Hermeneutica Juridica Segundo Andrade PDF
Hermeneutica Juridica Segundo Andrade PDF
Hermeneutica Juridica Segundo Andrade PDF
uma ciência jurídica que “tem por objeto o estudo subsunção de um fato determinado a uma prescrição
e a sistematização dos processos aplicáveis para legal. Esclarece que a Aplicação do Direito pressupõe:
determinar o sentido e o alcance das expressões do
a) A Crítica, a fim de apurar a autenticidade
Direito”. É a ciência que estuda os métodos e técnicas
e, em seguida, a constitucionalidade da lei,
de interpretação do Direito, buscando sistematizá- regulamento ou ato jurídico; b) A Interpretação, a
los de modo a tornar mais fácil e eficiente o trabalho fim de descobrir o sentido e o alcance do texto; c)
do exegeta. Nas palavras de Carlos Maximiliano, o suprimento das lacunas, com o auxílio da analogia
Hermenêutica “é a teoria científica da arte de e dos princípios gerais do Direito; d) o exame das
questões possíveis sobre a ab-rogação, ou simples
interpretar”, isto é, “de determinar o sentido e o alcance
derrogação de preceitos, bem como acerca da
das expressões do Direito” (Maximiliano, 2011, p. 1). autoridade das disposições expressas, relativamente
O autor assinala que a razão de existir dessa ao espaço e ao tempo (MAXIMILIANO, 2011, p. 7).
ciência decorre do fato de as leis positivas serem
Portanto, de acordo com o renomado autor, a
formuladas em termos gerais, ou seja, por meio de
Aplicação do Direito não prescinde da Hermenêutica,
regras ou princípios que não descem a minúcias5, o
sendo esta um meio para se alcançar aquela, vista como
que exige o atuar do hermeneuta para estabelecer
a adaptação ou o enquadramento de um preceito
a relação entre o texto abstrato e o caso concreto,
a um caso real. Concebe a Aplicação do Direito, por
entre a norma jurídica e o fato social, interpretando e
conseguinte, como aquela atividade prática exercida
aplicando o Direito de forma escorreita, tendo em mira
pelo juiz após a definição da regra adequada à hipótese,
o ideal de justiça.
servindo de ponte entre a doutrina e a prática, entre a
Por outro lado, é diferente o conceito de ciência e a realidade.
Interpretação do Direito, pois, segundo Maximiliano,
Depois de traçar as linhas conceituais mestras
consiste na tarefa de descobrir e fixar o sentido
sobre o objeto da obra, passa, no capítulo III, a discorrer
verdadeiro da regra positiva, isto é, determinar o
mais detidamente sobre intepretação. Ensina que
sentido e o alcance das expressões de um texto
“interpretar é explicar, esclarecer, dar o significado
normativo. Trata-se de uma arte que possui suas
de vocábulo, atitude ou gesto; [...] mostrar o sentido
técnicas, seus meios próprios para alcançar os fins
verdadeiro de uma expressão”. Diz que o exegeta
colimados, os quais são sistematizados e desenvolvidos
deve “procurar e definir a significação de conceitos e
pela Hermenêutica.
intenções, fatos e indícios; porque tudo se interpreta;
Assim, conforme alerta do jurista, não se pode
inclusive o silêncio” (Maximiliano, 2011, p. 7). Ressalta
confundir Hermenêutica com Interpretação, pois
que a importância da interpretação
“esta é a aplicação daquela; a primeira descobre e fixa
os princípios que regem a segunda” (Maximiliano, [...] não é simplesmente tornar claro
2011, p. 1). Sendo mais abrangente o conceito de o respectivo dizer, abstratamente falando; é,
sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida
Hermenêutica, que diz respeito à sistematização dos
real, e conducente a uma decisão reta [...] (2011, p.
processos aplicáveis para se determinar o sentido e o 8).
alcance das expressões jurídicas, não devem os dois
vocábulos ser tidos como sinônimos. Enfatizando a difícil6 tarefa do intérprete,
esclarece que este deve primeiro “analisar o texto em
Por sua vez, conforme lições do autor, explicitadas
si, o seu sentido e o significado de cada vocábulo”,
no capítulo II, a Aplicação do Direito diz respeito ao
enquadramento de um caso concreto em uma norma fazendo após um exame conjunto ou sistêmico, ou
jurídica adequada (Maximiliano, 2011, p. 1). Consiste na seja, comparando o preceito com outros dispositivos
da mesma lei, e com os de leis diversas. Em seguida,
perquire qual o fim da regra naquele texto, examinando
também o objetivo da lei como um todo. Assim,
as mensagens das divindades. Hermes significa, portanto,
“mensageiro dos Deuses”.
5 Esclarece que “ante a possibilidade de prescrever todos os casos
particulares, o legislador prefere pairar nas alturas, fixar princípios, 6 Anote-se, a propósito, que a tarefa de julgar é árdua e trabalhosa
estabelecer preceitos gerais, de largo alcance”, deixando ao porque o juiz, além de buscar bem compreender os fatos, deve
aplicador do Direito a tarefa de enquadrar o fato humano a uma interpretar normas em aparente conflito, colmatar lacunas
norma jurídica (Maximiliano, 2011, p. 11). normativas e valorar provas para formar sua convicção.
determina o sentido e o alcance na norma jurídica, lei podem não ser os mesmos que levaram outros
aplicando-a ou não ao caso concreto (Maximiliano, a aprová-la; assinala que bem poucos se informam,
2011, p. 8). com antecedência, dos termos do projeto em debate,
Nessa perspectiva, para interpretar e aplicar com daí porque não podem querer o que não conhecem,
acerto o Direito, enquadrando adequadamente o fato limitando-se a acompanhar os líderes de bancada
em uma norma, o autor salienta que é indispensável ou partido. Assim, conclui ser extremamente difícil
que o exegeta bem compreenda o preceito para determinar a denominada vontade do legislador,
determinar com precisão seu conteúdo e alcance. afirmando, com gracejo, que talvez fosse menos difícil
Essa missão se torna mais trabalhosa quando a lei é aprender tal intenção volitiva quando o regime era
imperfeita, incompleta ou ultrapassada, o que reclama monárquico (2011, pp. 18-20).
que o hermeneuta, empregando inteligentemente Desse modo, o jurista assevera que “reduzir a
os métodos ou processos de interpretação, supere interpretação à procura do intento do legislador é, na
antinomias e promova a adequada colmatação verdade, confundir o todo com a parte” (Maximiliano,
de lacunas normativas, adaptando os preceitos às 2011, p. 24). Acredita que tal descoberta, ainda que
necessidades da vida atual e às exigências da época nem sempre realizável, seria útil apenas como elemento
em que vive. Afirma que a lei é concisa enquanto de Hermenêutica, a ser considerado ao lado de outros
a realidade é proteiforme, ou seja, muda de forma mais relevantes (histórico, sistemático e o teleológico).
