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Poesia de Alberto Caeiro

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Poemas Completos de

Alberto Caeiro

Heterônimo de
Fernando Pessoa
 Ao lado de Camões, é considerado um dos mais
importantes poetas de Portugal.
 Maior poeta do movimento modernista português
 Complexidade de sua obra – coexistem o moderno e
o clássico, o revolucionário e o tradicional, o
materialismo e o panteísmo, o múltiplo e o paradoxal,
o lógico e o contraditório, o prosaico e o poético.

 Hoje eu defendo uma coisa, amanhã outra; eu era


pagão dois parágrafos acima, mas ao escrever este já
não o sou.
 ACM (“desde a obra lírica de Camões, a nossa poesia
não voltara a alcançar essa aliança total dos mais
elevados poderes de comunicação emotiva com a
riqueza e a profundidade de pensamento. É a
proximidade do sentir de cada um, a imediata
comunicação que nos permite reconhecer nos versos
de Camões e de Pessoa a nossa própria experiência
cotidiana”
 Ato de criar é mais importante que viver.
 Influências filosóficas dos pré-socráticos aos pessimistas do
séc. XIX
 Tendência ao estudo do ocultismo, da maçonaria, da cabala, da
alquimia, do zen budismo, entre outros.
“Posição religiosa: ... Fiel, por motivos que mais adiante estão
implícitos, à Tradição secreta do Cristianismo, que tem íntimas
relações com a Tradição secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e
com a essência oculta da Maçonaria. Posição iniciática: Iniciado,
por comunicação direta de Mestre e discípulo, nos três graus
menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de
Portugal.”
Filosofia Zen: contemplação tranqüila, tudo o que estiver
relacionado com o cotidiano – portanto, implica presente.
Heráclito: “Toda coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela
primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E
então cada flor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o
que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem
a flor a mesma. O próprio amarelo não pode já ser o mesmo. É
pena a gente não ter exatamente os olhos para saber isso,
porque então éramos todos felizes.: (posfácio Álvaro de Campos)
As Pessoas de Pessoa - Heteronímia
Heterônimo ≠ Pseudônimo
Multiplicidade de visões de mundo (modernidade)
Épico Mensagem

Ortônimo Cancioneiro Fernando Pessoa –


Poemas Franceses Literato
Lírico
Poemas Ingleses
Traduções
Textos em Prosa

Ricardo Reis – o médico -


Odes
Clássico
Heterônimos Álvaro de Campos - o
Poesias engenheiro –
Ficções de
Moderno/Revolucionário
Interlúdio
Inter-ludus O Guardador de
Rebanhos Alberto Caeiro – o homem
O Pastor Amoroso do campo
Poemas Inconjuntos
Sistema heteronímico/ abarcar o mundo
pólo da + objetividade - sensação

ALBERTO CAEIRO
presente/simplicidade/cultura
elementar/campo.

RICARDO REIS
passado/classicizante/cultura
humanística/formal

ÁLVARO DE CAMPOS
presente/cidade//conflitos
modernos, crises

pólo da + subjetividade - pensar


Os três heterônimos (Alberto
Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de
Campos) e “O Menino da sua
Mãe"

Desenho a esferográfica de
Almada Negreiros
O poeta e suas múltiplas faces – máscaras?

Leia os fragmentos de Fernando Pessoa, compare-os com a tela do


pintor surrealista Magritte – “Os Amantes” (1928) – e teça possíveis
relações entre eles.
Texto 1:
“O poeta é um fingidor,
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”
Texto 2:
“Como um carrossel,
Giro em meu torno sem me achar...”
Texto 3:
“Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-me,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.”
“Os Amantes”, Magritte
Ideal Poético
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê,
Nem ver quando se pensa.

Sensasionismo: FP (1915) ...nada existe, não existe a


realidade, mas apenas sensações. As idéias são
sensações, mas de coisas não colocadas no espaço e, por
vezes, nem mesmo no tempo. A lógica, o lugar das idéias, é
outra espécie de espaço.”

