passos
acompanhado de sua terapeuta Michelle Kerr. Ao lado esquerdo está Carlos Arredondo, um
espectador que socorreu Bauman no lugar da explosão. A legenda termina dizendo que Jeff
Bauman não queria ir ao evento, mas que a sua mãe o incentivou dizendo que este país precisa de
um pouco de esperança neste momento (PULITZER PRIZE, 2014).
A vítima as vezes possui diferenciações. Talvez se trate de uma vítima heroica com
esperança atrelada a ela. A ideia da superação aparece no Prêmio Pulitzer em quantidade
considerável, na maioria dos casos são histórias de soldados americanos sendo reinseridos na
sociedade.
O World Press Photo também possui premiações com essa temática. Em 2014 premiou o
ensaio Healing Bobby, feito no Texas, sobre a trajetória de Bobby Henline após sofrer um
acidente de guerra e se tornar um comediante que viaja os Estados Unidos contando sua história e
inspirando as pessoas. As fotos são de Peter Van Actimael. A fotógrafa Nina Berman, foi
também premiada com as fotos de casamento do soldado Ty Ziegel que retornou aos Estados
Unidos depois de um grave acidente no Iraque em 2005. O que proporcionou a compreensão de
que as vítimas se diferenciam na forma de serem fotografadas, na abordagem, na solicitação de
autorização, da distribuição. Não é possível dizer que todas são vítimas, o termo precisa ser
desenvolvido.
Shabaab disse ser responsável pelo ataque, como uma advertência ao Quênia, para que retirassem
suas tropas da Somália (PULITZER PRIZE, 2014).
Foto 44 - Pulitzer 2014
Essa imagem mostra que, quando o caos aparece em lugares longínquos dos grandes
centros europeus e americanos, é quando o exotismo se faz presente e os prêmios consideram a
possibilidade de premiar e os jornais de publicar a foto das pessoas vítimas do acontecimento.
Desde que as imagens transmitam uma ideia ideológica de barbárie.
La idea de civilizar este mundo será común en toda Europa, desde los políticos
conservadores a los progresistas. Nadie se planteará seriamente la no-intervención para
impedir el “salvajismo” de las poblaciones extraeuropeas (PERCEVAL, 2013, p210).
observação inevitável na imagem de Nathan Weber é o fato que são fotógrafos, homens, brancos
e uma menina exposta, vulnerável, negra.
Foto 45 - Pornografia do desastre, Nathan Weber
Esta visualização da morte pode ser constatada quando o lugar é remoto e exótico
(Sontag, 2003, p.61). Assim são mostradas as populações marginadas, as minorias étnicas,
delinquentes etc. Ariella Azoulay (2008) fala que quando existe uma resolução definitiva sobre a
propriedade da imagem, isso significa que quem está sendo fotografado ou seus parentes não
podem reclamar direitos sobre ela (AZOULAY 2008, p.101-103).
Essas vítimas são muito visibilizadas ao ponto da pornografia escancarada, mas não são
visibilizadas suas histórias, quem são, o que estavam fazendo ali, porque morreram. No exemplo
do que aconteceu no Quênia, não existe pesquisa sobre as vítimas, são simplesmente vítimas,
pessoas, mulheres, crianças, homens e outras generalizações. É possível perceber que existem
“nossas” vítimas e “outras” vítimas.
O estudo da alteridade mostra que existe um “nós” e existe um “eles” que vai ser primordial
na representação de vítimas.
Nos encontramos con un “nosotros” y un “ellos” que se reconstituyen continuamente en
razón de las crisis internas de los grupos humanos, con fronteras del grupo que necesita
inventarse “otros” para afirmar la “identidad” del colectivo. La constatación de los
“otros” es simplemente la afirmación o negación de características propias con las que se
está en disputa […] En un momento determinando, estas características se convierten en
hereditarias y se transforman en lacras de las que el colectivo discriminado o excluido no
puede liberarse (PERCEVAL, 2013, p.19).
118
O nacionalismo que emerge nesse período, logo após 11 de setembro e que pode ser
perceptível na Europa hoje torna esse tema contemporâneo e o estudo da alteridade no
fotojornalismo um assunto de importância atual “El nacionalismo es la creación del “nosotros”
más fuerte, empático e incluyente de la humanidad en su historia. Por eso desarrolla un “ellos”
brutalmente agresivo con una necesidad de eliminación física o mental” (PERCEVAL, 2013,
p.194).
As vítimas então entram nesse processo de análise, porque os estudos de alteridade
mostram que a forma de exibir as pessoas indica se se tratam de um “eles” ou de um “nós”.
Segundo pesquisas do professor José María Perceval, o que aconteceu em Biafra mudou o
panorama ocidental midiático da vítima (PERCEVAL, 2013, p.304). Bernard Kouchner,
fundador de Médicos sem Fronteiras e depois de Médicos do Mundo, ministro socialista e depois
ministro de Sarkozy chama uma agência de relações públicas e coloca a fome como espetáculo
televisivo e essas vítimas são também combatentes nos conflitos, combatentes no modelo de
imagem que o mundo fará daquele acontecimento.
Desde la innovación de Kouchner, las víctimas étnicas entran en televisión y los diarios
compiten con las televisiones en ofrecernos las imágenes más impactantes de lo que se
llama “el sufrimiento ajeno”. Y esta es la característica principal que transforma
perversamente la empatía con el semejante en algo que se puede manejar a través de los
medios (PERCEVAL, 2013, p.307).
Foto 46 - Katrina
Foto 47 - Katrina
assimilados e seguidos por muitos e uma das questões chaves do livro é a diferença, a distância
entre os povos e culturas, as suas misturas, assimilações e a violência e perversão desses
encontros. Uma das perguntas levantadas é a seguinte: “¿Sigo siendo tolerante cuando ni siquiera
reconozco la existencia del otro y me contento con ofrecerle una imagen de mi propio ideal, con
la cual el otro nada puede hacer? (TODOROV, 2013, p. 64) Para avançar nesse assunto, é
preciso um conceito central a este trabalho: o Etnocentrismo: “El etnocentrismo consiste en el
hecho de elevar, indebidamente, a la categoría de universales los valores de la sociedad a la que
pertenezco” (TODOROV, 2013, p. 21).
Todorov (2013, p.212) considera a primeira crítica, feita por Rousseau (nota X del
Discours sur l’origine de l’inégalité) uma dissertação dedicada ao conhecimento de outras
culturas. E a crítica que traz é fundamental a este debate, critica as descrições que foram feitas
pelos viajantes sobre os quais se fundamenta o conhecimento, que são descrições incompetentes e
interessadas, nas quais no lugar do outro, na maioria das vezes, se encontra a imagem deformada
de si mesmo: “Tras trescientos o cuatrocientos años durante los cuales los habitantes de Europa
han inundado las otras partes del mundo y publicado sin cesar nuevos libros de viajes y relatos,
estoy convencido de que los únicos hombres que conocemos son los europeus” (TODOROV,
2013, p. 30). Posteriormente o autor analisa o discurso dos cientificistas, para ele perverso e
mais perigoso, porque existe um orgulho em se basear em uma filosofia “cientifica”
(TODOROV, 2013, p. 33). Traz Saint-Simon, que transforma a ciencia em religião. Destacamos
um folheto de 1814, com Augustin Thierry, que se intitula De la reórganisation de la société
européenne. Sant-Simon propõe uma solução para a Europa desgarrada pelas guerras
napoleônicas: unificá-la (TODOROV, 2013, p. 45,46).
“Poblar el mundo con la raza europea, que es superior a todas las demás razas humanas;
volverlo un lugar habitable y por donde se pueda viajar, como Europa, he ahí la empresa
mediante la cual el parlamento europeo deberá mantener continuamente la actividad de
Europa y tenerla siempre en vilo” (II, 5,p.293 apud TODOROV 2013, p. 47). Nunca
sabremos en qué formas las razas inferiores “van a despoblar” el resto del mundo; sin
embargo, se adivina que ese Estado universal va a ser modelado a la imagen de Europa
(TODOROV, 2013, p. 47).
Entre estes autores cientificistas e unificadores está Comte (TODOROV, 2013,p.48 ), que
ao pensar em raças, não vê como um problema à unificação e postula que estas são
complementárias, fala sobre a existência de três grandes faculdades humanas –inteligência, ação
122
e sentimento -, e declara que as três grandes “raças”, branca, amarela e negra possuem essas
características: Os brancos são mais inteligentes, os amarelos trabalham melhor e os negros
ganham em sentimentos. Todorov observa: “Uno puede imaginar el futuro Estado universal con
sus fábricas en Hong Kong y Tokio, sus universidades en Paris y Londres, y sus fiestas en las
campiñas africanas…” (TODOROV, 2013, p. 51) Assim, este autor complementa com o que
define como “xenofobia contemporânea”: o tal “direito à diferença” pode exigir que todos os
estrangeiros regressem a seus respectivos países e não vivam em valores que não lhes são
próprios (TODOROV, 2013, p. 82).
Outra ponderação diz respeito ao relativismo, Todorov conduz seu raciocínio a partir da
etnologia de Lévi-Strauss: “la etnología es el estudio de una sociedad hecho por alguien que no
pertenece a ella. La especificidad etnológica [..] en la relación singular que se establece entre el
observador y el objeto observado (TODOROV, 2013, p.101,102). Assim pondera Todorov: se o
que define o conhecimento etnológico é a exterioridade do observador, haverão tantas descrições
de uma sociedade como observadores diferentes. Assim poderíamos imaginar que uma tribo
australiana será objeto de uma descrição chinesa, uma hinduísta, uma europeia completamente
distinta entre si e que não existe razão para se conformar com tão pouco a descrição do chinês do
Norte seria diferente da do chinês do sul, a do francês distinta da do alemão assim até o infinito
(TODOROV, 2013, p.103). E o que se mostra mais impactante das ressalvas de Todorov é que:
E conclui que entre essas sociedades a do observador e a do observado não existe somente
uma diferença, mas também uma assimetria (TODOROV, 2013, p.109). Uma das claras
diferenciações entre nós e outros é o racismo e “siendo la historia de la humanidad lo que es, el
racismo ejemplar, el racismo por excelencia, es, pues, el de los blancos con respecto a los negros”
(TODOROV, 2013, p.120).
Ao comentar o ideal estético de Buffon, que é tão estreitamente etnocêntrico: “El hombre
primitivo fue blanco, y todo cambio de color es una degeneración; al contrario de lo que ocurre
con la civilización, que se adquiere, la belleza física está dada el origen” Todorov mostra nesse
123
trecho que, a pesar de absurdo, teve grande influencia porque veio com o prestigio da ciência
(TODOROV, 2013, p.130). Esse cientificismo com fé no determinismo e na submissão da ética
fará combinações no século XIX com o relativismo y a renúncia em acreditar na unidade do
gênero humano, com doutrinas racialistas e nacionalistas (TODOROV, 2013, p.143).
No que diz respeito às críticas de Todorov a como as descrições podem ser um risco,
nesse processo de tradução em que um encontra-se a si mesmo e não ao outro, é possível traçar
intereseções com os estudos sobre o fotojornalismo. A maioria dos fotógrafos que formam a
história do fotojornalismo é americana ou europeia.
LAND 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002
France 211 205 238 232 219 202 213 198 187 230 203
Germany 225 240 262 258 226 257 235 278 233 210 198
Italy 396 400 370 306 251 227 226 180 194 177 162
People's Republic of China 430 570 586 490 400 234 245 233 253 239 230
Spain 217 209 193 197 177 144 140 146 109 116 87
United Kingdom 313 302 309 296 270 290 275 239 242 200 235
USA 598 673 612 711 747 787 830 785 719 706 754
Total: 5236 5687 5796 5480 4988 4463 4447 4259 4173 3905 4166
Fonte: Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados coletados do WPP
Na premiação de 2014, o Pulitzer foi ganho por dois fotógrafos do New York Times: Josh
Haner, que cresceu em São Francisco, estudou em Stanford e mora em Brooklyn, e Tyler Hicks
que nasceu no Brasil, mas graduou-se em jornalismo em 1992 em Bostom University e fez
carreira em mídia americana. No mesmo ano, o Prêmio principal do World Press Photo foi
concedido ao fotógrafo americano nascido em Illinois John Stanmeyer, exclusivo da National
Geographic.
imagens, a mudança desse processo mais do que passar pelos prêmios passa por uma questão
maior que é a cobertura, quem paga pelas reportagens e quais são as agências que distribuem. Por
isso a assimetria, como dito anteriormente, no olhar sobre essas vítimas.
Neste capítulo foi feito um debate sobre uma visão de mundo que se mantêm como a
principal, quando se trata da cobertura de acontecimentos. No próximo capítulo, os
questionamentos serão direcionados para a repetição das imagens, para fundamentar melhor a
constatação da existência de uma padronização do olhar.
Dentro deste regime estão as imagens repetidas, as imagens que são feitas para os
prêmios, com o intuito de saírem vencedoras. Imagens que por sua relação com as artes clássicas
possuem seu lugar garantido.
Todas as imagens que se aproximam de temas religiosos, com áurea cristã, imitações da
Pietàs, assim como os formatos de dualidade, que mostram imagens de bem versus mal, e as
imagens que são reconhecíveis em outras imagens fotográficas, que já se tornaram clássicas.
Aqui também tem lugar a imagem intolerável, que possui seu lugar pela possibilidade de causar
espanto, são imagens difíceis de olhar, feitas para chocar, para causar desconforto e que são
comuns em coberturas sangrentas de guerra. São recorrentes pela relação trágica e porque se
encaixam em um modelo que sempre aparece quando se cobre conflitos. Neste regime, a
problematização recai sobre a proposta de consenso, que significa acordo entre sentido e sentido,
desta forma: “quaisquer que sejam nossas divergências de ideias e aspirações, percebemos as
mesmas coisas e lhes damos o mesmo significado” (RANCIÈRE, 2012, p. 67).
representado, princípios de adaptação das formas de expressão aos gêneros, logo, aos
temas representados, distribuição das semelhanças segundo princípios de
verossimilhança, conveniência ou correspondência, critérios de distinção e de
comparação entre artes etc. [...] Denomino esse regime poético no sentido em que
identifica as artes- que a idade clássica chamará de “belas-artes”- no interior de uma
classificação de maneiras de fazer, e consequentemente define maneiras de fazer e de
apreciar imitações bem feitas. Chamo-o representativo, porquanto é a noção de
representação ou mimese que organiza essas maneiras de fazer, ver e julgar.
(RANCIÈRE, 2009 p.31)
Existe uma convenção, uma representação ou até mesmo um molde imagético para o que
os jornais publicam sobre a imigração Àfrica-Europa. Pessoas entre a vida e morte, polícia,
conflito, tensão. Essas convenções substituem o infotografável pelo reconhecível, o que os
autores Zarzycka e Kleppe (2013:981) chamam de “symbolic accessibility”. Essas convenções,
que levam a representações de um grande evento ou de uma questão geral com simplificações
ideologicamente genéricas e limitadas, se transformam em categorias simbólicas tais como : bem
contra o mal, os horrores da guerra, a inocência das crianças, atos patrióticos de coragem ou a
vulnerabilidade feminina, para isso evocam noções de autoridade civil, padrões morais ou a
precariedade da vida humana, que podem ser observadas em alguns signos semióticos, tais como
o uniforme militar, armas, corpos e bandeiras entre outros. Benjamim Picado (2011:175) fala em
fórmulas repetidas do fotojornalismo: “Quando a imagem não é da ação é dos resultados, da
passagem destruída ou dos rostos crispados e chorosos, o fotojornalismo resolve com figuras do
sofrimento, as ‘fórmulas da paixão’ que significam um acontecimento”. Um dos modelos que
mais aparecem são as versões da Pietàs, a mãe incondicional.
