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DA CABEÇA AO
CORAÇÃO
DA OBRA DE GILA MANOLSON
Agradecimentos
Capa: Sara Lipceac
Tradução: Esther Chaya Levenstein
Diagramação: Rinat S. Azulay
Consultoria geral: R. Daniel Sztejnhauer
Revisão Final: Sibeli M. Zeitoune
PARTE 3 - AMOR
Capítulo 4: Amor e Casamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Capítulo 5: Afirmação da Feminilidade . . . . . . . . . . . . . . . .75
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Este livro também difere de minhas outras obras. Em primeiro
lugar, enquanto “The Magic Touch” e “Além do Espelho” tratavam,
cada qual, de um tema único (abster-se de contato físico antes do
casamento e a necessidade de se autodefinir, de acordo com o seu
“eu” interior, respectivamente), “Como Encontrar sua Metade” aborda
uma variedade de temas co-relacionados. A Parte 1 analisa o objetivo
do shiduch; a Parte 2 foca no crescimento pessoal; a Parte 3 apresenta
reflexões sobre amor, casamento e o papel da mulher judia nos dias
de hoje; a Parte 4 discute assuntos práticos, ligados ao shiduch, e a
Parte 5 levanta questões haláchicas (ligadas às leis judaicas), relevantes
à vida de casado. E, enquanto alguns capítulos podem despertar
mais interesse do que outros, acredito que todos são essenciais. Em
segundo lugar, também apresento tópicos revisados por Rabinos,
educadores, terapeutas e aqueles que atuam nas cortes rabínicas (beit
din). Capítulos com halachot (leis judaicas) foram também revisados
por dois poskim (autoridades legisladoras judaicas), cujas cartas de
aprovação constam no início deste livro.
Meu objetivo, entretanto, é o mesmo de sempre: o de trazer mais
sabedoria judaica à sua vida. Não importa quem você seja ou qual a
sua trajetória até aqui. Espero que este livro o ajude a encontrar um
relacionamento pleno e duradouro, revelando o que você deve saber
antes do shiduch e da chupá.
AGRADECIMENTOS
A Hashem, que mais uma vez me abençoou com a oportunidade de
escrever um livro e eu sou, sem dúvida, agradecida a todas as outras
pessoas que me ajudaram nesta empreitada:
Primeiramente, RavYitzchak Berkowitz, shlit”a, cuja sensibilidade,
conhecimento haláchico e direcionamento da hashkafá (visão de Torá)
inspiraram este projeto.
Rabino Zev Leff, shlit”a, por sua contínua força moral e apoio
prático.
Batya Friedman, uma amiga devotada e crítica brilhante, sem a
qual e sem seu constante apoio, incentivo e sua profunda percepção,
sempre em sintonia comigo, não teria conseguido escrever este livro.
Debra Kershner, M.A., uma pessoa e uma profissional altamente
capacitada, por suas sábias observações e generosa ajuda.
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envergonha?” (Ed. Maayanot, 1990); Lawrence Kelemen, autor de “To
Kindle a Soul Ancient Wisdom For Modern Parents and Teachers”; Maurice
Lamm, autor de “The Jewish Way in Love & Marriage”, e Wendy Shalit,
que escreveu “A Return to Modesty: Discovering the Lost Virtue” e também
me ajudou na revisão dos meus manuscritos.
Meus amados, profundamente amados, filhos Chananya, Elyashiv,
Yair, Temima, Emuna, Ayelet e Yisrael, pela paciência e tolerância
durante o tempo em que estive escrevendo este livro.
E, finalmente, a Avraham, minha alma-gêmea em tudo.
Gila Manolson
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preparo e dedicação. E o tempo para começar essa preparação não é
apenas quando faltarem três meses para o casamento (ou depois que
se passarem três meses da chupá), mas agora. A passagem do estado de
solteiro para o de casado não deve ser feita de maneira leviana. Essa
transição deve ser inteligente, com muita reflexão, aprendizado e,
sobretudo, crescimento. Se você optar por adquirir a sabedoria e fizer
sua parte, empenhando-se, poderá experimentar um longo, profundo
e gratificante relacionamento.
Este livro irá ajudá-lo a chegar lá.
Nota: Todas as histórias escritas a seguir são verdadeiras ou
baseadas em fatos e pessoas reais. Apenas os nomes foram alterados.
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16 CHUPÁ: DA CABEÇA AO CORAÇÃO
CAPÍTULO 1
UM NOVO SENTIDO PARA O NAMORO
SAIR ILESO
Mesmo que a experiência nos custasse só o tempo e o sentimento,
o que já seria triste o suficiente, a vida é curta, e é uma vergonha
gastá-la para descobrir o básico, em vez de colher os frutos do
conhecimento existente. No entanto, a experiência também tem seu
preço, emocionalmente falando.
A relação não é um jogo. Ela significa partilhar, criar uma abertura
para a intimidade, ser vulnerável. Então, quando termina, dói. "Eu
sinto que deixei uma parte de mim com a minha ex-namorada", disse-
me um jovem, certa vez. "E uma vez que você dá de si mesmo, você
não pode simplesmente pegar essa parte de volta. Agora eu estou
com medo de deixar que isso aconteça novamente." Um rompimento
poderá deixá-lo muito desconfiado quando tiver de investir em outro
relacionamento.
Quando o mundo secular coloca na balança, de um lado a
preservação contra danos emocionais e, do outro, a experiência, esta
última é a vencedora. A experiência, apesar de tudo, dá um certo ar de
sofisticação ao mundo secular. Ela é, supostamente, seu ingresso para
a vida adulta. Mas e quanto à preservação emocional? Muitas pessoas
nem sequer sabem o que isso significa. Se o sabem, afirmam que esse
instinto de preservação emocional acaba naturalmente, com o passar
da idade, como um lagarto que muda de pele. Se esse é o preço da
experiência? Bem, eles darão de ombros, afinal, tudo isso faz parte do
crescimento.