A poesia descreve o real e o exterior ao homem


Tema
sensação
Sensacionismo
Estilo
Paganismo absoluto
Modernismo:
 Crise da manifestação artística – gestação de
vanguardas revolucionárias;
 As artes em crise voltam-se para si mesmas
 Reação ao passado artístico – ruptura e
reconstrução;
 Destruir “as gavetas do cérebro e das organizações
sociais, desmoralizar por toda a parte”
 Sensibilidade moderna forjada pela destruição
(Primeira Guerra) – espetáculo de selvageria –
compulsão de criar troca de lugar com a compulsão
de destruir (ou melhor, misturam-se as linguagens)
 Canto ao presente, ao tempo das máquinas, da
velocidade.
 O cotidiano e a linguagem – proximidade do poeta.
 Prosaísmo, liberdade formal e estilística.
Concepção poética - modernismo

Não me importo com as rimas. Raras vezes


Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior

Olho e comovo-me,
Comovo-me como a água corre quando o chão é reclinado,
E a minha poesia é natural como o levantar-se vento...
A obra de Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos (1911 – 1912)
 49 poemas sem título, com numeração em
algarismos romanos;
O Pastor Amoroso
 6 pequenos poemas lírico-amorosos,
datados de 6/7/1914; 6/7/1914; 1-/7/1930;
10/7/1930; 10/7/1930 e 23/7/1930
Poemas inconjuntos (1913 – 1915)
 49 poemas
O Guardador de Rebanhos
[211]
Pensar em Deus é desobedecer a Deus
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...
Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!...

 Panteísmo, paganismo, cristianismo – contradições e conjunções


 recusa a transcendência, a explicação metafísica ou teológica
 a natureza e nós devemos existir apenas, sem indagações
[242]
Também às vezes, à flor dos ribeiros,
Formam-se bolhas na água
Que nascem e se desmancham
E não têm sentido nenhum
Salvo serem bolhas de água
Que nascem e se desmancham.

 recusa a procurar o sentido para as coisas


 as coisas não têm sentido, têm apenas existência
 diferença entre ser/pensar/existir
[252]
Vi que não há Natureza,
Que Natureza não existe,
Que há montes, vales, planícies,
Que há árvores, flores, ervas,
Que há rios e pedras,
Mas que não há um todo a que isso pertença,
Que um conjunto real e verdadeiro
É uma doença das nossas idéias,
A Natureza é partes sem um todo.
Isto é talvez o tal mistério de que falam.

natureza dissociada de um todo


as coisas não têm sentido como partes desse todo
as coisas têm apenas existência.
[245]

Passa uma borboleta por diante de mim


E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não tem perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

A supremacia do visual
A concretude das coisas existe nas próprias coisas.
[210]
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
 Pensar = doença
 Viver é diferente de pensar
 Antiintelectualismo
 Nada de especulação filosófica, mística ou
metafísica.
 incisivo e agressivo discurso - anticristão
 Busca da objetividade absoluta em si mesmo
 Aproximação panteísta
 Aproximação do objeto estético: as sensações.
[223]
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...

Quem me dera que eu fosse os rios que correm


E que as lavadeiras estivessem à minha beira...

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio


E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...

Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro


E que ele me batesse e me estimasse...

Antes isso que ser o que atravesse a vida


Olhando para trás de si e tendo pena...
Outras Obras
O pastor amoroso
Quando eu não te tinha .
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor –
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou. [258]
Poemas inconjuntos

Não basta abrir a janela


Para ver os campos e o rio.
Nem é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma;
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela. [261]
O espelho reflete certo; não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo. [285]

***

O universo não é uma idéia minha.


A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe se tivesse peso. [283]
Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma cousa:
É uma maneira de dizer. [273]
***
É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.
Caeiro por exercícios
Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...

Para que é preciso ter piano?


O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.
 Condensação poética
 Combinação de sons – artificial e natural.
 Defesa singela da natureza
 Versos em liberdade

(Fuvest) a) Qual a opinião do poeta em relação ao piano?


b) Que simboliza o piano no poema?
c) Verifique se há no poema alguma característica que permita situá-lo
em determinada estética literária.
d) Algum elemento que evidencie ser o autor português ou brasileiro.
Justifique.
“Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?”
“Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?”
“Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram.”
“Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
E a mentira está em ti.”
(Unicamp)
Falso diálogo entre Pessoa e Caeiro
[Pessoa] - a chuva me deixa triste...
[Caeiro] - a mim me deixa molhado.
(José Paulo Paes)

O poema “Falso diálogo entre Pessoa e Caeiro” de José Paulo


Paes, remete-nos ao poema X de O Guardador de Rebanhos, de
Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa). Leia
atentamente os dois poemas e identifique no poema de Alberto
Caeiro as falas que, segundo o poema de José Paulo Paes,
poderiam ser atribuídas a Pessoa e a Caeiro, respectivamente.
Justifique sua resposta.
ENEM 2004
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura... (Alberto Caeiro)

A tira “Hagar” e o poema de Alberto Caeiro (um dos heterônimos de


Fernando Pessoa) expressam, com linguagens diferentes, uma
mesma idéia: a de que a compreensão que temos do mundo é
condicionada, essencialmente
a) pelo alcance de cada cultura.
b) pela capacidade visual do observador.
c) pelo senso de humor de cada um.
d) pela idade do observador.
e) pela altura do ponto de observação.
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer. (...)
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés de fel como um sinistro mar!”
O sentimento dum ocidental – Cesário Verde