126
O importante desse acervo é que ele contribui na percepção das novas imagens que
aparecem diante de cada um:
Para além dessa propriedade física de dar-se a ver e de produzir-se como imagem
visual, esse tipo de representação do real tem a propriedade semântica de dar-se a ler.
Ou seja, a imagem é portadora de significados que são construídos e/ou descobertos por
aquele que pensa, enquanto olha...[...]. Nessa instância da percepção, a imagem visual
será complementada por uma imagem mental, que classifica, qualifica e confere
sentidos àquilo que é visto (PESAVENTO, 2008, p. 101).
127
Esse conceito está em perfeita sintonia com a segunda parte do livro de Jacques Aumont,
A Imagem (1995), intitulada “ A Parte do Espectador”, dialoga com os conceitos como
“Reconhecimento e Rememoração”, questiona “Por que se olha uma imagem? ” Afirma que “o
espectador constrói a imagem, a imagem constrói o espectador”. Aumont (1995), que faz parte
das referências teóricas do texto de Pesavento, define esse espectador da imagem da seguinte
forma:
As imagens são feitas para serem vistas, por isso convém dar destaque ao órgão da
visão. O movimento lógico de nossa reflexão levou-nos a constatar que esse órgão não
é um instrumento neutro, que se contenta em transmitir dados tão fielmente quanto
possível, mas ao contrário, um dos postos avançados do encontro do cérebro com o
mundo a partir do olho induz, automaticamente, a considerar o sujeito que utiliza esse
olho para olhar uma imagem, a quem chamaremos, ampliando um pouco a definição
habitual do termo, de espectador. Esse sujeito não é de definição simples, e muitas
determinações diferentes, até contraditórias, intervêm em sua relação com uma imagem:
além da capacidade perceptiva, entram em jogo o saber, os afetos, as crenças, que, por
sua vez, são muito modelados pela vinculação a uma região histórica (a uma classe
social, a uma época, a uma cultura). Entretanto, apesar das enormes diferenças que são
manifestadas na relação com uma imagem particular, existem constantes,
consideravelmente trans-históricas e até interculturais, da relação do homem com a
imagem em geral (AUMONT, 1995, p.77).
Esses dois trechos falam do diálogo das imagens mentais com as imagens que os olhos
percebem, o que para Aumont, “reconhecer traz um prazer específico, na arte representativa se
encontra uma satisfação psicológica em reencontrar uma experiência visual em uma imagem sob
forma ao mesmo tempo repetitiva, condensada e dominável” (AUMONT, 1995, p. 83). Este
autor cria um termo que ele chama “A Regra do ETC” no qual explicita da seguinte forma:
“Fazer intervir seu saber prévio o espectador da imagem supre, portanto, o não representado, as
lacunas da representação” (AUMONT, 1995, p. 88).
Essas perspectivas com relação ao espectador são construtivistas, essa relação de construção
de significado, relação entre memória e percepção tornar-se-ão úteis na observação e análise das
imagens premiadas. Não é difícil observar imagens premiadas pelo fotojornalismo mundial que
dialogam com o acervo cultural do Ocidente e se tornam inevitáveis revisitações ao museu
imaginário. O “etc” aí é facilmente reconhecível. Um exemplo disso são as muitas Pietàs dos
séculos XX e XXI. Ronaldo Entler considera o seguinte sobre essas Pietás que se repetem:
Em sua existência ideal, a fotografia tenta alcançar a difícil medida que lhe permitiria
representar de modo singular uma experiência universal, conciliando os fatos cotidianos
128
com sentimentos que afetam os olhares em diferentes tempos e lugares. Essas imagens,
raras, tornam-se arquetípicas (ENTLER, 2012).
Sobre a Pietà de Eugene Smith, Sontag teceu um comentário sobre o seu impacto:
As fotos que W. Eugene Smith tirou no fim da década de 1960 na aldeia de pescadores
japoneses de Minamata, onde a maioria dos habitantes é aleijado e morre aos poucos,
envenenado por mercúrio, nos comovem porque documentam um sofrimento que
desperta nossa indignação – e nos distanciam porque são esplêndidas fotos de agonia,
em conformidade com os padrões surrealistas de beleza. A fotografia tirada por Smith
de um jovem agonizante que se contorce nos braços da mãe é uma Pietà para o mundo
das vítimas da peste que Artaud invoca como o verdadeiro tema da dramaturgia
moderna; de fato todas as fotos da série constituem possíveis imagens para o Teatro da
Crueldade de Artaud (SONTAG, 2004, p. 121-122).
129
A fotografia feita por Sebastião Salgado em 2000 e premiada pelo World Press Photo e a
fotografia de Dorothea Lange, nos anos trinta, fazem parte de acervo ocidental e figuram entre as
imagens icônicas dos livros de história da fotografia.
130
Uma mulher coberta com um niqab e com luvas brancas abraça, num gesto de cuidado,
seu filho com o torso nu e mostra o contraste entre cobrir e desvelar. O debate sobre essa
imagem, na época de sua premiação, recaiu sobre o fato de mais uma Pietà como tantas outras
foram feitas e premiadas com esse mesmo modelo de representação. A imagem foi analisada e
classificada por Zarzycka e Kleppe (2013) como uma convenção de longa data em reportagem de
guerra: o de uma mulher de luto, assim passa a fazer parte do grupo de imagens que mostram as
mães chorando seus filhos, filhas chorando seus pais e irmãos e esposas chorando por seus
maridos.
A fotografia repercute e torna evidente a frase do pesquisador espanhol: “Oriente son los
‘otros’, Oriente es el gran otro de Occidente” (PERCEVAL, 2013, p.169).
Na época, o jurado justificou esse primeiro lugar, dizendo que a fotografia se alinhava ao
espírito edificante da mobilização da Primavera Árabe. Outros afirmaram que a imagem que
poderia ganhar o concurso daquele ano teria que evocar sentimentos principalmente positivos,
como esperança, solidariedade e compaixão. O júri, em sua busca por um vencedor, descartou
131
aquelas fotos de manifestantes enfurecidos na Praça Tahrir, derrubando estátuas e cartazes com
slogans raivosos. Selecionaram, assim, uma fotografia que aparece não só suave, mas também
versátil, segundo eles. Nas suas observações, os juízes afirmaram que a imagem fica não só para
a população do Iêmen, mas também para a do Egito, Tunísia, Líbia, Síria, e praticamente em
qualquer lugar onde a violência acontece, e elogiaram a fotografia pela sua capacidade de evocar
a compaixão e a simpatia e apelar para o amor materno que prevalece além dos limites
geopolíticos (WPP, 2012). Pelos debates acirrados, não seria difícil observar que alguns não se
deram por satisfeitos com as explicações.
A foto da mãe, com o filho no colo, realimenta a construção histórica do cristianismo da
imagem sacra, é a Pietà de Michelangelo. Aumont fala em noção de constância perceptiva que
significa “a comparação incessante que fazemos entre o que vemos e o que já vimos”
(AUMONT, 1994, p. 82). O Fotojornalismo possui essa relação com as imagens clássicas e
constantemente as revisita.
O diálogo que essas fotografias fazem com outras do acervo imagético ocidental é
gritante. É um olhar cultural que tem uma bagagem sóciocultural específica e que vai sempre
observar o outro a partir desse acervo. Azoulay (2008) diz que o enquadramento e escolha da
imagem do fotógrafo irão descrever parcialmente a cena em questão a partir desse tal ponto de
vista, que como já foi debatido anteriormente é cultural, ideológico, histórico e social e que,
segundo esta autora, observa, sobretudo o valor de mercado (AZOULAY, 2008, p.114); um
mercado ocidental, já que as agencias são americanas e européias. Pode-se falar em ponto de
vista, mas numa análise mais detalhada é mais do que um modo de ver uma realidade, é um modo
de narrar uma história sob certos parâmetros. Arlindo Machado chama isso de processo
classificatório:
Toda visão pictórica, mesmo a mais “realista” ou a mais ingênua, é sempre um processo
classificatório, que joga nas trevas da invisibilidade extraquadro tudo aquilo que não
convém aos interesses da enunciação e que, inversamente, traz à luz da cena o detalhe
que se quer privilegiar. (MACHADO, 1984 p. 76)
132
Fonte: Disponível em
https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/oito-
Fonte:Disponível em
novas-imagens-do-corpo-de-che-guevara-esquecidas-
http://medicineisart.blogspot.com.br/2010/06/sete-
50-anos-numa-casa-espanhola-1676565 Acesso em 12
curiosidades-na-licao-de-anatomia.html Acesso em 12
de set. 2014.
dez. 2014.
Um exemplo de revisitação de imagens foi trazido por Sontag (2004). Ela relembra a
imagem de Che Guevara morto que foi assinalada por John Berger como semelhantes ao Cristo
Morto de Mantegna, e Lição de Anatomia do professor Tulip, de Rembrandt.
133
Imagens que possuem semelhança com a fotografia de Therese Frare usada na campanha
da Benneton nos anos 1990.
No texto: Photography, journalism and trauma, Barbie Zelizer (2002) usa o título
Repeating the template’s form. A autora está se referindo a um modelo ou padrão de mostrar as
fotografias, a partir de uma comparação do que foi visto e distribuído de imagens quando na
abertura e liberação dos campos de concentração e o que foi produzido na cobertura do ataque do
11 de setembro de 2001 na cidade de Nova York. Este texto está inserido no livro organizado por
Zelizer e Stuart Allan que trata do jornalismo após o 11 de setembro. A autora chega à conclusão
de que a semelhança no modelo de cobertura e de mostrar a imagem é grande. A autora fala em
cobertura traumática e conclui com essa comparação que, como sociedade, vemos menos. Apesar
de aparentemente as novas tecnologias disponibilizarem uma quantidade maior de fotografias, a
repetição de formatos na representação mostrou que vemos bem menos, porque o modo de
mostrar não mudou, o padrão se estabeleceu.
Segundo o site do World Press Photo, a primeira imagem é um retrato de uma moça
chamada Bibi Aisha, de 18 anos, que foi desfigurada como castigo por fugir da casa do seu marido,
no centro do Afeganistão. Aisha foi abandonada, depois resgatada e levada a Cabul, a um refúgio da
organização Women for Afghan Women, depois foi levada aos Estados Unidos para receber terapia
e uma reconstrução facial. A imagem é da fotógrafa Jodi Bieber da África do Sul, uma das
participantes em 1996 do Joop Swart Masterclass (curso que o World Press Photo oferece a jovens
fotógrafos), que segundo ela foi o momento de virada na carreira, foi membro do júri para o
concurso 2008 World Press Photo e professora do Joop Swart Masterclass de 2010.
É possível observar imagens que dialogam com aspectos específicos da cultura ocidental.
O retrato de Aisha possui diversas similaridades com a famosa foto de Steve McCurry: a menina
afegã. O Prêmio declarou que a imagem foi escolhida como foto do ano por causa da força e
dignidade com a qual a fotógrafa a retratou.
A foto ratifica a ideia de barbárie no Afeganistão, fala de salvamento por ONG americana,
assemelha-se a uma famosa fotografia, esses elementos combinados a fizeram, desde o início,
uma forte candidata a vencer o prêmio.
135
Más allá del contenido sociológico, humanista o religioso que le atribuye la prensa,
impacta por el valor formal del contraste [...] Este valor simbólico reside principalmente
en la medida que suscita categorías universales basadas en elementos antagónicos como
lo blanco y lo negro, lo adulto y lo infantil, lo pequeño y lo grande, lo débil y lo fuerte,
elementos que representan el enfrentamiento mítico entre el bien y el mal, etc
(VILCHES, 1993, p. 30).
Essas quatro imagens possuem histórias diferentes, mas em comum têm o conflito e a
mulher que se coloca vulneravelmente diante da polícia ou exército. A imagem de Anthony Suau
136
da agência Black Star, é uma mãe chorando por ter tido seu filho preso. Ele era um dos
manifestantes que tentavam provar que a eleição presidencial foi fraudada, imagem feita na
Coréia do Sul em 15 de dezembro de 1987. A seguinte fotografia é de uma mulher judia que
resiste à polícia israelenses, prestes a cumprir a ordem da Suprema Corte de demolir nove casas
em um posto avançado do assentamento Amona. A foto de Oded Bality, da agência The
Associated Press foi ganhadora do World Press Photo de 2007. O fotógrafo brasileiro Luiz
Vasconcelos, que trabalha no jornal “A Crítica”, de Manaus (AM), ganhou o prêmio World Press
Photo 2008 na categoria Notícias Gerais com a foto de uma índia com uma criança nua nos
braços enfrentando a Polícia de Manaus. A fotografia clássica de Marc Riboud, feita durante uma
manifestação contra a guerra do Vietnã em 1967 é a que parece ser a matriz de referência das
outras. Nela, uma mulher segura delicadamente uma flor diante de militares armados.
Eu folheava uma revista ilustrada. Uma foto me deteve. Nada de muito extraordinário: a
banalidade (fotográfica) de uma insurreição na Nicarágua: rua em ruína, dois soldados
com capacete em patrulha; em segundo plano, passam duas freiras. Essa foto me
agradava? Me interessava? Me intrigava? Nem mesmo isso. Simplesmente, ela existia
(para mim). Compreendi logo que sua existência (sua "aventura") tinha a ver com a co-
presença de dois elementos descontínuos, heterogêneos, na medida em que não
pertenciam ao mesmo mundo (necessidade alguma de ir até o contraste): os soldados e
as freiras. Pressenti uma regra estrutural (na medida de meu próprio olhar) e tentei de
imediato verificá-la examinando outras fotos do mesmo repórter (o holandês Koen
Wessing) muitas dessas fotos me prendiam porque comportavam essa espécie de
dualidade que eu acabava de detectar" (BARTHES, 1984, p. 40).
Barthes exemplifica sua teoria com esta imagem em que aparecem freiras e soldados em
uma mesma cena e que destoam por não participarem do mesmo universo de significados e por
isso faz a imagem aparecer, existir, interessar.
137
Entre as imagens premiadas pelo World Press existe uma que dialoga bem com esse
conceito, ganhadora em 2007 do primeiro lugar na categoria retratos da fotógrafa Nina Berman,
autora de Purple Hearts - De volta do Iraque (2004) e Homeland (2008), um exame do
militarismo na América pós 11/9. Ela é membro da Noor, um coletivo de fotografia com sede em
Amsterdã.
Foto 66 - wpp
A foto faz parte de um ensaio ganhador do primeiro lugar da categoria General News
Stories do World Press Photo 2011, é de autoria de Olivier Laban-Mattei da agência France-
Presse. A legenda diz que a imagem mostra um homem jogando o corpo de uma criança no
necrotério do Hospital Geral de Port-au-Prince em 15 de janeiro de 2010.
Rancière (2012:83) pergunta: “será intolerável criar tais imagens ou propô-las à visão
alheia? ” Ele debate a questão refletindo sobre o trabalho de Oliviero Toscani, que soube
trabalhar com temas dentro da publicidade, polêmicos o suficiente para que alguns tratassem suas
campanhas como intoleráveis. O exemplo trazido pelo autor é o da jovem modelo Anoréxica.
140
Rancière debate a imagem dizendo que o “fotógrafo opunha à imagem de aparência uma
imagem de realidade. Ora, a imagem de realidade é que é suspeita, por sua vez. Considera-se que
o que ela mostra é real demais, intoleravelmente real demais para ser proposto no modo da
imagem” (RANCIÈRE, 2012, p.83).