A tradição judaica vê as coisas de forma diferente. O mundanismo
e a sofisticação podem ser úteis ou prejudiciais; eles, em si mesmos,
não são, definitivamente, valores (e eles não são, de modo algum,
sinônimos de sabedoria). Mas e a saúde emocional? Como fica um
coração partido, sem capacidade de confiar, de acreditar que as
coisas vão funcionar, de sentir que a vida é boa? Estas qualidades são
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32 CHUPÁ: DA CABEÇA AO CORAÇÃO
CAPÍTULO 2
FAZENDOVOCÊ PRÓPRIO CRESCER
CRIANDO INTIMIDADE
Além de maturidade, pelo menos quatro qualidades contribuem
para um casamento ser bem-sucedido: independência, autoestima,
confiança e capacidade para a intimidade emocional. É importante
entender esses atributos, a sua origem, e por que eles são tão essenciais.
Independência significa ver a si mesmo como uma pessoa
independente, que se conhece, anda com as próprias pernas e
sabe muito bem aonde quer chegar. Infelizmente, muitas pessoas
dependem, em demasia, das outras, chegando mesmo a sentir pânico
quando se veem sozinhas. Eu tinha uma amiga na escola, cujos pais
se separaram. Desesperada, a mãe cometeu suicídio. Isso é uma falta
de autonomia levada ao extremo. Mas exemplos menos trágicos são
bastante comuns.
CONHECER A SI MESMO
Até agora discuti o que você precisa para ser um bom parceiro
(a) para alguém. Escolher a pessoa certa exige mais do que
autoconhecimento. O ideal seria ter um ou mais mentores que
pudessem ajudar a clarear quem você é e o que precisa em um parceiro
(a) ideal.
Primeiramente, perceba sua natureza. Quais são seus pontos fortes
e os fracos? Como você pode contribuir em um relacionamento? O
que seu parceiro (a) deve oferecer?
“Minha espiritualidade é muito voltada para as pessoas”, eu disse a
meu futuro marido, quando estávamos saindo de shiduch. “Eu me sinto
próxima de D’us por meio de como me relaciono com os outros”.
Avraham, eu descobriria logo, era muito ligado aos feriados judaicos e
às rezas. Juntos, nossa vida religiosa é rica em todos esses elementos.
Seu parceiro (a) não precisa ser exatamente tudo o que você não é,
mas é bom ter certeza de que os pontos mais básicos e importantes
estarão sendo atendidos. (Alguém, por exemplo, que seja mais apto para
cuidar das despesas da casa do que você).
SENDO HUMANO
De acordo com um Midrash (uma antiga visão da Torá), homem
e mulher foram criados como um só ser completo, mas depois D’us
achou melhor separá-lo em dois seres incompletos. Machos e fêmeas
solteiros “relembram” que certa vez foram parte de um todo e tentam,
assim, voltar a serem um, por meio da reunião de suas almas-gêmeas.
Nós olhamos para o casamento como uma maneira de recuperar nossa
integridade espiritual.
A psicologia sugere outros aspectos de nosso caráter incompleto.
Ao crescermos, nós adquirimos “defeitos”. Nenhum de nós atinge
a idade adulta em perfeita forma emocional. Consequentemente,
nossa psique quer “consertar as coisas”. E, assim como nós esperamos
que o casamento restaure nossa completude espiritual, nós também
esperamos que ele restaure nossa integridade emocional.
E o que é “integridade emocional”? É estarmos completamente
alegres e relaxados, conscientes e conectados com todos os aspectos
de nosso ser – sentirmo-nos completamente amados, em contato com
todo nosso ser e repletos de vida.
Se esta descrição parece mais um sonho, saiba que ela é. Ninguém
passa por tudo isso durante a vida adulta. No entanto, quando
crianças, recebemos isso de nossos devotados e conscientes pais ou
outros tipos de pessoas que cuidaram de nós naquela época. E eles
foram seres humanos. Não tinham superpoderes ou eram “sabe-
tudo”. Além do mais, eles certamente também tinham suas próprias
dúvidas emocionais, as quais “contaminaram” a maneira com que eles
nos criaram. Consequentemente, eles não poderiam nos dar tudo
de que precisávamos em cada estágio de nossas vidas. Podemos ter
sido criticados, muitas vezes tivemos nossos sentimentos reprimidos,
tivemos liberdade demais ou pouco afeto. No final, esses erros nos
deixaram a desejar.
Talvez nossos pais tenham explicitado sua insatisfação com alguns
aspectos de nosso comportamento e nos reprimiram – talvez você
TORNAR-SE CONSCIENTE
Como a típica (e muito resumida) história acima esclarece, os
principais problemas conjugais, muitas vezes, resultam do “click”
inicial. Enquanto inúmeros casamentos falham devido à falta de
desenvolvimento pessoal e/ ou de valores adequados, outros afundam
porque os parceiros não conseguem ou não querem chegar ao
topo e entender o que os está guiando inconscientemente e ao seu
relacionamento.
Claro, para evitar esses conflitos, você pode renunciar ao “click”.
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62 CHUPÁ: DA CABEÇA AO CORAÇÃO
CAPÍTULO 4
AMOR E CASAMENTO
A inda que este capítulo fosse um livro em si, ele não seria
suficiente para capturar todas as dimensões dessa tão
enriquecedora parte da vida, que são amor e o casamento.
O assunto é tão vasto quanto o oceano. Espero que as ideias básicas, a
seguir, despertem uma vida toda de aprendizagem.
O DOM DO AMOR
Há alguns anos, falei a um grupo de estudantes do ensino médio,
vindos de lares não religiosos, a respeito da ideia do amor sob a ótica
judaica.
“Alguém me defina amor”, eu disse.
Ninguém respondeu.
“Ninguém quer ao menos arriscar um palpite?”, perguntei.
Ainda não obtive nenhuma resposta.
“Então, vou lhes propor algo: eu vou definir o amor e aqueles que
concordarem com essa definição levantem a mão, ok?”
Eles mexeram as cabeças, em sinal de concordar com minha
proposta.
“Ok. Amor é o que você sente quando encontra a pessoa certa.”
Amor e Casamento 63
Todos ergueram as mãos. E eu pensei, “Opa!”
E é assim que algumas pessoas enxergam uma relação. Consciente
ou inconscientemente, elas acreditam que o amor é uma sensação
(baseada na atração física e emocional) que, mágica e espontaneamente,
faz com que o Príncipe ou a Princesa Encantada apareça. E, de
repente, facilmente, essa sensação pode espontaneamente degenerar
quando a mágica “não estiver mais ali”. Você se apaixona e você pode
se desapaixonar. A palavra-chave é inércia. Erich Fromm, em seu
famoso tratado “A Arte de Amar” (“The Art of Loving”, Ed. Itatiaia,
1996), observou a triste consequência desse conceito equivocado:
“Não há qualquer atividade ou qualquer empresa que seja iniciada com
tanta esperança e expectativa, e, no entanto, falhe tão regularmente
quanto o amor.” (A primeira edição do livro foi lançada em 1956 – se tivesse
sido escrito nos dias atuais, há grandes chances de que o autor fosse muito mais
pessimista).