constantemente. Nesse ponto, Maximiliano assinala o Propõe, portanto, uma interpretação de perfil objetivo,
relevante papel sociológico da interpretação, pois na medida em que, “com a promulgação, a lei adquire
vida própria” e se separa do legislador, devendo o
[...] o intérprete é o renovador inteligente
e cauto, o sociólogo do Direito. O seu trabalho exegeta tê-la como vontade da lei (voluntas legis
rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente ou ratio legis), vontade do Estado, olhando menos
decrépita, e atua como elemento integrador e para o passado e mais para o momento em que vive
complementador da própria lei escrita. Esta é a (Maximiliano, 2011, p. 25).
estática, e a função interpretativa, a dinâmica do
Direito [...] (Maximiliano, 2011, p. 10). Com maestria, no capítulo V, o escritor discorre
sobre o brocardo in claris cessat interpretatio (lei clara
Prosseguindo com desenvoltura no estudo do não carece de interpretação). Assinala que
assunto, no capítulo IV é feita a abordagem da temática
atinente à vontade do legislador (mens legislatoris). [...] o conceito de clareza é relativo: o que a
um parece evidente, antolha-se obscuro e dúbio
Recorda-se que, para a corrente tradicionalista ligada
a outro, por ser este menos atilado e culto, ou por
à Escola da Exegese7 em Direito Positivo, “o objetivo do examinar o texto sob um prisma diferente ou diversa
intérprete seria descobrir, através da norma jurídica, orientação.
e revelar a vontade, a intenção, o pensamento do
legislador” (Maximiliano, 2011, p. 15). Essa noção, Argumenta no sentido de que para se constatar
porém, é combatida com a demonstração de que a a clareza de um preceito é preciso conhecer o seu
vontade do legislador, embora real, é composta por sentido, isto é, interpretar. “A verificação da clareza,
opiniões múltiplas e por ideias amalgamadas, de duas portanto, ao invés de dispensar a exegese, implica-a”,
casas legislativas, resultando muitas vezes em redações pressupõe o seu emprego (Maximiliano, 2011, p. 30).
finais imprecisas ou ambíguas. Assim, não obstante a interpretação se torne imperiosa
diante de leis imperfeitas ou de preceitos falhos, ela
Com a experiência de quem foi deputado federal
também é necessária quando a lei não é defeituosa,
por duas legislaturas, Carlos Maximiliano lembra
pois nesses casos pode haver controvérsia justamente
que os motivos que induziram alguém a propor a
sobre se o texto é ou não claro, sobre o real sentido e
alcance de um preceito em confronto com outro.
Na concepção do autor, portanto, o labor
7 A Escola da Exegese se impôs especialmente após as codificações, interpretativo sempre estará presente no mister
pregando a notação de fetichismo da lei. Todo o Direito estaria
no código, havendo espaço para uma atividade intelectiva de de aplicar o Direito, embora seja menor quando as
interpretação pelo juiz, que estava adstrito à vontade do legislador. disposições normativas são mais claras e precisas.
Somente a interpretação autêntica da lei era admitida. A essa
corrente de pensamento se contraporá a Escola do Direito Livre ou Sem embargo, amparado no pensamento de Savigny,
da Livre Indagação. defende que, mesmo quando bem feita a norma
positiva, deve o intérprete desempenhar “o seu grande capítulo VII, aborda a escolástica, um modelo primitivo
papel de renovador consciente, de adaptador das de exegese que se obstinava em jungir o Direito aos
fórmulas vetustas às contingências da hora presente”, textos rígidos, a serem aplicados sempre segundo
atento aos valores jurídico-sociais da sociedade em a vontade do legislador. Narra que esse sistema,
que se insere (Maximiliano, 2011, p. 32). adotado no Direito Romano, representava forte apego
No capítulo VI, é traçado um paralelo entre à forma e à letra da lei, reduzindo o aplicador do
Interpretação e Construção8. O autor entende que Direito a uma espécie de autômato que, imobilizado,
tais expressões não devem ser empregadas como ficava indiferente à realidade e aos progressos sociais.
sinônimos, pois aquela se atém mais ao texto da lei
Maximiliano faz ainda referência à Pandectologia, que
enquanto esta, ligada ao Direito norte-americano,
se dedicava à pesquisa das compilações de Justiniano,
vai além, ou seja, deduz a norma a partir do sistema,
negando liberdade ao intérprete graças a um forte
descobre-a, revela-a desde o todo orgânico.
Maximiliano aclara a sutil diferença: “a primeira apego ao Digesto, como se não houvesse Direito acima
decompõe, a segunda recompõe, compreende, ou além dele (Maximiliano, 2011, p. 36).
constrói” (2011, p. 33). No desenvolvimento do assunto, o escritor
O autor também faz uma consideração expõe que o florescimento dos códigos colaborou
comparativa entre Interpretação e Crítica, esclarecendo para superar a velha escolástica. Todavia, conquanto
que esta precede aquela. Refere que a crítica, não a promulgação do Código de Napoleão no início do
na acepção literária, exerce o papel de averiguar século XIX tenha contribuído na evolução do processo
a autenticidade e a constitucionalidade da norma hermenêutico, o método de exegese adotado tinha
positivada, buscando descobrir erros de redação, uma índole meramente codicista, pois girava em torno
falhas de impressão e eventual revogação posterior.
de analisar a matéria artigo por artigo, buscando-se
Maximiliano, que conheceu os meandros do Parlamento
sempre a vontade do legislador (Maximiliano, 2011, p.
brasileiro9, diz que “merece exame o contraste entre a
37).
lei votada pelo Congresso e a que apareceu depois da
sanção”, aconselhando que, se for detectada diferença A Revolução Industrial e as transformações na
entre a forma definitiva e a que preponderou nos organização da sociedade provocaram o declínio do
debates, deve se recorrer aos registros dos trabalhos aludido sistema hermenêutico tradicional, surgindo
parlamentares para que prevaleça a verdadeira um sistema que Maximiliano denominou de histórico-
redação que triunfou (Maximiliano, 2011, p. 34). evolutivo ou evolutivo.11 Em sua análise do novo
Incursionando no estudo dos Sistemas10 de modelo, aduz que se deve observar
Hermenêutica e de Aplicação do Direito, o autor, no
[...] não só o que o legislador quis, mas
também o que ele quereria, se estivesse no meio
atual, enfrentasse determinado caso concreto
8 Luís Roberto Barroso também enfoca a distinção entre interpretação hodierno, ou se compenetrasse das necessidades
e construção (construction). Ensina que “a interpretação consiste contemporâneas [...] (Maximiliano, 2011, pp. 38-39).