Uma questão que parece óbvia, as pessoas parecem aceitar facilmente que são fotografias
gráficas demais, realísticas demais. No entanto, a problematização trazida pelo autor, direciona
para o questionamento do fato de que a imagem transita dentro do regime de visibilidade que ela
mesmo crítica, está dentro do mesmo espetáculo. Se essa fotografia entra nesse capítulo como
uma imagem que se repete, então é difícil dizer que se trata de uma imagem intolerável porque os
meios a publicam, vendem livros e prints em FineArt, ou seja, ela é bem tolerada.8
Alguns exemplos:
8
Aqui precisamos fazer uma consideração que relaciona essas imagens com o que falamos anteriormente e
com o capítulo anterior do regime ético das imagens: As imagens intoleráveis que são mostradas fazem partes de
países, de etnias, de lugares específicos, que não são certos grupos europeus ou americanos, que não inclui os mortos
em Nova York no 11 de Setembro.
141
Fonte: Disponível em
http://www.robinmoyer.com/gallery.html?gallery=Lebanon%201982#/6
Acesso em 12 dez. 2015
Fonte: Disponível em
http://www.worldpressphoto.org/collection/photo/1985/world-
press-photo-year/pablo-bartholomew Acesso em 12 dez.
2015
Fonte: Disponível em
http://www.worldpressphoto.org/collection/photo/2004/spot-news/atta-kenare
Acesso em 12 dez. 2015
O sistema de informação não funciona pelo que são capazes de “descriptar” a vaga de
informações referentes às multidões anônimas. A política dessas imagens consiste em nos
ensinar que não é qualquer um que é capaz de ver e falar. E essa lição é confirmada de
maneira prosaica pelos que pretendem criticar a inundação das imagens pela televisão
(RANCIÈRE, 2012, p.94).
142
O tratamento do intolerável é, assim, uma questão de dispositivo que via certo senso de
realidade, certo senso comum. Um “senso comum” é, acima de tudo, uma comunidade de
dados sensíveis: coisas cuja visibilidade considera-se partilhável por todos, modos de
percepção dessas coisas e significado também partilháveis que lhes são conferidos. É,
também a forma de convívio que liga indivíduos ou grupos com base nessa comunidade
primeira entre palavras e coisas. O sistema de informação é um “senso comum” desse
tipo: um dispositivo espaço-temporal dentro do qual palavras e formas visíveis são
reunidas em dados comuns, em maneiras comuns de perceber, de ser afetado e de dar
sentido. O problema não é opor a realidade a suas aparências. É construir outras
realidades (RANCIÈRE, 2012, p.99).
Este capítulo trabalha com os conceitos de Rancière que observa “as estratégias dos
artistas que se propõem a mudar os referenciais do que é visível e enunciável, mostrar o que não
era visto, correlacionar o que não estava correlacionado, com o objetivo de produzir rupturas no
tecido sensível das percepções e na dinâmica dos afetos” (RANCIÈRE, 2012, p. 64).
O regime estético das artes é aquele que propriamente identifica a arte no singular e
desobriga essa arte de toda e qualquer regra específica, de toda hierarquia de temas,
gêneros e artes [...] O regime estético das artes é, antes de tudo, um novo regime da
relação com o antigo. De fato, ele transforma em princípio de artisticidade essa relação de
expressão de um tempo e um estudo de civilização que antes era considerada a parte “não-
artística” das obras. [...] A temporalidade própria ao regime estético das artes é a de uma
co-presença de temporalidades heterogêneas (RANCIÈRE, 2009 p.36-37).
Agambem diz que “aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos
os aspectos a esta adere perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não
conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela” (AGAMBEM, 2009, P.59).
O que será esse enxergar no escuro e essa contemporaneidade que não é de cunho
cronológico?
O trabalho, Testemunhos silenciosos: uma nova concepção de realismo na fotografia
contemporânea, explica que “o segredo está numa precisa distância do objeto: perto o bastante
para tocar o sujeito em seu desejo, mas não o suficiente para resolvê-lo” (ENTLER, 2006). O
autor repensa a cisão entre uma fotografia documental e outra construída. Para este:
A fotografia contemporânea pôde se voltar novamente para o caráter documental da
imagem na medida em que redimensionou suas pretensões. Ela aprendeu a olhar para o
mundo de maneira mais humilde, sem precisar abrir mão de sua ligação com ele. Não se
satisfez em ser uma representação possessiva e estática, como um caçador que só pode
exibir sua conquista morta e mumificada (ENTLER, 2006 ).
Entler observa uma fotografia na condição de metonímia, que tangencia, que aponta para
uma realidade que permanece fugidia. No texto “Um lugar chamado fotografia, uma postura
chamada contemporânea” (2009), Entler fala da dificuldade que é explicar o que seria fotografia
contemporânea. E pergunta “Como poderíamos olhar para a produção recente e dizer que tal
coisa é contemporânea, ou não é? ” E afirma que mais do que uma técnica ou tendência
estilística, trata-se de uma postura, ou seja, um modo crítico e consciente diante de próprio meio.
Ele reconhece essa postura em propostas que assumem uma direção ficcionalizante. Falando da
fotografia artística, identifica os artistas dos anos 60 que incorporaram xerox, serigrafia e meios
eletrônicos etc. Ele mostra como historicamente esse debate sobre a especificidade das
linguagens foi sendo confrontado. Novos termos surgiram nesse processo, tais como fotografia
híbrida, construída, contaminada.
O autor retoma debates que colocaram a fotografia artística como um contraponto ao real
possível.
Ao desmistificar a relação da fotografia com o real, somos às vezes empurrados para
uma posição radical que nos obriga a tomar todas as imagens como uma experiência
autorreferente, como se, no final das contas, a fotografia só fosse capaz de falar da
própria fotografia, como se não existisse um mundo fora dela (ENTLER, 2009).
146
Por fim, uma reflexão que engloba esse debate anterior: “Estamos agora em condições de
recuperar as possibilidades de identificação com o olhar. Teremos então a surpresa de perceber
que, ao inventar um mundo, essas ficções nos representam ainda mais profundamente”
(ENTLER, 2009).
O próximo termo, Imagem Pensativa, que contribui para essas problematizações é
proposto por Rancière.
O autor observa uma tensão dentro da reportagem social, no cerne da imagem que faz
parte de um trabalho que mostra o cenário de vida miserável dos fazendeiros do Alabama. Então
9
FSA – Nos anos 30, depois da queda da bolsa de 1929, Franklin Roosevelt instituiu um programa para ajudar as
arruinadas regiões agrícolas do interior do país. Denominado Farm Security Administration (FSA), o projeto contou
com a participação de um grupo de fotógrafos, que ficou encarregado de documentar a situação e registrar as ações
do governo.
147
questiona: “ Mas, para mostrar essa miséria, o fotógrafo precisava realmente tirar essa foto em
primeiro plano de quatro tábuas e uma dúzia de talheres? ” (RANCIÈRE, 2012, p. 112).
Assim como a imagem pintura de pequenos mendigos sevilhanos, feita por Murilllo (que
não fazem nada) e o Torso de Belvedre (um Hércules em repouso), “o que confere virtude
pictórica à fotografia da cozinha do Alabama ou da adolescente polonesa é uma mudança de
estatuto nas relações entre pensamento, arte, ação e imagem” (RANCIÈRE, 2012, p. 115). Para o
autor é essa mudança que marca a passagem de um regime representativo da expressão a um
regime estético.
Rancière observa que na fotografia de Walker Evans “não é nem o registro bruto de um
fato social, nem a composição de um esteta que faça arte pela arte à custa dos pobres camponeses
cuja miséria ele deve mostrar. Mostra a contaminação de duas artes, de duas maneiras de
‘mostrar’” (RANCIÈRE, 2012, p. 118).
Dessa forma, podemos trazer de uma maneira mais clara que a pensatividade é a presença
latente de dois regimes de expressão. Acrescentamos do texto do autor: “Tentei dar algum
conteúdo a essa noção de pensatividade que na imagem designa algo que resiste ao pensamento,
ao pensamento daquele que a produziu e daquele que procura identificá-lo” (RANCIÈRE, 2012,
p. 124).
148
Nos anos 50, os novos fotógrafos documentaristas já não tinham mais o mesmo interesse
pela tarefa de reformar a sociedade. Seus precursores tinham, de fato, despertado
algumas consciências: Lewis Hine (1874-1940), por exemplo, tornou-se fotógrafo oficial
do National Child Labour Comittee, dos EUA, e suas fotografias de crianças trabalhando
por mais de 12 horas, em fábricas e minas, influenciaram os legisladores a tornar o
trabalho infantil ilegal. Porém, não haviam conseguido transformar a humanidade, como
muitos chegaram a acreditar. Desencantados com os ideais de reforma que sustentavam
o documentário, as novas gerações de fotógrafos documentaristas começaram a buscar
novos enfoques, retratando o mundo por outro ponto de vista, sobretudo menos otimista.
(LOMBARDI, 2008, p.39)
Esta visão coincide com a de Jorge Pedro Sousa (2001, p. 425) o qual afirma que “os anos
cinquenta do século XX foram uma época de ruptura das fronteiras temáticas e de
desenvolvimento da fotorreportagem”.
A proposta do termo surge a partir da observação de uma fotografia documental “em
busca por novas linguagens, por novas formas de representação mais voltadas para a expressão”.
(LOMBARDI, 2008, p. 42) considera documentário: “Temas sociais, impressões sobre o mundo,
vida cotidiana, cenas de guerra, registros de viagens, os mais diferentes tipos de fotografias
podem ser classificados como documentais”. A definição é abrangente:
O fotodocumentarismo pode, então, abarcar diferentes modos de representação. Por um
lado mais participativo, ele pode ser usado para defender os ideais civis, denunciar,
compor discursos políticos e apontar as divergências da sociedade. Pode também ser
utilizado pelos fotógrafos para descrever o cotidiano, retratar as experiências da vida
comum ou documentar algo que está desaparecendo (LOMBARDI, 2008, pp.43-44).
O termo imaginário é trazido por Káta Lombardi e se une ao de documentário para falar
de um “lugar onde estão instalados os sonhos, os desejos, os mitos, as crenças, as aspirações, as
149
A autora exemplifica sua teoria falando do site e livro “Paisagem Submersa” que
apresenta os trabalhos de João Castilho, Pedro Davi e Pedro Mota, três fotógrafos mineiros que
retrataram comunidades ribeirinhas que tiveram suas terras parcialmente inundadas em sete
municípios do nordeste do estado de Minas Gerais, para formar o lago da Usina Hidrelétrica de
Irapé, no leito do rio Jequitinhonha.
150
Fonte: Disponível em
Fonte: Disponível em
http://revistaold.tumblr.com/post/59769608413/paisagem
http://revistaold.tumblr.com/post/59769608413/paisagem
Acesso em 20 dez.2015. Acesso em 20 dez.2015.
A cobertura é documental porque mostra a realidade de uma comunidade que está sendo
retirada de sua localidade, existe uma proposta de registrar uma realidade que depois dali não
existirá mais, uma proposta de preservar a memória, no entanto a execução do trabalho ocorreu a
partir de construção de imagens. Não mais a ideia de ir ao local e registrar o que aparece na
frente, mas conceber imagens que debatesse questões subjetivas que daquele assunto aflorou.
Um exemplo exposto pela autora é o ensaio intitulado “costas” dentro do “Paisagem
Submersa”, feito pelo fotógrafo João Castilho. As camisas das pessoas são parecidas ao local
onde estão inseridas, o que leva a pensar sobre a relação entre pessoal e local, eles não estão
somente ali, eles são aquela região, se confundem com ela.
151
Foto 82 - João Castilho / Paisagem Submersa Foto 83 - João Castilho / Paisagem Submersa
Neste trabalho, fotografado por Alexandre Severo, é possível ver que existe uma proposta
de discussão sobre a própria fotografia em si, desvelando ao leitor que isso é uma imagem
construída, existe produção, cenário, estúdio, flash, sombrinhas, fundo infinito. Isso é uma
fotografia e não uma janela para o mundo. O fotógrafo e o jornal inovaram, debatem a própria
fotografia, criam uma narrativa dentro da temática e não deixam de retratar as pessoas, esses
novos sertanejos que esse especial se propôs a fazer.
Foto 85 - Os Sertões site Foto 86 - Os Sertões site
O jornal publicou uma página inteira com o retrato clássico do rosto e uma imagem ao
lado da cena sendo montada para a foto acontecer.
Um outro trabalho é o da revista Aurora, um encarte publicado aos domingos no jornal
Diario de Pernambuco
153
Foto 88 - Revista Aurora 27 de outubro de 2013 Foto 89 - Revista Aurora 27 de outubro de 2013
Legenda: “A gente não se reconhece mais, não sente Legenda: Cirleide, vítima da violência do marido, se
segurança de andar, o assédio nessa cidade é uma coisa preocupa com a geração mais jovem: “São meninas
absurda”. Nivete Azevedo, coordenadora do Centro de novas e pobres, de engenho, que viram objetos nas mãos
Mulheres do Cabo desses trabalhadores. Elas veem naquela farda uma
mudança de vida”.
154
O último exemplo, dessa linha de proposta, foi publicado também pela Revista Aurora,
que discute a falta de praças na cidade do Recife. Desta forma, a revista está debatendo qualidade
de vida, colocando desenhos de pessoas, crianças, coretos, fontes, bancos de praças, ciclo faixas
em locais onde eles não existem.
10
Revista Aurora em debate na Aeso-Barros Melo. 06.11.2013. Disponível em<
http://www.aeso.br/noticias/ler/2051/revista-aurora-em-debate-na-aeso-barros-melo#.UslXMdJDvp4>
155
Parte dos documentalistas actuais não perseguem, portanto, a ilusão de uma verdade
universal no processo de atribuição de sentido, antes promovem no observador a
necessidade de, questionando, chegar à “sua verdade”, a uma “verdade subjectiva”, o
mesmo é dizer, a uma visão do mundo. A compreensão contextual dos acontecimentos
leva, assim, a procedimentos assumidos como os da encenação ficcional-interpretativa,
como numa célebre fotografia de Karen Korr na qual se procura criticar o capitalismo,
na qual se vê um corvo sobre uma caveira colocada sob um pano preto num cenário
institucional clássico. Ou numa fotografia de Miguel Rio Branco onde dois queijos
galegos evocam os seios femininos, ligando a feminilidade à Galiza (SOUSA, 2001,
p.432).
Para este autor, a terceira revolução do fotojornalismo ocorre no início dos anos noventa,
quando “as possibilidades da manipulação e geração computacional de imagens levantam
problemas nunca antes colocados à actividade, no âmbito da sua relação com o real” (2001, p.
157
432). Ele conceitua como uma produção fotojornalística de autor, na linha da agência Magnum e
que tem um escoamente maior para editoriais quality papers, assim como edição de livros e
realização de exposições (2001, p. 433).
(...) desde os anos setenta e oitenta que pequenas agências de fotógrafos, mais do que de
fotografias, isto é, agências que consagram o fotojornalismo de autor e de projecto de
duração indefinida, têm seguido o modelo aberto pela Magnum, agência a que Salgado
já pertenceu. São os casos das americanas Contact e JB Pictures e da francesa Vu. Elas
contribuem, junto com jornais e revistas “de qualidade”, para ampliar o mundo da
fotografia jornalística e para romper as rotinas e os critérios de noticiabilidade
dominantes no fotojornalismo, como a velocidade, a actualidade ou a acção. Algumas
revistas e jornais “de qualidade” têm recorrido a esse fotojornalismo de autor e de
qualidade (SOUSA, 2001, p.434).
Ganhar o WPP é a chance de ter suas imagens analisadas por renomados fotógrafos/as,
editores pesquisadores, curadores e artistas visuais. Entender o que eles consideram questões
contemporâneas não é uma tarefa tão simples. A categoria, que existe desde 2004, possui grande
variação temática e estética, como por exemplo, o trabalho de Zed Nelson, intitulado “ Love Me”,
que trata da obsessão pela beleza, cirurgias plásticas, anorexia, halterofilismo entre outras
modificações do corpo em busca de ideais de beleza.