Então, o que é o amor – o amor real e duradouro? O amor é o laço
que resulta da profunda apreciação da bondade do outro.
A palavra “bondade” talvez tenha surpreendido você. Afinal de
contas, a maioria das histórias de amor não é feita de casais encantados
com a ética do outro. (“Eu estou encantada por seus valores!”, ele diz a
ela, apaixonadamente. “E eu nunca encontrei um homem tão virtuoso!”,
ela responde.) Entretanto, em seu estudo sobre casamentos bem-
sucedidos na vida real (“The Good Marriage: How and Why Love Lasts”),
Judith Wallerstein relata que “o valor que esses casais depositaram nas
virtudes morais de seus parceiros foi um achado inesperado.” Para a
mente judaica, isso não é nada inesperado. O que nós valorizamos
mais em nós mesmos, nós valorizamos nos outros. D’us nos criou para
nos vermos como bons (daí a nossa necessidade de racionalizar os nossos
erros ou de nos arrependermos deles). Assim também nós procuramos ver
a bondade nos outros. Uma boa aparência física, uma personalidade
cativante, inteligência e talento (tudo isso conta para alguma coisa)
podem atrair você, mas a bondade é o que o move para o amor.
Se o amor vem da apreciação pela bondade, ele não precisa
simplesmente acontecer – você pode fazê-lo acontecer. O amor é
ativo. Você pode criá-lo. Basta focar no que há de bom na outra pessoa
(e todos têm algo de bom). Se você pode fazer isso facilmente, vai amar
facilmente.
Certa vez, eu estava em um concerto intimista, em que o artista,
uma pessoa profundamente espiritualizada, olhou fixamente para
Amor e Casamento 65
isso não é compartilhar. Nem tampouco um pai forçando seu filho a
fazer aulas de violino para realizar o sonho que ele sempre teve de ser
um virtuose. O verdadeiro ato de compartilhar, como escreveu Erich
Fromm, segue na direção oposta e necessita de quatro elementos. O
primeiro é cuidado, uma demonstração ativa de preocupação com a vida
e o crescimento do receptor. O segundo é responsabilidade, atendendo
às necessidades dele ou dela, expressas ou não (particularmente, em uma
relação adulta, atender às necessidades emocionais). O terceiro é respeito,
“a habilidade de ver a pessoa como ele (ou ela) é, estar consciente
sobre sua (dele ou dela) individualidade única”, e, consequentemente,
querendo que a pessoa "cresça e se desenvolva como ele (ela) é”. Esses
três componentes dependem, todos, do quarto, compreensão. Você
pode ter cuidado, responsabilidade e respeito pelo outro somente
quando conhecer profundamente ele ou ela.
O efeito de um compartilhar genuíno e direcionado ao outro é
profundo. Ele permite que você penetre no universo da outra pessoa e
revele a você a percepção da bondade dele ou dela. Ao mesmo tempo,
significa investir parte de você no outro, permitindo que você ame
essa pessoa como ama a si mesmo.
Há alguns anos, conheci uma mulher que eu achava muito antipática.
Então, decidi tentar a teoria do “compartilhar leva ao amor”. Um dia,
eu a convidei para jantar. Alguns dias depois, me ofereci para ajudá-
la em um problema pessoal. Em outra ocasião, li algo que ela havia
escrito e falei o que achei e a elogiei. Hoje, nós temos uma relação
calorosa. Quanto mais você dá, mais você ama. Esse é o motivo pelo
qual os pais (que lhe deram mais do que você imagina), sem dúvida, o
amam mais do que você os ama, e você, por sua vez, amará mais seus
filhos do que eles o amarão.
E como o amor profundo e íntimo emana do conhecimento e do
compartilhar, ele não surge da noite para o dia, mas sim, com o tempo
– o que quase sempre significa depois do casamento. A intensidade
que alguns casais sentem antes do casamento é geralmente atribuída a
uma grande afeição, imbuída do sentimento de “ter algo em comum”,
química e antecipação. Talvez essas sejam as sementes do amor, mas
elas ainda não brotaram. No dia do casamento, as emoções estão à flor
da pele, mas o verdadeiro amor deveria estar em seu nível mais baixo,
porque é esperado que ele sempre esteja crescendo, com marido e
mulher dando mais e mais um ao outro.
Certa vez, me encontrei com uma mulher que me explicou o
Amor e Casamento 67
“Eu estive sentado em uma cadeira por meses a fio, e agora tenho
de ficar como um saco de batatas na sala? Eu quero sair, me mexer,
fazer alguma atividade”.
“Andar do meu quarto até a piscina e voltar é uma atividade mais
do que suficiente para mim”, ela devolve.
No final, ambos estão comprometidos e trancados nas cabines
individuais de seu egoísmo. E a negatividade de seu egoísmo arruinou
suas férias – e, pior, os afastou ainda mais.
Mas a situação poderia ser diferente:
“Você parece cansada”, diz ele à esposa, cheio de compaixão.
“Talvez devêssemos ir a um resort tranquilo e bacana”.
“Parece maravilhoso”, ela responde, “mas depois de passar tanto
tempo no escritório, provavelmente você precisa sair e se movimentar.
Por que nós não vamos acampar e fazer um pouco de escalada?”
“Seria divertido, mas não seria demais para você? Eu acho que nós
poderíamos ir a um lugar onde você pudesse relaxar”, devolve ele.
“Você ficaria aborrecido de ficar sentado em um lugar assim.Vamos
fazer algo mais agitado”, ela sugere.
Ao final, vocês dois ainda estão em sua cabine individual, com suas
próprias necessidades, mas estão felizes e recarregaram um ao outro
com energia positiva. E o mais importante: deram um passo gigantesco
na construção de seu amor, ao não perguntar “que vantagens há para
mim nisso?”, mas sim, “no que isso pode ajudar o outro?”.