na atribuição de sentido a textos ou a outros signos existentes,
ao passo que a construção significa tirar conclusões que estão
fora e além das expressões contidas no texto e dos fatores nele
Defende que em diversas situações, ante a
considerados. São conclusões que se colhem no espírito, embora impossibilidade de se alterar os textos positivos, deve
não na letra da norma. A interpretação é limitada à exploração
do texto, ao passo que a construção vai além e pode recorrer a
considerações extrínsecas” (BARROSO, 2015, p. 305). Essa diferença
ajuda a firmar a compreensão de que a hermenêutica também
abrange o fenômeno da construção do Direito pelo juiz, ou seja, da no tempo. Tais correntes se subdividiram e não raro são chamadas
criação judicial do Direito. por nomes diferentes.
o juiz, pela interpretação, adaptar a lei “às exigências denegação de justiça. Realça que, no Brasil, assim como
sociais imprevistas, às variações sucessivas do meio.” 12 noutros países, decorre de lei o dever de julgar mesmo
Citando doutrina de Jean Cruet, enfatiza que: diante do vazio normativo, estabelecendo o art. 4º da
Lei de Introdução às normas do Direito pátrio13 que,
O juiz, esse ente inanimado, de que falava
“quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
Montesquieu, tem sido na realidade a alma do
progresso jurídico, o artífice laborioso do Direito acordo com a analogia, os costumes e os princípios
novo contra as fórmulas caducas do Direito gerais do direito.”14 Maximiliano aduz que
tradicional. Esta participação do juiz na renovação
do Direito é, em certo grau, um fenômeno constante, [...] bem ameaçadas ficariam a tranquilidade
podia-se dizer uma lei natural da evolução jurídica: pública e a ordem social, se ao juiz fosse lícito abster-
nascido da jurisprudência, o Direito vive pela se de julgar, ao invés de suprir as deficiências da lei
jurisprudência, e pela jurisprudência que vemos com as próprias luzes e os ditames da razão e da
muitas vezes o Direito evoluir sob uma legislação equidade [...] (Maximiliano, 2011, p. 42).
imóvel. É fácil dar a demonstração experimental
Com acuidade plasmada em sua larga experiência
deste asserto, por exemplos tirados das épocas mais
diversas e dos países mais variados (MAXIMILIANO, profissional, o autor não deixa de enfrentar a temática
2011, p. 39). das lacunas voluntárias da lei15. Diz que
Nessa linha de raciocínio, pondera que o dever [...] nem sempre é fácil estabelecer a diferença
de decidir os litígios, sejam quais forem as deficiências entre o silêncio propositado, que significa a recusa
da lei escrita, impele o juiz a desempenhar o papel de da ação, e a deficiência ocasional, que se deve suprir
pelos meios regulares – analogia, Direito subsidiário,
aperfeiçoador dos preceitos legais, adaptando-os às
equidade. Em tal conjuntura surge a oportunidade
novas exigências sociais, sem que se cogite de violação para se revelar toda a argúcia e demais recursos
do princípio da separação dos Poderes. intelectuais do hermeneuta [...] (Maximiliano, 2011,
Entretanto, cabe destacar que, embora se filie p. 43).
a essa corrente exegética evolutiva, no sentido de se Como visto, o autor defende um processo
adaptar a norma imutável à vida real, numa perspectiva hermenêutico de viés sociológico (atento às
sociológico-teleológica, o renomado jurista contrapõe-
necessidades e exigências da sociedade de seu tempo)
se à ideia de se levar esse processo até as últimas
e teleológico (voltado a atingir a ratio legis, ou seja,
consequências, na esteira de um pensamento mais
radical da Escola do Direito Livre, sobre a qual se debruça
mais adiante. No seu ponto de vista, é mais adequada
13 ALei 12.376/2010 alterou a ementa do Decreto-Lei 4.657/1942,
uma postura moderada, que se detenha num meio-
de modo que a antiga Lei de Introdução ao Código Civil agora se
termo discreto, que tire do Direito, como conjunto, as chama Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro.
deduções exigidas pelo meio social, mas sem afrontar 14 Além dessa prescrição legal, o art. 126 do Código de Processo
arbitrariamente a letra da lei (Maximiliano, 2011, p. 41). Civil brasileiro dispõe que “o juiz não se exime de sentenciar ou
O autor propugna a adaptação inteligente da norma despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento
da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo,
às circunstâncias mutáveis da vida, preferindo-se o recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de
conjunto ao dispositivo isolado, o Direito à regra. direito”. Nesses dois dispositivos se funda o princípio da proibição
do non liquet, devendo o magistrado contornar a omissão do
No capítulo VIII, intitulado O Juiz e a Aplicação do legislador. Se há lacuna na lei, não há lacuna no Direito. Mais
Direito – Código Civil: Nova Lei de Introdução, Art. 4º, há adiante o autor cuidará especificamente das aludidas fontes do
Direito.
a apreciação da peremptória obrigação do magistrado
de julgar apesar da lacuna normativa. O autor frisa a 15 Como se sabe, além das lacunas involuntárias, decorrentes de
descuido do legislador, há as lacunas voluntárias. Muitas vezes,
regra legal no sentido de que não é lícito ao juiz abster- intencionalmente, o legislador fica aquém do fim para que foi
se de julgar sob o pretexto de ser a lei omissa, ambígua promulgada a lei, ou seja, ele cria uma lacuna voluntária ou
ou obscura, sob pena de se caracterizar verdadeira intencional. Assim, a interpretação teleológica é de extrema
importância para que se possa detectar, ou não, a existência de
tal lacuna. Quanto ao assunto, Norberto Bobbio destacou que,
“segundo o significado de lacuna que ilustramos, as voluntárias
não são verdadeiras lacunas. Aqui, de fato, a integração do vazio,
12 Essacorrente de pensamento se aproxima, mas não se confunde deixado de propósito, é confiada ao poder criativo do órgão
com as ideias concebidas pela chamada Escola Sociológica do hierarquicamente inferior” ou ao juiz, a quem caberá a missão de
Direito, que propõe buscar nos fatos sociais o Direito aplicável ao definir a regra específica aplicável ao caso concreto (BOBBIO, 1994,
caso concreto. pp. 144-145).
o fim colimado pelo dispositivo). Em vários trechos o julgamento do feito à espera do agir do Poder
de sua obra, como no capítulo X, em que cuida das Legislativo.