11
Essa exposição fez parte do projeto de Docfield Barcelona (docfieldbarcelona.org), 14 de agosto de 2014 –
Barcelona, Espanha.Fonte: Acervo Pessoal
158
Recebeu o terceiro lugar em 2009, passou por diversas cidades com o a exposição do
WPP, está nos anais do prêmio e ganhou outros espaços expositivos como o Palau Robert em
Barcelona, sendo um dos trabalhos do projeto Docfield Barcelona.
O próprio prêmio afirma que essas categorias estão em constantes modificações e novas
são incorporadas a cada certo tempo. A diversidade de temáticas leva a seguinte questão: falar em
questões contemporâneas é dizer o que exatamente, no que diz respeito à imagem fotográfica?
Por estar em um terreno ainda pouco explorado, por isso difícil de definir, poderíamos
dizer que se trata de imagens que não são moldes pré-formatados estéticos, não conseguimos
levantar um número de imagens semelhantes como fazemos com as Pietàs do fotojornalismo.
O World Press Photo of the Year 2014 foi concedido a uma imagem que concorreu e
ganhou o primeiro lugar na categoria Questões Contemporâneas, que, segundo a premiação,
significa imagem única ou histórias/portfólios que documentam as questões que afetam a vida das
pessoas e da sociedade de hoje, no que diz respeito ao social, ambiental, à saúde, economia ou
outras áreas próximas a isso12.
O prêmio principal de 2014 foi concedido à imagem Signal, de John Stanmeyer. O texto
legenda explica que as pessoas na foto tentam captar um sinal de telefonia móvel, de baixo custo
da vizinha Somália, estão em Djibuti, um ponto de parada estratégico para migrantes em trânsito
de países como Somália, Etiópia e Eritréia para Europa e Oriente Médio.
Galard (2012, p. 115) pergunta: “O que é uma foto ‘bem-sucedida’ quando, faz muito
tempo, a nitidez não é mais indispensável e a imperfeição não é depreciatória?” Uma das juradas,
Jillian Edelstein13, respondendo o porquê de esta ser a melhor imagem do ano para este concurso,
diz que a fotografia fala sobre tecnologia, imigração, globalização de uma forma sutil, poética, e
chega a usar o termo sofisticada. Afirma também que se trata de um tema de grande preocupação
hoje.
12
Essa explicação aparece no site do concurso. Disponível em: http://www.worldpressphoto.org/2014-photo-
contest/categories Acesso em 28 de agosto de 2014.
13
Fala de Jillian Edelstein Disponível em http://www.worldpressphoto.org/content/american-photographer-john-
stanmeyer-wins-world-press-photo-year-2013
159
14
Fonte: Acervo pessoal
O autor da imagem, Stanmeyer, acredita que o que ele viu naquela praia nos universaliza
como seres humanos e essa é a proposta da sua narrativa. O fotógrafo disse que evitando os temas
habituais de guerra, pobreza ou violência, a imagem toca em temas universais de migração,
tecnologia e globalização. O fotógrafo complementa que nós migramos em busca de uma melhor
vida, mas precisamos sempre nos conectar com a nossa casa. "Eu poderia ser uma daquelas
pessoas tentando conectar com a minha família. Eu estou na estrada 250 dias por ano" (ESTRIN,
2014).
Concordamos que a ideia de alguém procurando sinal de celular é próxima e familiar,
diferente do exotismo das embarcações e do salto das fronteiras que normalmente mostram essa
questão.
14
Fonte: Imagem pessoal da autora. Registro feito em visita à Exposição do World Press Photo no Festival
internacional de Fotojornalismo - Visa pour l'Image 2014 - Couvent des Minimes, Perpignan - França. Imagem
captada 02 de setembro de 2014.
160
Foto 96 - Reprodução de capas de jornais de 19/03/ 2014 Foto 97 - Reprodução de capas de jornais de 19/03/
2014
Foto 98 - Reprodução de capas de jornais 19/03/ 2014 Foto 99 - Reprodução de capas de jornais de 19/03/
2014
Perceval debate em seu livro que o tratamento que os meios de comunicação dão às
violências étnicas e os massacres não demonstram compreensão de que esses acontecimentos são
resultados e não causas. O sistema mediático se refugia na cômoda explicação do “ódio étnico” e
se dedica a colocar etiquetas de bondade e maldade aos grupos enfrentados (PERCEVAL, 2013,
p. 299).
162
A fotografia Signal premiada de 2014 é criticada pelo contrário, por não representar o que
se espera que a imagem sobre imigração represente, é inesperada porque não está contida dentro
do acervo necessário para rapidamente assimilá-la e categorizá-la como uma foto de imigração.
Foto 100 - Printscreen do blog de fotografia Lens do New York Times debatendo a imagem de 2009
Benjamim Picado fala que “nos escapa nesta imagem aquilo que nos auxiliaria a
identificar o universo de sua referência, seja com respeito à singularidade histórica do
acontecimento, ou então relativamente às figuras mais genéricas de sua expressividade”
(PICADO, 2011, p. 177).
A legenda diz: Mulheres gritam a sua discordância de um telhado de Teerã em 24 de junho,
após a disputada eleição presidencial iraniana. O resultado foi uma vitória para o presidente
Mahmoud Ahmadinejad sobre o candidato da oposição Mir Hossein Mousavi, mas houve
163
acusações de fraude eleitoral. Nas semanas seguintes, manifestações violentas ocorreram nas
ruas. À noite, as pessoas gritavam dos telhados, um eco de protestos que ocorreu durante a
Revolução Islâmica de 1979 (WPP, 2010).
Benjamim Picado (2011, p.177) fala sobre essa imagem e a considera uma imagem de fuga:
“É evidente que nela se manifesta o sintoma de um olhar crítico sobre a retificação destas figuras
canônicas da cobertura visual” . Para Picado imagens como esta “parecem sinalizar, com respeito
às manifestas tendências das formas documentais contemporâneas em trazer à baila os elementos
de uma vivência mais ordinária da significação do histórico” (PICADO, 2011, p. 178).
A lentidão em pensar a imagem e pensar a temática é um dos itens que se destacam nas
imagens de Mastuzo e de Stanmeyer. Existe um quê de sonho nessas duas fotografias e uma
aproximação com uma realidade ocidental, sem tanto exotismo.
David Guttenfelder, fotógrafo da Associated Press e um dos jurados, disse que o júri sabia
que a imagem do ano de 2014 seria uma fotografia que geraria controvérsia. Disse que “It might
provoke debate, but will signal to photographers that they can cover events with a different visual
language and they will be taken seriously” (ESTRIN, 2014). Essa frase, trazida por James Estrin
no blog Lens do New York Times, nos faz pensar que algo está sendo sinalizado. Guttenfelder
diz que isto mostra aos/as fotógrafos/as que eles podem cobrir eventos com uma linguagem
visual diferente e mesmo assim serão levados a sério. Mostra como o universo da indústria do
fotojornalismo está experimentando novas propostas.
Alguns comentários surgiram por parecer uma estética publicitária, como se tratasse de
uma propaganda de celular e não uma realidade em debate sobre imigração.
A imagem premiada em 2014 pelo World Press Photo “Signal” é uma imagem
emblemática em diversas discussões sobre o que o fotojornalismo tem assimilado para si como
possibilidade. É uma fotografia que evidencia uma temática social incômoda para muitos países e
que gera diversos debates sobre o impacto dessa questão na crise europeia, no desemprego etc.
No entanto, o tema não é novo, não é um novo conflito que começou no ano vigente, é um
assunto que ciclicamente aparece e tem uma relação com todas as pessoas e por isso pode ser
visto de forma menos exótica. Segundo o professor Dr. José Maria Perceval : “En los últimos 200
años, el 85% de la población mundial ha sido migrante. Nos encontramos, por tanto, ante un
164
fenómeno general que se ha producido de forma constante durante las últimas décadas”
(PERCEVAL, 2013, p.211).
Não existe uma resposta exata ao fato da fotografia concorrer na categoria questões
contemporâneas e não em notícias. O mais provável é o fato de que a categoria traz em si uma
brecha ao debate do que seria uma questão contemporânea dentro de uma premiação de
fotojornalismo. Se a contemporaneidade estaria na forma de fotografar, na narrativa da história,
no olhar do fotógrafo, na proposta da temática etc. Interessante como em tempos de tanto debate
sobre interferências de softwares de tratamento, o contemporâneo não reside em alguma
manipulação nova ou alguma moda dentro da fotografia. Pelo menos, não para o World Press
Photo.
Arriscamos a dizer que o contemporâneo dessa imagem esteja no inesperado de termos
uma fotografia que não revela escancaradamente sua intenção de debater a imigração, uma
imagem de fuga, que nos escapa da explicação rapidamente factível. Poderíamos dizer também
que a imagem não se enquadra em nenhum dos cânones que tanto se repetem, de vítimas
chorosas ou ações flagrantes. Não vemos nela o contraste da dualidade do bem contra o mal, do
branco europeu contra o negro africano.
Vemos uma postura diferenciada, menos inclinada a uma visão exótica, entramos
ligeiramente no terreno dos debates sobre o sonho, é uma imagem esperançosa, pacífica no
sentido de perene, não causa arroubos como estamos acostumados a imagens que ganham os
prêmios da fotografia de mídia. Temos uma imagem esteticamente tão simples que desconfiamos
do fato de se tratar de um conceito tão carregado de potencialidades e que recebe a insígnia de ser
o melhor fotojornalismo contemporâneo do mundo.
deles na linguagem e principalmente no mercado da arte contemporânea. Este livro nos auxilia a
observar que o fotojornalismo e o que os jurados, muitos deles curadores, estão escolhendo para
ganhar o World Press Photo bebe em muitos aspectos nessa fonte. Além do mais, Charlotte
Cotton foi uma das juradas do prêmio de 2010.
A primeira aproximação do prêmio aos processos de comercialização e exibição da arte
contemporânea está na qualidade de montagem e da impressão em FineArt das cópias. A segunda
é o livro catálogo. A terceira é a venda de cópias em fineArt pelo site.
Foto 101 - Prints World Press Photo – 370 euros Foto 102 - Yearbooks – 25 euros
Cada lugar possui um tipo de montagem diferente em função do espaço. No site existe um
mapa interativo com todos os lugares em que a exposição acontece.
No formato estético, na linguagem e na forma de narrar os acontecimentos, observamos
aproximações com a arte contemporânea.
Utilizaremos os itens trazidos nos oito capítulos de Charlotte Cotton para fazer essa
relação. Cotton traz Sophie Calle com o trabalho “Suíte Veneziana” (quando ela segue um
desconhecido de Paris até Veneza) e a obra “O Hotel”, quando ela aceita trabalhar como
camareira em um hotel e fotografa os objetos pessoais dos hóspedes, o lixo etc. Para a autora “As
obras de Calle fundem fato e ficção, exibicionismo e voyeurismo, performance e audiência”
(COTTON, 2013, p.23)
Foto 105 - Sophie Calle – Suíte veneziana Foto 106 - Sophie Calle, The Hotel, Room 47 1981, © DACS, 2004
Fonte: Disponível em
<https://www.studyblue.com/notes/note/n/storia-della-
fotografia/deck/6105183 >Acesso em 20 dez. 2015.
Fonte: Disponível em <https://www.studyblue.com/notes/note/n/storia-della-
fotografia/deck/6105183 >Acesso em 20 dez. 2015.
Outro artista citado pela autora é o holandês Roy Villevoye que representou a diferença
cultural de forma estritamente visual, quando trabalhou com a comunidade asmati de Irian Jaya
(Papua-Nova Guiné). Esse projeto debate exploração artística da cor e da raça e debate a história
colonial holandesa. No trabalho “Presentes”, Villevoye fotografou os nativos em fila, de um
modo que lembra as fotos antropológicas do século XIX, vestindo camisetas trazidas da Holanda.
Para a autora “a estratégia de Villevoye reflete os históricos elos comerciais entre ambos e o zelo
168
implícito dos ocidentais em impor suas preferências e senso de decoro a nativos colonizados”
(2013, p. 35-36).
Foto 107 - Presentes de Roy Villevoye Foto 108 - Presentes de Roy Villevoye
Foto 109 - Jeff Wall, After “Invisible Man” by Ralph Ellison, the Preface, 1999-2001
Foto 111 - Gregory Crewdson. Untitled (from the Twilight series), 1999.
também se refere à tradição da fotografia alemã nas décadas de 20 e 30, conhecida como Nova
Objetividade” (COTTON, 2013, p. 82).
Os fotógrafos criavam “tipologias” da natureza, da indústria, da arquitetura e da sociedade
humana. O casal Bernd e Hilla Becher é citado como as pessoas mais influentes na configuração
da fotografia inexpressiva contemporânea até hoje. Os fotógrafos Andreas Gursky, Thomas Rulf,
Thomas Struth, Candida Höfer, Axel Hütte, Gerhard Stromberge, Simone Nieweg, foram seus
alunos. (COTTON, 2013, p.82).
detalhes biográficos estão impressos em nosso rosto e de que nossos olhos são as janelas da
alma” (COTTON, 2013, p.109).
Foto 113 - Joel Sternfeld -A Young Man Gathering Shopping Carts, Huntington, NY, July 1993
Os retratos de Joel Sternfeld são destacados neste capítulo. O autor combinou com um
desconhecido para fotografá-lo a uma distância respeitosa, mostrando a resistência e a
ambivalência diante dessa breve ruptura na rotina de seus fotografados. (COTTON, 2013, p. 107-
108). Jitka Hanzvolá, Hette Tronvoll, Albrecht Tübke, Celine Van Balen, Rineke Dijkstra
também são citados neste capítulo.
No texto intitulado “Alguma coisa e nada”, a autora debate sobre objetos comuns do dia a
dia que podem se tornar extraordinários quando fotografados.
Como normalmente ignoramos esses objetos ou os mantemos na periferia da visão, talvez
não os consideremos a princípio como temas visuais legítimos dentro do léxico artístico.
Estas fotos preservam a realidade da coisa que está sendo descrita, mas seu tema é
conceitualmente alterado por causa da maneira como os objetos são representados. Por
meio da fotografia, a matéria cotidiana é dotada de uma carga visual e de possibilidades
imaginárias que vão além de sua função trivial (COTTON, 2013, p. 115).
Para a autora é um tipo de fotografia de natureza-morta que pensa em uma matéria prima
da vida cotidiana, rompendo os limites entre a galeria e o mundo. “Todas as fotografias deste
capítulo tentam sutilmente transformar nossa percepção da vida diária. Há algo de anticlimático e
inacabado, mas ainda vibrante, nesta forma de fotografia” (COTTON, 2013, p.126). Entre os
artistas citados: Peter Fish, David Weiss, Robert Smithson, Robert Morris, Gabriel Orozco, Félix
Gonzales – Torres, Richard Wentworth, Jason Evans, Nigel Shefran, Jennifer Bolande, Jean-
173
Marc Bustamante, Wim Wenders, Anthony Hernandez, Tracey Baran, Peter Fraser, Manfred
William, Roe Ethridge, Wolfgang Tillmans, James Welling, Jeff Wall, Laura Letinsky, Uta
Barth, Elisa Sighicelli, Sabine Horing.
Os artistas citados são: Nobuyoshi Araki,, Larry Clark, Juergen Teller, Corinne Day,
Larry Clark, Richard Billingham (fotos dos pais discutindo e do irmão bêbado), Ann Fox, Ryan
McGinley, Hiromix, Yang Yong, Alessandra Sanguinetti, Annelies Strba, Ruth Erdt, Elionor
Carucci, Tina Barney, Larry Sultan, Mitch – Epstein [vida da família], Colin GrayElina Brotherus
e Breda Beban.