E já que compartilhar gera amor, também demanda uma identidade
de si mesmo, integridade e consciência de suas necessidades. (E é o
que o previne de que o outro tire vantagem de você). O amor genuíno não
emerge da anulação de si mesmo, mas sim, do desejo de compartilhar
tudo o que você é com o outro. Durante uma viagem de táxi, eu
ouvi uma canção popular, em uma rádio israelense. “Com você eu
sou o mundo inteiro; com você eu sou o universo inteiro”, o cantor
dizia. “Sem você eu sou apenas meia pessoa; sem você, na verdade, eu
sou nada”. “Argh!”, pensei – isso não é amor; é neurose. (E, chocada,
imaginei quantas adolescentes sonham em ter um rapaz cantando esses versos
para elas). Para “perder-se” em uma relação é preciso ter um parceiro
que esteja fazendo o mesmo ou, então, apenas um estará fazendo o
trabalho de compartilhar. Nenhum cenário é bom. Um partilhar sadio
inclui reciprocidade (salvo circunstâncias incomuns) e é sustentado por
Amor e Casamento 69
coisa é mais realista do que o “Felizes para sempre”).
Assim, se o casamento não é o sonho que pensávamos que fosse;
o que ele é, ao final das contas? Como o amor, ele é muito mais
fundamentado e real, enquanto elevado: Casamento é a união espiritual
de duas pessoas que querem dividir suas vidas e atingir objetivos em comum.
“Atingir objetivos em comum” pode soar menos romântico e mais
apropriado entre sócios de uma empresa. Mas esses objetivos são
profundos. Eles incluem amor, crescimento espiritual e emocional,
além do sentimento de unicidade com seu cônjuge.
Ao mesmo tempo, casamento é maior do que seu relacionamento
pessoal. Em um artigo intitulado “The End of Courtship” (The Public
Interest, Winter 1997) o autor, Leon Kass, atribui o fracasso do
casamento, entre outros fatores, à falta de “aspirações transcendentes”.
Um casamento com foco exclusivo no “sentir-se bem juntos” está
fadado ao sofrimento, porque nunca pode fornecer o constante
retorno emocional que se espera. Quando você vive por algo além
de sua própria felicidade – como a construção de uma família, ser
parte de uma comunidade e ajudar os outros (tudo isso faz parte do
serviço a D’us) – questões pessoais estarão menos propensas a destruir
a relação.
Isso não quer dizer que você não deva ser feliz. Mas a felicidade
no casamento, como na vida, não é um objetivo; é um resultado. Ela
não pode ser perseguida diretamente; ela vem dos atos de fazer o
que o seu verdadeiro “eu” quer. Quando você usa o que D’us lhe deu
para beneficiar os outros, você é feliz. Quando você e seu parceiro
compartilham um com o outro, dentro da gama de objetivos que
inclui ambos e transcendem vocês dois, daí, então, vocês formam um
casal feliz.
Um casamento bem orientado requer tempo e paciência. Eu me
lembro de pensar, durante os três primeiros meses do meu casamento:
“Se marido e esposa devem ser tão próximos, como parte de mim ainda
se sente mais próxima de minha antiga companheira de quarto?”. De
alguma maneira, eu não percebia que eu não estava profundamente
ligada a meu marido como deveria. E não importa o quanto você
esperou por ele, o casamento não é um “ponto de chegada”. Ele é o
início de um longo processo para construir algo junto, cuja recompensa
vem, não no final, mas a cada etapa do caminho.
Atingir objetivos requer esforço. Eu nem deveria dizer isso, mas
Amor e Casamento 71
distanciar da realidade, o que significa também se distanciar do amor
e do casamento. Com a audiência crescendo, começamos a sentir as
relações superficialmente. (Eu me lembro de uma cena engraçada, no filme
“Muito Além do Jardim”, na qual um solitário jardineiro, cujo conhecimento
do mundo ele adquiriu apenas assistindo à TV, tenta iniciar um romance com
uma mulher, mas ele só consegue se guiar pelas emoções. Não há conteúdo.
É extremo, mas há uma forte mensagem aqui). Se você leva a sério o fato
de tratar o casamento e o amor com a mentalidade mais saudável
possível, passe menos tempo em frente à TV e mais no mundo real,
onde os relacionamentos reais acontecem. (Eu deixei de assistir à TV aos
18 anos, depois de ler um livro chamado “Four Arguments for the Elimination
of Television”, de Jerry Mander, que me convenceu a tirá-la da minha vida.
Esta foi uma das melhores coisas que eu poderia ter feito pelo meu futuro
casamento).
Enquanto você decide sobre quanto ainda vai assistir à TV, você tem
de resolver a respeito de outras influências em seu casamento, como
o relacionamento de seus pais. Um mau casamento ou um divórcio
podem produzir estragos em sua família (e, assim como qualquer outro
trauma de infância,vale a pena trabalhar seus sentimentos com um profissional).
Mas você não está, de forma alguma, condenado ao destino dos seus
pais, se você se preparar para seu próprio relacionamento e trabalhar
sobre ele. No livro “The Good Marriage: How and Why Love Lasts”, de
Judith Wallerstein, a maioria dos casais entrevistados que se dizia feliz
descreveu o casamento de seus pais como infeliz. Por outro lado, se o
casamento de seus pais é bem-sucedido, isso não quer dizer que você
vai seguir suas pegadas naturalmente; muitas pessoas de lares intactos
se tornam estatísticas de divórcio. E, embora seu passado afete seu
futuro, ele não pode determiná-lo – só D’us e você podem. A opção
pela sabedoria e pelo crescimento lhe dará força para, com a ajuda de
D’us, criar o casamento que você quer.
Exatamente como o amor, um bom casamento é algo que você faz
acontecer. Seu desenvolvimento pessoal e a boa vontade em fazer funcionar
afetará seu sucesso muito mais até do que com quem você escolheu se casar.
Como um rabino certa vez disse, “O que faz um casamento funcionar?
As habilidades para fazê-lo funcionar”. Compartilhar, comunicação,
respeito e desejo de crescer – esses são os alicerces para uma união
sólida e feliz.
O aspecto mais relevante para uma bem-sucedida e duradoura
relação é a unicidade entre marido e esposa. Unicidade significa que
o casal se enxerga como um só, com cada parte atuando e sentindo-se
Amor e Casamento 73
cada um de vocês ser muito mais do que vocês eram.