Amplas Atribuições do Juiz Moderno, combate o agir Avançando nesse assunto, Maximiliano, no
frio e insensível do exegeta que aplica mecanicamente capítulo XI, tece breve consideração sobre a figura
os preceitos; para além disso, propõe que o intérprete do Juiz Inglês, independente, experiente, bem
seja o intermediário entre a letra morta e a vida real, remunerado e que, quando visualiza o conflito entre
aduzindo que não se pode aguardar a reforma ou a letra da lei e equidade, decide contra aquela. Afirma
complemento dos textos obscuros ou ultrapassados que o magistrado inglês prefere o Direito à letra da lei,
para só então se decidir os conflitos (Maximiliano, 2011, “a ideia à forma, a noção superior e abstrata à regra
pp. 50-51). No entanto, Maximiliano rejeita, no geral, positiva imperfeita” (Maximiliano, 2011, p. 54).
a ideia de criação do Direito pelo intérprete.16 Afirma
Nessa linha de discurso, no capítulo seguinte (XII),
que o magistrado não cria ou formula o Direito, mas o
denominado Livre Indagação, apresenta o pensamento
interpreta apenas, função esta que é exercida somente
da Escola da Livre Indagação ou do Direito Livre, que
nas hipóteses de dúvidas decorrentes de lacunas ou
propunha uma
antinomias num caso forense (2011, pp. 48-49).
[...] aplicação do Direito mais arrojada do que
Para o eminente jurisconsulto,
a doutrina, vitoriosa, da escola histórico-evolutiva;
[...] o intérprete não cria prescrições, nem porquanto não se contentava com interpretar
posterga as existentes; deduz a nova regra, para amplamente os textos; ia muito além, criava Direito
um caso concreto, do conjunto das disposições novo.
vigentes, consentâneas com o progresso geral [...]
Narra que esse movimento inovador da Livre
(Maximiliano, 2011, p. 39).
Indagação, do Direito Livre, do Direito Justo teve
Ainda que adote essa posição mais cautelosa origem na França e na Alemanha, no final do século
sobre o tema da produção judicial do Direito, reconhece XIX, nas vozes de François Geny e também de Eugen
que, em determinados casos, quando se permite que Ehrlich, desenvolvendo-se no sentido de garantir
o juiz recorra à equidade e aos princípios gerais do ao juiz a função criadora sempre que não se depare
Direito, acaba por se equiparar ao legislador17. Entende com preceito legal específico à situação concreta
que essa solução é mais adequada do que sobrestar (Maximiliano, 2011, p. 55). O autor, porém, resiste em
reconhecer essa função criadora do Direito pelo juiz,
afirmando que, em verdade, o magistrado deduz a
16 Conquanto haja quem entenda que o juiz tem legitimidade regra em forma de sentença para o caso concreto.
democrática apenas para aplicar normas, e não para produzi-las, Pontua que o legislador produz a norma e o juiz a
prevalece o entendimento de que a jurisprudência é uma fonte
criadora de normas jurídicas, sendo possível a criação judicial do
aplica. Assevera que a diferença entre eles é que o
Direito. Essa perspectiva fica clara a partir das decisões judiciais primeiro cria a regra geral dirigida para o futuro e o
com efeitos vinculantes proferidas no controle concentrado de
segundo concebe uma regra ao caso concreto, voltada
constitucionalidade, bem assim nos enunciados de súmulas com
efeitos vinculantes e nas decisões em mandados de injunção, já ao passado (2011, p. 58).
que hoje se adota uma diretriz mais concretista para se viabilizar
o exercício do Direito. Os precedentes judiciais vinculantes são Na visão de Maximiliano, seria perigoso
uma forma de criação judicial do Direito, pois a decisão tem força autorizar expressamente o juiz a transpor as raias de
normativa, ou seja, tem força de lei. Ao discorrer sobre os métodos
sua competência de aplicador do Direito, fazendo-o
de desenvolvimento judicial do Direito, Karl Larenz demonstrou
como os precedentes constituem resoluções essenciais para a também criador de normas. No seu entender, “no
constituição do “direito judicial”. Afirmou que a jurisprudência Brasil, sobretudo, em que o Judiciário é o juiz supremo
dos tribunais superiores, após algum tempo, acaba equivalendo a
“direito vigente” (LARENZ, 1997, pp. 610-611). de sua competência, se fora autorizado a legislar em
17 Apesar parte, não tardaria a fazê-lo em larga escala”, criando-se
de Maximiliano afirmar que a integração de lacuna por
meio de analogia não seja criação de Direito novo, mas descoberta uma verdadeira ditadura judiciária (Maximiliano, 2011,
ou reconhecimento de Direito existente (p. 65), a verdade é que p. 59). Assim, insiste na noção de que o magistrado
há uma atividade criadora do juiz quando atua integrando lacunas.
Nessa situação não se pode imputar à lei, mas ao julgador, a criação deve deduzir a norma do conjunto normativo de forma
da norma usada para solucionar o caso. Karl Larenz asseverou que a colmatar as lacunas detectadas; deve adaptar um
a integração de lacunas é um contributo de conhecimento criativo,
“sendo justificado falar de um desenvolvimento judicial do Direito,
preceito à realidade da época em que vive, melhorando
no sentido de uma nova criação” (LARENZ, 1997, pp. 572-573). o texto legal. Acredita que essa ideia moderada é mais
adequada do que a noção de criação de Direito novo [...] imbuído de ideias humanitárias
pelo julgador. avançadas, [...] redigiu sentenças em estilo
escorreito, lapidar, porém afastadas dos moldes
Na sequência, no capítulo XIII, no ensejo da comuns. Mostrava-se clemente e atencioso para os
discussão acima, é analisada a interpretação contra fracos e humildes, enérgico e severo com opulentos
legem. Maximiliano assevera que Hermann Kantorowcz, e poderosos. Nas suas mãos a lei variava segundo
a classe, mentalidade religiosa ou inclinações
adepto da Escola da Livre Indagação, veio a propor que
políticas das pessoas submetidas a sua jurisdição [...]
o magistrado buscasse o ideal jurídico dentro ou fora (Maximiliano, 2011, p. 68).
da lei, advogando que o juiz não devia se preocupar
com o texto legal, de forma que podia decidir proeter e Com efeito, fica clara a relevância da exigência
também contra legem, à luz de sua consciência jurídica. constitucional de fundamentação ou motivação das
O autor, no entanto, não compactua com essa doutrina decisões judiciais, devendo o juiz decidir à luz da lei e
extremada, entendendo que não se pode desprezar da Constituição da República, a partir da contribuição
das partes, afastando-se o excesso de subjetivismo e o
a lei em favor de um critério pessoal do julgador18.
risco do decisionismo.19
O jurista pátrio, amparando-se na obra de Fritz
Berolzheimer, afirma que permitir o abandono da lei, Nos capítulos subsequentes, o autor passa a
tratar dos Processos ou Métodos de Interpretação. Antes,
[...] sob o pretexto de atingir o ideal de justiça, porém, de apontar, definir e comentar os principais
importaria em criar mal maior, porque a vantagem
métodos de interpretação, assinala que esta é uma só,
precípua das codificações consiste na certeza, na
relativa estabilidade do Direito [...] (Maximiliano,
mas é exercida por vários métodos20, aproveitando-se
2011, p. 66). de elementos diversos.