Cottton (2013) trata também de fotografias que podem servir de testemunha dos modos
de vida e dos acontecimentos do mundo. A autora explica que em geral, os fotógrafos artísticos
contemporâneos têm adotado uma postura antirreportagem:
(...) desaceleram a tomada de imagens, permanecem fora do núcleo da ação, chegam
depois do momento decisivo. O uso de câmeras de médio e grande formato (em
contraposição às de 35mm), que não são normalmente vistas em zonas de guerra ou nas
cenas de desastres humanos – não, pelo menos, desde meados do século XIX-, tornou-se
um indicador de que uma nova fornada de fotógrafos está configurando o mundo social
de maneira comedida e contemplativa. Os temas também têm sido diversos; em vez de
se verem aprisionados em meio a eventos caóticos, ou muito próximos de cenas de dor e
sofrimento, os fotógrafos têm preferido apresentar o que fica na esteira desses momentos
trágicos da humanidade, geralmente registrando o que ficou para trás, num estilo que
propõe uma visão e um julgamento (COTTTON, 2013, p.167).
A partir de fotógrafos como Wilie Doherty, Zaina Bhimji, Anthony Haughey, Ori Gersht,
Paul Seawright, a autora explica suas observações. A artista de destaque é a francesa Sophie
Ristelhueber, nascida em 1949. A autora comenta suas fotos de Beirute no início dos anos 80,
175
Fazal Sheikh, nascido em 1965 tem fotografado essencialmente indivíduos e famílias que
vivem em campos de refugiados.
Ele usa a fotografia em preto e branco, que é tanto uma declaração de resistência contra a
sedução das ampliações coloridas na arte como uma maneira de identificar os retratos
documentais com a seriedade de sua intenção. A foto mostrada pertence à série Um
camelo para o filho, na qual Sheikh fotografou refugiados somalis em campos no Quênia.
Concentrando-se principalmente nas mulheres refugiadas, Sheikh documentou os abusos
aos direitos humanos que elas haviam sofrido na Somália e nos campos. Sheikh se esforça
para nos dar informações sobre as histórias de cada pessoa (COTTON, 2013, p.172).
176
COTTON (2013, p.175-176) cita também Chan Chao com o trabalho “Alguma coisa deu
errado”, que contém retratos de refugiados que fugiram de Mianmar (antes Birmânia); Zevelethu
Mthethwa – extensa documentação de lares e pessoas nos conglomerados urbanos miseráveis ao
redor da cidade do Cabo: Mthethwa documenta como era realizada a individualização de casas
miseráveis, envolvendo as pessoas na escolha do modo como elas queriam ser representadas:
com as roupas que escolhessem, na pose que preferissem, rodeadas pelos objetos que achassem
melhor.
A autora comenta que “a ideia de uma realidade social exibida de forma a contradizer
preconceitos generalizados – como ‘prova’ visual de que as coisas são diferentes do que
imaginamos – tem sido um tema fértil para as investigações da fotografia documental”
(COTTON, 2013, p. 186). A artista iraniana Shirana Shahbazi aparece no livro por sua
habilidade em fotografar a vida diária em Teerã, fugindo dos aspectos considerados exóticos pela
mídia ocidental. Para Cotton (2013: 186) “Shabazhi usa e confunde estereótipos da arte islâmica
e da realidade diária, propondo que uma cultura desse porte, com tal história e complexidade, não
pode ser representada por meio de uma única forma visual”. Esse capítulo traz trabalhos também
de Esko Mannikko, Roger Ballen e Boris Mikhailov.
Dentro da pesquisa desenvolvida por Cotton (2013), um tipo de fotografia que está
atrelada à memória coletiva, instantâneos de família, anúncios de revista, cenas de filmes etc.
Atrelados a trabalhos de Cindy Sherman, Yasumasa Marimura, Nikki Lee, Trish Morrisey,
Jemima Stehli, Hans Namuth e Vik Muniz que utiliza a apropriação artística dos estilos e
estereótipos visuais. Outros artistas analisados pela autora: Zoe Leonard, Cheryl Dunye, Collier
Schorr, Walid Ra’ad, Joan Fontcuberta, Aleksandra Mir, Tracey Moffatt, Cornelia Parker, Vera
Lutter, Susan Degers, Adam Fuss, John Dirola, Hans –Peter Feldman, Nadir Nadirov em
colaboração com Susan meiselas, Tacita Dean, Joachim Schmid, Thomas Ruff, Susan Lipper,
Marketa Othová, Katy Grahan, Vibeke Tandberg.
177
Por fim, a autora traz um debate sobre a diferença entre fotografia analógica e digital.
Houve uma mudança no modo como atualmente entendemos o que a fotografia abarca e o que quer
dizer propor trabalhos fotográficos como obra de arte. Mais do que nunca, isso implica revelar o
contexto e as condições em que a peça final de arte é composta e concluída. A fotografia artística
contemporânea tornou-se menos a aplicação de uma tecnologia visual preexistente e plenamente
funcional e mais uma iniciativa que envolve escolhas positivas a cada passo do processo. Esse fato
se encontra nitidamente ligado a uma decidida valorização da materialidade e da qualidade objetal
desse meio expressão, numa retomada das raízes da fotografia nos idos do início do século XIX
(COTTON, 2013, p.219).
Nem o mercado de arte nem as escolas de arte decidiram divergir radicalmente das convenções do
ofício de fazer, revelar ou vender fotos – contidos, talvez, pela qualidade da captura e da ampliação
de imagens por via digital e pelos custos da pós-produção comercial. As profecias apocalípticas
quanto à completa extinção dos papéis e filmes para fotografia análoga já se dissiparam e, fora do
universo das indústrias fotográficas comerciais envolvidas com a moda, a publicidade e o
jornalismo, onde houve imperativos econômicos e práticos de várias ordens para adoção das novas
tecnologias, entre o final dos anos 90 e o início do novo milênio, assistimos a um período de
hibridização envolvendo a fotografia análoga tradicional e a promessa das técnicas digitais
(COTTON, 2013, p.220-221).
A autora cita Sherrie Levine, que se apropria das fotografias clássicas de Walker Evans
(1930-75), Edward Weston (1886-1958) e Elliot Porten (1901 -90). Para Cotton (2013, p. 221):
“Existe uma audácia permanente na maneira como Levine refotografou imagens produzidas por
profissionais canônicos, a partir das páginas impressas dos catálogos de exposições, e então
178
Observamos que existe muito mais aproximações entre o fotojornalismo premiado pelo
World Press Photo e as considerações de Charlotte Cotton sobre a fotografia como Arte
Contemporânea do que poderíamos supor.
Um dos aspectos que observamos é a estratégia usada ultimamente por alguns fotógrafos
quando se trata de imagens de conflito ou de violência: usar os objetos como condução da
narrativa. Exemplo: o trabalho de Fred Ramos, um dos ganhadores do World Press Photo de
2014, que fala dos homicídios em El Salvador por objetos de vítimas:
Foto 118 - Ganhador World Press Photo 2014, Foto 119 - Ganhador World Press Photo 2014, Foto 120 - Ganhador World Press Photo
Fred Ramos Fred Ramos 2014, Fred Ramos
O ensaio feito por Fred Ramos, ganhou o Daily Life-Stories. O trabalho The Last Outfit of
the Missing foi fotografado no triângulo Honduras, Guatemala e El Salvador e se refere a pessoas
desaparecidas relacionadas à violência da região e que são reconhecidas somente pelos
fragmentos de roupas. Para esta autora, o fotógrafo conseguiu explorar o tema sem fazer uso de
corpos multilados (WPP,2014). Susie Lindfeld, integrante do júri de 2014, autora do livro: The
Radiance Cruel: Photography and Political Violence, falou sobre essas fotografias de Ramos,
dizendo que as discussões éticas e formas de exploração da violência e sofrimento são mostradas
180
de formas menos explícita de retratar estas questões, sem recorrer a pessoas famintas ou
sangrando, por exemplo (WPP, 2014).
Com esse mesmo debate, o World Press Photo de 2011 concedeu o prêmio de Questões
Contemporâneas ao alemão da Laif Photos, Michael Wolf, com a reportagem feita a partir de
imagens de uma câmera sobre um tripé fotografando imagens do Google Street View.
181
Foto 122 - Michael Wolf – WPP2011 Foto 123 - Michael Wolf – WPP2011
Foto 124 - Michael Wolf – WPP2011 Foto 125 - Michael Wolf – WPP2011
Foto feita para o The New York Times Magazine, em que mostra uma artista de televisão
que estreia como estilista na Semana de Moda de Milão.
Outro exemplo é a imagem vencedora de Joost Van Den Broek, na categoria Retrato em
2011, a imagem de um jovem em que não se decifra sua expressão. Outros retratos vencendores
foram feitos em feiras rurais na Irlanda por Kenneth O’Halloran, aparentemente feitos sem muita
condução, pedindo que a pessoa simplesmente decida como prefere posar para câmera.
No que diz respeito a projetos feitos a longo prazo, diferenciados do tempo de cobertura
das reportagens, considerados por Charlotte Cotton como mais respeitosos por permitir um tempo
maior de envolvimento entre o artista e o fotografado, o importante trabalho premiado de Darcy
Padilla em 2011 é um ensaio feito por 18 anos sobre a vida de Julie Baird.15
15
O Trabalho de Padilha foi novamente premiado em 2015, assim fará parte do capítulo de análise.
184
No que diz respeito à vida íntima, o banal, o que não compõe os álbuns de família, o
trabalho que se destaca é o de Søren Bidstrup, com uma fotografia acompanhada pelo texto que
diz somente: “The photographer’s family, early one morning on summer holiday in northern
Italy” (WPP,2013) São cenas do cotidiano que normalmente as pessoas escondem, em um
registro de vulnerabilidade e intimidade.
185
O júri do concurso anual do 58º World Press Photo selecionou uma imagem do dinamarquês
Mads Nissen como o World Press Photo do Ano de 2014. A imagem mostra Jon e Alex, um casal
gay, durante um momento íntimo em São Petersburgo, Rússia. A vida de lésbicas, gays,
bissexuais ou transgêneros (LGBT) tem se tornando cada vez mais difícil na Rússia. Minorias
sexuais enfrentaram discriminação legal e social, assédio e ataques de crimes de ódio, tanto de
grupos religiosos como de nacionalistas conservadores. A imagem vencedora pertence a um
projeto maior de Nissen chamado "homofobia na Rússia". De acordo com Alessia Glaviano
(membro do júri):
187
A foto tem uma mensagem sobre o amor ser uma resposta no contexto de tudo o
que está acontecendo no mundo. É sobre o amor como uma questão global, de
uma forma que transcende a homossexualidade. Ele envia uma forte mensagem
ao mundo, e não apenas sobre a homossexualidade, mas acerca de igualdade,
sobre sexo, sobre estar preto ou branco, sobre todas as questões relacionadas com
as minorias (WPP, 2015).
Após a rejeição de 22 trabalhos que tinham chegado à fase final do 2015 World Press Photo
Contest, especialistas se reuniram para discutir as normas atuais em pós-processamento, e para
lançar um olhar para o futuro. David Campbell, autor de um relatório do World Press Photo sobre
o tema, delineou um dos principais pontos no seu relatório: existe um claro consenso de que a
manipulação é inaceitável quando houve alteração material por adição ou subtração. O Diretor
Lars Boering expressa o compromisso do World Press Photo de se engajar em um diálogo com a
comunidade internacional de fotojornalistas para ajudar a criar um entendimento mais profundo
das questões envolvidas. Duas semanas após o anúncio dos premiados, World Press Photo retirou
o prêmio de Giovanni Troilo, “devido a informações enganosas apresentadas pelo fotógrafo”.
Durante a premiação houve um painel de discussão sobre se os mesmos padrões éticos devem ser
aplicados para fotojornalismo e fotografia documental, quando se trata de questões como a
pose/encenação e a auto expressão (WPP, 2015).
Territory
Bao Tailiang China Chengdu Economic Daily Rio de Janeiro, Brazil
Al Bello USA Getty Images East Rutherford, New Jersey,
USA
Mark Metcalfe UK ------ Sydney, Australia
Kieran Doherty Ireland ------ Wimbledon, London, United
Kingdom
Sergei Ilnitsky Russia European Pressphoto Agency Nizhny Tagil, Russia
Mads Nissen Denmark Berlingske/Scanpix St. Petersburg, Russia
Ronghui Chen China City Express Yiwu, China
Fulvio Bugani Italy ----- Yogyakarta, Indonesia
Giulio Di Sturco Italy ------ Hengdian, China
Tomas van Belgium VII for Harper's Magazine Philadelphia, Pennsylvania,
Houtryve United States
Fatemeh Behboudi Iran ------- Ilam, Iran
Cai Sheng Xiang China Fuzhou Ping Yi Environmental Liangshan, Sichuan Province,
Art Design China
Åsa Sjöström Sweden Moment Agency / INSTITUTE Baroncea, Moldova
for Socionomen / UNICEF
Malin Fezehai Eritrea/Sweden Time Haifa, Israel
Michele Palazzi Italy Contrasto Ömnögovi, Mongolia
Sarker Protick Bangladesh ----------- Dhaka, Bangladesh
Turi Calafato Italy ------------ Nagoya, Japan
Raphaela Rosella Australia Oculi Moree, New South Wales,
Australia
Liu Song China ----------- Chongqing, China
Lisa Krantz USA San Antonio Express-News San Antonio, Texas, United
States
Sofia Valiente USA Fabrica / The Clewiston News Pahokee, Florida, United States
Andy Rocchelli Italy Cesura Russia
Paolo Verzone Italy Agence Vu Breda, the Netherlands
Yongzhi Chu China ------- Suzhou, Anhui province, China
Ami Vitale USA National Geographic Kenya
Sandra Hoyn, Germany ----- Batu Mbelin, Sumatra, Indonesia
Anand Varma USA National Geographic Magazine Santa Barbara, California, United
States
Christian Ziegler Germany National Geographic Magazine / Mount Kinabalu NP, Malaysia
Geo
Paolo Marchetti Italy --------- Colombia
Darcy Padilla USA Agence Vu Portland, Oregon, United States
Kacper Kowalski Poland Panos Pictures Gdynia, Poland
Lu Guang China Greenpeace International Lankao, Henan, China
Fonte: Tabela construída pela autora a partir de dados do WPP 2015.
Os jurados foram:
Walter Astrada, Argentina, freelance photographer (News jury)
Mikko Takkunen, Finland, associate photo editor Time (News jury)
Donald Weber, Canada, photographer (Documentary jury chair)
Mariella Furrer, Switzerland, photographer (Documentary jury)
Munem Wasif, Bangladesh, photographer Agence Vu (Documentary jury chair)
189
Mark Baker, Australia/New Zealand, Southeast Asia photo editor The Associated Press
(AP) (Sports jury chair)
Bob Martin, UK, photographer (Sports jury)
How Hwee Young, Singapore, regional chief photographer China region European
Pressphoto Agency (EPA) (Sports jury)
Peter-Matthias Gaede, Germany, journalist and consultant executive board member
Gruner + Jahr (Nature jury chair)
Bruno D’Amicis, Italy, photographer (Nature jury)
Cristina Mittermeier, Mexico/USA, executive director Sea Legacy (Nature jury)
Alessia Glaviano, Italy, senior photo editor Vogue Italia and L’Uomo Vogue (Portraits
jury chair)
Laura Pannack, UK, photographer (Portraits jury)
Azubuike Nwagbogu, Nigeria, director African Artists’ Foundation (Portraits jury)
Patrick Baz, France/Lebanon, photo manager for the MENA region Agence France-Presse
(General jury)
Pamela Chen, USA, editorial director Instagram (General jury)
Chair of the jury
Michele McNally, USA, director of photography and assistant managing editor The New
York Times
Secretary of the jury
David Campbell, Australia, writer, professor and producer (Documentary and general
jury)
Simon Njami, Cameroon, independent curator, lecturer and art critic (Specialized juries)
Maria Mann, USA, director international relations, European Pressphoto Agency
(Specialized juries)
No que diz respeito à nacionalidade dos ganhadores, observa-se um dado que é idêntico
aos anos anteriores: os Estados Unidos e a Italia entre os mais representativos, a China se
consolidando e o Iran e a Turquia surpreendendo positivamente:
09 ganhadores dos Estados Unidos, 09 da Itália, 06 da China, 03 da Russia, 02 da França,
02 da Alemanha, 02 do Irã, 02 da Turquia, 01 da Irlanda, 01 da Polônia, 01 da Suécia, 01 do
Reino Unido, 01 da Australia, 01 de Bangladesh, 01 da Bélgica, 01 da Dinamarca, e 01 da
Eritrea/Swécia.
direitos dos homossexuais. A reportagem documenta o assédio, sala de tribunal onde os ativistas
gays são interrogados, a boate onde eles se sentem livres e uma família lésbica que vive com
medo de perder a guarda dos seus três filhos pelo Estado. O texto termina dizendo que o ensaio é
uma tentativa de compreender como é viver o amor proibido na Rússia moderna. O trabalho, os
textos e o portfólio do fotógrafo estão disponíveis no site: http://www.madsnissen.com. A
análise recai somente sobre a imagem que o World Press Premiou, como foto única.