Apesar de todo esse realismo, o casamento é algo com um quê
de sobrenatural. Sua fórmula não é, um mais um igual a dois ou duas
metades igual a um todo. É um mais um igual a Um. É como misturar
as cores vermelha e azul e originar o roxo e ver todas as três cores
simultaneamente: cada uma de suas personalidades mais seu destino
compartilhado.
Contudo, o amor e o casamento são uma jornada espiritual com
destino à transformação e ao crescimento. Assim, embarque nela com
sabedoria. Entretanto, a estrada pode ser, às vezes, acidentada. Mas,
se vocês sabem seu destino e estão prontos para trabalhar para chegar
lá, a jornada pode ser profundamente recompensadora.
Afirmação da Feminilidade 75
Shira casou-se com um homem com quem pôde construir a vida
que queria, apesar de estar assustada com a ideia tradicional de ser
uma dona de casa todo o tempo ou de ao menos trabalhar para que
seu marido pudesse estudar Torá. Por um longo período, ela oscilou
entre sentir-se “um peixe fora d’água” e ressentir-se deste sentimento.
Rebeca era uma dona de casa com duas crianças pequenas, quando
seu marido, um professor de Judaísmo, levou a família para Israel,
para um ano sabático, só de estudos. Durante uma visita à minha casa,
ela parecia infeliz. “Eu não acho que meu marido me respeite”, ela me
disse. “Ele vê este ano como uma oportunidade de desenvolvimento
intelectual e sempre vai às aulas. Eu também frequento algumas, mas
depois de 1 ou 2 horas estou pronta para voltar para casa e cuidar das
crianças.”
“E qual é o problema?”, perguntei.
“Bem, eu não achei que isso fosse um problema, mas meu marido
acha. Outro dia, ele me perguntou: “Você não quer fazer algo a mais
em sua vida? Não quer crescer?”. “Mas eu adoro ler livros novos para
meus filhos, assar cookies com eles, ensinar hebraico a eles e brincar
com eles – e eu sinto que estou crescendo sendo mãe em tempo
integral.”
Ela me olhou com tristeza. “Eu costumava me sentir bem comigo
mesma, mas, ultimamente, tenho pensado – será que estou perdendo
alguma coisa?”.
Não são apenas as mulheres judias que enfrentam esses dilemas.
Algumas abraçam a vida doméstica. Outras pulam fora dela. Outras,
ainda, conseguem equilibrar as tarefas domésticas com a carreira.
Mas, com o mundo secular e a sociedade judaica emitindo alto
e frequentemente mensagens autocontraditórias sobre quem as
mulheres devem ser, algumas ficam confusas.
Homem ou mulher, seus sentimentos a respeito do papel da
mulher judia vai afetar – e muito – a escolha daquele (a) com quem
você vai se casar, a relação que ambos vão construir e as recompensas
que o casamento e a família trarão para vocês. Assim, seja qual for seu
ponto de vista em relação a esse ponto, a seguinte perspectiva sobre a
feminilidade judaica pode ajudá-lo (a) a apreciar-se – e, se necessário,
negociar – as frequentes necessidades conflituosas da mulher atual.
Afirmação da Feminilidade 77
E mais: desde que a mulher é a ajudante do homem, se não
existissem homens, não haveria a necessidade de mulheres? A resposta
para esta questão, está expressa em um famoso Midrash, que nos leva a
um profundo entendimento do papel da mulher.
Quando nós éramos escravos no Egito, a Torá nos conta que o
Faraó decretou que todos os recém-nascidos do sexo masculino
fossem jogados no Rio Nilo. O Midrash (Yalkut Shimoni, Shemot,
2:165) conta que nosso líder à época, Amram, decidiu não trazer mais
crianças para um mundo assim. Então, ele se divorciou de sua esposa,
Yocheved. O restante dos homens de Israel seguiu seus passos. Mas
Miriam, a filha de 5 anos de Amram, chamou a atenção de seu pai:
“O que você fez é pior do que o que o Faraó fez”, ela disse a ele. “O
Faraó decretou a morte sobre todos os bebês meninos, mas você, ao
se recusar a ter mais filhos, também acabou com todas as gerações
futuras de meninas”.
Amram poderia ter respondido, “E daí? Sem homens, por que
nós precisamos de mulheres?”. Mas ele não o fez; prontamente, ele
voltou a se casar com Yocheved e o restante dos homens fez o mesmo.
E da volta de Amram a Yocheved veio Moshe (Moisés), que nos tirou
do Egito e nos levou ao Monte Sinai, para que recebêssemos a Torá.
Amram entendeu a mensagem implícita de Miriam: que as mulheres são
valorosas por si mesmas. E nossa redenção e surgimento como o povo de
D’us veio desta afirmação do valor intrínseco do sexo feminino.
Claro que o valor de uma mulher pode ser revelado, indiretamente,
por meio de sua influência sobre os outros. Eu conheço uma mulher
sem filhos que ajudou inúmeros jovens deficientes – chegando a sete
de uma só vez. Se você a vir, ela pode nem parecer tão especial. E ela
quer que seja assim. Mas cada criança que ela cuidou é um poderoso
testemunho de sua silenciosa força e de sua grandeza interna.
Assim além de ajudar o homem, a mulher tem sua própria razão
de ser. Talvez as mulheres sejam ajudantes, em um sentido cósmico,
contribuindo com algo de que todos nós precisamos. De fato, “Adam”,
o beneficiário da ajuda da mulher é, segundo o Midrash, entendido não
como “homem”, mas como a humanidade. Assim, como as mulheres
ajudam a humanidade?
Diz a Torá que a mulher foi criada da costela do homem. A costela
protege órgãos vitais, enquanto se mantém invisível, para quem
observa o lado externo do corpo. Esse simbolismo sugere que as
mulheres são as guardiãs da espiritualidade, através da manutenção da
Afirmação da Feminilidade 79
mas as mulheres são suas guardiãs especiais (para uma discussão mais
ampla sobre o significado profundo de tzniut, veja meu livro “Além do
Espelho – Um enfoque atual sobre Tsiniut” -, Ed. Sefer, 2002).
Uma segunda expressão significante de feminilidade, fortemente
ligada à tzniut, é cuidar da casa, que significa criar um ambiente
carinhoso e acolhedor para si mesma. Grande parte de nossa vida
transcorre em público, onde nós sempre temos de agir respeitando
regras e critérios, como numa performance ou aparição. O Judaísmo
vê a mulher como alguém dotada das habilidades emocionais
necessárias para construir um lar, um santuário particular, no qual
você se reencontra consigo mesmo.