Quanto à fonte de que se origina, aponta a
Conclui que, se um preceito legal é imperfeito ou
Interpretação Autêntica e a Doutrinal. A primeira
injusto, deve o hermeneuta habilmente adaptá-lo ao
“emana do próprio poder de que fez o ato cujo
caso, à luz do conjunto normativo vigente, procurando
sentido e alcance ela declara”; a segunda é feita pelos
sempre resolver os conflitos com a lei, e não contra
estudiosos, ou seja, pelos juristas em seus pareceres
legem.
ou obras científicas. “Aquela domina pela autoridade,
No capítulo XIV, o autor chama a atenção para o esta pelo convencimento” (Maximiliano, 2011, p. 71).
equívoco da denominada Jurisprudência Sentimental. Maximiliano registra que a interpretação autêntica teve
Faz a importante observação de que “o papel da grande prestígio nas épocas de regimes absolutistas,
judicatura não é guiar-se pelo sentimentalismo; e, em que imperava a ideia de que “interpretar incumbe
sim, manter o equilíbrio dos interesses, e dentre estes àquele a quem compete fazer a lei” (2011, p. 73). O juiz
distinguir os legítimos dos ilegítimos” (Maximiliano, não podia exercer atividade interpretativa, ficando
2011, p. 69). Novamente se apoiando no magistério
de Jean Cruet, Maximiliano aduz, com toda razão,
que, “quando o magistrado se deixa guiar pelo 19 Lenio Luiz Streck, de modo pertinente, critica o demasiado
sentimento, a lide degenera em loteria” (2011, p. 68), discricionarismo ou subjetivismo que às vezes baliza o processo
pois a discricionariedade e o subjetivismo tornam hermenêutico nas Cortes de Justiça do Brasil. Recorda que o Direito
não é aquilo que o intérprete quer que ele seja, não se podendo
imprevisível o resultado, que é ditado conforme o atribuir sentidos de maneira arbitrária ao texto legal. Referido
arbítrio e a conveniência do juiz. autor, no excelente Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, assevera: “O
fato de não existir um método que garanta a correção do processo
Particularmente interessante é referência à interpretativo [...] não pode dar azo a que o intérprete possa
interpretar um texto [...] de acordo com sua vontade, enfim, de
atuação do bom juiz francês Magnaud (1889-1904), acordo com a sua subjetividade, ignorando até mesmo o conteúdo
que, nas palavras de Maximiliano, mínimo-estrutural do texto jurídico. A ‘vontade’ e o ‘conhecimento’
do intérprete não permitem a atribuição arbitrária de sentidos, e
tampouco a atribuição de sentidos arbitrária” (STRECK, Lenio Luiz.,
2007, 115).
18 Nesse aspecto, quanto ao eventual abandono dos preceitos legais, 20 Oportuno assinalar que, em relação às formas de classificação dos
o autor faz a seguinte indagação: “Se o próprio juiz lhes não métodos de interpretação, não há consenso entre os estudiosos,
obedece, não os aplica aos casos ocorrentes, como os prestigiar existindo diversos critérios de classificação. O autor, ainda no
e impor à massa ignara, descuidosa ou rebelde?” (MAXIMILIANO, início do século passado, tratou com profundidade dos principais
2011, p. 66). métodos hermenêuticos.
reduzido ao papel de “boca da lei”. Relata que esse obtido com o só emprego do processo filológico [...]
método interpretativo, filho do absolutismo, entrou (Maximiliano, 2011, p. 91).
em declínio, tornando-se exceção em todos os países Chama a atenção para o perigo do apelo cego
cultos (p. 74). à letra dos dispositivos, pois pode conduzir a um
Por ser feita pelo próprio legislador, por formalismo ou engessamento que impede o papel
meio de outra lei, chamada “lei interpretativa”, a renovador ou criador da jurisprudência, destinado a
interpretação autêntica não seria um genuíno método aprimorar a lei, adaptando-a à realidade social, moral e
de interpretação, mas uma nova norma jurídica que econômica de seu tempo (2011, pp. 97-98).
impõe o sentido e o alcance de outra. Nos dizeres do No tocante à Interpretação Lógica ou Processo
autor, “a exegese autêntica transforma o legislador em Lógico o autor afirma que consiste em procurar descobrir
juiz; aquele toma conhecimento de casos concretos o sentido e o alcance das expressões contidas no texto
e procura resolvê-los por meio de uma disposição legal, buscando estabelecer uma conexão racional
geral.” De outro lado, declara que, rigorosamente, é a entre elas.21 O exegeta centra-se nas normas em si, ou
interpretação doutrinal que merece esse nome, pois em conjunto, buscando obter a interpretação correta
é, na essência, “um ato livre do intelecto humano”. por meio do raciocínio dedutivo (Maximiliano, 2011, p.
Este tipo de interpretação é dividido pelo renomado 100). O conceito de interpretação lógica, como se verá
jurisconsulto em judiciária, feita nos tribunais, e adiante, aproxima-se do de interpretação sistemática,
doutrinal propriamente dita, realizada por estudiosos tanto que muito teóricos optam por aglutiná-los num
e pesquisadores do Direito (Maximiliano, 2011, pp. 75- único método que denominam lógico-sistemático.
76).
Maximiliano sustenta que a interpretação
Quanto aos elementos ou processos de que se lógica precisa se sobrepor à gramatical, pois deve
serve, a interpretação é classificada pelo autor como o pensamento valer mais que seu invólucro verbal,
gramatical (literal ou filológica), lógica, sistemática, conforme lição que extraiu do jurista italiano Nicola
histórica, teleológica e sociológica. Coviello. Consigna, contudo, que, sendo possível, os
No que tange à Interpretação Gramatical (Literal dois métodos devem se completar reciprocamente na
ou Filológica), ensina que se preocupa com a letra do tarefa de descobrir a verdade e mais se aproximar do
dispositivo, com a linguagem do texto, ou seja, com ideal de justiça (Maximiliano, 2011, pp. 103-104).