Patrick Baz, um dos jurados, acredita que os novos fotógrafos que estão chegando devem
compreender que você não precisa estar cotovelo com cotovelo com uma dúzia de fotógrafos
fazendo a mesma pauta e depois reclamando que ninguém compra suas imagens. Fotógrafos
podem encontrar suas histórias atravessando a rua (WPP, 2015).
Assim que o prêmio foi anunciado, o British Journal of Photography publicou uma
entrevista com o vencedor intitulada: Mads Nissen – in his own words. Logo depois do título
uma frase do fotógrafo: "We ended up back at Alex’s apartment, they did their thing, and I was a
witness." Segundo o fotógrafo, ele viu situações de violência homofóbica que o deixou sem fala,
e que, ao ver um país moderno abertamente atacar alguém por ser gay, ficou sem saber se
chorava ou entrava na briga. Ele conta que percebeu que estava contando uma história de amor,
uma história moderna de Romeu e Julieta. O fotógrafo diz que mesmo não sendo gay entende
amor e desejo. Termina dizendo que a história é uma crítica à homofobia na Rússia, mas é mais
do que isso, todas as sociedades têm homofobia e que ele queria de forma pessoal entender
realmente como ele se sentia nessa questão, como ele se sentiria se seu filho dissesse que é gay.
Mesmo se tratando de histórias pessoais, a imagem está na linha de frente do debate sobre
direitos humanos (bjb-online).
Em 2009, o fotógrafo premiado foi escolhido para fazer o Joop Swart Masterclass, que é
uma espécie de formação ministrada pelo World Press Photo que acontece desde 1994 e reúne
fotógrafos experientes com 12 fotógrafos considerados pelo World Press Photo como
promissores. Eles se colocam com o objetivo de ajudar no amadurecimento de forma teórica e
prática dos fotógrafos profissionais promissores.
O fotógrafo já havia sido premiado pelo World Press Photo, em 2011, na categoria Daily
Life, o 3º lugar. O trabalho chama-se IN THE NAME OF VICTORIA de 05 de novembro de
193
2010, que conta a história de uma empresária, Cecile M. Hansen, que viaja ao Nepal para tentar
salvar a vida de uma criança com hidrocefalia.
No seu site encontram-se as premiações conquistadas:
que recebeu o prêmio trabalha, o Politken, também foi premiado em cinco outras ocasiões pelo
World Press Photo (WPP, 2015).
Critérios de Noticiabilidade
No quesito Representação das vítimas e dos heróis, temos claramente o herói. Temos os
nomes das pessoas que aparecem na imagem, eles não estão em situação de vulnerabilidade
física, expostos a uma fotografia que não gostariam que fosse feita. Existe um acordo para
fotografar, uma aceitação, um momento de contribuição criativa na elaboração da foto. Existe um
“nós” no olhar sobre esses personagens, uma empatia do fotógrafo com a questão em si e uma
abordagem próxima, eles não são chamados somente de vítimas, ou homens, ou pessoas, sabemos
claramente quem são. A questão não é mostrada com exotismo, com formatos estereotipados,
mas com uma sensibilidade respeitosa à questão que esses dois homens enfrentam de terem seus
direitos violados.
195
Manipulação/tratamento de imagens
Nesta categoria não encontramos especificamente quanto a essa imagem nenhum embate
sobre o tratamento proposto. Observamos que é uma imagem muito cuidada tecnicamente, com
tratamento profissional devido à baixa iluminação.
Os moldes Religiosos
Na categoria dos elementos da cultura sacro/cristã podemos dizer que não é uma imagem
diretamente sacra, não chega a usar aqueles pré-formatados modelos da Pietà ou da morte de
Cristo ou ressurreição, mas temos alguns elementos da estética barroca, do claro e escuro, do
velado e desvelado, do proibido/ inevitável, tudo isso com a dramaticidade da luz da lua. Existem
imagens de casais premiadas anteriormente, que se aproximam mais do que imagens sobre
homofobia, direitos para os gays etc. Em 2014 os retratos de Braden Summers no ensaio love is
equal teve muita repercussão na internet assim como a exposição: Here and Now: Queer
Geographies In Contemporary Photography com uma perspectiva intimista, quase bucólica de
196
casais, imagens cotidianas que universalizam a temática. No entanto, apesar de não haver
novidade no assunto não encontramos imagens semelhantes na abordagem da temática.
A Co-presença
A imagem possui uma co-presença de dois elementos descontínuos, heterogêneos, na
medida em que não pertenciam ao mesmo mundo. O afeto, o bucólico, o idílico, uma beleza
sensível e um extracampo que faz parte da imagem de forma conotativa de medo, perigo, dos
riscos que envolvem o tema, rodeado de violência e perseguição.
Imagem Intolerável
Poderia ter sido uma imagem de violência ou com o intuito de gerar desconforto e ação, o
assunto é permeado por imagens mais gráficas da intolerância, no entanto esse não foi o caminho
escolhido nesta imagem principal do prêmio.
No capítulo que Charlotte Cotton (2013) chama de “Era uma Vez”, ela fala de imagens
que fazem referência a contos de fadas, lendas urbanas e mitos modernos que já estão
incorporados ao nosso consciente coletivo. Quando o fotógrafo falou que se tratava de uma
história de Romeu e Julieta, pensamos haver uma conexão, a fotografia de quadros (tableau
photography) ou de quadros-vivos (tableau vivant photography), ou seja, quando a narrativa
pictórica se concentra numa única imagem: a fotografia conta toda uma história. A combinação
dos dois aproxima muito essa imagem dessas referências e a faz crescer diante dos nossos olhos.
5.6. World Press Photo 2015 sob o Regime Ético das imagens
A primeira questão a ser trazida para o debate do regime ético é o do tratamento versus
manipulação. O Prêmio rejeita trabalhos, chama especialistas em pós-processamento, fala em
consenso no que diz respeito à prática “inaceitável” de adição ou subtração/ deslocamentos de
pixels. E neste ano levantou um debate sobre os limites na auto-expressão e na fotografia
produzida. O caso de desclassificação mais chamativo foi o de Giovanni Troilo. Foi possível
observar o impacto e o baluarte que esse concurso carrega como detentor da verdade ou não-
verdade no fotojornalismo. No site do El Pais temos uma matéria com o título: “World Press Photo
revoga um primeiro prêmio devido a fraude”, em matéria de 05 de março de 2015:
O prefeito pedia que fossem reavaliadas as fotos, que retratam Charleroi como
um lugar “onde a indústria sofreu um colapso, o desemprego e a imigração são
muito elevados e a criminalidade é crescente”. “As ruas estão abandonadas, as
fábricas fecham suas portas e o mato cresce nos antigos polígonos industriais”,
segundo o fotógrafo. O prefeito, em contrapartida, fala de uma “montagem
fotográfica pensada para reforçar a mensagem criada pelo autor”. Os
responsáveis pelo prêmio inicialmente apoiaram a versão de Giovanni Troilo,
para quem Charleroi “simboliza a Europa como um todo” (FERRER, 2015).
O debate sobre ética, produção de imagens e o peso da encenação foi constante e mostra o
fardo que o fotojornalismo carrega, um modelo de fotografia que usa como alicerce a prova, a
veracidade e vive de uma credibilidade acima de qualquer processo estético. Por isso que o
regime ético, da lei, do controle e da censura, é muito importante quando falamos em
fotojornlaismo.
200
Critérios de noticiabilidade
Observando o corpus, que são os prêmios do World Press 2015, algumas questões
tornaram-se interessanes no que diz respeito aos critérios de noticiabilidade e valores notícia
propostos pelos teóricos da comunicação. Algumas categorias por serem ligadas às notícias como
Spot News e General News nos permitem observar com mais clareza os critérios de
noticiabilidade dentro do material premiado no World Press Photo 2015.
O critério Momento do acontecimento - “Quanto mais recente for um acontecimento,
mais probabilidades tem de se tornar notícia.” (SOUSA, 2008, p.31) - não se aplica tanto porque
todas as notícias foram veiculadas em 2014, tirando a categoria Contemporary Issues e Long
Term Projects, que se adaptam mais às categorias de outro regime imagético como trataremos
mais adiante.
O primeiro item que iremos comentar é a Proximidade, ou seja, “quanto mais próximo
ocorrer um acontecimento, mais probabilidades têm de se tornar notícia. A proximidade pode
assumir várias formas: geográfica, afectiva, cultural, etc” (SOUSA, 2008, p.31).
Quando refletimos qual seria essa proximidade, pensamos em proximidade da Europa e
dos Estados Unidos, por pensar em proximidade dos jornais e agências que dominam o mercado
202
internacional de comunicação. A proximidade cultural e afetiva nos remete a países que possuem
acordos comerciais ou são ex-colônias desses centros citados ou estão em guerra com esses
países ditos centrais. Entre os ganhadores de General News e Spot News temos três premiações
para fotos que mostram o conflito na Ucrânia. Em 2014 os jornais europeus publicaram
insistentemente matérias sobre o que estava acontecendo nos limites entre Rússia e Ucrânia. Em
2014 o Festival francês de fotojornalismo Visa pour l’image realizou uma mesa temática sobre a
cobertura desse conflito e expôs o trabalho de Maxim Dondyuk, fotografo ucraniano que recebeu
o prêmio de Ville de Perpignan Rémi Ochlik Award. Muitos conflitos acontecem no mundo, mas
a Rússia está sempre na agenda midiática e atrelada ao valor notícia da proximidade e
proeminência dos países envolvidos. Nos debates em Perpignan falou-se em 3ª Guerra Mundial,
em um conflito de longo prazo. Todos os fotógrafos e editores estavam muito interessados em
entender o que estava acontecendo na região. O país é de interesse mundial pelo seu poder
financeiro e político, pela sua história de Guerra, por seu presidente tão mediático, entre outros
tantos motivos.
Nas categorias Spot News e General News observamos mais de um trabalho premiando a
questão da imigração na Europa. O World Press of The Year 2014 foi dado ao trabalho que
tratava dessa temática. Em 2015 temos a fotografia de um barco de imigrantes chegando pelo
Mar Mediterrâneo, ou seja, a porta de entrada da Europa. Recebe prêmio, assim como o registro
feito em Melilla, outra entrada à Europa de imigrantes. A primeira imagem comentada.
203
Assim, constatamos que não é só proximidade que torna esse assunto notícia, mas
proeminência das nações envolvidas nas notícias. Os países citados nessa matéria são países
com importante influência no mundo hoje e estão sendo diretamente afetados pela imigração.
16
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150910_imigrantes_recusa_tg
204
O trabalho feito em Nigéria sobre as 276 meninas que foram raptadas no seu dormitório
da escola em Chibok, área norte da Nigéria, pelo grupo militante islâmico Boko Haram, adequa-
se ao critério Negatividade. O país Nigéria não entra no quadro de importância na mídia
europeia e americana, mas é um país proeminente dentro do continente africano. Algo
indiretamente ligado ao tema tornou as pessoas envolvidas com a causa o acréscimo de
proeminência dos sujeitos envolvidos “Quanto mais proeminentes forem as pessoas envolvidas
num acontecimento, mais hipóteses ele tem de se tornar notícia” (SOUSA, 2008, p.31). Não as
meninas, que nas matérias não se sabe muito sobre elas, mas aqueles que se envolveram a partir
da hashtag que foi criada em 23 de abril de 2014 com um único tweet do advogado nigeriano
Ibrahim M. Abdullahi, #BringBackOurGirls e que se tornou o que na internet chama-se viral.
Personalidades como Michele Obama e atores de Hollywood participaram dessa campanha
online.
Foto 142: Michelle Obama
Dois trabalhos em Spot News e General News comissionados pelo New York Times nos
Territórios Palestinos foram premiados.Tudo que acontece naquela região interessa ao grupo do
205
New York Times, tanto pelos conflitos que possuem tantas tropas americanas em todo o Oriente
Médio quanto pelas disputas bélico/religiosas, sendo a empresa familiar de origem judaica17.
Outro trabalho premiado foi feito na Turquia. Muitos protestos aconteceram e as
relações comerciais e a proximidade da Turquia que espera seu direito a ser membro da União
Europeia é indiscutível. O país com estreitas relações comerciais com a Grécia está nos limites
geográficos europeus. Assim uma guerra mais séria poderia reverberar na Europa.
O trabalho realizado na Síria mostra, como diz a legenda, “fumaça, poeira e chamas
sobem mais de uma colina perto da cidade síria de Kobanî , depois de um ataque aéreo dos EUA
contra o grupo jihadista que se chama Estado Islâmico (IS)”(WPP,2015). A OTAN autorizou o
ataque e a cidade faz fronteira com a Turquia. Os critérios podem ser combinados a outros além
da proximidade. A Síria tem sido um país central na cobertura de notícias, fonte de petróleo, em
guerra constante, refugiados indo para a Europa massivamente fazem desse país uma fonte de
notícias.
A reportagem gráfica no Iran mostra a sequência de uma execução pública que não
aconteceu porque a mãe da vítima, um jovem que foi esfaqueado a morte, deu um tapa na cara do
acusado sentenciado, o que significa perdão, o que coloca fim à execução. Um trabalho sobre
enforcamento já foi premiado antes, um trabalho com grande repercussão feito no Irã. Neste caso
temos a imprevisibilidade, a importância do país, o exotismo do enforcamento público.
17
“Em 1896, quando passava por dificuldades financeiras, o jornal foi adquirido pela bagatela de US$ 75.000 por
Adolph Simon Ochs, um editor da cidade de Chattanooga.[…] THE NEW YORK TIMES é a mais sólida instituição
familiar dos Estados Unidos. Os descendentes continuam participando ou influenciando no seu destino. Nenhum
governo quis briga com o jornal. […] Em toda sua história conquistou 108 prêmios Pulitzer.[...] O tradicional NYT
pertence à THE NEW YORK TIMES COMPANY, que também publica outros jornais de grande circulação como o
International Herald Tribune e o The Boston Globe e controla outros dezoito jornais e cinquenta sites” (Mundo das
Marcas, 2015) Em Matéria na Reuters sobre o falecimento de Arthur Ochs Sulzberger, que deixou o cargo de
director executive em 1992 para seu filho Arthur Ochs Sulzberger, Jr – a quarta geração da família a dirigir o jornal
(NYT/Reuters, 2015).
206
Bao Tailing ganhou o primeiro lugar com uma foto do jogador argentino Lionel Messi
olhando para a Taça do mundo em cerimônia da Copa do Mundo no Maracanã. O segundo lugar,
premiação para o fotógrafo Al Bello, mostra uma cena de futebol americano em que jogam o
New York Giants e Dallas Cowboys.
