Artigo Logoterapia No Contexto Da Psicologia, Reflexões Acerca Da Análise Existencial de Viktor Frankl Como Uma Modalidade de Psicoterapia
Artigo Logoterapia No Contexto Da Psicologia, Reflexões Acerca Da Análise Existencial de Viktor Frankl Como Uma Modalidade de Psicoterapia
Artigo Logoterapia No Contexto Da Psicologia, Reflexões Acerca Da Análise Existencial de Viktor Frankl Como Uma Modalidade de Psicoterapia
Abstract. This article aims at describing Logotherapy in the context of modern psychology, considering
by the one hand its theoretical and conceptual aspects, and by the other its field research and practical
application. It first considered Logotherapy in its historical context, within the theories of personality. It
also pointed out to their practical considerations in the scope of psychotherapy and prevention, as well as
listed the main criticisms towards this psychology school of thought and its rebuttals. At last, this
manuscript sets forth some considerations on Logotherapy as psychotherapy.
E
trabajos es la lucha contra las tendencias
considerada como ciência a partir do despersonalizantes y deshumanizantes que
laboratório de Wilhelm Wundt, em parten del psicologismo en la Psicoterapia”
1879, indubitavelmente, foi no século (Frankl, 2006, p. 56).
XX que as grandes teorias apresentaram as bases
para a sua constituição como profissão como a Um equívoco recorrente é considerar
conhecemos nos dias atuais (Schultz & Schultz, que esse mesmo autor teria descoberto a
2000). Dentre as diversas práticas psicoterápicas, Logoterapia nos campos de concentração,
a perspectiva existencial vem ganhando um durante a Segunda Guerra Mundial, quando foi
espaço considerável, sobretudo a Logoterapia de um prisioneiro comum. Historicamente, já em
Viktor Frankl, por abordar temáticas inerentes à 1926, Frankl profere pela primeira vez o termo
existência e pertinentes ao ser humano moderno. Logoterapia em um ambiente acadêmico,
enquanto a denominação análise existencial foi
Tendo em conta a perspectiva da destacada somente a partir de 1933 (Frankl,
psicologia como ciência e profissão, considera-se 2006).
a Logoterapia como uma corrente psicoterápica
capaz de respaldar o trabalho do psicólogo para Como esclarece Fizzotti (2000), a
as demandas existenciais e psíquicas. Para Logoterapia se constitui por meio de três fases
fundamentar esse argumento, o presente artigo distintas: (1) o trabalho de aconselhamento de
contextualiza essa corrente de pensamento como Frankl nos centros de prevenção ao suicídio na
uma teoria da personalidade bem como década de 1920. (2) O desenvolvimento de um
apresenta suas implicações psicoterápicas. sistema de pensamento calcado em filósofos
Inicialmente, será apresentada uma breve como Max Scheler, Karls Jaspers, Martin
explanação acerca do surgimento e Heidegger, Ludwig Binswanger e Martin Buber,
desenvolvimento dessa matriz. e, posteriormente, validado por sua própria
vivência nos campos de concentração no período
O SURGIMENTO DA LOGOTERAPIA E da Segunda Guerra Mundial, como prisioneiro
SEU CONTEXTO ATUAL comum. (3) Uma extensa casuística que se
configura em uma metodologia terapêutica
Viktor Frankl (1905-1997) foi um
descrita em livros no período pós-guerra.
psiquiatra, neurologista e professor da
Universidade de Viena. Este sistematizou a
Historicamente, a Logoterapia foi
Logoterapia e Análise Existencial como uma
considerada por Wolfgang Soucek (1948) como
abordagem psicoterápica. Durante a sua
a terceira escola de Psicoterapia de Viena, sendo
juventude, foi discípulo de duas escolas
precedida pela Psicanálise e a Psicologia
tradicionais, a psicanálise e a Psicologia
Individual. Essa corrente também é reconhecida
individual, até chegar ao seu próprio sistema de
como uma abordagem de psicoterapia pela mais
pensamento chegando a produzir trinta e nove
antiga associação de Psicologia, a American
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Psychological Association (APA), como pode ser A Logoterapia como prática da
constatado no verbete Logotherapy no Concise psicoterapia se complementa com a sua outra
Dictionary of psychology: faceta, qual seja, a análise existencial, que
representa uma perspectiva antropológica de
An approach to psychotherapy that focuses pesquisa. Nesse aspecto, Frankl (2012) considera
on the “human predicament”, helping the
que a vida se explica apenas no seu transcurso e
client to overcome crises in meaning. The
desdobramento. Assim, compreende que “tal
therapeutic process typically consist of
como um tapete desenrolado revela o seu padrão
examining three types of values: (a) creative
(e.g., work, achievement); (b) experiential inconfundível, deduzimos do curso da vida, do
(e.g., art, science, philosophy, devir, a essência da pessoa” (p. 57).