Como amanhece! Que meigas


As horas antes do almoço!
Fartam-se as vacas nas veigas
E um pasto orvalhado e moço
Produz as novas manteigas.
Provincianas – Cesário Verde
[208]
Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas coisas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...
(Unicamp)
a) Como Cesário Verde apresenta a cidade em “O
Sentimento dum Ocidental”?
b) Como Caeiro interpreta a visão que Cesário Verde tem
da cidade?
c) O que, nos textos transcritos, justifica as
considerações de Caeiro?
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que o corre pela minha
aldeia.
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios


E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha


E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada


Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

 Pretensão de objetividade absoluta


 Comparação entre o ser (o rio de aldeia) e o poder ser (o
Tejo)
 O poder ser – histórico, geográfico – carrega vultos e
fantasmas
 O ser – real – concretude da natureza.
 Pelo jogo antitético o poeta chega ao ser.
Fuvest - adaptado

(A traição das Imagens, 1928-1929)


Texto 1:
“Voltemos à casinha. Não serias capaz de lá entrar hoje,
curioso leitor; envelheceu, enegreceu, apodreceu, e o
proprietário deitou-a abaixo para substituí-la por outra,
três vezes maior, mas juro-te que muito menor que a
primeira. O mundo era estreito para Alexandre; um
desvão de telhado é o infinito para as andorinhas.”
(Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas)

Indique o tema comum aos fragmentos de Memórias Póstumas de


Brás Cubas, Alberto Caeiro e o quadro de Magritte.
(FUVEST)
Leia o seguinte poema de Alberto Caeiro:

Ponham na minha sepultura


Aqui jaz, sem cruz,
Alberto Caeiro
Que foi buscar os deuses...
Se os deuses vivem ou não isso é convosco.
A mim deixei que me recebessem.

a) Identifique, no poema, a modalidade religiosa que o poeta rejeita


e aquela com que tem maior afinidade. Explique sucintamente.
b) Relacione a referência a “deuses” (plural), no poema, com o
seguinte verso, extraído de outro poema de Alberto Caeiro: “A
natureza é partes sem um todo”.
(Fuvest-2006)

Noite de S.João para além do muro do meu quintal.


Do lado de cá, eu sem noite de S.João
Porque há S.João onde o festejam.
Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,
Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.
E um grito casual de quem não sabe que eu existo.
Considerando-se este poema no contexto das tendências
dominantes da poesia de Caeiro, pode-se afirmar que, neste texto,
o afastamento da festa de São João é vivido pelo eu-lírico como

a) Oportunidade de manifestar seu desapreço pelas festividades


que mesclam indevidamente o sagrado e o profano.
b) Ânsia de integração em uma sociedade que o rejeita por causa
de sua excentricidade e estranheza.
c) Uma ocasião de criticar a persistência de costumes
tradicionais, remanescentes no Portugal do Modernismo
d) Frustração, uma vez que não experimenta as emoções
profundas nem as reflexões filosóficas que tanto aprecia.
e) Reconhecimento de que só tem realidade efetiva o que
corresponde à experiência dos próprios sentidos. (alternativa E)
Drummond e Caeiro
O canto não é a natureza
Nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires a poesia das coisas)
Elide sujeito e objeto
(“A procura da poesia”)

Vomitar esse tédio sobre a cidade.


Quarenta anos e nenhum problema
Resolvido, sequer colocado. (...)
Uma flor nasceu na rua! (...)
É feia. Mas é realmente uma flor.
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
(“A flor e a náusea”)
Caeiro revisitado:
XLVI
Deste modo ou daquele modo,
Conforme calha ou não calha,
Podendo às vezes dizer que o que penso,
E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
Vou escrevendo os meus versos sem querer,
Como se escrever não fosse uma cousa feita de gestos,
Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse
Como dar-me o sol de fora.

Procuro dizer o que sinto


Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à idéia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras

Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.


O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.

E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um


[homem,
Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
Escrevo, ora bem, ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer, ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.

Ainda assim, sou alguém.


Sou o Descobrir da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.
Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não veja
Que são cinco horas do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro
Do horizonte cheio de montes baixo
in “O Guardador de Rebanhos”
Caeiro e Bandeira - Visão oposta e modificada da natureza
O Cacto
Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:
Laocoonte constrangido pelas serpentes,
Ugolino e os filhos esfaimados.
Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas...
Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.

Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.


O cacto tombou atravessado na rua,
Quebrou os beirais do casario fronteiro,
Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças,
Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas
privou a cidade de iluminação e energia:
– Era belo, áspero, intratável.
Laocoonte

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