207
O terceiro lugar foi ganho por Mark Metcalfe com uma foto em Sydney. Na imagem
membros da equipe New South Wales ajudam o batedor Phillip Hughes da equipe adversária
Austrália do Sul, depois de ter sido atingido por uma bola durante um jogo de críquete. A legenda
diz que depois de ser submetido a cirurgia no hospital, Hughes foi colocado em coma induzido.
Ele morreu em 27 de novembro, nunca tendo recuperado a consciência, três dias antes de seu 26º
aniversário. Aqui temos também negatividade e o item de estórias que emocionam que falaremos
adiante.
A legenda fala em 12 horas de trabalho diários, um pagamento baixo para quem trabalha
com itens tóxicos e precisa trocar a máscara várias vezes e comenta o fato do rapaz nem entender
o que é o natal. Na imagem um rapaz quieto, com olhos cansados posando para a câmera. É uma
fotografia acompanhada de uma legenda que entristece, que estabele uma empatia com aquele
210
determinado rapaz e escolhe esse recorte para falar da indústria chinesa, do mercado de trabalho,
das condiçõe de trabalho etc.
O trabalho do italiano Fulvio Bugani intitulado Waria: Being a Different Muslim, foi
premiado também em Questões Contemporâneas. A legenda da foto diz:
Shinta Ratri (center) sits among pupils at Pesantren Waria Al Fatah, a religious
school for transgender people in Kotagede, Yogyakarta, on the southern coast of
Java. Waria is a combination of wanita, the Indonesian word for ‘woman’, and
pria, the word for ‘man’, and is often used to describe transgender women. Waria
in Indonesia generally live in isolated communities and suffer a degree of
marginalization and discrimination.
The pesantren is located in Shinta Ratri’s family home, and is the only
school specifically for waria in the country. It offers students subjects such as
Islamic and transgender studies, Koran reading, and lessons in prayer, and
receives support from the University of Jepara, one of many educational
establishments set up by a traditionalist Sunni Islam group that runs religious
schools throughout the country (WPP,2015).
A personagem dessa história é Shinta Ratri (centro) que possui uma escola
especificamente para transgêneros, que oferece aos estudantes temas como estudos islâmicos e
211
Anbar Jaberi (72), the mother of Nematollah Jaberi, has waited 23 years for her
son. She still keeps doors open for him.The Iran-Iraq War (1980-88) was one of
the bloodiest conflicts of the 20th century. More than 10,000 Iranians were
reported missing in action in Iraq. Casualty figures are highly uncertain, though
the numbers of dead on both sides ran into the hundreds of thousands. In Iran,
people who were killed in the conflict were declared martyrs for their country,
and therefore for Islam. Over 10,000 Iranian soldiers were reported missing in
action, without a corpse being identified. Bodies are still being discovered and
repatriated. Many mothers of missing soldiers live in hope of seeing their sons
again, or finally having a body that they may bury (WPP, 2015).
A imagem mostra a personagem Anbar Jaberi (72), a mãe de Nematollah Jaberi, que
segundo a legenda nos diz: espera a 23 anos pelo seu filho, um soldado iraniano, ou espera
receber o corpo para enterrá-lo. Esse drama pessoal serve para falar da Guerra Irã-Iraque (1980-
1988) com número de mortos incerto, mas que superam centenas de milhares. Um detalhe na
legenda interessante é que, no Irã, as pessoas que foram mortas no conflito foram declaradas
mártires para o seu país e, portanto, para o Islã. A personagem que conduz essa história
personifica a guerra e seus resultados de forma íntima, triste, pessoal.
No trabalho premiado da fotógrafa sueca Åsa Sjöström, que ganhou o segundo lugar na
categoria second prize singles, vemos duas crianças, uma falando no ouvido da outra. A legenda
diz:
Igor whispers into his friend Renat’s ear, at a school in northern Moldova. It is
Igor’s birthday, and his grandmother has given him chocolate to hand out to his
classmates. Moldova is Europe’s poorest country. In the past 10 years, one-third
of the working population has gone abroad in search of better-paying jobs.
Children often find themselves looked after by elderly relatives, or left in
orphanage boarding schools. Igor has a twin brother. They do not know their
father and their mother died soon after leaving to work in Russia, when they
were two years old (WPP, 2015).
A próxima foto possui uma legenda que descreve que Igor sussurra no ouvido do amigo
Renat, em uma escola no norte da Moldávia. É o aniversário de Igor, e sua avó lhe deu chocolate
para distribuir entre seus colegas. A imagem doce e comum transmite uma carga emocional triste.
A legenda informa que essa foto fala da situação da Moldávia, o país mais pobre da Europa, que,
nos últimos 10 anos, teve um terço da sua população ativa emigrado a outros países em busca de
empregos melhor remunerados. As crianças encontram-se frequentemente cuidadas por parentes
idosos ou orfanato. Igor tem um irmão gêmeo. Eles não conhecem o seu pai e sua mãe morreu
logo depois de sair para trabalhar na Rússia, quando eles tinham dois anos de idade. Um drama
pessoal, triste, em uma imagem carregada de significados do texto que a acompanha.
213
A foto de Pete Muller, fotógrafo americano, constitui um ensaio que mostra o Ebola em
Serra Leoa. O ensaio, premiado em primeiro lugar na categoria General News, first prize stories,
possui uma imagem de vítima na sua abertura. A legenda diz: Medical staff escort a man,
delirious in the final stages of Ebola.
215
Outra imagem que chamou nossa atenção pela exposição da vítima e vulnerabilidade
diante do registro foi feita por Tyler Hicks. Comentamos sobre o trabalho desse fotógrafo quando
ganhou o prêmio Pulitzer Prize pelas fotos no shopping center no Quênia.
216
A legenda diz que mísseis israelenses atingiram uma praia na cidade de Gaza, matando
quatro meninos e ferindo um jovem adulto. Conta o texto que os meninos eram primos, filhos de
pescadores locais. As fotos são de crianças mortas.
O seguinte trabalho que chamou nossa atenção, intitulado Accused, mostra uma mulher
presa a uma cadeira, feita pelo fotógrafo chinês: Liu Song.
A imagem de Lu Guang talvez seja a mais impactante deste ano no sentido de mostrar as
vítimas.
O fotógrafo chinês foi premiado com um ensaio sobre poluição. O trabalho foi
comissionado pelo Greenpeace International. A foto fala sobre como a poluição ambiental e a
falta de exames prévios tem causado um aumento no número de bebês com problemas de saúde,
chegando a nascer uma criança com alguma deficiência a cada 30 segundos (WPP,2015). A
legenda da foto só diz que é uma criança que morreu depois de ser abandonada.
218
Outra imagem desse ensaio traz a legenda: “Disease places a heavy burden on families.
Many parents cannot afford treatment for their sick children”.
Outra fotografia comovente de uma pessoa no limite do medo, com um olhar cortante, foi
feita pelo fotógrafo italiano Gianfranco Tripodo em Melilla (Espanha).
No texto da legenda: “A migrant hides from the Guardia Civil in Melilla, an enclave of
Spanish territory in North Africa.”(WPP,2015).
As fotos do fotógrafo francês Jérôme Sessini compõem um ensaio sobre Protestos que
eclodiram na capital ucraniana, Kiev, depois que o presidente Viktor Yanukovich rejeitou um
acordo comercial com a União Europeia a favor de laços mais estreitos com a Rússia. Milhares
de apoiantes pró-europeus se reuniram na Praça da Independência da cidade, conhecido como o
Maidan, em uma ocupação que iria durar meses.
Mais de 70 pessoas, entre manifestantes e agentes da lei, foram mortas por tiros, com cada
lado culpando o outro por ter começado o tiroteio. Presidente Yanukovych fugiu do país em 21
220
de fevereiro de 2014 e o pró-europeu Poroshenko Petro foi eleito o novo presidente da Ucrânia,
em maio (WPP, 2015). A legenda diz: “A man lies wounded after sniper fire. Protests broke out
in the Ukrainian capital, Kiev” (WPP, 2015).
O avião da Malaysia Airlines viajando de Amsterdam para Kuala Lumpur a uma altura
de 10.058 metros, caiu em campo no leste da Ucrânia, território controlado pelos rebeldes perto
da fronteira com a Rússia, em 17 de julho de 2014. Todas as 298 pessoas a bordo morreram.
Observamos nessa imagem um ligeiro distanciamento, sem mostrar tanto o homem da foto (WPP,
2015).
O único caso em que aparece o nome da vítima exposta na foto é na imagem de Sergey
Ponomarev, fotógrafo russo, feita em Gaza. O texto que acompanha o ensaio diz que depois de
semanas de crescente tensão após o assassinato de três adolescentes israelenses, Israel lançou
uma grande ofensiva contra o Hamas em Gaza e iniciou a Operação de Proteção de Borda, que
visa parar os ataques com foguetes, e destruir capacidades do Hamas, em particular, os túneis de
contrabando que haviam sido construídas entre Gaza e Egito. A ofensiva durou sete semanas,
durante a qual mais de 2.100 pessoas foram mortas em Gaza, 69 por cento dos quais, segundo a
ONU, eram civis. Em Israel, seis civis e 67 soldados foram mortos. A Amnistia Internacional
publicou um relatório que criticava as respostas de Israel como grosseiramente desproporcionais,
mas sugeriu violações do direito internacional em ambos os lados (WPP, 2015).
222
A legenda da foto que faz parte de um ensaio diz: “People mourn for the Nigim family,
killed during a morning air attack on 4 August” (WPP,2015).
Os moldes Religiosos
Como foi definido anteriormente, esta categoria observa a existência de elementos que já
foram utilizados previamente e que funcionaram para tantos outros fotógrafos a ponto de se
tornar um molde imagético, o mais comum são os modelos cristãos da Pietà ou da jornada de
Jesus Cristo. A imagem vem de uma matriz existente. Observamos a imagem assim não como a
foto de um determinado assunto, mas como essa imagem dialoga com outros assuntos, com
outras imagens já premiadas.
Falamos da imagem de Pete Muller quando estávamos levantando as imagens de vítimas e
a destacamos novamente em outro regime imagético, porque essa imagem dialoga com a cena do
cristo sendo tirado ou colocado na cruz.
223
A outra imagem que debate a questão das vítimas é de Tyler Hicks, a revisitação da Pietà
se mantem firme e forte, garante seu espaço em mais um ano de premiação.
18
http://www.msf.org.br/o-que-fazemos/atividades-medicas/ebola
224
Jovens mortos, um deitado numa praia, outro carregando o corpo que parece de uma
criança, quantas imagens semelhantes a essas existem? Levantamos 28 imagens, haverá mais.
Mostramos algumas no capítulo sobre poética e constatamos que esse modelo de fotografia
revisita um formato estético que se consagrou.
A imagem de Yongzhi Chu mostra bem claro um opressor e um oprimido, uma relação de
medo e o fotógrafo executa bem a ideia de denúncia de maus tratos a partir de uma imagem de
uma violência iminente, mas não mostrada.
A co-presença
Esta categoria analisa a co-presença de dois elementos descontínuos, heterogêneos, na medida
em que não pertenciam ao mesmo mundo.
226
Neste caso, uma fotografia de uma fábrica, o texto fala das horas de trabalho, da
insalubridade da troca de máscaras e de trabalhar para um evento como é o Natal, que não
representa nada para esse jovem. Ao mesmo tempo está presente na fotografia o chapéu do natal,
do Papai Noel, das fantasias. A luz vinda de uma janela e o rapaz colocado para posar
estrategicamente para pegar esse caminho da luz, registrado com um feixe quase mágico, do
mundo da fantasia, como é o simbolismo dessa festa. Dois mundos parecem coabitar nessa
imagem de forma estranhamente harmônica. O mundo do imaginário natalino nunca vem
acompanhado do universo da denúncia trabalhista, da insalubridade.
Na imagem premiada dentro do ensaio “Final Fight for Maidan”, vemos um padre
ortodoxo abençoando manifestantes. Dentro das imagens de uma história de mortes, guerra na
capital ucraniana, Kiev, temos uma fotografia que se aproxima das freiras e soldados da reflexão
de Barthes quando pensou na co-presença.
227
Não que os símbolos e personagens religiosos não se adequem ao cenário de morte, não
chegamos a um item contrastante, mas dificilmente coabitam no mesmo frame. Por isso torna-se
uma imagem de destaque dentro da cobertura. As barricadas, um soldado todo coberto, um
escudo para se proteger das balas e uma cruz, dourada no centro do quadro.
Imagem Intolerável
Nesta categoria debatemos o conceito de imagem intolerável de Rancière. Iremos debater
as perguntas propostas pelo autor: “O que torna uma imagem intolerável? A pergunta parece de
início indagar apenas que características nos tornam incapazes de olhar uma imagem sem sentir
dor ou indignação. Mas uma segunda pergunta logo se mostra implicada na primeira: será
intolerável criar tais imagens ou propô-las à visão alheia? ” (RANCIÈRE, 2012, p.83).
228
A imagem é feita para denunciar, para que as pessoas se sintam impelidas a agir, a tomar
uma decisão, a ter alguma atitude ao saber do acontecimento. Um bebê morto, enrolado, um
senhor de idade sozinho enterrando em uma cova simples. Um relato triste que joga na cara do
leitor de forma direta e clara a morte de uma criança. Essa imagem da criança morta com o rosto
exposto à câmera também possui seu lugar garantido na premiação.
Foto 168 - Lu Guang
pessoas, a ideia aqui é obrigar as pessoas a verem o pior, de perto, nitidamente, sem desfoques
estéticos ou distanciamentos.
Nesses casos, ensaios e legendas acompanhando as fotos são informações cruciais, usadas
para transmitir informações factuais sobre o que esses indivíduos tiveram que suportar, a
que sobreviveram, quem eram ou onde estavam quando as fotos foram feitas. Às vezes,
também são incluídas palavras das pessoas retratadas, não só para lhes dar voz, mas
também para confirmar o papel do fotógrafo como seu mediador. A tomada de imagens
de grupos e comunidades com a finalidade de exibi-las em galerias de arte e livros tende
a transcorrer ao longo dos períodos de tempo mais longos do que os destinados para
reportagens, envolvendo geralmente reiteradas visitas aos mesmo locais. Esse fato é
muitas vezes mencionado nos textos de apoio como sinal da dimensão ética, ou de
contrarreportagem, de um projeto artístico. O fotógrafo pode passar algum tempo com
seus modelos, esperando pelo momento certo e fotografando-os a partir de uma posição
informada, embora externa (COTTON, 2013, p.172).
19
http://www.worldpressphoto.org/collection/photo/2015/long-term-projects/darcy-padilla
230
A fotógrafa, Darcy Padilla, conheceu Julie Baird em 28 de janeiro de 1993 quando Julie
tinha 18 anos e estava no lobby do Hotel Ambassador, em San Francisco, com uma criança de
oito dias de idade em seus braços. Ela era HIV positivo, e tinha um histórico de abuso de drogas.
Durante os 21 anos que se seguiram a esse encontro, Padilla documentou a vida de Julie, e de sua
família, até a morte de Julie em 2010. Depois de Julie morrer, Padilla continuou a acompanhar a
história da família. Julie Baird fugiu de casa com 14 anos, aos 15 já era viciada em drogas.
Segundo aparece no site do WPP, a primeira lembrança da própria infância era de ficar bêbada
com sua mãe com ainda seis anos e sendo abusada sexualmente pelo padrasto. No texto, Padilha
diz que quando conheceu Julie, ela vivia com Jack, o pai de sua primeira filha. Jack contaminou
Julie com o vírus HIV. Julie deixou Jack em 1994, porque ele batia nela. Por um tempo, Julie
morou sozinha com Rachel, principalmente em quartos de hotel, mudou-se doze vezes em um
ano. Em 1996, ela teve outro filho, Tommy, mas o pai não quis saber deles. Depois de cinco
meses com Rachel e Tommy em um programa do Exército da Salvação, Julie foi morar com um
homem que ela conheceu lá, Paul. Mais tarde ele foi condenado à prisão por abusar fisicamente
de Tommy.