a acepção dos vocábulos empregados nos preceitos Em relação à Interpretação Sistemática,
normativos. O autor destaca as dificuldades que cercam Maximiliano, em linhas gerais, assevera que consiste
esse método por conta das variações de significado das “em comparar o dispositivo sujeito à exegese com
palavras conforme a época e o lugar em que o texto foi outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas
redigido (Maximiliano, 2011, p. 88). referentes ao mesmo objeto”. Ensina que [...] do exame
Sob outro enfoque, Maximiliano assenta que a das regras em conjunto deduz-se o sentido de cada
letra clara da lei não deve ser abandonada, se não é uma”, pois o “direito objetivo não é um conglomerado
contraditada por nenhum elemento externo, se não caótico de normas”, mas “um conjunto harmônico de
existirem elementos de convicção em sentido diverso. normas coordenadas” (Maximiliano, 2011, pp. 104-
Preleciona que o hermeneuta só deve se afastar 105). Afirma que a interpretação sistemática considera
do texto legal “quando ficar evidenciado ser isso o Direito Positivo um todo coerente, enquadrando o
indispensável para atingir a verdade em sua plenitude”, dispositivo ao sistema.
acrescentando que o abandono injustificado da Já a Interpretação Histórica, referida no capítulo
fórmula legal constituiu perigo para a segurança atinente ao Elemento Histórico, é conceituada como
jurídica (Maximiliano, 2011, p. 91). aquela realizada a partir do descobrimento da origem
Recomenda, no entanto, cuidado com a
interpretação exclusivamente literal,
21 Esse é o conceito apresentado para a interpretação lógica
[...] porque a linguagem, embora perfeita na
propriamente dita, já que o autor, a meu ver sem razão, enquadra
aparência, pode ser inexata; não raro, a aplicados a a interpretação sociológica como uma subdivisão da interpretação
um texto, lúcido à primeira vista, outros elementos lógica. Daquela, portanto, cuidará a seguir, quando da abordagem
de interpretação, conduzem a resultado diverso do dos denominados fatores sociais.
Lei 9.099/1995 (“Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que “aquela situação que se verifica entre duas normas incompatíveis,
reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito
às exigências do bem comum”). de validade” (BOBBIO, 1994, p. 88).
sobre determinado objeto devem ser compatíveis, g) Prevalece, nos casos de antinomia
harmônicas, como desejável num sistema jurídico. evidente, a Constituição Federal sobre a Estadual, e
esta contra o Estatuto orgânico do município; a lei
Assim, embora duas expressões à primeira vista se
básica sobre a ânua e a ordinária, ambas, por sua
contradigam, deve-se analisar com muita atenção, pois vez, superiores a regulamentos, instruções e avisos;
“[...] é quase sempre possível integrar o sistema jurídico; o Direito escrito sobre o consuetudinário.
descobrir a correlação entre as regras aparentemente h) Se nenhum dos sete princípios expostos
antinômicas” (Maximiliano, 2011, p. 110). resolver a incompatibilidade, e são os dois textos da
Maximiliano aconselha que, mesma data e procedência, da antinomia resulta a
eliminação recíproca de ambos: nenhum deles se
[...] sempre que descobre uma contradição, aplica ao objeto a que se referem. Se têm um e outro
deve o hermeneuta desconfiar de si; presumir que igual autoridade, porém não surgiram ao mesmo
não compreendeu bem o sentido de cada um dos tempo, cumpre verificar, de acordo com as regras
trechos ao parecer inconciliáveis, sobretudo se expostas, se não se trata de um caso de ab-rogação
ambos se acham no mesmo repositório. tácita de expressões de Direito (MAXIMILIANO, 2011,
p. 111).
Sugere que o exegeta busque sempre tentar
harmonizar os textos, garantindo a coerência do Seguindo no propósito de descortinar e
ordenamento jurídico (Maximiliano, 2011, p. 111). bem delinear as bases da hermenêutica jurídica,
Maximiliano não deixa de se debruçar especificamente
O jurisconsulto indica alguns preceitos diretivos
sobre as seguintes fontes do Direito24: equidade,
formulados pela doutrina para auxiliar na tarefa de
transpor aparentes antinomias: jurisprudência, costume, ciência jurídica (doutrina),
analogia e princípios gerais do Direito. Enfoca, a partir
a) Tome como ponto de partida o fato de não do capítulo XXXII, o papel e a importância de cada uma
ser lícito aplicar uma norma jurídica senão à ordem dentro da ciência hermenêutica, sobretudo no que
de coisas para a qual foi feita. Se existe antinomia
toca a garantir a completude do ordenamento jurídico
entre a regra geral e a peculiar, específica, esta,
no caso particular, tem a supremacia. Preferem-
mediante a integração de lacunas.25
se as disposições que se relacionam mais direta e Relativamente à Equidade, destaca sua relevância
especialmente com o assunto de que se trata. para a integração do sistema, afirmando, a partir dos
b) Verifique se os dois trechos se não referem dizeres de Géza Kiss, que nela
a hipóteses diferentes, espécies diversas. Cessa,
nesse caso, o conflito; porque tem cada um a sua [...] tem algo de superior a toda fórmula
esfera de ação especial, distinta, cujos limites o escrita ou tradicional, sendo um conjunto de
aplicador arguto fixará precisamente. princípios imanentes, constituindo de algum modo
c) Apure o intérprete se é possível considerar a substância jurídica da humanidade, segundo sua
um texto como afirmador de princípio, regra natureza e seu fim, princípios imutáveis no fundo,
geral; o outro, como dispositivo de exceção; o que porém cuja forma se adapta à variedade dos tempos
estritamente não cabe neste, deixa-se para a esfera e países [...] (Maximiliano, 2011, p. 141).
do domínio daquele.
d) Procure-se encarar as duas expressões
de Direito como parte de um só todo, destinadas 24 Oautor não faz a classificação das fontes do Direito, mas é certo
a completarem-se mutuamente; de sorte que a que os teóricos as classificam de muitas formas: materiais ou
generalidade aparente de uma seja restringida e formais, diretas ou indiretas, voluntárias ou involuntárias etc.
precisada pela outra.
25 A integração ou colmatação de lacunas é tema central do
e) Se uma disposição é secundária ou processo interpretativo e gerou constante debate entre as escolas
acessória e incompatível com a principal, prevalece de hermenêutica jurídica. É importante, assim, recordar que,
a última. conforme ensinamento de Bobbio, lacuna consiste na falta de
uma norma reguladora, num espaço jurídico vazio, representando
f) Prefere-se o trecho mais claro, lógico, a incompletude do ordenamento jurídico. Além das lacunas
verossímil, de maior utilidade prática e mais em reais ou próprias, tratou também das lacunas ideológicas ou
harmonia com a lei em conjunto, os usos, o sistema impróprias, que são aquelas que “derivam não da consideração
do Direito vigente e as condições normais de do ordenamento jurídico como ele é, mas da comparação entre
ordenamento jurídico como ele é e como deveria ser”. O mestre
coexistência humana. Sem embargo da diferença
italiano também entendeu por lacuna a falta não já de uma
de data, origem e escopo, deve a legislação de um solução, qualquer que seja ela, mas de uma solução satisfatória, ou,
Estado ser considerada como um todo orgânico, em outras palavras, não já a falta de uma norma, mas falta de uma
exequível, útil, ligado por uma correlação natural. norma justa” (BOBBIO, 1994, p. 140).