Assim como muitas ocupações atuais, os cuidados com a casa têm
sido afastados de seu conteúdo espiritual. Entretanto, as consequências
da falta de espiritualidade nos cuidados em construir um lar têm sido
particularmente severas. Quando você desespiritualiza a Medicina ou
o Direito, você ainda assim tem uma profissão interessante, regida
pela inteligência e ambição. Mas quando você tira a espiritualidade do
processo de manter um lar, você fica apenas com as tarefas domésticas,
as quais muitos acham extraordinariamente estúpidas e chatas. Fazer
um lar, entretanto, não significa, necessariamente, ser aquele que o
limpa. Fazer um lar significa criar um lugar que nutre o corpo e a
alma.
Cuidar da casa, tampouco, rende salário ou reconhecimento
público. Muito menos algum indício de valor espiritual. Um craque
do futebol ganha centenas de milhares de dólares ao ano, enquanto
aqueles que ajudaram a salvar vidas durante o Holocausto não
receberam nenhum reembolso por isso. Nem as donas de casa. O
mais significante de todos os trabalhos não vem com um salário (ou ao
menos não com um pagamento significante).
E nem faz ninguém famoso. Como Rabino Nachum Braverman
(autor de “The Death of Cupid: Reclaiming the Wisdom of Love, Dating,
Romance and Marriage”) certa vez escreveu, Madre Tereza pode ter até
recebido o Prêmio Nobel por cuidar de doentes, sujos e necessitados
de Calcutá, mas milhões de donas de casa anônimas de todo o mundo
fazem o mesmo em seus lares.
À exceção dos filhos, algumas esposas se ressentem de “servir” a
seus maridos. Há apenas algumas gerações, uma dona de casa servia
a seu marido sem pensar assim, pois sabia que, em troca, ele estava
servindo a casa com algum propósito maior (como prover uma “boa
Afirmação da Feminilidade 81
você pode retrucar: as escolas não atuam de modo determinante no
sentido de despertar o interesse da criança para uma vida judaica?
Isso vai depender da qualidade do papel desempenhado pela mãe.
Se maternidade significa prover alimentação e roupa e assegurar a
aquisição de habilidades sócio-acadêmicas, as crianças receberão bem
outras influências. Mas, se a maternidade significa, acima de tudo,
incutir, de maneira amorosa, valores positivos – não apenas ensinando-
os, mas, mais importante ainda, dando o exemplo –, a mãe exercerá
uma influência forte em seus filhos.
Esta educação ocorre em diferentes níveis. Meus pais tentaram
assegurar que seus valores de educação secular, cultural e de conforto
dominassem minha vida. Ao mesmo tempo, eles – em especial minha
mãe – inadvertidamente, me transmitiram convicções muito mais
importantes: de que a vida é cheia de significados, que há moralidade
e que eu deveria sempre acreditar em mim. Isso me impulsionou a
um estilo de vida bastante diferente do deles, mas isso me trouxe uma
tremenda felicidade. Inconscientemente, a influência de minha mãe
foi tão poderosa sobre mim, que sobrepujou, e muito, os valores que,
conscientemente, ela procurou me incutir. (Ela, provavelmente, sente por
não ter me dado o que ela queria – mas eu a amo por me dar o que me deu).
Ainda assim, esse tipo mais profundo e intangível de abordagem
parece estar em declínio. Em 1988, em seu livro “Dr. Spock on
Parenting”, Dr. Benjamin Spock lamentava que as doenças sociais
e as tragédias fossem decorrentes de nossa pobreza espiritual e
declarou que “nossa sociedade está desintegrando-se”. Na mesma
linha, a Rebbetzin Tziporah Heller, uma famosa educadora, certa vez
comentou: “Nos anos 60 e 70, as pessoas vinham para o Judaísmo à
procura de espiritualidade. Hoje, elas vêm à procura de moralidade”.
Grande parte do mundo ocidental, muitas vezes parece uma brilhante
e polida maçã, mas cujo interior está podre. A única saída é reafirmar e
fortalecer a influência interna sobre os filhos. E as mães são essenciais
nesta função.
Reconhecer o valor da maternidade deverá levá-la a refletir sobre a
sua futura vida em família. Se você e seu cônjuge pretendem trabalhar
em período integral, colocar seus filhos em uma creche (ou escolinha)
e dar a eles uma ou duas horas de atenção ao final do dia (se é que você
terá alguma energia restante para isso), por favor, pense duas vezes.
Filhos necessitam de qualidade de tempo, mas também precisam de
quantidade. Ainda que avós amorosos ou babás de tempo integral, que
compartilhem de seus valores, possam ajudar, crianças, em última
Afirmação da Feminilidade 83
mundo tão desesperadamente precisa.
E, apesar de as pessoas nem sempre apreciarem o que não é visto e
que está interno, D’us aprecia. A história é contada (Baba Batra, 10b)
de um sábio, cujo filho quase morreu e teve uma visão do mundo
vindouro, antes de retornar para este mundo. “Eu vi um mundo de
cabeça para baixo. O mais alto estava embaixo e o mais baixo estava
acima”.
Seu pai respondeu: “Você viu um mundo nítido”.
O mundo de verdade é o oposto deste mundo. No mundo vindouro,
tudo aquilo que a sociedade preza não serve para nada, enquanto que a
espiritualidade, o carinho e tudo mais que nós dispensamos significam
tudo. O mesmo acontecerá com a vinda de Mashiach, o “mundo
vindouro” da História.
Rav Arieh Kaplan (de abençoada memória) afirma que o feminino
representa o futuro4. O papel das mulheres é trazer os valores do
futuro ao presente.
MUDANÇA5
Nós temos visto a importância dos valores femininos tradicionais,
ainda que defendê-los foi mais fácil para nossas tataravós do que o
é para algumas mulheres de hoje. Nosso mundo ainda se recupera
do que, possivelmente, foi a maior revolução social da história: o
movimento feminista, o qual contestou os papéis dos gêneros dentro
da família e na sociedade.