understanding, loving); and (c) attitudinal
(e.g., facing pain and suffering). Each client Batthyany (2009) constata que, na
is encouraged to arrive at his or her own atualidade, novas ideias e métodos são
solution, which should incorporate social desenvolvidos e ajudam no desenvolvimento e
responsibility and constructive relationships. no crescimento da psicoterapia centrada no
Also called meaning-centered therapy. See sentido da vida. Dessa forma, constata-se que a
also existential psychotherapy; existentialism Logoterapia está sendo desenvolvida por vários
(APA, 2009, p. 278). autores, tendo por base os pressupostos de
Viktor Frankl. De forma geral, pode ser
A Terapia Centrada no Sentido
considerada como um “movimento” em prol de
encontra-se em consonância com o movimento
um direito humano, qual seja, o de promover
existencial iniciado após a Segunda Guerra
uma vida plena de sentido para todos (Frankl,
Mundial, por meio da psiquiatria,
2011).
especificamente por Ludwig Binswanger e
Medard Boss. No Caderno do Conselho Federal Parece muito elucidativo a seguinte
de Psicologia (2009) intitulado Ano da reflexão de Frankl (2011) acerca do crescimento
Psicoterapia: Textos geradores encontra-se a de sua abordagem teórica:
seguinte referência:
Eu concluí o meu primeiro livro declarando
O século XX é marcado por uma série de que a Logoterapia era uma “terra de
contribuições oriundas de médicos, até ninguém. E, ainda assim – que terra
mesmo porque a Psicologia ainda se promissora!” Isso foi há muitos anos. Nesse
mantinha restrita aos espaços acadêmicos em ínterim, a “terra de ninguém” se tornou
sua cruzada pelo reconhecimento científico. habitada. E o trabalho de seus habitantes
Desde o criador da Psicanálise nomes prova que a “promessa” está a caminho de
ilustres como Jung, Perls, Moreno, Erickson, ser cumprida. (p.208).
Frankl, as contribuições parecem marcar essa
tendência (...) (Rodrigues, & Brito, 2009, p. No contexto mundial, a Logoterapia
94). conta com 105 grupos, entre institutos e
associações, catalogados pelo Viktor Frankl
Institut (c.f. www.viktofrankl.org). Constata-se
48 LOGOTERAPIA NO CONTEXTO DA PSICOLOGIA
que o maior número de grupos se encontra na Alemanha (17), seguido da Argentina (10), Brasil (7),
Áustria (6), Canadá (6), México (6) e Estados Unidos (4).
Algumas hipóteses são levantadas para explicar o grande número de grupos na Alemanha. Uma
delas é o fato de que a primeira discípula de Viktor Frankl, Elisabeth Lukas, tenha fundado um instituto
de formação de logoterapeutas nesse país e publicou trinta e oito livros sobre a teoria e prática em
Logoterapia em língua alemã. Além disso, grande parte dos trinta e nove livros de Frankl foi escrito na
língua germânica, o que, possivelmente, facilitou sua maior inserção no referido país.
Já na Argentina, Frankl esteve cinco vezes, sendo a primeira em 1954, enquanto que no Brasil,
esse mesmo pensador esteve três vezes, inicialmente em 1984 na PUC do Rio Grande do Sul (Porto
Alegre). Nesse, o primeiro estudo publicado sobre Logoterapia foi em 1983, por Izar Xausa na Revista
Psico (PUC-RS), intitulado “Viktor Frankl: um psicólogo no campo de concentração” (Xausa, 1983).
Periódico Nacionalidade
Revista Logos e Existência Brasil
Existenz und Logos Alemanha
Ricerca di Senso Itália
Revista Mexicana de Logoterapia México
The International Forum for Logotherapy Estados Unidos
LogoRed Argentina
Revista Logo: Teoría, Terapia, Actitud Argentina
Na atualidade, a Logoterapia conta com sete periódicos especializados nessa temática (Tabela 1),
dos quais apenas dois se encontram classificadas no qualis CAPES: a Revista Logos e Existência e a revista
Ricerca di Senso. Nessa perspectiva, torna-se necessário mapear os avanços científicos da Logoterapia no
Brasil nos periódicos brasileiros, tema que será abordado no tópico a seguir.