pois “um aresto não fundamentado é simples afirma- vigência temporária, a lei terá vigor até que outra
ção”; c) o precedente, para constituir jurisprudência, modifique ou revogue”).
deve ser uniforme e constante; d) o acórdão unânime O autor reconhece, por outro prisma, que há
goza de maior prestígio, mas sempre é preciso atenção textos legais que caem em desuso, tornando-se letra
para os fundamentos do voto vencido ou da senten- morta por se revelarem incompatíveis com o estado
ça reformada, pois amanhã pode tal tímida e isolada social e com as ideias dominantes numa época. Nesse
compreensão se tornar triunfante e generalizada; e) os caso, uma exegese atenta e orientada cientificamente
jurisdicionados contam com a estabilidade da jurispru-
pode concluir pela inaplicabilidade do preceito legal,
dência, daí porque, “sem estudo sério, motivos ponde-
mas deve haver cautela, pois seria perigoso generalizar
rosos e bem examinados, não deve um tribunal mudar
essa solução.30
a orientação dos seus julgados”; f) sem fundamentos
sólidos, No que toca à Ciência do Direito, aqui entendida
como Doutrina, é vista como um relevante fator de
[...] não deve o juiz com facilidade se afastar da exegese, pois auxilia a eliminar contradições aparentes
autoridade da jurisprudência dos tribunais, devendo
e ajuda na construção de soluções adequadas para se
sempre lembrar que o prestígio dos julgados cresce
com a altura do tribunal [...] (Maximiliano, 2011, pp. atingir o ideal de justiça. Maximiliano põe em evidência
1.150-151). o fato de que a “ciência antecede a jurisprudência”,
inspirando soluções para os casos duvidosos. Na sua
Por sua vez, o Costume é definido como “uma
opinião, para ser um bom hermeneuta, o operador do
norma jurídica sobre determinada relação de fato e
Direito precisa conhecer bem todo o sistema jurídico
resultante da prática diurna e uniforme, que lhe dá
em vigor; deve recorrer à doutrina consagrada e
força de lei” (Maximiliano, 2011, p. 152). Trata-se, na
ter vistas largas a partir do conhecimento de outras
dicção do autor, de uma viva, rica e importante fonte
disciplinas31, pois não há ciência isolada e integral
do Direito, a qual é prestigiada várias vezes pelo
legislador brasileiro quando faz menção expressa aos (Maximiliano, 2011, pp. 159-160).
usos e costumes locais. Segundo Maximiliano, Voltando-se à Analogia, recorda que “consiste em
aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição
[...] exerce o costume duas funções: a de
relativa a um caso semelhante”32. Parte-se da premissa
Direito Subsidiário, para completar o Direito Escrito
e lhe preencher as lacunas; e a de elemento de de que os fatos de igual natureza devem ser regulados
Hermenêutica, auxiliar da exegese [...]. de modo idêntico. De acordo com o autor, a analogia
Esclarece que no primeiro caso tem ele força [...] funda-se, não como se pensou outrora, na
de lei, mas como elemento de Hermenêutica não é vontade presumida do legislador, e, sim, no princípio
aproveitado por obrigação, mas apenas quando se de verdadeira justiça, de igualdade jurídica, o que
exige que as espécies semelhantes sejam reguladas
revelar útil ou necessário no processo interpretativo
(Maximiliano, 2011, p. 155).
De acordo com o jurisconsulto,
30 Tal
preocupação tem inegável sentido, pois o uso contrário da lei
[...] há três espécies de costumes: o secundum ou seu desuso acaba por minar a força do texto explícito emanado
legem, previsto no texto escrito, que a ele se refere, da autoridade competente, podendo instalar a desordem.
ou manda observá-lo em certos casos, como Direito 31 Nesse particular, o autor faz interessante observação: “Os homens
Subsidiário; o propter legem, que substitui a lei nos de ilustração variada e sólida, sobretudo nos tribunais superiores,
casos por ela deixados em silêncio [...]; o contra dão melhores juízes, de vistas mais largas, do que meros estudiosos
legem, que se forma em sentido contrário ao das do Direito Positivo, que infelizmente constituem a maioria. Não é
disposições escritas. possível isolar as ciências jurídicas do complexo de conhecimentos
que formam a cultura humana: quem só o Direito estuda, não sabe
Salienta-se que o mais controverso é este último, Direito” (MAXIMILIANO, 2011, p. 160).
pois implicitamente revogaria os textos positivos 32 Apoiado em consideração de Ferrara, justifica a razão de existir
(Maximiliano, 2011, p. 156). Entretanto, destaca-se, no da analogia reside na impossibilidade de o Direito Positivo prever
todas as hipóteses, devendo as disposições existentes serem
particular, que deve ser posto à margem, pois uma lei aplicadas aos casos semelhantes: “A impossibilidade de enquadrar
só é revogada por outra, não pelo costume, conforme em um complexo de preceitos rígidos todas as mutações da
vida prática decorre também do fato de poderem sobrevir, em
prescreve o art. 2º da Lei de Introdução às normas qualquer tempo, invenções e institutos não sonhados sequer pelo
do Direito Brasileiro – LINDB (“Não se destinando a legislador” (MAXIMILIANO, 2011, p. 170).
por normas semelhantes [...] (Maximiliano, 2011, p. a analogia ocupa-se de uma lacuna, preenchendo-a
171). a partir de preceito que regula hipótese semelhante;
No desenrolar dessa atenta reflexão sobre a já a interpretação extensiva versa sobre uma norma
analogia, assinala que se distingue em analogia legis e existente cujo sentido é estendido ou dilatado para
analogia juris. Naquela, à falta de uma disposição legal, alcançar hipótese não contemplada no texto. Aquela
recorre-se à regra que regula um caso semelhante; pressupõe a falta de dispositivo legal, daí porque
nesta, em vez de recorrer apenas a um preceito aplica o que regula caso semelhante; esta pressupõe
existente, lança mão de um conjunto de princípios a existência de preceito e estende seu alcance para
jurídicos de um instituto em busca de solução para abranger hipótese que está implícita (Maximiliano,
determinado caso (Maximiliano, 2011, p. 171). 2011, p. 175).