As reações do mundo da Torá ao feminismo sempre foram tanto
“pró” quanto “contra”. Muitos dos chamados “de esquerda” viram o
feminismo como um movimento enviado dos Céus; muitos dos “de
direita” viram-no como uma ameaça. O feminismo trouxe, ainda,
claramente, tanto mudanças positivas quanto negativas. Vasculhar a
confusão talvez ajude a entender de onde veio o movimento feminista.
A compreensão do gênero vem se deslocando por várias gerações
passadas. A inteligência feminina foi historicamente concebida como
4 Todas as citações do Rav Arieh Kaplan são de seu artigo “Male and Female”, que
estão em “Immortality, Resurrection and the Age of the Universe: A Kabbalistic View” (Nova
York: Ktav/AOJS, 1993)
5 Eu dou crédito a uma professora que tive (da comunidade Gever Chassid) pelas
ideias apresentadas nesta seção (“Mudança”). Para uma explanação completa, veja “An Inner
View of Feminism: The Secret of N’Kevah Tsovev Gever”, em www.orot.com
Afirmação da Feminilidade 85
reconheceu sua dor, dizendo, “Traga uma expiação para Mim por fazer
a lua menor”.
Tradicionalmente, a mulher é representada pela lua e o homem,
pelo sol. O Midrash nos conta que o homem e a mulher foram criados
igualmente “luminosos” – a luz sempre representa a Torá (veja Mishlei,
6:23). Inicialmente, a mulher penetrava nas profundezas da Torá, como
o fazia o homem. Mas então ela perdeu um pouco de sua percepção
abstrata, e seu caminho para a perfeição espiritual se tornou mais “pé
no chão”, “terrestre”.
No futuro, entretanto, as mulheres vão recuperar sua luz, como
disse o profetaYeshayáhu (30:26): “A luz da lua será como a luz do sol”.
Na santificação mensal da lua nova (Kidush Levaná), nós rezamos, “Que
seja a Tua vontade... corrigir a falha na lua e que não haja diminuição
dela. Que a luz da lua seja como a luz do sol e como a luz dos sete dias
da Criação, como era antes de ser diminuída”.
Irmiáhu (31:21) é ainda mais explícito sobre as mudanças que
virão ao sexo feminino: “D’us criou algo novo na terra. A mulher
vai envolver o homem”. Rashi, o comentarista da Torá do século 11,
entende, daqui, que a mulher irá cortejar o homem (uma inversão de
papéis interessante). Ele oferece, então, uma explicação ainda mais
intrigante: uma mulher vai envolver no sentido de ser – de se tornar –
um homem. E já que o Judaísmo quer que os homens sejam homens e
as mulheres sejam mulheres, o que isso quer dizer? De volta ao século
1, Targum Yonatan traz uma resposta. De modo fascinante, a tradução
para o aramaico da frase “a mulher vai envolver um homem” é “a nação
da casa de Israel vai estudar Torá”. Diferentemente do termo “benei
Israel”, “beit Israel (a casa de Israel)”, refere-se tanto a homens quanto
a mulheres (como Rashi cita em Devarim, 34:8). No futuro, mulheres,
assim como os homens, estarão envolvidas no estudo da Torá.
Mais detalhista ainda é o famoso comentário chassídico do
século 19, chamado Ma’or VaShemesh (em Shemot, 15:20). Explica o
Ma’or VaShemesh que o nosso mundo é como uma linha. Uma linha
tem um começo e um fim, onde cada ponto precede o anterior,
sucessivamente. Portanto, uma linha simboliza hierarquia. Do mesmo
modo, em nosso mundo, o conhecimento da Torá é hierárquico. Cada
um de nós sabe mais que uma pessoa e menos do que outra, o que
significa que cada um precisa se voltar a alguém que “esteja à sua
dianteira” para adquirir sabedoria. No futuro, entretanto, o mundo
parecerá um círculo, sem começo nem fim, sem “alguém na dianteira”
Afirmação da Feminilidade 87
desvalorização da interioridade. Como resultado, algumas mulheres
se sentem autorrealizadas e plenas, outras são infelizes e despedaçadas
(como documentado, por exemplo, por Mary Pipher em “O Resgate de Ofélia”,
e por Elizabeth Perle McKenna em “When Work doesn’t Work Anymore”).
Talvez, o Rav Kaplan estivesse, de certa maneira, se referindo a esta
dolorosa situação, quando escreveu: “As mudanças cataclísmicas
que acontecerão quando o fim estiver próximo irão resultar em um
deslocamento considerável, sempre referido como chevlei Mashiach, as
dores do parto de Mashiach”.
Da mesma forma, o mundo da Torá teve perdas e ganhos com o
movimento das mulheres. Em esferas mais liberais as quais deram boas-
vindas ao feminismo, mulheres agora se beneficiam do estudo avançado
da Torá e têm uma participação mais ampla na vida judaica, ainda que
o outro lado do feminismo não seja conhecido aí. Em resposta, os
meios mais conservadores tomaram grandes medidas para defender
e fortalecer o papel feminino tradicional. Ao fazê-lo, no entanto,
alguns sentem que têm tendência a rejeitar qualquer inovação positiva
que pudesse ser classificada como feminista. Consequentemente, a
comunidade judaica está precariamente dividida sobre as questões
referentes às mulheres.
Acima de tudo, o feminismo deixou alguns judeus em conflito
com a imagem e, mais importante, com a autoimagem. Por um lado,
aqueles que defendiam a igualdade feminina no Judaísmo acusaram o
rabinato de resistir a ela. Esse ataque gerou confusão, autodúvida e uma
erosão sutil do orgulho judeu dentro dos segmentos da comunidade
observante.
Não obstante, acredito que nós podemos abraçar essa mudança
de um modo autenticamente judaico: com uma inabalável lealdade a
ambos, tanto à palavra quanto ao espírito da Torá (como entendida pela
geração de nossos líderes e sábios) e aos valores femininos, tão necessários
à nossa sobrevivência espiritual.
Afirmação da Feminilidade 89
90 CHUPÁ: DA CABEÇA AO CORAÇÃO
PARTE 4
SER PRÁTICO
Depois do crescimento pessoal e de
entender o que é amor e casamento, casar
requer prática. Você quer achar a pessoa
certa de maneira tão eficiente e indolor
quanto possível. Capítulo 6: “Lidando com
sua cabeça” explica o “encontro” judaico
e como fazer com que ele funcione para
você. Capítulo 7: “Fique longe de abuso”
ensina a evitar o casamento com uma pessoa
de personalidade agressiva e identificar um
potencial cônjuge amoroso.