Em 2005, Padilla se deparou com um post na internet com alguém à procura de Julie. O
que ela acabou descobrindo ser o seu pai biológico, que durante três décadas vinha tentando
localizá-la. Julie e Jason se mudaram para o Alasca para ficar com ele, e eles tiveram um ano
juntos antes dele morrer de um ataque cardíaco. Mais tarde, Padilla também localizou Jason Jr
231
(agora conhecido como Zach) vivendo feliz com seus pais adotivos e marcou um encontro com
Julie.
Em 2008, Julie deu à luz uma filha, Elyssa, mas em 2010 a vida era difícil novamente.
Jason, Julie e Elyssa estavam vivendo no Alaska, em uma casa sem eletricidade ou água corrente,
mais de 12 km da cidade mais próxima, e Julie estava muito doente. Ela morreu, de doenças
relacionadas com a AIDS, em 27 de setembro de 2010, com a idade de 36 anos.
Depois de saber de toda a história de Julie, os pais adotivos de Jason se ofereceram para
ajudar. Jason mudou-se com Elyssa para perto deles, em um apartamento mobiliado que eles
forneceram, em Portland, Oregon, mas não conseguiu lidar com a vida como pai solteiro. Elyssa,
muitas vezes com raiva dele, culpando-o pela morte de sua mãe. Mais tarde, Elyssa foi levada aos
cuidados da irmã adotiva de Jason, e depois por uma família adotiva. Jason foi preso e
condenado, por 17 anos, em 2013, por abuso sexual de um menor, o que ele nega.
Elyssa continua a viver com sua nova família. Em 2014, Padilla recebeu um e-mail de
Rachel feliz no casamento, que tinha se deparado com o Projeto Julie, e disse que conhecer a
história de sua mãe a tinha ajudado a se curar. No final do texto tem uma fala entre aspas de
Darcy Padilha dizendo que:
"A história de Julie Baird e sua família é complexa: uma história de pobreza,
AIDS, drogas, várias casas, relações, nascimentos, mortes e reencontro.
Centrando na luta de uma mulher, eu esperava proporcionar um olhar em
profundidade sobre as questões sociais que cercam desfavorecimento e HIV,
mas eu também queria criar um registro para as crianças de Julie da história de
sua mãe" (WPP, 2015).
Aqui existem várias questões, uma delas é que realmente é muito mais do que o
fotojornalismo se pretende, são anos de construção de confiança, de aprofundamento sobre as
batalhas dessa mulher e de sua família.
A primeira vez que realmente prestamos atenção em Darcy Padilha foi em uma exposição
em Barcelona. Ao pesquisar no site da fotógrafa, membro da Agência Vu, vemos que o projeto
escoou em vários produtos, está no site, na agência, em Livro, o título do livro é “Family Love”
com versão em inglês e francês a venda em diversas livrarias, como Amazon e Fnac.
232
Foto 170 - Livro Darcy Padilha Foto 171 - Livro Darcy Padilha
Algumas das imagens do ensaio tinham ganho o WPP outro ano, esse prêmio é diferente,
demonstra aprofundamento em uma questão e se relaciona com o capítulo de Cotton.
A delicadeza com que Sarker Protick fotografa seus avós, a estetica das cores, da luz, o
texto que acompanha, quase como uma confissão, fazem desse ensaio premiado em Daily Life,
second prize stories, um ensaio que poderia perfeitamente ser um dos exemplos do livro de
Charlotte Cotton. Um ensaio com intimidade, com a técnica sendo usada no campo do sensível,
tentando expressar o sentimento e distante da proposta de narrativa de uma fato.
235
Traduzindo o texto que World Press Photo postou junto com ensaio, temos uma narrativa
delicada que diz o seguinte: Prova encontra-se na cama, alguns dias antes de sua morte. A saúde
debilitada mantém os avós do fotógrafo, John e Prova, presos em casa em sua velhice. A vida
tornou-se contida em uma única sala. O fotógrafo que já foi muito próximo a eles quando criança
ficou sem ter assunto para conversar. Um dia, ele ficou impressionado com a forma como a luz
entrando no quarto estava lavada por causa da parede e das portas brancas. Naquele momento, o
fotógrafo diz que viu que poderia relatar o que ele estava vendo o que ele sentia sobre as vidas
silenciosas e em suspenso de John e Prova. O cabelo que fica cinza, a pintura das paredes começa
a descascar, tudo o que resta são objetos. Na luz branca, as vidas de John e Prova parecem lentas
e banhadas por uma aura quase como se eles estivessem às portas do céu. O fotógrafo sente que
tudo está em espera por algo que ele não entende muito bem. Trabalhar no projeto lhe deu uma
nova forma de se relacionar com os avós, com quem tinha perdido o contato. A intimidade com
que ele trabalha como fotógrafo procurando entender o seu assunto reacendeu a proximidade que
ele, John e Prova um dia tiveram (WPP, 2015).
O tema é íntimo e com estratégias incomuns na fotografia jornalística. Este fotógrafo em
junho de 2015 passou a integrar a equipe da agência VIIphoto 20. O que demonstra que não
somente o World Press Photo está interessado nesse tipo de proposta, as agências também
observam essas possibilidades. Assim como mostra como o prêmio é importante ou está
relacionado direta ou indiretamente com os arranjos produtivos do mercado fotojornalístico.
No capítulo Alguma Coisa e Nada, Cotton traz um debate sobre os objetos:
As fotografias deste capítulo mostram como coisas não humanas, em geral objetos muito
comuns do dia a dia, podem se tornar extraordinários quando fotografados. Como o título
sugere, a substância da vida diária é aparentemente o tema das imagens, a “alguma coisa”
retratada. Mas, como normalmente ignoramos esses objetos ou os mantemos na periferia
da visão, talvez não os consideremos a princípio como temas visuais legítimos dentro do
léxico artístico (COTTON, 2013, p. 115).
Refletindo sobre as narrativas contadas pelos objetos, encontramos dois trabalhos com
essa abordagem. A mesa de cozinha em Donetsk, em 26 de agosto, um dia em que vários bairros
da cidade ficaram sob o fogo da artilharia das tropas governamentais (WPP, 2015). A imagem de
objetos cobertos pela poeira, um tom de cinza e branco cobre a imagem inteira e alguns pontos de
20
VII Photo Adds Danny Wilcox Frazier and Sarker Protick. Disponível em < http://time.com/3905072/vii-photo-
danny-wilcox-frazier-sarker-protick/> Acesso em 15 de nov de 2015
236
vermelho são a imagem, uma única imagem para retratar o conflito. No texto as informações que
seguem falam dos protestos em fevereiro que haviam derrubado o líder ucraniano Viktor
Yanukovych do poder, e instalou o pró-europeu Petro Poroshenko como presidente. Fala sobre o
confronto, as mortes, o conflito entre os pró Rússia versus os pró Europa. Um assunto cheio de
pormenores narrados em uma única imagem que deixa imaginação fluir.
Foto 183 - Sergei Ilnitsky
O seguinte trabalho traz no início do texto explicando o ensaio: “Rhoda Peters adora ir à
igreja e sua comida preferida é arroz e feijão. Seu pai é um funcionário público em Chibok”
(WPP, 2015). O que segue é a narrativa sobre o sequestro de 276 meninas em Chibok (Nigéria),
pelo grupo Boko Haram. Os objetos aparentemente banais se tornam peças chaves na narrativa
sobre um grupo de militares cujo nome Boko Haram (pode ser traduzido como "educação
ocidental é proibida») pede a criação de um Estado islâmico na Nigéria e opõe-se à concentração
de riqueza entre o que eles acreditam ser uma elite cristã no sul do país.
O texto conta que o grupo se opõe à educação secular, especialmente para as meninas e,
há alguns anos, vem atacando escolas, matando civis, sequestrando alunos e realizando
recrutamento forçado. O texto termina dizendo que cerca de 50 das meninas Chibok conseguiram
escapar, mas o destino do restante permanece obscuro e que os esforços do governo nigeriano
para resgatá-las ou negociar a sua libertação se mostrou ineficaz. (WPP, 2015). Aqui a narrativa é
feita por meio de objetos banais, de uso pessoal, o que substitui as pessoas. A escolha por essa
237
forma de abordar o assunto dá aos objetos uma potência diferente do que costuma ser feito. A
proposta não é inédita, já que no ano anterior outro trabalho foi premiado com esse formato.
Foto 184 - Glenna Gordon Foto 185 - Glenna Gordon Foto 186 - Glenna Gordon
Foto 187 - Glenna Gordon Foto 188 - Glenna Gordon Foto 189 - Glenna Gordon
Foto 190 - Glenna Gordon Foto 191 - Glenna Gordon Foto 192 - Glenna Gordon
Nesta categoria estão as imagens que destoam do grupo de registros propostos anteriormente
em outros anos, são fotografias inesperadas em vários sentidos, sem comparativos e inovadoras
nas propostas, temas, enquadramento, cor etc.
As imagens do ensaio que comentamos anteriormente de Sarker Protick ao registrar a
velhice dos seus avós entraram também nesta categoria. A cor, a luz e a intimidade com o tema
fazem com que o trabalho tenha uma estética e uma abordagem nada comum.
O trabalho de Turi Calafato recebeu o título “Behind the Window Blind”. Vem
acompanhado de um texto que diz: “Um restaurante de fast -food no Japão. Em algumas culturas
modernas, a atividade de comer é muitas vezes uma experiência solitária: em assentos individuais
em mesas individuais” (WPP,2015).
242
As fotos mostram o banal, o que não tem gancho, não tem história emocionante, não tem
nenhuma dificuldade técnica que torna a captura da imagem surpreendente. Essas quatro imagens
quase idênticas surpreendem pelo não ter, pela falta dos elementos ditos premiáveis.
O trabalho premiado em sports de Sergei Ilnitsky possui uma proposta de cor, feixes de
luz, coloração com a técnica da luz formando um lightpaint esteticamente inusitado.
Para finalizar esta categoria, o trabalho premiado em Long Term Projects de Kacper
Kowalski.
243
Foto 200 - Kacper Kowalski Foto 201 - Kacper Kowalski Foto 202 - Kacper Kowalski
Foto 203 - Kacper Kowalski Foto 204 - Kacper Kowalski Foto 205 - Kacper Kowalski
Foto 206 - Kacper Kowalski Foto 207 - Kacper Kowalski Foto 208 - Kacper Kowalski
Observamos que a separação entre esses regimes nos permite ver que o fotojornalismo é
um campo de disputa política, de imposição de um olhar ocidental, etnocêntrico, branco,
americano e europeu. Mas as fissuras aparecem em diversos momentos, detectamos posturas
diferenciadas, propostas inovadoras e nos arriscamos a definir disruptivas.
A imagem principal ganhadora é disruptiva não pela estética em si, mas pela ousadia do
fotógrafo, que fala do seu envolvimento com os fotografados, e pela ousadia do prêmio
escolhendo-a em primeiro lugar. Ela rompe alguns paradigmas do distanciamento objetivo, que o
fotojornalismo vive utilizando como bandeira legitimadora.
As imagens dos dois avós do fotógrafo indiano é disruptivo por ser íntimo. É a história
pessoal contada com uma estética pouco usual que nos remete a um terreno das sensações. O
ensaio sobre Julie, feito durante mais de 20 anos, é um ensaio de tal aprofundamento que mostra
o que é uma narrativa pessoal, o que é um processo de conhecimento de uma realidade. Ele
rompe com os tempos do fotojornalismo, da notícia rápida. Acreditamos que maioria dos projetos
da categoria Long Term Projects possam ser disruptivos pelos mesmos motivos.
Percebemos também o que não é disruptivo, o que não inova, o que não possui as posturas
contemporâneas, o que repete os moldes e revisita os temas ano traz ano com a mesma
abordagem. Quando pensamos que o/a fotojornalista vai chegar na pauta e em 10 minutos ele
resolve seus problemas e envia as imagens para redação, temos um processo de fotojornalismo
não disruptivo. Quando observamos que as vítimas são protegidas, quando pertencem a
determinado grupo e são expostas quando não pertencem, estamos falando de um fotojornalismo
não disruptivo. A definição de fotojornalismo disruptivo recai na postura, na técnica, na
abordagem do tema e sua distribuição, na escolha estética e principalmente na potência de trazer
reflexão para além do óbvio.
Conclusão
Quando o projeto desta tese foi submetido para aprovação no doutorado em 2011, estava
bem claro que existiam umas imagens que se repetiam nas premiações e que a imagem
fotográfica representava as pessoas de forma diferente. O projeto visava provar ou legitimar um
246
21
PORTAL IMPRENSA 19/11/2015: Disponível em
http://portalimprensa.com.br/noticias/internacional/75307/franca+pede+que+twitter+e+facebook+censurem+fotos+d
a+casa+de+shows+bataclan acesso em 02 dez 2015
247
Nos apropriamos de uma combinação teórica, entendemos que a concepção elaborada por
Rancière não foi uma proposta para ser aplicada ao fotojornalismo e compreendemos que
traduzimos suas questões para as problematizações que o corpus desta tese apresentou.
Acreditamos que assim podemos propor novas perspectivas metodológicas para outros estudos
que venham depois de nós e se proponham a refletir sobre a fotografia de mídia, de conflito e
para prêmios.
Em processo paralelo o World Press Photo criou normas muito rígidas do que pode e não
pode na fotografia jornalística e documental. Abordamos no capítulo dois os itens que estão
surgindo como norma, as agências que estão exigindo imagens que garantam ética e percebemos
uma caça às imagens que são desonestas, inaceitáveis e que envergonham esse baluarte da
verdade que é o fotojornalismo. Nesse aspecto identificamos um fotojornalismo arcaico, que vê
na técnica a mentira, que coloca no software de tratamento de imagem o peso da representação de
algo como verdadeiro ou não e da encenação como um problema ao código de ética. No próprio
capítulo debatemos que a noção de vestígio, verdade, mentira e realidade tem sido
problematizado há anos por diversos autores e fotógrafos, críticos e curadores e, no entanto, as
organizações continuam aguerridas ao conceito de credibilidade dos meios de comunicação de
massa, produzindo cada vez mais normas ao fazer fotográfico.
Em suma, esta tese observa que as rupturas se dão em alguns aspectos e os conflitos
permeiam todo o processo da produção, edição e distribuição do fotojornalismo. O que se premia
é um panorama do que tem sido pensado para essa linguagem da fotografia e é resultado das
disputas existentes entre quem faz parte dessa específica cadeia produtiva.
A nossa tese é o seguinte achado a partir de todo o que foi discutido até agora: existe uma
potência no fotojornalismo de ser disruptivo, aquele que rompe, que está desobrigado e que
propõe a essa linguagem um novo modelo, sem olhar para trás, que incorpora as ideias de
contemporaneidade, de arte contemporânea, que observa outras relações entre fotógrafo/a versus
fotografado/a, que repensa a imagem das vítimas e que trabalha no terreno do sensível, que
trabalha as cores, luzes reflexos a partir da experiência. Essa imagem disruptiva existe, está em
algumas capas de jornais, em alguns cadernos especiais e algumas vezes nos prêmios, entrando
para o melhor do fotojornalismo no meio de brigas e discussões sobre seu devido merecimento. O
terreno da disputa é um terreno do espaço da importância. Acreditamos que enquanto for difícil
249
sair do padrão, mostrar olhares que debatem alteridade, que incorporam o olhar do “outro” será
válido achar essas imagens e destaca-las da multidão e sinalizá-las. Dizer que é possível repensar
, refazer e trazer discussão e que existem aqueles e aquelas que querem ser vozes do que acontece
sobre o mundo e brigam por isso dentro do sistema existente, rompem as normas, refazem as
normas e nos permitem avançar.
250
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