O festejado jurista e político brasileiro assevera Relativamente aos Princípios Gerais do Direito,
que “o manejo acertado da analogia exige, da parte extrai-se da explanação do autor que são postulados
de quem a emprega, inteligência, discernimento e ou diretrizes mestras que se encontram implícita ou
rigor de lógica”, não comportando uma “ação passiva explicitamente no sistema jurídico, e que orientam
e mecânica”. Destarte, elenca, dentre outras, as produção e a interpretação das normas. Esclarece
seguintes lições: a) deve haver semelhança entre as que, quando a analogia e o costume não forem
hipóteses para se empregar a analogia; tais afinidades suficientes para a integração de uma lacuna, quando
não devem ser aparentes, semelhança formal, mas a jurisprudência não auxiliar no preenchimento de
real, de modo que se orientem pelo mesmo princípio um vazio normativo, terá pleno cabimento, em último
básico, sendo “uma só a ideia geradora tanto da grau, o recurso aos princípios gerais do Direito, que
regra existente como da que se busca”; b) “o recurso estão contidos de forma imanente no ordenamento
à analogia tem cabimento quanto a prescrições de jurídico (Maximiliano, 2011, p. 246).
Direito comum; não do excepcional, nem do penal”,
não devendo se confundir Direito excepcional com 3 Considerações finais
o especial ou particular; c) “em matéria de privilégios,
bem como em se tratando de dispositivos que limitam Encerrando esta resenha, convém retornar
a liberdade, ou restringem quaisquer outros direitos, ao capítulo XVIII, que traz considerações sobre
não se admite o uso da analogia”; d) “quando o texto as Qualidades do Hermeneuta e sobre as causas de
contém uma enumeração de casos, cumpre distinguir: Interpretação Viciosa ou Incorreta. O autor afirma que,
se ela é taxativa, não há lugar para o processo para ser um exegeta completo, é mister que se tenha
analógico; se exemplificativa apenas, dá-se o contrário, profundo conhecimento de todo o organismo do
não se presume restringida a faculdade do aplicador Direito, que se conheçam os institutos jurídicos e
do Direito”; e) “as leis de finanças, as disposições bem se compreendam os fatos, de modo que possa
instituidoras de impostos, taxas, multas e outros ônus interpretar e aplicar a lei de modo escorreito, com
fiscais, só abrangem os casos que especificam”, ou seja, justiça. Com sutileza, alerta para a circunstância de
não comportam o emprego da analogia (Maximiliano, que as diversas tendências ou inclinações33, as paixões
2011, pp. 173-174). e os preconceitos muitas vezes impedem o operador
Confirmando sua posição mais reservada quanto do Direito de raciocinar com a necessária acuidade e
à criação judicial do Direito, Maximiliano ressalta acerto. Afirma que a exegese viciosa e incorreta às
que o processo analógico não cria Direito novo, mas
apenas descobre o já existente. “O magistrado que
recorre à analogia não age livremente, mas desenvolve 33 Nesse aspecto, pontua, a partir da doutrina de Berriat Saint-
ou adapta preceitos latentes, que já se achavam no Prix, que “a posição do intérprete contribuiu para a defesa de
proposições inexatas. O advogado propugna a tese que melhor
sistema jurídico em vigor” (Maximiliano, 2011, p. 174). aproveita ao constituinte; o político, a que convém ao seu partido;
Em arremate, o autor chama a atenção para o fato o juiz sente-se preso pela ideia sustentada em processo anterior; o
prático apega-se aos precedentes; o divulgador alvissareiro de uma
de que não é lícito equiparar a analogia à interpretação doutrina nova, dificilmente a repudia depois, não condescende
extensiva, embora elas apresentem um ponto em em despojar-se da glória da descoberta ou da primazia; o escritor,
criticado vigorosamente, não mais abandona os seus paradoxos
comum, qual seja, servem para resolver casos não vistosos, nem os cintilantes sofismas enganadores” (MAXIMILIANO,
expressos na lei. Com talento, Maximiliano aduz que 2011, p. 85).
vezes decorre do fato de o julgador impressionar-se É certo que a destacada atuação profissional
com a galeria da corte, o que hoje remete àqueles casos em diversos segmentos da vida pública fez com que
em que a decisão judicial é influenciada pela imprensa, Maximiliano se projetasse no cenário jurídico brasileiro,
pela opinião pública (Maximiliano, 2011, pp. 82-85). mas foi sua obra Hermenêutica e Aplicação do Direito
Em todo o restante do livro, Carlos Maximiliano que marcou seu nome na história do pensamento
aborda outros diversos temas específicos sobre a jurídico pátrio, merecendo o reconhecimento e
ciência hermenêutica, expondo sobre o desempenho homenagens pela relevante contribuição que deu na
apurado do papel interpretativo pelos operadores do sistematização, no desenvolvimento e na difusão da
Direito, sempre mantendo a alta densidade teórica com ciência hermenêutica no Brasil. No ensejo, ficam aqui
uma saudável conexão com a realidade. Sobressai, ao registrados os agradecimentos e a admiração do autor
cabo, o valioso ensinamento de que “a interpretação desta resenha.
das leis é obra de raciocínio e de lógica, mas também
de discernimento e bom senso, de sabedoria e Referências
experiência” (Maximiliano, 2011, p. 82). BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional
O talento e o sólido embasamento doutrinário do Contemporâneo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
autor permitiram que os assuntos fossem enfocados
sob ângulos diferentes, sempre com a apresentação BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 5.
de contrapontos enriquecedores, o que tornou lapidar ed. Brasília: Editora UnB, 1994.
e extenso o estudo. Pela natureza e limites deste CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria
trabalho, não é possível tratar de todo o conteúdo da da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
obra resenhada, mas fica a certeza de que nela o leitor
encontrará vastos e profundos ensinamentos sobre HIRATA, Alessandro. Carlos Maximiliano e a
um dos objetos mais relevantes da ciência jurídica hermenêutica do direito brasileiro. Coluna Notáveis
contemporânea. do Direito. Revista Carta eletrônica Carta Forense.
Enfim, estes breves apontamentos sobre a Publicação de 02/04/2013. Disponível em: <http://
principal obra de Maximiliano mostram sua extrema w w w.car taforense.com.br/conteudo/colunas/
utilidade aos cultores do Direito, ficando claro porque carlos-maximiliano-e-a-hermeneutica-do-direito-
está inscrita no rol daquelas que contribuíram e brasileiro/10798>. Acesso em: 30 jul. 2015.
contribuem para a construção e o aperfeiçoamento LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito.
do pensamento jurídico nacional. Embora elaborado Tradução de José Lamego. 3. ed., Lisboa: Fundação
ainda no início do século passado, o livro impressiona Calouste Gulbenkian, 1997.
pela larga amplitude do estudo e pela profundeza das
reflexões encetadas, de modo que é natural manter STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise.
singular atualidade, sendo até hoje adotado em todas Uma exploração hermenêutica da construção do Direito.
as faculdades de Direito do País. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.