91
92 CHUPÁ: DA CABEÇA AO CORAÇÃO
CAPÍTULO 6
“LIDANDO COM SUA CABEÇA”
ENCONTRO INTELIGENTE
O encontro de shiduch tem quatro características.
Em primeiro lugar, ele atesta que vocês estão prontos para se casar.
O que significa que vocês estão razoavelmente maduros, sabem quem
são e têm alguma ideia de seus objetivos e o tipo de pessoa com quem
querem se casar. Vocês também sabem o que é negociável e o que
não é. Esse conceito de racionalizar até o ponto de ter uma “lista” de
LUZES VERMELHAS
Como você pode identificar um potencial agressor enquanto você
estiver saindo com ele?
A melhor maneira é você se familiarizar com os traços de uma
personalidade agressiva. Enquanto alguns agressores possuirão cada
um desses sinais, todos vão possuir alguns deles.A lista a seguir descreve
como cada traço aparece no casamento, como ele se manifesta no
shiduch e como pessoas normais deveriam agir. Por mais que se diga,
por mais assustador que isso tudo pareça, não exagere. Não invente uma
desculpa, no meio de um encontro, para consultar, ansiosamente, essa
lista no banheiro. Não derrame, de propósito, sopa quente sobre o
colo do seu companheiro apenas para testar sua reação ao estresse.
Vá em frente, tendo em mente que se trata de um ser humano digno,
decente, que pode ser a pessoa certa. E entenda, também, que a maioria
das pessoas normais (incluindo eu e, provavelmente, você) tem algumas dessas
características, ainda que de forma mais branda. Se a insensibilidade,
a crítica exagerada e a intolerância sempre denotassem abuso, as
crianças teriam sido tiradas da maioria dos pais e os casamentos
VERIFICANDO-SE
Agora você sabe como reconhecer uma pessoa agressiva/abusiva.
E qualquer um, não importa o quão emocionalmente saudável seja, pode se
envolver com alguém assim. O que pode aumentar suas chances de isso
acontecer?
A resposta é, geralmente, algo em sua história pessoal. Por
exemplo, se você foi muito criticado ou emocionalmente privado,
pode ter ficado com a autoestima baixa e carente de amor. Pense
profundamente sobre sua infância. Seus pais o aceitavam do jeito
que você era, ou somente quando você satisfazia as necessidades e
expectativas deles? Observe seus padrões atualmente. Você entra de
cabeça em uma relação? Você cancela planos com uma amiga sempre
que um pretendente aparece? Sua autoestima depende da aprovação dos
outros? Você substitui proximidade física por intimidade emocional?
Se sim, você está mais propensa, não apenas a atrair alguém que a
maltrate, mas a perder o autorrespeito para identificar o que está
acontecendo. Você vai acreditar mais facilmente nos argumentos dele
de que você causa seu mau comportamento. E você estará mais pronta
para consentir no casamento prematuramente.
Se você não se ama o suficiente, talvez tenha também medo de
intimidade emocional (veja o Capítulo 2). Uma relação abusiva nunca
é íntima, então, ela mantém a distância emocional com a qual você
127
128 CHUPÁ: DA CABEÇA AO CORAÇÃO
CAPÍTULO 8
DINHEIRO E SENTIMENTO
O IDEAL E A REALIDADE
Sarah e Michael, um casal de noivos de cerca de 20 anos de idade
cada, sentou para planejar seu casamento. A banda, o salão, o bufê
e a lista de convidados foram rapidamente definidos. O próximo
tópico era a ketubá – quem iria desenhá-la, e que soma estaria gravada
nela. Como Michael vinha de uma família rica, Sarah esperava que
ele acrescentasse algo significante à quantia mínima estabelecida na
ketubá.
“Vamos usar o número 18”, propôs Michael, romanticamente,
referindo-se ao valor numérico da palavra chai, vida. “Eu vou escrever
na ketubá US$ 18 mil”.
Sarah estava surpresa. “Qual o problema?”, Michael perguntou.
“Você não gosta do 18?”
“Eu gosto... mas...”
“Mas o quê?”
Com o que achou que fosse um sorriso bonitinho, Sarah disse,
“Que tal acrescentar um outro zero?”
Michael não sabia o que responder. Sentindo a necessidade de
ajuda, os dois procuraram Rav Friedman, um respeitável líder da
comunidade e possek conhecido por sua fala sem rodeios.
141
Não importa o quanto você ganhe, se quiser experimentar viver
com outra pessoa, considere a hipótese de dividir a casa com um
(a) colega. Aprender a dividir o espaço, responsabilidades e ignorar
algumas diferenças está entre as melhores maneiras de se preparar
para a vida de casado.
Além de construir seu caráter, desenvolva todos os talentos e
habilidades possíveis, que não entrem em conflito na hora de encontrar
sua alma-gêmea. Aprenda coisas novas. Amplie seus horizontes. Você
se tornará mais interessante e vivo e mais pessoas vão querer ficar
ao seu lado. Você também será mais atraente. Certa vez, alguém
perguntou a uma conhecida rebetzin qual era seu tipo de beleza
favorito. Ela respondeu, “Educação. Ela dá brilho aos olhos”. Assim
também o é para uma infinidade de outras atividades. Faça com que
você se ilumine.
Mas, não ignore seu bem-estar físico. Se você é um sedentário e
viciado em comidas nada saudáveis, talvez seja hora de começar a se
mexer e a comer corretamente. Tornar-se mais saudável e mais em
forma pode ser um desafio, mas você vai amar os resultados.
De tudo o que eu mencionei, chessed deve estar no topo da lista. Dê
aos outros. Use seus talentos e habilidades para enriquecer não apenas
sua própria vida, mas a vida de outras pessoas. Você verá o quanto
verdadeiramente abençoado você é, e a felicidade verdadeira que
resulta de se dedicar a projetos dignos, quer seja uma causa nacional
ou às necessidades de seu vizinho. E, ao mesmo tempo, desenvolverá
a qualidade mais significante para uma relação longa e cheia de amor.
Assim, enquanto continua a trabalhar direcionado ao casamento,
não coloque sua vida no modo “espera”. Há muito a ser feito neste
mundo. Vá e doe-se. Você será mais rico por isso – e seu crescimento
o aproximará daquele dia especial pelo qual você tanto espera.