Em uma busca realizada em duas bases de dados virtuais, Véras e Rocha (2014) fizeram um
mapeamento dos artigos em Logoterapia publicados em periódicos científicos brasileiros considerando o
período de 1983 a 2012, encontrando 49 trabalhos de autoria de brasileiros. Os autores descreveram o
panorama nacional de pesquisadores, instituições e temas relacionados à Logoterapia. Para atualizar os
dados, foi realizada uma nova pesquisa incluindo também os anos de 2012 à 2014, assim, por meio da
ferramenta Google Acadêmico e utilizando-se dos descritores Logoterapia, Sentido da Vida e Viktor Frankl,
encontrou-se mais 66 artigos, totalizando 115. A Figura 1 apresenta a distribuição dos artigos de 1983 a
2014.
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Provavelmente, esse crescente interesse seja fruto de linhas de pesquisa em mestrado acadêmico,
como no curso de Ciências da Religião da UFPB (PB) e de Psicologia Clínica da UNICAP (PE), bem
como os cursos de pós-graduação Latu Sensu da PUC (PR), ALVEF (PR) e SOBRAL (SP). Também
devemos pontuar o trabalho que vem sendo realizado pela Associação Brasileira de Logoterapia e Análise
Existencial (ABLAE), o Núcleo Viktor Frankl na UEPB (PB), pelo Instituto Geist no Maranhão e do
IECVF em Ribeirão Preto – SP.
Pôde-se constatar a existência de 162 autores com, pelo menos, um artigo publicado em
Logoterapia. Os de instituições nordestina, especialmente da Paraíba, são aqueles que aparecem com
maior frequência. Quanto à titulação, 44 eram doutores, 24 mestres ou doutorandos, 85 graduados ou
mestrandos e dois graduandos (sete não tinham informações disponíveis nos artigos nem na Plataforma
Lattes). Mais de 60% eram psicólogos ou estudantes de Psicologia.
Verificou-se que 51% dos artigos encontrados tinham mais de um autor. Isso aponta para
prováveis formações de grupos de pesquisa que vem crescendo no país. Também foi possível verificar a
existência de parcerias entre pesquisadores de instituições de diferentes. Isso mostra tanto uma abertura e
expansão da abordagem quanto o fortalecimento de laços estabelecidos entre discentes e docentes de
diferentes instituições.
50 LOGOTERAPIA NO CONTEXTO DA PSICOLOGIA
Os trabalhos estavam distribuídos em 52 periódicos, sendo o maior destaque para a Revista Logos
& Existência, com 45 publicações. O periódico em questão passou a concentrar as publicações de artigos
em Logoterapia, sendo este um aspecto positivo, uma vez que até o seu surgimento, em 2012, os
trabalhos estavam dispersos em várias revistas, dificultando o acesso por parte dos pesquisadores.
Também foi averiguado que os artigos apresentam múltiplas metodologias e abordam diversos
temas acerca da Logoterapia. Sobre isso se deve pontuar que 85% dos estudos utilizaram métodos
qualitativos exploratórios, tais como pesquisas bibliográficas e estudos de caso, e 15% métodos
descritivos, tais como estudos de correlação e validação de testes psicométricos. Dentre os temas
encontrados destacam-se os que tratam de aspectos psicoterapêuticos, organizacionais, educacionais,
sentido da vida (logoteoria), espiritualidade, religiosidade, saúde, estresse, resiliência e pessoas com
deficiência. Essa versatilidade de temas e métodos reflete a plausibilidade dessa teoria para apreender as
temáticas atuais no campo da psicologia.
Segundo Pervin e John (2004) uma teoria da personalidade deve contemplar os seguintes
aspectos:
Como a Logoterapia se posiciona perante esses cinco características das teorias da personalidade?
A Tabela 2 apresenta a Logoterapia no contexto geral da Psicologia da Personalidade.
Crescimento e
Estrutura Processo Patologia Mudança
desenvolvimento
Apelo aos
Frustração da
Ser-no-mundo, Vontade de Ser versus valores e
busca de
ser-assim sentido dever-ser maiêutica
sentido
socrática
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A primeira, a estrutura, representa os aspectos estáveis e duradouros da personalidade ou a
consistência de respostas individuais. Segundo Frankl (1992a), essa dimensão representa o “ser-assim”,
constituído por meio dos hábitos e escolhas pessoais e tendências da personalidade. Embora Frankl não
pareça dar atenção aos constructos estruturais, preferindo dar ênfase ao antagonismo noopsíquico, existe
uma grande preocupação em como a pessoa se posiciona perante a sua estrutura de personalidade, tendo
em conta o conceito de liberdade.
Em linhas gerais, a Logoterapia, como grande parte das teorias existenciais, não defende a
classificação do ser humano em termos de traços ou tipo de personalidade, já que compreende o ser
humano como um contínuo vir-a-ser (c.f. Hall & Lindzey, 1984). Nessa perspectiva, Ortiz (2011)
compreende que a Logoterapia propõe a visão do ser humano como um ser dinâmico. A pessoa é
constituída por caráter e temperamento, podendo, ainda assim, opor-se a eles (antagonismo
noopsíquico), ampliando a visão acerca da estrutura do sujeito como um ente meramente estático.
Sobre essa capacidade de se posicionar perante si mesmo, comentam Hall e Lindzey (1984):
No que tange à psicopatologia, Frankl (2011) considera que a frustração da vontade de sentido
desempenha um papel relevante na etiologia de alguns transtornos, tais como a drogadição, a agressão e o
suicídio/depressão. Ademais, quando o ser humano não se encontra motivado pelo sentido, emergem
sempre as vontades de poder e prazer de forma acentuada, o que frustra cada vez mais a realização de
sentido.
De todas as maneiras, a psicoterapia é sempre algo mais do que uma técnica; sempre inclui um elemento
de arte. Nela, a dicotomia entre técnica e encontro desaparecem. Estratégias terapêuticas de um lado e do
outro, a relação personalizante, são os polos entre os quais se desenvolve a situação terapêutica (pp. 55-56).
Tabela 3 Síntese das técnicas psicoterápicas, padrões patogênicos e características antropológicas em função do tipo de neurose
Característica
Técnica
Tipo de Neurose Padrão patogênico antropológica
psicoterápica
mobilizada
Medo do medo
Angústia Intenção paradoxal Autodistanciamento
(fuga)
Luta contra os
Obsessiva Intenção paradoxal Autodistanciamento
pensamentos
Hiperintenção e
Sexual Derreflexão Autotranscendência
hiper-reflexão
Intenção Paradoxal. A técnica da intenção paradoxal foi elaborada por Frankl e publicada pela
primeira vez em 1939, sendo mais adequada aos casos de neuroses de angústia e de neuroses obsessivo-
compulsiva (Boschemeyer, 1990). O primeiro padrão patogênico da neurose de angustia é o medo de ter
medo, que resulta em uma ansiedade antecipatória. Enquanto que na neurose obsessiva, o padrão
patogênico é a fuga dos pensamentos obsessivos. Nesses casos, o logoterapeuta orienta o seu paciente a
desejar que aconteça o que ele tanto teme de forma exagerada, utilizando-se do humor. Tal prescrição se
baseia no fato de que ninguém pode desejar e temer o mesmo objeto de forma concomitante (Lukas,
1989).
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SOBRE OS AUTORES
Thiago A. Avellar de Aquino. Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba
(1995), mestrado em Psicologia (Psicologia Social), pela Universidade Federal da Paraíba (1998), e
doutorado em Psicologia (Psicologia Social), pela Universidade Federal da Paraíba (2009). Atualmente é
professor Adjunto da Universidade Federal da Paraíba do Departamento de Ciências das religiões;
professor credenciado do Programa de Pós-graduação em Ciências das Religiões; é também líder do
grupo Nous: Espiritualidade & Sentido (CNPq).
Alan da Silva Véras. Tem formação em Psicologia pela Faculdade Ruy Barbosa (Salvador - BA) e em
Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Nordeste (Salvador - BA). Atualmente é aluno da pós-
graduação em Logoterapia pela Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas do Paraná (FACET).
Daniel Ouriques Lira Braga. Graduado em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba. Membro
do grupo de Pesquisa NOUS - Espiritualidade e Sentido. Atualmente Mestrando em Ciências das
Religiões pela Universidade Federal da Paraíba.
Lorena Bandeira da Silva. Possui graduação pela Universidade Estadual da Paraíba (2011). Ênfase em
Psicologia Clínica. Mestranda em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba. Vice
Coordenadora do Núcleo Viktor Frankl de Logoterapia da UEPB. Participa dos grupos de pesquisa em
saúde mental Déjà Vu: Artes, Sonhos e Imagens, da UEPB e Nous: Espiritualidade e Sentido, da UFPB.